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B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA
1 - Psicologia e Comunicação: relacionamento interpessoal, relacionamento do
magistrado com a sociedade e a mídia.

2 - Problemas atuais da psicologia com reflexos no direito: assédio moral e assédio


sexual.

3 - Teoria do conflito e os mecanismos autocompositivos. Técnicas de negociação e


mediação. Procedimentos, posturas, condutas e mecanismos aptos a obter a
solução conciliada dos conflitos.
4 - O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O comportamento de
partes e testemunhas.

Importância do Estudo da Psicologia


Jurídica
1. Introdução
Nesta unidade de aprendizagem, trataremos sobre a importância do estudo da
psicologia jurídica. O primeiro ponto é o da psicologia como ciência, seu estado
atual, com uma introdução. As perguntas que devemos fazer são:

Com o que a psicologia jurídica trabalha? Qual é o objeto? Qual a


importância? Qual é a grau de precisão da psicologia jurídica? É uma
ciência? Se for uma ciência, em que aspecto?

Muitas pessoas tratam a psicologia como uma semiciência e, na verdade, no


imaginário popular, as pessoas ainda não confiam tanto na psicologia. Todavia, a
psicologia traz dados empíricos muito relevantes e confirmam diversas de suas
premissas. Assim, a psicologia é uma ciência por excelência, muito séria, com
muitas ramificações e escolas. Sob o ponto de vista jurídico, a psicologia é uma
ciência auxiliar bastante relevante; analisaremos isso com cuidado.

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2. Importância do estudo da psicologia jurídica
A psicologia clássica (ou filosófica) era um ramo da psicologia bastante
controvertido. A psicologia clássica confundia-se com a filosofia e sabemos que
a filosofia é o berço de todas as outras ciências; por exemplo, a economia e a
psicologia nasceram da filosofia. Entretanto, a filosofia não é uma ciência, ou
melhor, não é uma ciência nos moldes empíricos modernos com que
concebemos a ciência. Se alargarmos o conceito de ciência e interpretá-la como
ramo do conhecimento, a filosofia também será ciência.

A filosofia na Antiguidade era algo que totalizava os conhecimentos todos, bem


como todos os assuntos do dia a dia e assuntos dos especialistas, por assim
dizer, da Antiguidade. Passou a ser uma matéria escolar com a Escolástica e,
depois, embora ainda muito valorizada, deu origem a diversas ciências, mas se
manteve como área do conhecimento, que valoriza mais perguntas do que a
respostas.

As ciências modernas, a partir da modernidade e do método cartesiano,


começaram a se preocupar mais com as respostas do que com as perguntas,
porque os seres humanos já tinham, naquela época, alguma noção sobre as
coisas que o cercavam. Assim, na Antiguidade, o foco estava sobre a
elaboração das perguntas.

Por exemplo, de onde vem tal coisa? Qual o limite do conhecimento?


Que astros são esses? O que podemos conhecer? O que é a realidade
e o que não é?

Quando chegamos na modernidade, o ser humano pensa que pode dominar


toda a natureza. Assim, questiona como a dominará e busca a resposta, por
exemplo. Ao invés de refletir sobre a pergunta, a ciência moderna tem por
objetivo atingir uma resposta e testar uma hipótese.
A psicologia clássica, como vimos, tinha uma natureza filosófica, tanto que foi
chamada também de psicologia filosófica e acreditava que a “alma” era o seu
objeto de estudo, com uma conotação metafísica. Já a psicologia moderna
possui um objeto bastante distinto, que são os fenômenos psíquicos. Em
resumo, a psicologia clássica tratava da “alma”, e a psicologia moderna dos
fenômenos físicos, que são, no final das contas, as causas do comportamento
humano.

A psicologia moderna, olhando para o comportamento humano, tem por objetivo


o estudo dos fenômenos psíquicos, buscando chegar a conclusões a respeito de

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temas internos. Os fenômenos psíquicos são o conjunto de elementos que
formam de maneira subjetiva a nossa experiência interna.

Embora a psicologia analise bastante o comportamento


humano, e esse é o dado empírico com que ela trabalha e
observa o comportamento, a área tem por objetivo dar
respostas e investigar as suas causas, que são os fenômenos
psíquicos. Assim, a psicologia quer descobrir a nossa
experiência interna.

O que pensamos? O que nos motiva a atuar de determinada forma?

Na divisão entre consciência, mente e corpo, pensamos que existe uma


consciência que possui um corpo, diferente deste. Não pensamos “eu sou o meu
cérebro”, mas “eu tenho um cérebro”, por exemplo. Assim, no nosso jeito de
falar, somos algo fora do corpo e do cérebro; podemos perceber que existe um
fenômeno psíquico que é diferente do nosso corpo. Se tirarmos um braço, uma
perna ou até mesmo todo o corpo e deixássemos só a cabeça, a pessoa
continuaria a ser ela mesma.

Essa pessoa é o seu cérebro ou uma mente por trás dele? O que ela é?

Quando a pessoa fala meu cérebro ou minha cabeça, traz a ideia de uma
existência interior, que transcende os aspectos orgânicos e físicos. Assim, existe
um aspecto metafísico da existência, onde os fenômenos psíquicos são o objeto
de estudo da psicologia.

A psicologia, em essência, não possui uma natureza ontológica, ou seja, não


pretende estudar a essência da atividade psíquica, mas os seus resultados
através de observação e experimentação. Portanto, a psicologia observa o
comportamento e analisa os resultados, estudando-os para chegar a uma
conclusão a respeito dos fenômenos psíquicos. O seu objeto de conhecimento e
as suas reflexões são feitas a partir das suas hipóteses, que levam em
consideração os fenômenos psíquicos, mas, para testar essas hipóteses,
observa e experimenta os resultados desses fenômenos.

Quando falamos que a psicologia não tem natureza ontológica, no final das
contas, significa que, no fundo, embora tente compreender os comportamentos
que temos e, portanto, as razões, que são os fenômenos psíquicos, ela não quer
saber de questões de natureza ontológica, ou seja, não quer saber sobre a

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essência da atividade física, por exemplo, não quer saber se temos uma alma ou
não, se temos uma consciência que é a nossa alma, se ela se desprende ou não
se desprende – esses elementos são mais religiosos.

A psicologia quer testar as suas hipóteses em relação aos fenômenos psíquicos,


observando e experimentando aspectos externos, ou seja, os resultados dos
fenômenos psíquicos, como qualquer outra ciência natural. Por isso, a psicologia
contemporânea não se confunde com a psicologia clássica, que é filosófica.
As diversas direções metodológicas da psicologia referem-se às escolas da
psicologia. As duas a serem vistas aqui são as principais. As escolas da
psicologia são formas de compreender as premissas da ciência psicológica e
enfoques conferidos por alguns autores a determinados ramos da psicologia. A
primeira escola, que tem ganhado muita força hoje em dia, é o behaviorismo,
que vem da palavra americana behavior, que significa “comportamento”.
Essa escola surge no XIX ainda e é impulsionada fortemente nos Estados
Unidos por John B. Watson, ao dizer que a vida psíquica pode ser traduzida em
movimentos ou ações estudadas a partir de um ponto de vista externo, sem
preocupações com aspectos introspectivos. Assim, o comportamento humano
deriva de aspectos externos muito mais do que aspectos introspectivos. O
behaviorismo estuda os estímulos externos capazes de afetar o nosso
comportamento e tem tudo a ver com análise econômica do direito. Podemos
citar o livro Misbehaving de Richard H. Thaler, que discute como fazer que as
pessoas adotem determinada postura.
Em resumo, o behaviorismo surgiu no século XIX nos Estados Unidos por
influência de Watson e tem por objetivo observar a vida psíquica através de
aspectos externos, ou melhor, tem por objetivo analisar as mudanças
comportamentais a partir de aspectos externos. Assim, centra a suas atenções
nas mudanças comportamentais a partir de aspectos externos.

