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CARDOSO e BRIGNOLI - Os Métodos Da História PDF
CARDOSO e BRIGNOLI - Os Métodos Da História PDF
Cardoso
Héctor Pérez Brignoli
1
!
OS MÉTODOS
DA
HISTÓRIA
Introdução aos problemas, métodos e técnicas
da história demográfica, econômica e social
Traduzido
por
JOÃO.MAIA
6ª Edição
-
emal
Capa: Fernanda Gomes
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ.
CDD - 907.2
900.18
CDU - 930.2
79.0098 82.94
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ram observados, ou de -movimentos de tropas em batalhas que
nada resolveram!
Esta obra tios fala dos homens, de suas vidas, seus trabalhos,
sua .sobrevivência, sua forma de se organizar em sociedade, seu
pensamento, suas lutas. . . E da forma como todos estes dados,
juntos, nos permitem uma visão global das sociedades humanas
e o estudo de sua evolução.. Seria difícil encontrar objetos mais
legítimos de lrabalho do historiador.
Que ao longo de suas pesquisas o historiador tenha de for-
mular apreciações quantitativas, é não só admissível como também
obrigatório. Quando um cultuador das formas mais tradicionais
da "ciência histórica", e defensor de uma interpretação reacionária
4o passado espanhol - fatos que não se estranha virem associados
- escreve que -"está comprovado o divórcio entre o povo e o
sistema liberal", pretende dizer-nos, na verdade, que a maior· parte
do "povo" era contrária ao liberalismo. Está, com isso, fazendo
história quantitativa sem o saber - como o senhor Jourdain falava
em prosa -. mas a faz mal, tornando desse modo impossível a
v_erificação de sua afirmação. Uma vez: que não se possa senão
fazer história quantitativa em maior ou menor proporção, embora
se ocupe das vidas e. amores das princesas, será melhor fazê;.la
consçitmtemente e de acordo com os procedimentos metodológicos
corretos, .que permitam comprovar e discutir os resultados. Isto
não significa, nó ·entretanto, que a cifra e a medida sejam o objeto
final da pesquisa hstórica. São, .rimplesmente, dados ·grosseiros,
elementos dos quais se deve partir para proi:eder a umq tare/a
mais complexa da interpretação global.
Escrito por dois historiadores ibero-amercanos este livro ex-
trai a parte mais viva e valiosa da escola /rances~ dos Anais -
o legado de Marc Bloch e de Lucien Febvre - , passando-a pelo
crivo marxista, de forma que podemos apreciá-lo na obra e na
reflexão teórica de Pierre Vilar, em quem estas. páginas foram
diretamenie inspiradas. Não é de se estranhar que a obra nos pa-
reça metodologicamente mais próxima quê os livros inspirados em
o~tras correntes culturais. A isso deve-se também o fato de que
o.f autores tiram seus exemplos da história colonial hispano-ame-
ricana, o que apresenta a dupla vantagem de fazer ·_referência a.
algo que forma parte de nosJ'Q própria hi-stória, e· que permite, por
outro lado, introduzir as dimensões do conflito racial e dos pro-
blema.r do escravismo. Tampouco o propósito que inspirou estas
8 9
sua situação presente e as perspectivas das quais devem partir_
na elaboração de seu futuro. Uma história-instrumento, que enri-
quece a çapacidade de compreensão e de crítica, supõe Unia par-
ticipação ativa de todos quantos por ela se interessam.
Ao propor a_os editores a publicação deste livro, pensei so-
bretudo nos estudantes, em romo é importante que se acostumem
a pensar em seu aprendizado de história como algo ativo, que
exige sua plena colaboração, ao invés de se contentarem em se-
rem receptores totalmente passivos de um ensino acadêmico que
nada tem a ver com suas preocupações ou seus problemas. Assim,
as novas gerações de historiadores que não se resignarem a con-
tinuar: sendo meros repetidores de fatos e palavras do passado,
adquirirão um gênero de conhecimento que lhes permitirá viver
em seu tempo e em seu mundo, colaborando para melhorar o
presente e levando sua própria contribuição na tarefa de fazer do
homem o construror consciente de seu futuro; INDICE
Barcelona, outubro de 1976. Prefácio ..• .............. ' .. ............... ........ .
· •.• 15
Josep Fontana
PARTE 1 .·
10
CAP. lll - Marxismo e História no século XX ...... . 68 F - História de empre,as ................... . 337
A - Concepção marxista da história, da década de G - Conclusão ........................... . 346
20 a nossos dias ..................... . 69
B - A influência do marxismo no pensamento his-
CA.P. VII - A História Social ...................... . 348
tórico contemporâneo ................. . 83 A - Os sentidos da expressào _"História Social" 348
C - A concepção marxista e a história da Amé-
B - História Social e dados econômicos ~....... . 354
rica Latina ......................... . 85
D __:_ Conclusão 103 C - Estrutura social e estratificaçào ......... . 358
D - Movimentos e lutas sociais ............. . 383
E - As mentalidades coletivas ... : ........... . 394
PARTE II F - Conclusão ........................... . 406
PREFACIO
15
Entretanto, é indiscutível que está se impondo, na América rem de algum modo este manual encontrarão deficiências e erros
Latina, uma nova maneira de fazer história; e isto não se dá apenas que muito gostaríamos que nos fossem apontados.
do lado da nossa disciplina, mas é parte de um movimento mais A Parte III, últiml\ a ser elaborada, surgiu graças às suges-
amplo que inclui todas as ciências sociais e, muito especialmente, a tões de Pierre Vilar, ao comentar conosco, amavelmente, o plano
economia e a sociologia. Como no caso europeu, o combate contra do livro, indicando-nos os perigos da não inclusão do problema da
a velha história positivista nutre-se do contato com outras ciências síntese global. A bibliografia usada nesta parte final é mais atuali-
do homem, que contribuem para a definição de uma nova proble~ zada do que a da Parte /. O que é explicado pelo tempo ocupado
mática científica, mas a situação histórica da referida crítica é basi- pela redação e pelo caráter de rápida evolução que singulariza
camente diferente. Enquanto no caso europeu tratou-se da influên- nossa disciplina.
cia direta das ciências sociais sobre a história que se renovava, na Por fim, agradecemos as valiosas indicações e correções de-
América La.tina trata-se de uma crítica bem mais radical, que leva vidas à Dra. Maria Luiza Marcílio, que leu o manuscrito do capí-
tanto a sociologia como a economia e a história a questionarem as tulo IV; também somos gratos ao Dr. Enrique Florescano pelas
explicações fundamentais proporcionadas no sentido da compreensão sugestões sobre o plano do manual. Obviamente somos os únicos
de nosso presente e de nosso passado a partir de uma teoria con- responsáveis pelos erros do texto apresentado a; leitor.
cebida para as ·sociedades capitalistas desenvolvidas.
Com a intenção de contribuir para este esforço do pensamento San José (.Costa Rica), junho de 1974.
latino-americano, esforçamo-nos para elaborar um manual adaptado
às necessidades específicas do subcontinente, buscando mostrar os
campos básicos de interesse para a pesquisa em história demográ-
fica, econômica e social, e a forma de escolha e aplicação dos méto-
dos e técnicas mais recentes em nossas condições específicas. Por
e·stes motivos afastamos a tentação - bem grande, certamente -
de apenas traduzir um manual estrangeiro de bom nível, o que teria
sido, sem dúvida, mais fácil.
A presente obra tem um objetivo limitado. Destina-se, espe-
cialmente, aos estudantes de história e de outras ciências sociais
que desejem iniciar-se nos métodos e técnicas de alguns dos ramos
da ciência histórica, . embora não desprezemos a possibilidade de
também poder ser útil a professores formados em história tradi-
cional e desejosos .de renovar sua perspectiva metodológica. Deve
ficar bem esclarecido que não se trata de obra destinada a especia-
listas.
Fazemos questão de registrar o caráter incompleto e imperfeito
de;te livro. O que é devido, sobretudo, à limitação dos autores .e
ao caráter de rápida mutação que o objeto de nosso estudo apre;.
senta, de uns anos para cá, com os métodos e técnicas conhecidos
em pleno processo de reelaboração - enquanto surgem novos
instrumentos conceituais e novos campos de estudo e de aplicação.
Sem dúvida, os especialistas e, em geral, todas as pessoas que usa-
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PARTE l
CAPÍTULO I
21
objetivamente, sem optar entre eles. Seriam encarados como a riorização e conceitualização do sentimento do progresso, o
matéria da história, que já existiria 'latente nos documentos., ant:s "acontecimento" indica, quase sempre, a etapa de um advento
do historiador ocupar-se destes. Sua coordenação em uma cadeia volítico ou filosófico: República, liberdade, democracia, razão ..
linear de causas e conseqüências constituiria a síntese, a apresenta- Esta consciência ideológica da história pode assumir formas
ção dos fatos estudados: fatos quase sempre polí,,tic?s, diplomáti~~s, mais refinadas; pode reorganizar o saber adquirido sobre deter-
militares ou religiosos, muito raramente econom1cos ou sociais. minado período em torno de esquemas unificadores menos
Obviamente, a realidade do funcionamento deste modo de fazer diretamente ligados a escolhas políticas ou a valores (assim
história não correspondia à visão que os historiadores de então como o "espírito" de uma época, sua "visão do mundo"); mas
tinham de sua disciplina. Certos de suas "ciências a.uxília~es" }~n ela traduz, no fundo, o mesmo mecanismo de compensação;
tamente elaboradas no curso dos séculos para serv1rem a cnttca para ser inteligível o acontecimento precisa de uma história
externa e interna dos documentos, seguros do conjunto de regras global definida fora e independentement~ dele. Daí vem esta
de seus métodos, em geral, eles estavam longe de perceber que os concepção clássica do tempo histórico corria uma série de des-.
famosos "fatos históricos", supostamente uma realidade exterior e continuidades descritas de modo contínuo, que é naturalmente
substancial que !'e impõe ao pesquisador eram, antes, uma criaç~o a narração."
óeste; que embora não se evidenciassem, ,explícitas, uma teona
explicativa ou hipóteses de trabalho, nem por isto deixavam de É evidente, entretanto, que o método crítico - penosamente
existir - e determinavam a seleção do objeto e dos documentos; constituído desde o Renascimento, principalmente - · teve e tem
a elaboração dos "fatos" a partir de tais testemunhos; .e sua expo- sua utilidade. f: necessário situar os documentos no tempo e no
sição ordenada. Uma concepção transcendente da história, do movi- t:spaço, classificá-los, criticá-los quanto à autenticidade e credibili-
mento histórico - claro que implícita e nunca mencionada - era dade. Mas, este trabalho erudito já_ não representa a maior parte
0 critério para definir cada fato como histórico ou não, e era o da atividade do historiador, como acontecia quando predominava
que permitia "saltar" de um fato para outro, assim compon?o ~m a concepção positivista da história.
texto ordenado'.t A "imparcialidade" ou "objetividade" do h1stona- Sem dúvida, desde os primeiros decênios do século, esta visão
d~r positivista· era, pois, um mito claramente evidenciado neste trecho da história esteve sob crítica - sem deixar, então, de ser domi-
de um artigo de François Furet: 2 nante -- dos pioneiros de uma nova concepção histórica, como
Paul Lacombe e Henri Berr. Este último inspirou a Revue de
". . . como• o acontecimento irrupção súbita do único synthese historique, graças· à qual pôde ocorrer um primeiro con-
e do novo na cadeia do tempo - não pode ser comparado tato da história com as outras ciências do homem. Nesta primeira
com nenhum antecedente, o único modo de integrá-lo à his~ fa~e d~ abertura da história a novas influências, a psicologia foi a
tória consiste em atribuir-lhe um sentido teleológico: se ele ciência que mais atraiu certos historiadores, inclusive Lucien Febvre.
não tem um passado terá um futuro. E como a história se A decisiva mudança de rumos ocorreu a partir de 1929, com
desenvolveu, desde o século XIX, como um modo de inte- a criação dos Annales, por Lucien Febvre e Marc Bloch: estes
historiadores fizeram da referida revista um' ponto de encontro e de
1 Cf. Lucien Febvre, Combates por la hist?Tiª~ Trad. de F. J. Fernández- debates entre historiadores· e cientistas sociais, em geral. Graças a
Buey e Henrique Arquillol, Barcelona, Ediciones Ariel, 1970, pp; 175-181; seu estímulo - e ao de F. Simiand, E. Labfousse, J. Meuvret, etc~
Ma~rice Bouvier-Ajam, . Essai de méthodologie historique, Paris, Le Pa- .,-- começou a evolução que conduziu ao estado presente da histo-
villun, 1970, pp. 28-30. riografia francesa, cuja influência sobre muitos historiadores latino-
2 François Furet, "L'histoire quantitative et la constniction du fait his-
torique", in Ar-males E. S. C. (Paris, Armand Colin) janeiro-fevereiro americanos sempre foi grande. Em uma primeira fase, foram os.
de 1971, pp. 63-75 (citação tirada da página 71). estudos ec.onômicos da conjuntura que mais influenciaram os histo-
22 23
Mas as modalidades e a intensidade do contato foram variáveis.
riadores estimulando o estudo dos preços e salários. Entretanto, o Por um lado, houve verdadeira importação de técnicas e métodos,
grande 'movimento de contato e discussão com as c,iências sociais além de vocabulário e problemática, relativamente à economia polí-
mudou de direção - mais de .uma vez - a par· da decada de 1930, tica, à econometria (com a criação de uma "economstria retros-
sob novas influências: do estruturalismo lingüístico e antropoló- pectiva"), e à demografia; por outro lado, da sociologia, por exem-
gico, da demografia, da escola de Chicago. A importância d.e Fer- plo, a história adotou, principalmente, parte da problemática e da
nand Braudel e Ernest Labrousse foi fundamental, no sentido de terminologia~ de preferência aos métodos; e o estruturalismo lin-
orientar os historiadores para o estudo das estruturas - além dos güístico e antropológico atuou sobre a história, basicamente, no
acontecimentm e dos ciclos conjunturais. Ao contato das outras sentido de provocar a reflexão dos historiadores sobre certas noções
ciências do homem, a história interessou-se pelos fatos·· recorreq- fundamentais, sem influir diretamente em nenhum (ou quase
tes, ao lado do~ singulares - a partir de 1930, aproximadamente nenhum) ponto da pesquisa histórica.
- pelàs realidades conscientes, juntamente com as que pudessem
Um certo número de termos resume o essencial da uova pro:.
ter fugido à consciência dos contemporâneos -:--- por exemplo, os
blemática e metodologia que a história veio adotando nos últimos
ciclos conjunturais de longa duração. 3
quarenta anos: quantificação, conjuntura, estrutura, modelo.
A quantificação sistemática, inaugurada com os estudos da
çonjuntura econômica, através de séries estatísticas (daí o nome
de "história serial"), significou mudança qualitativa não só ao
nível dos métodos e técnicas como a nível epistemológico.
Toda a concepção da histófia tradicional desmoronou, pois s·eu
objeto, o "fato singular", deixou de dominar o horizonte do histo-
B. As linhas de, jorça da evolução recente da ciêncza riador: este se interessava, agora, em captar as pulsações, os ciclos
histórica de longa ou curta duração da vida econômica, seus efeitos so~iais
ou outros. A própria natureza da pesquisa .º obrigava a colocar
muito claramente sua teoria explicativa e suas hipóteses de trnbalho 7'
a especificar os critérios de seleção ou elaboração de dados, o
porquê da escolha deste ou daquele processo estatístico. Os aconte-
O motor da evolução recente .da história foi, pois - e con-
cimentos não estavam de todo ausentes de suas preocupações, pois
tinua a sê-lo - o contato com as demais ciências do homem;
para explicar ás ·flutuações conjunturais é necessário recorrer a
menos estruturada, a história também se mostra mais aberta, menos
rígida, menos resistente à mudança do que ãs outras disciplinas. eles: uma guerra, p~r exemplo, pode ter grande influência sobre '1l
.conjuntura comercial; mas já não se. tratava de construir a histó-
Iia saltando d~ fato singula~ a fato singular. Quando se trabalha
3 A revista criada por Lucien Febvre e Man: Bloch chamou-:>e, primei- com curvas e séries estatísticas, o que importa, em últiipa análise,
ramente, Annales d'histoire économique et sociale, depois Annales d'his-
toire social e, mais tarde M élanges d'histoire sociale e, finalmente, .<em é muito mais a tendência, o sentido çla evolução do que tal ou qual
194ti ), Annales. Economies, sociétés, . civilisations. Após o assassinato d~ fato ou dado. particular. 4
Blo.:'h pelos ocupantes alemães, L. Febvre continuou trabalhando ate Nos países anglo-saxões, a história éconômica quantificada
11w1·1 cr, dirigindo a re ... ista; esta teve depois, como inspirador, Fernand
Br:1u,kl Cf. François Simi_and, Le Salaire, l'évolution sociale et la evoluiu de modo e ritmo diferentes dos. da França, embora com
llWWWÍt.:, earis, 1932, 3 vol.; Ernest Labrousse, Fluctuaciones económicas e
lwluna social; Madrid, Tecnos, 1962; os principais arti~os de Jean Meuvret
foram, recentemente, reunidos em um livro: Etudes .d'histoire économique, 4 Cf. F. Furet, art. cit.
mi. Cahicrs des Annales n.• 32, Paris, Armand Colin, 1971:
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pontos de contato e influências mútuas; tenhamos presente, por ciam absorver todas as atenções. Porém, tratava-se· de um debate
exemplo, as polêmicas de Hamilt~n com os. hi~toriadores franc~ses. freqüentemente mal colocado e pelo menos parcialmente falso, no
Nos Estados Unidos foi onde surgiu; pela primeira vez, o que Pierre fundo. A evolução posterior da antropologia e da história, mostrou·
.Vilar denominaria mais tarde, na _França, de "econometria retros- que muitas das supostas incompatibilidades estavam relacionadas com
pectiva". A. New Economic Hist~ry não limita suas ambições ao 0 estágio de evolução de uma história ainda não completamente
estudo de séries estatísticas ou, quando muito, à correlação entre comprometida com o estudo das estruturas - e de uma antropolo-
. elas: tenta aplicar retrospectivamente . a teoria e os métodos da gia que vacilava em aborcfar o difícil problema da gênese e evo!u-
ciência econômica e, assim, reconstituir as economias . pass·adas ção das mesmas estruturas. Mas é' certo, entretanto, que a preo-
mediante um sistema de· equações. :E: uma história feita por econo- cupação primordial da história com a dinâmica da evolução, com .c1
mistas profissionais, não por historiadores. Na França, uma "histó- tempo, a põe em oposição não só à antropologia estrutural co'!1º·
ria quantitativa" semelhante - embora muito menos rica - surgiu também, às outras ciências sociais. Certas divergências, além disto,
na década de 60 · deste século, também feita por economistas: a provêm de uma diferença de ótica e de objeto: o estruturalismo de
escola de Jean M~rczewski. Nos Estados Unidos, como na França, Lévi-Strauss ocupa-se prioritariamente das estruturas mentais, que
os economistas-historiadores dedicados à econometria retrospectiva
são as que mais lentamente ·evoluem, o que levou a antropologia
manifestam certo desprezo pelo que, às vezes, chamam de "história
estrutural a acentuar a noção de "invariância" das estruturas e os
econômica tradicional", escrita por- historiadores-economistas. não a
levam em conta. 5 fatores externos da evolução delas. 6
As técnicas e métodos quantitativos, primeiramente aplicados As·. mudanças da concepção da história levaram, pois, à supe-
à histórià;)econômka e depois à história demográfica e soci11I, ten- ração do acontecimento, a alcançar (além destes) . as flutuações
dem a ' conquistar sempre novos campos de trabalho - evoluçãe> conjuntur,ais de duração variável e, afinal, o _próprio. nível .das e~tru
que é facilitada e acelerada p,ela difuS;ão do emprego dos' compu• tui;a~;, que mudam muito lentamente. Fernand Braudel. fm o histo-
tadores. : Atualmente tenta-se, ·por exemplo, desenvolver uma se- riador que soube perceber e sintetizar as implicações de tal evolução
mântica quantitativa aplicada à história, quanto, ao problema . - essencial para o historiador - do tempo,
A noção de estrutur~ surgiu nos estudos históriCos muito antes. da duração, ao distinguir três níveis: o nível dos acontecimentos.
de se ter desenvolvido a antropologia estruturalista de Claude Lévi• da história episódica, que se move na cµrta duração; o nível interme-
Strauss; o marxismo a usava desde O· século· XIX e na primeira diário, da história conjuntural, de ritmos mais lentos emborá muito
variáyeis; e, por fim, o nível profundo dé!; historia estrutural de
metade deste século vários his~oriadores dedicaram-se às estruturas.
maior ouração. As· estruturas, "rio limite do móvel e do imóvel..,
sa'ciais, embora nem sempre :tenham usado, explicitamente, o termo
são no movimento histórico, "a um tempo sustentáculos· e obstá-
estrutura. (Jaures, Georges Lefebvre), · Mas nãp há dúvida de que
culos da· história", como diz Albert Souboul. Assim; a ciência his-
o advento do estruturalismci forçou os historiadores a refletirem
Íórica sem deixar de preocupar-se prioritariamente com a mudança,
i.Óbre o próprio conceito de estrutura, por eles usado às vezes com
o movimento, soube fazer-se consciente, também., das persis.tências,
rigor insuficiente. Na década passada, certas oposições (antropologia-
das sobrevivências, das resistências à mudança. Por outro !.ado, os
história, sincronia-diacronia0 · estrutura-aconiteciménto, . etc) pare-
historiadores deram-se conta de que os vários níveis estruturais apre-
sentam ritmos evolutivos diversos, ·devido à e;dstência de defasagens
5 Jacob M: Price; "Principales · tendencias de la invest~gación cuantitativa no sefo da. estrutura global: as estruturas econômicas mudando mais
, ._ • J. •
1·cdente en el campo de la historia•, Trad. de Cecília Rabell, em Pers-
pectivas de la historia económica cuantitativa en América Latina, México.
l-1 Colegio de México (Comisiôn de História Econômica dei Consejo La-
6 Ver Labrousse e outros, .Las estructuras y los hombres, .Trad. de M.
trnoamericano de Ciencias Sociales), 1970, pp. 9-33 (mimeografado).
Sacristán, · Barcelona, Édiciones Ariel, 1969.
26 21
1 ntes eptre os diversos níveis de uma determinada -sociedade, _que-
rapidamente do que as sociais e as estruturas mentais mais lenta- r:m<>s ter desta urna imagem tão integrada e global quanto po~s1vel.º
mente do que as demais. 7 · Oo acontecimento à estrutura; da curta à longa duraç~o; ,d?
Atualmente impõe-se crescentemente aos historiadores a noção individual ao coletivo: em todos os planos considerados sera fac1I
de modelo. Além dos modelos econométricos da New Economic constatar o processo de ampliação e aprofundamentc que caracte-
History e da "'história quantitativa" francesa, há tentativas, mais riza ·a visão atual da história. .
interessantes e promissoras, de construir modelos que considerem Passaremos, agora, a desenvolver de modo um pouco ma;s
a êspecificidade dos distintos sistemas sociais e. econômicos: como minudente alguns dos pontos mencionados tão brevemente nos para..
é o caso do modelo do sistema feudal polonês elaborado por grafos precedentes.
Witold Kula. 8
Para Henri-Irénée Marrou o traço mais importante das trans-
formaçiYes · recentes da ciência histórica é a tendência crescente
que mostra para "apreender o passado do homem em sua totali-
dade, em toda a sufi complexidade e completa riqueza". Ao lado
d~ história política, diplomática e militar, cujo predomínio era antes
absoluto, desenvolveram-se novos e férteis campos de estudo que
ocupam, hoje em dia, a vanguarda das pesquisas históricas, por e. A história quantificada e suas correntes
seus brilhantes sucessos resu}iantes do progresso ininterrupto de
. Uma metodologia e uma problemática em constante renovação e
àperfeiçoamento: história econômica, história demográfica e histó-
1-ia social (esta compreendendo o estudo das mentalidades ·coleti-
vas). Atualmente, já não aceitamos uma narrativa histórica cujo
ritmo seja marcado· apenas, .e (principalm~nte, por dinastias, bata·· 1. MUDANÇA FUNDAMENTAL: A QUANTIFICAÇÃO
·lhas, ministérios, tratados, etc.; o quadro que se vislumbra, apói SISTEMÁTICA
um estudo deste tipo, parece-nos por demais estreito. Além de gran·
des personagens e grandes acontecimentos. políticos - na verdade,
mais do que a -estes - aspiramos conhecer para cada período
e cada sociedade, o quadro técnico, econômico, social e institu-
donal; as pulsações conjunturais; os movimentos da população; a A inclusão ocasional de cifras no texto, como apoio a certas
vida das grandes massas, e não somente a dos grupos dominantes; afirmativas, sem dúvida é muito antiga e já a encontramos na::;
os movimentos e relações· sociais; a psicologia coletiva, e não apenas obras de alguns historiadores gregos e romanos. Porém, quando ~a
a dos "personagens· históricos". Ainda mais, aspiramos entender terceira década do presente século certos historiaderes da economia,
os mecanismos que explicam as concordâncias e discordâncias e1us- sob a influência dos estudos da conjuntura econômica reaJi'zados
pelos economistas, implantaram em seus trabalhos a quanfüicação
7 Idem, PP. 115-124 <comunicação de A. Soboul> ;-cf. principalmente F'er-
nand Braudel, "La larga duraciónn em La Historia y las ciencias· sociales, 9 Cf. Henri-Irinée Marrou, "Qu'est-ce que l'histoire?", em L' Histoire et
Trad .. de J. Gomez Mendoza, col. El Livro de Bolsillo n.º 139, Madrid, ses méthodes (sob a direção de Charles Samaran), col. '.Encyclopédie de
Aha1ua Editorial, 1970, pp. 6().106 (o artigo é de 1958).
Ia Pléiade, ·Paris, Gallimard, 1961, pp. 3-33; Bouvier-Ajam, up. cit., PP·
8 Witold Kula, Théorie. économique du systeme ·féadal, Paris - La Haye,
30-41.
1~70.
29
28
sistemática - ' houve mudança de imensa importância. Os referidos Enfim, uma visão nova perm1t1a que os historiadores da eco-
historiadores - por muito tempo . uma pequena minoria, mesmo nomia incorporassem à sua área de estudos a problemática, o
em países como a .França - simplesmente transferiam seu princi- apar~lho conceituai, a teoria, os métodos e as técnicas da ciênCia
pal centro de interesse do inefável "fato individual" dos positivistas econômica. Os dados reunid_os em séde podiam ser manipulados
para os dados cuja integração em séries homogêneas é possível; do conforme procedimentos estatísticos e matemáticos de variável com.;.
episódio para os elementos escolhidos (ou construídos) segundo plexidade.
•o critério de seu caráter recorrente; que os faz comparáveis no Avançando a partir d.e tais pontos, a história quantificada
âmago de um dado período de tempo. As mudanças que assim diferenciou-se, pouco a pouco, em tendências ou correntes, organi ·
começavam a penetrar, lentamente, a consciência dos historiadore'i zando-se em torno de duas atitudes básicas. De um lado, a posição
a: visão que tinham· de sua disciplina - eram primordiais. explificada, principalmente, pela esçola histórica francesa, ou "escoh
Em primeiro lugar, a ilusão da ingenuidade ou objetividade dos Annales", que se caracteriza pela rejeição de uma divisão
do historiador diante de "fatos" reais e substantivos que a ele se radical entre história econômica e história gl<>bal; por uma acen-
impunham, do exterior, já não ·podia ser mantida. Uma série de tuada prudência - quanto ao. valor da dt)cumentação disponível
dados qualquer - sobre preços, salários, exportação, produção, e, também, quanto à validez das formulações teóricas, vistas como
etc. - só tem sentido quando construída para responder a certas algo cule de.ve resultar da síntese. de um grande númer-o de estudo')
perguntas muito precisas. Em outras palavras, a história sistemati- de· casos e não apresentar~se como um é.lado a priori; por um grandõ
·camente quantificada pressupõe 'que a~ hipóteses de trabalho dos respeito à especificidade das diferentes snciedades e épocas,. juntll·
historiadores, dantes implícitas e inconfessadas, tomem-se ·explíci- mente com a crença na necessidade de formular teorias diferenciais
tas, claramente col.ocadas. Renunciando ·à sua feliz inocência o P:ara corresponder· à aludida especificidade; por um conhecimento e
historiador .leve de tomar conhecimento de algo . fundamental:· da manejo muitas vezes insu~iciente (devido às deficiências da forma-
necessidade,· ou melhor, da inevitabilidade de selecionar, recorta;r, ção acadêmica do'i historladprcs) da ab'itração conceituai, da teo-
•construir seu objeto. em função' de ~uas hipóteses, de seu marco ria econômica e das técnicas e métodos estatístico-matemáticos mais
avançados. ··.
teórico e .metodológico. ·
De outro lado esta a · história econômica feita por pesquisa-
Por outro lado, a construção do objeto de estudo em séries
dores cuja formação é econômica, não. histórica,. tendendo a fazer
homogêneas e coerentes levava a várias conseqüências importantes da história, meramente, .. um campo de aplicação retrospectiva <l:i
no referente aos métodos. Quando se raciocina em termo de séries teoria econômica mais atual, com seus modelos econométricos, o
de dados que se sucedem no tempo, ·esb~çando curvas que são a manejo da abstração conceituai e uma tecnologia estatístico-matemá-
representação gráfica de ciclos .· de expansão e depressão (isto é, tica muito refinada. Este segundo grupo começa a ·se fazer notado,
das palpitaç~es da vida econômica) o mais importante não é cada ·mais ou menos claramente, a partir da década de 1940, principal-
um dos . dados, individualmente, mas o próprio .desenho da curva, mente entre os anglo-saxões, terminando por cindir-se, também, em
sua evolução no tempo - preferencialmente na longa duração _;; o duas tendências: a constituída no início da décadà seguinte, nos
dado define-se. pelo valor relativo que apresenta q1,1ando comparado Estados Unidos, com Simon. Kuznets à frente, aparecendo pouco
.aos que o precedem e seguem. A crítica interna, antes ocupada em depois na. França com o nome de "história: quantativa"; e a New
.demonstrar a veracidade ou falsidade das · afirmações contidas ·nós Economic History, nascida nos Estados Unidos por volta. de 1957.
testemunhos escritps, agora deve dedicar-se à demonstração •.da Portanto, dois pontos de vista fundamentais e três correntes:
homegeneidade e da coerência interna· das séries de dados, recolhidãs·
~ou construídas pelo histói,iador, e de sua pertinência em relação às - a "história serial" dos historiadores-economistas ("escola
hipóteses de trablahó propostas; as extrapolações ou interpolações dos Annales": E. Labrousse, J. Meuvret, G. lmbert, R.
de dados têm de ser_ justificadas por esta perspectiva. ·· Baehrel., etc.) ; · ·
30 13, 1
- a "histófra quantitativa" dos economistas-historiadores: acreditam que há tantas teorias econom1cas quantos sistemas ecn-
nômicos historicamente identificados: as leis e constantes são arcn:1s
( S. Kuznets; J. Marczewski,
19) '"história quantitativa" 0 marco de um determinado sistema, nada justificando a aplicação
J. - CI. Tóutain); automática da teoria econômica atual - elaborada em funçiio de
29) "New Economic flistory (S. Engerman, A. Fishlow, um sistema econômico bem definido - a épocas ou sociedades
B. F. Hoselitz, R. W. Foge!, A. H. Conrad, J. R. caracterizadas por outros sistemas. Cumpre, pois, construir lc;1ta-
Meyer, etc.). mente as diferentes teorias histórico-econômicas adaptadas ao fun-
cionamento real dos diversos sistemas econômico.s; daqueles, ao
menos, para cujo estudo quantificado existam ou possam ser recons-
tituídos os dados, em qunatidade, qualidade e continuidade sufi-
cientes. A teoria econômica atual influi, certamente, sobre esta
escola de historiadores da economia; porém, sua validez para expli-
2. A HlSTóRJA SERIAL car, total ou parcialmertte, fatos econômicos do passado é vista como
uma hipótese a demonstrar, não como uma verdade que deva ser
admitida a priori. O processo de construção teórica dá-se apenas
lentamente, como resultado de múltiplos estudos regionais, mono-
Para designar ~ma tendência já relativamente antiga, a expres- grafias, anáJ.ises de empresas, etc.11
são ''história serial" foi criada no calor da polêmica em que se Este último aspecto reflete uma tendência. geral da história em
enfrentaram, na década de 60 e na França, a "escola dos Annales" sua fase presente: a insistência na necessidade de controlar sempre
·e os importadqres da posição "anglo-saxã" (mais especificamente, as hipóteses explicativas globais, relativas a grandes conjuntos,
a tendência ~ Kuznets) para este país~' ós quais proclamavam a através de uma grande quantidade de estudos monográficos e regio-
intenção de escrever uma história inteiramente quantificada - uma nais. Assim, por exemplo, na história do capitalismo só o estudo
'"história quantitativa". 1 º concreto de empresas isoladas pode possibilitar a avaliação da
O traço distintivo mais importante da história serial, ante as validade de hipóteses gerais sobre inovação, investimentos., papel
demais formas de história quantificada, consiste em ser uma ativi- do empresário, etc. Os dados relativos a todo um país são agrega-
. dade exercida por historiadores formados como tais - ou que dos que derivam de múltiplos movimentos menores, constituem
aprenderam a sê-lo., como E. Labrousse que começou como econo- médias de experiências regionais ou locais qi:e podem ser extrema~
mista - , portanto muito atentos para a necessidade de· criticar a mente variadas e heterogêneas em seu comportamento. A mono-
documentação utilizada - especialmente em se tratando da cons- grafia, ou estudo regional, analizando a totalidade das articulações
tituição de séries estatísticas relativas a períodos anteriores ao sé- concretas de dada região, época e setor de atividade, permite perce-
culo XIX - e, também, atentos para o grande perigo de cometer ber a coexistência, em um mesmo país - ou grupo de países -
anacronismos, isto é, de não respeitar devidamente o caráter dife- de ritmos conjunturais distintos, demonstrando a existência de pro-
rencia} das diversas sociedades, das épocas distintas. Ao contrário cessos defasados ou, às vezes, de diferenças estruturais mais ou
da escola de Chicago, os historiadores da "escola dos Annale:s"
11 Marcello Carinagnani ("Metodologia y técnicas para una hL~toriogrnfía
.·,10 CL Pierre Chaunu, "Histoire quantitative et histoire sérielle", em económica latinoamericana" em La Historia económica en América La-
Ca!ziers Vilfredo Pareto (Genebra, Droz), n.º 3, 1964, pp. 165-175; do mes111P tina, 1: Situación y método~. México, Sep/Setentas, 1972, pp: 253-264) mos·
autor: "Vhistoire sériel!e. Bilan et perspectives", na Revue Historique tra-se cético quanto .à possibilidade de elaboração teórica no contexto
t Paris, Presses Universitaires de France),_ n. 0 494, abril- junho de 1970, da "escola dos Annales". Parece-nos que a melhor refutação de tal pes-
PP 297-320. simismo é constituída pela obra de E. Labrousse. -
32 33
menos profundas. Os historiadores serialistas, fragmentando a reali- em parte de um treinamento insuficiente - não é esta. a razão
àade estudada em diversos níveis. de análise, põem em julgamento principal, porém, um grande senso crítico ante a qualidade da
a crença, herdada do· século XIX, de que em cada período e so- ctocumentãçao, por um lado, e a vontade de preservar a plena iden-
ciedade os diferentes níveis ou elementos evoluem simultaneamente tidade histórica específica dos períodos estudados, por outro lado.
a um ritmo identico, pelo menos grosso modo. A história serial Este último fator leva à repugnância de abordá-los todos a partir
demonstra, ao contrário, a existência de importantes diferenças de uma só teoria já elaborada, que se desenvolveu em função
de ritmo entre distintos setores econômicos; entre a evolução. eco- do sistema econômico capitalista, principalmente do século XVIII
nômica e as estruturas sociais; entre estas, a vida política, as men- em diante. 13
talidàdes; além das alÜdidas ê às vezes profundas diferenças regio- A história serial, na atualidade, está longe de ser cxcl usiva-
nais e setoriais. 1:i Esta constatação torna-se possível à medida em mente econômica; aplicando-se a tipos muito diversos de proble-
que, com o progresso da computação - que permite a análise serial máticas e de documentos. Quanto às fontes que podem ser utili-
de qualquer corpus de dados cuja programação seja possível - zadas por ela, François Furet distingue três grupos, segundo o grau
a história serial, durante muito tempo exclusivamente econômica e crescente de dificuldade relativamente à constituição das séries: 14
interessada no estudo dos ciclos conjunturais a partir de diversas
variáveis (preços, salários, movimento comercial, etc.) abrange 19 "As fontes estruturalmente numéricas, reunidas como tais
novos campos aos quais pode dedicar-se e serve ao estudo da es- e usadas pelo historiador para responder a perguntas dire-
trutura e dos movimentos sociais; da demografia; de certas variáveis tamente relacionadas com seu campo original de pesqui-
políticas ou ideológicas, eté. sa". Assim, por exemplo, os registros paroquiais para a
Porém, voltemos por um momento à história serial, no sentido história demográfica; as estatísticas oficiais da produção
que teve primeiramente, isto é, vista como uma dada maneira de para o historiador da economia dos séculos XIX e XX;
conceber e de fazer história econômica. Em seu conjunto, os estu- os resultados eleitorais para a história política, etc. Quando
dos da escola histórica francesa caracterizam-se por um certo em- tais fontes requerem a aplicação de procesos de padroni-
pirismo, hipóteses de caráter operacional e sínteses de tipo quali- zação, ou quando há lacunas e é preciso extrapolar, tais
tativo. Sendo os fenômenos econômicos analisados no marco de operações podem ser feitas de modo relativamente fácil e
um determinado período, em sua dimensão diacrônica, freqüente- confiável.
mente através de indicadores. Durante muito tempo os preços foram 29 "As fontes estruturalmente numéricas, mas usadas pelo
tomados como indicadores ou termômetros da vida econômica, às historiador substitutivamente para ·encontrar respostas a
vezes de modo demasiadamente exclusivo; estabeleciam-se, por
questões totalmente estranhas a seu campo original de!
exemplo, identidades automátic~s e grosseiras do tipo: baixa dos pre-
pesquisa." Assim", por exemplo, a utilização dos preços
ços = depressão; elevação dos preços = prosperidade. Quanto
como indicadores do crescimento econômico; o estudo da
ao processamento dos dados, raramente ia-se além das correlações
simples entre as variáveis consideradas. O uso que os membros da estrutura social a partir de documentos fiscais, etc. O
"escola dos Annales" fazem da teoria econômica e dos instrumen- historiador deve, neste caso, justificar a validez do em-
tos de análise estatístico-matemáticos é, relativamente, moderado. prego de suas fontes, relativamente a sua problemática;
Mas, já dissemos - que embora seja certo que isto possa resultar o manejo dos dados será mais difícil e, freqüentemente,
12 J. Meuvret, op. cit., p. 312; D. E. Eversley, "Population, Economy 13 Carmagnani, artigo citado; Jean Bouvier, "L'appareil conceptuel dans
.rnd S0ciety", em Population in History, editado por D. V. Glass e D. L'histoire économique contemporaine", em Revue Economique (Paris, Ar-
F C Eversley, Londres, Edward Arnold, 1969 (reimpressão)>, pp. 23-ó9; mand Colin), n.º 1, 1965, pp. 1-17.
F Furl"l, artigo citado. 14 F. Furet, artigo citado, pp. 69-70.
j)
34
conduzirá a resultados mais arbitrários do que no primeiro Aplicá-la a uma época passada implica a reunião dos matcriai;;
caso. estatísticos disponíveis da referida época, e sua organização segundo
3Y "As fontes não estruturalmente numéricas, mas que o his- o modelo da contabilidade nacional praticada na atualidade. A
toriador trata de utilizar de modo quantitativo, mediante grande dificuldade reside na escassez de dados quantitativos. ou
um procedimeno duplamente substitutivo; é necessário que que admita;m quantificação, cada vez maior. à medida .em que noc.;
ele lhes atribua uma significação unívoca, relativamente à afastamos· do presente. Em seus estudos, Marczewski e Toutain
questão colocada, mas., também que possa organizá-las realizam um grande exercício de extrapolação, a partir de daJ[)<;
em séries, quer dizer, em unidades cronológicas compa• dispersos, heterogêneos e nem sempre dignos ele confiança. Para
ráveis, à custa de um trabalho de padronização ainda mais Marczewski, vinte e duas equações são. necessárias para avaliar a
complexo do que o do caso precedente". Teremos nesta receita nacional, e,m qualquer período. As referidas equações ·desen-
volvem cinco iguàldades básicas da contabilidade nacional: ·
categoria, por exemplo, as fontes notariais usadas para
estudos da história social; o uso serial de certas fontes 19) a demanda de bens e serviços;
administrativas ou relacionadas à justiça,· etc. 29) a produção interna;
39) a receita total das famílias (consumo privado, mais tributos
diretos, mais poupança);·
49) a receita total das administrações;
59) poupança nacional bruta· (investimentos público~ e priva-
dos, mais o saldo do comércio exterior).
3. A HISTóRIA QUANTITATIVA
Ê uma história econômica feita por economistas. e que pre-
tende limitar-se às cifras e· ao raciocínio sobre tais cifras. Nela os
homens, empresas e forças econômicas quase desaparecem do ce-
Esta tendência surge nas proximidades do ano de 1950, nos nário.16 · ·
Estados Unidos, com alguns trabalhos de S. Kuznets, e começa a.
desenvolver-se na França, principalmente, a partir da década de 60. 10
37
36
periódicas (Purdue Meetings). Podemos situar em 1957 sua cons- mano, a escola norte-americana nos trá_s "uma certa concepção do
tituição. Embora constituindo uma tendência muito mais rica e aleatório da história".
variada do que a "história quantitativa'', de que vimos falando,
apresenta vários pontos em comum com esta - como o fato de
ser uma história econômica escrita por economistas, e a aplicação
39 - A "New Economic History" caracterizou-se, até o pre-
retrospectiva dos procedimentos e modelos da econometria.
sente, pela rejeição ·das interpretações globais, pela tendência ao
Um certo número de princípios metodológicos básicos e carac- ecletismo em suas explicações. Todos os esquemas disponíveis de
terísticas de conjunto permitem descrever brevemente a corrente em explicação global da história econômica dos últimos duzentos anos __:_
nxame. revoluçã,o industrial, take-off, papel das inovações e de certas indús-
trias de· base, . etc. - forám criticados e recusados por ela, sem
ter proposto qualquer explicação alternativa de conjunto. 1 7
19 ~ A decisão de ultrapassar a simples descrição. de colocar
de modo preciso as questões de história econômica e de controlar
a escolha de hipóteses causais alternativas através da formalização
das referidas questões. Uma disposição de quantificação absoluta
faz com que se deixem de lado muitos aspectos dos problemas estu-
dados que, apesar de sua importância, são dificilmente quantificá-
veis. Procura-se uma integração global da história à teoria econô-
mica atual, cujos processos e modelos são usados em sua totali- D. Conclus.ão: o que é a ciência histórica de hoje?
dade. O método da "New Economic History" é hipotético-dedutivo
e seu ponto de partida é constituído pelos pressupostos da teoria
econômica, tomados como critério de escolha das variáveis . que
integram o modelo esboçado como hipótese, modelo que se tentará
comprovar lógica e empiricamente.
29 - Uma das características metodológicas mais fundamen- A história se apresenta, hoje, como uma c1encia em plena
tais - e, na certa, a mais original - da escola estudada é a utiliza- evolução. As certezas, ou verdades "definitivas" da historiografia
ção de hipóteses alternativas como meio de controle das explicações positivista, pertencem ao passado ·e o fato de tal concepção da
causais, o que implica o apelo à simulação histórica. Quer dizer história manter-se em certos países, em função do atraso, da inércia
que as técnicas de comparação de séries sõo ni;<ldas mesmo quando
ou da falta de 'informação, não a torna menos supei-adá, Como diz
a verificação direta é impossível: não se hesita em imaginar como
F. Furet, a história 8erial - e o mesmo poderíamos a.firmar das
teria evoluído determinada situação, caso as estruturas, a técnica
ou as circunstâncias tivessem sido outras; e isto com a finalidade demais correntes com vigência atual entre os historiadores - · é
de verificar se 'certos fatores explicativos, propostos com freqüência, uma história-problema, não uma história-narração. O indiscutível
de fato foram essenciais. Assim, por exemplo, para avaliar a im-
portância da construção de ferrovias na história econômiea dos 17 Cf. os artigos citadós de Carmagnani e Romano; Maurice Lévy-Le-
Estados Unidos, no século passado (mais precisamente, na evolu- boyer, "La 'New Economic History' ", em Annales E.S.C., setembro-ou·
ção da renda nacional), Fishlow e Foge! fizeram estudos economé- tubro de 1969, pp. 1035-1069; R. W. Foge!, "The New Economic History:
Its Findings and Methods'', em Economic History Review, vol. IX (1966\
tricos partindo da não construção de ferrovias. Como afirma R. Ro- PP, 642-656. . -
38 39
dinamismo de nossa disciplina, ilustrado espetacularmente pelos ress:rntes pesquisas quantitativas sobre movimentos· sociais. A his-
vertiginosos progressos da história demográfica, não deve fazer es- tória política, até agora, só foi perifericamente afetada pelo grande
quecer os muitos problemas e conflitos importantes que ainda con- movimento de renovação metodológica.
tinuam 'sem solução; alguns deles examinados no capítulo seguinte. E o que dizer de certa "história das idéias", cronologicamente
Embora não seja argumento que ponha em dúvida a validade recente em seu desenvolvimento mas decididamente fechada às
das novas tend~ncias, o peso ainda muito grande da história tradi- inovações do método?
cional _em certas áreas é, indiscutivelmente, um grave problema;
principalmente quando historiadores que se opõem à mudança
ocupam postos-chaves nas instituições acadêmicas de ensino e' de Este não é um livro de teoria ou de filosofia da história. O
pesquisa, constituindo-se em entraves ao progresso. Em países como leitor interessado em tais temas deverá procurar outras fontes.rn Que-
a França ou a Inglaterra, a posição tradicional já é insustentável, remos, entretanto, destacar aqui - embora superficialmente -
mas nos Estados Unidos a existênci,a de um importante setor de uma questão teórica e epistemológica fundamental, suscitada pela
pesquisa histórica baseado em metodologia muito adiantada não recente evolução da ciência histórica; alguns outros problemas do
impede que predominem, quantitativamente, os trabalhos de feitio mesmo gênero serão · abordados no capítulo seguinte. A questão
antigo; 18 na América Latina dá-se o mesmo, mas em proporções que nos ocupará a atenção agora pode .ser formulada assim: que
mais graves. Além disto, mesmo ,quando há disposição de traba- posição cabe, na atualidade, .à história, dentro do conjunto mal
lhar de acordo com padrões atualizados, certos problemas práti- definido das ciências do homem?
cos, técnicos e de organização podem constituir-se em obstáculos Digamos logo que uma resposta clara e definitiva a tal per-
muito reais: o elevado custo das pesquisas quantificadas, dignas gunta talvez seja impossível. Atitudes e· correntes mal diferencia-
de consideração,· que exigem grande investimentos em pessoal e das, em alguns casos contraditórias, caracterizam os historiadores
equipamento; a deficiência de treinamento da maioria dos historia- de hoje; isto e a ·rapidez das mudanças que sofre nossa ciência,
dores - mesmo no atinente ao manejo das técnicas mais elementa- em seu conjunto, fazem com que não seja tarefa suave tenta'r
res da estatística - devido à falta de adaptação das estruturas perceber suas linhas de evolução, ou' avaliar q_uais delas prevale-
universitárias às alteráções da disciplina; o pequeno número de cerão. Só podemos falar de tendências· implícitas nas referidas mu-
instituições nacionais ou internacionais destinadas a apoiar e a danças - e de evoluções possíveis.
coordenar os esforços individuais ou locais, a dar alento à realiza- Em um livro recente,~º Jean Piaget propõe a divisão de "todos
ção de trabalhos de equipe, assegurando a rápida difusão dos resul- os estudos relativos aos homens ou às sociedades" em quatro gran-
tados conseguidos, etc. Tais dificuldades surgem, em certa medida, des grupos, dos quais só' os dois primeiros ~os interessarão:
em todos os países, inas sua gravidade .é especialmente notável na
área latino-americana. 19) ciências nomotéticas, que procuram descobrir "leis": lin-
Por outro lado, cumpre reconheéer que o desenvolvimento güística, economia, sociologia, deipografia, antropologia,
dos diferentes ramos do saber histórico obedece a ritmos' hetero- psicologia;
g~neos. A história social, por exemplo, move-se com certo atraso 29) ciências históricas, que estudam a evolução temporal de
em relação à história econômica e à demográfica, apesar dos bri- todas as manifestações da vida social;
lhantes êxitos consecutivos ao impulso recebido de Ernest Labrousse,
no Congresso de Roma ( 1955), e que seus discípulos acentuaram;
19 ~f. Carlos M. Rama, Teoria de la historia, Introdücción a los estudios
da constituição de uma história das mentalidades coletivas; de inte- históricos, Madrid, Tecnos, 1968 (2a. edição), e sua bibliografia (pp. 183-
192)'
20 Jean Piaget, Epistémologie des sciences de l'homme,_col. Id-ées n.º 260,
18 J 1\1.- Price, art. cit. Paris, Gallimard, 1972, pp. 15-130.
40 41
39) ciências jurídicas; "Não sejamos demasiadamente exigentes com a noção da
49) disciplinas filosóficas. lei em história. Creio que há certas leis históricas, mas que
estas não têm o caráter relativamente inexorável das Jf'i-;
Pois bem, embora no conjunto a história ainda surja como algo físicas. O que caracteriza a lei nas ciências humanas é. preci-
distinto das ciências nomotéticas, devido à persistente e central samente, seu traço de pluralidade. A lei não é uma nece~~i
preocupação de apreender cada processo concreto de evolução dade, é uma probabilidade "majoritária" e, às vezes, a um
em toda a sua complexidade, mais do que de abstrair da realid&de grau bem baixo. A lei permite mais apostar do que prever''.
as variáveis capazes de conduzir ao estabelecimentos de leis,, Piaget
acredita distinguir uma possível evolução: 21 Uma das formas possíveis de constatar se há, de fato, uma
evolução da história - ou melhor, de seus setores abertos à reno-
''.É necessário salientar. . . toda uma corrente contempo- vação metodológica - no sentido de ciência nomotética é ver se
rânea que p·rocura fazer da história uma ciência baseada na a aludida evolução reproduz os aspetos ou fatores que, conforme
quantificação e nas estruturas ... , ponto de vista certamente Piaget, dominaram o processo constitutivo das ciências humanas
fecundo, porém que consiste; atualmente, em fazer da história nomotéticas
a dimensão discrônica da sociologia ou da economia, o que
no futuro poderia dar às disciplinas históricas o nível de uma J<?) a tendência para o estudo comparativo;
espécie de síntese relativa às dimensões dialéticas de todas 2<?) a tendência a apreender a dimensão histórica ou genética;
as ciências humanas." 3<?) a influência dos modelos proporcionados pelas ciências
exatas ou da natureza;
Cremos que tal tendência - quer dizer, a incorporação pro- 49) tendência a delimitar os problemas;
gressiva da his1ória ao campo das ciências nomotéticas - realmente 5<?) escolha dos métodos, especi'!lmente quanto a su:a função
se faz notar na evolução recente ·de nossa disciplina. Porém, não de instrumentos de verificação.
estaremos tomando, antes, nossos desejos pela realidade?
Deixando de lado o segundo ponto, demasiado evidente e mesmo
Não discutiremos, aqui, o problema de como definir uma "lei"
tautológico, em se tratando da história, vejamos se os demais são
no contexto das ciências sociais ou humanas. Na realidade atual des- perceptíveis em nossa disciplina, como ela evoluiu nas últimas
tas, o que é designado como "leis'' compreende coisas bem dife- décadas. Como veremos no devido lugar (Capítulo VIII), um dos
rentes umas das outras: em cer~os casos, relações quantitativas aspéêtos mais ex citantes da historiografia mais recente - especial-
expressáveis por meio de funções matemáticas; outras vezes fatos mente a relativa à América - é justamente o desenvolvimento
gerais, ou análises estruturais, ·apenas fixáveis pela linguagem for- do método comparativo, já nos anos vinte considerado por Henri
malizada da lógica ou, mesmo, por uma expressão verbal não for- Pirenne como a condição da transformação da história em ciência
malizada, etc. Assim como diz E. Labrousse:~:i (ou, conforme o expressava Henri Sée, de sua elevação do des-
critivo ao explicativo). Quanto ao terceiro fator indicado por
21 Ibidem, p. 23. Pierre Vilar, por sua vez" afirma ("Problémes théoriques Piaget, a influência dos modelos proporcionados peias ciências exa-
de l'histoire économique", em Vários Autores, Aujouhd'hui l'histoire, Paris, tas, no caso da história é evidente, embora·indireta - através da
hl Sociales, 1974, p. 122); "... a história deveria ser reconhecida como mediação das ciências sociais - e especialmente importante no
a urtica ciência simultaneamente global e dinâmica das sociedades hu-
m.1;1«.1,, conseqlientemente, como a única síntese possível das demais ciên" concernente à assimilação de métodos estatísticos e probabilísticos
lJ..1-,. hun1anas". e de estruturas· lógico-matemáticas desenvolvidas pelas referidas
22 /,as estructuras y los Jiombres, cit., P, 102. ciências. Não é difícil, também, perceber que os outros dois pontos
42 43
:stão igualmente presentes, Contra· as generalizações totalizadoras
d~ uma história inspirada pela ide.elogia do. "progresso'', e cujas
hipóteses básicas estavam no campo da filosofia da história, a .ten-
dência atual da disciplina é para uma distinção analítica de níveis
de estudo, no· interior dos quais busca-se delimitar a problemática,
o que torna possível sua abertura a técnicas e métodos elaborados
por '-Outras ciências (economia, demografia, etc.). No Capítulo lI
discutiremos se esta tendência elimina, automaticamente, a possi-
bilidade de qualquer síntese ou visão global. Finalmente, é impossí-
vel negar que a vontade de tornar verificáveis suas proposições
tem sido úm fator essencial na evolução metodológica recente da
ciência histórica. ,
Claude Lévi-Strauss descreve-nos as ciências sociais e/ou hu-
manas como disciplinas ainda em sua "pré-história", ciências em CAPÍTULO II
processo de construção, cujo ponto de referência e modelo é cons-
tituído pelas verdadeiras ciências: matemática, físiGa, etc. 2ª De modo
análogo, a história surge como uma disciplina que. ao contato com A EVOLUÇAO RECENTE DA CIÊNCIA HISTÓRICA:
as ciências sociais torna-se, pouco a pouco, uma ciência social -
afastando-se cada vez mais de seu passado filosófico e literário e Problemas, polêmicas e precauções
das ilusões cientificistas d<;> positivismo.
/
Este capítulo ocupar-se-á de dois tipos de temas, ilustrados
com a apresentação dê urit certo 'número de exemplos característi-
cos. Primeiro nos referiremos a alguns dos problemas mais graves
vinculados às próprias mudanças e opçõe~· que· marcaram a evolução
recente da história. Depois abordaremos questões .metodológicas
vinculadas .ao fenômeno da dependência cultural, centrando-nos no
caso latino-americano.
44 45
históricas. Tal atitude - ou tal ponto de partída - foi responsá- sistemático, seja pela ausência dos dados necessários, seja devido à
vel, cumo dissemos, por êxitos brilhantíssimos alcançados nas últi- natureza irredutivelrnente qualitativa do fenômeno em estudo. A
mas quatro décadas; porém, também implica certas limitações e falta de dados quantificáveis com urna certa continuidade caracte-
importantes problemas teóricos. É certo, entretanto, que este gênero riza a era pré-estatística, quer dizer, a maior parte da história da
de questões e dilemas não constitui exclusividade da história, mas humanidade e muitos temas e setores das épocas posteriores. É
afeta o conjunto das ciências sociais .. Trata-se., entre outras coisas, compreensível, por exemplo, .que .os hi_storiadores da antigüidade
"de saber se --' e em que medida - o conhecimento histórico ou clássica ou das civilizações pré-colombianas sintam pequena atração
sociológico é compatível com (ou é esgotado por) uma conceituali- pelas técnicas quantitativas. Quanto à natureza qualitativa de certos
zação matemática de tipo probabilístico". 1 objetos de estudo, é certo que os progressos da computação torna-
Comecemos constatando que a introdução dos dados numéri- ram possível o estudo quantitativo de muitos novos tipos de fenô-
<:os, de modo sistemátiCo, nas pesquisas históricas além de não ser menos históricos e suas respectivas documentações - inclusive
sempre possível, não resolve necessariamente os problemas, nem certos corpus literários mais ou· }11enos homogêneos, como os
encerra os debates; a quantificação não é uma panacéia, tampouco cahiers de doléances do ancien régime francês; e, ainda, uma série
uma solução mágica. É freqüente, aó contrário, que as discussões de ~ecu~entos iconográficos. Porém, podemos duvidar que uma
e controvérsias relativas a um dado aspecto da história tornem-se, focahzaçao totalmente quantitativa de toda a problemática histórica
a partir do emprego das técnicas quantitativas, mais acirradas do seja possíveJ.3 ·
que antes, embora mudem de linguagem. · Isto ocorre, principal- A história serial coloca, ainda, problemas de outra ordem.
mente, no que se refere aos temas atinentes _a períodos an~eriores Fra?~oi~ Fúret rn~stra~ que ela "privilegia o longo prazo e . 0
à era que podemos considerar plenamente estatística e que tem iní- eqmhbno de um sistema", permitindo medir a mudança ocorrida
1'111
do na alvorada do século XIX no caso da Europa ocidental, às nos limites deste, mas não a transformação qualitativa do mesmo.
vezes muito mais tarde nos países latino-americanos. Quando se ~s séries podem ocultar o ponto extremo a partir do qual. se veri-
111
trata da era prato-estatística, que tem seu ponto de partida na cria- fica uma "transformação da estrutura da temporalidade, e dos ritmos
ção dos moder,nos estados centralizados e seus prolongamentos colo- dest~ mudan_ç~"; ou seja, podem esconder as transformaçpes estru,.
niais, os dados numét:icos, ou potencialmente quantificáveis, existem tura1s esse_ncia1~ s,o? o asp_e~to contínuo de curvas ininterruptas. E
_:_'em quantidades e qualidade variáveis - mas a intervenção do "a mutaçao h1stor1ca dec1s1va pode nãq estar inscrita nas séries
historiador na construção ou reconstituição das séries é freqüente-
mente. importante, o que dá lugar à discussão sobre a seleção, o
processamento e a interpretação dos documentos usados e. dos dados que houve, B. H. Slicher van Bath defende a .tese contrária embora de
modo mais matizado e considenrndo uma evolução histórida mais am-
obtidos deles.2 .P~a; os dois autores -citados usam a quantificação, mas a partir de tipos
Além disto, grandes domínios da realidade histórica conser- d1Fcrentes de documentos: cf. Michel MÇlrineau, Les faux-se111blants d'tm
vam-se fechados à aplicação de qualquer tratamento quantitativo demarrage: économique agriculture et démographie en France au XVIIle
siecle, Cahiers des Annales n.º 30, Paris, Armand _Colin, 1971, pp. ll-14.
Os economistas e historiadores, como Toutain, ao desconheçer e despre-
zar as precauções metodológicas dos historiadores profissionais .· em
1. F. Furet, art. cit., p~ 63. Sobre os problemas epistemológicos, e ou- relação a · suas fontes cometem, . às vezes, erros tão primários
t rns vinculàdos às técnicãs e métodos quantitativos usados pelas ciências d~ interpretação que bastam para invalldar suas posições. Morineau ( op.
su..:iais, cf. por exemplo: Carlos Moya, Sociólogos y sociología, Madri, ctt., p. 74, nota 137) fala, a propósito, do perigo tão freqüente- na: obra
Siglo XX, 1971; Pablo Gonzàles Casanova, Las Categorias del desarollo econó- de tais autores de defender proposiçêes fáceis· .mas pouco admissíveis,
micu y la investigación en ciencias sociales, Universidad Nacional Autc>: "quando .reduzem a história a um papel de arsenal sem ter o cuidado
noma de México, 1967. de verificar o bom estado da pólvora". . ·
2 Um bom exemplo de que a quantificação nem sempre põe termo ·a 3. Furet, art. cit. Sobre este ponto essencial ver, também, Robert Man-
\<.'lha;. polêmicas é a já antiga questão de saber se houve ou não uma drou, "Mathématiques ·et histoire", em Critica Storica (Roma-Flo-rcnça).
