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60 MINUTOS DE

SKINNER
PARA ESTUDANTES DE
PSICOLOGIA
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Todos os direitos reservados. Disponível em:


ernanifazzi.com

Brasil – 2016

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I

Skinner nasceu em 1904, numa cidade dos


Estados Unidos chamada Susquehanna. Seu pai era
um advogado que sonhava com uma carreira política,
mas que nunca saiu vitorioso numa campanha para as
eleições. Sua mãe cuidava do lar e prestava serviços
comunitários. E seu irmão, caçula, morreu de
aneurisma cerebral aos 16 anos.
Com o desejo de se tornar escritor, Skinner
ingressou na faculdade e estudou literatura e língua
inglesa. E após a formatura, montou um estúdio no
sótão de casa e tentou redigir profissionalmente.
Contudo os resultados o frustraram bastante e ele
começou a repensar a escolha que havia feito.
Acompanhando os debates da época, seu
interesse foi atraído por um movimento intelectual
denominado behaviorismo, que espalhava a promessa
de transformar a psicologia em uma ciência nos

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moldes da física e da biologia. A palavra “behavior”
significa comportamento e o termo “behaviorismo”
realça a intenção de fazer do comportamento, e não da
mente, o objeto de estudo da psicologia.
Confiante nos ideais behavioristas, Skinner
concluiu um doutorado na Universidade de Harvard.
Durante sua defesa de tese, alguém perguntou o que
ele via de fragilidade no behaviorismo, e Skinner
rebateu que não enxergava nenhuma. Porém com o
tempo algumas falhas do behaviorismo saltaram aos
olhos dele.
Uma passagem curiosa da trajetória de Skinner
aconteceu quando um colega o desafiou a decifrar um
pequeno enigma. Esse colega estava insinuando que o
behaviorismo não conseguia abordar com propriedade
os fenômenos da linguagem e, para testar Skinner, ele
pronunciou uma frase meio sem nexo e pediu a
Skinner para explicar o significado dela. E na hora
Skinner ficou sem argumentos.

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Essa provocação motivou Skinner a iniciar uma
pesquisa sobre o comportamento verbal que só foi
arrematada cerca de vinte e três anos depois, com a
publicação de um livro no qual ele conta o episódio
em que esse colega o desafiou e propõe uma solução
para o enigma.
Dos oitenta e seis anos que viveu, Skinner
dedicou uns sessenta à psicologia. E permaneceu
produtivo até o final, apesar da idade avançada e da
leucemia. Uma noite antes de falecer, ele estava
trabalhando na composição de um artigo cujo título
resgata uma antiga dúvida: “A psicologia pode ser
uma ciência da mente?”
Essa é uma das questões fundadoras da
psicologia moderna, e não apenas do behaviorismo.
Estruturalismo, funcionalismo, gestalt, psicanálise,
humanismo e cognitivismo também são formas de
pensar se é possível ou não construir uma ciência da
mente.

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Skinner geralmente é lembrado como um dos
representantes do behaviorismo, porém ele deixou
claro que sua teoria é um ponto de vista pessoal e que
nem todos os behavioristas concordam com o
conteúdo dela.

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II

Para muitas pessoas, comportamentos são ações


externas e as ações internas são chamadas de mentais.
Porém na obra de Skinner a palavra comportamento
recebe um sentido mais amplo e inclui qualquer ação
de um sujeito, seja a ação interna ou externa.
Na teoria de Skinner, as ações de pensar, sentir,
sonhar, imaginar, perceber, memorizar, raciocinar,
amar... são comportamentos. O conceito skinneriano
de comportamento engloba todas aquelas ações de um
sujeito que são conhecidas como processos mentais, e
engloba tanto os processos mentais cognitivos quanto
os afetivos.
Se por um lado Skinner define comportamento
como uma ação, interna ou externa, de um sujeito, por
outro lado a definição de comportamento que ele
adota envolve mais que a ação de um sujeito. Para
Skinner, comportamento não é somente a ação de um