Por exemplo, se alguém chega para o psicólogo e fala que tem uma compulsão
por determinada coisa ou que se comporta muito de determinada forma e
precisa parar, o psicólogo behaviorista fará uma investigação histórica sobre a
pessoa para saber quais são as origens daquele comportamento indesejado e
pensará nos estímulos externos para que a pessoa pare com a prática.
Isso tem um forte vínculo com a análise econômica do direito porque pensa o
que o direito tem que fazer para desestimular as pessoas a se comportarem de
dada maneira. A psicologia tem que deitar seus olhos sobre pessoas que
confrontam a lei e pensar o que as leva a tomar atitudes violentas, por exemplo.

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A psicanálise tem por objetivo investigar as razões históricas, muito mais do que
a interação dos estímulos. Já o behaviorismo não o faz, pois traz a ideia de
existem fatos lamentáveis ocorrendo, que devem ser desestimulados. O direito
entra com o behaviorismo pensando no que deve ser feito para reduzir a
criminalidade. Como exemplo, podemos citar os acidentes de trânsito, nos quais
pessoas bebem e dirigem. Diante disso, cabe pensar em como reduzir os
acidentes de trânsito, como fazer com que as pessoas não bebam. O
behaviorismo está menos atento às investigações sobre o porquê de a pessoa
beber do que a cortar o comportamento.

Podemos perguntar o que leva a pessoa a beber e dirigir? Por que ela
faz isso?

O behaviorismo não está preocupado com isso.

Ele quer saber como esse comportamento pode ser mudado? Qual o
desincentivo?

Podemos pensar em desincentivo, agregando o direito a proibição de venda de


bebida alcoólica em um posto de gasolina. Em diversos países, não é permitido
vender bebida alcoólica em um posto de gasolina, porque quem parar em um
posto gasolina está dirigindo; para desestimular o consumo de bebida alcoólica,
proíbe-se. Essa é a ideia da análise econômica do direito relacionada com o
behaviorismo.
A investigação deve ser muito bem feita, todavia. Por exemplo, sabemos que
existe muita poluição com plástico nas praias; algumas cidades começaram a
proibir canudos feitos de plástico, mas isso só aumenta o consumo de copos
plásticos e o volume é maior ainda. Assim, às vezes, o desestímulo a uma
conduta gera o estímulo a outra conduta pior ainda.

Os livros de análise econômica do direito são muito interessantes porque


mostram que até a forma de organizar uma prateleira na livraria faz com que a
pessoa compre o livro posicionado no alto em detrimento dos organizados
embaixo. Ademais, o Google cobra por propaganda na Internet, de acordo com
diversos aspectos que incluem a posição e a cor do anúncio. Em outro exemplo,
são muito comuns as ferramentas autocompositivas (mediação e arbitragem) na
sala do árbitro, as cores e a forma da mesa, pois tudo influencia o
comportamento. A mesa redonda dá uma impressão de que não há um líder ou
uma autoridade, e o comportamento humano muda quando não enxerga uma
autoridade.

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Por fim, o behaviorismo é uma escola da psicologia que tenta não apenas
estudar, mas definir as mudanças comportamentais a partir de estímulos
externos. O ser humano é visto como um animal social, que pode reagir a
estímulos que aumentam ou diminuem a sua felicidade. Diversos experimentos
da psicologia começaram com o estudo da biologia, por exemplo, o estudo de
chipanzés que alteraram comportamentos a partir de estímulos e desestímulos.
Assim, o ser humano é visto pelo behaviorismo como um animal, que responde
a determinados estímulos.

A segunda escola, muito distinta, é a psicanálise, que nasceu com Sigmund


Freud, e tem alguns princípios e premissas bem diferentes. A psicanálise tem
por objetivo estudar os fenômenos psíquicos internos, mas deita seus olhos
muito mais sobre as origens do comportamento. O behaviorismo quer saber
como mudar um comportamento, enquanto a psicanálise quer saber a origem do
comportamento para mudá-lo através do conhecimento da sua origem.
Sigmund Freud elenca alguns princípios importantes da psicanálise. O primeiro é
o princípio do determinismo psíquico, que parte do pressuposto de que todo
ato psíquico possui uma intenção, uma motivação e um significado, não
podendo ser concebido como um fenômeno meramente acidental. Assim, o
comportamento humano para Freud não é um mero acidente.
Toda conduta que a pessoa tem possui uma motivação interna e existe, portanto,
uma relação de causalidade. Assim, o comportamento humano tem uma
causalidade com a estrutura psíquica humana. Nada na vida é por acaso; não
existe ação por acaso. Por exemplo, se alguém está cantando na rua uma
música, esta foi escolhida por algum motivo e, diante disso, tudo decorre de uma
causalidade psíquica. O comportamento sempre é fruto da interação de
elementos internos (elementos psíquicos).
O princípio da transferência significa que as cargas afetivas e emocionais
podem se deslocar subitamente, de modo a dominar conduta individual, ainda
que o sujeito tenha total desconhecimento do extremismo seu comportamento.

Assim, esse princípio prega que os elementos psíquicos podem se deslocar de


maneira súbita, ou seja, o comportamento humano pode ser absolutamente
involuntário em razão de uma mudança psíquica bastante bruta. Isso explica as
fobias, as obsessões e compulsões. Alguém pode estar em um ambiente
perfeitamente tranquilo, mas, por motivos que ignora, desenvolver uma fobia que
lhe dê uma sensação de morte iminente, desconectada da realidade. Diante
disso, ela pode achar que terá um ataque de pânico em um avião, por exemplo.
Nesse aspecto, a pessoa com o ataque de pânico dentro do avião pode ter total

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conhecimento do extremismo de seu comportamento, percebendo que não tem
nenhuma necessidade de pânico, mas, objetivamente falando, existe algo na
sua mente que está causando isso, ou seja, existe uma transferência ou
deslocamento súbito das suas cargas emotivas e psicológicas.

A psicanálise reconhece o princípio da transferência ao dizer que as coisas da


cabeça podem mudar de maneira súbita e não temos o domínio sobre isso.

O princípio do pandinamismo psíquico significa que não existe nada que


esteja morto, inativo, dentro do aparato psíquico. A vida mental tem uma
corrente infinita de tensões e movimentos psíquicos. O dinamismo psíquico é
constante, e a nossa cabeça, os elementos internos e a nossa psique, estão em
constante dinâmica; mesmo quando dormimos, nunca desligamos a nossa
mente. Por exemplo, quando sonhamos, isso acontece porque não podemos
desligar o nosso aparato psíquico, e a nossa mente continua se movimentando.
Existem as razões do sonho, pois há um porquê de tal coisa habitar o
pensamento.

O princípio da repressão diz que a força repressora de experiências passadas


possui uma influência poderosa no psiquismo, expulsando do plano consciente
determinados eventos e desejos instintivos, tidos como incompatíveis com a
moral vigente. O ser humano é cheio de desejos; alguns são instintivos,
existindo uma força repressora, os elementos culturais, morais e religiosos, que
tentam tirar da mente os pensamentos que forem incompatíveis com a moral.
O princípio da tripartição da personalidade diz que o aparato psíquico, ou
seja, a individualidade decorre de três grupos de forças.