:. rt'voluçãó agrícola" na França do século XVIII; J.-C. Toutain acredita n.º 1, 1962, pp. 39-48. ·
4 Furet, Idem, pp. 65-66.
46 47
endóoenas
b
de um sistema dado, mas
.
resultar ou de uma inovação da
.
29 eles exigem, para que sua construção tenha sentido e seja
qual nenhuma contabilidade anterior deixou qualquer sinal, ou de útil, "que todas as variáveis significativas sejam quantifi-
um fator exógeno que venha a transformar, em profundidade, o cáveis e incluídas na ·equação; enquanto, na história
equilíbrio .multisecular do sistema". econômica, certas variáveis não podem ser medidas por
As mesmas limitações e dificuldades encontramos no caso da falta de fontes e, .principalmente, porque fatos políticos,
história quantitativa e da New Economic History, porém especial- sociais, etc., não quantificáveis, intervêm como variáveis
mente reforçadas. determinantes."
O problema das fontes é, em. particular, muito sensível. Por
exemplo, se pensarmos nas vinte e duas equações que --- conforme A história econômiCa não pode, portanto, limitar-se a um mero
Marczewski - permítem avaliar a renda nacional, será fácil perceber comentário de índices e curvas, ou à construção de modelos pura-
que faltarão dados para montar a maioria delas, caso o historiador mente econométricos, pois ao fazê-lo perde parte essencial de sua
trabalhe com temas anteriores ao século passado, na Europa, e até capacidade explicativa, além de perder toda sua seriedade. A seção
anteriores a nosso século, em Olitras regiões. Os critérios de seleção seguinte deste capítulo nos permitirá aprofundar este ponto, apre-
das fontes e aplicação da extrapolação, adotados por Toutain em sentando alguns exemplos interessantes.
seu trabalho citado no capítulo anterior (nota n9 15), já foram
bem criticados sob diferentes ângulos; considerando-se a diferença
qualitativa existente entre as estruturas Süciais e econômicas fran-
cesas do ancien régime e as posteriores ao processo revolucionário
iniciado em 1789, que sentido pode ter a apresentação, feita por
Toutain, 'de uma curva única para representar a evolução do "pro-
duto agrícola final" da França de 1700 até meados do sécl!IO XX?
Os dados desta curva serão, todos, realmente comparáveis? Quais B. Ciências históricas ou ciencia ·histórica? O limite
devem ser os IÍmites da àtrapolação? Até. que ponto é válido ba- entre história econômica e história total.
sear-se em um só tipo de fonte, desprezando ainda todas as formas
disponíveis de controle dos dado..: assim obtidos?5
Por outro lado, Christian MorrisonG indica dois fatos que
limitam a possibilidade de aplicar os modelos econométricos à histó-
ria eccnômica:
1. DUAS TENDENCIAS CONTRADITÓRIAS: TOTALIDADE
19 Tais modelos só são válidos para períodos curtos ou mé- E ATOMIZAÇÃO
dios, enquanto a história ·seguidamente se interessa pela
tonga duração;
48 49
mas das obras históricas mais importantes do período posterior à II afirma M. Bouvier-Ajam, cada historiador é, quase sempre e ao
Guerra Mundial, e responsá,vel por boa parte de sua riqueza, ao mesmo tempo, um especialista e um "geralista"; relativámente a
proporcionar "modelos" globais (embora não formalizados) das al~uns outros historiadores; nada impedindo que, mesmo com espe-
sociedades estudadas. 7 cialidade bem definida, se mantenha informado sobre o qJJe fazem
Mas existe também uma teirdência diametralmente oposta. O outros especialistas, utilizando os dados e as explicações levantadas
desenvolvimento da ciência histórica requer, entre outros fatores, por estes. '"
uma delimitação do objeto, assim permitindo a introdução de con- É possível afirmar, além disto, que não se trata de uma opção
ceitos e métodos trazidos das ciências sociais mais elaboradas que deixa·ua ao arbítrio de cada pesquisador, mas de uma necessi'dade
a históriq. Conforme François Furet, a tendência totalizadora não intrínseca à própria natureza. do o.!Jjeto de qualquer pesquisa histó-
deve ser afastada, por isto; mas deve ser preservada como "hori- rica. A explicação dos movimentos ou oscilações econômicas de
zonte do historiador", não como seu ponto de partida. 8 Na prática, grande duração (ciclos de Kondratieff), por exemplo, não pode
entretanto, o movimento no sentido da atomização da história em perder de vista que tais ciclos conjunturais estão ligados "às. trans-
disciplinas autônomas - história econômica, história demográfica, formações das estruturas geográficas, ecónômicas e támbém ·~ políti-
história social, história política, etc. - imposta pelá crescente espe- cas, portanto sociais".11 A melhor prova concreta da possibilidade
cialização provocada pelo refinamento técnicó, atua contra a unidade de escrever urna história econômica aberta à formalização, ao refi-
da referida ciência, pois nem sempre se dá a síntese dos diversos namento técnico e metodológico, sem abandonar ao mesmo tempo
campos da pesquisa histórica e, freqüentemente, a especialização che- os fatores sociais e o reconhecimento da especificidade histórica
ga a tal ponto que os historiadores da economia ignoram tudo o que
dos diferentes sistemas econômicos está no livro em que W. Kula
fazem os historiadores demográficos e estes não conhecem os resul-
estuda a história. econômica da Polônia a partir de um modelo ,do
tados alcançados pelos historiadores sociais, etc. ·
feu4alismo polones. 1 " Por outro lado, Adeline Daumrad, ao rel!:tt~i
Neste sentido, é significativo o fato de que enquanto em 1961 suas experiências., durante a redação de sua tese sobre a burguesia
o grande manual dirigido por Charles Samaran era intitulado A parisiense de 1815 a 1848, demonstra como os dados econômicos
história e seus métodos, outro manual, publicado em 1967 - são absolutamente necessários à elaboração da história social, embo-
cujas pretensões sãó indiscutivelmente. mais limitadas, pois visa ra ~sta última constitua um campo de pesquisa já bem definido,
especificamente a estudantes dos primeiros anos das faculdades com exigências metodológicas específicas. 1s
francesas - chamou-se Introd1,ção às ciéncias históricas. 9 Entre-
Enfim, a tendência mais· fecunda da história social, como esta
tanto, o autor desta última obra - André Nouschi - tem cons-
~e a-presenta atuaimente, é a que lhe admite Úrn caráter de síntese. Si-
ciência de que além de ser possível o contato do historiador com
tuando-se no ponto de confluência de uma história da "civilizaÇão
as; demais ciências históricas, sem com isto usurpar as atividades
material" e de unia história da psciologia ou mentalidade coletiva,
dos especialistas . destas, também há possibilidade de contato de
cumpre-lhe considerar os fenômenos históticos em distintos níveis
especialistas dos diferentes campos da pesquisa histórica. Como
de arlálise para logo reuni-los em uma visão global em cujo âmago
50 51
1
1·.
surjam as articulações - e as di.scordâncias - entre fatores econô- l'? Os especialistas anglo-saxões, especialmente os norte-ame-
micos, estrutura social, nível político, ideologias, etc.14 ricanos que faziam uma história em estrita dependência da
ciência econômica, q_Ua:nto a suas hipóteses, problemática,
conceitos, métodos e técnicas. Tinham uma sólida forma-
ção econômica e matemática: sabiam manejar a abstra-
ção e a construção de modelos. Partiam do princípio de
que. os modelos conceituais oú matemáticos empregados
atualmente na análise econ'ômica podem e devem ser apli-
2. HJSTóRIA ECONôMJCA E HISTÓRIA SOCIAL cados a qualquer sociedade, pass~da ou presente. Enfim,
não recorriam à análise social: sua história econômica
era um todo auto-suficiente, fechava-se .em si mesma. A
"New Economic History", então recentemente criada, é o
Teríamos podido, se1n dúvida, apresentar exemplos das conse- melhor exemplo da aludida tendência,
qüências funestas da hiperespecialjzação em qualquer dos campos 2'? Os hisforiadores da Europa continental, especialmente os
da pesquisa histórica: Jean Delumeau defendendo a tese de uma franceses, não separavam a análise econômica dos fatores
inte!Jlenetração estritamente teológica da Reforma protestante; his- históricos globais e, principalmente, da análise social;
toriadores demógrafos (ou, mais exatamente, demógrafos historia- Preocupavam-se com a especificidade das diferentes épo~
dores) muito int!"rf'cc1dos na fecundidade, na mortalidade ou nas cas, dos diversos sistemas econômicos. Um dos represen-
migrações de épocas passadas, mas pouco atentos aos vínculos que tantes típicos e principais líderes deste. grupo é Emest
unem tais variáveis demográficas aos fatores econômicos, sociais Labrousse.
e outros, etc.i:; Porém, preferimos tomar para exemplo o caso da
história econômica, porque este debate constitui uma polêmica par- Passando, agora, a co11siderar a .situação presente encontrare-
ticularmente importante e atual. mos aind~ sem dúvida, os dois grupos mencionados; porém a pri-
.meira tendência parece progredir à custa da segunda. A aparição da
Considerando o panorama mundial da história econômica da história quantitativa de Jean Marczewski, na França,· é um bom
década de 1960 seria possível distinguir dois grupos principais de indício neste sentido. Tal evolução pode parecer, à primeira vista;
pesquisadores: rn
inscrita logicamente no movimento que, há mais de quareota anos,
teve início com a introdução da quantificação Sistemática nas pesquisas
históricas sobre a conjup.tura econômica.· Mas, temos de formular
14 Cf. Oeorges Duby, "Les Sociétés· médiévales: une approche d'ensemblf''
em Annales E.S C , janeiro-fevereiro de 1971, PP.· 1-13. . uma pergunta: quais as conseqüências implícitas na aceitação de uma
15 O livro de Jean Delumeau, Naissance. et aÍ}irmation de la Réforme, separação radical entre história econômica e pistória total?
é o volume n.º 30 da coleção "Nouvelle Clio" '(Presses Universitaires df> A separação estrita entre história econômica e história total, e
Francc). Sobre o entrelaçamento dos fatores demográficos com os i::co-
nômicos, sociais, políticos e mentais, cf. o excelente artigo, já citado,
especialmente entre as percepções econômica e social de uma época
de D. E. C. Eversley.. ou sociedade determinadas, não constituem progresso, porém um
16 Jean Bouvier, · "L'Appareil conceptuel dans l'histoire économique con-- grave _retrocesso metodológico. 11 A razão é bem siml'les: ao elimina.r
ternporaine", ar. cit. pp. 1-17. Cf.· também F. Mauro, Nova História e ~. posSibilidade de confrontar a expliêaÇao eéonômica com os dados
Novo Mundo, coleção Debates, São Paulo, Editora Pers.pectiva.-1969, pp. propQrcib:nados· pela análise social., o ·historiador.;.economista ·,,,_
79-81; não nos parece que o comp~~missà entre as duas correntes, pro-
posto por Mauro, resolva o problema, pois. este resulta da oposição de
duas· atitudes teóricas e epistemológicas p~ofundamente diversas q1.1<1nto
à história. 17 J. Rou,·iC'r, l<trm, 1\ ·n: âo mesmo milor: 11111ra1wrr a11 ·mcabulairc ..
·cn., 1'l>. 2f-23.
52 53
melhor; no caso, o ec.ôíiortns'ta-historiadM '"'.'"""'.'" JlCéitando seu eneer- Deixemos de lado - porque não nos interessarn neste contexto
rame.nto nos limites da c.iência econômica, como ela exis.te. na atua- as muitas e severas críticas feitas, de um ângulo técnico, aos
lidadé, necessariamente será co.n(juzido a ·aplicar os cónceitos, méJg!. critérios de tais autores na construção de seu modelo e em seus
dos e prõblcma1ica criados para a anáJíse econômica· de certas so·- cálculos, para nos dedicarmos à crítica propriamente metodológica
ciedades atuais (as sociedades capitalistas altamente desenvotvidas) formulada .por Eugene D. Genovese. 20 Este historiador mostra que
ao estudo de todas· as sociedades. E o fará, evidentemente, sem o aspecto crucial do problema está na atitude de analisar um sis-
colocar o problema da validade de tal ·procedimento teórico, pois tema como o escravista de um ponto de vista exc/.11sivamente econô-
afastou a única maneira de criticá-lo ou controlá-lo. Dois exemplos mico, o que deforma a percepção que se pode ter do objeto de
esclarecem melhor a questão. ' estudo: "O que importa não é o· crescimento em valor absoluto
Em 1958 Alfred H. Conrad e John R. Meyer, membros da mas um crescimento politicamente viável." A escravidão era a base
"1'.'ew Economic History", em um importante estudo sobre o sul de um sistema social específico e o exame da agricultura escravista
escravista dos Estados Unidos, no século XIX, 18 tentar.am medir a como empresa, seu estudo microeconômico, tem de ser abordadà ·
~rentabilidade da escravidão, empregando conceitos e métodos da em um contexto mais amplo. Tratando-se de constatar as repercussões
cicncia econômica, através da construção de um modelo economé- do sistema escravista sobre a sociedade, em seu conjunto, cumpre
trico de uma plantação de algodão, para o período de 1830-1860; considerar entre outras repercussões as seguintes: um baixo nível
tentaram computar os lucros resultantes dos investimentos, com,base de acumulação de capitais; a propensão dos senhores ao consumo
em uma fórmúla · keynesiana. A conclusão ·a que chegaram, depois· de objetos de luxo; a monocultura; uma economia dependente e,
dei analisar não somente a produção e venda do algodão como a conseqüentemente, a perda de capitais em benefício de outras regiões
criação e venda de escravos, foi que os investimentos no setor do país e do exterior, agravando a escassez de capital líquido por
escravista eram perfeitamente racionais, .pois os lucros resultantes dos motivo da sobrecapitalização do trabalho; uma economia cujo cres-
mesmos eram tão elevados como_ os que, em outras regiões dos cimento se dava em extensão, em vez de ser qualitativo; uma ideo-
Estados Unidos, podiam ser conseguidos com investimentos em logia antiurbana e antiindustrialista dos donos das grandes lavouras,
dif~rentes setores da atividade econômica. ~·no ponto de vista pura- que dominavam o cenário político e social; um mercado interno
mente econômico, a escravidão não era incompatívél com o cres- pouco importante; o papel secundário e acessório das atividades
cirrlento", nem com a diversificação da economia; se os senhores industriais., bancárias e comerciais. Pois bem, se tal marco sócio-
de ~scravos não empregavam os capitais disponíveis para industria- econômico global, esboçado pelos aludidos fatores, for considerado,
lizar ou diversificar económicamente o Sul sua opção se explica ficará evidente que não tem sentido o exame do problema da ren-
pelo fato dos referidos capitais poderem ser mais vantajosamente tabilidade ou da racionalidade, no caso do regime escravista, pelos
aplicados na produção agrícola e na reprodução de escravos. Deppis critérios de uma sociedade capitalista e burguesa, através dá apli-
de Conrad e Meyer, outros pesquisadores chegaram a conclusõeS cação de fórmulas de Keynes e de um raciocínio neoclássico. A
do mesmo gênero e tentaram demonstrar que os donos das planta... identificação do relacionamento entre senhor e' escravo com um
~ões agk-am racionalmente ao -de.fende"°, pelas armas, um sistema
econômico que lhes garantia alta rentabilidade. 10 Economic Research, 1962 (cm Aspccts of Labor Economics, com os comen-
tários de T. P. Gvoan e J. E. Moes, pp. 183-2561. ·
18 /,.. P . Conrad e J. R. Meyet. uThe Ec<>nomics of Slavecy_in the Ante. 20 E. D. Genovese, Economie po/itique de /'esclavage, trad. de Nicole
:lkllum South", em Journa/ of Political Economy, tomo UÇVI, abril de Barbier, Paris, Masp<To 1968, pp. 139-140, 235-241. (ediç_ão norte-an1ericana~
1958, PP. 95-130. De preferencia, consultar este artigo dos mesmos autor~ em Nova Iorque, 1065; há tradução u,,.,pl,,,\a R. Romano (Art. cit., p. 233,
Th" Econumics of Slavery and Otliers Econometrics Studies, Chicago, 1954; nota 6) diz que Genovese apenas menciona no livro os µuntas omitidos
puis aí está justamente com 'as críticas de Douglas F. Dowd e John E. por Conrad e Meyer; mas em outros trabalhos Gena\lese faz importantes
Mo,·~ e com a resposta de Conrad e Meyer às mesmas. contribuições (por exemplo, Tlze World tlie Slave1zoldr:rs. Made; Nova largue
19 Cf., entre - outros, o artigo de Robert Evans Jr .. "Thc Economics of Pantheon Books, 1969; li! Rcd azul B/ack, Nova Iorque:~Pantheon Books,
l\inn1l·•rn. Nçgro Slm·ery"; Princeton (Nova Jersey), National Burcau of 1971). .
S4 55
vínculo exclusi\1amente econom1co, como o existente entre patrão truídas. :!:! Buscaram redistribuir o movimento dos· transportes, a
e operário, no capitalismo, ·é absurda. A racionalidade econômica partir de tal hipótese, concebendo a construção de uma rede de
só existe' socialme.nte condicionada, é relativa· a cada sistema consi- canais, por exemplo. Sua conclusão foi que os resultados de uma
derado: o que é racional na sociedade capitalista pode não sê-lo não-construção das ferrovias representariam, em cada caso, somente
em urírn sociedade escravista, e vice-versa. de 4% a 5% da renda nacional. Mas, pode um historiador aceitar
Como afirmar que os investimentos dos escravistas do Sul a limitação do problema a este âmbito tão estreito? Como não
resultavam de uma "opção" entre várias alternativas, sem antes levar em conta tudo o que representou a ferrovia em termos de
considerar que, em um sistema escravista, as opções econômicas expansão geográfica, mobilidade da mão-de-obra, redistribuição das
possíveis estão condicionadas ;pelos~ parâmetros do referido sistema? empresas, etc.? E que critérios permitem escolher variáveis repre-
Análises como a de Conrad e Meyer cometem o grave pecado sentativas de uma evolução histórica que não aconteceu, como se
do anacronismo, o menos perdoável a um historiador; mas, justa- pressupõe? Nestas copdições, tanto os cálculos quanto as inter-
mente, não são historiadores, são economistas que aplicam tran- pretações dos autores mencionados teriam de provocar, e de fato
quilamente, ao passado, conceitos, problemática e metodologia da provocaram, muitas críticas e ;polêmicas. ~a As evoluções alterna-
ciência econômica atual, elaborada em função de um sistema eco- tivas passíveis de serem propostas a partir da suposição de não
nômico bem determinado. O controle da compatibilidade de tais ter acontecido algo que de fato aconteceu são por demais nume-
elementos com outros sistemas econômicos tem de passar pela rosas, ou mesmo ilimitadas ...
consideração do edifício social em seu conjunto, o que é impossí- A"New Economic History" mostra-se, seguidamente, como a
vel, no entanto, na perspectiva dos autores citados. A vontade de história econômica fechada em si mesma; muitas vezes cedendo ao
rejeitar a imagem "tradicional" da especificidade do Sul escravista, virtuosismo; à aplicação da técnica pela técnica em si, não como
apresentando suas elevadas taxas de crescimento econômico entre simples instrumento analítico. Isto, entretanto, não é inevitável.
1840 e 1860, não lhes permite explicar por que a referida região Nada impede que o aperfeiçoamento metodológico se dê ao lado
continuou apresentando níveis de renda inferiores aos do resto do das precauções elementares que o método crítico, aos poucos ela-
país por tanta,s décadas, depois da Guerra da Secessão. A guerra e borado pelos historiadores, pode sugerir - e sem romper os vín-
a Reconstrução não constituem uma explicação satisfatória. Na rea- culos ,da história econômica com a história total.
lidade, a existência anterior da escravidão gerou graves ;problemas
à reconversão da economia sulista, suscitou conflitos sociais e difi-
culdades econômicas impÔrtantes. O Sul escravista como um mundo
rural; a enorme absorção de capital na aquisição da fotça de tra-
balho; a pequenez do mercado; a mão-de-obra pouco qualificada,
inclusive por motivos de segurança. Como poderiam estes e outros C, Os historiadores e as estruturas
fatores deixar de influir poderosamente,· mais tarde, na evolução
posterior à abolição?~'!
Passemos ao segundo exemplo. Pretendendo verificar a im- É indiscutível que, nos últimos tempos, o conceito de estru-
portância real das ferrovias para a evolução da renda nacional dos tura ocupou importante lugar na obra dos historiadores. Também
Estados Unidos, no século passado, A. Fishlow e R. W. Foge! reali-
zaram estudos econométricos - o primeiro para 1859, o outro
para 1890 - pressupondo que as ferrovias não tivessem sido cons- 22 H. W. Foge!, Railroads anil Economic Growllz, Essays ill Econometric
History. Baltimore, 1964; A. Fishlow, American Railrocds and the Trans-
fonnation of lhe Alltebellimz Economy, Cambridge (Massachusetts), 1965.
21 Cl LáycLéboycr. "La 'Ncw Ecdnomic History1" ar/. cit., p. 1062. 23 Lév).<-Léboy<:r, art. cit., pp. 1039-1041, 1063-1064.
56 57
o !.'. que estes últimos usaram tal noção com uma grande variedade Raymond Boudon teve o mérito de pôr um pouco de ordem
de acepções, freqüentemente atribuindo-lhe um domínio tão vasto na apreciação da grande variedade de usos que, no terreno das
quanto mal definido. Aqui apresentamos a opinião de Jean Bou- ciências sociais e humanas, se faz do conceito de estrutura, dis-
vier, a ,?ropósito: tinguindo os dois tipos de contexto eni. que ele se apresenta:
"Minha impressão é que os historiadores, embora usando rom- 1<? No primeiro caso, a noção de estrutura é usada para
petentemente o conceito de estrutura, atribuiram-lhe se é que mostrar que o objeto de estudo é um sistema, ou seja.,
assim se pode dizer, o papel de um quadro imenso em que
um conjunto de elementos interdep~ndentes, ou para mos-
se pode ler uma paisagem heterogênea em que se entreligam a
trar que com a aplicação de um determinf}do método
demografia, a .economia e as classes. O rótulo "estruturas" é, ao
mesmo tempo, indispensável, muito simples e demasiadamente consegue-se a descrição de um objeto como sistema: a
amplo. Em todo o caso, o conceito está na moda e estará por noção surge então no contexto de uma definição inten-
muito tempo. Côm o auxílio dos trabalhos já publicados talvez cional.
devêssemos reexaminá-IG ·para, de certo modo, reconstitu-lo a 29 Um segundo tipo de co::itexto caracteriza-se pela apari-
partir de seus diversos conteúdos e dos fatos." 21 ção do conceito de estrutura inserido em uma teoria hi-
potético-dedutiva que se propõe a explicar o caráter sis-
temático do objeto de estudo: a palavra estrutura surge,
O uso mais freqüente da noção de estrutura no quadro das neste caso, no contexto de uma definição efetiva. ~r.
pesquisas históricas verifica-se. na história econômica, em oposi-
ção ao conceito de conjuntura, ou movimento. A estrutura desig- As palavras "intencional" e "efetiva" indicam que, cm um
na, então, simultaneamente as estabilidades econômicas - aquilo primeiro momento, ao identificar-se o caráter sistemático de um
que, em uma economia dada, só .muda muito lentamente - e as objeto, já se manifesta a intenção de construir uma teoria que
proporções 'e)Çistentes entre os fenômenos econômicos (por exem- explique a interdependência _dos elementos constitutivos do mesmo
plo, o predomínio. das atividades agrícolas ou, ao contrário, o da objeto-sistema, sem que isto seja, às v.ezes, imediatamente possí-
indústria; a importância. relativa das empresas de tipo familiar em vel; quando há possibilidade de realizar a dita construção, então,
confronto com as sociedades anônimas, etc.). O concei.to de es- chega-se a uma definição efetiva. A elaboração de uma teoria
trutura, em história econômica e em geral, surge vinculado ao hipotético-dedutiva supõe reunidas várias condições relativas aos
fato dos historiadores tomarem consciência de que o estudo da instrumentos de análise e à natureza do objeto de estudo (parti-
evolução das sociedades demonstra a existência de certos setores cularmente a possibilidade de delimitar tal objeto) . Assim, por
e elementos da realidade social, caracterizados por uma estabili- exemplo, é possível construir, presentemente, teorias deste tipo
dade e uma permanência relativas e extremamente variáveis. Mas, aplicáveis às estruturas de parentesco, ou a . muitos aspectos. dos
estrutura e movimento - ou conjuntura - são conceitos estrei- estudos lingüísticos, pois é possível definir e delimitar os respec-
tamente vinculados. As diferentes configurações estruturais pres- tivos objetos para aplicar-lhes instrumentos de análise conhecidos;
enquanto o estudo da estrutura social, ou de um sistema eco-
supõem conjunturas diferenciais, características dos distintos siste-
nômico em seu conjunto, não pode, ao contrário; conduzir a
mas; e o efeito cumulativo das variações conjunturais pode produzir
elaborações teóricas comparáveis, nas condi~ões presentes, por se
mudanças estruturais, quer dizer, pode conduzir a novos estados
de· equilíbrio relativo qualitativamente diferentes.
25 Raymond Boudon, A quai sert. la notion de "structure"? Essai sur la
signification de la. 11otion de structure dans les sciences humaines, coleção
24 J Buuvier, "L'appardl conceptuel. .. ", art. cit., :P. 12 .. Les Essais, n.º 136, Paris,· Gallimard, 1968.
58 59
tratar de análises de sistemas indefinidos, quer dizer, constituídos Ao est.udar os livros de Lévi-Strauss, é muito importante dis-
por um conjunto de componentes de impossível identificação se- tinguir, por um lado, os grandes êxitos por ele conseguidos em
gura e cujo número é indefinido. tliversos campos da pesquisa antropológica - .como o estudo dos
Se aplicarmos a distinção de Bourdon ao conceito de estrutura, sistemas de parentesco, dos mitos - através da aplicação do mé-
assim como é usado. pelos historiadores, torna-se evidente que, na todo científico (hipotético-dedutivo), e cuja grande importância e
maioria dos casos., trata-se de uma noção de estrutura no contexto originalidade cumpre assinalar; por outro lado, uma .série de afir-
d.e defiriições intencionais; ,por exemplo, e principalmente, quando mações ambíguas, ou mesmo contraditórias, disseminadas em seus
"estrutura" está em oposição ·a "conjuntura". Estruturas enten- textos, não fundamentadas pela pesquisa ou por outro tipo qual-
didas como o resultado de teorias hipotético-dedutivas - ou seja, quer de coÍnprovaÇão, e cujas intenções teóricas e normativas
no contexto de definições efetivas - só aparecem por ora, em surpreendentemente ambiciosas têm muito pouco a ver com os
es.tudos econométricos, resultantes da importação direta para o êxitos anteriormente mencionados. De um modo talvez um tanto
estudo histórico. de aspectos parciais dos sistemas econômicos, dos rude, mas bastante exato, Caio Prado Júnior descreve o que se-
métodos e modelos da ciência econômica. riam as dificuldades dos discípulos .do aludido autor, caso quises~
sem orientar-se exclusivamente por essas afirmações normativas
Para concluir a present~ seção gostaríamos de mencionar -
e não mais do que mencionar, pois qualquer tentativa de apro- ou teóricas não amparadas erri comprovação: 21
fundamento nos levaria demasiadamente longe - as polêmicas típi-
cas da década anterior, caracterizadas pelas oposições: antropolo-
gia estrutural/história, sincronia/diacronia, estrutura/acontecimento, •·Em suma, se os dscípulos de L.-S. se ativessem unica~
etc., e dominadas pela personalidade científica de Claude Lévi- .mente aos conselhos e diretivas metodológicas do mestre, a
Strauss e pelas diferentes reações provocadas por seus . trabalhos chamada "análise estrutural" que recomenda, ficariam reduzi-
e afirmativas. Ante a "antropologia estrutural" uma espéci'e ·de dos à simples adivinhação. Tratar-se-ia para eles imaginarem,
complexo de inferioridade apossou-se de mui.tos historiadores., com- sem nenhum amparo objetivo e concreto, e sem nenhuma orien-
preensívçl apénas pela desvantagem em que os ·coJ.ocava sua for- tação ou pista fornecida pela consideração e observação dos
fatos, um esquema qualquer, ou vários esquemas, conformes
mação profissional para perceberem ·as numerosas incongruências
apenas com as "condições" formais dadas pelo mestre. T~sta
teóricas e epistemológicas con~idas na obra de Lévi-Sstrauss, ·ao riam em seguida esses esquemsa, produtos da pura imaginação.
lado de achados indiscutivelmen!e geniais. Menos fácil de com- em confronto com os ·fatos, na esperança de alguma coincidên-
preender é a timidez que impediu os his_toriadores - exceto uma cia que somente poderia ser ditada, .em vista de sua origem,
minoria - de demonstrarem que, ao falar da história o referido pelo acaso. E consagrariam afinal como "modelo" aquele esque-
antropólogo tratava de um tema que, com gritante evidência, des- ma que, favorecido pela sorte na adivinhação, desse melhor
conhece ;profundamente; eqi particular, teria sido importante, em conta daqueles fatos. Nesta altura, e conforme· a passagem de
1960, criticar em profundidade a absurda "história estrutural" por Anthropologie Structurale que tivessem sob as vistas - uma
efo proposta. ~u · Tal indecisão dos historiadores mostra sua inse-
gurança em. relação a muitos. problemas teóricos e epistemológicos
básicos; o advento do estruturalismo teve o grande mérito de for- 27 Caio Prado Júnior, O Estruturalismo de Lévi-Strauss. O Marxismo de
çá-los a raciocinarem sobre eles. Louis Althusser, São Paulo, Editora Brasiliense; 1971, pp. 30-31. O tra·
halho de Prado Jr. constitui um bom ponto de partida para a crítica de
Levy-Strauss, embora não se refira a todos os aspectos da obra do
]6 Cf. sua aula inaugural no Cúllege de Fra11cr: a 5 de janeiro de último. Ver também: Adolfo Sánchez Vásquez. '"Estructuralismo e his
l<Joll e, , anteriormc'nte, seu prefácio ao livro de M. Mauss, Sociologie toria", em Estructuralismo y marxismo, México, Editorial Grijalbo, 1970,
pp, 4279.
d w1;hrnpulugie, Paris, Presses Univcrsitaires de Francc, 1"950.
60 61
descontínuo"). Enfim, André Martinet .alerta que· sincronia não
vez que os conceitos de L-.-S. a respeito do assunto são comu
vimos variáveis e vacilantes - , já estariam de posse da "estru- significa estática: :!~
tura" levistraussiana. Ou então restaria ainda, com os modelos,
passar à descoberta da "estrutura'', aí então sem nenhuma som- "No referente à questão da sincronia, creio que poderia ser
bra de indicação do mestre que, se mal e mal e com todas as útil, também para os historiadores, não identificá-la com es-
suas àmbigüidades, · vacilações e inconseqüências, ainda diz algu- tática. Os lingüísticas chamaram a atenção :para este ponto,
ma coisa a respeilo dos modelos, nenhuma iniormaçáo nos dá seguidamente. B possível fazer sincronia dinâmica, quer di-
acer~a de sua "estrutura". Nem mesmo o que seja, em que zer, estudar sincronicamente os fenômenos, assim como eles
consiste." evoluem à nossa vista. ( ... ) "Podem ser registrados [em
sincronia] fatos que revelam uma tendência à modificaç~o da
f: evidente que as pos1çoes defendidas por Lévi-Strauss não estrutura."
esgotam o estruturalismo contemporâneo. O modelo binário de
J akobson, vinculado à lógica de Boole, íPassúu da lingüística à i'
antropologia estrutural, em que fÍmdamenta a análise baseada na
identificação de oposições binárias, ao mesmo tempo complemen-
tares e imóveis. O anti-historicismo observável em muitos estru-
turalistas deve-se, principalmente, à escolha do modelo lingüístico
de J akobson, mas este não é o único existente. De qualquer
modo, para o historiador, estrutura e movimento são inseparáveis.
f: certo que a percepção estrutural supõe possível fazer abstração D. Metodologia e dependência cultural
das mudanças em determinado contexto sócio-geográfico e para um
período de tempo também definido; sem esta operação não haveria
construção teórica possível, pois não poderiam ser definidas as
constantes ou/ parâmetros de um dado sistema. Porém, diferente-
mente da antropologia estrutural, a história não admite "invariân-
cias" mais que relativas, instáveis e transitórias; a visão da mu- Os historiadores das zonas periféricas, ou dependentes., são
dança que tem o historiador baseia-se no autodinamismo das
levados pela dinâmica do fenômeno de de.pendência cultural -
estruturas. O mecanismo dinâmico-estrutural é interno, . e não ex-
que não estudaremos aqui - a escrever a história de seus países
terno (encontros ou choques de estruturas) como pensa a antro-
pologia estrutural, devido à separação arbitrária e radical que faz empregando problemática, critérios metodológicos, técnicas e con-
entre o "sincrônico" e o "diacrônico", que na realidade não pas- ceitos elaborados nas regiões mais adiantadas. Entretanto, as rea-
sam de modos necessariamente complementares de perceber o lidades históricas em função das quais foram elaboradas est.as ·fer-
processo histórico em· 5Ua diversidade e unidade, pois não há es- ramentas teóricas e estes instrumentos de análise são, freqüente-
trutura independente de um processo de evolução, e a. percepção mente, bem diversas das que têm de ser estudadas no caso dos
do. fluxo incessante da história inclui, ao mesmo tempo, a consi- países. do chamado "Terceiro Mundo". Embora a anulação com-
deração das permanência<;, das resistências à mudança, das sobre- pleta dos condicionamentos e imposições derivados da dependência
vivências. O tomar em consideração estruturas discretas, fatores
descontínuos, não impede que, a nível mais elevado, seja restabe-
28 Las estructuras y los hombres, cit., pp. 125, 149. Sobre os temas aqui
lecida a continuidade fundamental do processo histórico (ou; como esboçados, ver em geral as interessantes discussões e colocações conti-
Madeleine Rebérioux o expressa, que se perceba "o contínuo no das neste pequeno livro. -
62 63
cultural seja impossível - salvo eliminando as causas reais desta nas no campo das c1encias humanas e sociais, eritre elas a his-
última - pode-se, à custa de um esforço consciente e constante, tória, vêm aumentando de modo nitidamente perceptível nas últimas
rejeitar os falsos problemas e os esquemas inadequados, adaptar décadas.
ou recusar (conforme os casos) certas técnicas de pesquisa e de Porém, citemos alguns exemplos atinentes a certos setores da
processamento de dados e estabelecer" uma problemática de fato pesquisa histórica, visando a identificar os perigos implícitos da
pertinente. importação indiscriminada e acrítica de metodologia e conceitos.
É preciso notar que, ao falar de "adaptação", estamos nos Ruggíero Romano mostra :w que a aplicação dos princípios e
referindo a operações metodológicas e técnicas bem precisas, deter- métodos da história quantitativa ou da "New Economic History"
minadas por uma apreciação da natureza dos dados a analisar e à história econômica da América Latina seria prejudicada, pri-
das características da documentação disponível. Não se trata, por- meiramente, pelo fato dos dados disponíveis serem, na referida
tanto, do fenômeno - bem conhecído na América Latina - que região e antes de nosso século, mais raros e menos confiáveis do
poderíamos denominar de "tendência ao sincretismo" ou ao ecle- que os que podem ser recolhidos na Europa ou na América do
tismo e que constituiu, também, a seu modo, uma adaptação ·da Norte; em segundo lugar, porque a aplicação à área latino-ameri-
cultura importada, seja a uma realidade resistente a certos esque- cana de concepções que ,pressupõem um mercado "perfeito", ou
mas, ou ao que o autor pretenda demonstrar. O referido sincre- a disposição de estudar o engenho de açúcar do Brasil cio século
tismo consiste na justaposição ou combinação de elementos .isola- XVII, por exemplo, conforme padrões capitalistas ele racionalidade
dos de diversas teorias ou tendências interpretativas, mal e par- levariam a resultados absurdos. Pierre Chaunu também crê sejam
cialmente conhecidas e assimilàdas, dando como resultado cons- os métodos da história serial ós que possam ser mais proveitosa-
truções aparentemente impressionantes mas, na realidade, muit~ mente usados. 30
débeis e pouco resis~entes à ação demolidora da crítica.. Tal fe- A metodologia da história demográfica, como foi desenvol-
nômeno) como. a dependência cultural de que é um dos aspeétos, vida pelos membros da escola francesa, pressupõe uma estabili-
vincula-se aos mecanismos do que chamamos, com palavra·· bem dade e homogeneidade bem grandes da .população analisada. Pois
pouco adequada, de "subdesenvolvimento". Aos centros culturais bem, se quisermos estudar a evolução demográfica dos países la-
dos países periféricos chegam, com ' atraso variável e sempre de tino-americanos descobriremos que, por um lado, as fontes mais
modo incompleto, os produtos da reflexão e das ,pesquisas reali- importantes (registros paroquiais, censos, padrões populacionais,
zadas nos países "desenvolvidos". É extremamente difícil, em nos- listas nominativas, etc.) são quase sempre muito mais pobres em
sas cidades, acompanhar passo a passo e. cabalmente a evolução informações do que as eur9péias e, em geral; foram conservadas em
de uma especialidade qualquer. Por outro lado, fatores ideológi~ menor prqporçào; por outro lado, é evidente que os critérios ade~
cos. e políticos podem ·conduzir a vários tipos de distorções, por quados ao estudo de populações em cuja evolução foram fatores
exemplo à atribuição --,-- às vezes por longos ,períodos - de exa- essenciais as migrações, o processo de conquista, a escravidão ou
gerada importância a autores, correntes e teorias que, de fato, as diferenças étnicas., não podem ser os mesmos aplicados a uma ·
ocupam uma posição marginal em relação ao desenvolvimento de população como a da moderna França. A reconstrução de famí-
dada ciência, ou cujas colocações já tenham sido eficazmente cri- lias, eixo do método francês·, na América Làtina (salvo em es-
! 1cadas. A tudo isto acrescentadas as formações J,epistemológicas, cassos casos privilegiados) além de ser de aplicação muito difícil
mltodo1ógicas e técnicas (seguidamente bem deficientes) do pes-
quisador, fica fácil de compreender que tenham sido elaboradas
e admitidas amplamente tantas análises e teorias aberrantes. Não 29 Romano, art. cit.
30 Pierre Chanu, Pour tme histoire sérielle du Brésil au XVII!e siéck
~é pode negar, entretanto, que está em andamento uma evolução
(Informe apresentado ao Colóquio Internacional n.º 543 do C.N.R S
p,:,itiva: a qualidade e a seriedade das .pesquisas latino-america- "História quantitativa do Brasil, 1800-1930", Paris, outubro• de 1971 J.
64 65
apresenta valor ex,plicativu discutível e limitado, pois a quantidade E. Conclusão
de uniõ~s ·não ·institucionalizadas e de nascimentos ilegítimos sem-
pre foi muito n-Íais importante aqui do que na Europa; a estabi-
lidade dos sobrenomes, mesmo quando estes aparecem, é muito
menor; e a grande mobilidade da população torna impossível, às
vezes, estudos deste tipo. É preciso, pois, saber adaptar .os mé- No capítulo anterior, feito um resumo da brilhante trajetona
todos às realidades da demografia histórica latino-americana; e os da cii!ncia histórica, nas últimas décadas, pareceu-nos útil con-
historiadores demógrafos da região têm consciência disto. :u cluir chamando a atenção para a existência de problemas. Ao
Um exemJ>lo claro dos efeitos da dependência cultural é a encerrar este capítulo, justamente dedicado aos aspectos proble-
aus2ncia de urna verdadeira teoria econômica adaptada às reali- máticos e polêmicos da evolução recente de nossa disciplina, tal~
dades coloniais latino-americanas. A conjuntura, por exémplo, é vez convenha lembrar que o balanço da referida evolução é cla-
estudada em função da européia sem que sejam conhecidos seus ramente positivo. A diversidade de correntes e as polêmicas cons-
mecanismos próprios e suas conseqüências específicas na América tituem, de fato, a melhor prova da vitalidade da história;. e os
L:itina: süo raras as tentativas feitas neste sentido, como a de problemas colocados têm, todos, possibilidade de solução satis-
Ce)so Furtado que estudou as crises econômicas do Btasil colo- fatória.
nial. Também., acontece que a evolução histórica de nosso sub- Quanto às questões relativas aos riscos certamente bem
continente é identificada, com atraso, à· da Europa __:_ os países reais - ligados à a.plicação à América Latina de um marco teó-
latino-americanos atravessariam, no século XIX ou mesmo no atual, rico e metodológico mal adaptado às realidades que devem ser
uma fase semelhante ao ancien régime europeu. Esta visão sim- realmente estudadas e explicadas, não justificariam uma reação de
plista chegou a atrair um certo número de historiadores latino- pessimismo ou de desânimo. Pois, . por felicidade, existem numerosos
exemplos de pesquisas feitas po'r histroiadores latino-americanos que
americanos, por exemplo, os que tentaram encontrar apoio bis-.
souberam empregar os avanços da sua ciência e perceber, simulta-
tórico para a tese desenvolvimentista (resultante da generalização
neamente, a necessidade de aplicar vigorosamente o espírito crítico
dÇ} modelo "da Revolução Industrial européia) da necessidade de . à seleção e mesmo à adaptação da problemática e dos instrumentos
uma reforma agrária que antecedesse o desenvolvimento capitalista, técnico-metodológicos, graças a um bom çonhecimento das especi-
o que é equivalente à caracterização do mundo rurál latino-ame~ ficidades de sua região e da documentação disponíveL
ricano como "feudal" ou pt.é-capitalista. Este esquema também Em caso algum pode-se tentar um álil::?i tendente a justificar
fói aceito pelos historiadores latino-americanos influenciados pelas a fidelidade a um marco teórico-metodológico superado, a pretexto
"etapas" de W. \V. Rostow. :l.:! de existirem polêmicas, pontos sobre os quais não há acordo unâ-
nimt; possibilidades de distorção, etc. A atitude correta consiste
em aceitar criticamente a evolução irreversível da ciência históriea,
31 Cf. diversos trabalhos apresentados por Maria Luiza Marcílio, Elsa sem ·pôr de lado as precauções' e os meios de controle adequados,
J\blvido, Katia Mattoso, e outros, em vários encontros científicos inter-
nadonais; Nicolás Sánchez-Albomoz, "Les registres paroissiaux en Amé-
que felizmente não sãó desprezíveis.
r! :;t1L' latim~. Quetques considerátions sur leur exploitations pour la démo-
!:raphie historique", em Revue Suisse d'Histoire, XVII, (1967). pp. 60-71.
32 F. Mauro, L'expansion .. ., cit., p. 299; dó mesmo autor, "Teoria eco-
nómica e história econômica", em Nova História .. ., cit., pp. 1340; Celso cionais da agricultura brasileira, admitidas por historiadores como Nel-
Furtado, Formação econômica do Brasil,· São Paulo-Rio de Janeiro, Fun· son Werneck Sodré, emb.ora há muito criticadas por- Caio Prado Júnior.
do de. Cultura, 1964 (6," edição; ·há tradução para o espanhol); Antônio Como exemplo da aplicação dos esquemas de W. W. Rostcw à história
BarrO,'; de Castro, Sete ensaios sobre a economia brasiletra, .vol. I, Rio-São de um país latino-americano, ver Di Tella e Zymt;lman, ~as etapas del de-
l'.1ulv, 'Fon:nsc, 1969: Castro critica muito bem as interpretações tradi- sarro/o económico argentino, Buenos ·Aires, EUDEBA, 1967.
66 67
A. Concepção marxista da história, da década de 20
a nossos dias
68 69
da União Soviética e da Revolução de 1917, da servidão medie- entíe os historiadores soviétivos, a impressão que· colhemos é a
val, do capitalismo e suas crises (E. Varga), etc. Cumpre desta- cje. uma superação apenas parcial .cio dogmatismo - que continua
car, também, alguns aspectos negativos: uma tendência para inter- ocupando destacadas posições no mundo acadêmico do país.
pretações economicistas lineares; um arsenal técnico primário, li- Fora da União Soviética, fazem-se notadas, desde a década de
mitado às regras do método crítico positivista; polêmicas e 1920, as contribuições teóricas de A. Gramsci e G. Lukács, par-
tomadas de posição (sobre a periodização histórica, a natureza e ticularmente significativas no referente ao estudo das superestrutu-
!>ucessão dos modos de produção, por exemplo) que refletiam mais ras. Esta contribuição é mais clara ao se levar em conta o pre-
considerações ideológicas do que argumentos fundados na pesquisa
domínio, nos círculos marxistas ocidentais, da interpretação do mà-
científica; relativa escassez de monografias, pois a necessidade de
t~rialismo histórico da vertente social~democrata (Kautski, Hilfer-
formar quadros fazia com que o esforço se concentrasse na ela-
boração de manuais e de obras de síntese e de reinterpretação. ding, etc.) que tendia a identificá-lo a concepções evolucionistas
Mais grave, entretanto, foi a tendência para o dogmatismo, e positivistas e a reduzi-lo a um economicismo vulgar, ~m muitos
que adiante analisaremos, cujo apogeu verificou-se nos anos· da~; casos. Mas, é sobretudo desde o fim da Segunda Guerra .Mundial
déc:.icJas de 30 e 40, quando as pesquisas :pioneiras da décadn de que vemos desenvolver-se a historiografia marxista em um grande
20 "foram interrompidas pelas repressões políticas e pela limita- número de países. A publicação, em inglês, do livro de Maurice
ção da liberdade de pesquisa científic::i. : . " 2 No conjunto, é pre- Dobb, A evoluçao tio capllalismv, em 1956, estimulou no início
ciso dizer que, salvo em certos campos como os da arqueologia do decênio seguinte uma ampla discussão internaeional sobre a
e da pré-história, progrediu-se pouco no atinente à contribuição a transição do feudalismo para o capitalismo. ' O aludido debate,
de Marx, Engels e Lenine. O esforço tendeu, mais do que nunca, sem romper de todo com as insuficiências dogmáticas sobre a defi-
a concentrar-se na publicação de fontes e na elaboração de ma- nição e emprego do conceito de modo de produção, teve muita
nuais. importância porque submeteu à crítica as concepções circulacionis-
tas e apresentóu uma versão do advento do capitalismo de muito
Na década de 50 começaram a ser percebidos sinais de mu- maior riqueza e matização do qé , a proporcionada ·pelos esquemas
dança, acelerados depois do XX Congresso do Partido Comunista estalinistas. A expansão do socialismo, abrangendo numerosos paí- _
da União Soviética (1956), quando teve início a crítica ao esta- ses, depois da Segunda Guerra - Europa centro-oriental, China,
linismo. Surgem novas revistas especializadas, apresentam-se novas Cuba, etc. - conduziu à criação ou ao fortalecimento de escolas
problemáticas, discutem-se conceitos fundamentais dantes dados por marxistas de história nestes países; cumpre destacar, muito espe-
pressupostos e ,por definitivamente estabelecidos (modo de pro~lu cialmente, a contribuição brilhante do polonês 'Witold Kula. Porém,
ção, formação econômico-social caráter "típico" e universalidade mesmo em muitas nações não socialistas - França (A. Soboul,
dos modos de produção, etc.). Os métodos quantitativos, de cujo P. Vilar, Ch. Parain, J. Bouvier, etc.), Grã-Bretanha (E. Hobs-
Lmprego o pioneiro foi o medievalista E. A. Kosminski passaram bawm, M. Dobb.., C. Hill; R .. Hilton, etc.), Itália (E. Sereni), Japão
a ser usados com maior freqüência. 3 Os contatos (e influ~nci3s (K. Takahashi), Estados Unidos (E. Genovese), etc. - a historio-
recíprocas) com os historiadores ocidentais intensificam-se, princi- grafia marxista contemporânea é abundirnte e demonstra grande
palmente mediante a participação de especialistas soviéticos nos vitalidade. ·
congressos internacionais de história. Porém, na medida em que
as traduções nos permitem acompanhar a evolução dos debates
2 \V. Kula, Ibidem, p. 38. 4 Maurice Dobb, Estudios sobre e/ dr:sarro/lu dei capitalismo, trad. de
3 Cf. Aleida Plasencia (compiladora>, Lecturas escogidas de metodologia, L. Etcheverry, B. Aires, Siglo XXI, 1971; M. Dobb, P. M. Sweezy e
!1"1 <1lla, Editorial de Ciencias Sociales, 1975, principalmente o artigo de outros, La transición del f: .• dali8mo ai capitalismo, trad. de R. Padilla,
11 <til Ko\"alchenko. Madrid, Editorial Ciencia Nueva, 1967.
70 71
DUAS DISTORÇÕES TENAZES: DOGMATISMO histonco: comunidade primitiva, escravismo, feudalismo, capita-
ESTALINISTA E C/RCULAC/ON[SMO lismo e socialismo. É verdade que os considerava, expressamente,
como "tipos .fundamentais de relações de produção". Fundamentais
e, conseqüentemente, não únicos; mas, na prática, eram tidos como
uma fota exaustiva das eta;pas que todas as sociedades humanas
Nüo nos interessam, aqui, ás circunstâncias que - na segunda devem atravessar em seu desenvolvimento. Admitiam-se algumas ex-
metade da cifrada de 1920 e, sobretudo, no decênio seguinte, le- ceções, mas estas não alteravam a: regra básica: relaéionavam-se
varam ao triunfo do dogmatismo e do esquematismo conceituai à possibilidade de certos povos "saltarem" uma ou mais etapas,
entre os intelectuais soviéticos, nas posições da III Internacional e, sob a influência de sociedades mais desenvolvidas. A versão r: 1
punanto, na grande maioria dos trabalhos marxistas até a década materialismo histórico, aceita então, transformou-se - pelo em-
de: 50. Como é óbvio, se assumíssemos outra postura teríamos prego do esquema unilinear das cinco etapas - em üma vulgar
de nns fixar não só em fatores internos como na situação de um filosofia da história, uma entidade metafísica que determinava, do
país. cercado, como foi a União Soviética ,por muito tempo. Por exterior, o curso cio devir histórico, não restando outro remédit)
outro lado, seria demasiadamente simplista lançar sobre o esta- aos dados concretos salvo entrarem, bem ou mal, no dito esquema.
linismo a culpa integral: certas distorções vinham de_ muito antes, A pesquisa histórica passava a ser "ilustraçào" das "verdades" con-
como a tentação de transformar os esquemas de evolução de Marx sagradas.
e Engels - de cujo caráter hipotético e inacabado os autores Uma série de mecanismos permitia fazer com que coinci-
tinham plena ·consciência - não em guias de pesquisa, mas dissem a realidade e o esquema das cinco etapas, embora ele modo
em verdades absolutas e intocáveis. Sob o estalinismo, as obras muito imperfeito. 1
dos fundadores (algumas de suas partes mais do que outras),
acrescidas das de Lenine e das do próprio Stalin, passaram a
constituir uma espécie de Swnma theo!ogica ,posta acima de qual- 19 - Na prática, a noção ck modo de produçüo era esva-
quer crítica é de que só era admitida uma interpretação: a oficial. ziada de seu conteúdo dialético. Este conteúdo era afirmado em
Em outros trabalhos 5 examinamos e criticamos mais ou me- princípio, mas quando um modo de produção era dcfinic.lo con-
nos pormenorizadamente as posições dogmáticas. Estas tiveram sua cretamente isto era feito deixando de lado o problema do nível
consagração máxima no texto de Stalin, publicado em 1938, Sobre e formas de organização elas forças produtivas - e fazendo a
el materialismo histórico y el materialismo dialético, 6 que estabe- definição derivar, sobretudo, das relações cie produção. A noçüo
lecia serem cinco os estágios característicos do desenvolvimento de relações de produção era reduzida, ademais, à de simples re-
fações de exploração, ao se tratar das sociedades de classes; es-
cravidüo, servidão e trabalho assalariado, constituiam uma lista tida
5 Cf. Ciro F. S. Cardoso, '"Severo Martínez Peláez y el carácter dei por completa das formas de exploração - e na pratica se identi-
rcsimcn colonial" e "Sobre los modos de producción coloniales de Amé-
ri,:~1", ambos os artigos em Mudos de producció11 en América Latina, Ct1a-
ficava, por exemplo, feudalismo a servidão. Claro é, ocasional-
dt,,-1w> •de Pasado )' Presellte, (Córdoba, Argentina), n.º 40, maio de 1973,
PP 83-109 e 135-159.
ti J. Stalin, ·sobre el materialismo históÍ-ico y el materialismo dialéc- 7 Cf. Jean-Jacques Goblot, "L'histoirc dcs 'civilisations' et la concep-
t ico", cm C11estio11es dei leninismo, Moscou, Ediciones en Lenguas Ex- tion. marxiste de l'evolution sociale", em A. Pelletier e J. -J. Goblot,.
tranjcFas, 1946, pp. 539-553. Desde 1933 os especialistas soviéticos em ll_1a1crialisme historique et histoire des civilisatimzs, Paris, Editions so-
c1e11cias ~ociais adotaram o "esquema de los cinco estádios": cf. Kasimierz ciales, 1969, pp. 57-197 (traduzido para o espanhol; México, Grijalbo,
l\Ll icwski, La question du "mode de production asiatique" dans la Civi- 1975 l; Jqrn Suret-Canale, "Probkmes théoriqucs de l'étudc cks prcmie-
/1,1uiu1Z egée1111e à la lwniere des sources archéologiques, Paris, Centro res sociétés de classes", .em Recherches internationales à la lumiére du
<k e'tudos e de pesquisas marxistas, 1970, pp. 2-3 (mimeografado). 11w1xismc n.º 57-58, janeiro-abril de 1967, pp. 5-16. -
72 73
-1''
mente afirmava-se que determinado modo de produção, nesta ou tas"; mas, de fato, tais sociedades apresentavam comunidades ru-
naquela fase de sua evolução, "favorecia" ou "freiava" o desen- rais que consti.tuiam a força de trabalho essencial, pois a escra-
volvimento das forças produtivas; mas estas últimas ficavam au- vidão não tinha grande desenvolvimento. Alguns historiadores
sentes da definiçâo concreta que · era dada de cada modo de soviéticos, sem deixar de afirmar o caráter escravista de tais so-
produção. ciedades - em nome do iprincípio dialético que consiste em per-
ceber "os germens do novo que se desenvolvem no seio do velho",
em examinar "o que se está desenvolvendo" - elaboraram, então,
2~) - Havia uma confusão entre os conceitos de modo de a noção de comunidade de vizinhança (para substituir a de "co-
produç<1o e de formação econômico-social, ou seja - confundia- munidades aldeãs" do modo de produção asiático de Marx, con-
~e o modelo estabelecido a partir de uma análise que só mantém ceito que fora proscrito pelos orienfalistas soviéticos em 1929 e
o que de mais essencial e geral existe em certo número de socie- 1931) e explicavam tal "particularidade" da evolução destas so-
daLks consideradas de um mesmo tipo (modo de prodi'.1ção l, com ciedades como a "sobrevivência da comunidade . primitiva", devido
a socicdauc concreta, sempre caracterizada pela coexistênci :t de a fatores específicos do meio geográfico: tal sobrevivência opunha
estruturas, que se explicam por um modo de produção domi- obstáculo ao desenvolvimento escravista "normal" das sociedades
nante, com outras, cuja explicação depende de outros modo~ de orientais. 8
produção ou elementos de modos de produção (formação eco- Agora, abordemos muito brevemente· a questão elas tendên-
nômico-social). cias circulacionistas, resultado da influência, sobre muitos marxis-
tas, de uma série de explicações e teorias elaboradas, há muito,
pelo pensamento não marxista (Escola Histórica Alemã, Max. We-
39 - A idéia de Marx quanto a uma sucessão de ".:pocas ber, Henri Pirenne, Henri Sée, quase todo o grupo dos Annales
progressivas" transformava-se em uma relação de filiação entre os etc.).
modos de produção ou estágios sucessivos, cada qual engendrando A forma concreta sob a qual esta explicação circulacionista
o seguinte pelo mero jogo de suas contradições internas, num influenciou a muitos marxistas foi sobretudo a teoria do "capi-
modo linear e quase automático de evolução. Como, além disto, talismo comercial", que resulta de longa evolução no marco da
as forças produtivas eram eliminadas do plano principal de análise historiografia contemporânea. A idéia de apresentar as estruturas
dos modos de produção, a dinâmica interna destes era explicada
sociais e econômicas dos séculos XVI a XVIII como constituindo
quase exclusivamente pelas lutas de classes, consideradas sem vin-
um sistema específico, o. chamado "capitalismo comercial", "capi-
culação efetiva com. o desenvolvimento das forças produtivas e,
mais especialmente, com a divisão social do trabalho, embora esta
cPrrelação pudesse ser indicada de modo exterior à análise ou 8 Cf., por exemplo, Diakov e Kovakv (organizadores) Histoir<' de l'wzli-
llll'ncionada por alto. . . quité, Moscou, Editiuns en langues étrangeres, sem data, pp. 75-77 e,
em geral, ludo u que se refere ao Oriente Médio, pp. 90-242 (há tra-
dução em língua espanhola: México, Grijalbo, 3 volumes); mais recente-
mente e sempre na defesa da tese "escravista", cf. V. Nikoforov, "Una
49 - Finalmente, uma oscilação permanente entre o "uni- discussion à l'Institut des peuples d'Asie", em Recherclles inJemationa-
\'ersal" (o esquema linear dos cinco estágios) e o "particular", les .. . , n." cilatlo, pp. 2.f0·250; quanto à tese do "feudalismo", cf. Y .. M.
Kobischanov, "El feudalismo, el esclavismo y .el modo de . producción
ío.to é, as "peculiaridades" de evolução, tomadas em um sentido asiático", em Roger Bartra (compilador) .El modo de producción asiático,
puramente empírico, permitia que fossem feitas certas "correções" México, Edidones Era, 1969, pp. 329-334; posição nitidamente empirista,
ou adaptações, necessárias para salvar a credibilidade do sistema. baseada em uma barafunda de traços de diferentes modos de produçfto,
e/. G. A. Melekechvili. "Esclavage, féodalisme et mode de production
Uorn exemplo é o constituído pelas sociedades do antigo Oriente asiatique dans l'Orient ancien" em La Pensée n.º 132, abril de 1967,
f\ku10: pelo esquema, era forçoso considerá-Ias como "escravis- PP. 31-47 (e a crítica que ihd faz Charles Pa~ain, pp. 48-52).
74 75
n1ovimento de expansão do comercio, .dos . mercados e da coloni-
talismo mercantil" e, às vezes, "mercantilismo" é completamente
extranlYd ao pensamento de Marx e aos princípios básicos do zação, que caracteriza os Tempos Modernos. 9
materialismo histórico. Esta teoria influenciou, entretanto - e
profundamente - a muitos marxistas, como Pokrovski na União ,
Soviética, integrantes do grupo da Monthly Review nos Estados
Unidos (Paul Sweezy, Leo Huberman, A. Gunder Frank) e a
muitos autores latino-americanos. Freqüentemente, marxistas que
aceitam concepções deste tipo acreditam encontrar apoio na opo- 3. A EVOLUÇÃO RECENTE
sição: economia natural/economia mercantil. A qual existe, efe-
tivamente, na obra de Marx e de Lenine, mas aí está associada
a uma análise em termos de modo de produção - não como
categoria circulacionista, tomada em si mesma e fora de contextos ii
históricos bem definidos.