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sujeito. Comportamento é uma interação sujeito-
ambiente. A ação do sujeito é apenas uma parte dessa
interação.
Um exemplo extraído do cotidiano indica a
importância de definir comportamento como interação
sujeito-ambiente, e não como uma ação de um sujeito
mencionada sem referência ao ambiente. Dois sujeitos
que não se conhecem estão frente à vitrine de uma
loja, pensando em comprar um telefone celular. Num
mesmo instante, eles estão no mesmo espaço, olhando
para o mesmo objeto e pensando na mesma coisa.
Mas será que o pensamento (comportamento) deles é
o mesmo?
Ao definir comportamento como interação
sujeito-ambiente, Skinner ensina que alguns sentidos
da ação de um sujeito serão encontrados no contexto
ambiental, e que esse contexto não se reduz ao aqui e
agora. A análise de Skinner é pautada em um modelo
de causalidade múltipla que pressupõe que cada ação
de um sujeito é influenciada por uma rede de

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acontecimentos que se estende do passado ao
presente. Por trás de cada ação de um sujeito há um
emaranhado de fatores que a afetam, ao invés de uma
única causa.
Voltando ao exemplo dos dois sujeitos que
pensaram em comprar o mesmo telefone, um deles
havia enfrentado fortes restrições financeiras na
adolescência e aprendeu a conter todos os gastos que
soassem como supérfluos. E se tornou tão rígido na
vigilância do dinheiro que sua esposa e filhos
reclamavam das esquisitices dele. Na ocasião em que
estava olhando aquela vitrine, ele acabou desistindo
da compra do celular, embora seu atual aparelho não
estivesse funcionando direito, e decidiu aguardar até o
aniversário da filha para presenteá-la com um novo
celular e então ficar com o dela.
O outro sujeito não resistiu à tentação, comprou
o celular e logo depois se arrependeu. Na época ele
havia sido surpreendido por um sintoma de comprar
compulsivamente, que o mobilizou a procurar apoio

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especializado, pois o súbito acúmulo de dívidas estava
arruinando seu noivado. Aos poucos ele entendeu que
a compulsão por compras surgiu como um mecanismo
para sabotar a aquisição de um apartamento, porque
sem apartamento próprio ele teria uma desculpa para
continuar seguro sob o controle dos pais.
Inconscientemente ele temia realizar uma previsão
pessimista que a mãe anunciava desde a infância dele,
de que ele seria um completo infeliz a partir do dia
que abandonasse a casa onde cresceu.
Aparentemente os dois sujeitos tiveram o
mesmo pensamento, porque ambos pensaram em
comprar o mesmo telefone, porém dentro dos
respectivos contextos ambientais, os pensamentos
deles possuíam sentidos muito diferentes.
Para Skinner, o ambiente não se limita ao local
em que um sujeito está, nem àquilo que é externo ao
sujeito. O conceito skinneriano de ambiente também é
inclusivo e cobre toda diversidade de acontecimentos
da vida de um sujeito que influenciam as ações dele.

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O ambiente abrange influências antecedentes e
consequentes à ação do sujeito, internas e externas ao
sujeito, passadas e presentes, naturais e culturais. O
ambiente corresponde às influências que não são
genéticas.
Skinner valoriza as influências genéticas, porém
seu trabalho é focado na investigação das influências
ambientais. É na riqueza de detalhes da vida particular
dos sujeitos que ele procura razões que os levaram a
agir da maneira como estão agindo.

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III

De acordo com Skinner, o objeto de estudo da


psicologia é o comportamento. O objeto não é o ser
humano, e um rato de laboratório também não é
objeto. Seres humanos e ratos são alguns dos sujeitos
cujo comportamento é objeto de estudo. Objeto é o
tema escolhido. E sujeito é um organismo que
interage com o ambiente, que modifica o ambiente e,
em contrapartida, é modificado pelas consequências
dos próprios atos.
Comportamento é interação sujeito-ambiente, e
a ação do sujeito, que é o núcleo dessa interação, pode
ser interna, como o pensamento e os sentimentos, ou
externa, como a fala e os gestos. Reunir ações internas
e externas dentro do mesmo conceito de
comportamento é uma estratégia para contornar um
velho problema de causalidade vinculado à concepção