A nossa personalidade é o resultado ou o produto de três


grupos de forças.

As forças ou pulsões têm origem extintiva, irracional e inconsciente. Temos no


nosso aparato psíquico os elementos de natureza instintiva, irracional e
inconsciente, que operam de acordo com o princípio do prazer, que é o id ou es.
Por outro lado, temos os elementos ou grupos de força derivadas da experiência
e da educação, de ordem racional e consciente, operando a partir de uma lógica
utilitária, que é o nosso ego ou ich. Por fim, temos as forças derivadas de
processos coercitivos e punitivos, o que permite a superação do complexo de
Édipo, por exemplo, através de um princípio autopunitivo, que é o superego
ou überich.

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A nossa mente é composta de três elementos principais, os nossos instintos,
que são irracionais e inconscientes, pois não sabemos exatamente o que nos faz
agir, como os nossos desejos, os elementos hormonais e as nossas pulsões.
Freud fala muito das pulsões de natureza sexual e, assim, existem elementos do
comportamento humano, da psicologia e do aparato psíquico.

No final das contas, o comportamento humano é o produto da interação entre


esses três grupos de forças. No primeiro grupo temos os aspectos instintivos e
irracionais, que seguem a lógica do prazer, o id. No segundo grupo temos os
elementos da nossa psicologia ou aparato psíquico, que decorrem da nossa
experiência, da nossa educação e da racionalidade em uma lógica utilitária.

No primeiro grupo, não conseguimos pensar que vamos nos comportar de uma
forma ou de outra, pois, simplesmente, nos comportamos de alguma maneira já
que atuamos irracionalmente por meio de lógica do princípio do prazer. Por
exemplo, uma pessoa ofende ou tem um desejo por alguém de forma instintiva.

No segundo grupo, podemos pensar nas coisas que queremos fazer da vida e
nas coisas que queremos conquistar em razão da nossa experiência e na
educação, fazendo uma lógica racional e utilitarista. Além disso, no terceiro
grupo, o aspecto autopunitivo também influencia o comportamento. Por exemplo,
uma pessoa tem um pensamento instintivo e uma tendência a agir, à luz do
princípio do prazer, de maneira irracional e inconsciente, pensando em
determinado desejo, mas ela reprime esse desejo com base em um aspecto
autopunitivo, que é o superego, fazendo-a pensar nos valores morais, sociais,
éticos e, inclusive, jurídicos. O conjunto desses três fatores (princípio do prazer,
a lógica utilitária e a autopunição) gera o nosso comportamento.

O princípio da autocompensação informa que o aparato psíquico possui


capacidade de restabelecer seu equilíbrio, diante de violentas interações e
rupturas dessas forças citadas anteriormente.
O ser humano é capaz de se autocompensar e de se autoequilibrar. Às vezes,
os grupos de forças que compõem a nossa personalidade atuam de maneira
harmônica ou desarmônica. Às vezes, a pessoa atua de uma maneira irracional
e inconsciente e age de forma inadequada. Entretanto, o que se diz é que o ser
humano é capaz de se autocompensar, diferentemente de um crocodilo, por
exemplo, pois um animal sempre pensará em atuar de acordo com o seu
instinto, com a ideia do prazer e da sobrevivência. O aparato orgânico e o
cérebro de um réptil são minúsculos em relação aos humanos; ele não tem
capacidade de construir valores. Assim, um animal irracional por completo não
consegue se autocompensar.

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Nós, seres humanos, conseguimos refletir sobre o nosso comportamento e
possuímos a capacidade de restabelecer equilíbrio. Por exemplo, podemos estar
em uma situação de absoluto desajuste nos grupos de forças, mas podemos nos
recuperar. A ideia da psicanálise e de toda a psicologia parte desse princípio da
autocompensação. Assim, o ser humano pode ser corrigido e se reequilibrar
novamente, evitando comportamentos indesejados.

Relações entre Psicologia e Direito


1. Introdução
Nesta unidade de aprendizagem, trataremos sobre as relações entre a
psicologia e o direito. A psicologia e o direito têm relação direta com a conduta
humana. De maneira que inúmeras questões jurídicas estão relacionadas à
conduta humana, que dependem das decisões judiciais por incidirem na vida do
indivíduo, promovendo assim mutações comportamentais, sociais e patrimoniais.

Podemos dizer que a psicologia e o direito tratam do mesmo objeto, o


comportamento humano. A psicologia entende a singularidade, a subjetividade
do ser humano, de acordo com cada caso, buscando compreender o
comportamento humano, que o direito regula e delimita. Já o direito é entendido
como o conjunto de regras que busca regular o comportamento humano e
delimita condutas, por meio das leis e das formas de solucionar conflitos.

Sabemos que a psicologia e o direito não podem ser analisados isoladamente,


visto que o direito já se utiliza de conteúdos da psicologia.

Ao falarmos sobre psicologia jurídica, percebemos que consiste na aplicação


dos conhecimentos psicológicos nos assuntos relacionados ao direito, e que se
trata de uma área de especialidade da psicologia, com uma perspectiva
psicológica que resultará em um conhecimento específico.

A definição de psicologia jurídica e de seu objeto de estudo gera a definição em


quase todas as áreas das ciências humanas. Vejamos a definição de Popolo
(1996), de que a psicologia jurídica “é o estudo, dentro da perspectiva
psicológica, de condutas complexas e que, de forma atual ou potencial, têm
interesse jurídico, de maneira a possibilitar sua descrição, análise, compreensão,
crítica e eventual atuação sobre elas, em função do jurídico” (POPOLO,
1996 apud FRANCA, 2004, p. 74).

2. Relações entre psicologia e direito

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A psicologia jurídica é uma ciência não tão antiga, pois nasceu em 1950, ou
seja, o termo “psicologia jurídica” começou em 1950 com significado bastante
amplo pelas mãos de Mira Y Lopez em seu manual de psicologia jurídica e são
criadas, depois, diversas ramificações.

É importante falar em uma prova dissertativa, por exemplo,


que a psicologia jurídica surgiu em 1950 por Mira Y Lopez.

Uma das contribuições de Mira Y Lopez, da qual até hoje existem diversas
citações, é o estudo da estática da personalidade humana, partindo-se da ideia
de que uma pessoa é uma unidade indivisa, devendo ser estudada e
compreendida pela sociedade.
Como podemos raciocinar os elementos concretos que geram
determinados comportamentos?

Também coube ao autor desenvolver os fatores responsáveis pela reação


pessoal em um dado momento.

Assim, Mira Y Lopez cria a psicologia jurídica em 1950, desenvolve o estudo da


estática da personalidade humana e os elementos concretos que influenciam a
personalidade humana, sendo que estes são, não apenas responsáveis pela
personalidade humana, mas também pela reação pessoal de um determinado
indivíduo a um determinado fato ou fenômeno.

O que faz alguém reagir a um determinado fenômeno de uma forma e outra


pessoa de outra forma?
Por exemplo, se alguém pisa no pé de um japonês em Tóquio, ele pede
desculpa para a pessoa, de tão educado que é, pois acha que a pessoa pisou no
seu pé, porque estava na posição errada e chega à conclusão de que ele é
quem está errado. Esse é um pensamento de uma sociedade bastante evoluída,
onde há uma mútua confiança entre seus membros.
Em outro exemplo, pode ser que alguém pise no pé de outra pessoa e esta
pessoa fique calada, apesar de pensar que a culpa não é dela. Ou ainda, pode
ser que alguém pise no pé de outra pessoa, que agrida verbal ou fisicamente a
outra pessoa.