A partir da ·década de 1950 e, mais ainda, do decênio se-
Do ponto de vista marxista, os séculos XVI a XVIII cons- guinte, um grande debate teórico e metodológico entre marxistas
tituem o período da coexistência, na Europa ocidental, do feu- de muitos países iniciou . nova fase, muito mais crítica e aberta
dalismo ainda dominante com o capitalismo em ascensão (ascen- ao trabalho criador do .que a anterior. Os fatores que explicam
süo não linear, evidentemente). Marx considerava como muito mudança de tal ordem são vários: o relativo degelo da tensão
importante o papel da circulação de mercadorias e de sua expan- internacional, após os primeiros anos da década de 1960 (no auge
s;lo nos Tempos Modernos, no sentido da dissolução dos modos da "guerra fria" o clima não era favorável a. uma crítica pro-
de produção pré-capitalistas, da formação de UIJl mercado mun- funda ao dogmatismo); a
ampla circulação de textos de Marx,
dial, da acumulação prévia de capitais que prepa'ra o advento do
antes desconhecidos, especialmente os Elementos f undamentales ,
capitalismo como modo de produção dominante a nível mundial.
Mas, jamais .confundiu o capital comercial, que existe desde a an-
para la critica de la economia política, manuscrito de 1857-1858
tigi.iidadc, com um capitalismo comercial visto como um sistema conhecido ,como os Grundrisse, de grande importância teórica; as
específico (a expressão só tem sentido ao designár .um setor den- divisões no seio do movimento comunista internacional, debilitan-
tro do capitalismo já plenamente constituído), o que, aléin do do a posição hegemõnica e doutrinária - dantes indiscutível -
mais, teria sido um contra-senso, ,pois as ctegorias do materialismo da União Soviética, país em que a crítica ç a superação ·do esta-
histórico fundamentam a precedência do processo de produção re- linismo dogmático, lançadas em 1956, ficaram a meio caminho; a
btivamente ao de circulação, que se move ao nível de excedentes própria expansão ·da historiografia e, em geral, das análises mar-
jü criados. O capitalismo, na qualidade de modo de produção xistas em países muito numerosos e diferentes, de tradições in-
1;.i1t1 dominante, em gérmen, já ex!stia durante os séculos XVI e
XVII, manifestando-se nas manufaturas, nas minas e em diversas 9 Cf. o cap. IX, parte C, deste manual. Ver, também: Horacio Ciafar-
kinnas já capitalistas (ou de transição ao capitalismo) no campo, dini, "Capital, comércio y capitalismo: A propósito dei llamado 'capita-
l' e isto o que justifica a menção ao referido período como a
lismo comercial'", em Modos de producción en América Latina, cit., pp.
111-134. Ver, também: Eric Hobsbawm, "La crisÍs general de la econo-
primeira fase do capitalismo. As pesquisas históricas contempo- mia europea en el siglo XVII", em En torno a· los orígenes de la revo-
1:m,·as confirmam o pensamento de Marx de que nem todos 0s lución industrial, trad. de O. Castillo e E. Tandeter, _B. Aires, Siglo
XXI, 1971, pp. 7-70; Jean Bouvier e Henri Germairr-Martin, Finances et
~etorcs do comércio e das finanças do ancien régime prepararam
financiers de l'ancien régime, Paris, Presses Universitaires· de France, 1964;
ou facilitaram o advento do capitalismo como modo de produção H. Lüthy, La banque protestante en France de la révocation ele
duminante, embora seja este o caso de considerarmos o conjunto do l'édit de Nantes à la Rév.olution, 2 vol., Paris, SEVPJ!.N', 1959 e 1961.
76
77
tdectuais e configurações estruturais distintas, levando a focaliza- tas daquelas que singularizavam a maioria dos po.vos do Império
ções, problemáticas e ênfases novas; o desafio constituído pelo Romano (os germanos, e outros mais tarde) e um deslocamento
advento de certas correntes., como o existencialismo e, sobretudo, da evolução da área mediterrânea para a Europa ocidental con-
-0 estruturalismo lingüístico e· antropológico, forçando os marxistas tinental. Por outro lado, os estudos sobre o desenvolvimento do
a tornarem a colocar e a debater muitos conceitos e princípios feudalismo no Japão mostram que este país não conheceu uma
metodológicos que na fase dogmática pareciam evidentes, defini- etapa escravista anterior à feudal. Em suma, todo o esquema
tirns e sem problemas: linear de evolução - a teoria dos cinco estágios - esfacelava-se,
A discussão· internacional sobre o "modo de produção asiá- mostrando sua ·fragilidade cada vez mais claramente,. pois era
1 i~·o", iniciada na Europa Ocidental no começo da década passada impossível demonstrar a transição de um modo de produção ao
e que logo alcançou muitos .países (inclusive os socialistas) tem outro só pelo jogo das contradições internas e dentro de uma
uma grande importância teórica. 1 º continuidade geográfica. 11
Mais do que a retomada da discussão sobre um conceito. de Paralelamente aos debates sobre o modo de produção asiático
Marx condenado pelo dogmatismo - tendo tal debate interna- desenvolveu-se a obra de Louis Althusser _: um filósofo ~ e
cional o benefício de conhecimentos muito mais avançados sobre sua equipe; mais recentemente, na mesma linha, porém direta-
as sociedades européias e a proto-história mediterrânea do que mente interessados na ciência política, temos os trabalhos de Ni-
os que havia no século passado - o que nos interessa destacar, cos Poulantzas. 12 Pessoalmente, não cremos· na validade da maio-
aqui, são as conseqüências da referida discussão. Desde o início ria das soluções propostas pelos referidos autores, a partir de
dela ficou claro que não bastava incluir o modo de produção proposições básicas que consideramos esterilmente formalistas e
asiático no esquema de evolução dantes admitido, entre a comu- muito discutíveis; a escola althusseriana, apesar de suas pretensões
nidade primitiva e o t;~cravismo, para que o debate teórico fosse e declarações a propósito da "construção" do conceito de história,
solucionado. As sociedades do Oriente Médio antigo - talvez não traz contribuições positivas à ciência histórica, até porque
caracterizadas pelo modo de produção asiático - não engendra- desconhece tudo ou quase tudo o que fazem os historiadores quan-
ram as sociedades. da antigüidade clássica, ou greco-romana, pela
to à história. 13 Têm, no entanto, o mérito de estimular a reflexão
mera lógica de seu desenvolvimento interno. A evolução da so-
ciedade helênica teve por prévia condição histórica ·o desenvolvi-
mento das sociedades orientais, mas o que aconteceu foi o des- 11 A propósito, ver as pertinent12s obs12rvações de J.-J. Goblot, op cit e,
locamento do processo de evolução para uma zona situada à também, o capítulo IX d12ste manual.
margem do desenvolvimento anterior, embora sob a influência des- 12 Cf. Louis Althusser, La revulución /eórica dt! Marx, tracl. ele M. Har-
neckcr, México, Siglo XXI, 1967; L. Althusscr e E. Balibar, Para /ecr
te., aí se constituindo um novo ponto de partida com· a chegada "E/ Capilal", trad. ce M. Harn12cker, México, Sigla XXI, 1969; L. Al-
de novos grupos na bacia do Egeu, ainda caracterizados por uma thusser, Eléments d'autocrÚique, Paris, Hachette, 1974; Nicos Poulantzas
mganização tribal. Do mes!Tio modo, o feudalismo europeu não Poder político y e/ases sàciales en e! Estado ~apitalista, trad. de F. M.
Torner, México, s:glo XXI, 1969; cio mesmo autor, "Las clast:s sociales",
surgiu exclusivamente em conseqüência das con!radições internas em Raúl Benítez Zenteno <compiladorJ Las clases sociales en América
do escravismo romano: seu advento pressupôs, também, a inter- Lathia, México, Siglo XXI, 1973, pp. 96-126; do mesmo autor, Fascismo y
wnção de novos grupos com estruturas sócio-econômicas distin- dictaduras, México, Siglo XXI, 1971; Nicos Hadjinicolaou, Historia dei
arte y luc!za de clases, tradução de A. Garzón, México, Siglo XX, 1974.
13 Cf. Pierre Vilar, ."Histoire marxistc, histoire !ln construction. ·Essai de
lll Cf. principalmente: Reclzerches intemaciunales.... n.º citado; Vários
dialogue avec Althusser", em Annales E. S. C., jan,-fev. de 1973, pp.
.. ut.irc·s, Sur /e moclc de p·roductiun asiatique, Paris, C.E.R.M. --' Edition
165-198. Ent1-c muitas coisas Vilar insiste na neccssitbde ele manter: total
Sonales, 1969; Gianni Sofri, 1l modo di ·oduzione asiatico, Turim, Giulio a história, sem dissolvê-Ia em "histórias regionais" no sentido que os
althusseria;1us clün à expressão (i.é, relativas às "'estruturas regionais" cio
Emaudi, 1969 <a tradução espanhola tem muitos erros); Roger Bartra
econômico, do político e do ideológico); no anti-humanismo qu'-' é consi-
ccompil•id0r), up. cit. '1.i
derar os homens não como sujeifos, mas como "portadores" das relações
78 79
,, elaboração teórica de conceitos intermediários, como "etnia", "na-
sobre muitos temas fundamentais da epistemologia marxista, dantes ção", "Estado", "guerra", etc., sem os quais é impossível passar
tratados sem rigor ou postos de lado. 14 da teoria à análise de casos. 16
Em nossa opinião, um dos pontos nevrálgicos cios avan- Sem eliminar o fato de que o autodinamismo das estruturas
ços posteriores a 1960 é o aprofundamento, ao mesmo tempo é de importância primordial, cumpria tentar colocar em termos
em teoria e em aplicação, dos conceitos-chave de modo de pro- marxistas problemas tão essenciais como o dos contatos, ou da
dução e formação econômico-social. Desde 1964, Mamice Gode- circulação cultural, dantes rejeitados sistematicamente em nome da
lier insistiu em certos aspectos essenciais da questão: 1) a na- causalidade estrutural interna. As pesqui:rns históricas de Emílio
tureza hipotética dos esquemas marxistas de evolução das socie- Sereni, por exemplo, possibilitaram o avanço neste sentido. 1 1
dades e, em geral, das construções teóricas; 2) o caráter de Tratou-se, também, de criticar o estado anterior - muito in-
modelo da noção de modo de produção, abstração construída a satisfatório - dos conhecimentos sobre as sociedades pré-capita-
partir do real, mas que o reduz a suas estruturas e~senci ais e listas e a . teoria dos modos de produção que permitem caracteri-
só permite colocar a evolução em termos de desenvolvimento das zá-las. Por exemplo, são de suma importância os esforços. feitos
possibilidades e impotências internas das referidas estruturas; 3) para superar a noção de "comunidade primitiva'', muito elástica
a necessidade de provar a validez dos esquemas hipotéticos ao ~~ e pouco precisa, vinculada a uma etapa dos conhecimentos sobre
vel ela história concreta., cuja "infinita variedàde" devem perm1tlf as sociedades sem. classes há· muito superada e que, de fato, escon-
decifrar. 15 Em textos posteriores tratou de mostrar, na pr:ítica, de e confunde realidades muito heterogêneas. Importantes são,
como aplicar as noções de base às análises de casos (formações .as novas reflexões sobre o feudalismo e as nucleadas em torno
econômico-sociais). Vários outros autores contribuiram muito para dos mencionados Elementos fundamentales para la crítica de la
o esclarecimento destas questões fundamentais. Witolcl Kula, por economia política, ou Grundrisse. 1 ª
exemplo, ao mostrar que embora um modelo bem construído deva Poderíamos continuar multiplicando exemplos de campos de
"conter necessariamente elementos de auto-destruição", quando
estudo do marxismo, em sua fase presente. Limitemo-nos, entre-
analisamos ca;;os concretos, é possível que sejam "os dados exter-
tanto, a dois outros: 1) o problema da racionalidade e irracio;.
nos que tenham se modificado", mudando radicalmente as rnndi-
ções de funcionamento do sistema estudado e levando, portanto, à
necessidade de "construir um novo modelo". 16 Cf. Maurice Godelier, Horizon, trajets 111arxistes en anthropologie, Pa-
Retomando recentemente, esta questão, Pierre Vilar observou ris, Fn:nçois Maspero. 1973 (há tradução para o espanhol: Madrid, Siglo
XXI, 1974); Witold Kula, Théorie économique .. . , cit., pp. 143-146; vários
que também nâl) se deve esquecer a necessidade de aprofundar ·autores, El concepto de "formación económico-social"; Cuadenws de Pasado
y Presente, n.º 39, abril de 1973; Pierre Vilar, artigo citado, pp. 189, 196.
Ver, também, o Capítulo IX, parte C. deste manual.
de produção; em que, à força de querer ler as entrelinhas e "escutar 17 P. ex.: Emilio Sereni, "La circola:done etnica e culturale nella steppa
os silêncios" dos textos de Marx corre-se ô risco de "fazer calar as eurasiatica. Le tecnique e la nomencbtura dei cavallo", em Studi Storici,
palavras" que, na realidade, ali estão, etc. 1967, n.º 3.
14 Para a critica do althusserianisrno, além do citado artigo de P. Vilar: 18 Cf. Jean Suret-Canale, "Las sociedades tradicionales en cl Africa tro-
Caio Prado Júnior E~truturalismo de Lévi-Strauss, Marxismo de Luuis Al pical y e! concepto dei modo de producción asiatico", em Bartha <compi-
thusser, clt.; José' Arthur Giannotti, Origenes de la •dialetique du tra- lador), op cit., pp. 178-203 (distinção entre "comunidade primitiva e "so-
vai[, Paris, Aubier-Montaigne, 1971; Fernando Henrique Canioso, "Al- . ciedade tribal ou tribo-pai riarcal"),; Emmanuel Terray, Le marxisme devant
thusseriani~mo o marxismo? A propósito dei conccptu de clasc:s en Puu- les sociétés primitives, Paris, Maspero, 1969; Jéan-Claude Willame, "Re-
lantzas" em Las clases sociales en América L!Ltina, cit., pp. 137-153. cherc,hes sur les modes de production cynégétique et Jignager", em L'Hom-
15 C/. 'Maurice Godelier, ,;La noción cte ·modo de producci6n a~iaticu' Y me et la Sociéte (Paris, Anthropos) n.º 19, .ianeiro-março de 1971, pp. 101-
los esquemas marxistas de evolución de las sociedades", em Godelier 119; M. Godelier, Horizon .. . , cit.; Eric Hobsbawm, "Introducción", em
Marx e Engels, El modo dei prud11cciú1z asiático, Córdoba (Argentina). Eu- Karl Marx, Formas que preceden a la prodÍlcción. capitalista. Cuadenws de
decor, 1966, pp. XLI-LVI. Pasado y Presente, n.º 20, fevereiro de 1971, PP. 5-47.
80 81
nalidade econom1ca no capitalismo e nos modps de produção pré- pios; e isto ocorre ainda que nunca tenha -lido uma linha
capitalistas; 2) os debates e as tentativas de aprofundar a teoria de· Marx, mesmo que se considere um fervoroso "antimarxis-
do imperialismo, com estudos sobre a acumulação, o "intercâmbio ta" em todos os sentidos, salvo no científico. Muitas idéias
desigual", etc. 1 9 que Marx expressou com maestria penetraram, há muito, no
fundo comum que constitui o caudal intelectual. . de nossa
geração."
82 83
Mais ainda, muitos deles manifestam uma expressa rejeição desta Obras da importância da de Paul rv;rantoux sobre ~ r_ev?l~ção in-
corrente. Assim, por exemplo, Charles Beard, cuja Interpretación dustrial inglesa, ou a de Gordon Ch1lde sobr~ a pre-~1sto_:ia •. cons-
l'Conómica de la Constitución de los Estados Unidos reflete a tituem alguns dos melhores expoentes deste tipo de mfluencia.
influência do marxismo, escreveu em 1935: 24 Observemos, por fim, que assim como certos aspectos da
obra de Marx provocaram uma resposta da história burguesa (de-
" ... nem posso admitir como fato histórico [a] . , . afirmação bates sobre a definição e as origens do capitalismo, etc.), as
de que a interpretação econômica da história, ou que meu polêmicas recentes entre historiadores marxistas também promo-
tratado sobre a Constituição se tenham baseado "nas teorias veram pesquisas e debates nq meio dos autores não marxistas. Pode-
marxistas", como foi observado no capítulo I de meu livro mos indicar, como exemplo disto, os estudos sobre as origens da
Fcanamic Basis of Politics; a idéia original dos conflitos his- revolução industrial, derivados parcialmente das discussões susci-
tóricos entre classes e grupos já está nas páginas de Aris- tadas pela obra de Dobb; 28 as discussões sobre a· crise do século
tóteles, muito antes da era cristã, e era conhecida pelos
grandes escritores [que se ocuparam] da política da Idade
XVII; 29 e os debates sobre a natureza do conflito social na Re-
volução Francesa, travados em torno das interpretações de So-
:t\1t.?dia e dos Tempos Modernos." boul. so
A posição de muitos autores pode ser esquematicamente re-
sumida dizendo-se que considera "um pouco de marxismo bené-
fico, e demasiado marxismo prejudicial" ao historiador. E é evi-
dente que tal modo de ver as coisas leva, na verdade, a dissipar
a. herança intelectual de Marx. Citemos novamente Lucien Feb-
vre, que resume isto muito bem: 25 e. A concepção marxista e a história da América
Latina
"Reconheço que não entendo bem porque os comunistas fazem
tanto esforço para voltar à pureza dos textos marxistas [ ... J
Lede Marx, lede Lenine, porém deixai que suas idéias se dissi-
pem um pouco em um anonimato que não tem por que nos
escandalizar."
É, provável que os aspectos de interpretação tenham sido / o 1. GENERALIDADES
que há de mais influente no que se refere à crescente atração
do marxismo. ~ 6 Eileen Power, em sua aula inaugural de 1933,
manifestava sua concordância com o método histórico de Marx,
dizendo que "seu processo é importante não só como interpreta- Muitos estudos e ensaios explicativos da realidade latino-ame-
ção dos fatos mas, ainda, como método para penetrá-los". :n ricana baseiam-se em concepções marxistas ou, pelo menos, são
~~ Citado em: Taylor-Ellsworth (comp), Historia i;conómica, Buenol; 28 Cf. supra, a . nota nº; 4; e um resumo das contdbuiçõcs recentes cm
Aires, Ed. Prolam, 1974, p. 54. E. Hobsbawm, En torno a los orígenes ... pp. 89-114.
2.'i L. Fc:bvrc, artigo cit., p. 622. 29 Cf. H obsbawm, 1dem, pp. 7-88.
2!> Barraclough opina assim (op. cit., p. 26): "A razão principal da cres- 30 Cf. Alice Gérard, Mitos de la Revolución Francesa, Barcelona, Edito-
< l'll!l' influência do marxismo foi a convicção de que proporcionava as; rial Península, 1973, p. 143 e seguintes; François Furet, "Le catéchisme
u111L..1s bases realmente satisfatórias para uma ordenação racional dos fa- révolutionaire" em Annales E. S. C., março-abril de 1971, e os artigos de
10, nJinpkxos da história humana". Le Roy Ladu(ie, Bien, Vovelle e Andrews, em Annales -E. S. C., janeiro-
27 Citado em W. Kula, Problemas ... , p. 17. fevereiro de 1974.
84 85
fortemente influenciados pelo materialismo histórico: assim, por básica, pode desenvolver-se insuficientemente o indispensável es-
exemplo, os numerosos estudos sobre a dependência e o desen- pírito crítico a propósito do valor dos dados empregados e da
volvimento ( cf. capítulo V, C deste manual). Seguidamente de- documentação que permite levantá-los; e, ao contrário, pode ter
monstram, entretanto, profundo desconhecimento da evolução do um desenvolvimento exagerado a . sem-cerimônia relativa a tais
pensamento marxista nos últimos· anos, pois amiudadamente con- dados e sua manipulação, o que será expresso mediante genera-
tinuam manejando categorias e esquemas hoje muito discutidos ou lizações abusivas, extrapolações injustificáveis. Naturalmente, não
já postos de lado, ignorando as importantes discussões teóricas e é só na América Latina que tal problema existe. Às vezes, trata-
metodológicas contemporâneas. Claro que, como ocorre sempre em se, simplesmente, de um conhecimento insuficiente até dos ele-
tais evoluções, as velhas concepções não desapareceram completa- mentos mais básicos dos . períodos históricos referidos o que,
mente, devido ' à revitalização do marxisl}1o em alguns grandes evidentemente, abre o caminho a todas as "audácias" interpreta-
centros culturais. Em algumas regiões - inclusive em muitos países tivas, tanto mais fáceis de elaborar quanto menos apoiadas e
da América Latina - continua a predominar entre os marxistas quanto mais ignoradas as cautelas fundamentais do trabalho histó-
a concepção esquemática e supostamente universal da evolução das rico. Em alguns casos, seria de lembrar a afirmativa de Marx
sociedades, herdada do estalinismo, ou mesmo as interpretações e · Engels a propósito dos "resultados mais gerais abstraídos da
circulacionistas que refletem a influência do pensamento histórico consideração do desenvolvimento histórico dos homens": ''Estas
não-marxista. abstrações em si, separadas da história real, carecem de qualquer
Os mecanismos da dependência cultural, de que falávamos valor." 81
no capítulo anterior, também atuam sobre o panorama dos estudos Mencionemos, por fim, que é comum os historiadores mar-
marxistas latino-americanos, provocando um efeito de retardamento xistas recusarem-se não só a aplicar como, até, a tomar conhe-
na difusão das tendências recentes do pensamento baseado no cimento de métodos e técnicas como, por exemplo, os da quanfr-
materialismo histórico, embora tenha havido nestes últimos anos ficação na história, confundindo-os com a aplicação que certas
uma significativa intensificação de traduções dos textos fundamen- correntes fazem deles. Tais atitudes são, naturalmente, muito des-
tais para D espanhol. No caso do marxismo, as distorções devidas favoráveis ao progresso da pesquisa, além de absolutamente in-
a fatóres político-ideológicos são muito importantes. Freqüente- justificadas, como o demonstra a· obra de historiadores marxistas
mente se• estabelece uma identificação entre certos autores e de- como Vilar, Soboul, Bouvier, Genovese, etc.
terminadas correntes políticas, de um ·modo tal que a crítica a Passando para aspectos concretos da problemática da história
um autor chega a ser tomada como um ataque à "linha" que o latino-americana vista de um ângulo marxi~ta, abordaremos a se-
adulou como guia. guir:
Mais grave, ainda, é a forte tendência ao ensaísmo, todavia
predominante entre os historiadores marxistas latino-americanos. 1) as distintas opções teórico-metodológicas quanto aos mo-
Realmente, é bem raro encontrar trabalhos deles que passem de dos de produção característicos dos tempos coloniais.
reinterpretações, a partir de fontes secundárias e, no máximo, de 2) alguns aspectos do que certos autores chamam de "tran-
documentos impressos (viajantes, antologias de fontes, etc.). O tra- sição neocolonial" ou seja, o trânsito das formas colo-
balho de pesquisa histórica básica muitas vezes ihes é repugnante niais ao capitalismo "dependente" ou "periférico".
--- como se fora uma atividade intelectual de gabarito inferior
ou, talvez, algo suspeitamente aproximado de uma atitude "empi-
.
31 Marx e Engels, "ldeología Alemana", em Obras escogidas (três volu-
rista". Há exceções, naturalmente. E também ensaios úteis. E mes), 1, p. 22; um exemplo de tais "audácias" interpretativas, elaboradas
muito se pode fazer usando os rysultados de pesquisas históricas sobre base extremamente frágil, do ponto de vista do material histórico,
é o de Sarnir Amin, Sobre el desarrollo desigual de las formaciones so-
de terceiros. Mas, tornando-se· isto uma · atitude sistemática em ciales, Cuadernos Anagrama nº 19, Barcelona, Ed. Anagrama, 1974 (prin-
nenhum caso completada com uma atividade pessoal de pes~Ltisa cipalmente pp. 56-77).
86 87
- Finalmente, na definição dos modos de produção, o ele-
2. A POSIÇÃO '"REDUCIONISTA" OU "ANALÓGICA"
mento essencial é constituído pelas relações de produção (em
RELATIVAMENTE AOS MODOS DE PRODUÇÃO
certos casos., até, reduzidas às relações de exploração, por sua vez
NA COLÔNIA
limitadas só a três possibilidades: escravidão, servidão e salário)
sendo atribuídos às forças produtivas um papel s.ecundário ou mar-
gina!. 31
No seio deste grupo há colocações muito diversas e mesmo Partindo de tais posições básicas - ou seja, da desconfiança
inconciliáveis, mas uma série de tomadas de posição fundamentais ante a inflação de modos de produção verificada presentemente
- embora nem sempre explícitas - lhes dá uma relativa unidade, (expressão empregada pelo prof. Manfred Kcssok durante a dis-
do punto de vista teórico-metodológico: cussão de seu trabalho em Roma, setembro de 1972), da crença
- Há um número limitado de modos de produção, identi- em que, de alguma forma, 9s mesmos modos de prÓdução, ou
fic<tdos pela maioria dos autores como os que constam de algum alguns deles, são os que serão encontrados tanto no Velho quanto
modo na obra de Marx, Engels e, eventualmente, Lenine: alguns no Novo Mundo; e de uma certa o;Jçfo quanto à definição dos
limitam-se aos "cinco estágios" sacramentados na década de 30; modos de produção e de sua dinâmica - as colocações feitas po-
outros acrescentam o modo de produção asiático, designando-o às dem seguir linhas bem diversas e apoiar-se em diversas correntes
vezes -diferentemente ("despótico-aldeão'', "tributário'', etc.); ainda teóricas. Por exemplo:
outros transformam a "produção mercantil simples" em modo de - posições "dogmáticas" (que seguem os princípios de ma-
produção do mesmo nível que os citados e tratam de aplicar o nuais como os de Stalin, de Konstantinov, de Nikitin, de Zubritski
esquema: economia natural/ economia mercantil/ economia capita- e de Kérov, e.te.) :ir.
lista. 3 ! - Posições "circulacionistas", como é o caso de A. Gunder
- Os referidos modos de produção - cujo número bastante Frank (capitalismo = produção para o mercado mundial; "feudalis-
limitado varia, no entanto, conforme os autores - são os que mo = economia "natural" e "fechada" ou "quase fech~ada", etc); :rn
caracterizam/ a evolução de todas as sociedades humanas. Isto se - posições "althusserianas" ou "balibarianas": os modos de
aplica, seja na perspectiva de evolução unilinear (obrigatoriedade produção como "estrutura global" constituída por três "estruturas
da sucessão ordenada das etapas, salvo "acidente" histórico que regionais" (econômica, jurídico-política e ideológica), estabelecen-
permita o "salto" de uma ou várias etapas) o.u multilinear (sem do-se uma distinção entre "determinação cm última instância" e
sucessão obrigatória de etapas) ou não-linear (considerando os re- "dominação"; os modos de produção como resultado de uma
trocessos e estagnações, as transposições dos "focos" de evolução "quase combinatória" dos "invariantes da análise elas formas": tra-·
e a constituição de novos pontos de partida, a inexistência de halhador, não-trabalhador, meios de produção. 37
uma continuidade "geográfica" da evolução). 3 3
88 89
Embora os avatares e variantes possam ser numerosos, cremos
pode: _d~stinguir, para o que aqui nos intere.ssa mais, duas grandes alguns casos trata.:.se de aplicar ·ao mesmo tempo o conceito "cir- ·
!>ubd1v1soes, sobre as quais passaremos a discutir. culacionista" de capitalismo (à Espanha e a Portugal) e o con-
ceito "dogmático" de feudalismo, ou seja: feudalismo ::::; servidão
(à Ibero-América). 41 · -
93
em uma só formação social - determinou uma morfologia nam as outras formas de produção e relações de propriedade su-
heterogênea na base econômica da Colônia." bordinadas ou em processo de aparecimento." Gu Quanto a Semo,
apresenta o México da fase colonial como um sistema econômico
E, mais: "heterogêneo ( pluriparticular )" no qual coexistem o "despçtism9
tributário", o feudalismo e "um capitalismo embrionário"; unifica
:·As Leys de Indias regiam severamente as relações coloniais tal sistema o fato de que uma só classe dominante colonial (ex-
de exploração: predominantemente escravistas e, em menor tensão da metropolitana) "apropria-se do produto exced_ente de
grau, servis, eram as formas coexistentes de um mÓdo de ambas as estruturas e o usa de acordo com as possibilidades e
produção imposto por uma superestrutura jurídiq transplan- valores vigentes no império espanhol considerado como um todo".
tada da metrópole com o propósito de manter um regime de As duas estruturas mencionadas são a despó.tico-tributária ( "Re-
subenfeudamento no processo de extração colonial". -19 pública dos índios") e a feudal-capitalista ("República dos espa-
nhóis"). 51
Com muita freqüência, este tipo de análise parte do pressu- Os dois estudos que mencionamos por último constituem um
posto - às vezes implícito - de que o realmente importante é grande passo à frente, relativamente às análises descritiyas e em-
º. estudo da relação colonial de exploração e domínio, dos meca- -píricas de que falamos anteriormente. Com elas compartilham,
msmos. de extração de excedente da colônia, pois os modos de porem, a crença em um número reduzido de modos de produção -
p~od~z1r .?ªs zonas . coloniais não passam de projeções dô "capi- que encontramos tanto na zona mediterrânea-européia quanto na
p1tahsmo, . metropoht.ano. Por outro lado, às vezes pressupõe-se América, embora certamente em combinações ou formas. de .estrutu-
uma espec1e de unidade estrutural de toda a América Latina, ou ração e articulação muito diferentes.
pelo menos do conjunto hispano-americano (o que é especial-
mente absurdo, mas provém da ênfase posta no fato colonial)· ou
então aplica-se a análise a sociedades específicas. '
. No último trecho acima citado _é mencionada a "formação so- 3. A AFIRMAÇÂO DA ESPECIFICIDADE DOS MODOS DE
cial, mas trata-se apenas de uma expressão não de um conceito PRODVÇÂO COLONIAIS
pois o defini-Ia, simplesmente, em termos de· uma "coexistência"'
de certo~ traços estrt.it.urais mostra que é algo cujo ponto de re-
ferência é só empírico e descritivo. Em outros trabalhos encon-
tramos, no entanto, tentativas bem mais sérias de usar o conceito Também neste caso, as variantes podem· ser numerosas. Deve-
de f armação econômico-social, mediante a análise- da ordenação de mos lembrar, ainda, que não só na América surgiu a idéia de
u~rn sociedade ~olonial em torno de um . modo de produção do- uma peculiaridade dos modos de produção coloniais. "~
minante. Os dois casos que conhecemos referem-se ao México. O
essencial do trabalho de Barbosa-Ramírez consiste em mostrar a 50 A. René Barbos~Ramírez, La estructura economica de la Nueva Es-
formação de uma "estrutura complexa" que "conhece não só as pa.iia 1519-1810, México, Siglo XXI, 1971, p. 250.
1:ontr ições nascidas do pacto colonial, pois logo se gera- 51 '.Enri.que Semo, op. cit.; Jio mesmo autor: "Feudalismo y capitalismo
en la Nueva Espafta (1521-1765) ", em Comercio Exterior (México), vol.
rar_n _as _contradições originadas em seu seio, produto da forma de XXII, n.º $, maio de 1972, pp. 449-454.
cx1stencia da estrutura, em que as relações feudais básicas domi- 52 Cf .. Jairus Banaji, "Fór a Theory of Colonia( Modes of Production",
em Economic and Political Weekly, vol. VII, nº 52, 23 de dezembro de
1972, pp. 2498-2502. l'arece-nos, entretanto, que as implicações teóricas de
49 . Héct.or Malavé Mata, "Reflexiones sobre el modo de producción colo- uma análise dos resultados da expansão colonial dos séculos XIX e XX,
mal latmo-americano", em Problemas del Desarrollo (México> fevereiro em países asiáticos e africanos, são de tipo muito diferente das relativas
abnL de 1972, pp. 91-92, 94-95. · à colonização na época do capital comercial. (séculos XVI-XVIII).
94 95
,.---
96
97
uma forma qualquer de "servidão"; ou de "capitalismo", seja por modos de produção), e estudos que caracterizam as formações
existir uma vinculação com o mercado mundial, seja por estar econômico-sociais coloniais como "não consolidadas", (apresentan-
presente alguma forma de exploração baseada no salário. 58 do modos de produção principais - e não dominantes - e subsf-
diários). "º
B interessante observar que na América Latina esta posição
metodológica, com sua insistência na importância da dialética inter-
no-externa e. na especificidade latino-americana, surgiu paralela-
mente à dos "sociólogos da dependência", mais ou menos a partir
de 1967, e refletiu, segundo cremos, solicitações análogas: a insa-
tisfação ante as análises tendentes, em maior ou menor grau, a 4. AS SOCIEDADES IBERO-AMERICANAS NÂO SÂO
reduzir o desenvolvimento histórico da América Latina a padrões FORMAÇôES ECONôMICO-SOCIAIS DIFERENCIADAS
eurocêntricos, inclusive considerando-o como algo "marginal", "atí- E AUTÔNOMAS
pico", ou "monstruoso" relativamente ao desenvolvimento histórico
europeu e norte-americano, tomados como pontos de referênda.
Naturalmente, o afirn,rndo não é que a América Latina seja irredu-
tível aos métodos e conceitos fundamentais do materialismo histó- Esta pos1çao é apenas a radicalização de algo que muitos
rico, porém, que a aplicação dos referidos métodos e conceitos autores vêm afirmando há muito: no conjunto, as metrópoles e
não deve tec como pacífico que já conhecemos os resultados a que colônias formam "um só sistema econômico". 61
conduzirão, e isto mediante uma extrapolação - que nada justifica Parte-se do pressuposto de que o conceito de formação econô-
- de resultados obtidos em um ambiente histórico completamente mico-social só é aplicável a sociedades cujo desenvolvimento reflete
diferente. Por outro lado, também há divergências teóricas impor- uma causalidade interna, autônoma - coisa que teria de ser de-
tantes entre a sociologia da dependência e as análises históricas dos monstrada.
modós de produção coloniais: no primeiro caso, o conceito de A tendência dos defensores de tal· :posição é para darem
capitalismo m~nejado é muito mais weberiano do que marxista.r. 0 ênfase ao movimento de conjunto do mundo ocidental: acumulação
Como dissemos, também entre os que admitem a existência prévia, expansão do capital comercial e, posteriormente, da revo-
de n:iodos de produção coloniais específicos pode haver divergên- lução industrial, etc. Parece-nos, entr;tanto, que os estudos dispo-
cias importantes. Assim, por exemplo, entre análises tendentes a níveis não concorrem para mostrar as sociedades coloniais como
demonstrar a realidade de um modo de produção dominante (que, si~ples "partes" de formações econômico-sóciais mais amplas: as
em cada formação econômico-social, organiza e subordina outros classes dominantes coloniais tinham níveis variáveis de acomodação,
relativamente às metropolitanas, porém claras contradições de inte-
resses, também; as lutas de 'classes no seio das colônias eram de
58 Por exemplo: F. Engels, "Dei socialismo utópico ai socialismo cien- tipos totalmente diferentes dos que podemos encontrar na Europa,
tifico", em Obras escogidas (dois volumes). Moscou, ed. rogreso, 1971,
t II, p. 138, nota; Ciro F. E. Cardoso, "Severo Martí-nez ... ", pp. 96-98. ·
59 Cf. Fernando l!enrique Cardoso, C11estiones de socio/ogía dei desar-
ml/Q de Amérioo Latina, Santiago do Chile, Editorial Universitaria, 1968, 60 Cf. Ciro F. S. Cardos9, artigos citados e, também: "El modo de
pp. 9-37; F. H. Cardoso e Enzo Faletto, Dependencia y subdesarrollo en producción esclavista colonial en América", em Çuademos de Pasado y·
América Latina, México, Sigla XXI, 1969 (a versão original mimeogra- Presente, n• 40, cit., pp. 193-242; Juan Carlos Garavaglia, "lntroducción"
fada é de 1967); Ciro F. S. Cardoso, "Observations sur !e dossier pré- e "Un modo de producción subsidiário: la organización económica de
paratoire à la discussion sur le mode de production féodal" (Resumo las comunidades guaranizadas durante los siglos XVII-XVIII en la for-
mación regional altoperuana-rioplatense", em Idem, pp. 7-21, 161-191.
de um informe redigido em março de 1968), em Sur le féodalisme, Pa-
ris. C E R M.-Editions Sociales, 1971, pp. 67-69. 61 Ver, por exemplo, Pablo González Casanova, Sociologia de la explo-
tación, México, Siglo XXI, 1969. 1
98 99
à mesma época; o argumento da imposição de uma superestrutura Certamente, há muito esta questão teve sua importância reco-
pelas zonas metropolitanas não resiste a um estudo histórico mais nhecida por grande número de estudiosos. Porém, as respostas que
concn.:tn, 4ue ultrapasse formalismos,. e daí por diante. Ademais, lhe deram mudaram positivamente desde as pseudo-explicações sim·
estudos como os de Eugene Genovese sobre o Sul dos Estados. plistas dos ··restos feudais".' Cremos que esta mudança positiva
Unidos, ou de Caio Prado Júnior .e outros autores sobre. o Brasil, deu-se em três direções:
demonstram que o escravismo de tipo colonial atuava, nas men-
cionadas sociedades, como modo de produção dominante, estrutu-
rando em torno de si o conjunto da formação econômico-social. 19 - Ponto importante foi a mudança de postura teórica
Finalmente, caberia indagar se, em todos os casos históricos - sobre as "sobrevivências·", os arcaísmos subsistentes no seio do
que não se limitam à dependência colonial - em que certas socie- capitalismo latino-americano. Como o expressou Jean-Jacques
dades tiveram seus desenvolvimentos determinados, em última ins- Goblot, u~ "as sobrevivências não designam os 'subprodutos' da
tância, por fatores externos (a Polônia moderna, por exemplo) ter- evolução histôrica, as impurezas que fogem a sua lei, suas escó-
se-ia de negar-lhes o status de formações econômico-sociais. 62 rias: designam, ao contrário, os limites naturais de tal evolução,
assim como estão inscritos em ma lei". O que implica ana1izar o
ponto de partida (diferentes ."heranças coloniais") e as modali~
dades dos distintos. processos de "transição neocolonial", prestando
atenção aos fenômenos de desigualdade ou desproporção do desen-
volvimento e às peculiaridades da evolução das forças produtivas
5. PROBLEMAS DA "TRANS!ÇÂO NEOCOLONIAL" e da acumulação de capital no contexto histórico da América
Latina.
Se deixarmos, agora, a fase colonial para fazer breve incursão 29 - A mencionada análise implica, por sua vez, considerar
no século XIX latino-americano, 6 ª veremos que ao estudar processos a dialética interna-externa das contradições. Assim, pode-se explicar
ccimo a abolição da escravatura ou as reformas liberais',. por exem- como, em certos momentos, dá-se a confluência entre as contra-
plo, seremos levados ao que constitui o eixo central da problemática dições ·internas dos países centrais e as contradições internas das
do subcontinente, no período: o caráter limitado da Eassagem para zonas dependentes, . contradições surgidas "'por motivos próprios,
o capitalismo. Os processos aludidos, e muitos outros, significaram diferentes uns dos outros", tt;; e cuja vinculação pode explicar as
a desagregação de estruturas de tipo colonial e favoreceram o avanço transformações estruturais importantes ocorridas nas áreas peri-
do capitalismo: mas não conduziram à vitória de relações de pro- féricas. Cabe lembrar, aqui, o que diz Pierre Vilar sobre "conceitos
dução capitalistas típicas. intermediários" como nação, Estado, guerra, etc. ( cf. supra, nota
16): sua rejeição por muitos autores em nome da teoria, dos con-
ceitos globaliz!}ntes,. é estéril e impede a focalização das modali-
62 Ver, por exemplo, José Carlos Chiaramonte, "El i:rob~ema dei. tipo
histórico de soçiedad: crítica de sus supuestos", em Historia Y Soc1edad,
dades concretas em que se "encarnam" as contradições fundamen-
n•. 5, cit., pp. 107-125; quanto à crítica desta posição, cf. Ciro F. S. tais na história real; além disto, Vilar tem r~zão ao afirmar que
Cardoso, "Los modos de producción coloniales; Estado de la cuestión
y perspectiva teórica", artigo citado
63 Ver, por exemplo, Florestan Fernandes, "Problemas de conceptuali- 64 Goblot, op. cit., p. 105.
zación de las dases sociales en América Latina", em Raúl Benítez Zen 65 Yves Êenot, "Capitalisme et esclavage d'Eric Williams ou la philan-
teno (coordenador) op. cit., pp. 191-276 t hropíe dévoilée", em La Pensée, nº 147, outubro de 1969, p. 115.
100 101
tais conceitos "manejados sem cessar", mas "apenas pensados", D. Conclusão
são "nem mais nem menos teóricos, nem mais nem menos histó-
ricos" do que outros (modo de produç.ão, classes sociais, etc,).
Uma coisa é, por exemplo, criticar noções como "dependência" ou
"economia de enclave" quando, por isto ou por aquilo, pareçam
inadequadas no nível de explicação que lhes corresponda; outra
coisa, bem diversa, é querer sacrificá-las, sumariamente, a meia Uma das características do marxismo, em sua atual etapa, é
dúzia de banalidades sobre o imperialismo que, deixadas na pura a multiplicidade de tendências, de linhas de interpretação às vezes
abstração, não fazem o conhecimento avançar de modo algum, profundamente divergentes. ~ o resultado da eliminação das ve-
embora tenham papel em certos rituais consagrados. lhas travas, de opiniões rígidas transformadas em dogmas intocá-
veis por longos anos; resultado inevitável e que contribui eficaz-:
mente para o progresso da teoria marxista - embora, natural-
39 - · Entre os instrumentos teóricos usados para a análise·
mente, nem todas as tendências· ou interpretações sejam fecundas
da "transição neocolonial" há dois que se destacam: 1) a noção
no curso de debates cada vez mais amplos sobre os conceitos bá-
de subsunção(*) ou subordinação formal do trabalho ao capital,
sicos, de estudos de casos concretos, etc. Como as da história
que permite focalizar a funcionalidade dos traÇos arcaicos em um
positivista, as ''verdades" do estalinismo pertencem, cientificamen-
processo nitidamente capitalista; "" 2) a idéia de que; em determina-
das cricunstâncias, além de adaptar e modificar, conforme as necessi- te, ao passado, mesmo que às vezes sobrevivam, por via àdminis-
dades de seu desenvolvimento, condições estruturais preexistentes, trativa, em certos ambientes; e que prolonguem sua vigência em
o capitalismo também pode, por sua vez, criar ou recriar arcaís- outros, por falta de informação.
mos. d 7 Este último elemento é importante, pois como reação às A tarefa de construir uma história marxista da América Lati-
teses simplistas do dualismo estrutural, ou dos "restos feudais", na, a partir dos progressos recentemente conseguidos pela teoria
houve a tendência para afirmar, de modo quase igualmente sim- do materialismo histórico e considerando a evolução da ciência
plista, a necessidade dos chamados arcaísmos para o próprio de- históril:a em seu conjunto, sem dúvida é excitante e desperta inte-
senvolvimento capitalista nas condições latino-americanas, 611 sem resse.
considerar o caráter contraditório e conflitante da situação ger.ada · Porém, se nos fixarmos na quantidade e no conteúdo das obras
por um processo desse tipo (mesmo que, sem dúvida alguma, o resultantes de tentativas neste· sentido, veremos que - apesar de
"conteúdo" das relações de produção, vistas em seu conjunto, seja conquistas parciais de grande valor - até o· momento progrediu-se
mais pertinente para a explicação do que sua "forma" percebida pouco em direção a tal meta.
através de tax<1nomias mecânicas ou descritivas').
102 103
r
PARTE II
,!
·1.1·
.
1
r
CAPÍTULO IV
HISTORIA DEMOGRAFICA
A. A demografia
1. DEFINJÇÂO
107
r
1
108 109
Estudo do movimento natural de uma população
O estudo da distribuição de uma população pela idade e o 2)
sexo leva à construção de um duplo histograma (ou curva de fre- 'litar a comparação entre mudanças e tendências de
qüência) chamado pirâmide etária. A pirâmide de idades· de uma Para f ac1 ., · · f ' l estu
ulacionais de dimensões muito vanave1s e pre enve -
população em determinado ano é construída do seguinte modo: grupos pop. entos principais da população, expressando-os em taxas
(Ver Quadro 1, figura 1) · . dar os m~vtmpo·r mil ·(as mais; freqüentes), por dez mil habitantes,
Percentuais, · , d' · ·
l d 5 anualmente, na maioria dos casos. Convem 1s~m~mr
- os anos de nascimento são registrados sobre a ordenada; calcu ..a , abrutas
· cu1'a finalidade
. . e- mais
· compan111va, e n ão 1:·xphcat1va ,
também na ordenada, a partir do eixo horizontal para cima, as taxas • . · d
das taxas diferenciais. bem mais refma as.
marcam-se as idades em anos ( 1, 2, 3, etc., até a idade
mais alta verificada na população estudada), ou em gru- QUADRO 1
pos de anos (por exemplo: 0-4, 5-9, 10-14, etc.);
-· no eixo horizontal - a abcissa - são registrados os dados Distribuição da população brasileira por sexo
populacionais, em números simples ou em perc(mtagens so- e idade, a /'! de julho de 1950
bre a população total: as percentagens devem ser prefe-
ridas quando se pretende comparar diversas. "pirâmides; Idade População
a população masculina fica à esquerda e a feminina à (anos completos) (em milhares)
direita. Mulheres
Homens
4. 247,3 4.147,5
O exame da pirâmide etária permite que se tome conhecimento Oa 4
3 .570,4 3.465,1
imediato de vários fatos. essenciais: 5 a 9
3 .173,2 3.153,4
10 a 14
2. 651,7 2 .656,4
- a história demográfica recente da população estudada; assim, 15 a 19
2.351,9 2. 360,5
na fig,9ra 2 podemos ver os efeitos das duas guerras mun- 20 a 24
25 a 29 2 .010,8 2 .022,3
diais sobre a população francesa: perdas militares alteran-
30 a 34 1. 724,3 1 .143,4
do princip, mente a populaçào masculina; .ctéficits de na-
35 a 39 1 .457,6 1 .485,4
talidade ("gerações ocas'', ou vazias) atribuíveis ao fato
40 a 44 1.259,7 1.295,4
da maioria dos homens adultos terem estado afastados de
45 a 49 1 .024,0 1 .071,7
suas casas, etc.;
50 a 54 798,4 847,6
o ti~o de população - jovem, velha, em processo de reju- 618,2 669,2
55 a 59
vene~ciml:11to.. . - indicado pela forma da pirâmide: trian- 429.,7 467,4
60 a 64
gular (população estacionária); lados côncavos, cume pon.. 65 a 69 295,9 330,9
tiagudo (população jovem); em forma de medas: base mais 70 a 74 156,7 181,4
estreita do que a porção mediana, ~ume arredondado (po.:. 75 a 79 82,6 104,0
pulação velha); forma intermediária, entre as duas ante- 80 a 84 33,9 47,7
riores: base alargada, cume arredondado (população em 85 a 89 10.4 18, t
rejuvenescimento). (Ver a figura ·3) 90 e mais 4.0 8,2
a evolução futura, a curto e médio prazo, da popula~
FONTE: Contribuições para o estudo da demografia do Brasil, Rio
ção, indicada pela quantidade de pessoas em idade de pro-
criar, relativamente à cifra total. de Janeiro, IBGE, 1961, p. 159. -
I 11
110
Figura 2:
Figura 1:
Pirâmide de idades (França, 1962 )·
Pirâniide de idades (Brasil, 1950)
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1901
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113
112
Figura 3: os nascidos mortos. As crianças nascidas em um mesmo ano
~onstituem o que se denomina de geração; ou "coorte".
Tipos de Pirâmides de Idades: As taxas brutas de natalidade e de mortalidade não são stifi-
ientes para uma análise mi_nuciosa, pois nascimentos e óbitos va-
ciam: durante o ano'. (variações estacionais)., conforme os sexos
~sempre nascem mais meninos do que menina~; no mundo de hoje
a m. •talidade masculina é, em geral, mais pronunciada do que a
feminina, etc.); conforme os grupos etários; segundo outros fatores
(por exemplo, a mortalidade dos adult~s solteiros é supérior à
dos casados). Impõem-se, portan.to, análises complementares.
O estudo das variações estacionais pode ser feito pelo cálculo·
das taxas de natalidade e de mortalidàde, por mês ou por trimestre.
f: particularmente importante o estudo da mortalidade diferencial:
as probabilidades de mortes variam nas diferentes idades e é
População jovem População velha População em especialmente essencial a análise da mortalidade infantil, quer dizer,
rejuvenescimento
da mortalidade das crianças de menos de um ano. Cümpre distin-
guir a mortalidade infantil endógena (causas anteriores ou conco-
mitantes ao parto) da exógena (causas· posteriores ao nascimento,
(Baseado em A. Nouschi, lnitiation au.t sciences historiques, má alimentação, ~igiene deficiente, acidentes, contágios, etc.).· A
op. cit., p. 24) taxa de mortalidade infantil é um dos melhores indicadores do
estado sanitário e das condições sócio-econômicas de uma população.
Os dois fatos básicos que o demógrafo enfrenta ao analisar Um dos instrumentos de trabalho essenciais à demografia é a
o movimento natural são a natalidade e a mortalidade. Para estu- tabela de mortalidade, gráfico destinado a mostrar a mortalidade
dá-los são calculadas, primeiramente, as taxas brutas de natalidad~ diferencial, e a expectativa dé .vida, ambas em suas variações con~
e de m?rtalidade,. mediante a divisão, respectivamente, do número forme sexo e idade. Em uma coluna, à esquerda, são indicadas as
de nascimentos e de óbitos ocorridos em uma população dada, em idades em anos; depois, em duas colunas, vem o total de sobrevi-
determinado ano, pela população média do ano (ou, mais sim- ventes de cada idade no ano em estudo,. relativamente ao sexo
plesmente, a população na metade do ano, quer dizer - a 1Q masculino (Sx) e a expectativa de vida, também pafa cada idade
de julho). Assim, chamando de N a taxa de natalidade, M a de (ex); por fim, em outras d1rns colunas- são registradas as mesmas
mortalidade e P a população média teremos para um ano y: variáveis quanto à população feminina. (Ver quadro 2). O cálculo
do número de sobreviventes de cada idade é feito por mil ou por
Ny = número de nascimentos (ano y) x 1.000
dez mil habitantes; para cada idade, o cqeficiente de mortalidade
Py
é calculado pela relação entre o número de óbitos de indivíduos
My = número de mortes (ano y) x l. 000 desta idade, durante o ano, e o número de pessoas vivas da mesma
Py idade ·que havia ao começar o ano. Con~ém assinalar que, em·
princípio, o quadro de mortalidade pressupõe a observação de
. :f: importante observar que somente são considerados, no pri- como evolui a mortalidade de uma mesma geração, desde seu início
meiro caso, os nascimentos de criança~ que sobreviveram ao parto até sua extinção. Sem dúvida, é possível construir quadros relativos
- embora por pouco tempo - desprezando-se, assim, os abortos a determinado ano, .mas isto implica consideráveis dificuldades
114
11 s
r--
116 117
Além da taxa de nupcialidade cumpre conhecer, seguidamente Figura 4:
a freqüência do celibato definitivo, medida pela proporção de sol-
teiros de 50 anos e mais, em uma população - porque é difícil
alguém casar-se pela primeira vez depois dos 50 anos, idade que Guatemala, 1969
assinala, habitualmente, o limite fisiológico da fertilidade feminina Taxa! de fecundidade por grupos etários das mães (%)
-- e a idade média nu momento· do primeiro casanJ_ento. Conforme
as mulhen:s se 1:asem mais ou menos jovens - e segundo a es-
tabilidade das uniões - viverão mais ou menos anos férteis casa-
das, o que afetará, visivelmente, a qúantidade média de filhos de
cada casal. Taxas
400
A taxa bruta de fecundidade é determinada do seguinte modo
(chamemo-la F):
QUADRO 3
Grupos Filhos Fecundidade por
etários Efetivos nascidos grupos etários 100
(anos) femininos vivos das mães (%)
119
118
os 15.. e os 49 anos deve ser verificado o número de mulheres rigem. Os dois tipos de inc.·idências podem ser medidos, quanto
do efe~ivo inicia! que sobreviveram, e estudar a variação de sua· ào intensidade, mediante as taxas: nos casos de m1graçoes
. - de um
fecundidade conforme os grupos etários (15-19, 20-24,. .. 45-49) país pará outro teremos de calcular a taxa de emigração (relação
especialmente a quantidade total de nascimentos femininos (cal- entre o número de migrantes e o total da população de origem)
culada pela aplicação da relação de masculinidade, de que já nos e a taxa de imigração (relação entre o número de emigrantes e
ocupamos, ao total dos nascimentos) que tais mulheres produziram d total da população receptora).
no curso de sua vida fértil . Esta quantidade é dividida por 1 . 000;. . Somente considerando o efeito das migrações é possível conhe-
se o índice assim obtido for superior à unidade, o crescimento cer a taxa de crescimento real de uma população dada; se não
da população está garantido, sempre na suposição de que as con- pudermos calcular a taxa líquida de migração, somente seremos
dições gerais não sejam alteradas; se for menor do que. a unidade, capazes de calcular a taxa de crescime1110 natural (diferença, em
a população irá diminuindo; se for igual à unidade istp significará dado ano, entre a taxa bruta de natalidade e a taxa bruta de
que as gerações apenas se substituem. mortalidade: positiva indica um aumento, negativa revela uma re'-
dução).
Um dos problemas que surgem ao aplicarem-se, às popula-
39 Estudo dos movimentos migratórios
ções americanas, os métodos desenvolvidos na França pelos histo-
riadores demógrafos reside no fato de tais métodos pressuporem,
Chamamos de ·migrações os deslocamentos de indivíduos fa-
seguidamente, uma estabilidade bem grande da população, o que
mílias, ou grupos humanos qiais vastos. De acordo com critérios
distintos, os movimentos migratórios podem ser: permite estudar-lhe as mudanças a partir de seu movimento natural,
basicamente; porém as migrações constituem-se em um dado essen-
- permanentes ou temporários; cial no curso da. história demográfica do continente americano.
- . espontâneos ou organizados (neste último caso podem ser
forçados como os "mitimac" dos incas o tráfico negreiro
/ A. • '
122 123
se na França - país que apresentou o mais notá,vel de,:;envolvi- Sherbum~ Cook, Lesley Simpson. Um esforço isolado, mas pio-
11
mento no campo da história demográfica. x neiro, foi feito por Nicolás Sánchez-Albornoz e sua equipe, na
Na Inglalerra, .ta~bém, tais estudos tiveram grande impulso Argentina, no início da última década. Mas coube a Maria Luiza
recentemente - principalmente centrado em torno do grupo de Marcílio, em sua tese sobre o povoamento · e a população da ci-
Cambridge (E. A. Wrigley, D. C. Eversley, P. Lasleti, W. A. dade de São Paulo (1750~1850), realizar a primeira aplicação
~rmstrong, L. üvenall). As pesquisas, obras de conjunto e um cabal do método de Louis Henry, adaptando-o às características
interessante manual, constituem provas suficientes da vitalidade da e peculiaridades de uma população latino-americana. Podemos ·di-
história .dem?gráfica ing~esa. u A Bélgica também dispõe· de impor- zer que a história demográfica feita por pesquisadores latino-ame-
tantes h~stonadores-demografos: o veterano Padre Mols, P. Deprez, ricanos só adquiriu uma relativa importância nestes últimos anos.
P. Harsm e outros. Da Espanha citemos Jorge Nadai; da Itália Reuniões internacionais recentes, como o Colóquio Internacional
Massimo Livi-Bacci. Finalmente, em vários países europeus, no nQ 543 do C. N. R. S. sobre a "História quantitativa do Brasil,
Canadá e nos Estados Unidos, a história demográfica passou a 1800-1930" (Paris, outubro de 1971 ), ou o· II Simpósio sobre
despertar o interesse de um número crescente de pesquisadores. 10 Histófi.a EGonômica da América Latina .(XL Congresso Interna-
_ No caso da América Latina os progressos têm sido lentos. cional dos Americanistas, Roma, setembm de 1.9,72) demonstram
As mais importantes influências foram as da escola francesa e a a existência de grupos já importantes de historiadores demógrafos,
do grupo de especialistas de Berkeley, que realizaram estudos fun- pelo menos em três países latino-americanos: Brasil, Chile e Mé-
damentais sobre a história demográfica mexicana: Woodrow Borah, xico. 12 Atualmente, estão sendo feitos alguns esforços para coor-
denar os trabalhos de pesquisa realizados nos vários países e
para fazer um inv~ntário dos projetos em andamento e dos recur-
8 Cf. principalmente: E. Gautier e L. Henry, La population de Cru.lai sos documentais da América Latina, em conjunto, que possam ser-
paroisse normande: Etude historique, Paris, Presses Universitaires de Fran.'
ce, 1958; Pierre /Goubert, Beauvais ... tese cit.; L. Henry, Manuel de démo- vir à elaboração da história demográfica ibero-americana; estes
gr~phie histori~ue, cit.; P. Guillaume e J .-P. Poussou, op. cit.; Marcel esforços são coordenados pelo Centro Latino-americano de Demo-
Remhard, Andre Armengaud e Jacques Dupâquier, Histoire généra/e de la
populatian mondiale, Paris, Ed. Montchrestien, 1968, 3.• ed. (Tradução para grafia ( CELADE). sediado em Santiago do Chile.
o espanhol, Barcelona, Ariel). .
9 Cf. principalmente: E. A. Wrigley, "Mortality in Pre-lndustrial England.
The Example of Colyton, Devon, Over Three Centuries", em Daedalus, li Cf. por exemplo: Sherburne F. Cook e Wóodrow Borah, "The ~ate
primavera de 1968, pp. 546-580; Vários Autores, sob a direção de D. V. of Population Change in Central Mexico, 1550-1570", em Hispanic American
Glass e D.E.e. Eversley:, Populàtion in History, Essays in Historical De- Historical Review, XXVll, 1957, pp. 463-470;; W. Borah, New Spain's Century
mography, Londres, Edward Arnold, 1969 (reedição); D.E.e. Eversley, Peter of Depressíon,. col-, lbero-.Americana n.º 35, Berkeley e. Lo: Angele.s, 1951;
Laslett, E. ~· Wrigley, W. A. Armstr1;mg e Linda Ovenall, sob a direção Lesley B. Simpson, Exploitation of Lan& in. Central Mei:1co 111 the S1xteenth
de E .. A. Wngley, An Introduction to English Historical Demography, From Century, col. Ibero-Americana n.º 36, Berkeley e Los Angeles, 1952.
th966
e Su:teenth to the Nineteenth Century, Londres, Weidenfeld & Nicolson. i2 No Brasil, podemos citar os seguintes pesquisadores: Katia Mattoso,
l .
Maria Bárbara Levy, Luis Lisanti, Maria · Luiza Marcílio, Altiva P. Ba-
10 Cf., por exemplo: R. P. Mols, lntroduction à la démographie histori~ue lhana. Cf., sobretudo, Maria Luiza Marcílio, La vil/e de São Paulo: Peu·
des .villes d'Europe du X/Ve au XVl/Je siecles, 3 vol., Louvain, 1955; plement et population, 1750-1850, Ruão, Universi9ade de Ruão, 1968. No
Jord1 Nadai, La población espaiiola (sigws XV a XX) Barcelona Ariel México: Elsa Malvido e Cecilia Rabell; no Chile: o grupo de Concepción.
1971 (2.• ed.); J. Henripin, La population canadienne ad début du 'xv111~ Sobre as pesquisas dirigidas por Nicolás Sánchez-Albornbz, na Argentina,
siede, Paris, I.N.E.D., 1954; y, Yasuba, "Birth Rates of the White of. seus informes "Estudio sobre la demografia histórica dei Valle de
Population in the United States, 1800-1860", em Studies in Historical. and Santa Maria", em Universidad (Santa Fé). vol. · 62, 1964, pp. 93-105, e
Polltzcal Science <Baltimore. John Hopkins University) LXXXIX 9 2 "La población de ~n varre catchaqui t!ll el sigla XIX!, em Desarrollo
1962. •, • n .•
Económico (Buenos Aires), vol. 13, 1964, pp. 81-83.
124 12.S
das fontes e à perspectiva do historiador, atento para a especifi-
2. FONTES E METODOS cidade das diferentes sociedades e épocas. O peso dos procedi-
mentos críticos da história torna-se tanto mais importante quanto
mais nos afastamos da época plenamente estatística: relativamente
a esta última predominam os métodos puramente demográficos.