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de que os sujeitos humanos são divididos em mente e
corpo.
Essa concepção de que os seres humanos são
divididos em mente e corpo é baseada numa curiosa
diferença no jeito como as pessoas percebem o fluxo
de suas ações internas e externas. As ações internas
são percebidas como se formassem um todo, ao passo
que as externas são percebidas como fragmentadas.
As ações internas ocorrem num fluxo contínuo.
Um pensamento segue outro, mais outro, mais outro,
mais outro, e a cadeia de pensamentos se mescla ao
restante das ações internas. Na medida em que as
ações internas independem de movimentos corporais,
a pessoa tem a impressão de que o fluxo de ações
internas é a extensão de um todo que está além do
corpo.
As ações externas também ocorrem num fluxo
contínuo, porém elas costumam envolver movimentos
corporais e alguns desses movimentos sofrem pausas
ou reduções drásticas, como nos períodos em que a

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pessoa está parada ou dormindo. Dormir e ficar
parado também são ações, mas são ações
correlacionadas a interrupções maiores no ritmo dos
movimentos, e por isso a pessoa não as percebe como
ações. A intermitência dos movimentos corporais que
acompanham as ações externas compromete a
percepção do sujeito de que elas ocorrem num fluxo
contínuo, portanto com as ações externas não é criada
a impressão de que elas formam um todo.
Ações internas e externas são corporais e
ocorrem num fluxo contínuo, mas as pessoas as
percebem de modo diferente. E não há nenhum
problema em utilizar a palavra “mente” para fins
descritivos, para separar as ações internas, e a
privacidade que elas proporcionam, das ações
externas, que estão ao alcance do olhar punitivo dos
outros.
Mas dizer que uma ação interna, como um
pensamento ou um sentimento, causou uma ação
externa, como uma fala ou um gesto, seria apenas uma

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explicação paliativa porque as ações internas também
precisam ser explicadas. Naquele exemplo em que os
dois sujeitos pensaram em comprar um telefone, a
explicação para os pensamentos deles foi encontrada
na relação com o ambiente. Por trás do pensamento de
cada sujeito havia uma rede de acontecimentos que o
influenciou a pensar assim, e se o ambiente não
tivesse sido levado em conta, o significado dos
pensamentos permaneceria obscuro.
Um dos pilares da teoria de Skinner é a
proposição de que as causas das ações de um sujeito
estão na combinação da genética com o ambiente, e
não na mente. E ao invés de dividir os sujeitos em
mente e corpo, Skinner os define como totalidades
feitas de duas ou três histórias. Sujeitos humanos são
o produto de três histórias: biológica, individual e
cultural. E sujeitos não humanos são o produto de
duas dessas histórias: a biológica e a individual.
A história biológica precede e acompanha a
história individual, estabelecendo potencialidades e

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limites para o desenvolvimento do sujeito. Nenhum
sujeito nasce como uma tabula rasa ou como uma
folha de papel em branco, pois todo sujeito tem uma
história biológica que o equipa, por meio da dotação
genética, com uma bagagem de comportamentos e
predisposições para a aprendizagem.
A história cultural, que também precede e
acompanha a história individual (apenas dos seres
humanos), é feita de práticas simbólicas que mantém a
coesão dos grupos aos quais um sujeito pertence, e
cada sujeito será influenciado por uma amostra dessas
práticas. Ao interagir com um ambiente cultural, o
sujeito será constantemente modelado pelo olhar de
aprovação ou reprovação dos outros, e muitas
diretrizes que esses outros utilizarão para julgar o
certo e o errado estarão nas regras que sustentam a
organização grupal.
A história individual é uma trama de vivências
que acentua as diferenças entre um sujeito e os demais
membros de sua espécie. Dois irmãos gêmeos

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univitelinos que moram na mesma casa terão nela
experiências únicas. A mãe, ou qualquer outra pessoa,
não os influenciará de modo idêntico, e eles por sua
vez exercerão sobre ela influências singulares.
É a articulação dessas duas ou três histórias que
determina os comportamentos que um sujeito terá em
seu repertório, num dado momento. Os principais
tipos de comportamento são o reflexo, o instinto e o
operante.