De acordo com Mira y Lopez, em seu Manual de Psicologia Jurídica, escrito em


1945 e ainda utilizado atualmente pelos profissionais atuantes na área: “A
psicologia jurídica é a psicologia aplicada ao melhor exercício do direito...” (MIRA
Y LOPEZ, 2011, p. 28).

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De forma que a definição do autor amplia o número de possibilidades de atuação
para a psicologia jurídica.
Sendo assim, podemos questionar, qual seria a tarefa da psicologia jurídica?

Saunier conclui que: “a intervenção judicial tem a ver com um conflito, com um
conflito humano. Este conflito, no terreno do judicial, é um conflito entre o que
deve ser e o que efetivamente é. Se o que deve ser e o que é circulassem no
mesmo sentido, não haveria tal conflito” (SAUNIER, 2002, p. 31-32).

Assim, podemos nos perguntar o que faz uma pessoa chegar ao extremo e
que faz uma pessoa ser extremamente educada? Quais são os fatores
responsáveis pela reação social?

Isso já foi objeto de cobrança em concurso, vejamos alguns fatores responsáveis


pela reação pessoal:

Fatores hereditários

constituição corporal;temperamento;inteligência.

Fatores mistos

caráter.

Fatores adquiridos

experiência prévia em situações análogas;constelação;situação externa


atual;tipo médio de reação social (coletiva);modo de percepção da situação.

Existem diversos fatores, como os hereditários, que derivam do aspecto da


genética, os mistos e os adquiridos, que são decorrentes da experiência. Assim,
existem os elementos biológicos, os que estão no meio termo entre o biológico e
a experiência e os elementos da experiência.
Segundo Mira Y Lopez, a constituição corporal influencia o comportamento, por
exemplo, os hormônios e a quantidade de testosterona de cada pessoa, bem
como o temperamento também deriva de aspectos biológicos. Obviamente, não
quer dizer que o autor está certo, mas é a visão do pai da psicologia jurídica.

A inteligência e a capacidade de raciocínio também decorrem de fato hereditário.


Assim, existe uma influência hereditária na inteligência, no temperamento e na
constituição corporal do indivíduo.

Como vimos, temos os fatores mistos, que influenciam no caráter da pessoa,


pois decorrem de elementos biológicos e da experiência. Isso é difícil de ser dito,
pois saber se o caráter da pessoa decorre de um aspecto herdado e afirmar isso

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maneira categórica, hoje em dia, é complicado, mas essa é uma construção
clássica. Assim, o caráter seria algo que estaria na fronteira entre o hereditário e
os elementos adquiridos.

Por outro lado, temos como fatores adquiridos a experiência prévia em relação a
situações análogas, por exemplo, alguém vai reagir diante de determinado fato
ou fenômeno levando em consideração o que já sentiu e em momentos
anteriores, ou seja, em uma experiência prévia em situações análogas também
são importantes.
Outro fator adquirido é a constelação e Mira Y Lopez definiu esse termo como a
influência da vivência imediatamente antecedente à conduta vigente. Assim, é
algo próximo da experiência prévia em situações análogas.

O que faz uma pessoa reagir de determinada forma? Se alguém pisou no


pé dela antes, o que aconteceu naquela época? Imediatamente antes de
alguém pisar no pé dela, o que que estava acontecendo? Ela estava
estressada? Se estava, era com o quê? Por que alguém pisou no pé dela?
A pessoa pisou no pé dela no contexto de uma briga?

Todos esses questionamentos e respostas influenciam a reação pessoal. Outro


aspecto adquirido é a situação externa atual, que é um fator exógeno muito
relevante. Identifica o ambiente que determinado fenômeno ocorreu. Por
exemplo, explica o fenômeno de manada, pois, se alguém estiver em um grupo
e todos estão reagindo de uma forma, a tendência é a pessoa reagir da mesma
forma também, porque há uma ideia de comportamento de manada, ou seja, as
circunstâncias externas atuais também influenciam a forma de reação.

Outro ponto também que influencia é o tipo médio de reação social coletiva, que
nos traz como, geralmente, as pessoas reagem a isso, ou seja, é uma coisa que
se aprende também.

Por fim, o modo de percepção da situação é outro fator adquirido e nos traz
como a pessoa interpreta uma situação específica ou fenômeno específico,
como as impressões que a pessoa tem diante de uma situação conflitiva. Com
isso, podemos refletir sobre o sentimento de justiça, por exemplo. Vários
aspectos desse ponto, podem levar uma pessoa a cometer um crime, por
exemplo.

Mira Y Lopez diz que existe um fato concreto (fenômeno) e como alguém vai
reagir a esse fenômeno, depende dos aspectos hereditários, mistos e
adquiridos, como vimos. A constituição corporal, o temperamento e a inteligência
são elementos hereditários. Nos elementos mistos temos o caráter e nos

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elementos adquiridos (exógenos) a experiência prévia em situações análogas, a
constelação (fato imediatamente anterior à experiência prévia), a situação
externa atual (circunstâncias em volta desse fato), por exemplo, se alguém está
em um estádio de futebol, o tipo médio de reação social (como as pessoas,
geralmente, reagem a isso) e, o último ponto, o modo de percepção da situação
(sentimento de justiça, como a pessoa interpretação a reação e o que ela
aprendeu a respeito do tema). Portanto, isso tudo influencia as reações que
podemos ter em relação a determinado ponto.

Problemas Atuais da Psicologia com


Reflexos no Direito: Assédio Moral e
Assédio Sexual
1. Introdução
Nesta unidade de aprendizagem, trataremos sobre os problemas atuais da
psicologia com reflexos no direito, relativos ao assédio moral e ao assédio
sexual.
De acordo com a autora Alice Monteiro de Barros: “O assédio moral está
diretamente ligado à nossa própria estrutura emocional e sentimental, a que
chamamos de caráter”. E ainda: “O termo ‘assédio moral’ foi utilizado pela
primeira vez pelos psicólogos, e não faz muito tempo que entrou para o mundo
jurídico. O que se denomina assédio moral, são, a rigor, atentados contra a
dignidade humana, que se manifestam, de início, na família e na escola, quando
se confrontam, respectivamente, filhos e alunos com predileções ostensivas.”

E por fim, o assédio moral deságua no trabalho, geralmente


de forma estereotipada, e em várias outras áreas da
sociedade. Somente na virada deste século o tema passou a
receber tratamento jurídico, quer por meio da doutrina ou da
legislação, quer por meio da jurisprudência, embora se afirme
que já havia trabalhos sobre o assunto desde os anos 70,
sem que, contudo, houvesse uma definição do assédio moral,
que era estudado juntamente com o estresse e a saúde
laboral. É exatamente a necessidade de proteção à dignidade

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do empregado que justifica a punição do assédio moral. Este
é o seu fundamento (BARROS, 2016, p. 602-603).

Quanto ao assédio sexual, o Código Penal (CP), em seu art. 216-A, dispõe
sobre o crime de assédio sexual e penalidade, vejamos:

CP, art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou


favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15
de 2001.) (...)
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito)
anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009.)
Segundo a definição da professora Maria Helena Diniz, o assédio sexual é “o ato
de constranger alguém com gestos, palavras ou com emprego de violência,
prevalecendo-se de relações de confiança, de autoridade ou empregatícia, como
o escopo de obter vantagem sexual” (DINIZ, 1998, p. 285).