Como acontece com qual.quer estudo histórico que busque ge- por isto, o domínio favorito da maioria dos historiadores demó-
n~r~llza~ a quantificação, no caso da história demográficíj cumpre grafos tem sido a etapa proto-estatística, que já permite um estudo
d1st1ngmr quanto ao tipo de documentação e, portanto, de meto- estatístico de séries contínuas, relativas à população, e um conhe-
dologia e resultados: cimento bastante minucioso das estruturas e comportamentos de-
mográficos; porém exige, além do manejo dos conceitos e métodos
da demografia, um importante trabalho específico de historiador.
J<o> o período pré-estatístico, para o qual não há dados esta-
Aqui somente nos referiremos às fases pré e proto-estatísticas.
tísticos contínuos e confiá·veis;
29 o período proto-estatístico, caracterizado pela possibilida-·
de de recolher ou reconstituir materiais estatísticos orga-
·l Q Fase pré-estatística
nizáveis em séries contínuas· mais ou menos longas;
39 o período plenamente estatístico. Por um lado, temos o caso da carência completa de estatís-
ticas, característicos da pré-história e dos povos que não nos lega-
A duração e os limites de cada uma das etapas mencionadas ram testemunhos escritos. A documentação disponível é represen-
são .extremament~ variáveis, conforme as regiões, os países e os tada, neste caso, pelos esqueletos hu.manos, ou partes deles, e por
contmentes. Assim, por exemplo, a fase proto-estatística começa instrumentos e outros vestígios culturais que nos informam quanto
no século XIII no caso da Provença francesa, e na Inglatdra 0 à extensão do habitat, à forma de vida, à alimentação, etc., per-
cada.stro de t086 (Domesday Book), os Hundred Ralis de· 1279, mitindo de quando em vez estimativas grosseiras . sobre as densida-
as hstas de capitação de 1379 e 1381 permitem, juntamente com des populacionais possíveis. Os· restos humanos· podem ser estuda-
outros tipos de fontes, interessante aplicação de métodos estatísti- dos no sentido de estabelecer os grupos etários a que pertencem
cos aos estudos de demografià. Entretanto, quanto ao conjunto mas, na realidade, tais pesquisas são pouco seguras quanto aos
da Europa ocidental não ingressamos no período prato-estatístico resultados - e muito vulneráveis à crítica, ,.-- embora algumas
antes do século XVII; e em um país como o Brasil isto só ocor- de suas conclusões (a baixa natalidade, os 50 anos como limite
re em meados do século XVIII. 13 da longevidade) pareçam plausíveis, sobretudo comparando-se as
populações pré-históricas com os povos "primitivos" contemporâ-
A história demográfica procura associar o método estatístico, neos. No estudo das necrópoles pré ou proto-históricas a cons-
os conceitos e a problemática da demografia à crítica histórica trução de modelos é um método interessante: compara-se a distri-
buições dos óbitos, comprovados pelos restos humanos conservados,
com o modelo teórico de uma população cujo comportamento
demográfico permita explicar a referida disttibuição. 14
13 Cf. Edouard Baraticr, La démographie provençale. du XII/e au XVe
siécle, Paris, SEVPEN, 1%1; J. C. Russel, British Me.dieval Popula.tion,
Albuquerque, 1948; Louis Lisanti e Maria Luiza Marcílio, Problemes d'his· 14. Cf. L. R. Nougier, "Essai sur le peuplement préhistorique de la
tuire quantitative du Brésil: Métrologie et démographie (informe mimeo· France", em Population, 1954, pp. 242-271 (e crítica de L. Henry, pp. 272-
grafadol. Colóquio sobre "História quantitativa do Brasil, 1800-1930", Pa- 274); J. N. Biraben, "Durée de la vie dans la populatiOft' de Columnata",
ri'. dulubro de 1971 J. em Pop11/ario11, 1960.. pp 487-500.
126 127
r--
29 Período proto-estatístico
Com o advento do documento escrito chegaram-nol), pelo· me-
nos, alguns dados estatísticos isolados: poucos e de· escassa con- A transição para esta fase aparece determinada por fatores
fiabilidade, no caso do antigo Oriente Próximo; mais numerosos,
ligados à estruturação do E~tad? ?1?dern~ .e de seu aparelho bu-
porém, de difícil uso - devido, por exemplo, à escravidão, pois
ocrático e fiscal, como a h1stana rehg1osa: por exemplo, o
os escravos raramente eram computados - e, de qualquer modo,
por demais insuficientes para que se tentasse partir para um estudo
~oncífiÓ de Trento determinou, no século XVI, que as paróquias
mantivessem registros de . batismos, casamentos e enterros. Os cen-
propriamente demográfico no caso da antigüidade clássica e .da
sos ou estimativas globais., os documentos fiscais, os padrões e
maior parte da Idade Média. Foi tentado o estudo da expectativa
registros eclesiásticos . permitem - na Europa e nas Américas
de vida conforme as idades e o status social no mundo romano
uma exploração estatística mais ou menos profunda dos dados.
antigo, 'usando como fontes as inscrições funerárias, relativamente
Infelizmente, os fatores estruturais geradores dos mencionados tipos
abundantes. Também neste caso - como rio dos cemitérios pré-
de fontes não bastam: pode acontecer, e ocorre seguidamente, que
históricos - apesar de alguns resultados obtidos serem verossímeis,
parte importante da documentação tenha sido perdida ou destruída,.
a incerteza é grande demais, a documentação foi super-explorada
o que prolonga o período pré-estatístico das respectivas populações.
e todos os trabalhos apresentados foram discutidos a fundo, quanto
Seja como for, a escola européia de história demográfica desen-
à metodologia e às conclusões. Parecem mais promissores os es- volveu-se basicamente em função dos tipos de· documentos dispo-
forços de reconstrução de famílias da antigtlidade romana realiza-
níveis na etapa prato-estatística, especialmente dos registros paro-
dos por Robert Etienne e Paul Petit. Já dissemos que somente
quiais. Isto significa que seus métodos não são aplicáve~s à maio-
em casos excepcionais, como na Inglaterra e na Provença, a Idade
ria dos países não cristãos, salvo quando se puder localizar algum
Média furtou-se à escassez documentária que i.mpede a plena apli- tipo · de documento que permita uma exploração semelhante à
cação de métodos, dando margem a um conhecimento que, além aplicável aos livros paroquiais, como é o caso dos regi_stros reli-
de cifras muito gerais e discutíveis, possa chegar às estruturas giosos japoneses (1671-1871) usados por Akira Hayami. 1 º
demográficas e ao comportamento respectivo. Além disto, muitos As categorias de fontes características da fase prato-estatística
problemas de exploração das fontes se relacionam com os do- - etapa que podemos considerar encerrada com a instauração do
cumentos medievais disponíveis, exigindo um difícil trabalho prévio registro civil ·e dos censos realizados com métodos modernos
de crítica documentária: por exemplo, a extrema variabilidade do são, sobretudo, as seguintes:
tamanho dos "lares", base dos cômputos medievais de população
(e muitas vezes, ainda, dos tempos modernos), que. impede o registros paroquiais: funcionam como um "registro civil
cálculo do número de habitantes a partir do número. destes "la- antigo", possibilitando o estudo do movimento natural da
res". 1 ~ população;
censos primitivos e div.ersos tipos de cômputos sumários
(pad~ões eclesiásticos, por exemplo);
JS Cf: M. Reinhard e outros, Histoire génerale . . cit., pp. 23-107; L.
Henry, "La mortalité d'apres Jes inscriptions funt!raires", em Population, documentos não demográficos, .mas que podem ser usados
1957, pp. 149-152; do ·mesmo autor "L'âge au dt!ces d'apres les inscriptions estatisticamente para fins demográficos: listas de contri-
funeraires", em Population, 1959, pp. 327-329; K. Hopkins, "On the Probable
Age Structure of the Roman Population", em Population Studies, nov~m·
bro de 1966, pp. 245-264; R. Etienne, "La démographie de la Familie em Annales de démographie historique, 1966, pp. 37-57; A. Higounnet
d'Ausone", em Etudes. et Chroniques de Démographie Historique, 1964; Nadai, Les Comptes de la tai//e et les sources de /'lzist·oire démographiqua
pp 15-2'~ Jean Glénnisson "Débat sur les sources, bibliographie, termino- de Périgueux au XVe siecle, Paris, SEVPEN, 1965.
logie et travaux en cours", em Actes .du Co//oque international de' démo-
graphie de Liege sur la mortalité, Paris, Génin, 1965; P. Riché, "Pro- 16 Cf. N. Sánchez-Albornoz, "Les registres paroissiaux_1 en Amérique
latine•, citj Guillaume e Poussou, op. cit., pp. 69-85.
hlt>m,·~ d1· démographie historique du haut moyen áge (Ve-VIIIe siecle)",
129
128
buintes de impostos (ou de índios tributários., no caso computos primitivos, será feito em 0utras partes · deste capítulo;
hispano-americano), genealogias, listas eleitorais ou milita- mas, desde já, desejamos destacar dois aspectos importantes, a
res, relação dos .fiéis que comungam, etc.; propósito.
documentos não estatísticos (exploração qualitativa): cor- O estudo do movimento natural de uma popµlação - mesmo
respondência, viajantes, etc. reduzida - com ou sem reconstrução das famílias, implica a con-
fecção e a manipulação de considerável massa de fichas. Traba-
Um problema de monta é o constituído pelos movimentos lhando-se com uma única paróquia é possível, em geral, elaborar
migratórios - cujo estudo histórico, por falta de fontes tão con- monografia baseada na coleta e no processamento de 100% do
venientes como as que geralmente facilitam a análise do movimento material disponível. Entretanto, pretendendo-se fazer pesquisas re-
natural, desenvolveu-se pouco até o presente. Os registros pa- gionais amplas, ou de âmbito nacional, dificilmente haverá condi-
roquiais não mencionam, em geral, a origem exterior à paróquia ções de tempo, financiamento e pessoal que permitam a coleta total
das pessoas registradas, salvo no caso de estrangeiros. As fontes dos ·dados acessíveis. Então, será necessário proceder por sonda-
;
mais usadas para estudar as migrações são: gens, ou amostragem: por exemplo tomando-se uma ata paroquial
de cada cinco, reconstituindo-se apenas algumas das famílias de
as listas de "cidadania": na Europa moderna o burguês cada paróquia, etc. (Quanto à amostragem, ver Capítulo VI).
que se mudava -definitivamente tinha de ser admitido na
lista dos burgueses de sua nova cidade; Por outro lado, é interessante obser\lar que as fontes da his-
as listas de estrangeiros; tória demográfica, altamente padronizadas e de fácil quantificação,
as listas profissionais: registros de admissões aos grêmios levam de modo muito natural à reunião e ao processamento dos
ou corporações, por exemplo; . dados em computadores - o que permite poupar tempo, pois em
- as listas administrativas: de passaportes concedidos, ·de geral. é mister manejar quantidades consideráveis de material e
entrada e saída nos portos, etc.; submetê-lo a uma série de operações. Muitas das pesquisas im-
os informes públicos e particulares sobre as migrações; portantes já realizadas valeram-se da computação - como os es-
Os 'documentos cartoriais: contratos de casamentos, tes- tudos das paróquias de Crulai e Colyton, entre muitos outros. 18
tamentos.
130 131
múltiplas, íntimas e recíprocas. Ao considerá-las, o grande erro Os fatores políticos influem sobre os demográficos e, também,
possível é o da simplificação exagerada. Por exemplo, querer sobre a confiabilidade das fontes disponíveis para seu estudo. As-
demonstrar a correspondência direta e obrigatória entre os movi- sim, por exemplo, os censos feitos com finalidades fiscais devem
mentos vitais e as variáveis econômicas: além do fato de existirem ser severamente criticados, dada a grande probabilidade de decla-
variáveis autônomas importantes (biológicas, climáticas, etc.) po- rações falsas para evitar ou reduzir o imposto ou taxa a .pagar.
de-se observar que nem sempre as epidemias se desenvolvem con- As políticas natalistas ou antínata.Jistas; a repressão ao casamento
forme a variação do émprego, ou da renda; que as colheitas e nos Estados alemães do século XIX, por influência de Malthus;
epidemias sofrem flutuações nem sempre coincidentes (em certos as leis referentes à transmissão da propriedade que podiam fazer
casos a epidemia encontra a fome geral, em outros a determina); com que os filhos - em certas categorias sociais de algumas so-
que os casall)entos e as concepções refletem as mudanças ocorri- ciedades - tivessem de aguardar, muitas vézes, a morte do pai
das nos salários reais, mas a correlação tanto pode ser direta para ter meios para casarem-se; todos estes são fatores que exer-
quanto inversa; afinal, que fatores políticos., convenções sociais, cem poderosa influência sobre o comportamento demográfico. Ao
crenças religiosas, etc., complicam ainda mais o quadro geral. contrário, as mudanças populacionais importantes - aumento ou
Embora a expressão "demografia hi~tórica" se tenha genera- redução da população, urbanização, migrações - têm, grosso modo,
lizado, na verdade ao hi~toriador cumpre, antes, estudar a história grande influência sobre a base do poder político e sobre a legis-
demográfica, evitando isolar as variáveis relativas à população de lação. ·E não se pode menosprezar o jogo de vários outros tipos
todo um contexto físico e histórico: clima, recursos naturais, co- de fatores sobre o movimento vital: biológicos (resistência dife-
lheitas, epidemias, fomes, guerras, emprego, salários, preços, etc.; rencial a certas enfermidades, hereditar.; .mente transmitida, por exem-
e não deve perder de vista o que os diferentes ramos da pesquisa plo),. religiosos, culturais ...
histórica podem dar à história demográfica, e vice-versa.
As relações entre história demográfica e história social são
As relações entre a história econômica e a história demo-
particularmente importantes. É comum· que as fontes essenciais da
gráfica tomam-se evidentes ao pensarmos no homem como produ-
história demográfica proporcionem, também, miríades de dados de
tor e consurµidor. A oferta de mão-de-obra depende dos efetivos
populacionais, de sua composição etária, da expectativa de vida, interesse para a história social. As atas paroquiais e cartoriais
da composição dos lares, etc. - elementos importantes na deter- de casamentos, quase sempre, contêm informações sobre o status
minação dos níveis salariais, dos custos de produção, dos graus social, as profissões, a alfabetização, a mobilidade social (escolha
de substituição do capital variável pelo capital fixo, etc., se nos da noiva e das, testemunhas), etc. As listas nominativas de habi-
colocarmos no campo do capitalismo contemporâneo. O homem- tantes e os censos pnm1t1vos são essenciais 'ao estudo da estrutura
consumidor condiciona o tamanho e as estruturas do mercado. Já social. 21 As variáveis sociais contribuem, por sua vez, para a ex-
existem na América Latina algumas pesquisas sensíveis à impor- plicação das demográficas: a média de idade no momento de e-a-
tância das variáveis demográficas para a história econômica. 20 sar-se, por exemplo, é variável conforme países, épocas e religiões,
dependendo das estruturas sociais e da mentalidade coletiva; a
ciale et démographie", em L'Histoire sociale, sources et méthodes, Paris, restrição voluntária dos nascimentos varia segundo os grupos so-
P.U F., 1967, pp. 223-237.
20 Ver, .i:or por exemplo, Maria Luiz.a Marcílio, "Algunos aspectos de lá ciais, e assim por diante. Em países como os da América Latina,
estructura de la fuerza de trabajo en la . capitania Cle São Paulo", em sobretudo na fase colonial, a demografia deve ser estudáda em
Anais de ·História (Universidade de Assis, São Paulo), 1971, pp. 53-62; da
mesma autor:i, Tendances et struc111res des ménages dans la capitainerie
de São Paulo ( 1765-1828) selon les listes nominatives d'habitants (informe 21 Cf. P. Laslett, "The study of Social Structure from Listing of Ínha·
mimeografado, Paris, outubro de 1971); Maria Bárbara Levy, Aspectos da bitants", e W. A. Armstrong, "Social Structure from the Early Census
história demográfica e social do Rio de JanP.iro (1808-1889) (informe mi- Returns", os dois" artigos publicados em An lntrodu.ctiorr to English His-
meografado, Paris, outubro de 1971). torical Demo;:raphy, cit., pp. 160-237.
132 133
um contexto social diferencial: . os comportamentos demográficos s traços mais gerais de funcionamento, exclusivamente, deixando
dos europeus, dos escravos negros, dos índios e das "castas". são seu lado os movimentos
· · ' · ã t d t d
de m1gratono~ e n o ten a~ o es u, ar a evo-
muito diferentes uns dos outros, refletindo as profundas diversi- I ão conjuntural de longa duraçao - expansao do seculo XVI,
:eçpressão do século XVII, nova expansã? do .:éculo ~VIII -
dades sociais, os processos de domínio e de exploração, a hete-
rogeneidade cultural, etc.
salvo para mencionar o advento da denominada revoluçao demo-
gra'f"1ca" . 2~
Antes de passarmos à análise do comportamento das princi-
pais variáveis demográficas dos Tempos M?.dernos, ~onvém , d:fi-
nir em linhas gerais., o que se entende por demografia de anczen
ré;ime", em oposição ao regime demográfico contemporâneo, i?i-
ciado pela grande mutação do século XVIII. O que caracteriza
a demografia de tipo antigo é a· existência de crises periódicas que
C. Demografia européia de "ancien régime" e história anulam, total ou parcialmeQte, os resultados dos períodos de cres-
demográfica latino-americana cimento natural da população, enquanto a demografia _contempo-
rânea é caracterizada; antes de mais nada, pela redução da impor-
tância, e posterior ciesaparição, das crises demográficas - o que
dá 111argem a um crescimento natural contínuo. As afirmações
globàis deste tipo devem ser matizadas conforme os pa!ses e re-
giões mas, em conjunto, são comprovadas pela evoluçao e pelo
l. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO REGIME DEMOGRÁ- comportamento demográfico europeu nos últimos. cinco séculos.
FICO DA EUROPA OCIDENTAL NOS TEMPOS MODER-
NOS (SECVLOS XVI A XVIII)
19 A Mortalidade
136 137
ser comparada ~ de nossos dias. Por outro lado,· erram principal-
1) idade das mulheres ao se casarem;
rnente os homens que se casavam pela segunda vez: faziam-no,
2) idade em que termina sua possibilidade biológica de pro-
de um modo geral, poucos meses após a perda da primeira es-
criar;
posa, quase sempre preferindo mulheres solteiras, não as viúvas.
3) intervalos de tempo entre os vários filhos de uma mesma
família (intervalos intergenésicos);
o mês em que havia maior número de casamentos era, · seguida-
mente, o de fevereiro (inverno: interrupção das atividades agríco-
4) duração das uniões.
las), sendo raros os casamentos no verão (apogeu dos trabalhos
do campo).
Ao contrario do que muitas vezes se crê, o casamento de
adolescentes não era freqüente nos Tempos Modernos, exceto em
certos ambientes aristocráticos. Até, as pessoas se casavam tarde: 3'? A "revolução demográfica"
a idade média no momento do primeiro casamento, na França,
era de 24 anos e 9 meses, nos tempos imediatamente anteriores /
Jean Fourastié resume nestes termos o quadro da demografia
à Revolução de 1789; portanto, como as mulheres raramente ti- de tipo antigo: :i~
nham filhos depois dos 40-45 anos, o período d~ fecundidade con-
"Pelo fim do século XVII, a vida de um pai de família
jugal só podia durar un~ 20 anos, no máximo. Quanto aos inter-
mé~io, casado . pela primeira vez aos 27 anos, poderi.a ser
valos intergenésicos, o primeiro nàscimento costumava ocorrer
assim esquematizada: nascido em uma família de cinco filhos
~ntre um ano e ano e meio após o casamento -
dos quais só a metade alcançara os 15 anos, ele tinha tid~
em seguida os
mtervalos aumentavam (para dois anos a dois anos e meio). Por
também cinco filhos, como seu pai, dos quais apenas três
outro . lado, era grande a fragilidade das uniões: freqüentemente
ainda viviam por ocasião de sua morte. . . Vivia em média
desfaziam-se os casamento~ dentro do período de fertilidade da
52 anos. . . Tinha atravessado três fomes, dois ou três perío-
esposa, o que se constituía em um fator de baixa fecundidade
dos de carestia de cereais, duas ou três epidemias. . . Sem
A quantidade de filhos por família era pequena: no Beauvaisis ·
falar das epidemias quase pe~1úanente de · coquleuche. escar-
região estudada por P. Goubert, o número de nascimentos alcan~
latina e difteria . . . A morte, a miséria e o sófrimento físico
çava a média de 4,85 para cada casal; como os óbitos de crianças
eram seus rudes companheiros. . . A velhice era a coroação
de menos de 15 anos chegavam à metade dos nascimentos, havia
de uma trajetória excepcional. . . A idade média . dos filhos,
e~ média. 2,5 crianças para cada casal - e uma parte destas
ao morrer o pai ou a mãe, . era de 14 anos . Todos os pais
amda podta morrer antes de atingida a idade média de casar-se.
morriam antes de cómpletada a eduéação dos filhos mais
Isto explica a baixa taxa de substituição (ou taxa líquida de re-
moços."
pro~ução.) característica do regime demográfico de tipo antigo,
exphca ainda porque eram tão drásticas as reduções de população
Entretanto, as coisas .mudaram a partir do século XVIII, e
- em seus efeitos de longo prazo. - quando as crises afetavam
tal mutação - a "revolução demográfica" - inaugurou ·a transi-
o ritmo vital.
. ção para o regime demográfico contemporâneo. O fator essencial
Outra questão interessante é constituída pela limitação volun-
da mudança foi, sem dúvida, a baixa. da taxa de mortalidade, rela-
tária de nascimentor, praticada há muito mais tempo do que se
pensava. cionada coin os progressos da medicina e da higiene e ligada, tam-
bém, à evolução positiva da produção agríéola e dos transportes.
Se pass~rmos ao exame da nupcialidade veremos que o celi-
Embora a taxa de natalidade também comece_ a tender para a
bato ~ra multo raro no campo, porém mais freqüente nas cidades,
c~pecialmente entre os empregados domésticos, então muito nume-
rosos. O .celibato eclesiástico não tinha peso considerável nas 24 Jean Fourastié, "De la vie traditionelle à la vie tertiaire", em Population,
taxas globais. No total, na França, a freqüência do celibato pode 1959, pp, 417432.
138 139
baixa, a queda da taxa de mortalidade dá-se a um ritmo bem su- _ fase pré-estatística: populações pré-hístóricas
perior, o que explica o crescimento contínuo e sem precedentes populações prato-históricas (pe-
da população., a partir do século XVIII. E: possível que uma alte- ríodo do contato inicial europeu);
ração climática tenha ocorrido então, afetando favoravelmente um fase prato-estatística: - populações integrantes das socie-
mundo ainda maciçamente camponês: segundo F. Braudel, isto ex- dades coloniais; primeira parte
plicaria porque a revolução demográfica foi um fato mundial, em- do .século XIX;
bora as "revoluções" agrícola e industrial tivessem sido, inicial- - fase de recopilação sistemática de estatísticas.
mente, fatos exclusivamente europeus. Porém, se o século XVII,
por exemplo, apresenta-se marcado por uma depressão econômica As duas primeiras fases é que interessam aqui. A era pré-
e demográfica de longa duração é difícil atribuí-lo ao clima. :t~
estatistica estende-se até o início da implantação sistemática do
Veremos, além disto, que no caso da América Latina a revolução
aparelho administrativo europeu (civil e religioso), o .qu~ se deu
demográfica é, na verdade, um fato de nosso século.
em épocas distintas nas diversas regiões latino-americanas; além
Não se deve supor que as mudanças estruturais ocorridas a
partir do século XVIII eliminaram, brusca e definitivamente, as disto, a destruição ou extravio de boa parte da documentação pode
crises demográficas da Europa Ocidental: elas foram atenuadas., prolongá-la, em certos casos, até o século XVJI ou XVIII, mesmo
tornaram-se cada vez mais raras e, afinal, acabaram de vez; mas em zonas colonizadas desde o século XVI .
a realidade é que ainda se verificaram no século passado. O estudo das populações pré-históricas americanas coloca o
Um dos aspectos característicos da "revolução demográfica", problema de documentação do tipo dantes mencionado, quando
tal como afetou - a diferentes ritmos - os países industriais, falamos da pré-história em geral. Restos humanos, vestígios téc-
foi a mudança profunda das estruturas etárias, refletido nas res- nicos e outros que permitem determinar qual a zona ocupada por
pectivas pirâmides; houve um envelhecimento da população em certo ·grupo e, talvez, a densidade do mesmo - são estes os
conseqüência da redução combinada das taxas de natalidade e de testemunhos de que se pode dispor. Com a chegada dos europeus
mortalidade- (ver Fig. 7 e 8).
surgiram os primeiros dados de tipo numérico - dispersos e
descontínuos, certamente - e as descrições; as categorias de fontes
2. A HISTORIA DEMOGRAFICA DA AMERICA LATINA: são; para a fase do contato inicial europeu, anterior à conquista
FONTES, METODOLOGIA E· PROBLEMÁTICA e à colonização propriamente ditas:
140 141
Figura 5: Figura 7:
A revolução demográfica: o caso britânico
Ô preço do trigo e a crise demográfica de 1693-1694 na região
de Meulan (França)
IOO 50 40
_15p:;::==-===:::=::::=:::::;::::-+~
•O 45
_Ili
80 40
25
70 20
15
- "'' HI Rl·gimt• dl'ni'ográfirn
tradidonal- htw
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\ ./ '" \ .... --.\. ,'" .... ,.,,,/''\,,r .. ....,. __,
ltl " na:,cimcnlo:, .... -, ,'
"
12.S
FONTE: Guillaume e Poussou, Démographie historique ( cf no-
ta 1) p. 150. 15511 ló50 17511 1850 1950
142 143
Com a conquista efetiva, e com a constituição do aparelho tários; 4) livros de tributos, taxas e sobretaxas; 5) lis-
burocrático estatal e eclesiástico, ingressamos na era proto-estatís- tas de confissão e ·visitas paroquiais; 6) censos totais ou
tica que, conforme os casos, começa mais ou menos cedo: nas parciais; 7) censos da população infiel, informes cÍe mis-
melhores circunstâncias, em meados do século XVI. Sempre de sões volantes e de comandancias •; 8) ·informes de inten-
acordo com Borah, podemos admitir três subperíodos na etapa dentes.
prato-estatística (nos piores piores casos., só os dois últimos es- Documentos relativos à estrutura demográfica: 1 ). arqui-
tarão suficientemente representados) válidos principalrnen,te para a vos paroquiais; 2) informações . matrimoniais; 3) testa-
Hispan~-América: mentos nos arquivos cartoriais ou protocolos *.
Documentos relativos à ·população urbana: 1) censos de
De meados do século XVI até cerca de 1770: registros ci_dades; 2) relações de índios de serviço e de castas nas
paroquiais, listas eclesiásticas, registros civis (fiscais, mili- cidades; 3) relações de povoadores. ·
tares), primeiras contagens sumárias; Documentos relativos a migrações: 1) listas de mitayos •;
de 1 770 a 181 O: urna administração aperfeiçoada melhora 2) listas de desembarques e livros aduaneiros; 3) cartas
os registros, em geral, e surgem pela primeira vez verda- ou contratos de venda de escravos (arquivos cartoriais).
deiros censos;. Documentos de informação indireta e muito fragmentária.·
de 181 O à implantação do registro civil e dos censos 1) relações de milicianos; 2) registros de hospitais; 3)
realizados mediante técnicas adiantadas: época· caracteriza- informes de juntas de beneficiência e de protomedicatos * ·
da pela manutenção parcial das formas coloniais de regis- 4) dissensões • • matrimoniais. · '
tros e pela tentativa de desenvolver novas formas de colher
e apresentar as estatísticas relativas à população. A qualidade, o grau de conservação e a continuidade da do-
cumentação acessível diferem segundo países e épocas. Além disto,
Segundo Rolando Mellafe, os principais tipos de fontes da não podemos esperar encontrar por toda a parte este tipo de
história demográfica latino-amerieana, na fase prato-estatística que fontes. Mellafe afirma deixar deliberadamente de lado, por dema-
estamos considerando são: siado subjetivos, os documentos de certos governantes e adminis-
. tradores da época da colônia sobre temas demográficos ( entretan..,
Documentos relativos à população total: 1) v1s1tas à terra to, cita os informes de intendentes). Não o.bstante, nossa experiên-
ou visitas gerais; 2) visitas de desagravo ou circun'itan- cia com a história das colônias francesas mostra que nem sempre .
ciais; 3) m~triculas de e encom1._ndlç ··ou padrões de tribu-
Mitayos: indígena sujeito aos encargos da mitu, sendo esta "divisão
que se fazia dos povoados indígenas para tirar o número correspondente
• N. do T.: Todos os grifos são do traautor - assinalam palavras sem
correspondentes diretos em português e com importante conceito sócio- dos que deviam dese~penhat .trabalhos públicos./Tributos pago pelos
histórico na América t>spanhola. Em .benefício dos leitores não especiali- índios do Peru•.
zados, transmitiremos tais conceitos, segundo o Dicionário da Real Aca· • N. do T., Protomedicato era um tribunal constituído pdos protomé·
dcmia Espanhola (18.• ed.): · dicos. (médicos nomeados pelo rei para constituírem o proromedicaro) e
E11.comienda: povoado americano concedido a um dignitário ("encomen- examinadores que tinha a missão de determinar •e reconhecer a· suficiêncil1
dr:ro" l para qüe cobrasse triooto a seus. 1tloradores (indígenas, já se vê). dos . candidatos a médicos, concedendo as licenças necessárias para que
Co111amlancia: província ou comarca militarmente 'sujeita a um coman· praticassem a medicina. .
dante militai', subdivisão de um departamento marítimo. ** N · do T.: O original mimeografado registra a palavra dis~enso, pro·
Prutoculo: série ordenada de escrituras originais e outros documentos vawehnente em lugar de disen.so (conformidade das partes em dbsolver
que um notário ou escrivão autoriza e custodia com certas formalidades. ou tornar sem efeito <> contrnlo ou 'lbrigação 1:n11x: dâs CllistcrHe).
14~
é possível desprezar tal tipo de informação: na Guiana Francesa, dida díi área habitada, da quantidade e dimensões das casas; estudo
por exemplo, já não existem os arquivos paroquiais antigos e as
da tecnologia e da alimentação; análises estratigráficas, etc.; 3)
fontes essenciais ao estudo da população, nos séculos XVII e
estimativas de geógrafos, baseadas no estudo das técnicas e dos
XVIII, são justamente os informes de governadores e outros fun-
cionários e os censos primitivos, além de várias fontes de tipo recursos disponíveis e em comparações com populações semelhan-
qualitativo sobre, por exemplo, mortalidade diferencial (infantil e tes da atualidade. ·
geral) segundo os distintos grupos étnicos-sociais (colonos, índios, Também, no que se refere ao. período do contato inicial eu-
escravos, libertos). O comentário do ordonnateur Malouet sobre ropeu, os esforços se concentram na avaliação da populáção indí-
o censo de 1777 permite, inclusive, fazer-se uma distribuição quan- gena em 1492, no momento da descoberta, e sua redução catas~
titativamente precisa da massa escrava em dois grupos - escravos trófica a partir daí - do contato direto, ou por intermédio de
ativos e não ativos - e facilita um conhecimento minucioso da .outros grupos indígenas, com os ibéricos e outros europeus. Sendo
quantidade da mão-de-obra escrava empregada pelos setores de pouco numerosos os dados disponíveis e os estudos nacionais já
atividade econômica e não econômica. ~• realizados, as técnicas usadas implicam, sempre, alta dose de ex-
No conjunto, as mais importantes fontes de cuja exploração trapolação - de um ano, ou período, para outro, através de pro-
ocupar-nos-emos pormenorizadamente mais adiante, inclusive quan- jeçóes e ajustamentos, ·de uma região para outra - o que torna
to às precauções necessárias, são os registros paroquiais e os di- muito discutíveis os resultados alcançados. Os estudos mais sérios
versos tipos de censos ou contagens primitivas. e interessantes sobre esta fase. são os da escola de Berkeley ( Sauer,
Cook, Borah e Simpson) sobre a região central mexicana.
Com o advento deste período prato-estatístico toma-se possí-
29 Metodologia e problemática ~8
vel a realização de pesquisas a propósito de aspectos bem mais
No que se refere às populações pré-históricas da América, variados e importantes do que uma simples estimativa ele efetivos
os especialis~as que as pesquisam são de dois tipos: 1) biogeó- globais: 1) o estudo do movimento vital, a partir dos registros
grafos e paleobiólogos; 2) antropólogos e. arqueólogos. Os mé- paroquiais de batizados, casamentos e enterros, e a combinação de
todos que empregam giram principalmente em torno de tentativas tais fontes com outras (censos, por exemplo) para determinar
no sentido de determinar a quantidade de habitantes em diferentes o estado de uma população em diferentes m'omentos de sua evo-
regiões e em diversas épocas. lução; 2) estuda das epidemias e do C?ntexto sócio-econômico
Tais métodos são variados: 1) estudo das alterações causa- em que se desenvolveram; 3) estudo dos movimentos migrató-
das pelos grupos humanos pré-históricos no complexo vegetal e rios: imigração européia, tráfico de escravos negros, migrações
animal (cujas composições de espécies, conforme as condições de locais (concentrações da população indígena realizadas por civis
solo e clima, são conhecidas), o que permite ter-se uma idéia so- ou clérigos; redistribuição da população no espaço; urbanização,
bre a densidade das populações; 2) técnicas arqueológicas: me- etc.); 4) estudo da mestiçagem e da composição étnico-social da
população em várias épocas, etc.
Os métodos empregados são, geralmente, os desenvolvidos pe-
27 Cf. Ciro Flamarion S. Cardoso, La Guyane française (1715·1817): As·
pects économiques et sociaux. Contribution à l'étude des société$ escla- los historiadores demógrafos europeus, adaptados - no entanto
vagistes, l'Amérique, Paris, 1. H. E. A. L. e Universidade de Paris X, 1971, tomo - às peculiaridades da documentação e das estruturas sociais da
II. pp. 471-497 (tese datilografada). Na lista de fontes indicada por Mellafe América Latina. Voltaremos ao tema no final deste capítulo, em-
faltam os registros de casamento - cartoriais e paroquiais - para o
estudo das migrações (quando indicam a origem dos cônjuges). bora limitados, apenas, a algumas das categorias passíveis de pes-
28 W Borah, NLa demografía histórica ... ", artigo citado. quisa.
146 147
~·
1
3. AS GRANDES LINHAS DE EVOLVÇÂO DA POPULAÇÃO resentadas por alguns autores - além de l 00 milhões - refle-
LA TINO-AMERICANA ( 1492-1900) ap claramente· a influência das admitidas por Borah, Cook e
tem .. . . .
Simpson para o México .central, em l 5 19 ( est1mat1vas q~e varia-
ram de 11 a 30 milhões e se fixaram em pouco mais de 25
milhões)· 30
Não buscaremos descrever aqui a história demográfica da
América Latina, mas somente mencionar seus grandes traços, fato-
res e fases principais, com base em sínteses já existentes. 2 9 29 A catástrofe demográfica ( 1492-1650)
148 149
Há alguns estudos interessantes sobre a imigração européia e
Que poderia ter causado uma catastrofe de tais proporções'!
g ra embora reine ainda grande incerteza quanto à importância
Afastando, por excessivamente ·simplista, a "teoria do homicídio" ne
de tais ·
' contribuições, tema a que voltaremos adiante ( V er F'1g. 12 ) .
baseada em Bartolomeu de Las Casas (matanças, crueldade, ex-
trema exploração, etc.), os autores de hoje orientam-se para ex-
plicações mais elaboradas: o complexo trabalho/ dieta/ epidemia d,. 39 Recuperação e aumento (1650-1900)
que fala Mellafe; o complexo desengano vital/reacondicionamento
econômico e social/ epidemias de Sánchez-Albomoz e Moreno. A A maioria dos especialistas admite que depois de 1650 a po-
quebra de ·todos os valores culturais dos indígenas pela conquista
- gerando o "vazio continental" a que se refere Laurette Séjour-
pulação latino-americana começou a recuperar, aumentandose
desde então a ritmos variáveis conforme as épocas. Por volta de
né 3 1 - sua transformação em rebanho sem posses e superex- t 900, se quisermos saber se a aludida população já havi? recup:ra-
plorado, as mudanças radicais i.ntroduzidas no sistema social e do ou superado os efetivos de t 492, teremos de convir que isto
econômico, as enfermidades que vieram com os europeus e pai:a dependerá, naturalmente, do volume atribuído à população indígena
as quais os indígenas não tinham defesas biológicas (tifo, febres nesta última data.
diversas, varíola, peste bubônica ... ) , bastam para explicar a re-
Julio Morales resume em dois quadros as posições de diversos
dução drástica de sua população, que por muito tempo não pôde
autores sobre a evolução absoluta e relativa da população total
ser compensada pela chegada de europeus, pela imigração forçada
latino-americana entre 1650 e 1900. (Quadros 4 e 5). ·
de africanos e pelo advento de uma população mestiça. ·O fator
de maior importância foram as epidemias, mas a superexploração,
a miséria e a subalimentação faziam as massas nativas ainda mais
vulneráveis à mortalidade. Figura 9:
Quase todos os autores admitem que por meados do século Evolução da população de Teot/apan (México) - (900-1940)
XVII a queda populacional terminou. Nesta época, a América
Latina tinha, talvez, uns 2,2 % da população muf!dial. Como re-
sultado da redução dos efetivos ipdígenas, da chegada de europeus 500
e africanos e da mestiçagem, a composição étnica do conjunto
da América Latina seria, em 1650, segundo Rosemblatt:
400
•• ·"""'
•• ••
rll
a;
'º 300
Brancos 6,4% :5
~
•
••
..•
·5
Negros,
Mestiçós
7,3%
3,5% E
200
. •
• " •' ••
\
Mestiços de cor
lndios
2,4%
80,4%
a;
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·=e; 100
•
••' .•
••
•
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\ '-. /V
.!
:::s •• •
Q.
o o •
Q...
900 1100 1300 1500 1700 1900
31 Laurette Séjourné, América Latina, 1. Antiguas culturas precolombinas,
trad. de J. Oliva de Coll, coleção de História Universal Siglo XXI, 1971,
pp. 85-91. FONT.E: Reinhard, Armengaud e Dupâquier, op. cit., p. 142.
150 151
Na realidade, o aumento ubservado entre 1650 e 1900 rela-
Figura 10:
ciona-se, exclusivamente, aos cfi.:itos diretos e indiretos da imigra-
I!' ,
,,1' ção européi<! e negra - e à mtstiçagem; os . índios diminuem
:,i ,' E1·0/11çàv das populações branca e indígena do
sempre, cm termos relativos e absolutos: Rosemblatt calcula
li::' México Central úmido
que por volta de . 1825 os branrns e negros,_ conjuntamente, .re·
!ti
l) .'. 1 1
presentavam uns 40% do total da população da América Latina,
05 mestiços e mulatos uns 30% e m índios outros 30%. Os
8- '. População
indígeria
800 imigrantes europeus e seus descendentes não se acostumavam aos
7 ' 700 climas dos altiplanos muito elevados (onde se fixaram, principal-
' /
ó ' V
600 mente, as altas culturas indígenas) e procuravam regiões mais
'' População
"..
5 500 temperadas e baixas. Os escravos riegros destinavam-se; sobretudo,
branca ,,/
..
.- .. ....
4 400 às zonas de plantações tropicais. Enquanto em 1492, qualquer que
/V
.\
2
'••,
.. ,. .. ./.· ../ ... - 300·
20().
seja a estimativa admitida· da população, esta se cone.entrava prin-
cipalmente nas duas áreas das altas culturas pré-colombianas (Meso-
1
- ;:.:.; 100 América 'C região andina), que abrigavam pelo menos uns 70%
do total, em 1900 ·as referidas zonas somente contavam com uns
-
1:>20 16011 -1700 1780•
40% dos efetivos totais da América Latina e a mesma percen-
H\gem localizava-se, também em 1900, ·só em três países da costa
atlântica (Brasil, Uruguai e Argentina). Em conjunto, a redistri-
Figura 11: buição da população global na área latino-americana deu-se do
norte e do oeste para o leste.
O gado expulsa o homem (1'vféxico Central) No caso da América Latina, é< fondamental o estudo da imi•
gração: responsável exclusiva por um certo tempo e, em seguida,
milhare, de brancos sempre muito importante como fator do aumento e da composição
IOO - dell'.nas de milhares de bmino~ ...___,._____,_ __.. 100 populacional do subcontinente. Sobre a quantidade de europeus e
"• • • • • centenas de milhares de índios de negros vindos para a América, as estimativas são extremamente
90 .......... centenas de milhares de ovinos 9o
80 1. branco = 11~ bovinos = 100 ín. l!O
variadas, o que reflete sérios . problemas .de documentação, sem
1
70 d111s = 100 ovinos 70 dúvida, e mais ainda a ausência de sólidas pesquisas regionais.
60 -+""r..:-,.+-~-t---1---1--4"--,lo!:...........+----l..~~ 60
.. Por exemplo, a r~speito dos. africanos transportados pelo tráfico
~ - .. ~ 50
durante todo o período em que este perdurou (grosso modo: 1500·
40 ......... 40 1850), a cifra admitida até bem pouco - 15 milhões - foi
rebaixada para 9,5 milhões, em um trabalho recente. 32 Na se-
30 30
gunda metade do século XIX deu-se o começo de um grande
20 .... ··--- 20 movimento migratório, basicamente de europeus, que afetou vários
10
..
, .- .........
10
países latino-americanos; mas este movimento, ocorrendo . em um
1540 1550 1561) 1570 1580 1590 1600 1610 1620 16'30
152 153
período já plenamente estatístico, em geral, pode ser mais facil- .mente" pela presença de crises demográficas relacionadas a epide-
mente estudado do que a imigração colonial. mias e fomes generalizadas. :14
O. comportamento das variáveis rei.ativas ,ao movimento in• Entretanto, as diferenças são igualmente importantes.· Em se
terno da população latino-americana entre 1650 e 1900 é difícil tratando dos países latino-americanos, é impossível fazer-se a abstra-
de generalizar, primeiramente devido à grande heterogeneidade ção, em certas circunstâncias, dos movimentos migratórios, o que
regional, depois . porque os estudos de casos já empreendidos são é possível no caso da França moderna, por exemplo; a qualidade
poucos. As tentativas de análise global para o conjunto da Amé- dos registros é quase sempre· inferior à dos europeus; a~ contrário,
rica Latina têm de basear-se, dada a escassez de monografias ·a natalidade ilegítima sempre foi bem superior. A estrutura familiar
locáis, em artifícios estatísticos, como o de supor uma população é diferente, nos dois casos. A escravidão e a mestiçagem, as dife-
teoricamente estacionária (em que os nascimentos e óbitos. se equi- renças étnico-sociais, em geral, complicam o :quadro demográfico
libram}. a:i Entre 1650 e 1750, uma análise deste tipo como a da América Latina. Afinal, a catástrofe demográfica relativa à
população indígena americana é algo que não encontra precedente
feita por J. Mo rales, - sugere uma taxa de natalidade anual de
ou paralelo na história da Europa.
cerca de 50%, uma taxa de mortalidade igual ou levemente maior,
Se considerar:mos, para concluir, o fenômeno conhecido por
e uma taxa média de imigração de 4%, pelo menos. Depois, a partir
"revolução demográfica" veremos que aqui atrasou-se em quase
de 1750, provavelmente dá-s~ uma queda da taxa de mortalidade
dois _séculos relativamente à Europa. ocidental, pois começou, em
e um aumento da taxa de fecundidade, devido a melhores condições
de vida. Desde então o crescimento deixou de depender só da imi-
gração.
Figura 12:
4. CONCLUSÂO e::J"'
~c::i 111r- dr 50
~6e5l•IClll
m:lil:J HIOl•l541
~tk251•5UO
1111JHSOl11.llll0
-111ai1Ml.G80
. .
Participação controlada do1· divenos territc1rios espanhóis (provín-
cias atuais) na emigração para a América, no período de 1509-
Se compararmos a história demográfica da Europa Ocidental . 1534. Este mapa mostra como a corrente foi um fato exclusiva-
de -ancien régime com a da América Latina, entre o início de sua mente castelhano: os ~úditos da Coroa de Aragão deixaram-se fiCar
colonização efeti~a e o fim de seu período documentário proto- à margem do. fenômeno.
estatístico - as duas datas variáveis de país a país - constatare-
mos algumas importantes semelhanças. Nos dois casos, os regis- Fonte: Jordi Nadai, La población espanola, Barcelona, Ariel,
tros paroquiais constituem as fontes essenciais da pesquisa, o que 1971, p. 66
gera uma convergência dos métodos aplicáveis. Além disto, tam-
bém em ambos os. casos, o r~gime vital caracteriza-se, principal- 34 Cf., para o caso brasileiro, Katia Maria de Quei-roz Malloso e Johildo
L. de Athayde, Epidemias e fl11111ações na Ba11ia nv século X l X (informe
mimeografado, Paris, outubro de 1971); Lisanti e Mariá Luim Marcilio, infor-
33 Le Concept de population stable: Applictition à l'étude des. populations me cit.; Altiva P. Balhana e outros, Estudos de demografia histórica no Para;.
des pays rn1 disposant pa.s de bonn·es statistiques démografiques, Nova ná <informe datilografado, Roma, setembro de 1972) . Ver- também N. Sán-
Iorque, ONU, 1965. chez-Albornoz, "Les registres paroissiaux ... " cit.
154 155
ll!"i''
nosso subcontinente, entre 1920 e 1930. Além disto, ele se apre- Figura 13:
sentou, na América Latina, revestido de características distintas -
e muito - das verificadas na Europa, balizadas por três fato- A revolução demográfica em uma comunidade predominantemente
res fundamentais, que são: 1)' o efeito da imigração: 2) a queda indígena da Guatemala
brusca e radical da mortalidade; e 3) a manutenção - e às vezes
o aumento - da natalidade. a:1 (Ver as Figuras 13 e 14)
21.flOO
1650 11,4 12 7 12 10 - ·- População total X Censo Olici1.t da Guatemala
"-·--- Óbitos O População, segundo as Nações Unidas
16
·~
1750 19,2 13 10 11 ,úmero de nas-
imcntos e óbiros
........ Nascimenlos (' l>opulaçào, M"gundo Colher
1800 19 23 19 24 18.000
9.000
Em relação à Em relação às áreas
populaÇão mundial de cultura européia
156 157
1
i
1 aos listas e descrições do conteúdo dos arquivos paroquiais para
i'
Figura 14: ºº ' .
1
40
,,'
.. de lacunas) ;
2) representatividade no contexto econômico do país ou região
,, , na época es_tudada;
,. 3) representatividade quanto à estrutura social do país ou
,'' _Natalidade
,, região (que estejam representados todos os grupos da po-
, ,:.' -·-Mortalidade / pulação).
. . . /<'·, ----População
Na América espanhola era freqüente, na época da colônia -
-------· -
. ,--- _,,.'
.,
.,.,, principalmente nas zonas urbanas - existirem registros separados
para os grupos étnico-sociais: havendo, às vezes, só dois livros de.
........... cada categoria de registros - um para os espanhóis e outro para
. 1805-10 1821-25 1938 1946 1955 1965 as demais categorias da população - em outros casos havendo
livros separados para os espanhóis, os fndios, os escravos e as "cas-
Fonte: P. Salles e J. Wolff, op. cit., p. 176 tas"; mas, também pode acontecer que toda a população esteja
registrada nos mesmos livros. No caso brasileiro., mesmo nas zonas
D. A exploração dos registros paroquiais: 1 ) gene- urbanas, não há qualquer norma a respeito: em Salvador (Bahia)
raliqades; o método das recontagens globais por exemplo, toda a população está registrada conjuntamente; em
'·,
r ( aruí,1isc agregativa) outras cidades houve registros separados (no Rio de Janeiro, livros
diferentes para livres e escravos) .
Quando a população está registrada em separado, pelas cate-
1. GENERALIDADES gorias étnico-sociais, isto constitui uma circunstância favorável, por-
158 159
2\1 não estudar paróql!ias isoladas: os resultados assim obti-
que permite um estudo demográfico socialmente diferencial: as dos terão um resultado apenas duvidoso, as conclusões
variações no compórtamento demográfico destas categorias são serão todas provisórias. Se os recursos não forem abun-
muito grandes. (V<;.>r aFIG. 15). Também são consideráveis as dantes, o melhor será multiplicar sondagens bem feitas a
diferenças do grau de confiabilidade dos dados: os espanhóis (mais propósito de várias paróquia:; de uma única zona;
urbanos e mais "cristãos") constituíam a parte melhor registrada 39' não esquecer a grande importância das migrações, que po·
da população colonial; os escravos eram registrados mais ou menos dem ter grande peso explicativo no atinente aos movi-.
bem, depois os mestiços e, por último, os índios (globalmente mais mentos constatados pelos registros; é preciso comparar
rurais, muitas vezes só nominalmente convertidos). A qualidade o que estes nos apresentam com os dados de outros tipos
geral dos registros depende muito, além disto, do grau de cultura de fontes (list.as, censos, etc.);
e de lntéresse dos padres encarregados de mantê-los, sendo muito 4'? sejamos mais historiadores-demógrafos do que demógrafos-
variável. · historiadores: as variáveis demográficas não deverão ser
A aplicação adaptada dos métodos elaborados na J;,ur.opa aos estudadas exclusivamente em si me~mas, ou umas em re-
arquivos paroquiais latino-americanos é possível; porém exige um lação às outras; melhor será relacioná-las com todo o
certo cuidado. No caso europeu, a igreja . rural era um ponto de contexto histórico (econômico, social, político, das men-
convergência de uma comunidade; na América Latina, nas regiões talidades, etc.); mesmo porque, sem isto a verdadeira
de alta densidade indígena, por muito tempo foi o símbolo da im- explicação se tomará impossível.
plantação . de um culto estrangeir~. Mais ainda, muitas vezes a
extensão das paróquias latino-americanas era enorme, de modo Figura 15:
que só aparece regularmente registrada nos ljvros a população que
habitava o núcleo onde estava situada a igreja paroquial; o registro Pirâmides de idades em Jujuy (A reentina), por. grupos étnicos,
das populações mais afastadas - às vezes superficialmente conver- em 1778-1779
tidas - dependia da maior ou menor atividade missioneira do
vigário. Não levando isto em consideração, um pesquisador pode ld•dn ldad•s
À ~~~'1
chegar a resultados seguros (regra que também vale, evi-
dentemente, para qualquer pesquisa);
40-.9
30-9 •
20-9
10-9
0-9
37 Cf. N. Sânchez-Albornoz, "Les registres ... " art. cit. e o excelente arti- 15 10 .
lndios
s JO 15 %
go de Maria Luiza Marcílio "Dos registros paroquiais à Demografia Histórica
no 6rasil", em Anais de História, 1970, pp. 81-100.
Fonte: Guillaume e Poussou, op. cit., p. 107
3& Guillaume e Poussou, op. cit., p. 82.
160 161
Observação:
alterações pela leitura das curvas elaboradas, mas muitas vezes não
Notar a mortalidade (muito grande) de crianças entre os in- saberá o que as produziu (isto acontece principalmente nas evolu-
dígenas o grupo menos favorecido da população; a situação dos ções de longa duração).
mestiço~ já é melhor. No. caso dos espanh~is, a importância da Afinal, não é impossível combinar o estudo em extensão, que
imigração é observada, facilmente, na pirâmide - na faixa dos 20 constitui a análise agregativa, com o estudo em profundidade repre-
sentado pela reconstituição de família (sempre que este último não
aos 29 anos.
seja impraticável, em muitos países latino-americanos, por motivos
de que mais tarde nos ocuparemos): as contagens globais podem
servir para localizar as paróquias e os períodos que exigem ou
justificam uma análise mais profunda e dificil.
t6l 163
~'
164 165
Figura 16: Figura 17:
Folha para coleta anônima dt:' dados relativos a casamen.ws (mesma folha para recolhimento anôn.'mo de dados relarivos a óbitos (mes-
observação da Fig. 15) ma observação da Fig. 15)
..... .....
.
~
- .. !!
Q
166 167
!'!111!!11''
·~. '•
. ~· .
para adulto, etc. Quando em uma ata estiver faltando informação 39 - Folhas relativas a casamentos
sobre a idade colocar XX no espaço correspondente.
As informações sobre etnia, profissão, condição, paróquia OJJ Nestas, cada ata ocupará duas linhas, uma para o marido e
Jocâl de origem devem ser transcritas integralmente. E possível usar outra para a esposa: porém só na primeira será anotada a data.
uma abreviatura para significar "desta paróquia" (d.p.), indicando,
na parte reservada às observações, as indicações que surjam even- _ Estado civil anterior ao casamemo: S (solteiro, a) V
mente (aldeia, localidade. etc.). (viúvo, a) D (divorciado, a) XX (indeterminado; usa-se
um duplo X porque um único, mal feito, poderia ser con-
fundido com um V). São considerados solteiros os cônju-
2Q - Folhas relativas a batizados ges mencionados como ''filho (ou filha) de ... ", se não
for mencionada sua· condição de viúvo (a), por exemplo.
- Sexo: M (masculino) ; F (feminino) ; X (não indicado, / Esta última observação é também aplicável às atas dos
impossível de determinar). · enterramentos.
- Legitimidade: L (legítimo); J '(ilegítimo; é melhor não usar _ Jnfomu.içclv sobre os pais: ss (pai e mãe vivos no momento
· a letra I que às vezes pode ser confundida com um 1 do casamento); ds (pai morto, mãe viva); sd (pai vivo,
manuscrito); X (impossível de determinar). niãe morta); dd (ambos mortos). Estes dados somente
- Etnia e condição: havendo dados a respeito, é melhor trans~ são anotados a respeito do,s que se casam pela primeira
crevê-los por extenso, salvo se os registros forem tão bem vez.
conhecidos que se possam prever todos os casos possíveis: - Idade: havendo dados sobre a idade dos cônjuges, oü sobre
assim acontecendo, pode-se elaborar um código para estes a data de seu nascimento, devem ser anotados, reservando-
pontos, com. o cuidado de não usar símbolos já empre- se para isto colunas correspondentes na folha (a idade é
gados para designar coisas ·diferentes. O mesmo é aplicável transcrita apenas com o número de anos, mesmo que o
às folhas de casamentos e de óbitos. registro diga "24 ano·s e 3 meses", por exemplo).
- Naturalidade (ou lugar de reJidência): d.p. ( des,ta paró-
Se as atas revelarem a idade das mães - o que é raro mesmo
quia) ; transcrever os nomes das l~calidades (ou países)
na Europa - é necessário prever uma coluna para anotá-la. Sendo
possível determinar os casos de crianças nascidas mortas, ou aban.. de origem ou residência, caso os cônjuges (ou um só de-
danadas etc., isto deve ser inscrito na parte reservada a "outras les) nãcl sejam da própria paróquia em que a ata foi lavra-
informações ou observações". da; as indicações relativas a localidades situadas no interior
da referida paróquia serão transcritas na coluna resel"Vada
Afinal, como observa, Sánchez-Albornoz, é comum em certas
paróquias latino-americanas o fato de algumas crianças - morrendo a "outras informações ou observações". XX significará
sem batismo - não figurarem nos registros de batismo, mas com- que não há informações sobre a: naturalidade ou lugar de
residência. Estas observações aplicam-se, também. aos
parecerem no de el)tefro~: impõe-se, portanto, a comparação dos
óbitos.
dois registros e, verificados casos deste tipo, acrescentá-los aos bati-
Profissões: existindo dados a respeito, deverão ser anota-
zados: não fazê-lo levaria a erros consideráveis, até de uns 2-0% 40
dos em colunas reservadas à profissão- dos cônjuges (na
realidade, costuma constar somente a do marido)' de seus
40 N. Sánchez·Albomoz, ~l..es registres .. ., Cil. pais e das testemunhas.
168 169
1 ! '
170 171
ser processadas e contadas à parte (eventualmente pode-se pensar Figura.18:
na elaboração de fichas adicionais).
Os modelos aq~i reproduzidos são os que usamos na mencio- ficha-i·esumv oiwal de bati:,aclus, sc,~undv D. E. e. Eversley, C0//1
lj
anual, uma coluna para as anotações relativas aos meses de con-
cepção das crianças levadas à pia batismal, para que seja possível
traçar-se a curva mensal das concepções.
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Figura 20:
Figura 19:
Ficha resumo de enterros (mesmas observaçu-es d a Fig. 19)
Ficha-resumo anual relativa a casamentos (mesmas observações
da Fig. 18)
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174 175
!'íil''I"",
Ficha-resumo geral de batismos (c/msma observaçílo da ·Fig. 18). ficha-resumo geral de casamentos (mesmas observações da Fig.
18 e 21)
Em ~ada ficha caber~o os dados relativos a 15 anos; a quantidade
de fichas dependerá, naturalmente, da extensílo do período estudado.
FICHA-RESUMO GERAL
PAl!ÓQl:lA: Periodo
.,,,.-.- ----- - ----.~--
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L~gí1. llf:gÍt. Turais Todos o~
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176 177
Figura 23: Figura 24:
,\.1ovimento anual dos óbitos da paróquia brasileira de Nos~a Se-
Ficlui-remmv geral dos óbitos (mesmas ob~·ervações das Fig. 19 e 22)
nhora da Luz de Curitibçit (Século XIX)
700
600
500
400
300
200
IOO
e ...
·.: ... -+-t-t-t-+--+--+-l-+-+-+-+--4-J-l-~..J--I
~~
178 179
~"I'
ficadas no país ou regiao, no período em estudo, sua cronologia nela 11 m é o resultado da divisão da cifra bruta relativa à
e extensão, comparando as curvas demográficas com as dos preços variável considerada no mês m, pelo número de dias do
dos alimentos básicos e, sendo possível, com as curvas salariais ·n mesmo mês; N é ,ª son;a dos 12 val~res de n para os 12
(Ver a~ Fig. 5, 6, 24). meses do ano; x e o numero proporcional relativo ao mês
m, que procurávamo~., Tais cálculos serão. feitos ano por
ano e para cada vanavel (concepções, casamentos e óbi-
29) Elaboração das curvas mensais de concepções, casamentos tos). Vejamos como trabalhar um exemplo concreto: supo-
e óbitos (movimento estacionai) nhamos que os óbitos ocorridos no ano de 1746 em dada
paróquia, tenham sido 100. Teremos, então: '
Os dados provêm das fichas-resumo anuais, das colunas rela-
tivas aos totais mensais (Fig. 18-20). 100
f:.particularmente importante elaborar tais cm vas para os anos 3,2 (média diária de óbitos em janeiro)
de crises demográficl!s, comparando-as com as curvas relativas aos 31
anos normais anteriores e posteriores para verificar a intensidade e a
cronologia das crises e verificar se os pontos culminantes da curvi:. Imaginemos qué para o referido ano N seja igual a 25, 70.
de cada variável coincidem, ou não, nos mesmos meses de anos O número proporcional relativo aos óbito~ de janeiro de
distintos; deve-se relacionar o movimento sazonal observado com 1746 será, então:
as variações climáticas vinculadas às estações, colheitas e preços.