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IV

Um reflexo é uma relação de automatismo entre


um estímulo e uma resposta. Estímulo é um
acontecimento, e resposta é a ação do sujeito.
Enquanto o conceito de estímulo localiza um
elemento ambiental, o conceito de resposta destaca
aquilo que o sujeito faz.
Reflexo é o nome de um dos tipos de interação
sujeito-ambiente. Estímulo e resposta são as partes
dessa interação. E o traço fundamental dessa interação
é a mecanicidade da resposta, pois o estímulo força a
ocorrência dela. No reflexo, o estímulo exerce uma
ação eliciadora sobre a resposta. Eliciar é sinônimo de
expulsar. É como se o estímulo empurrasse a resposta.
Um reflexo bastante citado nos livros
introdutórios de psicologia é aquele em que uma
porção de alimento (estímulo) colocada na boca de
um sujeito imediatamente o leva a salivar (resposta).

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Num reflexo como esse, o ambiente (estímulo) age e o
sujeito reage (resposta).
Alguns reflexos são herdados e outros são
aprendidos. Dizer que um comportamento é herdado é
um cuidado para lembrar que determinada resposta já
veio pronta na bagagem biológica do sujeito, que ela
não é algo que o sujeito precisou aprender a fazer. E
falar que um comportamento é aprendido implica em
sublinhar que os acontecimentos da história individual
modificaram a maneira de agir do sujeito.
Skinner alerta que nenhum comportamento é
inteiramente aprendido, pois a própria sensibilidade
para a aprendizagem é fruto da história biológica; e
ele também ressalta que desde a primeira ocorrência
de uma resposta, o ambiente deixará nela alguma
marca, isto é, nenhuma resposta herdada manterá uma
pureza biológica.
Se uma resposta de salivação for eliciada por
um punhado de alimento, o reflexo será didaticamente
classificado como herdado, porque na história

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biológica do sujeito os alimentos foram programados
para eliciar essa resposta. E se uma resposta de
salivação for eliciada por um estímulo simbólico,
como o som da sirene do refeitório da empresa em
que um sujeito trabalha, o reflexo será didaticamente
classificado como aprendido, porque na história
biológica do sujeito essa sirene não foi programada
para eliciar salivação.
A aprendizagem reflexa costuma envolver dois
estímulos, sendo um deles capaz de eliciar uma
resposta, e o outro ainda incapaz de eliciar essa
resposta. Com o emparelhamento desses estímulos, o
que era incapaz de eliciar a resposta adquire a
capacidade de eliciá-la.
O efeito de uma aprendizagem reflexa
normalmente é estendido a outros estímulos que
compartilham algo com o novo estímulo que adquiriu
capacidade eliciadora sobre a resposta. Sons
diferentes, mas com alguma propriedade em comum
com a sirene do refeitório da empresa, também

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eliciarão respostas de salivação, mesmo que sejam
respostas menos intensas.
A aprendizagem da resposta de salivação é
muito discutida nos livros de psicologia, contudo ela é
apenas um protótipo. A grande contribuição dos
estudos sobre a aprendizagem reflexa está em
esclarecer o papel dela nas reações emocionais
humanas, como naqueles casos em que um sujeito
desenvolve reações psicossomáticas após sofrer
alguma violência física.
Quando um sujeito é violentado, um leque de
estímulos, como os da fisionomia do agressor, pode
ser emparelhado ao dano físico, e outra pessoa que
tiver alguma semelhança com o agressor também
eliciará respostas emocionais como aquelas eliciadas
pelo dano físico.
Uma adolescente relatou que na infância a
madrasta a espancava recorrentemente e que a
madrasta era uma senhora de cabelos compridos,
claros e cacheados. E que um dia, na escola, o coração

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dessa adolescente disparou com a chegada de uma
professora recém-contratada que tinha cabelos
compridos, porém lisos e escuros. O estímulo “cabelo
comprido”, que havia sido emparelhado a cada
espancamento, adquiriu a capacidade de eliciar uma
resposta de palpitação cardíaca como as que haviam
sido eliciadas pelos espancamentos.
A aprendizagem reflexa está por trás de todo
estranho bem-estar ou mal-estar despertado por
pessoas ou situações. E o significado de um estímulo
simbólico, como uma sirene ou uma mulher de
cabelos compridos, depende de como esse estímulo
entrou na vida do sujeito.