2. Problemas atuais da psicologia com reflexos no direito:


assédio moral e assédio sexual
Inicialmente, para darmos continuidade ao estudo do tema, é necessário
destacar algumas diferenças entre assédio moral e assédio sexual, quais sejam:

Assédio moral

existe uma conduta reiterada;não existe relação de hierarquia entre o


agressor e a vítima;não envolve qualquer tipo de oferta de vantagem a
vítima;objetiva a neutralização da vítima.

Assédio sexual

pode ocorrer a partir de uma única conduta;exige superioridade hierárquica


do agressor;normalmente é associado a vantagem e a um suposto benefício
do agressor à vítima;objetiva o domínio sobre o corpo da vítima.

As duas condutas são ilícitas e, são objeto de estudo também, por terem muitas
ocorrências em ambientes laborais. Enquanto o assédio moral move-se pela
Justiça do Trabalho, o assédio sexual está no âmbito criminal, porém há a
possibilidade de ser visto na Justiça do Trabalho, com fatores indenizatórios.

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O assédio moral requer uma conduta reiterada, ou seja, não consiste em um
único ato, que não exige relação de hierarquia entre vítima e agressor. Por
exemplo, pode haver o assédio moral entre dois empregados de mesma
hierarquia da empresa. Ademais, não é ofertado nenhum tipo de vantagem à
vítima.
Em resumo, esta temática objetiva a neutralização da vítima, sendo bastante
comum na área de trabalho. Com constrangimento e ridicularização, é algo
próximo do bullying, visto no ambiente escolar, palavra esta derivada de bully – o
ofensor.
Por exemplo: Empregador que a todo tempo expõe uma pessoa, com se esta
fosse alguém menor, não levando em consideração suas opiniões,
explicitamente a ofendendo, ainda que de forma indireta, configura assédio
moral, desde que seja de maneira repetida.

Outro ponto importante refere-se à caracterização das condutas que podem ser
manifestadas de forma verbal, escrita, por meio de gestos, comportamentos,
inclusive quando ocorrer por constrangimento, mesmo quando o direcionamento
à vítima não vier carregado de ofensas ou gozações.

Vamos considerar também as três categorias, que a doutrina classifica sobre o


assédio moral, quais sejam:

Vertical: ascendente e descendente, vejamos:

Ascendente - acontece quando determinado funcionário constrange seu


chefe objetivando um pedido de demissão, ou ainda, um grupo de
determinado setor recebe mal seu novo chefe, pois esperavam que a
promoção entre eles. Descendente – acontece de forma hierárquica, ou seja,
do superior para o subordinado, visto que a figura do chefe implica em
poder, extrapolando seus direitos e obrigações e abusando do poder
punitivo.

Horizontal – esta modalidade de assédio ocorre entre relações de trabalho


do mesmo nível, ou seja, o assediador e a vítima trabalham na mesma linha
hierárquica e se é percebido como causa, a inveja e a competitividade, por
exemplo.

Mista – é a modalidade considerada como uma das mais agressivas, por se
tratar da junção das modalidades vertical e horizontal, que ocorre quando a
vítima sofre ataques de seu superior hierárquico e simultaneamente de seu
colega do mesmo nível hierárquico.

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 15
Para caracterizar o assédio sexual, basta uma única conduta. Outrossim, este
exige a superioridade hierárquica; a título de exemplo, chefe e estagiária ou um
juiz e um assessor.
Objetivando o domínio sobre o corpo da vítima, o assédio sexual tem uma
grande conotação de poder. Segundo psicólogos, o sexo relaciona-se com
poder. Geralmente, é associado a uma chantagem ou suposto benefício do
agressor à vítima.
Exemplo: Determinado professor ao perceber que o que diz ao aluno fulano
está com nota 1, informa ao aluno que dará nota 9, caso haja favorecimento
sexual. Neste caso percebemos que houve assédio sexual, que esta ação
configura crime.
Quanto ao caso de assédio moral, poderá ou não configurar crime a depender
da circunstância, podendo ser injúria, crime contra a honra, constrangimento
ilegal, dentre outros.
O saudoso professor Luiz Flávio Gomes define o assédio sexual: “É um
constrangimento (ilegal) praticado em determinadas circunstâncias laborais e
subordinado a uma finalidade especial (sexual). Três, por conseguinte, são as
características desse delito: (a) constrangimento ilícito (constranger significa
compelir, obrigar, determinar, impor algo contra a vontade da vítima etc.); (b)
finalidade especial (vantagem ou favorecimento sexual); (c) abuso de uma
posição de superioridade laboral” (GOMES, 2002, p. 29).

E a partir do conceito, surgem as características do assédio sexual, que


poderíamos tratar como sendo:

abuso de poder do assediador enquanto superior laboral;

propor benefícios em troca de aceitação;

causar constrangimento à vítima;

desagravos em caso de recusa;

finalidade objetiva (conotação sexual).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o assédio sexual como


atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, que
apresentem uma das seguintes características:

determinar condição para manter o emprego;

influenciar nas promoções da carreira do assediado;

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 16
prejudicar de qualquer forma o rendimento profissional, como por exemplo,
humilhar, insultar ou intimidar a vítima;

fazer ameaças para que as vítimas renunciem por medo de denunciar o


abuso;

oferecer crescimento de vários tipos ou oferecer algo que desfavoreça as


vítimas em meios acadêmicos e trabalhistas entre outros, e que no ato
possa dar algo em troca, como permitir a intimidade para ser favorecido no
trabalho.

Vejamos mais alguns exemplos de condutas que podem ser caracterizadas


como assédio sexual:

comentários atrevidos a respeito das características físicas da pessoa


(elogios desproporcionais ao ambiente de trabalho);

contatos diretos não autorizados, como toques, abraços, aproximação


inadequada;

convites de caráter sexual;

perguntas íntimas e que causam constrangimento (informações


extremamente pessoais e íntimas);

presentes de forma indiscreta e insistente;

envio ou exibição de fotos pornográficas (mostrar no celular, enviar por


mensagem);

pedidos para que o funcionário se vista de forma provocante/sensual.

Psicologia e Comunicação
1. Introdução
Nesta unidade de aprendizagem trataremos sobre psicologia e comunicação.
Antes de tudo, faz-se necessária uma análise conceitual.
A psicologia é uma ciência que tem por objeto o estudo das funções mentais e
do comportamento. A partir desse ponto é possível notar uma ligação entre a
psicologia e a comunicação, isto é, o comportamento humano não existe de
forma isolada, mas sempre em uma conexão interpessoal. Portanto, a
comunicação é algo que deriva das funções mentais e do comportamento,
também podendo ser compreendida por meio da psicologia.

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 17
Exemplo: a forma de expressão é uma forma de comportamento. Desse modo,
percebe-se que a comunicação está ligada à linguagem, que, por sua vez,
possui dois momentos: no momento anterior, são os elementos psicológicos
internos; no momento posterior, é a manifestação por meio de signos e
assessoramento externos.