Como os meses têm variável número de dias, toma-se necessá- 3,2 :..: · x janeiro x janeiro 3,2 X 1200 149 ( desprezan-
rio calcular a média dos fatos demográficos - nascimentos (ou 2.5;70 1200 25,70 do-se os
concepções) casamentos e óbitos - por dia e, a partir dos resulta- decimais)
dos apurados, chegar ao cálculo dos números proporcionais por
mês, que sérvirão, precisamente, para traçar as curvas. Procede.se Depois de calculados os números proporcionais relativos
do modo seguinte com os dados relativos a cada variável: às concepções, casamentos e óbitos de um ano dado pode-
mos t~açar as curvas do referido ano. Naturalmente, a curva
divide-se· por 31 as cifras rel,ativas a janeiro, março, maio, de concepções . - que devem ser preferidas aos nascimen-
julho, agosto, outubro e dezembro; por 30 as de abril, tos por serem muito mais prontame11te afetadas pelos fatores
junho, setembro I! novembro; por 28,25 as de fevereiro de crise - calcula-se a partir dos dados dos batizados
(se o período considerado contém 1/4 de anos bissextos; do realizados nove meses mais tarde:
contrário será necessário fazer a média. dos dias de feve- neste caso os anos começam, para efeito dos números prC>-
reiro durante todo o período); procionais, em outubro do mesmo ano e terminam em se-
somam-se os 12 números assim obtidos; tembro do ano seguinte. Exemplo: os números proporcio-
calculam-se os números proporcionais para cada mês se- nais relativos às três variáveis serão calculados, digamos
gundo a seguinte equação: para 1830, a partir dos dados seguintes:
nm = Xm nm X 1200
concepções: batizados de outubro de 1830 a setem-
N 1200 N
bro de 1831, tirados das fichas-resumo anuais de 1830
e 1831 (porém na curva representarão as rnndições
41 Katia M. Q. Mattoso e Johildo L. de Atrayde, informe cit. de janeiro a dezembro de 1830); -
180
181
casamentos: umoes de janeiro a dezembro. de 1830; das idades dos cônjuges que casam em primeiras núpcias. Cal-
óbitos: enterros de janeiro a dezembro de l83Q. cular, também, a idade mediana; quer dizer, . de tal modo que a
metade dos casamentos fique situada antes e a outra metade de-
pois. Exemplo (tirado de Fleury e Henry): entre 126 casamentos
39) Freqüência dos nascimentos ilegítimos em primeiras núpcias há 57 antes dos 21 anos, e 10 aos 21 anos:
isto significa que, como 67 dos 126 casamentos ficam antes dos
Podemos calculá-la para qualquer mês, ano ou qüinqüênio do 22 anos, a idade mediana estará compreendida entre os 21 e os
período estudado (os dados serão encontrados nas fichas-resumo 22 anos e será igual a:
anuais, ou gerais, de batizados), pela seguinte fórmula:
63-57
n<.> de batizados de filhos ilegítimos X 1000 21 + 21,6
10
n<.> total de batizados
Infelizmente, é rara a indicação da idade dos cônjuges.
Em geral, basta calcular esta freqüência cada 20 ou 50 anos
para verificar como variará. 42
5<? Mortalidade infantil
49) Freqüência de casamentos em primeiras e segundas núpcias; Não havendo uma taxa de 1m1gração líquida demasiado alta,
idade média dos cônjuges que se casam em primeiras a taxa de mortalidade infantil é calculada pela seguinte fórmula:
núpcias
Elaborar um quadro, com os dados tirados das fichas-resumo N<? de óbitos de crianças de 0-12 meses, em dado p·eríodo X 1000
gerais de çasamentos, sobre o estado civil dos cônjuges, organi-
zando tais dados em cinco colunas: 1) anos; 2) n9 total de N'! de nascimentos no me!:r'mo período
casamentos; 3) casamentos em primeiras núpcias para ambos os
cônjuges ( % ) ; 4) casamentos em que o noivo é viúvo ( % ) ; Os dados para o cálculo desta taxa - por ano, período ou
5) casamentos em que a noiva é viúva · ( % ) . qüinqüênio, etc. .:_ serão obtidos nas fichas-resumo gerais de ba-
·Calcular, segundo as informações contidas·· eventualmente nas tizados e enterros.
folhas de recolhimento de dados sobre casamentos, as médias anuais
6<? Idade e estado civil dos mortos
42 Novamente, insistimos na grande ·importância dos nascimentos ilegíti·
mos no caso da América Latina. Eis aí, por exemplo, as taxas de batizados Se as atas de óbitos registrarem dados exatos quanto à idade
de crianças ilegítims por cem nascimentos, (população livre), em São Paulo dos mortos, o que é raro, será possível indicá-la por ano de
segundo Maria Luiza Marcílio (La Ville de São Paulo.' .. , tese cit., p. 183):
idade de O a 9 anos; depois, por grupos qüinqüenais de idade
1741/1755: 10,24 (10-14, 15-19, etc). As cifras serão tiradas. das folhas de coleta
1756/1770: 18,28
1771/1785: 20,97 dos dados sobre óbitos.
1786/1800: 21,08 Será também calculada, em diversos momentos do período
1801/1815: 26,26
1816/1830: 30,15 estudado (de 5 em 5 anos, de 1O em 1O anos, etc.) a média
183111845: 31,49 de idade· dos mortos: somam-se as idades individuais (zero para
Con.iunto: 23,20 as crianças de menos de um ano) e divide-se o resultado pelo
182 183
número de óbitos. Já vimos que, em certos casos, só será possfvel paroquiais, preenchendo-se fichas de batizados, casamentos e . en-
trabalhar · com indicações vagas a· respeito ~ inocente ( párvulo) terros que contenham os no~es e sobrenomes pas pessoas men-
criança, . àdulto, etc. cionadas (crianças nascidas, seus p,ais e padrinhos; cônjuges, pais
Afinal, entre os mortos adultos - de mais de 15 anos - e testemunhas; mortos e seus familiares)., para, em outra fase. da
pode ser calculada a proporção de solteiros, casados e viúvos, pesquisa, organizando tais eleme_ntos mediant~ fichas familiares
tendo-se o cuidado de lndlcar, também, os dados impossíveis de que tenham como ponto de partida os casamentos realizados na
precisar; Os dados serão tirados das fichas-resumos gerais de paróq:1ia, chega~-se à reconstituição das _famílias da paróquia em
óbitos. Na realidade, quando for possível saber a idade, o mais questao, no penado em ·estudo, com o fim de proceder-se a uma
análise demográ{\ca em profundidade. ·
interessante será estabelecer a freqüência do celibato definitivo,
entre os mortos de 50 anos ou mais. As vantagens deste método são as seguintes: 1) é o único
que permite a análise pormenorizada da fecundidade, principal-
mente matrimonial, e das condições da nupcialidade, fatores · ex-
79 Outros aspectos a estudar
plicativos essenciais; 2) mais do que o método das contagens
Conforme a riqueza dos registros, ainda será possível. obter globais, este conduz. a um estudo que além de demográfico é
informações sobre vários outros aspectos: freqüência das assina- amplamente social; 3) afinal, todos os resultados a que se pode
turas. da menção· a certas profissões e dados sobre a etnia e a ·.chegar com o "método inglês" serão alcançados, mais minuciosa-
condição, o lugar de origem e de residência (que permitem ter-se mente e com maior precisão, mediante a reconstituição de famí~
uma idéia sobre as tnigrações) . lias.
Quanto à freqUência das assinaturas e das profissões, quando As desvantagens referem-se, antes de tudo, à enorme quan-
é possível estudá-las, basta em geral fazê-lo através das aras mais tidade de recursos, tempo e trabalho que se exige para a aplicação
ricas em in,~ormações: as referentes aos casamentos. do método franc6s; é possível reduzi-la reconstituindo apenas uma
amostra das famílias da paróquia. Entretanto, no caso da Amé-
rica Latina há problemas de outra· natureza. O método de recons-
tituição de fmílias é útil, principalmente, quando reunido um certo
número de condições, relativas a uma estabilidade e homogeneida-
de (étnica, religiosa, etc.), bastante grande da ·população estudada
a
à presença e estabilidade dos sobrenomes, a uma certa conçep-
E. A pesqutsa dos regtstros paroquiais: 2) o .Ção de família, a uma fecundidade ilegítima relativamente peque-
método da reconstituição de famílias na. Mlisi na América Latina, o peso da imigração e da mobilidade
poplilaCionai, a heterogeneidade étnico-social refletida em compor- ···
tametttos demográficos divergentes, a coexistência de concepções
diferêtttes de famítia (ma trilinearidade em certos grupos indígenas,
ertt contradiçãd com o sistema familiar europeu, por exemplo)
O método de reconstituição de famílias, sistematizado por M. levam, às vezes, à inexistência - por exemplo entr~ os éscravos
Fleury e L. Henry, baseia-se na coleta de dados. dos registros - oü ll uma grande instabilidade dos sobrenomes e à grande
43 A descrição do método de reconstituição de familias será feita se- 1~3-161; E. A. Wrigley; HFarriily Reconstruction", em Att Jr:rwd~~ction .. ,
aunndo: M. Fleury e· L. Hénry, Nouveau 11Ulnuel ... cit., pp. 33-42.. 117-131 c11 .. pp. 96-159.
184 185
quantidade de filhos ilegítimos: todos estes sendo fatores que po- DA TISMO Dara da ata
Ficha•'---
NY d• Ord. _ _
dem pôr eJll dúvida - exceto em certos casos privilegiados e, em Data do nâscimento doe,
Natural de
Natural de
~"'ós maternos
Natural do
2. PRIMEIRA ETAPA: COLETA DOS DADOS EM FICHAS
Natural do
Obsena(ões Paróquia
Vila/cidade
186 187
,,
Figura 25: Figura 26:
:1
Ficha de ,casamento, segundo o modelo Fleury-Henry, adaptado à ficha de óbito, conforme modelo Fleury-Henry, adaptado à do-
I,',;
cumentação .brasileira. por Maria Luiza Marcílio.
documentação brasileira por Maria Luiza Marcílio. A ausência de
dados relativos às testemunhas deve-se aos mesmos motivos'expos-
tos a propósito dos padrinhos (FIG. 24-A). O dados referentes a
avós paternos e maternos (também presentes nos atos de batismo) ÓBITO
não costumam comparecer nos registros europeus; sãó de grande Ficho n • - - -
D111 do 111 N• de Ord. -·_
utilidade para a reconstituição de famílias. NÂo são ano'tados dados Dala da morle doe.
sobre assinaturas ( dem"asiado raras).
Nll01C
Idade Profissão·
N11ural de F.tnio
Causa mortis
U•re / l.iberto /E~;. de
l.ugar onde morreu
Fil.':ha n' ----- Exposto na casa de -·
o... - - - - - - - N• Ord. Doe. - - -
Avós palcrno1
E.,...
Nat. k - - - - -RnWmte
--- .. - - - - Nat. d e - - - - - - -
Eu.lo .... -·_ . . _ _ _ __
Lhrit/Ukrto/Ucr. •
Nai.dc _ _ _ _ _ __
!.!lli2
.. De
• Na1. • - - - - - - - Avós maternos
N111. de _ _ _ _ _....;.._
Fll.HO/A De
l Nalurol de
\'tino de
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Nas.•------- }'I••· de-----'----
l."!lfl.
l.ivre/liberlo/Escr. de
Etnia
Nal.
Sat.• l..W.le•
Avó1 paternos
Nat. de _ _ _ _ _ __
•De
Natural d.-
Ealla
ll•rt/l.AwÍo/EKr....
.........- - ' - - -
Nal. de __..;..._____ l.irre/liberta/escr. de
Fll~o 1 De
de-"------ i-----------------
N11.
lqsn • Avót malcrnot E1ni•
Pliiat. e
Vila/c:idada
P•róquill
Livro 1 Pa1in• OBSERVAÇÕES
'Vil•/Cld•de
'.
l.ivro PigiH
188
189
~'
que lhes atribuir a ata: doutor, professor, mestre, etc. Uma cruz dentro de um envelope plástico transparente - no caso da ficha
deve ser desenhada ao lado de uma pessoa morta (por exemplo, original - tratando-se das duplicatas das fichas de casamentos,
a mãe ou o pai de um dos cônjuges) . Quanto à transcrição proceder da mesma forma m.as acrescentar as fichas de batizado
das idades, seguir as regras indicadas anteriormente. Também, nes- e de enterro da. esposa. Assim, teremos em cada pasta, em pri-
te caso poder-se-á abreviar a indicação "desta paróquia" (d. p. ) , rneiro lugar, a ficha de casamento, em seguida, a de batismo e,
acrescentando qualquer indicação a mais que esteja no documento finalmente, a de enterramento. Se a pessoa em questão casou-se
original. f:. necessário agir como já recomendamos nos casos de· rnais d~ uma vez, .colocar em sua pasta as respectivas fichas, ou
indicações de óbitos feitas, simplesmente, às ma,,rgen~ das atas as ·duphcatas (~el~ ordem da celebração das bodas). Se uma ficha
de batismo: cada uma provocará a elaboração de uma ficha de de cas~mento md1car qu~ um dos cônjuges é viúvo(a), embora
óbito. A precaução relativa às crianças enterradas sem batismo não seja encontrado registro do ato deste matrimônio anterior,
também é ·i·ndispensável. deve-se preencher uma ficha (ou duplicata) relativa a tal casa-
Concluída a coleta de dados, encher-se-á uma duplicata de rnento.
cada ficha de casamento, com todas as indicações referentes à
esposa e apenas o nome e o sobrenome do marjdo. Estas dupli-
catas servirão para classificar o casamento sob o nome da esposa, 3<? Como preencher a parte superior das fichas familiares
além de fazê-lo pelo nome· do marido. (informações relativas aos pais)
29 Constituição dos · expediemes . relativo.1· às pessoas que Para cada ficha familiar, cuja parte ·superior esteja quase
casaram na paróquia estudada preenchida, procurar na coleção de fichas de batizados - ou nas
pastas das pessoas casadas, que contenham tais fichas - as fichas
Apanhar, uma por uma, as fichas de casamento, a cada qual das crianças nascidas da união. Procurar saber, também, na coleção
acrescentando a ficha de batizado e de enterramento do marido, de pastas de pessoas casadas que não contenham fichas de bati-
190 19 [
1 i
Figura 27: .,ados, e na de óbitos, se não haverá filhos desta umao
Ficha de Jamilia,, segundo E. A . Wrig/ey (An lntroduction . .. op .. ~ascidos fora da paróquia, cuja filiação esteja indicada em uma
dt., p. 126.)• ficha de casamento ou d.e enterro. Seguindo a ordem de nasci-
mentos, preencher as linhas correspondentes a cada filho(a), a
partir dos. ~ados proporcionados pelas respectivas fichas batismais,
matrimomais ou de enterro; usar uma codificação semelhante à
indícada para as folhas de coleta de dados a que nos referimos
a propósito do método inglês; M, F, X (ma,sculino, feminino, im-
possível de determinar) quanto ao sexo; S, C, V, CV, X, (soltei-
ro(a), casado(a), viúvo(a), casado(a) ou viúvo(a) impossível
..................., {
- - - - - - - - . ·_ - - · - nonssAo
de determinar) para o estado. cjvil ao morrer. Indi~ar os casos
"'"'º"º _____ L_______ _ r-.• ---- -- -- ----- ..... -----------
.,.. ..,_ - -- .... -......... . de crianças nascidas mortas. Quando um dos filhos casou-se mais
..... {-- -------------- ---_.- ---- .......................... -- de uma vez, inscrever apenas a data das primeiras núpcias, indi-
cando o número da ficha relativa ao casamento seguinte (ou os
e-
ESPOSA - - - - - _I - --{'........,
1 <'...._.._ - -. - DAT45 O.. 1-. 2 • _._,,,_ das fichas, se for o caso) .
~ n.•...._P.~
_"_·_·_.._..___,1---_-_-1~ ;;_ ..... e---.
lliilldl99 =- '""" i--1
tsl'ClSO
- -
-·1----+---+--+--i---.l--.l------il----
• t----+---+--+--+---+--+------il----
- talvez a da noiva - ou chegaram à paróquia estudada na
condição de · imigrantes) .
-
-----+--+--+--!~ -
M- 1--+-+-I~ _
T....
,.,...~--...___.._,
--
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1
1----+---+--1-4----1--1-----i----
1---4---1--1--+---+-+----+---
-'i----i----+--+--+---+--1------il----
-"1----+---+--+--+---+-1------11----
As fichas relativas a filhos ilegítimos conduzirão, também, à
feitura das fichas familiares; se o pai for desconhecido., indicá-lo
no espaço correspondente.
---- _uf---+---+--+--+---+-f----1----
---- __ 121----+---+--+--+---+--1-----1----
- ~ - u 1----l----i--i-4---.1--1-----1----
1Q Operações prévias
1.92 193
ração do casamento ao nascer cada filho; 3) intervalos inter- atas matrimoniais e mortuárias não indiquem as Ídades dos côn-
genésicos; 4) número de filhos, no total e por sexos; 5) even- juges mortos, estas podem ser deduzidas a partir das fichas de
tualmente, o intervalo entre o fim de um casamento e a nova batismo correspondentes.
união do cônjuge sobrevivente. Com estes cálculos obtém-se a Será possível o estudo das famílias segundo o número de
informação necessária para completar as fichas de família. As ida- filhos: a fecundidade legítima poderá ser examinada em todos os
des - salvo as das crianças mortas entre O e 12 'meses - e seus pormenores; tornar-se-á exeqüível a elaborarão rle tabelas
as durações das uniões serão indicadas em algarismos redà'ndos; de mortalidade relativas ao 10 ou 15 primeiros anos de! vida,
a duração do casamento por ocasião do nascimento do primeiro segundo os dados atinentes aos óbitos de crianças, separando·se
filho, a duração da viuvez e os intervalos intergenésicos serão cal- a mortalidade infantil ·endógena e exógena. ·
culados em meses, como as idades das crian_ps mprtas antes de Os dados relatiyos a assinaturas, profissões, etnias, condição,
completado um ano de idade (em dias para as que tiverem mor- ou lugar de origem e de residência possibilitam interessantes aná-
rido com menos de um mês) . lises de história social e proporcionam alguns conhecimentos sobre
Calcular, depois, a taxa de fecundidade legítima, pelos grupos 05 movimentos migratórios.
de idade das mães, aplicando a fórmufa:
29 Estudos possiveis
194 195
l
39 Divisão por idades e sexos
população, característicos da fase proto-estatística: lista" nominati-
vas de habitantes, censo propriamente ditos, censos de tributários,
Quanto à repartição da população pelas idades, podemos clas-
padrões eclesiásticos, etc. Os critérÍos de elaboração é apresenta-
sificar esta última segundo critérios diferentes:
ção dos dados, o grau de ~onfiabilidade destes, a fração popula-
cional compreendida nas contagens e a riqueza da informação va- jovens: 0-19 ano'S
riam muitíssimo de documento para documento; na maioria dos adultos: 20-59 anos
casos será impossível fazerem-se todos os cálculos e análises que velhos: 60 anos e mais
trataremos· de resumir aqui, e o pesquisador terá de contentar-se Crianças: '0-14 anos
com os aspectos cujo enfoque seja admitido pelo tipo de fon- Pcpulação em idade ativa: 15-64 anos
tes de que se pode dispor. Velhos: 65 anos e mais
Figura 28:
Quadro destine.do a recolher alguns dos dados brutos de uma lista
nominativa, ou documento semelhante.
2. FASES DA EXPLORAÇÃO
Nos melhores casos, os documentos de que tratamos pro- (MRIJI) SoltclroH C'usudos Viúvos Toi.1 Sohl'lrH c ...d.. VIUnt!i Toi.I
l
!
1,
198 199
8"' QUADRO 6:
Divü.ifu conforme o sexo. a idade e o estado civil
da população de Sainghin-Melantois (França) em
18Sl "
Idade Sexo masculino Sexo feminino
(anos) Solteiros Casadas Viúvas Conjunto Solteiros Casadas Viúvas Conjunto
NOTA: ~. sobretudo, no caso de uma população muito pequena que convém estabelecer os grupos
etários apenas decenais e não qüinqüenais (para reduzir as flutuações aleatórias).
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chefes de família (fator segundo o qual varia muito o número entação pode permitir outros tipos de divisão populacional,
Ill
de filhos). A partir de tais dados., é possível calcular o número cu ' . . . (b rancos, escra-
ao distinguir, por exemplo, estratos etmco-socia1s
médio de filhos vivos por família, no total ou por grupos de vos, libertos, índios, "castas", etc.). , Ta?1b,é~ neste~ c~so o est~do
idade dos chefes de família. demográfico vincula-se amplamente a b1stona econom1ca e social.
Quanto ao lar (ménage em francês), estatisticamente trata-se
de um grupo de pessoas vivendo em comum, seja sob a autoridade
de um mesmo chefe, seja em uma mesma habitação. Um lar pode
compreender várias famílias e as pessoas que o compõe podem
ser vinculadas por laços de diferentes tipos (parentesco, amizade,
vínculos domésticos, pensionários). É interessante classificar ós la-
res pelo número de chefes de famílias; os· lares sem chefe de a. Conclusão
família compreenderão, assim, os solteiros que wvem sós, os c~n
ventos, etc. Por outro lado, é evidente que os conceitos de família
e de lar variam conforme as sociedades e as épocas. No Brasil
dos séculos .coloniais - e mesmo no século XIX - uni lar
(fogo) compreendia, freqüentemente, uma ou mais famílias viven-
do sob a autoridade de um mesmo chefe, mais duas categorias Concluindo este capítulo gostaríamos de chamar a atenção
que não há na Europa: os escravos e os "agregados às casas" para certas facetas que nos podem valer censuras e de que esta-
- pessoas que viviam sob a proteção do chefe do lar e que mos plenamente conscientes. .
eram de tipos· muito variados (órfãos agasalhados, parentes pobres, Primeiramente, o caráter incompleto da apresentação que fi-
pessoas com profissão e até proprietárias de escravos, etc). Claro, zemos da história demográfica. Não é tarefa simples reduzir às
tais peculiaridades refletem-se nas pesquisas feitas a partir das proporções de um capítulo os aspectos essenciais de um dos ra-
listas nominativas e documentos assemelhados, do Brasil; a análise mos . mais dinâmicos da pesquisa histórica. Ao tentar realizá-la
torna-se econômica e social, além de demográfica, pois é possível vimo-nos forçados a fazer cortes, sacrifícios e opções - e não
distinguir lares com ou sem escravos, com muitos ou poucos es- são poucos os aspectos, r~lativos à problemática ou aos métodos,
cravos, etc. 4 J p:,tos de· lado ou insuficientemente tràtados. Este texto pretende
ser apenas uma iniciação ao assunto, d~ ·modo algum substitui
a leitura da bibliografia citada nas referências.
69 Divisão sócio-profissional
Em segundo lugar, sabemos que .muitas passagens deste ca-
As listas nominativas e documentos análogos contêm, às pítulo são resumos - às vezes até paráfrases - de partes subs-
vezes., dados sobre a profissão - em geral só no referente à po- tanciais de alguns tratados e manuais europeus mais importantes.
pulação masculina. Conforme a riqueza e a natureza das infor- Mencionamos isto sempre, certamente; nas notas. Parece-nos que
mações, e segundo o critério do pesquisador, tais dados poderão um manual de objetivos exclusivamentê didáticos, como este, não
ser organizados de diferentes modos: por ramo de atividade; por precisa ter pretensões a originalidade. Nossa intenção no presente
profissão; pelas categorias sócio-profissionais (ex: profissões Hbe• capítulo foi, singel.amente, a de pôr à dispo~ição dos estudantes
rais, proprietários agrícolas assalariados, etc.). Além disto, a do- latino-americanos alguns dos instrumentos de· trabalho mais im-
portantes elaborados pelos historiadores demógrafos nos últimos
anos. E nada mais, . salvo a preocupação de insistir nas peculia-
45 Ver os informes citados de Maria Luiza Marcílio, Tendences et es· ridades da · América Latina e nas conseqüênciaL daí resultantes,
truct11res des ménages ... e de Maria Bárbara Levy.
necessariamente, para a pesquisa.
202 203
Nosso esforço concentrar-se-á em indicar as áreas de pesquisa mais
importantes, ou menos exploradas, com seus problemas peculiares;
a bibliografia mencionada constituirá um ponto de referência ou
de exemplificação, sem ter pretensões a ser completa.
De ·um modo geral, pode-se dizer que conhecemos muito
melhor - do ponto de vista propriamente histórico - a história
econômica colonial da América Latina do que a dos séculos XIX
e XX. Por muito tempo, os historiadores tradicionais da região
acumularam, em lento e valioso trabalho de erudição, obras gerais,
bibliografias, publicações de documentos e grandes coleções de
fontes impressas sobre o período que mais os fascinava: o da co-
lônia. Embora raramente se caracterizassem por uma preocupa-
ção específica com o econômico, legaram-nos, mesmo assim, im-
portantíssimo. acervo também referente aos fatos econômicos, à
legislação e à política econômicas, etc. Se juntarmos a isto o fato
CAPlTULO V dos arquivos latino-americanos - organizados quase sempre por
(ou sob a direção de) · historiadores (profissionais ou não) de
perfil tradicional - estarem melhor catalogados no relativo à época
da colônia, é fácil concordar com Enrique Florescano, qu"1ndo
ele afirma que o historiador econômico da Colônia vence seu
PROBLEMATICA DA HISTÓRIA ECONÔMICA DA período de estudos "com muito maior segurança e rapidez do que
AMltRICA LATINA os colegas ocupados com outras épocas." :i
Embora seja certo que tanto a história colonial como a da
etapa de independência política sofreram, e sofrem, o impacto re-
novador dos trabalhos dos economistas e sociólogos (Celso Fur-
tado, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Osvaldo Sunkel
e Pedro Paz, etc.), importantes porque colocam uma nova próble-
A. Generalidades
mática, os historiadores da colônia criticaram e assimilaram, às
·vezes, tais contribuições juntamente com a nova metodologia che-
gada da Europa e dos Estados Unidos, e passaram a utilizá-las em
Fique bem claro que não tentaremos fazer, no presente capí- uma produção propriamente histórica; enquanto isto, em relação
tulo, uma espécie de resumo da história econômica latino-ameri- aos séculos XIX e XX pouca coisa encontramos além de hipóteses
cana, muito menos uma análise pormenorizada da bibliografia re-
cente - felizmente já bem considerável - dedicada ao ramo. 1
The Journal of economic History, XXXI, março de 1971, pp. 222-253; a
parte relativa a bibliografia e documentação do 'livro de F. Mauro, l!ex-
pansion eurnpéenne. . . cit., (tradução para o espanhol: Barcelona, Labor,
1 Ha algumas análises e listas bibliográficas úteis. Cf. sobretudo os dois 1968) também é muito útil.
rnlumes de: La Historia E~·onómica en América Latina, cit.; Frédéric Mauro,
"La historia cuantitativa de Iberoamérica", cm Atldntida, VII, n.• 42, no- 2 Enrique Florescano, "La historia económica de la época colonial en
\ cmbro-dczt:mbro de 1969, pp. 592·604; Stanley J. Steln e Shane J. Hunt, América Latina; desarrollo y resultados", em La ltistOl'ia económica en
"Principal currents in the Economic Historiograp~y of Latin America", em América Latina, cit., II, pp. 11-81.
205
204
de 1rabalho propostas, por exemplo, pelos "sociólogos da depen-
outras fontes que pernutem reconstituir séries de· preços., salários,
dência'' e por Celso Furtado, exceto trabalhos de feição tradicio-.
etc.
nal ou tentativas grosseiras e acríticas de transplante direto de pro- Quanto ao tema das dificuldades e insuficiências do trabalho
blemáticas e técnicas da econometria retrospetiva européia ou no campo da história econômica latino-americana - que leva,
norte-americana. O que há de melhor sobre a história econômica naturalmente, ao das prioridades desejáveis na pesquisa - devemos
contemporânea do. subcontinente é obra de estrangeiros - princi- con~tatar, primeiramente, a forma anárquica . e esporádica de se
palmente norte-america1ios - o mesmo podendo ser dito de boa desenvolverem os trabalhos, o que dificulta sua progressão lógica
parte da história política de melhor qualidade. Porém, é justo e a coordenação de esforços. Os que se dedicam à história econô-
acrescentar que. os historiadores norte-americanos trabalham em mica, nos países ibero-americanos, têm poucas oportunidades de
condições privilegiadas tendo, inclusive, não raras vezes acesso, se reunir para o debate dos problemas metodológicos e de suas
nos· países latino-americanos, a acervos documentais recentes cuja possíveis soluções e para a avaliação crítica dos resultados obtidos
consulta é negada aos historiadores nacionais: estes só podem con- e a comparação de planos e realizações. Por outro lado, as inova-
sultar tais fontes quando encontram um modo de se valer das cole- ções metodológicas não são introduzidas homogeneamente nos
ções microfilmadas que as universidades e bibliotecas norte-ámeri- ambientes acadêmicos do subcontinente: alguns núcleos dinâmic0s
de pesquisa situam-se em poucos países· - nos demais a história
canas têm delas ... ª
tradicional segue predominando cabalmente. Passando da questão
A renovação metodológica e conceituai da história econômica
da organização dos trabalhos à de seus pressurmtns teóricos, temos
passou a colocar o problema documental de modo diferente, tam-
de repetir algo muito importante já afirmado em capítulo anterior:
bém em relação à América Latina. Fontes de novo tipo foram des-
a inexistência de uma verdadeira teoria econômica das estruturas
cobertas e usadas, caracterizando-se sobretudo por sua natureza e conjunturas histórico-econômicas peculiares da América Latina.
seriada: registros da Casa de Contratación de Sevilla, documentos Quanto à temática, finalmente, há lacunas. que é imperioso preen-
referentes ao dízimo, livros contábeis de· conventos e hospitais; e cher: por exemplo, a insuficiência de estudos relativos às técnicas
de produção, aos diferentes tipos de mercados, às produções a
3 No colóquio internacional de Paris sobre a história quantitativa do eles vinculadas, e às unidades típicas de produção - fazendas,
Brasil (outubro de 1971), certos trabalhos evidenciavam o desejo de trans· minas, plantações, indústrias .. , - observadas a partir de um ponto
por, acríticamente, para o caso brasileiro a metodologia e a problemâ- de vista micro-econômico.
tica da ciência econômica atual, ao modo da '"história quantitativa• de
Marczewski. Uma tendência anâloga, surgida no colóquio de Roma sobre
história econômica da América Latina (setembro de 1972). provocou vio-
lenta e, a nosso ver. justificada, reação do professor Ruggiero Romano.
Quanto às interpretações do processo histórico-económico latino-americano
feitas por economistas e sociólogos, são freqüentes duas posições antagô-
nicas: alguns dos chamados "intelectuais de esquerda" cos'tumam enamo-
rar-se de tais interpretações, desapercebidos de que são interess.antes
edifícios de hipóteses cuja comprovação histórica não existe; alguns his-
toriadores de novo perfil, muito propensos a um entúsiàsmo exclusivo e
pouco crítico pela metodologia européia e norte-americana, mantêm -
contrariamente - uma atitude negativa ou de desconfiança ante algo que
não sabem como integrar a seus marcos de referência, e não percebem o
esforço que representa no sentido de uma elaboração teórica especifi·
camente latino-americana. Em ambos os casos, fica afastada a possibi·
!idade de comprovar as hipóteses, levantadas pelos economistas e soció-
logos. através de pesquisas históricas.
206
207
·r-·-
B. A época colonial vilegiadas sobre cujas atividades e constituição dispunha ele meios
de intervenção, de todas as maneiras.
A política comercial e colonial tornou-se um elemento essen-
cial da atuação dos Estados modernos, fato que cumpre focalizar
em uma perspectiva ~p.ternacional de rude concorrência e de ten-
tativas de aplicar políticas de hegemonia marítima ou continental.
1. CONTEXTO GLOBAL: EXPANSÂO COMERCIAL Isto quer dizer .que a história da colonização moderna (séculos
E COLONIZAÇÂO ~ XVí a XVIII, principalmente) é inseparável de um contexto euro-
peu muito complexo. Cumpre, portanto, considerar constantemente
grande número de fatores de importância explicativa primordial:
conteúdo social dos Estados, grau de evolução econômica e finan-
A colonização da América foi condicionada por seu caráter de ceira de cada país metropolitano, sucessão de etapas conjunturais,
corolário da expansão marítima e comercial da Europa. Constituiu, poderio militar - e principalmente naval - dos diversos países,
realmente, um dos aspectos deste último processo: sem dúvida o posição social e política da burguesia mercantil, em cada caso,
mais complexo e, também, marcado com o selo da "revolução ratares determinantes das políticas coloniais, etc. Tais elementos -
comercial" dos séculos XV a XVIII, cujas marcas eram muito e outros da mesma natureza - não apenas definem relações de
visíveis na vida econômica das colônias. Por outro lado, para bem torças que interessam à evolução .das áreas metropolitanas, às
situar , a questão deve-se -ter em conta, ainda, outro elemento de rivalidades e conflitos comerciais e coloniais das potências euro-
muita importância: os vínculos existentes na Europa entre os mer- péias, mas ainda condicionam a história interna) das colônias e
cadores - no artlplo sentido que se ajustava ao termo na época podem, muitas vezes, chegar a determiná-la. · .
focali~ada __:_ e os Estados centralizados de feição moderna. Tais Os traços mencionados refletem-se· na preocupação tributária
vínculos no,s interessam, aqui, apenas no atinente à expansão marí- que dominava o aparelho administrativo colonial - mais forte no
tima, à colonização e defesa das colônias. A inexistência, ao menos caso dos países ibéricos, porém nunca ausenfe - e se refletem,
no princípio, de formas de organização das empresas que permi- ainda, no setor do Mercantilismo ocupado com as relações com as
tíssem a concentração das enormes quantias necessárias, e o en- colônias: o que os franceses chamam de "exclusivo" e nós deno-
frentamento dos riscos inerentes às atividades marítimas e colo- minamos (impropriamente) de "pacto colonial". Este traduz um
niais, foi um dos fatores que levaram à associação do capital mer- dos aspectos centrais da- política e da vida econômica da era db
Mercantilismo: o monopólio. O mecanismo monopolista. do comÚ-
cantil e financeiro com os Estados para promoverem .a expansão
.cio colonial, manejado pela metrópole, permitia a prática da mani-
comercial e as tl'ntativas de colonização. A referida associação teve
pulação· dos preços d9s produtos importados e exportados pelas ·
importância mesmo quando o Estado não assumiu diretamente o
colônias; os mercadores. metropolitanos - ou alguns deles -;-
controle das ope_rações, preferindo entregá-lo a companhias pri-
constitu\am, em relação às áreas coloniais, ao mesmo terripo um
4 cr Fernando Novais, ·o Brasil nos quadros do antigo regime colonial", oligopólio e um oligopsônio, pois controlavam tanto as compras
cm Brasil ern perspectiva,, São Pauio, Difusão Européia do Livro, 1968, quanto as vendas realizadas pelas colônias .,-,- com isto aumentando
pp 55-71; apesar do título, trata-se de um resumo de toda a. problemá- a própria capacidade de acumulação de capital. Simultanea~ente, 'a
tica da colonização da América, com seus distintos tipos. Para uma aplicação, da exclusividade comercial favorecia o Estado, do ponto
visão de conjunto dos sistemas econômicos coloniais, rccomen.damos, ain-
da. duas sínteses recentes: Richard Konetzke, América Latina, li. La época
de vista fiscal ( adu~nas, percentagens sobre as· transações) e, só- .
cu/oriiul, ciL Stanley J. e Barbara H. Stein, La herencia colonial de bretudo, tendia. a orientar as estruturas econômicas da colônia no
América Latina, trad. de A. Licona, México, Siglo XXXI, 1971 (2a. edição>. sentido de uma complementariedade em relação às metropolitana~,
209
os fatores que condicionaram o processo genético-evolutivo
evitando o desenvolvimento de setores competitivos, com êxito de todas as sociedades coloniais da América; embora com
maior ou menor, conforme os casos. É verdade, entretanto, que o variações e graus diversos: o fato colonial; a conquista,
rigor do pacto colonial foi compensado e mesmo reduzido, na encarada economicamente como formação da base territo-
p1~áticú, por importante comércio ilícito ( entrelopo), pela pirata.ria, rial da colonização e como organização dos indígenas co-
e pela pressão dos interesses coloniais (que, às vezes, conseg.mam mo força de trabalho e massa sujeita a tributos; e o trá-
fazer-se ouvidos nas metrópoles), ou mesmo pela necessidade fico de escravos africanos;
derivada da manifesta incapacidade metropolita:-ia para atender a .- aspectos cuja incidência foi extremamente variável con-
crescente demanda colonial - o que levou a exceções como o forme as regiões latino:..americanas: características geográ-
asiento (concessão a estrangeiros para o tráfico negreiro em direção ficas e recursos naturais; densidade da população indígena
às colônias espanholas) e o navio de registro. 5 em diversas épC?cas; períodos, formas e tipos de coloniza-
Ao estudarmos a política metropolitana relativa às colônias não ção; posição relativamente ·às grandes correntes da nave-
devemos cair na "ilusão voluntarista", antes tão freqüente entre os gação oceânica, etc.
historiadores tradicionais - e que consiste em acreditar que as
estruturas coloniais resultaram, simplesmente, "das necessidades, de-
sejos e objetivos da potência imperial" u Conforme destacamos em
artigo recente, 7 tts referidas estruturas derivaram de vários tipos
de fatores:
2. Os fatores da produção
as características dos elementos postos frente a frente pela
colonização, quanto a nível técnico, organização econômi-
ca, financeira, peso demográfico, etc.; sem esquecer que,
19 - Os recursos naturais e sua apropriação
pol sua vez, cada um destes elementos - europeu, indí-
gena e africano - era heterogêneo;
Consideraremos somente dois dos principais recursos natu-
r;iis: as minas de metais preciosos e o solo.
No caso da América . espanhola, houve o saque dos tesouros
5 Sobre o Mercantilismo, o livro cle E. F. Heckscher, Mercantilisnz, 2
vai. Londres, 1955, (trad. para o espanhol: México, Fondo de Cultura Eco-
indígenas e a extração do ouro lavado .nas~ areias dos rios (que
nómica) continua sendo essencial como fonte de dados; ver a pequena predominou até cerca de 1560), a exploração de minas de ouro
síntese de Pierre Deyon, Le mercantilisme, coleção "Questions d'histoire", e, sobretudo, de prata. A existê.ncia de minas de prata. nos vice-
Paris, Flammarion, 1969. Quanto à política colonial e as companhias pri· reinados de Nova Espanha e do Perú, simultaneamente com outras
vikgiadas, há imensa bibliografa, cuja indicação poderá ser encontrada
nos livros já citados de F. Mauro, R. Konetzke, S. e B. Stein; tornaremos condições necessárias a tal exploração mineira - o mercúrio de
ao assunto neste mesmo capítulo. Ver, também, o livro recente de Michel Huancavelica e a mão-de-obra indígena - foram os fatores que
Devéze, L'Europe et le monde à la Jin du XVIIIe siecle, col. "Ib~volution deram o aspecto peculiar e essencial do sis-tema imperial hispano-
de l'Humanité", Paris, E. Albin Michel, 1970.
americano, basicamente votado à produção, transporte e proteção
6 Rob..?rto Cortés Conde, "Problemas y prioridades en el estudio de la
historia económica latinoamericana", em La historia económica en Amé- da prata. As minas de Potosí feiram descobertas em 1546, e no
rica Lati11a, cit., II, pp. 117-133. :ano seguinte começaram a ser exploradas as de Zacatecas, no norte
7 Ciro F .. S. Cardoso, "Sobre los modos de producción coloniales de do México. Cumpre não perder de vista a· íntima-vinculação entre
An1~ric.:i", art. cit.
211
210
os recursos naturais e o nível técnico: assim, por exemplo., as e dos moinhos usados para tratar a prata ficava legalmente prote-
minas de Pcitosí cuja exploração rendia cada vez menos devido à gida contra o seqüestro por dívidas. 8
inadequação da técnica indígena de extração à lei do mineral das No caso do Brasil, o "ciclo do ouro" caracteriza principal-
mesmas jazida·s, tiveram um grande surto depois da introdução do mente o século XVIII, até 1770. As minas foram descobertas so-
método de amálgama de mercúrio (as minas de Huancavelica foram bretudo entre 1695 e 1734. Na maioria dos casos tratava-se de
descobertas em 1563). Portanto, a economia hispano-americana ouro de aluvião - e não de verdadeiras minas - o que permitia
a exploração com capitais relativamente modestos. A zona aurífera
da prata dependia não apenas das minas deste metal, mas do for-
compreendia partes dos atuais estados de Minas Gerais, Goiás,
necimento de mercúrio, também, o que criava sérios problemas de
Mato Grosso e Bahia. Os terrenos auríferos eram concedidos em
transporte (no México foi usado tanto mercúrio espanhol quanto
Jotes denominados da/as, de tamanho proporcional à quantidade
·d'1 'Eslovênia). Por sua vez, a produção de azougue em Huanca-
de escravos de que o mineiro dispusesse; os descobridores das
velica requeria grandes quantidades de lenha e logo esgota_ram-se
jazidas tinham prioridade na escolha de seus lotes. Devido ao
os escassos recursos florestais da região (situada a grande altitude), próprio caráter das jazidas e às técnicas muito primitivas, o ciclo
colocando um sério problema que só foi resolvido ao descobrir-se do ouro foi de breve duração. Também na região de Minas Gerais
a possibilidade de usar um combustível vegetal abundante na região: foram descobertas jazidas de diamantes, em 1729; a princípio a
o iclw ( *). O estudo da história mineira da América Espanhola. Coroa arrendou sua exploração a particulares, mas de 1771 em
do ponto de vista dos recursos naturais em associação com o nível diante realizou-a com agentes próprios.
técnic~, apresenta lacunas importantes, principalmente quanto à Como no caso das minas, o solo como recurso natural deve
decadência peruana do século XVIII,. pouco analisada de modo ser considerado tendo-se em conta, também, o nível técnico e as
quantitativo. idéias dos homens da época sobre os vários tipos de terrns e sua
Como a exploração das minas importantes requeria grandes fertilidade difÚencial. Por outro lado, o processo de constituição
capitais, era. comum., no princípio, a associação de várias pessoas ·da propriedade fundiária revestiu-se de características diversas, con-
para explorarem a mesma jazida. No Perú, desenvolveu-se um forme os casos; por exemplo: foi distinto nas zonas com fortes
sistema .s.emelhante ao da parceria - comerciantes de Lima, que concentrações de indígenas e nas que contavam apenas com popu-
dispunham de grandes cap:tais (aviadores) emprestavam dinheiro, lação aborígene dispersa. Um dos temas polêmicos, relativo à apro-
sob hipoteca, a um empresário que conseguia uma concessão mi- priação da terra na América hispânica é a existência, ou não, cit!
neira e a explorava. Apesar da enorme importância da mineração vínculo entre a encomienda e a formação da propriedade agrícola;
na América Espanhola, tratava-se de um negócio concentrado em é facilmente demonstrável que, em princípio, a encomienda não
muito poucas mãos: até o fim do século X VI umas 800 pessoas ·criava direitos sobre a terra. mas isto não significa que, na reali-
entre o México e o Peru, participavam dele; em 1791 um relató- dade, não facilitasse a expropriação dos indígenas e a ocupação do
rio do vice-rei revela que havia no Peru 588 minas de prata e 69 -solo, como recentes estudos o demonstram. n Isto reflete um fato
de ouro - e 728 mineiros - mas que predominavam as peque-
nas minas trabalhadas aleatoriamente e os mineiros miseráveis e
sem recursos. É interessante observar que a propriedade das minas :8 Sobre os assuntos !ralados aqui, cL All·aro Jara, Tres e11sL1vos sobre
""·01w111ía 111i11era Jzispanuamericana, Santiago do• Chile, Centro -de Inves-
t igaciones de Historia Americana (Universichid de Chile), 1966, pp. 35-43;
Kondzke, op. cit., pp. 282-283: cita o relatório do Vice-Rei; Marie Helmer,
"Potosi à la fin du XVIIIe siecle (1776-1797)" em Joumal de la Société
* N. do T.: do quíchua ichu - "Pajón", (aumentativo de palha), cana eles Américanistes (Paris) vol. 40, 1951, pp. ~1-50.
alta e grossa, espécie de gramínea de escasso valor alimentício para <> 9 Cf. para o caso melhor estudado - o do Méxiêô: Sílvio Zavala,
gado. Encomie1u/as y propriedad territorial en a/gunas regiunes de la América
212 213
básico: os estudos sobre a ocupação da terra na América Latina, que - consideradas como 'iipóteses de trabalho ·__,. cremos que
que por tanto tempo se limitaram ao exame da legislação respectiva., poderão orientar pesquisas úteis:
~omeçam a se interessar pelo processo real de açambarcamento do - De um modo geral, parece ter predominado a concessãe>
solo, muito menos conhecido, porém muito mais importante. A de terras como propriedade· liyre e hereditária, sem entraves do
tendência atual · à multiplicaç~o de trabalhos monográficos sobre tipo enfitêutico. Isto não quer dizer que, em certos casos, inexis-
fazendas deverá lançar alguma luz sobre este aspecto. 10 tissem em princípio, (de direito) limitações ao direito de pro-
Não podemos resumir aqui o complicado e multifor:me processo priedade; ~ignifica que, na prática, o sistema de· distribuição de
de fórmaçào e desenvolvimento da propriedade rural na América terras funcionou, quase sempre, como processo de constituição de
espanhola, no Brasil e nas colônias francesas - especialmente propriedades livres e heredit~rias. Por exemplo, em todas as colô-
rnri1pkxo na área hispano-americana, dada a coexistência e···~ re- nias a terra era concedida sob certas condições: confirmação real
laçãc (variável conforme ª"
épocas e regiões) de diferentes tipos (colônias ibéricas); exploração efetiva; delimitação do imóvel. No
<le propriedade dos .espanhóis, dos índios (privada e comunal), das entanto, foram muito raros em todo o território colonial os casos
cidades ( ejidos), otc. 11 No entanto, daremos algumas indicações em que o não cumprimento de tais condições i~plicou. efetiva-
mente, ,ª perda da concessão - sanção prevista nos regulamentos
vigentes. Na América espanhola, a pressão da Coroa sobre os
que o~u~ava~ mercedes( *) não confirmadas tinha, principalmen.te,
Espafiola,. 1940; François Chevalier, "La fonnación de los grandes latifun- um objetivo fiscal: o de forçar o acerto da situação irregular, me-
dios em México", em Problemas Agrícolas e Industriales de México (Mexico), diante o pagamento de uma composición. Cuba parece constituir-se
janeiro-março de 1956; Charles Gibson, Los aztecas bqjo el dominio espafiol
em uma exceção, ao menos parcial, à nossa hipótese; o estatuto
(1519-1810), Buenos Aires, Siglo XXI, 1972; Enrique Florescano, Estructuras
y problemas agrarios de México (1500-1821), Sep/Setentas. Mexico, Secretaria de de indivisibilidade das mercedes não confirmadas só foi derrogado
Educación Pública, 1971. · de todo em 1819, com a instauração da proprierhtrle sem limites
10 Cf. J an Bazant "Una tarea primordial de la historia económica latinoame- sobre estas e todas as terras ocupadas d~sçk,quan:ma anos antes.
ricana: el estuffio de la economia de las haciendas en el siglo XIX (el caso de
- Em contraste com o que acontecia nas colônias holandesas
México)", em La historia económica... cit., II, pp. 111-116. Quanto à época
da colônia, a tendência ao estudo de unidades de produção é relativamente e ingl~~as: onde para o fim da etapa colonial a propriedade da
antiga no caso das Antilhas francesas: cf. os trabalhos de Gabriel Debien, por terra Jª tmha um caráter claramente capitalista, nas colônias de
exemplo: Aux débuts d'une grande plantation à Saint·Domingue (1685-1714), ~ortugal, E,spanha e França a referida propriedade apresentava,
Havre, 1953; "Comptes, profits, esclaves et travaux de deux sucreries de Saint- amda no seculo XVIII., forte caráter patrimonial. Isto refletia os
Domingue (1774-1798), em Revue de la Societé d'Histoire et de Géographie d'Haiti,
distint0s graus de desenvolvimento alcançados, então; pelas diver-
vol. 15, n!l 55; Études antillaises (XVI/e s.), Cahiers des Annales n!l 11, Paris,
A. Colin, 1956. Mais recentemente, tivemos o trabalho de Pierre Léon, sas metrópoles coloniais, no atinente a suas estruturas agrárias,
Marchands et spéculateurs dauphinois dans le monde antillais du XVII/e siicle, comerciais e financeiras. Enquanto ·os proprietários coloniais dos
Les Dolles et les Raby, Paris, Les Belles Lettres, 1963, No caso da América domínios lusitanos, espanhóis e franceses ficaram sempre protegidos
lbéric.. , hâ alguns anos Frédéric Mauro estudou o Engenho de Sergipe do
Conde (Brasil), em sua tese: Le Portugal et l'Atlantique au XVI/e siecle (1570- cont~a o s~qüestro. de seus bens, no caso de dívidas não pag/as (e
1670), Étude économique, Paris, SEVPEN, 1960; ver ·também do mesmo autor, segmdamente vendiam terras oneradas por dívidas e hipotecas não
"Teoria econômica e história econômica", em Nova história Novo mundo, canceladas) nas colônias holandesas e inglesas do século XVIII o
S. Paulo, Ed. Perspectiva, 1969, pp. 1340. Recentemente multiplicaram-se os
estudos de fazendas e plantações na América hispinica colonial; cf. E~ Flores·
seqüestro das pro;Jriedades era fácil e rápido; quando os donos não
cano (coordenador), Haciendas, lati/Undios v. plantaciones en América Latina. cumpriam suas obrigações financeiras; além disto, os prazos de
México, Siglo XXI, 1975.
11 Ver, principalmente, F. Chevalier,· op. cit.; José da Costa Porto, Estudos
sobre o sistema sesmaria/, Recife, Imprensa Universitáia, 1965; G. Debien, Etudes * N · do T.: Dádiva ou graça que os reis fazem a seu.g- vassalos de em-
antillaises, cit. pregos, dignidades, etc. [no caso, terras].
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,pagamento eram muito mais curtos nestas colônias do que nas -- Finalmente, certos aspectos e casos especiais devem ser
anteriormente citadas - e os devedores insolvcntes eram encar- consid~rados: os mayomzgos, * e 2s propriedades comunais de
cerados. diversos tipos, na América espanhola; a relação com a terra em
- Em todas as colônias havia disposições vigtmte~ para gra- zonas não agrícolas, mas. de coleta florestal, como em grandes
duar e limitar o açarnbarcamt:nto Je terras e, principalmente no regiões da Amazônia portuguesa; os casos cm que o controle da
caso ela América espanhola·, o desapossamento dos indígenas; ta·m- água era mais importante do que o do rnlo; as zonas em que os
bém cm toda a América tais disposições não lograram impedir as rebanhos eram criados em superfícies niio delimitadas, etc.
fraudes, a formação de latifúndios, o avanço sobre as terras co-
munais, etc. Mas é preciso prestar atenção às enormes variações
rcgicnais. No ·Brasil,, por exemplo, o tamanho das concessões 29) Mão-de-obra
(sesmarias) oscilava - de um modo geral., eram muito maiores
no norte do que no sul da colônia - variando, também, o tama- Si~vio. Zavala destaca o papel capital da distribuição geográfica
nho das grandes propriedades, embora por toda a parte se encon- e da densidade, da população pré-colombiana, relativamente ao
trassem meios de possuir mais terras do que as legalmente permi- povoamento e a f?rça de trabalho no período colonial. 1~ A partir
tidas. O estudo de tais variações deve, logicamente, considerar o de tal ponto de vista cumpre distinguir:
nível técnico e o tipo de atividade.
~ Predominante foi a concessão gratuita, não a venda de a área nuclear da população indígena, onde havia con-
terras pelo Estado - embora no caso da América espanhola, centrações demográficas realmente importar.tes., baseadas
sobretudo, as vencias de terras realengas, por motivos fiscais, tenham em uma agricultura sedentária mais ou menos adiantada
sido muito numerosas em certos períodos. A venda sistemática de (partes do México, da América Central. e da América
terras coloniais pelo Estado foi novidade instituída experimental- Andina);
mente pela Inglaterra nas ilhas que obteve em 1763 (Granada, ~od? o resto. da América se caracterizava por populações
Dominica, São Vicente e Tobago); inovação admirada mas não md1genas mmto mais dispersas, de caçadores, pescadores
imitada pelas autoridades coloniais francesas. No entanto, seria ou coletores, com ou sem agricultura itinerante de baixas
exagerado construir toda uma teoria da história da América com técnicas; em certos casos, grandes zonas constituiam ver-
base, um tanto simplista, no que alguns autores chamam de dispo- dadeiros vazios demográficos.
nibilidade ilimitada de terras; a disponibilidade do fator terra, embo~
ra indubitavelmente importante, foi variável conforme as regiões, Na área nuclear a exploração colonial apoiou-se na força de
as épocas e os tipos de produção. A "sede de terras" era seletiva: trabalho representada pelas comunidades indígenas, que sofreram
prdendia-se as que eram adequadas a este ou àquele produto; reorganizações radicais: concentrações, transferências de uma região ~
as que tivessem melhores possibilidade de aprovisionamento de para outra, etc. Como a aludida zona se concentrava toda na His-
111~\(1-cle-obra indígena (no caso da América Espanhola); as mais pano-América (embora fosse esta bastante maior) isto explica
pníximas das costas, dos rios navegáveis, dos caminhos, dos núcleos
de população, dos portos, etc. Na especulação fundiária, que logo *. ~ :. do T.: O Dicciunáriu de la Real Academia registra grande gama de
se estabeleceu nas colônias., o valor da terra era muito variável sigmf!cações; basicamente, é uma instituição espánhola de direito civil que
- segundo o caso - e também sua "disponibilidade", sobretudo tem por o~j<:to perpetuar na família a propriedade de certos bens, se-
gundo cond1çoes predeterminadas.
nas zonas de povoação mais ou menos antiga, dedicadas à pro-
~~ S~lvio, ~vala'. "lndigênes et colonisateurs dans l'histoire d'Amérique",
duçáo de certas mercadorias cujas exigências ecológicas limitassem Cahzers de 1 Inslllllt dcs Ha11tes Etmles ele 1'41'11eºriqz1e Latine n º 6
a c~colha dos solos a alguns tipos bem determinados. 1964, pp. 7-25. • ~ ' . '
216 217
porque os territórios espànhóis receberam muito menos escravos _ Faltam trabalhos relativos à mão-de-obra nos obrajes; ( * J
negros de origem africana ·do que o Brasil ou as. Antilhas, por também não têm sido estudados os salários urbanos e ruràis na
exemplo. 13 A população colonial foi, na área nuclear, euro-indígena., América espanhola, salvo em pouquíssimas exceções ( Çhile e
No resto do continente, com a conquista houve a expulsão, des- pero).
'1
truição e eventual assimÍlação parcial do índio, dando lugar à for- A escravidão negra e o tráfico de africanos são conheci-
mação de dois tipos de populações: 1 ) euro-africanas, onde po- dos, de üm modo geral, melhor do que a mão,.de-obra indígena
diam ser ·estabelecidas, com mão-de-obra indígena e sobretudo no caso do Brasil e das Antilhas; obviamente, ainda resta muito
africana, plantações de alimentos ou de matérias-primas tropicais por fazer neste terreno e persistem, em muitos aspectos., posições
de grande demanda na Europa, ou exploradas jazidas auríferas divergentes ou totalmente contraditórias. rn No entanto, observa-
(Brasil, Antilhas, sul dos Estados Unidos de hoje, Guianas, algu- remos que: 1) é necessário considerar a variação da importância
mas partes da América es;ianhola continental); 2) euro-americanas, relativa da escravidão negra na América espanhola, ante o movi-
como no Canadá, Nova Inglaterra e - já no século XIX - a mento demográfico da população indígena; Hl 2) no caso do Brasil
região dos pampas. · a escravidão de índios continuou sendo importante por muito tem-
Deixando de lado os· casos menos importantes - mão-de-obra po, ·.depois do início do tráfico negreiro, até mesmo dominante
livre empregada no artesanato, como capatazes e em outras ativi- em determinadas áreas (Amazônia, São Paulo).
dades; engagés ou indentured servants levados para a;; colônias - Se as diversas formas de trabalho forçado dos indígenas
francesas e inglesas, etc. - faremos al!'11mas observações e indica- - escravidão, repartimiento, encomienda, naborias, mita e cuatequil
ções a propósito dos aspectos que, para a pesquisa, nos parecem - começam a ser mais ou menos bem conhecidas, ao menos em
mais essenciais ao problema da mãe-de-obra dos tempos coloniais. algumas partes da América espanhola, .º mesmo não se dá com
- Duas precauções importantes: 1) não extrapolar automa-
ticamente os dados e a evolução de uma para outra zona (por
exemplo,· sempre houve a tendência de generalizar as fases caracte- La patria dei crioilo, E':;sayo de interpretación de la realidad coloniaf
rísticas, e mais conhecidas, da mão-de-obra no México a toda a guatemalteca, Guatemala, Editorial Universitaria, 1971, contém um inte-
ressante estudo· concreto das formas de apropriação real do trabalho
América espanhola; 2) não limitar - como. anteriormente era indígena. Do mesmo modo,· para o México, o ·Chile e o Peru foram feitos
costume fazer - o estudo da mão-de-obra ao mero exame da cstu:'.os assim, por autores como L. B. Simpso.n, C. Gibson, E. Flores-
legislação res:;ectiva, com menosprezo pela análise da evolução cano, Mario Góngora, Marcello Camargnani, Alvaro Jara, Rolando Mel-
real. 14 lafe, D. A. Branding, A. Crespo Rodas, etc.
·~ N. do T.: Grifo nosso. Obraje é 1. Manufatura / / 2. Oficina ou local
onde são trabalhados tecidos e outros objetos para uso comum// 3. Presta-
13 J:! possível que a América ·Espanhola tenha recebido apenas 1/15 da ção de trabalho que se impunha aos índios da América e que as leis
totalidade dos escravos africanos do tráfico: cf. Charles Minguet, Ale- procuraram extinguir. No caso cabe a primeira acepção.
xandre de Humboldt, Paris, F. Maspero, 1969, p. 508, nota 8; Minguet admite 15 A bibliofrafia a propósito é imensa. Uma boa introdução à · proble-
um total de 15 milhões. de escravos tran.sportados pi;ira a América entre mática,. e às polêmicas relativas a diferentes aspectos da escravidão na
os séculos XVI e XIX, 1.050.000 dos quais para a Hispano-américa. América, é a antologia preparada por L. Foner e E. O. Genovese, Slavery
Admitidas as cifras de P. Curtin, op. cit., - 9,5 milhões no total - seria in the New World, A Reader in Comparative Hist9ry, Englewood Cliffs
preciso reduzir o montante para a América Espanhola; ao contrário, Ro- (New Jersey), Prentice-Hall, 1969, que ainda contém excelente bibliografia.
lando Mellafe, La esclavitud en Hispa1wamérica, Buenos Aires, EUDEBA. Um livro coletivo, /ntrodución a la cultura africana en América Latina,
1964. p 59, considera que os territórios espanhóis receberam um total Paris, 1970, também traz bibliografia muito útil" e uma sinopse da do-
d~ 3 milhões de negros do tráfico, o que parece exagerado. cumentação disponível em cada país latino-americano.
14 Um exemplo de livro concebido como estudo institucional do proble- 16 Cf. por exemplo: Frederick P. Bowser. The Freé Person of Color in
m;1 da mão-de-obra é: Silvio Zavala, Contribución a la historia dé las Me:rico City and Lima: Manumission anã Oportunity, 1580-1650. (informe
i11,tituciones coloniales en Guatemala, Guatemala, Editorial Universitária, mimeografado; Rochester, março de 1972). pp. 4-5. li_ escravidão mexi-
1967 .. (1.• edição: México, 1945). Já o livro de Severo Martínez P'éláez, cana foi estudada por Gonzalo Aguirre Beltrán.