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V

Os instintos são os comportamentos mais


retratados em documentários sobre a vida dos animais
selvagens, porque juntamente com as características
anatômicas de uma espécie, esses comportamentos
são o que melhor ajudam a identificá-la.
Na visão de Skinner, o critério para separar os
reflexos dos instintos não se baseia na aparência das
ações de um sujeito. Embora as respostas instintivas
geralmente apresentem maior complexidade que as
respostas reflexas, o que define se um comportamento
é um reflexo ou um instinto é a pressão que o estímulo
exerce sobre a resposta.
No reflexo, o estímulo exerce uma ação
eliciadora, o que significa que o estímulo força a
ocorrência da resposta. Já no instinto, a ação do
estímulo é liberadora, o que significa que ela não é tão
coercitiva quanto a de um eliciador. Num instinto, o

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estímulo estabelece uma condição para a ocorrência
da resposta, tornando-a mais provável, contudo o
estímulo não força a resposta.
Um instinto humano citado por Skinner é o
comportamento de sucção observado em um recém-
nascido. Quando um bebê recebe alguma estimulação
tátil perto da boca, como o toque do seio materno,
esse estímulo libera a resposta de sugar. Comparado
ao reflexo salivar, no qual uma porção de alimento
força a resposta de salivação, no instinto de sucção a
resposta de sugar não é forçada pelo contato com o
seio.
O comportamento de sucção é um dos instintos
humanos mais conhecidos e um motivo para essa
popularidade é que o sistema motor exigido na sucção
é um dos que estão minimamente maduros após o
nascimento. E sendo as crianças muito sensíveis à
aprendizagem, qualquer fração de tempo adicionada
ao desenvolvimento delas complica a procura por
respostas instintivas ainda pouco ou nada

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influenciadas pelos acontecimentos da história
individual.
Apesar de o conceito de instinto ser utilizado
para nomear um tipo de comportamento que é
herdado, esse conceito é abrangente e inclui desde
padrões comportamentais que quase não mudam com
as experiências individuais, até comportamentos
bastante flexíveis, que são rapidamente transformados
pela aprendizagem. Os instintos humanos estão muito
longe de serem rígidos como alguns padrões fixos de
ação catalogados em outras espécies.
Os instintos podem receber modificações tanto
em seus estímulos liberadores, através de um processo
análogo àquele que permite a aprendizagem reflexa,
quanto modificações na forma da resposta e na função
de um estímulo que a antecede, resultantes de um
processo de seleção por consequências, em que os
efeitos da ação do sujeito retroagem sobre ela,
modelando-a.

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Uma curiosidade sobre os reflexos e os instintos
apontada por Skinner é que alguns desses
comportamentos evoluíram a ponto de não
dependerem de um estímulo eliciador ou liberador.
São respostas que inicialmente ocorrem de modo
espontâneo, sem nenhum estímulo que as provoque.

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VI

Diferentemente dos conceitos de reflexo e


instinto, que demarcam respostas determinadas por
estímulos antecedentes, o conceito de comportamento
operante demarca respostas que foram selecionadas
por suas consequências. Por trás de cada resposta
operante existe uma história individual de seleção por
consequências, e não é necessário que essa história
seja longa.
Para um comportamento ser definido como
operante é essencial que o efeito de uma resposta
tenha alterado a probabilidade dela se repetir, porque
de algum modo essa resposta, ou uma resposta com
pelo menos uma característica equivalente, contribuiu
para alterar um estado de privação ou um estado de
estimulação aversiva.
Nos reflexos, a repetição da resposta depende
de um estímulo antecedente que a elicie. E nos