2. Psicologia e comunicação
Relacionamento interpessoal é o relacionamento de comunicação entre duas ou
mais pessoas nos mais variados âmbitos (ambiente de trabalho, familiar,
comunitário etc.).
Uma das marcas dos relacionamentos interpessoais que se destaca é a
conflituosidade, ou seja, as pessoas são conflituosas. Costuma-se dizer que
existem muitos bens jurídicos e muitos interesses, entretanto os interesses são
maiores que os bens jurídicos, razão pela qual existem os conflitos. Por
exemplo, duas pessoas disputando o mesmo posto de trabalho ou duas pessoas
disputando o mesmo bem.
Na verdade, essa é uma visão distorcida, pois a conflituosidade não deriva
necessariamente de disputas ou recai somente sobre bens, embora para o
direito os conflitos surjam por disputas ou bens. Os conflitos psicológicos
ocorrem, às vezes, dentro de uma mesma pessoa, ou seja, a pessoa entra em
conflito consigo mesma. Fazendo uma analogia cinematográfica, cita-se
Groucho Marx, em um filme de Woody Allen, que disse uma vez: “Eu nunca faria
parte de um grupo que me aceitasse como membro”. No mesmo filme, no
diálogo entre duas senhoras: “A comida aqui é uma porcaria, não é mesmo? É
mesmo, e as porções vêm em pouca quantidade”.

É nítida a contradição da pessoa que desconfia de si mesma, bem como algo


ruim, mas que talvez deveria ser em maior quantidade. Bem, esses conflitos
internos produzem efeitos sobre a coletividade. A psicologia estuda esses
conflitos internos, enquanto a sociologia estuda os conflitos externos e o direito,
por sua vez, pensa nos conflitos sob o aspecto de que sofrem alguma
normatividade.

Dentro do relacionamento interpessoal que ocorre em ambiente de trabalho


jurídico, quando surgem conflituosidades, é possível ocasionar um profundo
estresse e ansiedade em virtude da necessidade de sucesso e do sentimento de
controle. O CNJ se atenta a isso, pois o ambiente jurídico é muito propício para o
surgimento de enfermidades de natureza psicológica. Há muitos juízes,
atualmente, que sofrem de depressão, fato cada vez mais comum no Poder

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 18
Judiciário, pois o ambiente jurídico é um ambiente de muita vaidade (aspecto
interno).

O candidato aprovado no concurso para juiz muitas vezes não se atenta que a
carreira também traz ônus. Por exemplo, ser lotado em uma cidade diferente, na
qual pode ser preciso julgar o líder de determinada facção local; aliada à falta de
preparo psicológico, essa situação pode levar a um profundo estresse, que pode
advir, ainda, pela relação com outras pessoas.
O estresse e a ansiedade levam a sofrimentos psicológicos e, como proteção, a
própria mente humana desenvolve certos mecanismos de defesa. Um exemplo é
a realização de muitas tarefas e a perda do sentimento de controle, que leva a
uma condição de sofrimento.
Há diversas formas de corpo e mente reagirem a essa falta de controle, quais
sejam:
a) somatização: consiste em sintomas físicos oriundos da transferência de
sentimentos que causam sofrimentos psicológicos. Exemplos: taquicardia,
erupções na pele, alergias, perda de cabelo etc.;
b) negação: negação da realidade, por esta ser dolorosa à mente;

c) repressão: consiste no ato de reprimir mentalmente, ou seja, tentar afastar da


consciência o sentimento indesejado pelo ego (existem pessoas que o fazem
com tanta frequência que desenvolvem tiques nervosos);
d) racionalização: forma de explicar a realidade dolorosa por meio da razão, de
modo a tentar afastar o sofrimento causado;
e) formação reativa: trata-se de uma forma de defesa que consiste em
transformar o desejo reprimido em seu oposto.

Como modo de manter uma boa saúde física e mental, bem


como exercer adequadamente as suas funções, espera-se de
qualquer magistrado que este desenvolva, entre outras
características, autocrítica, humildade, alteridade, controle
emocional, serenidade, gentileza, compromisso, simplicidade
e superação de preconceitos.
É bastante comum a chamada Síndrome de Burnout, que se
desenvolve em decorrência de um grande desgaste

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 19
profissional, consistindo em um grave esgotamento pessoal,
físico e mental, tendo como origem uma rotina de trabalho
exigente e estressante.

No passado, o juiz mantinha certa distância da mídia e da sociedade, porém,


nos dias atuais, é até estimulado que o juiz mantenha uma comunicação com a
sociedade e a mídia, devendo sempre transmitir com clareza as informações, de
modo a evitar - ou minimizar − ruídos de comunicação, bem como a
manipulação indevida de expressões ambíguas ou demasiadamente vagas.
De todo modo, a relação entre os magistrados e a mídia deve ser centrada em
aspectos informativos, sem qualquer pretensão de manipular a opinião pública
em favor de determinada orientação política ou determinada decisão judicial.

Desse modo, cuida-se para que sejam evitados comentários sobre processos
em curso, em especial pendentes de julgamento pelo próprio magistrado,
valendo-se aqui a máxima de que “o juiz fala nos autos”. Com isso evita-se o
comprometimento de sua imparcialidade e o adiantamento de suas decisões.
Ademais, é extremamente importante que seja evitado a qualquer custo o
adiantamento de decisões sobre casos que possivelmente virão a ser julgados
pelos magistrados, o que pode vir a consubstanciar o favorecimento a uma das
partes, bem como o comprometimento da sua imparcialidade.

O juiz deve ainda ter noção e respeito das consequências de sua manifestação,
seus impactos sobre a sociedade e sobre os fenômenos de ordem política. Em
hipótese alguma a comunicação com a mídia deve ser um meio de promoção
pessoal e estímulo à vaidade do magistrado, que deve estar sempre atento à
finalidade pública/republicana de suas declarações. Não havendo tal utilidade,
para apenas promoção, deve ser evitada a manifestação.

Teoria do Conflito e os Mecanismos


Autocompositivos
1. Introdução
Nesta unidade de aprendizagem trataremos sobre a teoria do conflito e os
mecanismos autocompositivos. Para tanto é necessário pensar em como
surgem os conflitos para poder analisar quais podem ser os mecanismos

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 20
autocompositivos. Dessa forma, cabe lembrar que, juridicamente, se costuma
afirmar que os conflitos sociais surgem da soma de dois fatores:
a) Os variados interesses das pessoas, que não possuem limitação
b) A existência de bens jurídicos limitados em quantidade.

Embora esse possa ser o entendimento jurídico, a teoria do conflito surgiu no


campo da sociologia, por estudiosos como Georg Simmel e Lewis Coser, que
defendiam que a existência de conflitos em alguma medida é um elemento
essencial na formação de grupos. Isso significa que na sociedade há
divergências de interesses muito maiores que discussões sobre bens jurídicos –
contudo, divergências –, por exemplo, sobre posições de vida, rumos da
sociedade, interesses políticos etc., e isso causa conflitos.
No entanto, para a sociologia esses conflitos são importantes e necessários para
que se possa ter um olhar em torno de outros aspectos. Dessa forma, ressalta-
se que, para o processo, a lide caracterizada por uma pretensão resistida é uma
enfermidade. Por outro lado, para a sociologia, os conflitos são essenciais para a
formação de grupos da sociedade. O conflito define os limites entre grupos,
fortalece a sua consciência e a consciência da separação de outros grupos.
Exemplo: pondo em pauta o desastre do rompimento da barragem de Mariana,
em Minas Gerais, esse é um caso que gera diversos interesses para
comunidades indígenas, comunidades quilombolas, agricultores, comerciantes,
turismo, programas sociais ou empregados das empresas envolvidas. Essas
pessoas podem ter interesses antagônicos com relação à melhor forma de
resolução de um conflito coletivo, chamado conflito de difusão irradiada.
Note-se que esses conflitos não são enfermidades, são naturais, fazem parte da
dinâmica de uma sociedade plural, que possui grupos com interesses distintos.
Portanto, o conflito é algo próprio da sociedade, tendo, dessa forma, uma função
sociológica.