218 219
outras formas de mão-de-obra dependente: o peonaje (analisado colônias caracterizadas pelo mais baixo nível técnico: Bra-
no México por F. Chevalier) e todas as formas de posse precá- sil, colônias espanholas, Grandes Antilhas, Guiana Fran-
ria, estudadas principalmente quanto aos séculos XIX e XX e cesa;
pouco conhecidas no referente aos sécu!.os coloniais. 17 colônias que apresentavam um nível técnico superior
- Ao abordar o problema da origem e do caráter das formas (embora baixo, de qualquer modo) : Pequenas Antilhas
de exploração da mão-de-obra indígena e africana na América inglesas e francesas (nas Grandes Antilhas inglesas e fran-
L1tina colonial, e freqüente a exp!.icação a partir· de "antece- cesas as técnicas açucareiras eram suiJeriores às de Cuba
dentes medievais": a escravidão colonial mantida por genoveses e e do Brasil, mas as técnicas de cultura eram muito exten-
venezianos no Mediterrâneo, o repartimiento ibérico, etc.; isto tam- sivas e devastadoras);
bém se dá em relação a outros setores estudados (plantações açu- caso especial: técnicas de drenagem e exploração de terras
careiras, tipos de concessões de terras, aspectos da administração, recobertas pelo mar ou por águas fluviais, parcialmente
etc.). Sem dúvida, é útil estabelecer tais correlações mas há, tam- ;, introduzidas na Guiana Francesa a partir das colônias ho-
bém, o perigo de mascarar os caracteres peculiares, ou novos, do landesas vizinhas (Suriname, Berbice, Desmerara, Es~e-
processo colonizador latino-americano em proveito de analogias quibo). ··
formais. Uma instituição muda forçosamente de conteúdo ao trans-
Cremos na superioridade da abordagem comparativa para es-
ferir-se para um ambiente social e econômico diferente; a escra-
clarecer as questões ligadas às técnicas de produção, .mas as obras
vidão americana, por exemplo, é algo muito diverso, por suas pro-
escritas a partir de tal enfoque não são muito numerosas. 20
porções, características e conseqüências, da verificada nas pequenas
Aqui vão algumas recomendações, sumárias, relativas à pes-
colônias escravistas mediterrâneas ou nas ·ilhas ocidentais afri-
quisa no setor que ora nos atrai a atenção:
canas. 18
- Tratando-se das minas de metais preciosos, muitos aspectos
técnicos continuam mal conhecidos e, portanto. deveriam ser pes-
39) T/cnicas quisados. "1 Na mineração de ouro brasileira houve o aproveita-
mento de processos africanos de metalurgia do ferro. ~~ Os proble-
O estudo comparativo permite a distinção dos vanos níveis
técnicos no que se refere às colônias da América. Ao examinar-
20 Citemos a excelente t..:se, infelizmente inédita, de Alice P. Canabrava,
mos o r.roblema, limitando-nos às colônias escravistas e ao século A i11dústria do açúcar nas ilhas inglesas e francesas do Mar das Antilhas,
XVIII, encontramos pelo menos três categorias: rn São Paulo, Universidade de São Paulo, 1946 (mimeografada) e a edição
feita por Andrée Mansuy de: André João Antonil, Cultura e opulência
do Brasil por suas drogas e minas, texto da edição de 1711, tradução
17 Cf. Magnus Morner, Tenant Labour in the Andean South America francesa e comentário crítico de A. Mansuy, Paris, l.H.E.A.L., 1968.
Since the Eighteenth Century, A. Preliminary Report, Moscou, "Nauka" Nos dois casos, trata-se de uma comparação sistemática das técnicas
Publishing House, 1970 (há tradução para o espanhol); Mario Góngora, brasileiras de açúcar com as aplicadas em outras colônias: Antilhas in-
Origen de los "it4q11ilinos" de Chile Central, Santiago do Chile, 1960. glesas e francesas, principalmente, no primeiro caso; colônias escravista~
18 Ver Charles Verlinden, Précédents mediévaux de la Colonie en A111é- francesas, nas notas de autoria de A. Mansuy.
riq11e, México, Instituto Panamericano de Geografia e História, 1954; Do 21 Cf., entre outros: A. Jara, op· cit.; D. A. Brading e Harry E. Cross.
mesmo autor: "Esclavage médiéval en Europe et esclavage colonial en "Colonial Silvcr Mining; Mexico and Peru'', em Hispanic American His-
Amérique", no número citado de Cahiers de l'l.H.E.A.L., pp. 29-45, e tnrirnl Review, novembro de 1972, pp. 545-579; Clrarles Boxer, The Golde11
rc,· orige11es de la civilisation atlantigue, Paris, Albin Michel, 1966; H. B. Age of Brazil, 1695-1750, Berkeley, 1962 (ed. brasileira, em português:
Johnson Jr., "The Donatary Captaincyn in Perspective; Portuguese back- São Paulo, Cia. Edit. Nacional, 1963); Sérgio Buarque de Holanda,
;l rnuml tu the S<!!tlcment of Hrasil", em Hispanic American Historical artigos em História Geral da Civilização Brasileira, São Paulo. Difll-
Rel'h;w (Duke University Press), vol. 52, n.º 2, maio de 1972, pp. 203-214. são Européia do Livro, 1960 (tomo 1, ·vol. 2, pp. 228-310).
19 Ciro F. S. Cardoso, "Sobre los modos de producción ... ", cll"t. cit., 22 Cf .. Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Conte1>rporâ11co, Colônia,.
PP 75-77. São Paulo, Brasiliense, 1957 (5a. ed.), p. 218.
220 221
disto, em certas regiões d:i África ·pré-colonial houve grupos de
mas técnicos e suas soluÇões são muito diferentes conforme se tra- ..ig ricultores que· conseguiram uma situação de
tcrr, de minas verdadeiras ou de jazidas de aluvião. O estudo com- . . equilíbrio
. . entre
, . a
. rodução, .a população e os recursos naturais, mediante tecmcas
parativo entre . as técnicas mineiras européi~s .e ame(icanas e a
formaçáo profissional de um pessoal espec1ahzado (tentada na
~ascadàs igualmente na agricultura itinerante, a prática do roçado
América espanhola durante a segunda metade do século XVIII) e 0 uso da enxada, embora algumas vezes tenham chegado, também,
deveria ser intensificado. a associar o pastoreio à agricultura, a usar ·o adubo ou a irriga-
- As plantações de cana de açúcar, cacau, anil, café, tabaco, ~ão, a aperfeiçoar o instrumental (graças à metalurgia muito adian-
etc., usavam simultaneamente técnicas agrícolas e industriais (estas tada) e a desenvolver a divisão do trabalho. ·
na fase de beneficiamento do produto), e o nível técnico poderia - Isto nos conduz ao ultimo ponto: a questão do nível
'Ser distinto nos dois setores da atividade produtora. A abundância técnico . só tem sentido no .contexto social e econômicó global da
da terra favorecia ·o emprego de técnicas agrícolas rudimentares, colônia e sua metrópole: 1) finalidade do ramo de produção estu-
mas um engenho açucareiro hidráulico, por exemplo, embora tosco, dado; 2) efeitos do regime de trabalho, do nível de vida e do
'Supunha técnicas um pouco mais sofisticadas e. investimentos rela- grau da formação profissional do trabalhador, sobre as . poss~b'.l'.
tivamente importantes em equipamentos, importados em grande pro- dades técnicas (inch,isive a divisão do trabalho); 3) d1spomb1h-
porção. dade de capitais e formas de crédito à produção; 4) imobilização
- Outro tema interessante é o constituído pela difusão das importante de capital na compra de mão-de-obra, quando se tratar
técnicas. A união dinástica de Espanha e Portugal (l 5 80-1640) de uma colônia escravista; 5) organização do aprovisionamento
levou à instalação de holandeses e de judeus portugu,eses na parte de matérias primas, maquinaria, etc., às regiões coloniais ( espe-
mais importante da região açucareira do Brasil. Ali aprenderam cialmente importante no caso das zonas açucareiras); 6) transfe-
as técnicas do açúcar e, quando expulsos pelos portugueses as di-
rências de capitais às áreas metropolitanas devido à relação colo-
f tindiram · nas Guianas e Antilhas; porém, nas ilhas as ditas técni-
nial, e seus efeitos sobre a acumulação e o investimento nas colô-
cas sofreram alterações que, no curso. do tempo, as tornaram bem
,diferentes ·das brasileiras, pois estas quase não mudaram. nias; 7) nível técnico alcançado pela própria metrópole, etc.
- Por outro lado, deve-se estudar a constituição das técnicas
coloniais a partir de elementos europeus, indígenas e afric~nos.
49) Capitais
Um terreno ainda mal explorado é o da análise comparativa entre
as técnicas africanas e indígenas com as do colonialismo; parece
A instalação e a manutenç&o de empresas de mineração ou
que nas colônias escravistas teria havido alguma regressão técnica,
agrícolas de certa importância exigiam consideráveis capitais -
não só em relação à Europa como, também, quanto à África tro-
freqüentemente conseguidos mediante a associação" do mineiro,
pical, pois os processos agrícolas adotados foram aquele.s.. muito
ou fazendeiro . (sociedade que podia assumir formas muito distin-
primitivos, praticados pelos indígenas de fora da área nuclear de
tas) com financistas ou comerciantes residentes na colônia, na
pcpulação pré-colombiana, os quais somente conheciam uma agri-
metrópole., ou no estrangeiro. Em certos casos eram criados ban-
cultura itinerante, baseada na roça, sumária, e o uso de um ins-
cos expressamente para o financiamento das atividades coloniais,
trumental extremamente grosseiro.
por e)(emplo o de Law, na 'França, e o Real Banco de San Carlos,
- Entretanto, é preciso ter consciência do perigo que se
ligndo à mineração do Alto Peru, - ambos no século XVIII.
·csc~;ndê no julgamento dos níveis de técnicas agrícolas tropicais a
Há alguns bons estudos, centrados no financiamento da pro-
partir ·de critérios oriundos da observação das regiões temperadas.
dução, por exemplo, do Brasil açucareiro, das minas de Potosí
Por exemplo: os 'solos. ·tropicais são, freqüentemente por demais
e das Antilhas; mas, em outros casos, este aspecto é seguidamente
frágeis e pouco espessos para agüenta_r o arado de rodas; além
223
222
menosprezado. ~3 Trata-se, no entanto, de um tema fundamental, mente os holandeses, pois estes especializaram-se, no século XVIII,
passível de divisão em diversos subtemas: 1) proporção e formas. no crédito à produção de suas colônias e das colônias alheias).
de intervenção das organizações creditícias locais, metropolitanas
e estrangeiras; 2} conjuntura favorável ou desfavorável a certas.
zonas e produtos coloniais; 3) endividamento dos empresários_ co- 3. OS SETORES DA PRODUÇÃO
loniais; 4) estudos microeconômicos orientados para os investi-
mentos e seu prazo de reposição, os custos da produção, a acumu- A América Latina colonÍal tinha suas zonas nevrálgicas, que
lação de capitais, os .lucros e sua destinação (reinvestimento, con- eram outros tantos núcleos exportadores, mineiros ou agrícolas,
sumo suntuário, etc.), a contabilidade da empresa. produzindo - para o grande comércio oceâ~ico e para o abasteci-
Estudando a questão dos investimentos de capital, no caso da mento dos mercados metropolitanos - metais preciosos, açúcar,
Guiana Francesa, :? 4 chegamos a distinguir as seguintes categorias: café, cacau, anil, fumo, etc. Tais núcleos exportadores geravam
tonas subsidiárias de produção que os aprovisionavam de alime,n-
Investimentos públicos: tos, mão-de-obra indígena, matérias-primas (como o couro) e
- financiamento de tentativas de colonização e povoamento; animais de tração. Enfim, certas regiões mantinham-se relativ·a-
propriedades estatais (inclusive o que chamaríamos, hoje, mente isoladas dos centros dirigentes coloniais e do mercado inter-
de "fazendas experimentais"); nacional; eram pouco povoadas e tinham peso muito secundário
obras públicas; na vida latino-americana. Por exemplo, no Brasil português vemos
- créditos concedidos aos colonos e, às vezes, assistência formar-se nos séculos XVI e XVII um primeiro núcleo exporta-
técnica; dor - o de açúcar - cujo centro estava no nordeste da colônia:
Investimentos semipúblicos: os das companhias privilegiadas, em função do açúcar desenvolveu-se a zona pecuária complemen-
estritamente controladas pela administração colonial metropolitana tar do sertão. No século XVIII outro núcleo exportador - i o
e, portanto, vinculadas à conjuntura político-financeira do Estado; das minas de ouro - provocou, por sua vez, a constituição de
economias subsidiárias: zonas de agricultura. e criação e, também,
1nvesttmentos privados: de particulares e de sociedades por
a pecuária do sul, que fornecia principaimente animais de carga.
ações.
A Amazônia e São Paulo, embora contribuindo eventualmente
com escravos indígenas para as necessidades da zona açucareirn,
Além disto, tentamos estudar as consequencias do atraso da
mantiveram-se como áreas mais ou menos marginais e secundá-
França de ancien régime no domínio financeiro, em comparação
rias durante a maior parte do período colonial.
com a Holanda e com a Inglaterra, quanto ao financiamento da
produção em suas colônias; e, também, os resultados da legisla- Tendo como critério classificatório o tipo de produção e <>
ção relativa ao seqüestro de bens dos devedores insolventes, cuja tipo de vinculação aos distintos mercados, podemos. distinguir v,á-
aplicação nas colônias francesas· - por negar garantias suficientes rios setores produtivos:
aos credores - afugentava os investidores estrangeiros (principal-
- os voltados para o mercado mundial: 1) mineração de
metais preciosos; 2) agricultura (ou agro-indústria) tro-
23 Por exemplo: Alice P. Canabrava, tese cit.; Celso Furtado, Formação pical de exportação (grande lavoura);
econômica do Brasil, cit.; Manuel Moreno Fraginals, El Inienio. El com- os que produziam para os mercadós - locais ou intercolo-
p/ejo económico social cubano dei aziícar, tomo 1 (1760-1850), Havana,
Comisión Nacional Cubana de la Unesco, 1964; os trabalhos de Gabriel niais: 1) setores agrícolas; 2) pecuária; 3) setores arte-
Debien e Pierre Léon, já citados, sobre as Antilhas francesas. sanais e manufatureiros;
24 Ciro ·F. S. Cardoso, La Guyane française .. . , tese cit., tomo I, pp. os dedicados à economia de subsistência, _sem vinculação
222-241. permanente com o mercado.
224 2,25
~··
Os primeiros foram., sobretudo, os que nos acudiram à mente car. Houve épocas, na Guiana Francesa, em que. os engenhos esti-
ao falarmos dos fatores da produção; concentremo-nos agora, por- veram dedicados somente à produção de aguardente. ~ 0
Tema interessante é o constituído pela análise das relações
tanto, nos demais.
das zonas agrícolas ou pastoris subsidiárius com os núcleos expor-
Quanto à agricultura, mencionamos alguns dos problemas rela- tadores. Os vínculos agrícolas das minas de Potosi · estendiam-se
tivos à formação da propriedade e a outros fatores de produção. até a região do Rio da Prata, Paraguai e., ainda, ao Brasil; e as
Como é óbvio, ao fazer-se uma pesquisa sobre um caso concreto relações entre as duas economias, fáceis inicialmente, tornaram-se
(determinada colônia, região ou fazenda) o mais importante é conflitantes ao desenvolver-se o setor agrícola e ao estabelecer-se
conhecer-se o peso relativo dos diferentes fatores, suas formas es- a disputa da mão-de-obra. :: 7 No caso brasileiro - segundo afirma
pecíficas, sua correlação e evolução. O perfil de um dado regime Celso Furtado - as fases conjunturais depressivas dos cicl.os do
agrícola semprç dependerá: 1) do meio ambiente e dos recursos açúcar e do ouro fizeram com que as zonas compiementares se
naturnis; 2) dos modos de apropriação do solo, das característi- convertessem, em grande proporção, em áreas pastoris ou agrícolas
. cas e do valor relativo deste; 3) do que for produzido; 4) da. de subsistência, caracterizadas pela regressão da economia mone-
demografia indígena e da qualidade da mão-de-obra aborígine., que tária e pgr baixiss11na produtividade. Trata-se de uma análise
condicionam o tipo de aprovisioname:1lo da força de trabalho; 111uito verossímil e de grande poder explicativo para grandes áreas
· 5) das vinculações com determinados tipos de mercados; 6) das do país,. más não se pode dizer. que tenha estimulado tentativas de
formas de financiamento; 7) do estado das técnicas; 8) de fato- comprovação mediante estudos históricos baseados na pesquisa de
res institucionais, etc. Tais elemen[os são, por sua vez, estrutu- fontes .primárias. 28
rais - há características, padrões e proporções globais válidos Quanto à pecuária, conhecemos suficientemente bem, graças
para longos períodos - e mutantes conforme as fases conjun- aos mencionados trabalhos de F. Chevalier, a formação dos lati-
· turais. fúndios pastoris do norte do México em função da catástrofe de-
mográfica e do declínio da mineração no século XVII. Na Hispano-
Os estudos realmente econom1cos da agricultura colonial que América os tipos de exploração dos rebanhos foram muito variados,
produzia p~ra mercados locais ou intercoloniais são poucos. O conforme as zonas e as épocas. Também, no caso do Brasil havia
Chile, cuja produção tritícola destinava-se ao consumo peruano é, importantes diferenças entre as três zonas de criação mais impor-
talvez,· o caso mais estudado; sobre o México temos ótimos tra- tantes: a do nordeste e a. do sul (pecu~ri.a extensiva., mas dife-
balhos de Enrique Florescano. ~;-, No Brasil, como em todas as co- rentes sob muitos pontos de vista) e a região de Minas Gerais
lônias açucareiras, ao lado do açúcar era produzida a aguardenté (com técnicas melhores). Em toda a América Latina colonial a
- destinada em grande parte ao mercado local e, no caso brasi- produção de animais de carga para o transporte e, às vezes, para
leiro, também exportada para a África. Em certos casos, pequenos força motriz dos engenhos não qidráulicos, constitQÍa um elemento
estabelecimentos especializavam-se exclusivamente na produção de econômico fundamental. Da criação pôde originar-se um ramo
exportador: os couros, o charque, etc., freqüentemente remetidos
·aguardente - menos complicada e mais barata do que a de açú-
226 227
l
para mercados europeus ou intercoloniais. Mas, em geral, ela se fossem às vezes suprimidas por intervenções metropolitanas. Tais
vinculava muito mais à vida das próprias colônias, originando com- atividades industriais visavam ao abastecimento de mercados locais
plexos ·econômicos e culturais do couro, do cavalo, da carne seca ou inter~oloniais (a s~~a. dos obrajes mexic~n~s, por exemplo, che-
e salgada ("carne de sol", cecina, * charqui, * chalona oa Bolívia), gava ate o mer~ado fihpmo). No caso bras1leuo, somente, existem
das tropas de mulas, caracterizados tais complexos por relações estudos de con1unto. Quanto ao artesanato hispano-americano há
econômicas e sociais bem diversas das predominantes nos núcleos vários livros dedic~d~s a~s grfünios'. ~as :eferem-se, principalm~nte,
exportadores. ~~ a seus aspectos h1erarqmco e admm1strat1vo. As análises de certas
As povoações de índios guaranis, fundadas e controladas pelos atividades manufatureiras da América. espanhola são boas às vezes,
jesuítas na América do Sul, especializaram-se em abastecer várias principalmente as que tratam dos obrajes mexicanos e da indústria
regiões do continente com erva mate; o produto era comercializado de carne salgada da Argentina. Falta um estudo conjunto da in-
pela Companhia de Jesus nos centros urbanos - Assunção, Santa dústria colonial hispano-americana que integre a pesquisa econô-
Fé, Buenos Aires - e chegava até a mercados longínquos corno mica e o exame da correspondente política metropolitana. 3 1
Lima e Quito. Depois da ex.pulsão dos jesuítas (1768), os aludidos Se passarmos das atividades dedicadas aos mercados locais
povoados, por umas duas décadas, remeteram grande quantidade ou intercoloniais para as de subsistência, sem vinculacão conside-
de produtos para o mercado do Rio da Prata, mas isto refletia rável ?u cont~nua ~om o ~nercado, veremos que não há quase o
a exploração extrema da mão-de-obra indígena pelos comerciantes que dizer, pois nao suscitaram bastantes pesquisas atinentes à
e funcionários espanhóis - e sua destruição __,_ o que fez com etapa colonial. É verdade que a documentação disponível tem
que, no curso do tempo, as antigas missões desaparecessem. So- caráter fragmentário e quase exclusivamente qualitativo: trechos
mente ao desvanecer-se a focalização mística, romântica ou utópica, breves da corres.pendência ou de relatórios oficiais, de livros de
do regime econômico das missões jesuíticas, antes muito comum, viajantes, de obras gerais contemporâneas sobre economias colo-
começamos a conhecê-Ias devidamente: 80 niais (como a de Antonil sobre o Brasil). No caso das colônias
Apesar do "pacto colonial'', na América Latina houve, além escravistas, os senhores se descartavam total. ou parcialmente do
de artesanatos variados, manufaturas verdadeiras, embora estas encargo de alimentar e de vestir seus escravos, embora isto fosse
proibido pela legislação vigente, concedendo-lhes (ao menos a
alguns deles) o usufruto de parcelas de terra, o tempo para as
* N. do T.: Cecina, de um modo geral, é carne salgada e seca ao sol';
cultivarem e, freqüentemente, a possibilidade de comerciarem livre-
na Argentina é tira de carne delgada, seca e sem sal. Chalona é carne
de ovelha salgada e seca ao sol. (0 original usa a palavra quichua mente o eventual excedente. Em certas colônJas, a vinculação desta
clwrqui que origina "charque", tanto em espanhol quanto em portu- economia "camponesa" de escravos com o mercado local foi im-
guê"l).
19 Cf. entre outras obras: José Alípio Goulart, O Brasil do boi e do
couro, Rio de Janeiro, Ed. GRD, 1965; Alfredo Ellis Júnior, "O ciclo do 31 Heitor Ferreira Lima, Formação industrial do Brasil, Período colonial,
muar", em Revista de História, (São Paulo), n.º 1, 1950, pp. 73-81; F. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961; Miriam Ellis, "Primórdios da
Chevalier, op. cit.; Emilio. A. Coni, Historia de las vaquerías del. Rio indústri;;i saladeril no Brasil colonial", em Revista do Instituto de Es-
de la Plata, 1555-1750, Buenos Aires, 195§; Héctor José Tanzi, "La activi- tudos Brasileiros (São Paulo), n.ó 4, 1968, pp. 31-42; Fernando A. Novais
dad agropecuaria en el Virreinato del Río de la Plata", en Investigaciones "A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica portuguesa
v F11,ayus, vol. 2, 1967, pp. 261-287. no fim elo século XVIII", na Revista de História n.º 67, 1966, pp. 145-166;
30 Magnus Mêirner, Actividades políticas y económicas de los jesuítas en W~drow Borah, Silk Raising in Colonial Mexico, Berkeley - Los Angeles.
el Rio de la Plata, Buenos Aires, Paidó.s, 1968; Luiz Gonzaga Jaeger, "La University_ of California Press. 1943; Héctor Huberto "Samavoa Guevara,
Companía de Jesús en e! antiguo Guairá (1589-1631)", em Pesquisas, Los gremios de artesanatos ne la ciudad de Guatemala, 0524-1821), Gua-
rnl 1, 1957, pp. 93-121; Juan Carlos Garavaglia, Las actividades ganaderas temala. Ed.· Universitaria, 1962; Richard E. Greenleaf, "The Obraje in
e11 Ta vida económica del pueblo de indios de Nuestra S~íiora- áe los the late Mexican Colony", em The Americas. XXXII, janeiro de 1967,
Santus Reyes de Yapeyú: 1768-1806 (informe apresentado ao colóquio de PP. 227-250; Alfredo J. Montoya, Historia de los saladero-&- argentinus, Bue·
Roma. setembro de 1972). nos Aires, 1956.
228 229
·~-
1
portante (venda de aves, mandioca, cereais, etc.), mas acontecia dados relativos à navegação:· tipos e capacidade dos navios.,
muitas vezes que o tempo concedido aos cativos para cultivarem rotas, técnicas de navegação;
suas parcelas era por demais marginal e insuficiente; nas colônias portos e caminhos, :sistemas de transportes, feiras, aduanas,
açucareiras, quando chegava a época da safra e do trabalho nos circulação monetária, formas de crédito e de empresas co-
engenhos., mesmo os domingos e feriados religiosos não eram res- merciais;
peitados. 3 ~
Deixamos completamente de lado, neste capítulo, o exame Política comercial metropolitana: companhia.\· privilegiadas e
da problemática relacionada com outros tipos de atividades: coleta sistemas de frotas; consulados de comércio :;~
florestal, pesca (a da baleia no Brasil, por exemplo), caça de
escravos indígenas, busca de pérolas, exploração de salinas, mine- Tipos de mercados e de comércio
ração de metais não preciosos, etc., e o caso das regiões de trânsito,
vinculadas ao sistema das frotas e do comércio exclusivo. 33 - mercados locais e intercoloniais, abastecimento das cida-
des, portos e minas; 3u
- o tráfico negreiro e as exportações para a África;ª'
230 231
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o comê.reio com a Europa, importação e exportação, con- escassez de análises como estas encarece a necessidade de sua
trabando e pirataria. 38 :multiplicação em várias regiões cb Am~rica Latina: talvez assim
se pudesse elaborar uma verdadeira teoria das flutuações conjun-
É muito necessário que se multipliquem os estudos sobre alguns turais da economia colonial.
dos aspectos acima mencionados, por exemplo: 1) os sistemas
de transportes na América colonial (mais ou menos bem conhe-
cidos quanto à Argentina, México e Brasil); 2) organização dos
mercados locais e intercoloniais., e a importância do respectivo mo-.
vimento comercial; 3) o .peso dos setores monetários e não-mone-
tários das economias coloniais e os modos de se inte.r-relaciona-
rem, o abastecimento colonial em moedas; 4) análises de conjunto
das reformas burbônicas (Espanha) e pombalinas (Portugal) quan-
to à política comercial; 5) o comércio intercontinental e interco- C. Os séculos XIX e XX
lonial no Pacífico, muito menos conhecido do que o comércio
atlântico; 6) comerciantes e empresas comerciais na América La-
tina.
Os trabalhos de Pierre Chaunu e Frédéric Mauro insistem
na unidade da conjuntura européia e latino-americana: esta última
foi estudada, sobretudo, em função da Europa, das repercussões
l. A INDEPENDÊNCIA E O LENTO NASCIMENTO DAS
das flutuaçõt~s européias no comércio exterior e na produção da
ECONOMIAS DE EXPORTAÇÃO
América Latina, e dos efeitos dos metais preciosos e produtos
tro;:iicais latino-americanos sobre a conjuntura européia (monetária,
de preços, /Comercial, etc.). Sl No entanto, os poucos trabalhos
disponíveis sobre as conjunturas internas de algumas regiões da
América Latina, estudadas sem perder de vista o aspecto estrutu- Se os anos transcorridos entre 1810 e 1824 foram decisivos
ral, também apresentam definidas divergências quanto às fases da 111as lutas pela Independência da América espanhola, ao estudar-se
conjuntura européia. Assim, por exemplo: não houve no século o problema de uma perspectiva mais ampla eles se apresentam
XVIII uma alta de longa duração dos preços de 16 produtos, em como um .período extremamente breve entré as crises da estrutura
Santiago do Chile, estudados .por Ruggiero Romano; nem dos pre- colonial e o nascimento de sociedades de um tipo novo, também
ços do milho do México, estudados por Enrique Florescano. 40 A incluídas em um novo sistema de domínio mundial. Na verdade,
a derrubada das velhas estruturas coloniais começou muito antes
38 F. Mauro, Le P.ortugal. .. , tese cit.; H. e P. Chaunu, op. cit.; E. J.
e prosseguiu por muito tempo depois da agitada cronologia política
H::imilton Amcrican Treasure and Price Revoltllion in Spain, Cámbridge e militar característica do período 1810-1824. 41
(Mass.), 1934; A. Jara, op. cit.; Anuario de Estudios Americanos, XXV,
1%8, etc.
39 Obras citadas na nota anterior; Fernando A. Novais, Notas para o cit.; Enrique Florcscano, Precios dei maíz .. . , dt.; H. B. Jolmson Jr.,
eçtwlo do Brasil no comércio internacional do fim do séclldo XVIII e Money and Prices in Rio de Janeiro (1760-1820) informe mimeografado
hdcin do séc11lo XIX (1796-1808), informe datilografado (Paris, outubro (Paris, outubro de 1971). '
de 1971). 41 Cf. Heraclío Bonilla, Piern~ Chaunu, Tulio Halperin D., Eríc Hobs-
-40 Ruggiero Romano. Una economia colonial: Chile en el sigla XVIII, bawrn, Spalding, Pierre Vilar, /,a iluleprnclc1Zcia e1z el J!.ertí, Lima, Insti-
Buenos Aires, EUDEBA, 1965; do mesmo autor: C11estiones de historia .. ., tuto de Estudios Peruanos, 1972.
232 233
A comparação com o 'caso do Brasil' é sumamente ilustrativa sumir matéri,:s-primas em grande escala: até então, só tivera um
a propósito, pois ali quase não houve guerra de lndependênci~ interesse na periferia - o de vender seus tecidos; 4 ~
- principalmente porque Portu~aL desde o tratado de Methuen 29 - que houvesse a consolidação de um Estado-Nação sob
( 1703) era mais uma dependem:1a cu1111:rcial da Inglaterra do que 0 governo dos grupos sociais interessados nos setores ..produtivos
uma verdadeira metrópole, no sentido colonial do termo, e porque dedicados ao mercado mundial, cuja estruturação correspondesse
houve a transferência da corte lusa para o Rio de Janeiro em 1808 às necessidades de funcionamento do novo tipo de produção para
dando lugar à possibilidade de ser criado um verdadeir~ aparelh~ exportação. Isto. pressupunha garantir uma oferta adequada de
de Estado na ex-colônia. A nova vinculação externa do Brasil com fatores de produção (terra e mão-de-obra, principalmente), do-
o capitalismo industrial foi, em conseqüência, muito mais sim- tando ainda, a economia, do capital social básico indispensável:
estrutura financeira, comunicações, portos, vias férreas.
ples, direta e menos sangrenta do que a da América espanhola.
Para a história econômica e social da América Latina, há Quais os principais campos de interesse para a história econô-
inenus interesse nos processos políticos conducentes à independên- mica da "grande espera"?
cia du que nos, bem mais complexos, de desagregação da velha Por um lado, a penetração inglesa, através de empréstimos,
ordem ou de estruturação da nova. Estabelecer uma cronologia o controle dos circuitos comerciais, a invasão do mercado com des-
precisa das aludidas crises e do período mais ou menos longo de truição do artesanato local. No atinente à influência política há
transição para o capitalismo periférico não é tarefa fácil: sobre- dois problemas, pelo menos, que devem ser esclarecidos: um refere-
tudo na presente fase dos estudos. Porém, uma série de problemas se à possibilidade da Grã-Bretanha ter apoiado, deliberadamente, uma
gerais já está suficientemente traçada. política de balcanização da América Latina, favorecendo a desa-
Em primeiro lugar, as formas distintas e a duração da passa- gregação de repúblicas federais., como é o caso da centro-america-
gem para o capitalismo variaram conforme os seguintes fatores: na; ~ 3 outro é o relativo aos conflitos momentâneos, ou de maior
l) fatores vinculados ao passado colonial, como o grau de crista- duração, por vezes manifestados entre a política da Inglaterra e
lização da economia predominante nessa época, a importância rela- os interesses locais: é o caso do Rio da Prata, com os bloqueios
tiva da exportação, etc.; 2) fatores vinculados ao próprio processo anglo-franceses de 1838 e de 1845-1848, ou o do Brasil -
de emancipação; 3) fatores relacionados com a forma dos novos com a questão da abolição do tráfico de escravos. H De qualquer
laços externos, principalmente no referente à facilidade ou não de modo, os referidos conflitos foram resolvidos porque os interesses
c-.,1abclccê-los. Combinando tais critérios, é possível formular uma globais das oligarquias locais vinculadas f1 exportação e ao co-
tipologia que justifique tanto as formas diferentes de economias mércio inglês tinham um peso consideravelmente maior.
rc,ultantes deste período de transição, que Tulio Halperin Donghi
chamuu de "grande espera'', quanto sua duração, que variou con- 42 !Uem, PP. 175-204: artigo de E. J. Hobabawm; e do mesmo autor:
~idnavelmente de país para país. Las revul1Lciu11es b1Lrg1Lesas, Madrid, Ediciones Guadarrarna, 1971, capi-
tulo II.
Em segundo lugar, a organizaç<lo de uma economia de bases
43 Sobre isto há opiniões cli,·crgenks. Ver por exemplo: Mal'io Rodrí-
11"' :h n;lo podia ocorrer sem:
guez, Chatfield, Có11sul Brilâ11ico e/l Cc/l/ru América, Tegucigalpa, Banco
19 - que existisse um mercado mundial suficientemente de- Central, 1970.
\~11 rnl\ ido, com países industriais que consumissem matérias-pri- 44 Cf. Miron Burgin, Aspectos económicos d;l federalis111u argenli110,
mas e países periféricos que absorvessem produtos manufaturados Buenos Aires, Solar - Hachet te, 1969, pp. 308 e seguintes; Alan K.
Manchesla, British Preeminellce i11 Brazi/, ils Rise a11d Decline, Nova
-- e isto dependia, basicamente, do desenvolvimento do capitalismo
Iorque, Octagon Books, 1964 (2.' ed.); Richard Graham, "CallSL'S for the
indu-,1rial, assim como atuava na Grã-Bretanha. P.ois bem, apenas Abolition of Négro Slal'ery in Brazil: An Intcrprct:1ti\'e ~-;ay", na l!ispwzic
na segunda metade do século XIX a Inglaterra começou a con- Amcric~111 Hislorical Rcl'ien', 1966, pp. 123-137. -
23-1- 235
Por outro lado, a situação interna dos países latino-americ~nos, 0 centro - desfavoráveí à periferia sempre que ultrapassava a en-
no período em pauta, pode resumir-se em torno . dos seguintes trada líquida de novos investimentos.
problemas: 1) as lutas e anarquias derivadas de vazios de poder; 3} Um controle total dos países industriais sobre os circuitos:
2) os conflitos entre protecionistas e livre-cambistas, que na ver- comerciais externos, (sob a forma de controle das linhas de na,.
dade eram conotações profundas das lutas pela organização do vegação e, portanto, dos fretes) e das grandes empresas do comér-
Estado Nacional. 45 cio de exportação e importação.
4) Uma grande sensibilidade à conjuntura metropolitana, cujos
efeitos faziam-se sentir na totalida9e da economia exportadora.
De todos estes mecanismos, o papel mais importante é o de-
sempenhado pelos investimentos estrangeiros - pois são . eles que
inserem os países latino-americanos neste novo sistema mundial
.., O AUGE DA ECONOMIA DE EXPORTAÇÃO 46
de dominação: o do capitalismo industrial já em marcha para sua
etapa monopolista. Isto implica estabelecer relações de dependência
além da esfera comercial, afetando as próprias estruturas da pro-
dução.
O desenvolvimento das economias dé exportação, cujo auge
No atinente às diferenças entre distintos tipos de' economias
extraordinário foi verificar-se entre o fim do século XIX e a crise
de exportação, são· correntes duas tipologias: ·uma que classifica
de 1930, apresentou consideráveis variações conforme as diversas
as economias pelo tipo de produto; outra que .põe ênfase no con-.
situações históricas da "grande espera". De qualquer jeito, houve
trole nacional ou estrangeiro da produção. Na primeira, é usuaf
uma série de mecanismos comuns a todos os países, que a seguir
indicamos. distinguirem-se economias de· agricultura temperada, economias.
A expansão das economias de exportação supunha uma íntima de agricultura tropical e economias de mineração. 47 Logicamente,
vinculação econômica entre países industriais e .países periféricos, o tipo de capitalismo pei·iférico é distinto nos três casos, tratando-se
manifestada em: de produções também diversas. Tal tipologia, embora útil, não
l) Uma divisão do trabalho entre países industriais e países ultrapassa o estágio descritivo.
produtores de matérias-primas. Os países industrializados da Euro- Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto 48 partem da dis-
pa, fundamentalmente a Inglaterra, consumindo uma série de maté- tinção entre o controle nacional ou estrang~iro da produção. Cer-
rias-primas agrícolas e minerais que não podiam produzir em suas tamente, a variável escolhida é muito mais importante tratando-se·
próprias fronteiras, ou que só produziriam a. muito custo. de chegar a uma tipologia. explicativa. No entanto, revela-se de
2) Uma corrente de ~apital estrangeiro, mais ou menos con- uma generalidade excessiva para que seus resultados sejam de utili-
siderável, conforme os países, investido basicamente em ferrovias dade à história econômica. O objetivo principal da_ tipologia de
e comunicações, instalações portuárias, bancos e empresas comer- Cardoso e Faletto é absolutamente legítimo:
ciais importadoras/exportadoras. Os investimentos estrangeiros, fos-
sem diretos ou empréstimos a governos, exigiam o pagamento de
um serviço que implicava um fluxo de excedente da periferia para 47 Celso Furtado, La economía latinoanzericana desde la conqllista ibé-
rica hasta la revolución cubana, México, Sigla X'XI, 1969, p. 50.
48 Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Dependencia y desarrollc,.
4.'i Cf por exemplo, o excelente estudo de José Carlos Chiaramonte, Na- en América Latina, Ensayo de interpretación sociológiéa, México, Sigla XXI,
ciuna/ismo y liberalismo, Buenos Aires, Solar - Hachette, 1971. 1969. Destacamos a importância do ensaio de Cardoso e Faletto, uma·
41> Piderimos a expressão "economia de exportação" a "desenvolvimento interpretação em que o historiador encontrará intercssA.ntes hipóteses e-
p.t1 a fora", correntemente usada nos estudos da CEPAL.
sugestões para pesquisas.
236 237'
~--
"A perspectiva adotada neste ensaio requer a análise tanto de subsist~ncia) e de terra (ísto. pelo menos na- fase inicial de
das condições quanto das possibilidades de desenvolvimento e de desenvolvimento) e uma demanda internacional totalmente elástica
consolidação dos estados naciopais latino-americanos segundo o para ur11 ~erto nível de :preços. Em tais condições, Furtado pensa
modo como os grupos sociais locais conseguiram estabelecer sua par- que .ª maior parte da inversão necessária ú expansão das culturas
ticipação no processo produtivo e definir formas de controle insti- reduza-se a insumos de mão·de-obra:
tucional capazes_ de assegura-la.'' 49
Discutível é se tal distinção entre controle nacional e controle 'Desta maneira, a própria expansão da agricultura cria
estrangeiro da produção resulta, ou não, por demais analítica para os recursos que· alimentam o processo de inversão. Assim se
proporcionar uma visão adequada do que se pretende estudar. Va- explica porque duplicou em um período de cinco a seis anos,
mos indicar os defeitos principais para sugerir, daí, novos campos na década de 50, a produçüo brasileira .de café, sem que isto
de estudos e de pesguisas. representasse qualquer pressão maior sobre os recursos ou
O controle nacional do processo produtivo define-se, basica- qualquer __ desvio dos investimentos correspondentes a outros
mcnt.e, pelos seguintes critérios: setores" "3
19 - "As decisões de investimento 'passam' por um momepto O trabalho de Furtado tem, sem dúvida, ·o mcnto de atacar
de deliberações internas, das quais resulta a expansão 11111 prob 1e'.11a .essencial,- sugerindo uma explicação de grande inte-
ou a retração da produção; isto significa que o caphal resse. Porem, como demonstração, limita-se à análise léoica de
tem seu ponto de partida e seu ponto terminal no sis- uma série de variáveis, mostrando suas inter-relações .. N~nhuma
tema econômico interno" 5o prova. ~istórica é tentada como verifícação do modelo proposto.
~ .aqm e, ond,~ com~~am os pro?!emas: A idéia, interessante, .de que
2Q Observam-se as seguintes restrições à referida autono- f01 P?ss1v~l lançar . ~ produçao agncolu para a exportação com
mia relativa de decisões: um frnanc.iamento mm1mo requer comprovação histórica. Isto pode
ser d1scuudo no caso da expansão cafeeira da Co:sta Rica ou do
/condições impostas pelo mercado internacional;
Brasil; "4 a expansão agrícola da Argentina contraria a idéia em
capacidade dos grupos exportadores locais para instau- pauta, pois o setor latifundiário pastoril fez, durante todo o século
rarem uma "ordem nacional" em que desempenhem um XIX, consideráveis inversões fixas, enquanto o setor de aoriculto-
res imigrantes ficou basicamente na dependência de adiant~mentos
papel hegemônico. i>i
financeiros das casas exportadoras de cercais ou de seus re.;.líesen-
No que se refere ao mecanismo' de formação de capital, os tantes. :;:;
autores se reportam ao importante trabalho de Celso Furtado Outro problema, talvez mais importante, deve ser acrescido
"Factores estructurales que impiden el desarrollo'', 52 em que é ao anterior: Furtado limita-se a analisar as "decisões" de inves-
feita uma análise do aludido mecanismo em uma economia expor-
tadora em que se desenvolva a moderna agricultura capitalista com
uma oferta -ilimitada de mão-de-obra (proveniente da agricultura 53 Jbidem, p. 73.
5~ Cf., C. Hall, El café y el cfrsarrullu histórico-geográfico de Costa
Rica: São José, . Editorial Costa Rica em co-edjção com a Universidad
49 Idem, p. 39. ~ac10nal, 1~7~; Stanley. J .. Stein, Gra~zdeza. e .decadência do café, São
aulo, Br~s1hense, 1.961, Pierre Munbe1g, Pwnnzers et planteurs de São
50 Ibidem, p. 46.
P~ulo, Pans, Fondat10n nationak des sciences politiques, 1952.
SI Ibidem, p. 47. 5). Cf. James R. Scobie, Revu/ucióll en ·las Pampas Historia social dei
52 Celso Furtado. Subde.sarrol/o y estancamiento en América Latina, Bue tngo argentino, 1860-1910, Buenos Aires, Solar-Hachet,te 1968 pp. 115 e
:scg. :..J-- '
nus Aires, EUDEBA, 1966, capítulo III.
238 239
timentos a nível de empresa individual e isto é insuficiente para "A produção é um prolongamento direto da economia
poder explicar a rápida expansão da economia., sobretudo nO pe- central, em um duplo sentido: uma vez que o controle das de'-
ríodo inicial. 5u cisões de inversão depende_ diret.amente do exterior e porque
Muito mais impreciso, I)las bem mais rico em :possibilidades de os lucros gerados pelo capital (impostos e salários) somente
análise, é o conceito de acumulação originária elaborado por Marx~, '.passam', em seu fluxo de circulação, pela nação dependente,
para explicar as origens do capitalismo europeu, e que pode ser mdo_ aumentar a massá de capital disponível para investi-
aplicado ao estudo do processo do advento das economias expor- mentos da economia central". r.~
tadoras, com as ressalvas cabíveis. 58 A análise das modalidades do
processo de acumulação :primitiva em cada sociedade concreta é, A isto acrescenta-se o fato das conexões entre o enclave *
talvez, muito mais explicativa das razões pelas quais pode ou não e a sociedade local serem debilmente econômicas, manifestando-se
surgir uma economia de exportação com "a produção nacional- antes a nível da extrutura de poder, de que dependem as concessões
mente controlada". Logicamente, a orientação e a intensidade do de exploração. "Do .ponto de vista do mercado mundial as rela-
mencionado processo dependerá dos grupos sociais capazes de se ções econômicas se estabelecem no âmbito dos mercados cen-
beneficiarem da acumulação originária em causa. trais."
As economias de enclave, controladas por empresas estran- Os autores distinguem com cuidado duas situações: uma e~
geiras, representam, na abordagem de Cardoso e Faletto, a face que "os setores econômicos nacionalmente controlados, por serem
oposta das ec·onomias com controle nacional. Neste caso, o fato in~a?azes de ~e~gir ~ d~ com~etir na produção de mercadorias que
fundamental é que: ex1gian:1 c~nd1çoe;_s :ecmcas, sistemas de comercialização e capit.ais
de mmta 1mportanc1a foram paulatinamente deslocados"; e a outra
em que a economia de enclave constituiu o início da economia de
56 É inkressante lembrar as observações de Eric Hobsbawm ( E1t torno
a /us urígrnes de la reiiolución industrial, Buenos Aires, Siglo XXI, 1971,
exportação, como em Honduras e, em mençir escala, no Equador,
p. 49) sobre o mesmo problema, relativamente à revolução industrial na Bolívia e na Venezuela. 60
1 ! inglesa: "Afirma-se, às vezes, que o caráter fragmentário e barato das _ Se deixarmos de lado uma série de confusões sobre o caso
primitirns instalações industriais - por exemplo das fábricas de algodão · centro-americano, "1 a anális.e da segunda situação torna-se absolu-
- permiti(1 que fossem financiadas com muito pouco capital inicial e
reinvE:stindo eis lucros. O exemplo é desconcertante. Devemos ter em
conta não só o investimento total necessário para colocar em anda-
mento a firma individual · como, também, o investimento total necessá- 59 Cardo~o e Faletto, op cit , p. 53.
rio para dar um rápido início a uma economia ·industrial: estradas, ca- * N. ~.: encl~ve é vocábulo não registrado pelo Diccionariu de /a Real
nais, cais, navios, construções de todo o tipo, investimentos agrícolas, Academia Espanola, nem pelo Novo Aurélio - conservamo-lo por expres-
minas, etc. Na verdade, uma industrialização rápida precisa não só sar um conceito familiar aos economistas e historiadores.
d,·ste equipamento inicial mas, ainda, de uma contínua inversão da 60 Ibidem, pp. 48 e seguintes.
mesma natureza. Isto dá à economia que tem reservas acumuladas (di-
f<1111us, por exemplo, a Grã-Bretanha do século XVIII), uma ampla van- 6~ Idem, ~-. 8?=. "A alternativa desta situação [refere-se aos setores mé-
t.1~,·111 sobre a economia que não as tem (p. ex., a Áustria no século dios que mobilizam os camponeses para enfrentar o sistema de domi-
X\' 11 I) Esquece-se também, freqüentemente, o fato de que todos os nação pol~t~ca] seria uma lenta transformação do setor agrário n;:icional,
!'li\ nnus tentaram, nos últimos tempos do século XVIII, industrializar- que . permitisse a redistribuição da terra, dando assim oportunidade ao
'L'. mas poucos o conseguiram." _surgimento de setores de proprietários rurais médios e pequenos. como
acont~ceu, embora de modo limitado, em Co~ta Rica". Na verdade, a
S7 Cf. K;:irl Marx, EI Capital, ed. cit., capítulo XXIV. Ver também as
intt'l't'ss;mtes observações de Alexander Gerschenkron, El atraso económico ~ro~nedade •pa~celar gerada _durante a colônia ·e os primeiros tempos
n1 SZL perspectiva 11istórica, Barcelona, Ariel, 1968, pp. 97-124. e. mdepende~c1a .de Costa Rica sofreu, com o advento da expansão ca·
f~eira, os efeitos da concentração; embora as grandes propriedades não
'K Cf por exemplo Alonso Aguilar Monteverde, Dialéctica de la econo- tivessem absorvido a totalidade das pequenas propriedades, absolutamen-
""" mexicana, México, Ed, Nuestro Tiempo, 1968, pp. 95 e seg., em que te, seu monopólio do lucro do café e do' crédito _I?ermitiu que sub-
trata de aplicar o conceito ao caso mexicano. metessem os minifundiários a rel;:i"Ções de dependência e lhes permitiu
2-10 241
tamente justificada. Entretanto, as dúvidas começam a se esboçar As explicações propostas são de diversos tipos. A mais sim-
a propósito dos países em que o controle nacional da economia ples, geralmente vinculada ao pensamento da CEPAL, 65 sustenta
de exportação coexiste com ,o enclave: Chile., Peru, México. Nestes que a formação do mercado interno relaciona-se, antes de mais
casos não é evidente a razão porque se pensa que a economia de nada, com a distribuição da renda. Um quadro de distribuição
! 1 . enclave determina um tipo de desenvolvimento muito diferente do palarizada significaria a inexistência de setores médios e, conse-
das economias nacionalmente controladas. É bem difícil decidir se qüentemente, a limitação do mercado interno: a oligarquia expor-
o peso relativo da influência externa é maior no México do que tadora com um consumo ostentatório de bens importados e a
na Argentina; não é dara a razão pela qual se considera a Co~ grande massa da :população relegada ao consumo de sqbsistência,
lômbia como uma economia nacionalmente controlada, 6 0) embora excluída do circuito mercantil. Esta visão é, entretanto, simples
nela existam setores de e)l:portação que são de enclave. A com- demais e, na maioria dos casos, pouco realista.
paração do México com a Bolívia 63 baseada em que os setores Celso Furtado pensa que o decisivo é a elevação da produ-
médios incorporam-se ao poder político, rompendo o poder oligár- tividade que ocorre em conseqüência da expansão da economia
quico, é predominantemente formal. E a incorporação dos setores exportadora, diversificando a composição da demanda global no
médios à aliança de poder é, no caso da Argentina e do Chile, sentido de dar origem a "um aumento mais do que proporcional
da demanda de produtos manufaturados". 66 Assim, os países "va-
bastante mais comparável do que no do Chile e do Peru, apresen-
zios" como a Argentina e o Uruguai, - onde a extensividade da
tado no texto. u4 Estes são simples exemplos, evidentes à primeira
agricultura impunha um uso intensivo do fator trabalho e, por
vista, da insuficiência dos critérios adotados :para elaborar uma conseguinte, salários relativamente altos - tinham condições óti-
tipologia realmente explicativa. Outros poderiam ser acrescenta- mas para que a economia de exportação engendrasse, rapidamente,
dos: entre a Guatemala (economia de enclave) e El Salvador (eco- um importante mercado interno de manufaturas. 67
nomia nacionalmente controlada) as semelhanças são bem mais Os enclaves mineiros, como é o caso da Bolívia, tenderiam
significativas do que as diferenças. - pela própria natureza da economia exportadora - a modificar
Porém, /consideremos outros aspectos importantes das econo- apenas a demanda global dos grupos vinculados ao próprio en...
mias de exportação. Um, de significação especial, é o da formação clave. Nesta situação, é sumamente limitado o mercado interno
de um mercado interno, desenvolvido com maior ou menor inten- gerado: reduz-se aos trabalhadores das minas e a uma minguada
sidade conforme o tipo de economia de exportação, e que será burocracia administrativa e comercial. No Brasil, a zona cafeeira
essencial para possibilitar os :processos de industrialização. de São Paulo tem, parcialmente, as caractt;rísticas dos pampas do
cone sul: zona "vazia", necessidade de atrair mão-de-obra do ex-
. terior, dada a abolição da escravatura, em 1888. Porém, no con,..
obter nos pequenos sítios os peões para <IS colheitas e os carreteiros
para o transporte do café para o porto de Puntarenas. Além disto, não
junto da economia brasileira · o efeito diversificador sobre a de-
den:m ser esquecidos os efeitos da aparição do "enclave" bananeiro nas manda é menor do que no caso argentino. 68 • Quanto ao México,
costas atlànticas. Ct Rodrigo Facio, Estudio sobre economía costarri· merece um destaque especial. :É o único país da América Latina
cense, San José, Ed. Costa Rica, 1972, pp. 44 e seguintes, 60-61; Samuel
Stone, "Los cafetaleros" na Revista de Ciencias Jurídicas (Universidad em que a formação do mercado interno não se relaciona direta-
Je Costa Riça), n." 13, junh,) d.: 1969, pp. hi7-217; Ciro Fla'marion San-
tana Cardoso,· La formacfón de la hacienda cafetalera costarricense en el
siglo X l X, informe mimeografado (II Simpósio sobre História Econô- 65 Porém, na forma grosseira que mencionamos ~qui, caracterizaria melhor
mica da América Latina, Roma, Setembro de 1972). as colocações da esquerda latino-americana "tradicional".
62 Cardoso e Faleto, op. cit., pp. 76 e seguintes. 66 Celso Furtado, La economia latinomericana.. cit., p. 98.
63 Ibidem, pp. 86-89. 67 Ibidem, p. 100.
IH Ibidem, pp. 94-95.
68 Ibidem, p. 101.
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1
Francisco da Penitência) e listas de preços publicadas por um 29 As etapas da industrialização brasileira
jornal - o "Jornal do Comércio" (1840-1930). São estud~das
séries relativas a 40 tipos de salários; e os preços de 13 artigos A ex plicação freqüentemente admitida para o processo da in-
1
de consumo local (alimentos: feijão preto., arroz, farinha de man- dustrialização do Brasil e de outras zonas da América Latina, de
dioca, açúcar moscavo, charque, café, bacalhau, carne bovina, que tal proce·sso iniciou-se em função da substituição de impor-
manteiga, toucinho; óleo de iluminação; tccidu de algodão) esta- tações vinculada aos dois conflitos mundiais e à depressão dos
belecendo-se índices de custo da alimentação com diferentes pon- anos da década de 1930 foi, recentemente, posta em dúvida prin-
cipalmente por autores norte-americanos: Warren Dean, Werner
derações baseadas em critérios sociais (tipos de. consum,o variáveis
Baer, Nathaniel Leff. 8u Conforme W. Baer e Anibal Villela, no
segundo os níveis de renda). No caso da Bahia, no seculo XIX,
atinente à industrialização brasileira podem ser constatadas as se-
procurou-se comparar a evolução dos preços com as curvas rela- guintes etapas:
tivas ao movimento vital da população da cidade rle Salvador; as
fontes disponíveis - livros da Santa Casa de ~:isericórdia em várias épocas, antes de 1914, principalmente desde
permitiram a elaboração de séries de preços relativamente a 18 o começo da era republicana (que se implantou em
produtos, mas não a de séries de salários. O estudo dos preços 1889) houve fases de desenvolvimento de indústrias leves
na cidade de Recife (1890-1940), baseado em uma amostragem vinculadas a auges da exportação, a incentivos governa-
dos dados publicados por jornais locais, abrange sete produtos: mentais, a manipulações cambiais e a medidas protecio-
açúcar, café., feijão, farinha de mandioca, arroz, carne bovina e nistas;
aguardente. 87 · a Primeira Guerra Mundial estimulou a produção, mas
Entre as pesquisas dedicadas à conjuntura do cdmércio ex- não- o investimento; a interrupção do comércio marítimo
terno brasileiro, citemos os trabalhos de Cecília Maria Westphalen tornou difícil a importação de bens de capital, necessários
sobre a exportação de erva mate da província brasileira do Pa- ao incremento da caipacidade produtiva, e que o Brasil
raná para os países do Rio da Prata, pelo porto de Paranaguá, no ainda não produzia; em vez de ampliar ou mudar a ca-
século XIX, mostrando como tal atividade refletia os ciclos da pacidade produtiva industrial brasileira, a guerra ·conduziu
economia ocidental e, também, naturalmente, as variações da po- à maior utilização da capacidade produtora das indústrias
lítica do Império do Brasil (relativamente à região do Rio da de alimentos e têxteis, já instaladas;
P'rata e às mudanças políticas ali ocorridas). ss nos anos da década de 1920 houvé um período de lento
crescimento da :produção industrial, mas de grande im-
87 Eulália Maria L. Lobo, "Una invesfigación sobre historia de los pre-
eius y salarios en Rio de Janeiro", em Estudios Sociales Centroameri-
' 1111(», n.º 2; maio-agosto de 1972, pp. 143·154; Eulália M. L Lobo e
e
89 Warrcn Dcan, The ln:lustriuli~at•u11 of Siio Paulo, 1880-1945, Austin
outro:;;, Evoluticm des pri:i; et du cout de la vie à Rio de Janeiro (1820- (Texas>. The University of Texas Press, 1969; wemer Baer, A industriali-
zação e· o dcsenvolvime11to eco11ômicu do Brasil, Rio de Jam:iro, Funda-
1903 >. informe mimeografado <Paris, outubro de 1971); Katia M. de Quei-
ção Getúlio Vargas, 1966; Nathanicl H. Leff, "Lonrr-Tcrm Br:l?ilian Eco-
roz Mattoso, "Caminhos estatísticos na história econômica da Bahia". em
nomic :bevelopment", em The Journal of Economic- History, setembro de
l '11i1·ersi1as, (Salvador, Bahia, Brasil) janeiro-agosto de 1971. pp. 135-153;
1969, pp. 490 e seguintes; Wcrner Bacr, The Devel-opment of the Brazilian
Ciadid Perruci, Les prix à Recife (1890-1940), informe mimeografado IP~ Steet lndustry, Nashville (Tenessee), Vanderbilt University Press, 1969;
ri>. outubro de 1971). .Werner Baer e Annibal V. Villela, Industrial Growth and lndw1trializatio11:
88 Cecília Maria Westphalen, Paranaguá e o Rio da Prata no século XIX. Revisions in t11e Stages of Brazil's Economic Development, informe mi-
inturme mimeografado (Paris, outubro de 1971); da mesma autora: meografado (Paris, outubro de 1971). Os referi.dos autores apoiam-se.
O pur/u de Paranaguá e as flU/uações da economia ocidental no século XIX t~mbém, em obras anteriores, por exemplo: Stanley J. --Stein, The Brazi·
inlurme mimeografado (Roma, setembro de 1972). lzan Cotton Manufacture, Cambridge, Harvard University Press, 1957.
252 253
portação de bens de capital e grande co~sumo _de cimento
e aço, fatores que indicam important~s mversoes; _
T formas de financiamento (o que inclui as formas de relaciona-
mento com o capital e a tecnologia estrangeiras); efeitos: excessi-
durante a depressão do decênio segumte, a n~duçao das va concentração regional, problemas de distribuição de renda e
importações brasileiras conduziu a uma exp.ansao d~ pro- de balança de pagamentos ~ não empobrece em demasia a ex-
dução industrial, mas diminuiu muito a imp~rt~çao de plicação. Paradoxalmente, a· análise de um economista como Celso
bens de capital; isto e o exame de outr~s ~ndicadores furtado. é muito mais aberta ao contexto histórico global e, por
das inversões mostram que, durante a primeira. met~~e isto, torna-se mais interessante e fértil, do ponto de vista histó-
da década,, a produção aumentou através da ma10r utili- rico, do que o citado ensaio de história econômica. 9 0
zação da capacidade produtiva existente (em grande parte · Por outro lado, podemos duvidar da "novidade" do esquema
instalada nos anos do decênio de 20), enquanto a se~un proposto (enquanto interpretação global), embora certamente seja
da metade viu aumentar, também, a capacidade pr_?du_tiv~: útil para esclarecer e matizar certos aspectos. A importância da
expansão da produção de aço, cimento .e papel; ª. i.ndustna industrialização anterior à Primeira Guerra é algo admitido há
já se fazia um setor motor da economia do Brasil, muito tempo no· Brasil. ui
a segunda Guerra Mundial caracterizou-se pelo_ aumento
da produção, acompanhado por pequena expansao da ca-
pacidade produtiva, salvo os setores do aço ~Volta Re- 39 Crescimento e desenvolvimento: ·medida, fatores e dese-
donda) e do cimento que acusam grande mcremento; quilíbrio
momentaneamente, aumentam as exportações brasileiras de
Mircea Buescu defende o interesse de uma "quantificação glo-
produtos manufaturados;
bal da economia brasileira desde a época colonial", baseada na
fase 1947-1962 (maior intensidade em 1956-1962): des-
observação da variação da renda total ou per capita, e inspirada
de o fim dos anos cinqüenta a parte da indústria na for-
pelas tendências contemporâneas para uma econometria retrospec-
mação do produto nacional é superior à da ·agricultur11; a
tiva muito pouco crítica. Sua tentativa é, mais do que uma quan-
expansão compreende tanto os bens d.e consumo qu~~
tificação, uma "ponderação global", como assevera Pierre Chaunu;
to os bens intermediários e de capital - e se apoia
entretanto, Chaunu considera tal ponderação "satisfatória", com o
na política do governo; a industrialização caracteriza-se,
que não estamos de acordo. Além da documentação usada ainda
então, claramente, pela substituição de importações;
ser muito mais insuficiente, heterogênea e dispersa do que a em-
Fase 1962-1967: estagnação, declínio drástico da taxa de
pregada por Toutain em seu estudo quantftativo da França rural
crescimento industrial; isto reflete o fato da substituição
de importações já não proporcionar força motriz suficiente do século XVIII ( cf. capítulos 1 e II deste manual) - que senti-
ao crescimento, e reflete ainda a necessidade de serem en- do poderão ter, para um historiador, avaliações da renda per capita
contradas outras bases para o dinamismo industrial. do Brasil de 1600 a 1950, apresentadas sem solução de continui-
dade? As transformações da sociedade brasileira fazem-nos duvidar
Como se pode ver, a :periodização proposta fundamenta-se na
distinção entre o crescimento da . produção e o das inversões ~·
90 Celso Furtado, Análise c/u "moddo" brasileim, Rio de .Tanc'Íro, Civili-
· portanto, da. capacidade produtiva - e ?ªs muda~ças est~turais zação Brasileira, 1972; do mesmo autor: Subdesar.rollo y estancamiento .. . ,
da industrialização . Tomamos as fases acima resumidas do mfor- dt. Ver também a crítica ao modelo de Furtado por M. C. Tavares e
me apresentado por Baer e Villela em Paris (outubro de 19!1, J · Serra, "Más allá de! estancamicnto. Una discusión sobre el estilo de
desarroll9 recientc en Brasil", na Revista LatinomrÍ~ricana de Cie11cias
colóquio citado). Podemos indagar-nos se o fato de t~r~m sido Sociales (Santiago do Chile, FLACSO), junho-dezembro de 1971, pp. 2-38
postos de lado, explicitamente, certos elementos . essenciais, - a 91 Nícia Vilela Luz, A luta pela industrialização do Brasil, São Paulo,
análise da política econômica do Estado nas diferentes epocas; Difusão Européia do Livro, 1961. - .