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instintos, a repetição da resposta também depende de
um estímulo antecedente, porém esse estímulo libera a
resposta. A semelhança entre os reflexos e os instintos
é que ambos se encaixam numa lógica “estímulo-
resposta”, em que o estímulo é a parte primária da
interação sujeito-ambiente.
Os operantes estão dentro de uma lógica que é
avessa à dos reflexos e dos instintos. Operantes são
relações “resposta-estímulos”, e é recomendável dizer
“estímulos”, no plural, porque na construção de um
operante, primeiro o sujeito responde, depois a
resposta dele tem uma consequência que se traduz na
presença ou na ausência de um estímulo, e essa
consequência simultaneamente altera a probabilidade
da resposta se repetir e elege um (outro) estímulo que
funcionará como sinal para as repetições da resposta.
A lógica da construção de um operante pode ser
reescrita da seguinte maneira: “resposta – estímulo
consequente – estímulo antecedente”.

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A resposta de sucção é uma das ações de um
recém-nascido que mais rapidamente entram numa
dinâmica operante. Essa resposta vai deixando de ser
instintiva nos momentos em que começa a ser
regulada por suas consequências, em vez de
permanecer liberada por estímulos antecedentes,
como o seio materno.
Sugar o seio terá como consequência a presença
ou a ausência do leite. O estímulo leite não estará
sempre presente e nem todas as sucções resultarão na
presença dele. Se o bebê sugar uma região do seio que
não seja o bico do mamilo, o bebê não obterá o leite.
E se a sucção for fraca, o leite também não será
obtido. Para conseguir o leite, o bebê deverá sugar o
bico do mamilo e a sucção deverá ser suficientemente
forte.
Uma transcrição desse exemplo para aquela
lógica de construção do comportamento operante
ficaria assim: “sucção – leite – bico do mamilo”.
Primeiro vem a resposta (sugar), então essa resposta

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tem uma consequência (leite), e essa consequência
simultaneamente aumenta a probabilidade da resposta
de sucção se repetir e elege um estímulo antecedente
(bico do mamilo) como sinal para as futuras
repetições dessa resposta.
Após uma pequena quantidade de experiências
de sucesso e fracasso na obtenção do leite, quando o
bebê encostar a bochecha no bico do mamilo, esse
estímulo tátil bastante específico funcionará como
sinal de que é nessa região do seio que ele deve
posicionar a boca e sugar.
O bico do mamilo se tornou um estímulo
discriminativo para a resposta de sucção porque na
presença dele essa resposta foi recompensada com o
leite. No comportamento operante, um estímulo que
antecede uma resposta e que a influencia é chamado
de estímulo discriminativo, e não de estímulo
eliciador ou liberador.
O que distingue um estímulo discriminativo
desses outros dois estímulos é que ele foi selecionado

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pela(s) consequência(s) de uma resposta do sujeito. Se
não houvesse consequência para a resposta de sucção
e essa consequência não surtisse um efeito seletivo, o
bico do mamilo permaneceria desprovido de função
discriminativa.
A função discriminativa não é uma herança da
história biológica, como a função dos estímulos
eliciadores nos reflexos herdados e a dos estímulos
liberadores nos instintos, e também não surge daquele
emparelhamento de estímulos que cria eliciadores e
liberadores simbólicos. É o processo de seleção por
consequências, durante a história individual do
sujeito, que delimita a função discriminativa de alguns
estímulos.
Comparado aos estímulos eliciadores e
liberadores, um estímulo discriminativo se parece
mais com os últimos. Porque assim como os estímulos
liberadores, um estímulo discriminativo estabelece
uma condição para a ocorrência de uma resposta,

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tornando-a mais provável, mas não força a ocorrência
dela.
Após a construção de um operante, as pessoas o
encontrarão na ordem “estímulo discriminativo –
resposta – consequência”, porém é oportuno recordar
que inicialmente o estímulo discriminativo não
ocupava esse primeiro posto. Na construção de um
operante, a resposta é a parte primária da interação
sujeito-ambiente, pois é ela que gera a consequência
que concede uma função discriminativa a um estímulo
que a precedeu.
Quando uma pessoa vê um bebê com poucos
dias de idade dirigindo a boca ao bico do mamilo e
sugando-o vigorosamente, o que a pessoa observa é
um comportamento operante que já está construído.
De imediato a pessoa enxerga um produto, que é uma
resposta operante coordenada por um estímulo
antecedente, mas a pessoa não enxerga o delicado
processo de seleção por consequências que produziu
essa relação discriminativa.