2. Teoria do conflito e os mecanismos autocompositivos


Existe uma gama de conflitos resolvidos apenas no campo da política e da
moral. No entanto, existem outros conflitos que precisam ser levados ao campo
do Direito para serem resolvidos.
Desse modo, os mecanismos autocompositivos são meios de dar soluções a
esses conflitos que residem no âmbito do Direito, são
eles: conciliação, mediação e, para alguns autores, negociação. Destaca-se
também que existe outra alternativa de solução de conflito que, por sua vez, não

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 21
é autocompositiva: a chamada arbitragem – heterocomposição, devido a ser o
árbitro, terceiro imparcial, quem decide; ao contrário dos demais instrumentos,
nos quais as próprias partes decidem.

As técnicas empregadas para a solução de conflitos nesses casos são utilizadas


pelos árbitros, conciliadores ou mediadores. No primeiro momento, aplica-se
a introdução de alteridade, que pode ser entendida como o ato de se colocar
no papel da outra parte (empatia). Essa técnica é muito empregada na
conciliação, na mediação e na negociação. O mediador tem de fazer emergir
entre as duas partes o sentimento de empatia, perguntando a ambas o que
fariam se estivessem no lugar do outro.
Existem autores – como Trindade e Molinari– que introduzem posturas
específicas que devem ser observadas pelas partes na negociação, pelo
mediador e pelo conciliador. Essas técnicas caem bastante em prova, pois os
autores citados são referência na psicologia jurídica. Examine-se:

a) Avaliação das propostas fortes e fracas de cada um


(abordagem avaliadora restrita)
É importante que os envolvidos saibam quais de seus argumentos são fortes ou
fracos, de modo a se fazer uma projeção do sucesso que poderia ser alcançado
em uma eventual demanda judicial.

b) Avaliar os interesses subjacentes das partes (abordagem


avaliadora ampla)
É importante que as partes envolvidas saibam quais são os interesses
secundários envolvidos, conhecendo as causas ocultas do conflito, o que conduz
a um estímulo à aceitação mútua das propostas das partes, além de facilitar o
seu oferecimento.

c) Educar as partes sobre as consequências de uma solução


malfeita (abordagem facilitadora restrita)
É importante que os envolvidos saibam como deve se desenvolver o
procedimento de solução alternativa de conflitos, bem como as consequências
de um processo malsucedido (exemplo: exercitar nas partes o exercício de
reflexão, para que não seja tomada uma decisão malfeita).

d) Ajudar as partes a desenvolver e escolher as próprias


soluções (abordagem facilitadora ampla)

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 22
É importante que as partes definam a matéria de sua mediação, conciliação ou
negociação, sendo estimuladas a produzir, cooperativamente,
possíveis soluções. Afinal, a melhor solução para um caso são aquelas
conduzidas pelas partes, em situação de igualdade e serenidade.
Especificamente na negociação, em que não há a figura de um terceiro
imparcial, é de suma importância que as partes adotem movimentos de
esclarecimentos, que objetivam explicar e descrever suas
posições; movimentos de relaxamento, que objetivam a redução do nível de
conflito, além de evitarem movimentos de protelação (remarcar audiências e
pensar em soluções que demoram muito), que apenas geram a dilação indevida
da solução do conflito, o que alimenta a carga de estresse das pessoas
envolvidas.
Dessa forma, ao deparar-se sozinho com a parte opositora, sem um mediador
ou conciliador, deve-se esclarecer a posição adotada, saber evitar picos de
estresse e protelar a solução do litígio.

Procedimentos, técnicas, condutas e mecanismos aptos a


obter a solução alternativa dos conflitos são vistos de forma
ampla, sendo abordados por autores de maneira diferente.
Em suma, o professor abordou nesta aula a introdução à
alteridade, Trindade e Molinari falam sobre avaliação de
propostas fortes e fracas, interesses subjacentes, educar
sobre a solução de um litígio mal resolvido, ajudar as partes a
desenvolver as próprias escolhas; no caso da negociação,
esclarecimento das posições e relaxamento, evitar a
protelação.

Contudo, existem técnicas que são cobradas que podem ser tomadas como
sinônimos. São comumente atribuídas ao mediador as
seguintes técnicas ou estratégias facilitadoras de diálogo, já exigidas em
concurso público, por exemplo, para o cargo de Juiz do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios (2013):

compreensão do caso: identificação de questões, interesses e


sentimentos; fragmentação das questões; recontextualização);

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 23
controle do processo: até mesmo interrompendo as partes quando
necessário;

deslocamento das emoções negativas para positivas: relaxamento;

facilidade para migrar das posições enunciadas para fazer emergir os reais
interesses dos participantes;

concentração nas emoções positivas;

reconhecimento e validação de sentimentos;

desenho do futuro com base no sucesso das ações relacionadas com


essas emoções;

tom da mediação: comunicação acessível, linguagem neutra e ritmo da


mediação;

emponderamento das partes: reforçar o que já foi realizado e enfocar no


futuro – visão prospectiva da disputa.

Visto que o conteúdo é vasto, vejamos algumas


características tidas como muito importantes:
a) A linguagem, que lembra o tom da mediação, sendo esta
clara e neutra.
b) O conflito subjacente, na compreensão dos sentimentos à
lide processual, isto é, o que está por trás do conflito judicial.
c) O empoderamento das partes, estimulando que elas
formulem propostas.
d) Compreensão do caso, ao avaliar as questões postas,
delimitando o objeto, o que está sendo discutido.
e) Concentração em emoções positivas, criando um ambiente
sadio que valorize aspectos positivos.

O Processo Psicológico e a Obtenção


da Verdade Judicial

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 24
Nesta unidade estudaremos os mecanismos para obtenção da verdade judicial
que a psicologia jurídica apresenta. Um questionamento inicial deve ser feito que
vai nos guiar no estudo do tema: como obter a verdade judicial? Qual é o
processo psicológico que leva a essa obtenção?

1. A obtenção da verdade judicial


A verdade judicial é fruto de uma série de subjetividades dos julgadores, das
testemunhas e das partes. Para a sua obtenção é necessário que determinados
processos psicológicos sejam analisados de forma sistematizada e cautelosa.

As normas positivadas não são capazes de, por si só, abarcar nuances relativas
às relações humanas e aos agentes processuais. Dessa forma, torna-se
imperioso que magistrados e demais auxiliares da justiça estejam minimamente
preparados para observar os processos de ordem psicológica, especialmente no
tocante à exposição de testemunhos.
Ressalta-se que os agentes processuais lidam com relatos de fatos que
ocorreram, e não necessariamente com a realidade dos fatos. Trabalham,
portanto, com palavras escritas (petições) ou faladas (testemunhos orais). Nem
sempre as palavras expressam o pensamento; ao contrário, a palavra pode ser
ambígua, traiçoeira e carregar em si marcas perigosas. É por isso que se conclui
ser tão difícil encontrar balizas seguras para a construção de uma verdade
judicial. Outra dificuldade na obtenção da chamada verdade judicial é que esta
aflora por meio de uma perspectiva sociocultural, cognitiva e emocional. Assim,
valores, conceitos, experiências, expectativas, crenças e estrutura mental
funcionam como referências moduladoras.
Todavia, diante de tantas dificuldades citadas, qual é o caminho, então, para a
obtenção de uma verdade judicial no caso concreto? Quais instrumentos são
fornecidos pela Psicologia ao Direito para o alcance dessa verdade?