254 255
da validade de tal procedimento, e às considerações do autor so- propósit_? de Deni~-Clair Lambert no sentido d~ preservar as
bre "a renda dos escravos" baseiam-se em uma só fonte ... concepçoe~ do dualismo. estrutural - já tão justamente criticadas
e desacreditadas no Brasil e em toda a América Latina _ deslo-
A quantificação é um instrumento de grande ut.ilidad~: po:é~,
cando-as do plano regional, ·. da oposição. entre 0 ur b ano mo-
ou
não uma quantificação qualquer. Quando as pes~~1sas d1spomve1s .
não são suficientes (para não falar das fontes ut1hzadas) - algo derno e o rural arcaico, para o nível da diferenciação entre "inte-
que Buescu reconhece - é muito mais útil tratar de contr}b~ir grados" e "~arginais", entre "participantes" e "não participantes"
para que 0 sejam mais do que especular sobre ponto de referencia do,, desenvolvimento.
. O problema abordado - 0 da •• margina · l"d
i a-
de_ . -- ex1s~e e d,eve ser estudado; porém é difícil ver qualquer
tão precário. 92 ut1hdade no ab~r~a-lo em tern:ios dualistas, quer dizer, simplistas e
o mesmo autor apresentou outro informe ao colóquio de Pa- puramente des~nt1vos. Uma afirmação do tipo da feita por Lambert
ris dédicado ao problema da inflação no Brasil de 1850 a 1870
("º. setor arca~co deslocou-se, com o êxodo rural, do campo para
_' que é mais interessante ao abordar as possíveis expt.icações mo-
a cidade, particularmente para o seio das atividades residuais de
netaristas e estruturais do processo inflacionário aludido, vinculado
serviço") apresentada em um contexto em que o autor parece
à expansão cafeeira e a outros fatores, como o aumento do preço
atribuir-lhe valor explicativo, não passa da simples colocação do
dos escravos em seguida à abolição do tráfico, em 18~0. 9 :1 que deveria ser explicado. 9~
Podemos observar antes e durante o colóquio, uma preocupa-
ção ou abordagem d; moda que suscitou vários estudos de geó- 49 Evolução da mão-de-obra
grafos, economistas e - mais recentemente - sociólogos e histo-
riadores: o estudo do crescimento ou do desenvolvimento ece1nô=" Os aspectos melhor estudados, até o momento, do fator mão-
mico do ponto de vista dos "pólos" urbanos (pólos de crescimento, obra na história econômica do Brasil nos séculos XIX e XX são
de desenvolvimento, de integração; possibilidades de planejar a a escravatura e o tráfico e sua abolição. E a transição para o tra-
p.olarização), a expansão da rede urbana, as relações entre campo balho assalariado. Alguns dos mais importantes trabalhos r~lativos
e cidade, 'os desequilíbrios regionais, etc. 94 a tais aspectos foram realizados por sociólogos: são trabalhos que
Afinal, no plano das interpretações globais da realidade eco- contêm, em geral, muito mais do que a simples análise· do escravo
nômica e social brasileira recente, é uma su:Dpresa constatar-se o como mão-de-obra, e da escravidão como fato meramente econô-
mico. 96
92 Mircca Buescu, Pour une quantification globale de l'économie brési-
lienne depuis l'époque. coloniale, e Pierre Chaunu, Pour une histoire sé- ~S Denis-Clair Lambert, Le degré de dualisme de l'éco110111ie brésilienne s'est·
rielle du Brésil au XVIII• siecle, informes mimeografados (Paris, outubro 11 atténué e11 un demi-siecle? 1930-1970, informe mimeografado ( P&ris ou-
de 1971). Certos problemas teóricos da contabilidade de unidades de tubro de 1971). ' ·
produção baseadas no trabalho não livre foram totalmente postos de la-
do: d. Witold Kula, op. cit., pp. 16-28 (principalmente p. 19); F, Mauro 96 Cf. Florestan Fernandes, A integração do negro à sociedade de 1::l11sses
Lc Portugal. . , cit.. pp. 213 e seguintes. São Paulo, 1965; Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidã~
93 Mircea Buescu, Monétarisme et Structuralism11: L'i11flation bresilienne no Brasi~ Meridional, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1962; ocfa-
v~o Ianm, As metamorfoses do escravo, São Paulo, Difusão Européia do
de 18SO a 1870, informe mimeografado (Paris, outubro de 1971).
~vro,_ 1962; ~lia Viotti da Costa, Da senzala. à colônia, São Paulo,
94 ; Louis Jeanjean, Crissance urbaine et crOissance régio11ate au Brésil de- D1f~ao Europeia do Livro, 1966; iPierre Verger, FLux et reflux de la
pitis l'indépendence, e Jacques R. Boudeville, Pôles de développement et trazt~ des 1:.égres entre le golfe de Bénin et Bahia de Todos os santos
p<ik' de cruissance brésiliens au XXe siecle, informes mimeografados (Paris, ~~ d1.x-sept1eme au dix-neuviéme siécle, Paris - Haia. Mouton, 1968; Peter
outubro de 1971) ; Paulo Israel Singer, Desenvolvimento econômico e evolu- Eisenberg, "Abolishing Slavery: The Process on Pernambuco's Sugar
~·ào urbana: Análise da evolução econômica de São Paulo, Bl11menau, Porto Plantations", em. Hispanic American Historial Review, nQYembro de 1972,
Alegre, Belo Horizonte e Recife, São Paulo, Companhia Editora Nacional - PP· 580-597, etc.
l:1ll\t:rsidade de São Paulo, 1968.
257
256
....-
1 1
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'
Mais receniemente, o come~o de pesquisas de demo~ratia his- ficuldade de con~eguir · financiamento e apoio institucional asse-
tóri.:;; permitiu a colocação do problema da mão_-de-obra _Je. o~tr~s guradores da continuidade dos pwjetos de pesquisa: eis as desvan-
outros pontos de vista: sua evolução quantitativa, a d1stnbu1çao tagens graves co!ltra as quais temos de lutar. Sua própria gra-
dos escravos pelos lares, a categoria dos "agregados" e sua pro. vidade é a melhor prova da vitalidade e da fecundidade das novas
gressiva desaparição., etc. Entretanto, tais abordagens ainda são concepções pois, apesar .de obstáculos tão difíceis a superar, há
bem pouco utilizadas: ficam limitadas ao Rio ?e J.aneiro e a Sã_? uma dinâmica e decidida minoria de historiadores sensíveis aos
Paúlo e só abrangem os primeiros anos de vida independente. u, progressos de sua disciplina que vêm conseguindo numerosos re-
sultados da maior importância e de indiscutível valor científico.
D. Conclusão
258
259
l
dor um curso introdutório de ·economia ou o estudó de algum ma·
nua! deste nível. 1
Discutiremos alguns conceitos básicos, que sem dúvida pro-
vêm da economia mas já têm· l.ugar de honra no vocabulário dos
historiadores.
Primeiramente estudemos o conceito de conjuntura. Entende-
mos como conjuntura, antes de tudo, movimento: elevações e que-
das da produção, flutuações no volume dos intercâmbios, oscila-
ções de preços. Assim, pois, as mudanças, os movimentos dós com-
ponentes essenciais da vida econômica são aludidos por esta noção
de conjuntura. Em outro sentido, a palavra também é empregada
para designar o ramo da economia que se dedica ao estudo e à
previsão das flutuações. chamadas, justamente, de conjunturais ou
cíclicas. Voltando ao primeiro sentido do vocácul~. digamos de pas-
CAP1TULO VI sagem que não se limita à esfera econômica. Também há uma
conjuntura social - dada pelas variações nas relações de força
dos diferentes grupos e classes sociais - uma conjuntura política,
CONCEITOS, MÉTODOS E TÉCNICAS etc. 2 Entretanto, até o momento tem sido a econômica a conjuntura
mais estudada - ao ponto de contar-se, presentemente, com por-
DA HISTORIA ECONÔMICA"
menorizada classificação dos diferentes tipos de flutuações econô-
micas.
Observemos, agora, um fato importante: a conjuntura, o mo-
vimento da vida econàmica. caracteriza-se pela repetição, pela re-
A: Um vocabulário básico. corrência. Aos movimentos de alta sucedem-se os de baixa, para
logo voltar a alta, etc. Isto faz com que, habituafmente, sejam con'."
sideradas as flutuações econômicas como cíclicas, falando-se corren-
temente em ciclos econômicos. Assim, "a conjuntura, como fenô-
meno repetido é, pois, um movimento estrutural". :i Deste modo, o
1. ESTRUTURA E CONJUNTURA movime·nto não se mostra anárquico ou aleatório, mas apresen-
260 261
tando - no fundo- - uma sene de regularidades, de repetições as diferenças regionais nos preços são notáveis e, consequentemente,
que tornam seu estudo possível. Pois bem, o movimento - e po. não podemos falar de mercado nacional e sim de mercados locais
demos dizê-lo legitimamente - é cíclico em comparação com algo ou, no máximo, de regionais. A indústria é, sobretudo, de bens de
es.tável: e esta permanência é o que denominamos de estrutura. consumo: os ramos têxteis e da construção são os mais impor-
Definimos, pois, a estrutura como "um conjunto de relações maj 0 • tantes, enquanto as técnicas continuam, no essencial, dominadas
ritárias" (em outras palavras, uma "constelação de dominantes pelo artes~nato ~ ~ob o predomínio do trabalho manual. A demanda
solidárias"), a sulidariedade e proporção existentes entre um con- de bens 1,ndust~1a1s depende da prosperidade ou da crise da agri-
junto de componentes, a interdependência entre o todo e as partes. 1 cultura .. so em epocas d~ auge pode o camponês-produtor consumir
·Não se deve identificar estrutura com estática. Em história, os referidos. bens .. A cnse de subsistência é, então, 0 prelúdio da
como em todas as ciênéias humanas, a mudança, o movimento, são estagnação mdustnal. ·
essenciais e partes inseparáveis das estruturas. A permanência, a esta. Com o capitalismo industrial, a estrutura econômica modificou-
bilidade relativa" da estrutura é simplesmente uma questão atinente se sensivelmente: a produção industrial tornou-se dominante e a in~
à rapidez ou velocidade da mudança. O que nos permite opor estru. dústria de bens de capital predominou sobre a de bens de consumo.
tura a conjuntura é, meramente, esta diferença dos ritmos do movi- A agricultura perdeu, relativamente, em importância. A revolução
mento, que, como ficou claro na exposição, é igualmente essencial nos transportes (ferrovias, navios a vapor, etc.) permitiu a cons-
tanto a uma quanto a ou!ra. · tituição de um verdadeiro mercado nacional e mundial, enquanto
Vejamos, agora, o. problema das estruturas econômicas mais mudava a natureza das crises ernnômicas: já não mais serão de
especificamente. subsistência mas de superprodução.
As "relações majoritárias" de que falamos apresentam-se com Pois bem, considerando os exemplos anteriores, qual será a
um certo tipo de equilíbrio ou desequilíbrio entre os grandes setores vinculação entre estrutura, e conJuntura? As análises de Ernest
da vida econômica e, especialmente, entre a agricultura e a indús- Labrousse sobre o século XVIII, na França, demonstram clara-
tria. Logicamente, este equilíbrio não implicará apenas relações
mente que os fenômenos conjunturai~, como urria crise de subsistên-
quantitativa,s de proporcionalidade entre os setores da atividade
cia, vêm à luz e se explicam pelas contradiçõçs da estrutura eco-
econômica mas, e sobretudo, relações de interdependência entre
nômica do ancien régime. De modo análogo, uma crise de· sup·er-
eles. A estrutura econômica de a11ciei1 régime. estudada brilhante-
produção, como a de 1929, é um fenômeno de conjuntura; entre-
mente por Ernest Labrousse para a França do século XVIII. e a
tanto, como crise, revela igualmente as contradições estruturais do
estrutura do capitalismo industrial proporcionam-nos dois exem-
capitalismo em uma fase peculiar de seu desenvolvimento. Outros
plos de indispensável apresentação. Que encontramos no primeiro
exemplos: a crise de 1811 é cíclica, mas também reflete o bloqueio
caso? Antes de m!liS nada, um predomínio esmagador de uma agri-
continental imposto à Inglaterra por NapoleãO; a crise de 1847
cultura dominada pelo problema das subsistências, com uma baixa
é Cíclica, mas é também estrutural - dá-se a ruína das manufaturas
produtividade por hectare - resultado das insuficiências do desen-
rurais, o que se reflete negativame.nte na renda das massas 'cam-
volvimento científico e técnico. A perda da colheita significa, auto-
po~esas - e, além disto, o advento da Revolução de 1848 a pro-
maticamente, a crise de subsistência. A elevação brutal do preço longa e aprofunda. "
dos cereais implica a fome do povo. O encarecimento dos fretes
é a conseqüência direta da insuficiência dos meios de transporte,
5 Deve-se .ter presente que muitas crises são de tipo "misto", isto é,
uma combinação de crises de subsistência e de crises industriais de
4 Ibidem, pp. 94-95. A expressão "relações majoritárias" t! usada por superp:odução; a última destas, na Europa industrial, foi a de 1847; cf.
Labrou,se para sublinhar que "tudo t! meramente majoritário nas rela· ª analise de Erncst Labroussc, "Tres fechas cn la historia de la Francia
ções, nas leis estatísticas que as ciências· humanas nos permitem esta- ~1°dcrna", em E. Labrousse. Fluctuaciones económicas e lristoria social",
bl'kccr" ~ ·• PP. %14n. -
262 263
·~ ... ·"'·
·~-'-
Outra sene de conceitos de uso corrente, no vocabulário dos Outra noção obviamente vizinha do conceito de crescimento
historiadores-economistas são os referentes aos problemas do cres- é a de arrancada ( take-of f em inglês, despegue em espanhol) im-
cimento econômico. plantada por Walter W. Rostow. u Não repetiremos o que há de
arbitrário e absurdo na teoria das "etapas" de Rostow. 10 Entre-
Crescimento (growth, em inglês) é um termo tomado da bio- tanto, será necessário esclarecer que o conceito de arrancada refe-
logia, alusivo a duas características do desenvolvimento dos seres re-se a um probkma de interesse fundamental, que é preciso situar
vivos: as modificações quantitativas, isto é as variações dimensio- em perspectiva teórica adequada.
nais, e as modificações qualitativas, ou sejam as mudanças estrutu- Como e por que, em determinado momento histórico dá-se
o desenvolvimento !ndustrial? f: <lifícil a resposta, .11 pois pr~ssupõê
rais. Assim, por exemplo, o crescimento da população tem um
aspecto quantitativo medido, basicamente, através das taxas de o estudo das relaçoes e das influências recíprocas de uma porção
natalidade e de mortalidade, e outro qualitativo dado pelas mo-
de. fatores, datando e quantificando com a máxima precisão as mu-
dificações na estrutura etária e de sexos da população urbana e danças ocorridas. Como indicação geral, só insistiremos na absoluta
rural, ativa e inativa, etc.
necessidade de estudar-se a arrancada em cada caso part.icular, com
Convém notar que termos como progresso (Colln Clark) ou a idéia de "reagrupar" os diferentes fatores: nada se revelou mais
desenvolvimento (Hoselitz, Meier, Ellis, etc.) referem-se ao mesmo perigoso e infrutífero do que a confiança em ,um único fator, ou
fenômeno e, no fundo, não há grande diferença entre o uso que num grupo de fatores interpretados de modo ·mecanicista que os
se faz deles. 6 isole do contexto social. ·
O problema fundamental do historiador será o de considerar
o crescimento como crescimento ·- ou declínio ou estagnação -
de um determinado grupo social, ou, em outras palavras, como um
fenômeno social que é preciso situar historicamente. Se este é o 4. TOTALIDADE E SETORES: MACROECONOMIA E
ponto de partida", como separar, em um estudo de 'casos', cresci- MICROECONOMIA; MODELOS GLOBAIS E
mento biológico, crescimento econômico, crescimento político, cres- MONOGRAFIA; O RURAi E O URBANO
cimento do 'potencial' intelectual (técnico, científico) e1 inclusive,
espiritual?" T
Trata-se agora de ·cofocar o problema das dimensões do uni-
Por isto, como observa Pierre Vilar, a m1ssao da análise his-
verso de análise: o mundo inteiro, um grupo de países, um país,
tórica, será, antes, a de reagrupar os diferentes fatores do cresci·
mento para buscar uma interpretação de conjunto. 8
9 W. W. Rostow, Las etapas dei crecimiento económico, México, Fondo
de Cultura, 1962.
6 Witold Kula, • Histoire et économie: la longue duréeff, em Annales E. 10 Críticas e discussões básicas da ohra de Rostow há em La economia
S. C., março-abril de 1960. dei despegue hacia. el crecimie11tu autosostenido, .puplicado sob a direção
de W. W. Rostow. Madrid, Alianza Editorial, 1967; Paul Baran e Eric
7 Pierre Viiar, Creci1711iento y desarrollo. Economia e Historia. Refle- Hobsbawm, "Las etapas dei crescimiento económico" em El Trimestr.e
xiones sobre el caso espa1iol, Barcelona, Ariel, 1964, p. 50. ; 9conómico, n.• 118, 1963, pp. 285-295; P. Vilar, Creclmiento... cit., pp.
8 Observe-se a semelhança desta abordagem . da historiografia francesa 5
-542.
com a adotada pela nova sociologia latino-americana: cf., por exemplo, 11 Cf., quanto l:l..> caso da revolução inglesa, os estudos de E. Hobs._
Cardoso e Faletto, 'op. cit., pp. 11-39. bawm, En Torno a los orígenes de la revolución industrial, cit.
264 265
$1
ser global em seu cume, com a condição de ser total em sua ba-
uma região, uma cidade, uma empresa agrícola ou industrial ...
Em cada caso, haverá problemas metodológicos específicos. se. " 12
266 267
fí
!
1
268 269
foi acrescentado por François Simíand. 1 ~ A duração deste ciclo Figura 31:
oscila entre 7 e 10 anos e, em geral, seus efeitos transcendem em
conseqüências _sociais, conforme as variações do emprego, dos pre- Partes constitutivas· do ciclo juglar
ços, da distribuição de. rendas, etc. Seu auge ou sua depressão
são perceptíveis para o público, coisa que em geral não acontece fonte: Marcel Gillet, Teclmiques de l'histoire économique, 1, Paris,
com os ciclos de Kitchin. só detectados mediante a análise esta- C. D. U., 1969, p. 5 (mimeografado).
tísticu. i:.
Consideram-se quatro momentos diferentes do· ciclo econô-
mico: 1 '; Depressão ou
Expansão contração
a expansão ou o auge, isto é, o período ascendente de pros- ou
peridade; Auge
a crise, isto é. o momento de inversão da tendência asccn ...
dente;
a depressão ou contração;
a recuperação,. ou seja, o momento do reinício da pros-
peridade.
'270 27\
a distinção de . quatro momentos, apenas, torna mais difícil a Figura 33:
análise das mudanças de tendência.
Os ciclos de J uglar são bem conhecidos no que se refere ao Flutuações econômict:s durante o Século X/ X
século XIX. Os anos de crise, segundo Akerman, são: 1825, 1836
184 7, 1857, 1866, 1813, 1882, 1890, 1900 e, já em nosso século' Fonte: D. Furia e P. - Ch. Serre, Techniques et sociétés,
1907, 1913, 1920, 1929 e 1937. Para os Estados Unidos, Mitcheli Uaisons et évolutions, Col. U, Paris, Armand Colin, 1970,
fixou os seguintes anos de crise: 1812, 1818, 1825, 1837, 1847 p. 226. (Segundo G. lmbert, que se baseou em uma análise
dos preços).
1857, 1873, 1884, 1890, 1893, 1903, 1907, 1910, 1913, e 1920'. lndice
enljuanto Hansen conclui que de 1795 a 1937 houve 17 ciclos com' dos
pre~os
272 273
século o período de 1772-1787 caracteriza-se por uma regressão corn a América Latina colonial 21 são, assim, plenamente fundamen-
intercíclica que prepara o "pano de fundo" da revolução de 1789, tadas e nenhuma resposta satisfatória pôde, ainda. ser oferecida
ao afetar as rendas de todos os setores populares, especialmente neste campo.
os viticultores. Este interciclo de baixa é o único que se conhece,
até o momento. E parece que o capitalismo industrial não apre-
senta nenhum movimento deste tipo.
274 275
ta, de modo sistemático, propôs sua explicação em termos mone- Qu<1l1ío a Marx, apesar de, na afirmauva de ·Schumpeter, sua
tários. No pensamento de Juglar, as variações do tipo de juros, a análise dos ciclos econômicos ser um "capítulo não escrito" 2a -
política dos bancos centrais e as modificações dos estoques de metais nos livros II e III de O Capital, nas Teorias da mais-vaUa e na
preciosos eram as origens das flutuações econômicas. Alguns auto- correspondência com Engels o problema das crises surge em uma
res, como Akerman, :1 2 qualificam a explicação monetarista de infinidade de observações baseadas na evolução da indústria inglesa.
endógena por vincular as causas do ciclo econômico a fatores pura- No entanto, falta em sua obra um tratamento sistemático do proble-
mente econômicos - neste caso, monetários. ma, o que faz com que - embora nela haja uma teoria E?lobal do
Na mesma época da análise de Juglar, em 1875, o economista ciclo na economia capitalista - isto não tenha sido posto ~m desta-
inglés W. S. Jevons apresentou uma explicaçã<? .baseada nas alter.a- que a não ser muito temp.o depois, .e provocando mais de uma polê-
çõc:s das manchas solares que, influindo na at1v1dade solar, e pois, mica. :1~
nas colheitas regulariam todas as atividades econômicas. Em opo-
sição à explicação monetarista, é comum classificar a teoria de Je- A partir da segunda metade do século XTX, o estudo concreto
vons como exógena, porque faz intervirem fatores não relaciona- da conjuntura fez com que fossem conhecidos, com bastante evidên-
dos diretamente com a economia. Dentro do mesmo tipo dever-se-iam cia empírica, os ciclos da economia capitalista:· Entretanto, a teoria
classificar muitas das explicações, hoje abandonadas, que fazem das flutuações conjunturais, já presente na análise de Juglar, não
das guerras, das epidemias, dos fatores cósmicos ou meteorológicos se integrou na teoria geral. :é.· fácil constatar as causas disto. A
as principais explicações do Ciclo e(:Onômico. economia marginalista procurou, antes de mais nada, a formulação
Nem a fisiocracia, no século XVIII, nem a Economia Polí- precisa de uma teoria da formação dos preços dos bens e serviços
tica Clássica dos séculos XVIII e XIX tiveram grande preocupa- oferecidos e demandados em um mercado capitalista típico. E esta
ção teórica com a explicação das variações cíclicas da economia análise expressou-se em termos de equilíbrio, isto é, foi definido
capitalista. O interesse centralizava-se no conhecimento das, ~ariá um sistema de equações que descrevia o dito mercado, formulan-
veis essenciais da vida econômica: a renda, o lucro, o salano, o do-se, logo, problemas deste tipo: que acontece com as outras
valor, o préço e o custo das mercadorias,· por exemplo. A ela- equações do sistema quando se altera o valor de uma equação
boração de um modelo teórico que explicasse à produção, a dis- dada? Um. exemplo disto seria: qual a relação preço-custo de
tribuição, o intercâmbio e o .consumo de bens e serviços na socie-
uma mercadoria produzida por uma empresa dada, que assegu-
dade capitalista conduziu, assim, a forjar antes de mais nada, os
rasse urna renda total, líquida, máxima1 O interessante em tudo
instrumentos conceituais da análise econômica. Nenhum esforço foi
isto é que a análise em termos de equilíbrio é, por definição, está-
feito tendo em vista a integração dos dados da história da econo-
mia capitalista nos aludidos modelos; dados, muitos deles, já bem tica. E, justamente por isto, a teoria da conjuntura ficava sempre
conhecidos pelos economistas clássicos. Deste modo, a análise da à margem da teoria geral, antes de mais nada como uma acumu-
economia política clássica culmina, na obra de J. S. Mill, com lação de dados empíricos e de explicações limitadas ao campo da
w;na série de predições sobre a estagnação secular a que estaria conjuntura. Com a crise de 1930, o pensamento keynesiano mudou
condenado o capitalismo - que os fatos não confirmavam. Esta em grande parte a problemática da economia política. Assim, do
incapacidade para integrar as flutuações cíclicas em um modelo problema do equilíbrio geral de um mercado de bens e serviços
geral é significativa porque autores como D. Ricardo e J. S. Mill passou-se para coisas bem mais concretas - como o pleno ernpre-
conheceram as questões monetárias, :pelas quais manifestaram
grande preorupação em muitos trabalhos e, em especial, conhece-
ram a inflação de guerra ( 1793-1815). 23 J. Schumpeter, History of Economic Analysis, Londres, 1954, PP. 747-
748.
24 Sobre isto, consultar P. M. Sweezy, Teoría dei denirrollo capitalista,
22 Akerman, op. cir ., p. 182. México, Fondo de Cultura Económica. 1969. S.• edição, III parte.
276 277
i
1
il
go em determinadas condições monetárias e de utilização dos fa- ao consumo; como a quantidade de receita reserváda ao consumo
tores de produção. Entretanto, a obra de Keynes usou os mesmos é menor, as vendas caem e., conseqüentemente, os estoques aumen-
princípios de análise estática que vinham predominando na econo-. tam. Ante este aumento a produção diminui e, com isto, vem a
mia desde o tempo de Ricardo, passando por Marshall, Walras e redução do número de trabalhadores e de horas de trabalho nas
a economia marginalista. Porém, ainda em conseqüência da própria fábricas: o que fará cair a receita total, pois os lucros terão sido
crise de 1929 e da depressão da década de 30, tomou-se necessá- reduzidos e haverá menos salários a pagar. E o processo prosseguirá
rio o estudo dos ciclos econômicos com o objetivo de serem cria- de modo cumulativo até estabelecer-se novo equilíbrio entre o
das políticas anticíclicas. Isto levou os economistas a se preocupa- consumo e os . estoques acumulados, ainda por vender.
rem, também, com a dinamização dos modelos marginalista e Temos aí uma explicação de certo tipo de variação conjuntu-
keynesiano. Do interesse no equilíbrio estático passou-se, ·agora, à ral, mediante um raciocínio lógico que estabelece algumas inter-
formulação de questões como a seguinte: qual é o valor que assu- relações de causa-e-efeito a partir de uma séri~ de conceitos conhe-
me determinada variável no curso do tempo? A econometria nasceu cidos. A observação empírica não intervém de modo algum na
com esta preocupação central, nas obras de Ragnar Frisch e J. formulação da explicação.
Tinbergen.
- Explicações empíricas: São, por exemplo, as derivadas de
O acúmulo de estudos sobre o ciclo econômico do capitalismo uma análise estatística e/ ou qualitativa dos ciclos da economia
- devido à econometria - . não levou, entretanto, a formulações capitalista. Neste caso, a construção da explicação dá-se de modo
teóricas sobre as causas do ciclo econômico, uniformemente admi- indutivo,' generalizando a partir da observação de casos concre-
tidas. Mais ainda, pareceria que atualmente o tema das flutuações tos. Os trabalhos de W. C. Mitchell ou de Clapham são exemplos
econômicas pertencesse ao passado e que sua explicação interessas- desta tendência. ~:;
se mais à história. Isto está relacionado, sem duvida, com a desa- Logicamente, a maior parte d'as pesquisas do ciclo econômico
parição dos ~iclos de Juglar, desde o pós-guerra. situari1-se entre estas duas posições extremas. Isto é, coinbinam a
Até aqui temos tratado de apresentar as teoria~ das flutua- dedução teórica com a observação estatística. A econometria co-
ções cíclicas em relação à evolução do pensamento econômico. Mas, loca-se nesta perspectiva, assim como a teoria de Schumpeter que
cumpre mencionar, ainda, uma série de autores, importantes por põe a inovação no centro da explicação dos ciclos. Algo semelhante
seus estudos da conjuntura e consideravelmente afastados das ocorre com as alternativas de uma explicação puramente endógena
linhas acima esboçadas. Tais explicações das flutuações econô- ou exógena do ciclo - no sentido já abordado. A presença de
micas podem ser classificadas em dois grandes tipos: explicações ·aspectos institucionais (fatores não exclusivamente econômicos)
dedutivas e explicações empíricas. como parte da explicação das flutuações econômicas foi conside-
- Explicações dedutivas: Derivam de alguma teoria e care- rada com ênfase especial nos trabalhos de W. C. Mitchell, J. Schum-
cem, quase sempre, de comprovação empírica. Consideremos o se- peter, J. Akerman e W. W. Rostow. :.!ü
guinte exemplo, versão bem simplificada do que os economistas
denominam de ciclo de estoques.
Suponhamos uma economia em equilíbrio, cuja receita total 25 W. C. Mitchen, Business Cycles. The Problt!m and ,Jts Setting, 1927;
J. H. Clapham, An Economic History o/ Modern Britain, 3 vol., 1926-
(salários, mais lucros, mais rendas, mais juros) tenha um nível
1938.
determinado, em que a poupança total da população iguala a in-
26 W. C. Mitchel, "Los ciclos económicos", cit.; Akerman, op. cit.:
versão total. Suponhamos, também, que a população resolva aumen-
J. Schumpeter, Business Cycles, 2 vols., 1939; W. W. Restow, The Proce,~s
tar sua poupança, para isto destinando parcela menor da receita o{ Economic Growth, Oxford. 1953.
278 279
indagação clássica na profissão de historiador: o -que é um fato
ORiiENTAÇAO BIBLIOGRAFICA PARA AS
FLUTUAÇÕES ECONOMICAS: histórico? À contestação do positivismo, relacionando-o ao acon-
tecimento, apresenta-se a alternativa da série estatística. 2 1 Pierre
Chaunu denominou de "história serial" a esta nova abordagem, que
na verdade já nem é muito nova, pois tem mais de 40 anos de exis-
tência significativa. 28
Quais os requisitos exigidos às fontes da história ·serial? Os
As diversas teorias explicativas da conjuntura são magnifica- três seguintes são, indubitavelmente, essenciais: 211
mente expostas, embora a nível bastante elevado, na obra de G.
Haberler, Prosperidad y depresión, México, Fondo de Cultura Eco- Validade ou segurança: isto é, absoluta confiança quanto
nómica, 1953. Uma exposição mais simples será encontrada na se- a tratar-se de um documento que realmente registre o que
gunda parte de: Jame~ Estey, Tratado sobre los ciclos económicos, se pretenda medir;
México, Fondo de Cultura Económica, 1962. Na recopilação dos continuidade e abundância: são necessárias séries l-0ngas e
artigos de G. Haberler, Ensayos sobre el ciclo económico, México, contínuas para autorizar conclusões verdadeiras;
Fondo de Cultura Económica, 1956, também há matéria interessan- homogeneidade: a fonte deve ser da mesma natureza, sem-
te. Para o historiador, a obra ·de Akerman, Estructuras y ciclos pre que possível, para todo o período em estudo.
económicos, Madrid, Aguilar, 1962, contém sugestões e ensina-
mentos interessantes, enq4anto a introdução geral do trabalho de O objetivo é, pois, a reconstrução de uma série - de preços,
Ernest Labrousse, La crisis de la economía francesa ai final dei por exemplo - da maior confiabilidade, continuidade e homoge-
antiguo régimen y al principio de la Revolución (em E. Labrousse, neidade possíveis. Uma precaução deve ser constante, entretanto:
Fluctuaciones económicas e historia social, Madrid, Tecnos, 1962) a história serial não é um objetivo em si, é só um passo no sentido
constitui leitura indispensável. da história total. "A história 'conjuntural', em verdade, como foi
concebida na França por François Simiand e Ernest Labrousse, re-
clama uma análise social das mais complexas"."º Especialmente os
tão mencionados trabalhos de Labrousse convertem a análise "con-
juntural" na "mais perfeita lição de história total que se possa
desejar". 81 O perigo de "ficarmos" na história serial é grave:
conduziria, como observa Furet, a privilegiár -o "equilíbrio de um
C. Quantificação e est~tística em história: 1) As fontes sistema" ao destacar-se a mudança, o movimento de uma det~rmi
- e. sua elabaração nada variável, mas arrisca-se a ficar cego para as mutações estru-
turais. 82
281
280
1
i i'
Vejamos, agora, os principais tipos de fontes a usar, no atinente " processo de elaboração da~ aludidas médias. os·· livros contábeis
à história serial econômica. Dois problemas, na verdade, serão de hospitais, conventos, casas nobre~, et"c., permitem que conheça-
analisados juntos: que variáveis desejamos quantificar, e através de mos os preços das transações repetidas periodicamente. Deste modo
que tipo de fontes. a comparação fica assegurada. Hamilton usou tais fontes em seu~
A quantificação começou pela história dos preços: os trabalhos · estudos clássicos sobre a Espanha. No entanto, elas também têm
de Simiand, Hamilton, Labrousse, Beveridge, entre outro·s, mar- suas inconveniências: é possível que o preço registrado não reflita
caram · este início. a:i Em primeiro lugar porque o preço de certos tão bem quanto a. mercurial'. o preço de mercado que afeta a maio;
artigos e suas flutuações constituem um indicador da atividade eco- part: dos consumidores, pois um comprador importante. pode con-
nômica de indiscutível validez. Em segundo lugar porque "os preços seguir, ,por vezes, um tratamento preferencial por parte do ven-
dos bens e os salários registrados nos livros contábeis da época dedor. 3 ~ ·
[trata-se da era prato-estatística] constituem os dados econômicos Para o i:aso da .A.mérica Lati.na, a situação é de ausência quase
contínúos mais antigos de que é possível dispor-se". 34 com~leta de. ~e~cuna1s (ou eqmvalentes), o que força a recons-
Do ponto de vista das fontes, duas possibilidades diferentes truçao da h1sto~1a dos preços cidade por cidade, região a região,
se apresentam: os livros contábeis por um lado, as "mercuriais" com base nos livros de contas disponíveis. au
pelo outro. Os estudos de Labrousse baseiam-se nas m-ercuriais Outras fontes podem ser acrescentadas aos livros contábeis e
estabelecidas na França pela Repartição de Subsistência, a partir às mercuriais - e não só interessam à história dos preços;
de 166 7: trata-se de uma estatística oficial que registra os preços
de cada região e de cada cidade, regularmente. São, obviamente, - relações, memórias e outros documentos oficiais;
preços elaborados, preços médios, e isto faz os partidários dos livros jornais diários e periódicos em que haja cotações de certos
contábeis porem em dúvida sua legitimidade, porque é ignorado artigos, movimento marítimo, etc.;
documentos aduaneiros;
registros cartoriais (que permitem apurar os preços de
"exógeno" em uma serie de. curvas que certamente as refletem, mas os bens de raiz, de grande validez). a1
motivos da adoção das referidas técnicas não podem ser deduzidos das
próprias curvas. As possibilidades de quantificação não se limitam aos preços.
33 F. Simiand, Recherches a11ciennes et nouvelles sur le mo1wement gé-
néral des prix du XVI.e au XXe siecle, Paris, Domat-Montchrestien, 1932; A história demográfica, estudada em outro capítulo, também pro-
do mesmo autor: Le salaire, z•evolution sociale et la monnaie, 3 vols. porciona dados quantitativos de grande valor para a história eco-
Paris, Alcan.' 1932; Earl Hamilton, Money, Prices and Wages in Valencia. . nômica, inclusive a oferta de mão-de-obra e o consumo inferidos
Aragon and Navarra, 1351-1650, Cambridge <Massachussetts>, 1936; Sir Wil- de urna população em crescimento ou em d.eclínio.
liam Beveridge, "The Yield and Price of Com in the Middle Ages#, ·~m
Economic Swvey Review, 1927, reeditado em Caros-Wilson, (Essays in. O estudo da produção é outro grande tema da quantificação.
Economic History, vol. 1, Londres, Arnold, 1966); do mesmo autor: .Prices Indiscutivelmente, é bem mais difícil do que o estudo dos preços,
·and Wagei ln England (rom the Twelfth to the Nineteen1h Cenrury, Lon-
dres, Longmans, 1939i Ernest Labrousse, Esquisse du mouvement des prix
et des revenus en France au XVIII e siecle, 2 vols., Paris, 1932; do mesmo 3~ Cf. P. Vilar, Crecimiento y desarrollo, cit., pp. 210 e seguintes. 242
autor: La crise de l'économie française à la fin de L'ancien régime et au e seguintes.
début de l~ Révolution, Paris, 1944 (As duas obras de Labrousse foram ~6 A melhor exposição do problema para a América Latina, que conhe-
publicadas, fragmentariamente, em espanhol: cf. Fluctuaciones económi· cei:nos, é a dos trabalhos de Enrique Florescano: "La historia de los
cas e historia social, cit. ); cumpre considerar, também, os artigos, extre- P;ecios ... ", art. cit., e Predos dei maiz )' ciisis agrícolas e11 ,\fé.tico
mamente importantes, de Jean Meuvret, reeditados em Etudes d'histoi· c1t.. 1 e II uartes
re économique, cit. 37 Inventári~ exau~tivo e de sumo interesse para o historiador latino-
34 Earl Hamilton, "Uso y ·abuso de la historia de los precios", em americano há na comunicação de lstván Jancsó e Katia M. d~ Queiroz
Hamilton, El florecimiento dél capitalisnw · y otro~ ensayos de historia ~ai.toso, Como estudar a história quantitativa da Bahia do século XIX,
eronómica, Madrid, Revista de Occidente, 1948, p. 233. ans. outubro de 1971 (informe mimeografado).
282 283
r.f' 1
sobretudo no referente às fontes. Deste ponto de vista, na E.urupa. porcionam dados de grande interesse, assim como . as recopilações
quanto aos séculos XIX e XX, e na América Latina quanto ao estatísticas dos Estados.
presente século, principalmente, as estatísticas oficiais proporcio- f: necessários lembrar que hoje, como já observamos no capí-
nam uma orientação indispensável, embora deva-se ter em conta tulo anterior, a quantificação transcende a história econômica. A
sempre o problema· daquilo que possa ter escapado ao crivo da história social, mesmo a literária e a das mentalidades, e certos se-
estatística oficial. No que tange à era proto-estatística, os documen~ tores da h~stória política, interessam-se pelo que pode ser quanti-
to~· de empresas, as fontes tributárias e as relativas ao comércio in- ficado. Adiante apresentaremos alguns exemplos destas novas ten-
ternacional, constituem o material mais freqüentemente disponível. dências; agora passaremos aos procedimentos gráficos e · estatísti-
As· fontes fiscais- proporcionam sempre uma medida indireta, mas cos. ~onvém ~bs,ei:var qu:, ~mbor~ o· façamos a partir de exemplos
va:io~a. da produção - e, considerando-se sua relativa abundân- extra1dos d_a historia economtca, tats procedimentos são válidos para
cia, ~ão um material indispensável. 38 Os documentos das empresas qualquer tipo de estudo serial.
proporcionam dados de primeira mão, mas de nível microeconô-
mico. Conseguir dados agregados é impossível, salvo no caso de
empresas que atuem em plano monopolista (concessionários mine-
radores, "enclaves" de gr;Jtlde lavoura, companhias privilegiadas,
etc.). ·
O estudo das flutuações das rendas surge quase junto com o 2. A CONSTRUÇÃO DA CURVA
dos preços. "" Para os salários e, em geral, as receitas do fator
trabalhe'. os livros contábeis e estatísticas. ofióajs serão fontes abri~
gatórias. Para os lucros e rendas da terra os métodos diferem con-
forme as fontes: o mais direto é o cálculo por empresa, usando Reunida a série de dados e disposta em um quadro, ·é preciso
documentação correspondente; "° o mais indireto implica fazer analisá-los. O primeiro pàsso será sua representação gráfica: dois
o cálculo dos lucros· com base nos preços, na produção, no volume tipos de curvas podem ser usadas para isto - curvas aritméticas
dos negócios, nos estoques e custos. ~ 1 ou curvas logarítmicas (na verdade, em história usam-se mais as
Por fim, quanto à receita do Estado, as fontes. fiscais e as curvas semilogarítmicas, conforme veremos.).
estatísticas oficiais impõem-se como obrigatórias.
Os intercâmbios são outro importante aspecto da história ec~
nômica quantificada. Os documentos aduaneiros, os livros de re- 1Q) Curvas aritméticas
gistro dos portos, ferrovias e outras empresas de tr~nsportes pr~
No caso das curvas aritméticas. os pontos são definidos por um
par de coordenadas cartesianas, c'ujas divisões são aritméticas:
38 Exemplos de emprego das fontes fiscais encontram-se em Gonzalo
Anes. Las crisis agrarias en la Espaiía moderna, Madrid, Taurus, 1970;
uma discussão geral sobre este tipo de fontes, especialmente as relativas
aos. dízimos, há s:m J. Goy, E. Le Roy Ladurie, Les Fluctuations du y
produit de la ctime, Conjoncture décimale et domaniale de la fin du
moyen dge au XVII/e siecle, Paris-La ~ye, Mouton, 1972·.
39 Cf. ·as obras citadas na nota 33 .
.40 Os livros contábeis, contratos de arrendamento, etc. ·ExemplUS disto
cm Pierre Vilar, La Ca.talogne dans l'Espagne moderne, t. 2.; Paris.
SEVPEN, 1962.
41 Cf E. Labrousse, La críse de l'économie ... cit., segunda parte. o X
284 285
:
L
~ 1
?
na ordenada· "Y" as quantidades (de produção, preços, salários,
exportações, etc.) .. Nos dois eixos., a escala de representação é
aritmética. O modo mais simples de traçar uma curva aritmética é 55~
mediante um papel milimetrado comum. Para exemplificar, re-
presentaremos com uma curva destas o quadro que dá o valor c2V
das exportações argentinas de milho, entre 1884 e 1914, em milha-
res de pesos-ouro. (Ver Quadro 7 e a Fig. 34). 50 500 ~
Algumas cautelas necessárias são as seguintes:
- calcular o gráfico de modo que os intervalos marcados
Os dois segmentos sã9 paralelos, pois o aumento em valores
sobre a abscissa tenham um comprimento semelhante aos dos mar-
absolutos é igual em ambos os casos. Note-se que 0 aumento per-
cados sobre a ordenada: assim o gráfico ficará proporcionado e
centual é, entretanto, bem diferente: 100% em t e 10% em 2.
elegante;
- os diferentes pontos da curva são unidos mediante uma
liPha contínua, sendo reservada a linha pontilhada para o caso de 29) Curvas semi/ogarítmicas
faltarem dados; quando forem representadas duas. ou mais curvas
em um mesmo gráfico será necessário distinguir cada uma mediante A mesma curva construída em papel semilogarítmico - isto
o moçlo de unir os pontos que as compõem (uma será em linha é, um papel mili?1etrado cuja ordenada tem uma ~scala logarítmica
contínua, outra em linha pontilhada, outra uma sucessão de peque- enquanto a. abscissa tem uma aritmética. - apresenta os dados
nos traços, etc.); de modo mais elaborado. O papel semilogarítmico é vendido co-
,_,._ não traçar mais de três curvas num só gráfico, pois a mercialmente, em folhas de 2 a 3 módulos, conforme a ~scala
superposição dificulta a leitura; logarítmica esteja reproduzida sobre a ordenada duas ou três vezes.
- havendo necessidade de mudar a escala de medida da Para traçar uma curva semilogarítmica não é necessário conhe-
abscissa ou da ordenada, corta-se a linha correspondente com dois cer a ~ase matemática dos logarítmos mas, apenas, ter em conta
traços, para indicar a mudança (imaginemos, por exemplo, uma ,as segumtes regras de emprego do papel semilogarítmico:
curva cujos valores estejam todos. com'preenqidos entre O e 100,
salvo um que é igual a 2. 000: se representarmos este. único ponto - o zero não pode ser representado ,_. porque o logarítmo
na mesma escala a curva terá dimensões exageradas, de difícil rea- de zero é igual a menos infinito; 1 (um) é o valor inicial
da ordenada;
lização gráfica, o que não ocorrerá se apelarmos para o artifício
indicado). em cada módulo só podem ser representados os valores
compreendidos:
- traçadas mais de uma curva e a escala da segunda sendo
diferente da primeira, pode-se traçar esta última na vertical direita
entre 1 e 10;
do papel ( cf. por exemplo, rio capítulo· IV, a Fig. 5) . entre 10° e 'ion+ i
- em todos os casos é necessário indicar precisamente o Exemplos: de 10 a 100 ( 101 a 10~)·
título do gráfico, as unidades de medidas em que os dados são de 1O.000 a 100. 000 ( 10 4 a 1O;'), etc.;
expressos e a procedência dos mesmos.
O princípio fundamental da leitura da curva é simples: quanto assim, se a série vai além da extensão do primeiro módulo,
mais pronunciada for a inclinação maior a diferença dos valores será necessário usar o 29 e o 39, conforme a necessidade,
286 287
para preservar a continuidade da curva. Por exemplo: ·de QUADRO 7:
1 a 100 são precisos dois módulos., de 1 a 1 . 000 três
módulos, de 1 . 000 a 100. 000 dois módulos, de_ ..... . Exportações Argentinas de Milho
(Valor em milhares de pesos
1 . 000. 000 a 1 . 000. 000. 000 três módulos.
ouro - 1884-1914)
A leitura da curva deve basear-se no seguinte princípio: as Anos Valor
diferenças de ordenadas iguais correspondem a aumentos ou redu-
ções percentuais iguais e não a diferenças absolutas iguais. Por 1884 2.274
exemplo, uma mudança de 50 para 100 aparecerá paralelamente .1885 3.957
a uma de 300 a 600 (aumento de 100% em ambos os casos); 1886 4.653
mas uma de 50 para 100 não será paralela a outra de 100 para 150 1887 7.237
(embora o aumento do valor absoluto seja df 50 nos dois . casos). 1888 5.444
'I
1889 12.978
Assim, pois, ao construir a curva em papel semilogarítmico pode-
1890 14. 146
mos ler os aumentos e reduções diretamente em termos__percen-
1891 1 .450
tuais. •:i
1892 8.561
A comparação das duas curvas construídas a partir dos dados 1893 1. 578
relativos aó valor .das exportações argentinas de milho entre 1884 e 1894 1.046
1914 (Fig. 34 e Fig. 35) nos permitirá ilustrar as· diferenças 1895 1o.193
entre a curva aritmética e a logarítmica. 1896 15.995
1897 5.479
1898 9.274
42 Isto é possível graças a uma propriedade dos logaritimos, facilmente 1899
demonstrável: se x. 1 , x. 1 , x.:i são valores que têm distâncias iguais em 13.043
uma esca~a aritmética, então: 1900 11 . 934
1901 -18. 887
X3 - X~ = X~ - Xt
1902 22.994
1903 33. 147
Aplicado os logarímos resulta: 1904 44.391
1905 46.537
1906 53.366
log Xa - log X:i = log x~ - log x 1 1907 29.654
1908 41.557
Ou seja: 1909 58.374
1910 60.261
Xa X;i 191 1 2.767
log - - = log - - 1912 108~908
X;i X1 1913 112 .292
1914 77. 720
O que indica que temos mudanças proporcionalmente iguais na variável.
Cf R G D. Allen, Análisis matemático para economistas, Madrid, Agui· Fonte: Anuarios de la Dirección General de_Estadística
lar. 1%8, 8.• edição, pp. 214 e seguintes.
(República Argentina)
288 289
tica são manifestas quando se examina as altas e· baixas de uma
,,::;;.I curva. Entretanto, é preciso considerar os seguintes prublcmas:
}.gani l4 ,11 a curva semilogarítmica é muito mais sensível às rcquenas
~ ,,... ,., .... ·~1 ~ -~..,"'""-' J, \f :1,,.
•" •rc' r~1 ;"''"' •'·•'"' ~q l~I~ ! ' do que às grandes variações;
'"'""' '""'·" '~- , r~"·' .i._,, ..i~~'"
J.> 11~·'"'. -
quando são iguais as percenatgens de aumento as curvas
são paralelas, como vimos, o que às vezes pode deturpar
a interpretação: por exemplo, a passagem de urna para
""""'\
....... 1 duas toneladas tem a mesma representação que a passa-
"'''u•!
1
gem de dois milhões pi:tra 4 milhões de toneladas; obvia-
mente, do ponto de vista econômico, em uma produção
qualquer a significação da passagem de 2 milhões para
4 milhões é diferente (e muito mais difícil) do que um
salto de uma para duas toneladas.
Estas duas premissas devem ser consideradas, embora sempre
que possível devam ser usadas curvas semilogarítmicas, porque
Figura 35:
são muito grandes as vantagens de sua leitura e relativamente sim-
__!!!!
ples o trabalho de elaborá-las.
290 291
Muitas das variáveis usadas nas ciências sociais e em história 2.°) O histograma e o polígono de freqüências
não são contínuas, porém discretas (ou descontínuas). U~a va-
riável é discreta quando só pode assumir certos valores .fu:os. e, Resta, para concluir, outro tipo de apresentação gráfica dos
portanto, toma-se impossível medir numericamente as d1stanc1as dados, de uso muito comum nas ciências sociais. Trata-se do histo-
entre os mesmos. Assim, por exemplo, se tivermos a população grama e do polígono de freqüências, . duas variantes utilizáveis
de uma cidade classificada por sua nacionalidade, nossa variável quando represent~mos uma variável contínua cu_i?s v~,l_ores- ,;ej~~
"nacionalidade" poderá assumir valores como: chileno, peruano, categorizados e111 intervalos (por exemplo, a vanavel idade d1v1-
mexicano, etc. A seguir explicaremos à representação gráfica deste dida em intervalos: de 0-4, 5-9. 1O-14 anos, etc.). Neste caso
tipo de variáveis. _ segue-se o mesmo procedimento do gráfico de colunas, salvo por
O princípio é o mesmo já visto para a elaboraçao de uma uma só diferença - a variável é contínua e por isto cada inter-
curva aritmética. Tomamos um sistema de coordenadas cartesia- valo terá seu retângulo submetido à sucessão numérica dos refe-
nas: na abscissa representamos nossa variável (no exemplo cita- ridos intervalos. Se representamos mediante retângulos (traçando
do, nacionalidade) expressando seus valores fixo& do modo que cada segmento vertical nos extremos do intervalo) temos um
nos parecer mais elegante - um ponto ou um segmento. Na orde- histograma. Se assinalamos um ponto na metade de cada intervalo
nada representamos as freqüências de cada valor de nossa variável e unímos tais pontos com segmentos temos um polígono de fre-
(isto é, no exemplo da nzcionalidade, a quantidade de indivíduos qüências. O polígono de freqüências é equivalente ao histograma
existentes de cada nacionalidade, ou suas percentagens sobre o e as superfícies dos dois gráficos são idênticas. O exemplo seguin~e
total). O resultado será o que se conhece como gráfico de colunas. (fig. 37) mostra os dois tipos de representação: o leitor os en-
Se escolhermos um ponto na abscissa teremos uma série de segmen- tenderá facilmente.
tos perpendiculares de diferentes comprimentos, se preferirmos
um segmento teremos uma série de retângulos diferentes. Um
Figura 37:
exemplo esclarecerá bem este tipo de representação gráfica (Ver
Fig. 36).
25 navios ingleses classificados pela grandeza da tripulação (1907)
)\jY de
Figura 36: navios
/
: ""
GrandeH da trlpulaçio
292 293
4. A ELABORAÇÃO DE INDICES Critérios para escolher o ano de base: Para o cálculo dos índi-
ces, · é importiante o problema do ano-base, pois de sua escolha
dependerão, em grande pane, as conclusões a que se chegará. A
At~ agora construimos as curvas usando diretamente a série solução mais simples é a de fazer o primeiro ano da série igual
, de dados, sem elaboração: valores, preços, volume de um pro- a 100, assim obtendo uma comparação da mudança percentual,
duto, etc. Construimos o que se denomina de curva bruta, isto relativamente ao ponto de partida. Entretanto, nem sempre esta
é, uma curva traçada com os dados originais e suas unidades solução é objetiva. Em geral, tratando-se de apreciar aumentos
de medida: cruzeiros, dólares, toneladas, etc , As curvas brutas ou reduções, é necessário escolher um ano nµrmal, isto· é, nem
apresentam suas inconveniências, quando se pretende comparar, excepcionalmeme próspero nem excepcionalmente crítico, ou, melhor
pois é impossível representar, no mesmo gráfico, séries expressas ainda, um grupo de anos. (Neste caso o valor médio dos anos é
em unidades diferentes (por exemplo: toneladas e litros)'. Para . igual a 100). Talvez a solução mais objetiva seja adotar como
resolver este problema, e outro que veremos após, é comum expres" base a média de todo o período considerado. Isto foi feito, por
sar .as séries em números índices, cujas vantagens são as seguintes: exemplo, no Quadro 10 ( co)una 3) em que igualou-se a 100 o
valor 3838 ( 1(}1 toneladas métricas), isto é, a média da produção
permitem perceber logo os ritmos de crescimento ou de argentina de milho entre 1899 e 1918.
decréscimo, mesmo que · a curva seja· traçada em papel Mudanças de base: Em muitos casos, especialmente -ao estu-
não semilogaritmico; dar-se um período muito longo, é indispensável mudar o ano-base.
permitem sintetizar em urna só curva a evolução de series Esta operação é relativamente- simples. Seja, por exemplo, a se-
diferentes ( p. ex.: um í.ndice da · produção industrial ou guinte série:
agrícola);
permitem comparar a evolução de séries expressas em 1810 100
diferentes unidades de· medida, como já foi dito. 1820 95
1830 150
17: possível construir três tipos de índices: simples, compostos 1840· 200
e ponderados ou sintéticos. 1850 300
294 295
considerada é um só qno. Em outros casos o cálculo é bem mais exemplo, no caso anterior é evidente que, dada a importância dos
complicado, pelo que recomendamos ab leitor interessado que se cereais e do linho para a economia argentina, tanto do ponto de
valha de algum dos manuais ou tratados de -estatística citados nas vista do volume da produção quanto do volume das exportações,
notas deste capítulo. é conveniente dar-lhes maior peso d.o que às oleaginosas, no índice
total. Esta operação, chamada de ponderação é realizada multipli-
cando-se cada índice pelo coeficiente de ponderação escolhido e
39) lndices compostos dividindo-se pela soma dos coeficientes o resultado da soma dos
produtos assim obtidos. Por exemplo: atribuindo um coeficiente 5
Se quisermos manejar, simultaneamente, duas ou mais sertes aos cereais e ao linho, e um coeficiente 2 às oleaginosas, 0 resul-
cronológicas pertencentes à mesma categoria de atividade, teremos tado será o seguinte:
de elaborar um índice composto. O procedimento para construi-lo
é bem fácil: Ano cereais e linho Oleaginosas índice ponderado
Somam-se os índices e divide-se o resultado pelo número de Para ilustrar a elaboração e aplicação de índices na história
índices somados (no exemplo, dividiu-se a soma por 2). econom1ca, resumiremos a seguir . a metodologia empregada por
François Crouzet para a construção de um índice anual. da pro-
dução industrial francesa no. século XIX. 4 ª O .objetivo do traba-
49 lndices ponderados ou smtéticos lho é claro: estabelecer um índice anual dó volume da produção
296 297
industrial francesa, entre 1815 e 1913, que permita medir não só 69) Deflação ou correção pur mudanças de preços
o crescimento global da produção industrial como, também, as
diferenças entre os diversos ramos da indústria. Não nos Teferire- f. muito freqüente na história ,econômica dispor-se de uma
mos ao problema das fontes, pois interessa-nos essencialmente 0 série de valores expressos em volume monetário. Em épocas de
aspecto metodológico da elaboração do índice. Os passos que leva- inflação, se o meio monetário não é constante, uma elevação dos
ram ao resultado buscado. foram os seguintes: valores do índice de produção, por exemplo, não expressará neces-
sariamente um aumento da produção mas, talvez, apenas uma ele-
Foram definidos 36 ramos industriais, significativos para vação de preços. Em muitos casos será preciso corrigir nossos
todo o período considerado, sendo calculadas, pois, 36 séries dife- valores monetários, deflacionando-os, isto é "desinflando-os" do efeito
rentes de índices elementares. enganador da alta dos preços. Para deflacionar uma série de pre-
- Estes 36 índices elementares foram reunidos, para cada ços será necessário referi-los a um meio monetário constante -
ano, em 7 grupos distintos: que poderá ser, conforme o caso, uma moeda ·com padrão ouro ou,
em sua falta, um índice de preços. Para o càso dos países latino-
l. Indústrias de mineração; americanos é relati"9amente fácil a conversão em moedas com
2. Metalurgia primária; padrão ouro (a libra e o dólar, conforme o caso) até a crise de
3. Indústria de transformação de metais; 1929. A partir deste momento, a desvalorização das divisas metro-
4. Indústria química; politanas e o paulatino abandono do padrão ouro forçam a utiliza-
5. Indústrias alimentícias; ção dos índices de preços. O exemplo seguinte ilustra este tipo de
6. Um grupo de indústrias diversas, reunindo as novas in- procedimento:
dústrias surgidas no século XIX;
7. Indústrias têxteis. QUADRO 9:
Deflação através de índices de preços
Para cada grupo foi calculado um índice ponderado. Os coefi-
cientes de ponderação foram estabelecidos proporcionalmente à anos Renda per lndices de Renda real
importância relativa de cada indústria determinada segundo o valor capita (dólares) preços: em dólares de
agregado. O valor agregado pelas indústrias mudava significativa- 1926 = 100 1926
mente em um período de cerca de 1O anos. Isto fez com que os
coeficientes de ponderação tivessem de mudar conseqüentemente. 1926 643 100 643
- Foram reagrupados os índices ponderados em dois grupos 1927" 657 95 691
maiores: um englobando os índices dos grupos 1 a 7, outro agrn- 1928 658 97 678
pando os índices dos grupos 1 a 6, mais um índice dó têxtil, 1929 668 95 703
considerando-se apenas os índices elementares das indústrias de 1930 555 86 645
algodão e . seda, ponderados conforme seu valor agregado. 1931 434 73 595
- Por fim, foi elaborado um índice da atividade das indús- 1932 320 65 492
trias mecânicas: produção de máquinas a vapor, locomotivas, na-
vios comerciais a vapor e navios de guerra. Construídos os índices, Fonte: J. A. Estey, Tratado sobre los ciclos económicos, cit.
tratou-~c de estudar o movimento de longo prazo e as variaçõeJ
conjunturai·s da produção industrial francesa. A diversidade ·de Na segunda coluna expressa-se a renda per capita dos Estados
índices calculados para cada ano tornou possível uma análise muito Unidos, em dólares, na terceira coluna um índice de preços (Base,
requintada. 1926 = 100) e na quarta coluna a renda real, isto é, a renda real
298 299
,.
' '
per capita deflacionada. Esta última calcula-se para cada ano pela artifícios é possível . dissociar do movimento geral os vanos tipos
fórmula seguinte: de flutuações. Os gráficos eia FIG. 38 dão uma idéia do trabalho
de dissociação a fazer.
Renda per capita X 100
lndice de preços
300 301
Figura 38: Figura 39:
Trabalho de dissociação a partir de uma curva bruta Determinação do movimento de longa duração, pelo processo
gráfico dos pontos médios:
Fonte: André Marchai, Economie politique et technique ~tatis
tique, Paris, Librairie Générale de Droit .et de Junspru- 1) Ligar entre si os pontos máximos da curva (M, M', M");
dence, 1961, (4~ edição) p. 191 e fazer o mesmo com os pontos mínimos (m, m', m", m"');
140
2) De cada ponto máximo, traçar uma perpendicular que vá
140
1jo1l---l---t---+--hi:;---1 130 encontrar a linha que une os pontos mínimos; e de cada ponto
120~-+--1--+----1~TI 120 mínimo traçar uma perpendicular à linha que une os pontos má-
110l--+--t--~r----1"/;1t1
110
1on~--+--l--,1~~-1Jl,r--"1 1110
ximos;
... ~7T./tf'l,i\--t--.J-+-"'rr---i 90
3) Determinar os pontos médios de cada perpendicular e
80
70
uni-los: a curva Mi - M~ - Ma - M~ - M.~ representará o
bO movimento de longa duração.