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O processo de seleção por consequências que
modela a resposta de sucção é como o que origina a
maioria dos outros comportamentos de um sujeito
humano. Visualizar o que acontece na construção de
um operante simples, como sugar discriminadamente
o bico do mamilo, é um pré-requisito para entender a
construção de operantes complexos, como o
pensamento.
Enquanto na construção do operante de sugar, a
sequência “estímulo discriminativo – resposta –
consequência” termina em “bico do mamilo – sugar –
leite”, na construção de algumas formas de
pensamento, os três lugares dessa sequência podem
terminar preenchidos exclusivamente por falas.

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VII

Falar é um comportamento operante, e como


todos os operantes, a fala depende de uma história
individual de seleção por consequências. E o início da
história individual que modela a fala é parecido com o
da história individual que modela a resposta de
sucção, porque a fala também é modelada a partir de
respostas herdadas.
Como parte da herança biológica da espécie
humana, bem cedo o bebê começa a emitir
espontaneamente uma diversidade de fonemas, que
são pequenas unidades de som, e ainda no primeiro
semestre de vida ele estará emitindo o conjunto dos
fonemas que são utilizados na construção de todas as
línguas. Embora os bebês nessa idade não falem
palavras inteiras, eles já dispõem das vocalizações
necessárias para montá-las.

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Estando o bebê em contato com uma cultura,
suas respostas vocais se adaptarão progressivamente a
esse ambiente. O bebê continuará a emitir os fonemas
que integram o vocabulário das pessoas que falam ao
redor dele e deixará de emitir os fonemas que não
pertencem à língua nativa. E ele passará a imitar suas
próprias vocalizações e também imitará os sons
pronunciados pelas outras pessoas.
À medida que as pessoas reagirem às
vocalizações do bebê, essas reações exercerão um
efeito seletivo sobre a fala dele. Haverá maior
repetição das respostas vocais que tiverem como
consequência algum gesto de atenção das pessoas e
menor repetição das respostas que não ganharem
atenção.
A cada repetição de uma resposta vocal, ela
apresentará variações naturais, como ter uma forma
mais ou menos alongada, mais grave ou aguda, ou ser
imediatamente acompanhada por outra vocalização,
compondo uma unidade sonora maior. E a atenção das

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pessoas poderá selecionar uma dessas variações da
resposta vocal do bebê, abrindo um novo ciclo de
repetição, variação e seleção.
As respostas imitativas e o caráter seletivo dos
gestos de atenção das pessoas são dois alicerces do
aprendizado de uma língua. Sem um ambiente
cultural, não ocorreria uma adequada seleção de
combinações de respostas vocais herdadas, para
formar unidades sonoras simbólicas como as palavras.
O significado de uma palavra não está na
palavra em si. Uma palavra falada é uma resposta, é
uma ação de um sujeito humano, e à semelhança das
demais respostas, seu significado está na relação com
o contexto ambiental. O significado de uma palavra é
estabelecido pela consequência de dizê-la na presença
de um estímulo específico.
Retornando àquela lógica de construção do
comportamento operante, que é uma lógica “resposta
– estímulos”, primeiro vem uma resposta vocal, como
a palavra “mamãe”, que nesse caso é uma resposta