A psicologia utiliza uma sabedoria antiga, incluindo a Filosofia, para buscar a


obtenção da verdade judicial. Trata-se de um processo apoiado no domínio
técnico da entrevista, além do feeling. Podemos conceituar feeling como uma
visão humana sensibilizada, que consiste em uma sensação, impressão, um
repertório humano amadurecido que se coloca a serviço da obtenção da
verdade.

Destaca-se a importância da formação não somente jurídica dos atuantes no


poder judiciário, mas também do desenvolvimento de uma visão humana
apurada. Aos operadores do Direito, torna-se imprescindível o desenvolvimento

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 25
de uma competente sensibilidade psicológica para lidar com os variados
cenários fáticos que surgem, bem como para identificar no caso concreto sinais
da tão buscada verdade judicial.

Retornando aos instrumentos fornecidos ao Direito pela a Psicologia, o principal


e mais importante deles é a prática da entrevista, gênero do qual são espécies
o depoimento e o interrogatório. A entrevista é apontada pela Psicologia como
o melhor caminho para a obtenção da verdade judicial. A diversidade de
maneiras de perguntar constitui um artifício que pode levar o indivíduo a se
expressar com sinceridade, ou até mesmo a se contradizer. Por isso,
ressaltamos a importância da utilização de perguntas investigadoras,
caracterizadas como perguntas explorativas, ardilosas, indutivas, hipotéticas e
ambíguas.

Em suma, conduzir uma entrevista corretamente proporciona a coleta de uma


grande quantidade de informação a respeito do entrevistado e da situação a ser
analisada.

1.1. Entrevistas (interrogatórios e depoimentos)


Há três possibilidades de condução de entrevistas. A entrevista estruturada é
aquela que obedece a um roteiro, com a utilização, em regra, de perguntas
fechadas. Já a entrevista não estruturada é aquela que não possui um ponto
de partida, pois não há um roteiro prévio. Por fim, a entrevista
semiestruturada é a que alterna o roteiro elaborado pelo o entrevistador com
perguntas improvisadas feitas no ato.

Há, ainda, ordens diferentes de condução da entrevista. A


entrevista centrífuga é aquela que parte de um questionamento que aborda o
centro do problema, ou seja, o fato principal. Já a entrevista centrípeta parte dos
elementos secundários e acessórios para somente depois chegar ao centro.

No tocante às possibilidades de registro da entrevista, a Psicologia sistematiza


as seguintes: registro por escrito; registro oral com anotação manuscrita; registro
oral com gravação; e combinação das possibilidades de registros anteriores.
Destaca-se que o elemento humano do entrevistador é importante, pois é
necessário aceitar as diferenças individuais, bem como entender como lidar com
silêncios e emoções intensas do entrevistado.

Outro importante fator é saber como e o que perguntar. A psicologia classifica


em classes as perguntas mais importantes em uma entrevista. Destaca-se que

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 26
nem todas devem ser utilizadas, pois algumas contêm um forte componente
sugestivo que pode acabar induzindo a emissão de respostas.
a) Afirmativas por presunção

Essa classe pode ser também chamada de perguntas complexas, pois é feita
por meio de dois conjuntos de hipóteses. No primeiro conjunto, há a declaração
ínsita ao questionamento, e no outro o interrogador utiliza os mecanismos
questionadores para conjugação dos dois conjuntos, assim configurando sua
indagação. Por exemplo: pergunta-se de qual cor era a blusa de um assassino,
sem nem mesmo saber se de fato o assassino utilizava uma blusa ao praticar o
ato. Percebe-se que há uma alta carga de sugestão nessa classe de
questionamento; por isso, ela deve ser utilizada com cautela para que, ao final, o
resultado da entrevista não seja viciado com impressões do entrevistador.

b) Disjuntivas parciais
Trata-se de um tipo de questionamento que utiliza uma dicotomização das
respostas possíveis, para excluir ou reduzir o campo de possibilidades de
resposta do interrogado.  Por exemplo: de forma semelhante à situação anterior,
imagine que o entrevistador questione ao entrevistado se a gravata utilizada pelo
acusado no ato era de cor branca ou vermelha, reduzindo, assim, a variação das
respostas. Há um problema nessa classe de perguntas: a redução demasiada do
universo de respostas, que pode interferir drasticamente na percepção do
entrevistado. Ainda utilizando o mesmo exemplo, o entrevistado pode se
recordar que a gravata era, na verdade, de cor laranja, todavia, pela limitação de
opções de resposta, pode responder utilizando a cor que mais se aproxima, que
era vermelha e, assim, não forneceria a verdade do fato.

c) Condicionamento interrogativo
Essa classe de perguntas é dividida em outros dois tipos: perguntas condicionais
negativas e perguntas condicionais positivas. Com relação a perguntas
condicionais negativas, um exemplo explica com clareza: “o acusado utilizou
uma faca para ferir a vítima, não?”. Nesse sentido também vão as perguntas
condicionais positivas: “o acusado utilizou uma faca para ferir a vítima, sim?”.

Essa classe de pergunta não deve ser utilizada em um interrogatório imparcial,


pois induz o entrevistado a escolher entre um sim e um não, condicionando
previamente sua resposta. O interrogado inseguro será influenciado a responder
de acordo com o sugerido pelo entrevistado ao final da frase (sim ou não).
d) Perguntas diferenciais

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 27
As perguntas diferenciais são também conhecidas como perguntas de sim ou
não.

Destaca-se que essa classe tem caráter menos parcial, porém, ainda sim, deve
ser aplicada com cautela, já que as respostas do entrevistado podem ser
induzidas por aquilo que o entrevistador parecer esperar delas. Por exemplo:
“você estava no local do crime? Sim ou não?”.

e) Perguntas disjuntivas completas

Essa classe de perguntas é considerada uma evolução da classe das perguntas


disjuntivas parciais. Nelas, o entrevistador não restringe o universo de respostas,
pois deve partir de algo previamente já afirmado pelo entrevistado ou de algo
não esclarecido entre dois fatos diferentes. Porém, o entrevistador sempre
utilizará como pressuposto algo que o entrevistado tenha mencionado, para ao
final perguntar: “aconteceu assim ou assim?”.

f) Perguntas determinantes

A característica mais marcante dessa classe de perguntas é que ela se vale de


perguntas com pronomes interrogativos para provocar a interpelação dos
entrevistados. Essas perguntas podem ser consideradas imparciais pelos
operadores do Direito, pois atendem ao comando constitucional da
imparcialidade.
São perguntas que utilizam: “como?” “quando?” “onde?” “por quê?”. Por
exemplo, podemos mencionar o seguinte questionamento: “quando você chegou
ao local do crime?”.

1.2. Comportamento das partes e testemunhas


O comportamento humano é sempre um desafio; a palavra é a expressão mais
forte desse comportamento. Assim, a Psicologia orienta a observação perspicaz
da fala por meio de nuances como o ritmo da fala, o volume, a entonação, entre
outros fatores. Além disso, ganha relevância a chamada comunicação não
verbal, que estuda os sinais da posição do corpo, tais como a posição dos pés,
mãos e braços, os trejeitos, o olhar e toda a gestualidade. Com isso, é possível
notar marcas indicativas positivas, como ânimo e interesse, e marcas negativas,
como ansiedade, nervosismo e medo.

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 28

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