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que foi modelada; então essa resposta tem como
consequência um estímulo que é a atenção dos
familiares, e sendo a presença da mãe uma condição
para que essa resposta receba a devida atenção, a mãe
adquire a função de estímulo discriminativo para essa
resposta.
Após o desenvolvimento de um repertório
rudimentar de palavras e com a criança mais treinada
para imitar, o processo de seleção por consequências
avançará para estágios em que, além da modelagem
de sequências flexíveis de palavras, os estímulos
discriminativos para pronunciar palavras e frases não
envolverão apenas o que é externo, como pessoas,
bichos e plantas. Serão momentos em que a criança
aprenderá a falar sobre os acontecimentos de seu
mundo interno, como aquilo que ela pensa e sente.
Para ensinar a uma criança o significado da
frase “Mamãe saiu”, um outro poderá segurar a mão
dela e percorrer os cômodos da casa, mostrando que a
mãe não está ali. A ausência da mãe é um fenômeno

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objetivo, que fica ao alcance do olhar da criança e do
olhar do outro. Porém o outro não tem acesso direto
ao que a criança pensa ou sente. Se a criança falar que
está sentindo uma dor na cabeça, o outro não saberá se
a cabeça da criança de fato dói. Para confirmar a dor,
o outro examinará se há alguma ferida na cabeça dela,
mas se não achar nenhum indício objetivo, o outro
permanecerá em dúvida se naquela situação a criança
empregou corretamente a palavra “dor”.
O outro encontrará dificuldades para ensinar a
criança a descrever o mundo interno dela porque
nesse mundo existem muitos fenômenos que só estão
ao alcance direto do olhar da criança. E esse limite de
acessibilidade ao mundo interior da criança não será
um problema apenas para o outro enquanto
observador da criança, mas também para a criança
enquanto sua própria observadora. Como o
aprendizado da fala depende de uma história
individual de seleção por consequências e a principal
consequência seletiva é o olhar do outro de aprovação

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ou reprovação, os limites do olhar do outro sobre a
criança limitarão o olhar da criança sobre ela mesma.
Na teoria de Skinner, todo comportamento
humano é em princípio inconsciente e a consciência é
de origem social, porque tomar consciência é um ato
aprendido na interação com os outros. O olhar dos
outros é o que mobiliza uma pessoa a se observar, a
falar sobre o que ela está ou esteve fazendo, e a
identificar o que a influenciou a agir assim.
Além do limite do olhar do outro para observar
o mundo interno de uma pessoa e ensiná-la a observá-
lo, cabe citar mais três fatores que restringem a
consciência: a multiplicidade de causas que influencia
cada resposta, uma perda da realidade gerada por
instruções equivocadas e a supressão de respostas
perceptuais decorrente de consequências punitivas.
Nenhuma resposta é influenciada por um único
acontecimento e as influências não estão todas no
tempo presente. A maioria dos acontecimentos que
influenciam uma resposta estão no passado e alguns

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acontecimentos cruciais ficam num passado remoto,
como a infância, ou num passado muito remoto, como
a extensa secção da história biológica que precede a
história individual. Portanto um sujeito raramente
consegue esgotar a análise do que influenciou uma de
suas ações.
Em se tratando da perda da realidade gerada por
instruções equivocadas, isso é comum naquelas
circunstâncias em que declarações preconceituosas
afastam uma pessoa de certas vivências que
permitiriam a ela chegar a conclusões diferentes.
Existe um nível de consciência que é adquirido no
confronto de uma hipótese com a realidade, seja essa
hipótese vinda dos outros ou da própria pessoa.
No que se refere à supressão de respostas
perceptuais gerada por consequências punitivas,
quando uma resposta resulta em reprovação, essa
resposta tende a desaparecer tanto do olhar de quem
reprovou quanto do olhar da pessoa cuja resposta foi
reprovada. E não apenas a resposta reprovada pode

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sofrer uma diminuição em sua frequência, mas
também respostas perceptuais que possibilitariam à
pessoa recordar fragmentos dessa cena de reprovação,
e de cenas com alguma equivalência, e ressignificá-
los.
Uma parcela de respostas suprimidas pela
punição corresponde àquilo que é conhecido como
material recalcado. E se às vezes elas retornam
disfarçadas, é porque os efeitos da punição não são
absolutos e talvez, inconscientemente, o sujeito tenha
aprendido formas alternativas de se comportar, como
seus sonhos, chistes, atos falhos e sintomas.

FIM

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