5 10 15 20 is
a) Cu na bruta
..... , ---
m"
~--
e) :\lmimento cíclico
302 303
base dos índices efetivos - o primeiro a fazer é procurar o número QUADRO 10:
total de ciclos, determinando sua duração média; feito isto, serão
calculadas as médias móveis, usando-se em cada cálculo as cifras Produção argentina de milho, em 10 8 toneladas métricas·, lndices
relativas a tantos anos quantos forem os que tiverem de duração efetivos (1899-1918 = 100) e médias móveis
média os ciclos que deverão ser eliminados. Imaginemos uma série
de 25 cifras l n 1 '.l n"'') que delineiam uma curva cujos movimentos
cíclicos - que queremos eliminar ou atenuar para tornar' visível
o m imento de longa duração - duram cinco anos, em média. Os Anos 103 Tm: lodices efetivos: Médias Médias
cálculos para estabelecer as médias móveis serão, sucessivamente, os (dados brutos) (1899-1918 = 100) móveis móveis
seguintes (entendendo-se que mi. m 2 , .ma. . . m2 1 representam as (5 anos) (9 anos)
médias móveis calculadas):
,
1
1899 1. 700 44
n1 ± n~ + Il;i
± ºJ + n~
1900 1. 412 37
5
1901 2.510 65 60
n~ +
5
na + Il4
+ n~. + ·n11
1902 2.134 56 74
1903 3.738 97 85 76
1904 4.450 116 98 81
m~ na + 04 + O;; + nn + n7 1905 3.574 93 96 90
5 1906 4.951 129 95 96
1907 1. 823 47 95 91
m~1 n~1 + n~~ + n~:1 + n~-1 + n~:-;
1908 3.456 90 100 102
5
1909 4.500 117 78 104
1910 4.450 116 107 113
No exemplo apresentado no Quadro 10 e na Fig. 40 as 1911 703 18 115 123
médias móveis foram calculadas a partir dos índices· efetivos, to-
1912 7.515 196 127 129
mando-se por base de c~lculo primeiramente 5 anos e depois 9
1913 4.995 130 147 124
anos.
1914 6.684 174 164 123
A atribuição da média móvel é feita, em geral, ao ano mediana
1915 8.260 215 133
de cada grupo, mas não há inconveniente em atribui-la ·a outro
ano, se houver motivo para isto. Ernest Labrousse, por exemplo, 1916 4.093 107 130
calcula o movimento percebido, atribuindo a média móvel ao ano 1917 1 .494 39
final de cada grupo. O argumento é que o historiador se interessa 1918 4.335 113
predominantemente pela percepção que os contemporâneos puderam
ter da conjuntura; neste sentido, os anos futuros nãó devem ser Fante: Ministério de Agricultura de la Nación; Dirección General
incluídos no cálculo. de fütadística y Censos.
304 305
Figur~ 41:
Figura 40:
Reta dos mínimos quadrados (princípio geral)
Produção argentina de milho (1899-1918 ): índices
(1899-1918 =
100) e médias móveis (5 e 9 anos)
Dados do QUADRO 10
l11din:":
2?11
\ltdi•" RlO\~Ü1
t!i llfill'>t
2lHI
tlf llllU'>I
um
lbO
1-111
1211
IOO
39) Método dos mínimos quadrados Coluna 3: Variável de cálculo x, relativa à abscissa: ê
atribuído o zero ao ano mediana do período
Usado mais freqüentemente pelos economistas, este processo (deixamos de lado o dado relativo a 1899, para
permite representar o movimento de longa duraçao por uma reta ou termos um número ímpar de dados, o que faci-
uma parábola. Aqui só explicaremos o caso da reta, o mais apli- lita os cálculos) isto é, 1909, cuja abscissa cor-
cável dos dois. O problema consiste em traçar uma reta que passe responde ao ponto centrai M da reta dos míni-
o mais perto possível de todos os pontos da curva. Matematica- mos quadradós. A partir da abscissa. O, atri-
mente, é preciso que a soma dos quadrados dos segmentos de buída ao ano 1909,. atribuímos abscissas nega-
ordenada compreendidos entre os pontos da curva e a reta sejam tivas ( - 1, - 2. . . - 9), pa@ a esquerda, e
um mínimo: positivas ( l, 2 ... 9) para a direita.
307
306
- Coluna 4: Variável e cálculo y, relativa à ordenada. Em as ordenadas de longa duração relativas aos pontos ·da reta de míni-
primeiro lugar cakula-se a média dos dados da mos quadrados,. cuja abscissa é a de cada ano da série:
série (neste caso, os índices relativos à produ-
ção de milho) que é 103 no exemplo discutido; 1909: 103 +o = 103
a referida média constitui a ordenada do ponto
central M da reta dos mínimos quadrados, cuja 1910: 103 + (4 X 1 ) = 107
abscissa é a correspondente ao ano mediana da 1911: 103 + (4X2) = 111
série ( 1909). A variável y resultará, para cada
dado da série, da operação de subtrair o índice
médio (103) do índice efetivo do ano; assim, 1918: 103 + (4X9) = 139
teremos para 1900: 37-103 =- 66; para 1913: 1909: 103 o = 103
130-103 = 27; etc. 1908: 103 ( 4X1) = 99
1907: 103 ( 4 X2) = 95
- Coluna 5: O resultado da multiplicação das . variáveis de
cálculo x e y, separando os resultados positivos
dos negativos.
1900: 103 - (4X9) = 67
- Coluna 6: Resultado da elevação ao quadrado da v:iriável
de cálculo x. Observações: A propósito do que dissemos sobre a coluna 3
(variável de cálculo x), quando a série contar com um número
- Coluna 7: Ordenadas de longa duração.· Para seu cálculo, par de cifras o zero será atribuido à mediana da série, que estará
em primeiro lugar, é preciso conseguir o declive da compreendida entre duas cilras (por exemplo: se a série tiver 20
reta dos mínimos quadrados, isto é, seu ângulo dados, ou cifras, a mediana estará compreendida entre a 1011- e a 1111-
ou inclinação relativamente ao eixo da abscissa: cifras e a tal ponto se atribuirá o zero, tendo em vista a variável
como já conhecemos um ponto da aludida reta, de cálculo x). Depois se darão valores positivos ou negativos, con-
o ponto M (abscissa: a de 1909; ordenada 103), forme a série for ascendente ou descendente, mas em lugar de
se tivermos o ângulo que a reta faz com o 1 ( + ou - ) o primeiro valor será 0,5 e o segundo 1,5, o terceiro
eixo horizontal poderemos traçá-la sem difi- 2,5 etc. Por outro lado, quando a curva, cujo movimento de longo
culdade. A inclinação é Cl!lculada segundo a prazo queremos determinar, for descendente, a inr.linação da reta
_seguinte fórmula: dos mínimos quadrados, relativamente ao eixo horizontal, será nega-
tiva; devemos, pois, marcá-la no eixo das ordenadas abaixo do
l x.y 2. 148 eixo horizontal e, depois, traçar a reta dos mínimos quadrados como
IV
..., ,, - 3,77 = 4 .urna paralela à reta assim desenhada. (Ver a FIG. 43). Outro mé-
... x- 570 todo mais simples de traçar a reta de longo prazo é calcular dois
pontos da ordenada e traçá-la com base neles. A prop6$ito da
Como sabemos que o índice médio 103 corresponde ao ponto Coluna 6 deve-se notar que, como só é usaqa nos cálculos a soma-
central M da .reta, cuja abscissa é a do ano mediana 1909, 103 é tória dos quadrados, o resultado poderá ser lido diretamente em
a ordenada de longa duração relativa a 1909; do referido ano em uma tabela (Ver a tabela incluída no Aplndict:.).
diante calcu:amos as ordenadas relativas aos anos seguintes. so- ,Por último, cumpre advertir que os cálculos que levaram ao
mando 4, 4X2, 4X3, ... 4x9 a 103; e de 1909 para trás sub- Quadro ·11 não são necessários para traçar. a r~a dos mínimos
traimos 4, 4X2, 4X3, ... 4x9 de 103; assim, conheceremos quadrados, mas para outras operações de que adiante falaremos.
308 309
1 '
"'o
'...."'
V.
"
...e
Q..
IS
e 8õS8~8~b~g~=~:!~~:~
<
-------------------
~~~~~~-~~~~~~~~~~~~~
Figura 43:
·\
312 313
.,,
1
Andlise da curva bruta ou da curva dos lndices efetivos: Um (índicé médio - mínimo) x 100
rápido exame· de uma destas curvas (ver, por exemplo, a Fig. 40)
mostra-nos, primeiramente, que o volume da produção argentina mínimo
de milho oscila com muita amplidãe, em todo o período consi·
derado, sendo especialmente notáveis as variações· entre 1911 e Por exemplo, para o ciclo 1907..; 191 O teremos, segundo os
1917. dados do Quadro 1O, os seguintes resultados:
317
316
47 + 90 + l 17 + l 16 Figura 45:
lodice médio = = 92,5
4 Produção Argentina de milho (1900-1918) Flutuações cíclicas
(92,5 - 47} X 100 - Método dos mínimos quadrndos (Dados do Quadro J3)
Intensidade = = 96,8%
47 A - Desvios absolutos ~ IOll ,....
• KU
+ 100
.-...
A - Desvios absolutos ...
. "'
• 2U
, . ....
. "'
.... ""
. 1110
100
tidos pelo método dos mm1mos quadrados (Cf. Quadro 13,
... coluna 4), considerando todos os desvios como positivos, e dividin-
B - Desvios relativos
... do-se o resultado pelo número de desvios:
. .t Exemplo: Ciclo 1900-1907:
• lO
2 3 4 5 6
1899 ' 44
1900 37
1901 65 60 5 25 8,3%
1902 56 74 -18 324 -24,3%
1903 97 85 12 144 14,1%
1904 116 98 18 ' 324 18,4%
1905 93 96 -3 9 - 3,1%
1906 129 95 34 1156 35,8%
1907 47 95 -48 2304 -50,5%
1908 '90 100 -10 100 -10,0%
1909 117 78 39 1521 50,0%
1910 116 107 9 81 8,4%
1911 18 115 -97 9409 -84,3%
1912 196 127 69 4761 ' 54,3%
1913 130 147 -17 289 -11,6%
1914 174 164 10 100 6,1%
1915 215 133 82 6724 61,7%
1916 107 130 -23 529 -17,7%
1917 39
1918 113
QUADRO 1.3:
- .....,
~~-
-~
Produção Argentina de milho (1900-1918)
Dados do QUADRO 10
1 2 3 4 5 6
322 323
+
No caso dos produtos agrícolas, o movimento estacionai. é funda-
mental, por estar relacionado diretamente com as boas e más co-
lheitas.
·Para calcular o movimento estacionai é indispensável disp 01 N
de dados que permitam determinar médias mensais (de preços, o
volume de vendas, volume de produção, etc.) com as quais ela-
bora-se um segundo quadro, conforme o modelo apresentado no
Quadro 14.
QUADRO 14:
Modelo de Quadro para o estudo do
Movimento Estacionai (Preços)
Preço
mensal
Mês Ano 1 Ano 2 ................ Ano n médio
janeiro
fevereiro
março
dezembro
Ou, também:
Ano 1
Ano 2
u
Ano n :::1
CT
·;::
e
Preço Ul
mensal
médio
"'o
Fome: M. Gillet, op. cit., l, p. 61. .(
324 12'
·1. 11 'I 1
' 1
~
1 :
'1
Depois . de dispostos os dados no quadro, faz-se o cálculo 6. A COMPARAÇÂO DE DIFERENTES CURVAS
dos desvios das médias mensais relativamente às médias anuais.
Assim conseguimos os desvios mensais médios. Também podem s~r
calculados os desvios entre as médias mensais mais baixa e mais
alta: .neste caso temos o desvio estacionai. As duas diferenças Chegamos agora a um aspecto de grande importância, pois
ainda podem ser calculadas em percentagem: trata-se de passar da fase da descrição das flutuações econômicas
para a de interpretação e análise causal. O princípio metodológico
(média anual - média mensal) x 100 mais geral, neste problema, é relativamente simples: a comparação
e o estudo da correlação das diferentes curvas.
média mensal O primeiro passo consiste em fazer a comparação das curvas
que supomos relacionadas, sobrepondo seus gráficos contra a luz ou
(média mensal máxima - média mensal mínima) X 100 construindo as duas curvas em um único sistema de coordenadas
cartesianas. O segundo sistema é quase sempre o resultado da pri-
média mensal mínima meira análise "a olho". (yer Fig. 47)
...-....e
C<I 15 300
~ "' 14 200
250
C<I-
Q.i 13 .................. ....... 100
~-
1769-70 50
12 o.__.._._.......~_._._~-"--"-"-"'L..JJLL-1----L~--ll~
·/.:~........ ···· •1720 1730 1740 1750 17611 1770 1780- 1790 1800 UU01 1815
11
Fonte: Enrique Florescano, Precios dei ma1'z. . . CI"t ., ·p. 168.
Nov. Dez. Jan. Fev. Mar A. M. J. J. Ago. Set. Out. Preços do milho: 1726-1742 = 100
1
delinqüência:···- .••.•.•••. .1726-1742 • = 100
Fonte: Enrique Florescano, Precios dei maíz.; .. cit., p. 102. epidemias: •
• N. do T.: Fanega é medida correspondente a 55,5 litros (sesundo o . Deve-se .considerar que a comparação de duas ou mais curvas
p;idrào de Castela); ou a quantidade de 1rl.os correspondente, é sempre precedida por uma hipótese em que o historiador pressu-
326 327
ll'f
1"
log~ =
Este método tem a vantagem da rapidez e a desvantagem de
log X só levar em consideração os valores extremos. Em muitos 'casos
n isto pode ser muito inexato, principalmente quando há flutuações
amplas no interior da série.
Agora podemos voltar ao problema colocado antes: qual é a
taxa de crescimento anual da produção argentina de milho entre
1899 e 1918? (QUADRO 10) 29) Método· do ajustamento exponenci'!1
Z: x.y 7.9111
= 0,0139
570 E. Quantificação e estatística em história:
teremos: 3. Emprego da amostragem
1909: 1,9435 + o = 1,9435
1910: 1,9435 + (IX0,9139) = 1,9574
1911: 1,9435 + (2XO,Ol39) = l,9713
1918: 1,9435 + (9X0,0139) = 2,0686 Muitas vezes, no curso de uma pesquisa, o historiador enfrenta
1909-: 1,9435 - o = 1,9435 situações em que motivos ligados ao tempo e ao custo tomam
1908: 1,9435 - (1X0,0139) = 1,9296 impossível o estudo da totalidade da documentação disponível.
1907: 1,9435 - (2 X 0,0139) = 1,9157 Assim, por exemplo, o estudo de testamentos, de registros carta~
riais de casamentos, de listas nominais de tipo fissal, eleitoral ou
1900: 1,9435 - (9 X 0,0139) = 1,8184 simplesmente censitário é bem difícil de ser feito exaustivamente.
332 333
Isto é, razões de custo t: de tempo nos impedem de estudar todos
os casos, forçando-nos a nos contentarmos com o exame de uma
parte apenas, através daquilo que os estatísticos denominam de
amostra.
A técnica estatística da amostragem permite resolver ·o pro-
blema básico da pesquisa com grande precisão. Para que o estudo
....
u
'ó
de todo o conjunto de elementos - p. ex.: testamentos de tal
e: cidade, em· tais anos - J'OSsa efetivamente ser feito somente atra-
vés de uma parte dos mesmos é preciso que a amostra satisfaça
uma sêne de requisitos:
- Que a seleção da amostra seja feita de modo probabilístico,
ou ao acaso.
- Que a amostra mantenha certas proporções relacionadas
ao tipo de estudo a fazer. Assim, por exemplo, se estudarmos testa-
mentos com o intuito de comparar .as fortunas legadas em três ou
quatro estratos sociais diferentes, será necessário prever algum
mecanismo que permita selecionar uma quantidade aproximada-
mente igual de testamentos correspondentes aos estratos a compi-
">< rar. Esta condição é importante pois se não for prevista no mo-
mento da seleção da amostra correremos o risco de não poder reali-
°'.., zar, depois, as comparações desejadas.
o
"'e:::> - Que no momento de estabelecer a grandeza da amostra
ó õu
seja definido o grau de precisão do estudo. Isto é, que se torne
possível a avaliação do grau de confiança da estimativa realizada
a partir da amostra.
.... O primeiro requisito requer que todos os elementos do universo,
ou seja, do conjunto completo · - em nosso exemplo, a totalidade
dos testamentos de tal cidade, em tais ano~ - tenham a mesma
probabilidade de estar incluídos na amostra. Isto exige uma sle-
ção feita por meio de sorteio, ao acaso. Os estatísticos estabelece-
ram dois processos básicos .para a seleção çie amostras:
N a) Por meio de tabelas de númerm; jurtuitus: São tabelas
elaboradas de modo que as séries de números se distribuam aleato-
riamente. Para eleger uma amostra com a tabela de número for-
tuitos pracede-se do seguinte modo (Ver tabefa de números fortuitos
no fim do volume): escolhr-<e º'"'''•ri:imcnte (sorteando a linha e
a coluna) um ~lgarismo para entrada na tabela. }>or exemplo: quinta
linha, terceira coluna. Suponhamos que, de um universo de 1 . 000,
elegemos amostra de 100 elementos: para extraí-!ª-. consideraremos
números de três algarismos., interpretando o tríplice zero como
335
'11
k
1 . 000, pois numeramos o uni verse 11 partir de l (um). Do ponto vés de um exemplo, o quanto é importante este reqms1to. Logo
inicial poderemos ler para baixo, par'a a direita, ou para a esquer- que definidos os estratos - por exemplo, diferentes categorias
da: porém, depois de começada a leitura deveremos prosseguir no sócio-profissionais, grupos etários de uma popul2ção, etc. _ cal-
mesmo sentido até estar concluída a seleção da amostra. Come- culam-se amostras para cada estrato, que passarão a integrar a
çando pela quinta linha e a terceira coluna, lendo da esquerda amostra global. Assim, assegura-se a representação, na amostra,
para a direita, elegeríamos: 082 - 619 - 704 - 860 - 438, dos estratos que nos interessam - e nas proporções requeridas
etc., até termos os 100 elementos. Naturalmente, desprezam-se (pois ao elegermos a amostra de um estrato levaremos em conta
os números repetidos. Assim, integrarão nossa amostra todos os seu peso, ou proporção, no seio do universo estudado).
elementos do universo que tiverem seus números indicados pela O terceiro requisito relaciona-se, diretamente, com o tama-
tabela. · nho df!. am()stra. Do que foi dito é facilmente dedutível que uma
b) Por meio de um intervalo sistemático: Este é um método amostra ao acaso representa o universo de que foi extraída, com
mais simples e, na maior parte dos casos, dá resultados semelhan- certo grau de probabilidade ou, o que vem a dar no mesmo, com
tes. Age-se assim: divide-se o universo pelo tamanho da amostra. certa percentagem de erro. O importante da amostragem estatística
calculando-se o intervalo. No exemplo dado: está no permitir-nos conhecer, com toda a exatidão, a referida
percentagem de erro, e assim podermos ter grande confiança, mate-
1. 000 maticamente definida, no estudo do universo feito mediante a amos-
= 10 tra. A determinação do tamanho da amostra implica um certo co-
100 nhecimento estatístico que seria longo explicar aqui. o pesquisa-
dor interessado em aplicar a técnica da amostragem pqderá con-
Isto quer dizer 4ue tomaremos um elemento de cada 10. O sultar bibliografia mai~ especializada - em casos de difícil solução
número inidal t! escolhido ao acaso entre 1 e 1O, por um processo poderá ser indispensável o assessoramento de um especialista_
de sorteio ou usando uma tabela de números fortuitos. Suponhamos
que o número eleito tenha sido o 4: selecionaremos os demais
somando o intervalo (neste caso 10) ao número inicial até termos
percorrido o universo todo. No nosso exemplo elegeríamos:
4- 14 - 24 - 34 - 44 - 54 - etc.
336 337
f,
·(
,'I ,
1:
,'
1
minar (ainda empiricamente) a lista mais completa poss1vel t:mpresas agrícolas, em primeiro lugar - como é natural em
das relações de dependência que o mesmo admite e determi- sociedades como as latino-americanas - dedicadas há vários séculos
nar as vinculações recíprocas que fazem deste conjunto de à ·agricultura e às atividades extrativas: fazendas, grandes lavouras,
estâncias, posses precárias, camponeses parcelários. . . Os proble-
relações um sistema único."
mas colocados variarão conforme o tipo de contexto. Convirá
Retomemos, agora, o tema da racionalidade econômica. Mini- reunir, antes de mais nada, dados estatísticos da produção, rendi-
mizar os custos ou maximizar os resultados é, sem dúvida, o 5jgno mentos e produtividade; 55 isto nos permitirá acompanhar a evolu-
de uma atividade econômica racional em qualquer sistema econô- ção da empresa a curto e a longo prazo, entender suas respos"tas
mico - e isto suporá que existam várias soluções po~síveis para à conjuntura. Depois., será interessante quantificar os insumos: in-
um dado contexto técnico e que haja possibilidade de compará-las versões necessárias, despesas de mão-de-obra. Isto será impossível
e escolher a variante mais econômica. '" Entretanto, maximizar a de entender se não estudarmos, também, as técnicas de produção,
produção ou minimizar os custos tem sentido somente dentro da a posse da terra e, ainda mais amplamente, os fatores naturais:
"hierarquia das necessidades e valores que se impõem aos indivíduos tipos de sol.o, climas, flora - que constituem o marco físico indis-
no ~ei ,o de determinada sociedade .e que têm seu fundamento na pensável. E logo aparecerão os problemas de mercado: como se
natu1eza das estruturas desta sociedade." 53, Deste modo, o problema usa o excedente da produção, onde é possível vender - e aqui
da racionalidade econômica está contido no da racionalidade social. intervém o problema dos transportes, dos fretes. Finalmente, se
houver um mercado haverá um preço, e este índice - tão anreci"-
As considerações anteriores pressupõem, portanto, que pma do na história econômica - nos permitirá calcular o lucro, medir
estudar as economias pré-capitalistas e suas empresas, em especial, a rentabilidade da empresa integrada a um circuito mercantil. :,;
é preciso construir a "teoria" dos referidos sistemas econômicos. Até o momento propusemos. uma análise que poderíamos chamar
Quanto à América Latina o problema se coloca agudamente em de microeconômica., no sentido de que encara a perspectiva da
relação à fase colonial e persiste, assim como o peso das formas empresa individual, mas a estrutura e o funcionamento de uma
arcaicas na evolução posterior. Felizmente., quase todos os estudos empresa só podem ser entendidos dentro da estrutura econômica
mais re~entes procuram explicar o que há de específico e próprio total.
em nossas sociedades e em sua história - e logo chegará o mo- Vejamos, agora, alguns temas de estudo. Antes de mais nada,
mento de podermos realizar sínteses e comparações úteis. 54 o problema da mão-de-obra: "repartimientos" de índios, "enco-
miendas", "mitas" e outras formas de trabalho forçado; escravos,
"peões", campn'}eses sujeitos a algum tipo de coação extr2-econô-
mica; semipropfietários, isto é, assalariados que não o são de modo
permanente; afinal., proletariado agrícola. A estrutura da oferta
da mão-de-obra será de grande importância para caracterizar o
2. TIPOS DE EMPRESAS sistema econômico em que se inserem as empresas estudadas; sua
análise não é, de forma alguma, independente da empresa agrícola
considerada em seus aspectos políticos e sociais. A fazenda, por
Tentemos, agora, traçar um programa de trabalho, um balanço
provisório em alguns casos.
55 Sobre o problem:i da produtividade, cf. Troisie111e conférence inter-
nationale d'histoire économique <Munique, 1965) Paris-Haia, Mouton,
1969 (vol. II, secção dirigida por Jean Meuvret}.
52 Ibidem, p. 129.
53 Godelier, up. cit., p. 303. 56 Logicamente, para que isto seja possível é preciso qüc tudos os fato-
54 Ver os Capítulôs I a III. res tenham um preço.
340 341
pormenorizado de empresas e não pela via contrária-: só assim taiíi
exemplo, não é apenas empresa; tambêrn implica um sist~n:a _de
tipologias seriam, realmente, representativas.
domínio particular. A dinâmica histórica do complex?. lattfundio-
minifúndio é, pois, de especial interesse; 51 Será nece~sano observar No caso das empresas agrícolas, outro aspecto importante a
as transformações do sistema de dominação, primeiramente ,como estud2r é o da "industrialização" ou beneficiamento do produto
constatação de uma permanência que pode atravessar, os ~eculos que, às vezes, pode ser realizado na própria empresa ou em esta-
ou, ao contrário, de uma fluidez extremamente se~sivel a _co~; belecimento a ela vinculado. Assim, os engenhos de açúcar, as
juntura; para, em segundo lugar, explicá-Ias. Françms Chevalier·' beneficiadoras de café, as charqueadas e os frigoríficos de carne
mcstrou brilhantemente, quanto ao caso da Nova Espanha, a cor- vacum, etc., constituiriam um capítulo importante do estudo das
respondência entre a expansão ou concentraçã.o mineira. e a. !~r empresas. Logicam.ente, tais atividades elaboradoras dos produtos
mação e à transformação da grande propnedade _I.attfundiana. agrícolas estão intimamente vinculadas à comercialização e à expor-
Épocas de auge, estagnação ou declínio _da produçao, fas_es de tação. <lt
longa e curta duração, vinculação inter-regional das economias - As empresas comerciais oferecem um campo de estudos muito
eis aí as variáveis decisivas para entender a conduta das empresas, importante:_ desde o comércio local e de intermediários até as
historicamente. 59 grandes empresas de importação-exportação, todas desempenham
A esta altura, é importante que tenhamos s~?linhado, até papel de primeiro plano, sobretudo .em sociedades como as da
a , 0 ra os estudos de empresas que partem da analise de casos, América Latina. Aqui será de especial interesse estudar a origem
i;dividualmente. Na verdade, não é esta a única a~ordage1'.1 pos- social dos capitàis investidos no grande comérci~: --~ nacionalidade
sível. Sobretudo para estudar a inserção ?e . determinado tipo . de dos investidores e suas atividades prévias constituem um bom começo.
empresa na globalidade da estrutura econ?mi~a recorre-se, muitas A nova empresa é um prolongamento de atividades ligadas à
vezes a tipologias que arrancam da generahzaçao de algumas carac- terra, ou trata-se do resultado da expansão de uma firma estran-
terísticas importantes, supostamente comuns a todas . ª:o
empresas geira que, agora, abre sucursal ou se associa a uma nacional que
a "represente"?
do mesmo tipo. Muitos dos estudos de Antonio Garcia sobre as
empresas agrícolas da América Latina apelam para este recurso. Do Boa parte dos "segredos" do funcionamento das economias de
ponto de vista do rigor da pesquisa, é preciso ter _em. c~nta , q~e exportação serão encontrados nas empresas comercializadoras. Co-
0 emprego deste tipo de análise, embor~ possa ~bnr md1scuttve1s mo oscilam as taxas de lucros destas empresas? Acompanham as
campos dt: interesse., apresenta. o grave mco~~emente da~ genera- variações cíclicas dos preços de exportação? -Não sendo assim, fica
lizações nem sempre com suficiente base empmca. Ademais, nunca evidente que as baixas de preços <;erão suportadas pelo produtor.
permite a riqueza analítica verificada quando s~ parte do ~om Há base para algum conflito de interesses entre produtores e comer-
pOrtamento de empresas, individ~alme~te ,consideradas. O ideal ciantes exportadores? Qual o grau de monopolização do mercado?
~cria, logicamente, só chegar a tipologias a base de um estudo
O mesmo tipo de estudo é extensível aos bancos e às socie-
dades financeiras: interessará conhecer, especialmente, o peso rela-
... ~-----
tivo dos bancos nacionais (determinando a que interesses estão
57 Ct os estudos de Antonio García, Refonn:i agrm:ia ?' ec011:°mí~ c1_n-
prnaria/ c 11 América Latina, Santiago do Chile, Ed1tonal Umvers1ta~1~, vinculados) comparativamente .aos estrangeiros. Qual a distribui-
J9ó7; Caio Prado Júnior, "El problema agrario en Brasil'', cm _Evol11cwn
ção dos créditos? Que papel desempenha no funcionamento da
po!il!ca dei Brasil, Buenos Aires, Editorial Palestra, 1959. Tais estudos
juram pioneiros no referente a isto.
S8 Ct F Chevalier, op. cit - óO A. García, op. cl/ ., especialmente o Cap. II.
~9 Rn:cntc e ótimo estudo é o de Petcr Klan~n. La formación de las
61 Estudo recente neste ~entidu é o de Manuel Maechi, Urqui~a, el
lia< 1n1das az11careras y los orígenes dei APRA, Lima, Instituto de Estu-
sa/aderista, Buenos Aires, Ediciones Macchi, 1971.
d1u' Pvruano~. 1970.
342
343
··~·
Até agora destacamo!> alguns problemas metodo.lógicos e algu~s Em uma certa etapa do desenvolvimento capitalista o Estado
temas dé pesquisa vinculadós à história de empresas. A seguu começa a realizar investimentos públicos, seja nacionalizando certos
e~hoçaremos os principais tipos de fontes para tais estudos.
serviços (como ferrovias, pórtos, telecomunicações, etc.), seja in-
vestindo diretamente em alguma área estratégica da indústria,. como
62 Cf. por l'Xcmplo: Dawn Kcrcmitsis, La i11dustria textil me~_ica11a, e~ o petróleó, a siderurgia, a fabricação de armrts, etc. Em tais casos,
:!i el siglo X JX, col. Sep/Setcntas, México, Sccretaría de Educac1on Pubh
il é necessário acrescentar à documentação tod·a a legislação baixa-
i' ca, 1973. .
!i1 63 Cit.:mos, entre os estudos sobre os transportl's, Claudio Veliz, Histo- da a propósito da empresa estudada. É óbvio qúe a atividade em-
il; na de· la marina mercante de Chile, Santiago, Universidad de Chile, 1961; presarial do Estado, fora do setor industrial, tamb§_m é muito im-
Raul Scal<ibi-ini Ortiz, Historia de los ferrocarrÚes argentinos, Buenos portante, às vezes: no setor bancário, no de seguros, etc.
\1\. ' Aires, 1957, 2.• ed.
li11
i· 345
.,1,. !
,··11; .
'i,1i
corresse a livros mais especializados. Realmente, já existem bon;
'19) Observações finais
manuais ou tratados de estatística traduzidos para todas as lín-
'
l,'I ,'
guas Gr. e esta obra não pretende propor-se a substitui-los - à
- A contabilidade da empresa não deve assustar ninguém.
que, além do mais,~ seria impossível tendo-se em vista os limi-
Em apêndice indicamos os principais elementos do balanço anual tes que nos impusemos, tanto no referente a espaço quanto no que
e da conta de lucros e perdas. Como o leitor verá, nenhuma genia- diz com o nível deste trabalho, estritamente de iniciação. Por outro
lidade financeira se faz mister para lê-lo, para os fins que inte-
lado, sabemos que alguns dos recentes manuais franceses de intro ·
ressam à história econômica.
dução aos estudos históricos (extremamente úteis e bem elabora-
- Campo de estudos de grande interesse é, sobretudo para
dos, quanto ao mais) contêm muitos erros e inexatidões porque
a sociologia e a ciência política, o dos empresários co~o. grupos
tentaram resumir em poucas linhas certas noções e processos cuja
dentro da sociedade analizando-se, por exemplo, suas atitudes ante
'
tais ou quais problemas. -
0 4 Para: estes estudos, as fontes serao os
correta explicação requer longas exposições; o pleno conhecimento
disto orientou-nos no sentido de nos limitarmos ao essencial, quer
documentos dos sindicatos patronais e, quando possível, entrevistas.
- Outro tipo de pesquisa é a que tenta estabelecer os v,!t1culos dizer, ao mais comum nas pesquisas históricas feitas por historia-
das empresas: fusões, controle de umas sobre outras, fenomen.os- dores. Não esconderemos do leitor que os dados contidos neste
Jigados à concentração econômica. As .diretorias ~ atas das socie- capítulo seriam apsolutamente insuficientes para a feitura de traba-
dades anônimas, (geralmente divul~adas pelas entidades que agru- lhos altamente especializados de econometria retrospectiva, por
pam os diferentes setores empresariais) são, neste caso, as fontes exemplo. Mas, (além das restrições que em outros capítulos fize-
mais acessíveis. mos a tais estudos e de nossa preferência claramente manifestada
pela escola francesa de Emest Labrousse) é evidente que a reali-
zação de trabalhos deste tipo implica o domínio de amplos conhe-
cimentos econômicos e matemáticos, que em caso algum poderiam
ser proporcionados por um manual como o presente, pois pressu-
põem toda uma formação universitária específica. ·
u. Conclusãn
346 347
é o estudo cientificamente elaborado das vanas atividades e
das diversas criações dos homens de outros tempos, captadas
em sua data, no marco de sociedades extremamente diferen-
tes e, no entanto, comparáveis umas às outras (o postulado
é da sociologia); atividades e criações com que cobriram a
superfície da terra e a sucessão das eras."
349
ciedades m~uievais com maestria indiscutível. A idéia é a de lançar
con4uistas e perspectivas das pesquisas de história social das duas
a história social em uma rota de convergência de uma história
últimas d~cadas subscreveu, . plenamente, tal posição sugerindo a
da civilização material e de uma história da mentalidade coletiva.
denominação de história da sociedade como expressão mais ade-
Duby esboça três princípios metodológicos para alcançar-se tal fi-
quada. 4 .
nalidade maior. O primeiro já é nosso conhecido: "o homem cm
A diferença de status entre história social e história demo- sociedade constitui o objeto final da pesquisa histórica". Só a
gráfica, política, etc., relaciona-se - no caso da Escola dos An- necessidade da análise nos leva a dissociar os fatores econômicos dos
nales de Marc Blach e Lucien Febvre - mais concretamente, por políticos, ou dos mentais: G
um lado, com o chamado à colaboração das distintas ciências
sociais para o estudo de um objeto comum a todas: o homem " ... a história das sociedades deve, sem dúvida, primeiro e
em sociedade; por outro lado, tem a ver com o espírito de sín- para comodidade da pesquisa, considerar os fenômenos a dis-
tese que os inspirava. Lucien Febvre, ao explicar porque tinham tintos níveis de análise. Que ela deixe, entretanto, de se con-'
escolhido um vocábulo como "social" para o título dos Annales, siderar a seguidora de uma história da civilização material,
expressa-se claramente: 5 de uma história do poder, ou de uma história das mentalida-
des. Sua vocação própria é a da síntese. Cumpre-lhe recolher
" ... estávamos de acordo em pensar que, precisamente, pala- todos os resultados das pesquisas efetuadas, simultaneamente,
vra tão vaga como 'social' parecia ter sido criada e trazida em todos esses domínios - e reuni-los na unidade de uma
ao mundo por um decreto nominal da Providência histórica visão global."
para servir de bandeira a uma revista que não pretendia cer-
car-se de muralhas, ma.s irradiar para todos os jardins da
O segundo princípio metodológico proposto por Duby con-
vizinhança - amplamente, livremente, até indiscretamente
siste em "Dedicar-se a descobrir, no seio de uma globalidade, as
um espírito, o seu espírito. Quero dizer um espírito livre, de
articulações verdadeiras". Aqui é onde se esboçam as vinculações
crític·a e de iniciativa em todos os sentidos."
- e ninguém lhes negará a complexidade - entre o econômico,
Se a história social, por sua própria natureza e .pela evolução o político, o mental. Tratar de descobrir as verdadeiras articula-
da metodologia, manifesta vocação de síntese, será indispensável ções quer dizer captar as vinculações importantes, as relações sig-
colocar os requisitos metodológicos necessários para levar a bom nificativas que nos fazem entender a totalidade de uma sociedade.
termo tal vocação. Não nos podemos conformar, já, apenas com Afinal, o terceiro princípio: 7
o fato do vocábulo "social" ser conveniente porque é o bastante
amplo para convocar a discussão interdisciplinária - admitindo, "Porém a pesquisa das articulações evidencia, desde o início,
afinal, que toda a história é social. que cada força atuante, embora dependa do movimento de
Como considerar, pois, a história social como síntese que todas as demais, tem a animá-la, no entanto, um impulso que
deve integrar os resultados da história demográfica, da história lhe é peculiar. Ainda que não _estejam de modo algum jus-
econômica, da história do poder, da história das mentalidades? tapostas, mas intimamente ·vinculadas em um sistema de in-
Georges Duby, em sua magnífica aula inaugural no College dissociável coerência, cada uma se desenvolve no interior de
de France: propôs um caminho ·frutíféro, aplicando-o logo às so- uma duração relativamente autônoma; .esta última está ani-
4 Eric Hobsbawm, "From Social History to the History of Society" em 6 Georges Duby, "Les sociétés médiévales. Une approche d'ensemble", em
l>:1nla/11s, inn:rno de 1971 ( Historical Studies TÓday ): resenha em Annales Annales E. S. C., janeiro-fevereiro de 1971, pp. 1-13.
F S (' , maio-junho de 1972, p. 673. 7 Ibidem, p. 4.
' luc·ic·n FL'b\Tl', op. cit., p. 39.
351
350
mada, além disto, nos distintos mve1s da temporalidade, pur Assim, apesar das colocações de Febvre e Bloch, constitui-se
uma efervescência de acontecimentos, por amplos movimentos uma "história social" que., precisamente, é mais uma especialidade
de conjuntura e por ondulações ainda mais profundas, carac- ao lado da história demográfica, econômica, política, etc. Seu ob-
terizadas por ritmos muito mais lentos." jeto parece estar delimitado como o " ... estudo de grandes con-
ju~tos, as classes, os grupos sociais, as categorias sócio-profissio-
nais. 9 Ou, conforme o . expressa Albert Soboul: to
Reconhecimento, pois, da irredutibilidade dos distintos mve1s
no estudo de uma sociedade. O problema da duração, dos ritmos
diferentes que afetam cada nível da vida social, surge como a "A h~stória social n~o. é .somente um estado de espírito, quer
primeira justificativa - certamente não a única - de tal prin- tambem s~r ~ma disctphna especial dentro do conjunto das
cípio metodológico. Difícil seria não lembrar aqui as reflexões de ciências históncas._ Neste sentido mais preciso, está vinculada
Femand Braudel sobre os diferentes tempos da história, embora ao e~tudo da sociedade e dos grupos que a constituem, em
já as tenhamos mencionado. s As proposições de Duby são., indu- suas estruturas e pelo ângulo da conjuntura; nos ciclos e na
bitavelmente, um convite à pesquisa. Não existe a pretensão de lunga duração."
antecipar uma teoriH sobre o que deveria ser a história social
como síntese. E isto não é, seguramente, uma. debilidade mas a Este . ~odo de sentir a história social é, sem dúvida, o que
prudência própria de um experimentado historiador. Nada seria tão ora predomma. Isto nos coloca o problema de uma possível con-
temerário quanto elaborar a teoria normativa de algo que ainda fusão entre os dois sentidos associados na mesma expressão, for-
está em vias de constituir-se. çando-nos, por isto, a especificar clàramente qual será. o conteúdo
das demais partes deste capítulo. Desde já, digamos que a histó-
ria soda!, no sentido de síntese global, constituirá o objeto do
Capítulo IX deste manual. Trataremos, a seguir, dos seguintes
aspectos:
2. O SENTIDO -MAIS COMUM DA EXPRESSÃO - as relações entre a história social vista como uma espe-
cialidade e os dados da história econômica;
os principais domínios da história social, entendida neste
sentido restrito: o estudo da estrutura social, das estra-
Na década de 1930 a influência maior sofrida pelos historia-
tificações, e a análise dos movimentos sociais;
dores, quanto a metodologia, técnicas de pesquisa. e elaboração
de dados, proveio da economia o que, logicamente, provocou um - afinal, falaremos brevemente sobre a história das menta-
forte desenvolvimento da história econômica. Somente no Congres- lidades coletivas, elemento necessário de uma: história so-
so de Ciências Históricas de Roma, em 19 5 5, foi colocada pela cial como síntese; ademais, muitos dos estudos sobre men-
primeira vez - de modo sistemático - uma metodologia de pes- talidades coletivas fazem parte do campo da história· social,
quisa relacionada com o estudo da estrutura e das relações sociais, em sentido restrito.
rnmparável ao que foi a da história dos preços na história eco-
nômica. 9 Jean Bouvier, "H~stoire sociale et histoire économique", em L'Histoire
Sociale, Sources et Méthodes, Paris, Presses Universitaires de France, pp.
239-250.
8 CI. Fernand Braudel, "La larga duración", em La historia y las cien- ·10 Albert Soboul, "Description et mesure en histoire s~iale", · em L'his·
uas socia/es, Madrid, Alianza Editorial, 1970, pp. 60-106. toire Sociale, Sources et Méthodes, cit., pp. 9-25.
352 353
B. História social e dados ecanômicos 2. HIERARQUIAS SOCIAIS E BASE ECONôMICA
A história social tem nos dados econômicos uma indispensá- . Enriquecimentos e empobrecimentos estão, invariavelmen'te,
vel coordenada de referência. Nenhum historiador poderia, hoje, entre as conseqüências sociais da conjuntura econômica. Cada so-
negar que a estratificação social~ a constituição dos grupos huma- ciedade distribui socialmente seu excedente econômico de acordo
nos, a estruturação das relações sociais entre grupos e indivíduos com regras específicas - e tal distribuição é o fundamento das
possam ser estudadas, ou mesmo compreendidas, sem que se con- hierarquias so.ciais . Ninguém reduziria, por outro lado 0 estudo
siderem as bases materiais da produção e distribuição do excedente das hierarquias sociais ao mero estudo da base econÔmica. No
econômico. Entretanto, é preciso precisar o modo da história so- comportamento de um grupo -social há muitos outro~ determinan-
cial usar os dados econômicos. Trê~ pontos, propostos por Jean· tes, ~lê~ d? interesse econômico. Entretanto, o estudo da base
Bouvier, resumem com muita precisão o problema enunciado - econom1ca e o ponto de partida indispensável.·
e a eles acrescentaremos um raciocínio de Adeline Daumard re- Um problema difícil - a ser estudado um pouco adiante -
lativo ao tempo, às durações. 11 pode ser co~ocado desde já: com que critérios definir as classes
sociais, ou estratos, em que classificamos uma população?. Aqui
não está posta em questão a validez da teoria das classes sociais,
mas a decisão sobre com base em que tipos de critérios convém
fazer a distinção de classes, ou categorias sociais, em um estudo
histórico. Basicamente, as alternativas são duas: uma, adotar uma
1. HISTÓRIA SOCIAL E CONJUNTURA ECONóMICA teoria determinada a respeito das classes e submetê-la a uma es-
pécie de verificação histórica; outra, que poderíamos chamar de
empírica, prefere buscar definição na própria . sociedade estudada,
considerando como anacronismo toda a tentativa de encontrar clas-
Segundo expressão de Emest Labrousse, a conjuntura apre- ses, por exemplo; em uma sociedade medieval - considerada, an-
senta-se ~orno o pano de fundo do cenário social . !sto não sig- tes, como uma sociedade de "ordens" ou estamentos. 1ª A escolha
nifica que a conjuntura determine, diretamente, o social. Em uma
de· uma teoria, tendo em conta sua eficácia explicativa, parece
crise pode haver ou não uma situação revolucionária. 12 O indis-
cutível é que a conjuntura contribui para a explicação do social, ser fundamental.. O perigo de anacronismo Ç real. Entr~tanto, de-
ve-se evitar uma confusão: que os homens da sociedade feudal não
ilumina-o. ·
Como os distintos grupos sociais vivem a conjuntura? pensassem em termos de classe social não implica que, para tomar
Uma alta ou uma baixa de preços não é a mesma coisa inteligíveis as relações sociais feudais, não possamos usar este
para um operário e para um empresário industrial . As reper- conceito. Seria o mesmo que pretender vetar o estudo dos ciclos
cussões sociais da conjuntura estão, assim, no centro da atenção Kondratieff do século XVI porque a metodologia para sua análise
da história social. só foi concebida há .DQucas décadas; ou porque, tratando-se de
flutuações de longá duração, os contemporâneos não . tinham cons-
ciência de sua existência. . . Outro problema - e agora é que
11 Acompanhamos, aqui a apresentação do tema no artigo de Jean Bou· pode surgir a· q~stão _d~ anacronismo - é saber qual a visão
vier citado na nota 9. Sobre as relações entre a história social e história
demográfica, cf. supra o capítulo IV.
dos homens da Idade . Média sobre as hierarquias sociais, quais
12 Cf. as observações, ·sobre este tema, de Ernest Labrousse, referindo-se
às revoluções de 1789 e 1848: MT.res fechas en la historia de Francia", em
Fluctuaciones económicas e historia social, cit. (última parte). 13 Cf. infra, a parte C deste capitulo.
354 355
i \
r'f
! 1
as opiniões dos contemporâneos sobre a alta de preços do século A história social só pode responder a tais indagações recor-
XVI, etc. rendo aos dados básicos da análise econômica, colocando-os em
suá própria perspectiva de estudo.
Assim, pois, a análise econom1ca isola uma série de fatores,
proporciona uma série de dados, ilumina uma série de ~ecanis
mos. A história social toma tudo isto como ponto de partida e. o
reorganiza em função dos distintos grupos integrantes da socie-
dade:
4. O PROBLEMA DAS DURAÇOES
Agora entramos no problema das relações de força entre os " ... para o estudo dos fatos sociais, pelo menos no estado
distintos grupos sociais. Novamente ternos de advertir contra o atual. da pesquisa, os limites cronológicos devem ser mais
economicismo. Na base da maioria dos conflitos sociais há mo- restritos. f: preciso considerar sempre o espaço de tempo
tivos de ordem econômica; mas não explicam a totalidade do con- suscetível de ser percebido no curso da vida individual; pe-
flito, nem sua evolução. u Enriquecimentos e empobrecimentos, ríodo que corresponde seja à vida ativa e lúcida - isto é,
ascensões e baixas na pirâmide social serão temas de grande im- quarenta a cinqüenta anos em média ,_ seja à duração de
portância: Qual a reação da burguesia industrial à organização três gerações, ou seja, cerca de um st!culo: pois cada indi-
operária e às lutas operárias do século XIX? Qual a sua influên- víduo se beneficia com a experiência. de seus pais e participa
cia e controle sobre o aparelho do Estado? Em que momento um da dos filhos. Nos países ·de evolução mais lenta, se as tradi-
grupo social alcança suficiente poder econômico para exercer o ções ancestrais perpetuam-se por muito tempo, sem mudanças,
poder político? talvez seja necessário considerar um lapso de tempo maior,
Que alianças, que acordos são feitos e desfeitos entre os di- mas isto não modifica os dados do problema: v quadro nor-
versos grupos no curso das lutas sociais? mal da história social vincula-se a um ritmo ligado ao estado
biológiço e à civilização que caracterizárn o ambiente estu-
dado."
14 Ver, por exemplo; Katia M. de Queiroz Mattoso, "Conjoncture et
societé ~u-·Brésil à la fin du XVIIIe siecle: Prix et salaires à la veille de
la révolution des Alfaiates#. em Cahiers des Amériques Latines (série 15 Adellne Daumard, "Données . économiques et histoire-sociale", em Re-
Sciences de l'Homme) n.• 5, janeiro-junho de 1970, · pp. 33·35. vue Economique (Paris, Armand Colin), n.• 1. janeiro de 1965, pp.62-85
356 357
"Fontes fiscais, entre as quais as listas ·nominativas do
e. Estrutura social e estratificação imposto direto, completadas e esclarecidas pelos arquivos
do registro e litígios, e por informações capitais que se
possam obter nos documentos cartoriais permitem, em
uma circunscrição geográfica limitada - uma cidade, por
exemplo - reagrupar de uma vez, profissionalmente, to-
dos os elementos da burguesia; estas mesmas fontes per-
1. ERNEST LABOUSSE E O INICIO DA QUANTIFICAÇÃO mitem, também, fazer-se um esboço, por grupos, n9 inte-
SISTEMATICA EM HISTóRIA SOCIAL. rior da profissão, ou no conjunto da cidade, da hierarquia
das fortunas"; ·
Em famosa comunicação apresentada ao X ~ongresso Inter- - "Fontes demográficas que, mais amplamente do que as
nacional de Ciências Históricas (Roma, 1955), Ernes-t Labroussc precedentes, permitirão descobrir a distribuição profissio-
lançou as bases do que seria uma história social quantificada, nal da população. A estas acrescentaremos a importante
embora limitando-se a um de seus aspectos - fundamental, certa.., informação, proporcionada pelos registros dos censos mi-
mente - 0 da história da burguesia ocidental entre 1700 e 1850. 16 litares sobre a profissão dos conscritos e de seús pais; e
Esboçando o princípio de que uma. defini?ão de burgu~sia deve~a -· por ora como· fonte complementar __ os expedientes
ser o resultado e não o ponto de partida da pesquisa sugenu 'profissionais' de particulares ou de funcionários, capazes
que esta fosse feita no quadro 'de uma atividade int~i:iacional co- de trazer um testemunho .de riqueza inusitada sobr~ a
ordenada estudando-se os seguintes aspectos, a proposito de todas profissão e sobre a sociedade."
as categ~rias suspeitas de pertencerem · à burguesia:
Na mésma linha mdicada por Labrousse, e usando os tipos
~ contagem e classificação por profissã~; _ rnenCionados de documentos, seus discípulos François Furet e Ade-
- estud,o da hierarquia no seio da prof1ssao; line Daumard dedicaram-se ao estudo da sociedade parisiense dos
- comparação das profissões, para estabelecer a hierarquia séculos XVIII e XIX, aperfeiçoando os métodos . de tratamento
existente entre elas; quantitativo. As fontes que lhes permitiram obter os mais interes-
- estabelecimento de hierarquia fora dos quadros profissio- santes resultados foram as dos arquivos cartoriais (contratos de
naii;. casamentos, testamentos, etc.), os inventários dos bens de pessoas
1
16 Emest Labrousse, "Voies nouvelles vers une hi~toire de la bourgeoisi~ 18 Maria Yedda Linhares, Levantamento .e andlise de fontes para uma
occidentale aux XVIIIe e XIXe siecles (1700-1850) em X Congresso ln história social urbana - Rio de Janeiro (18~1930), projeto de pesquisa
ternazionale di Scienze Storiche (Roma, 4-tl de setembro de 1955).. Rela· aprovado pelo Conselho de Pesquisas da Universidadtõ_ Federal do Rio
tioni, vol. IV: Storia Moderna, Firenze, Sansonl, 1955 pp. 365-396. de Janeiro em 1968 e interrompido em 1969 por uma onda de repn-u4<>
17 Ibidem. p. 372.
3.59
358
~i
i T
Na atualidade, muitas pesquisas de história social usam 9s nhos de toda a natureza é indispensável, pois somente eles
métodos quantitativos e a . comput~ção, e. 9ão apen~s ·para . o es- podem esclarecer as estatísticas e dadRs quantitativos reunidos.
tudo da estratificação social. Assim, ~1lbert Shapiro, ~nahsa ~s Além d.isto, em muitos do~íni.os, são_ os únicos capazes de
cahiers de doléances dos Estados Gerais de 1789; Regme Robm proporcionar uma resposta as indagações do historiador."
publicou, recentemente, um livro baseado no mesmo tipo de fontes.
Charles Tilly pesquisou as revoluções e movimentos populares na
França, entre 1830 e 1960 ( d00% para 1830-1860 e 1930-1960
e amostras para 1861-1929), dividindo-os em dois grupos que
compreendem, respectivamente: 1.200 m·ovimentos,. a propósito de
cada um dos quais foram consideradas 25 variáveis; e 550 movi- 2. UM EXEMPLO DE ESTUDO CONSAGRADO AS ESTRU-
mentos estudados muito mais a fundo. O mesmo autor, em co- TURAS E ÂS RELAÇóES SOCIAIS
laboração com Edward Shorter, pesquisou as greves da França
( 1830-1960): são 36. 000 greves para cada uma das quais con-
siderou 15 variáveis. Poderíamos citar, também, numerosos estu-
dos de estrutura e de estratificação social - além do~ de Furet Tomaremos como exemplo o trabalho de Adeline Da1_1mard e
e de Daumard, sobre os quais tornaremos a falar - realizados François Furet, Estruturas e relações sociais em Paris a meados do
com o auxílio da· computação, como os de H. J. Dyos, Merle século XVIII. 21 Interessa-nos, principalmente, o aspecto metodoló-
Curtis, S. B. Warner, S. Thernstrom, etc. 19 gico e técnico desta obra, mais do que os resultados e conclusões
sobre o caso específico estud.ado.
No entanto, em história social - como em história geral -
o método quantitativo tem seus limites. A propósito, diz Adeline As fontes usadas foram os contratos matrimoniais conserva-
dos ·nos arquivos dos cartórios de Paris, relativos ao ano de 1749.
Daurnard, na introdução de sua tese: 20
Este foi um ano de paz, podendo ser considerado típico, do ponto
de vista da nupcialidade; os 2. 597 contratos existentes represen-
"Por um lado, todos os grupos não pesam igualmente na tam 60,9 % do número total de casamentos. Dois problemas pré-
sociedade; os grupos dominantes, perdidos em uma estatística vios se colocam, a propósito deste tipo de fonte: 1) a freqüência
de conjunto, devem ser estudados de modo mais profundo com que eram assinados contratos de casamento em cartório [no-
que a massa; se necessário indo-se até o exame do caso indi- tário], relativamente ao número de casamentos; 2) a quantidade
vidual. Isto, na realidade, não contradiz o método geral, pois de contratos conservados, comparativamente· ao total dos contratos
o caso típico só assume todo seu valor quando comparado firmados. A representatividade da documentação dependerá das
ao conjunto. E. necessário insistir mais sobre a importância respostas que possam ser dadas a tais indagações .. O defeito prin-
da 'documentação qualitativa'. O conhecimento dos testemu- cipal dos contratos matrimoniais, como fontes para o estudo da
estrutura social em seu conjunto, está no fato da parte mais pobre
lançada nos ambientes universitários pelo governo militar do Brasil. A
da população casar-se, então, sem contrato em notário, pois este
professora Unhares trabalha, atualmente, em pesquisa baseada nas listas tinha finalidade de acertar questões relacionadas com os bens dos
eleitorais do Rio de Janeiro e nos mandou, gentilmente, seu artigo ainda cônjuges. Por isto, Robert Mandrou impugnou, até certo ponto, a
inédito: "As listas eleitorais do Rio. de Janeiro no século XIX, Projeto escolha de Daumard e Furet, considerando ·que melhor teria sido
de classificação sócio-profissional•.
19 Cf. Edward. Shcmer, The Historian and the Computer. A Praticai
Cuide, Englewood Cliffs (Nova Jersey) Prentice-Hall, 1971, pp. 19-25.
21 Adeline Daumard e François Furet, Structures et relations sociales
20 Adeiine Daumard, Les Bourgeois de Paris au•XIXe siecle, Paris, Flam-
à Paris au milieu ·du XV 111e siecle, Cahiers des Anna.J.es, n.• 18, Paris,
marion, 1970, pp. 9-10. Armand Colin, 1961.
360 361
. 'T'".
363
362
Em estudos que se ocupam de todo um período, e não ape- 39 Origens familiares e contratos sociais
nas de um ano dado, será interessante comparar os histogramas
relativos à distribuição das fortunas em épocas distintas (Cf. A última parte do trabalho dedica-se à análise das origens
Fig. 50). geográficas e familiares dos cônjuges, da mobilidade social, dos
contratos sociais, da permeabilidade dos grupos sócio-profissionais,
etc.
29) A atividade profissional e a originalidade dos bairros
Figura 49:
Nesta parte de seu trabalho, os autores quiseram dar uma
idéia da atividade profissional de Paris, em conjunto, e estabele- A fortuna das famí/ias
cer, depois, uma topografia social da cidade pelo estudo compa-
Nhel de fortuna (em libras)
rativo das gradações de fortuna dos lares, segundo os. bairros. o 200 500 2000 .IOOOO 20000, 50000 lOQOOO ·sooooo 2\t
JOO, 1 34HJ t 1000 1 50001 1 'ISOOO• 1 ·30000 1 100000.1 Jdoo<)(J.1 1 ~I
~~~ ~~1~~~~1~~~1~
Quanto ao primeiro ponto, elaboraram um quadro relativo à
distribuição profissional das pessoas cujas profissões eram mencio- 1400 PANORAMA GLOBAL DAS FORTUNAS
nadas nos contratos matrimoniais, organizando-o em três colunas: ...~ 300 Casos
~ 200 lndeterminadms
1) setores de atividade (às vezes com subdivisões): alimentação,
construção e móveis, fabricação e vendas de tecidos, exército; etc.;
r
-;_ 100 __________..___ j.
2) número de casos; 3) percentagem. Também neste caso, o
120
valor do quadro depende de serem escolhidos setores de atividade
que reflitam, efetivamente, a estrutura econômica e profissional da 100
~~J
sar a distribuição profissional do Rio de Janeiro no século XIX 40
364
365
Figura 50: Figura 51:
Pirâmide [?era[ das fortunas em 1820 e 184 7
Montante
das fortunas 20
1820
1
f ~s
M
M
00000
200000
p_, 1847
1 20
St Paul
1 100000 1
1 50000 1
1 2 0000 1
1 10000 1 411
1 5000 1 20
2000 1
1 l 11 1000
500 1
1
1 200 1 60
1 1 1 100 1
1 40
o 1
'.\úmero de 400
300 200 100 50 o 50 100 200 300 400 20
declaradas
611
s~. LI aN• de sucessões declaradas N• de sucessões
IOOOO•
40
d_eclaradas . n 5000
o 20
o"' 80
Fonte: Adeline Daumard, Les bourgeois de Paris au XIX Siecle,
Paris, Flammarion, 1970, pp. 370-371.
.""' 611
"
"O
40
e
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E
·::I
20
368
369
"''' Serradores Mercadores
Alfaiates Negociantes
Tecelões
E. Transportes
III. Atividades terciárias
Carreteiros
A. Profissões liberais
Trop~iros, condutores
Advogados·
Cirurgiões e Médicos Outros Serviços:
Dizimeiros
Barbeiros
Músicos
Cabeleireiros
Tabeliães
Boticários Caixeiros
Jornaleiros
B. Igreja
[Sem profissão:]
Capelães
Vadios, mendigos
Clero regular
Aventureiros
Clero secular
Indeterminados
Coroinhas
Sacristães Fonte: Maria Luíza Marcílio, tese citada, pp. 152-154.
Recolhidas (ref.igiosas)
Tonsurados Vejamos agora, para terminar, os aspectos que devem ser
considerados, conforme Jacques Dupâquer, 211 ao elaborar-se uma
c. Administraçãó Civil codificação sócio-profissional: ,
- O setor de atividade (população ativa): agrícola, indus-
Escrivães
trial e de serviços; no interior de cada setor, subdivisões
Porteiros
adequadas às peculiaridades das estruturas sócio-econômi-
Alcaides cas em questão.
Carcereiros - As atividades individuais, isto é, as profissões, considera-
Meirinhos das a formação e a especialização individuais.
Professores de primeiras letras
Magistrados e funcionários - O status social, conforme as peculiaridades da sociedade
Tropa paga · estudada: terá de ser distinguido conforme diversos crité-
Capitães, sargentos, etc. rios (grau de autonomia ou dependência; utilização ou
Lentes não de empregados e a categoria .dos mesmos; eventu~l
mente, vínculos com o aparelho estatal ou com a Igreja,
D. Comércio
etc.).
Taverneiros, vendeiros
Mascates 26 Jacques Dupâquier, artigo citado, pp.. 164-166.
372 373
T
- A claSsificação jurídica, naquelas sociedades que a admi-
sarnento racionalista dos séculos XVII.l e XIX foi sistematizado
tem: sociedades .escravistas; sp_ciedade~ "estamentais" de
o conhecimento de tal hierarquização social, mediante o conceito
ancien régime; as castas da ·Hispano-América, etc.
de classe social. O próprio Marx, ílO converter o conceito em
- O nível de rendas, conhecido em geral através das fontes·
peça fundamental ,~ seu sistema teórico, reconheceu que o tomara
·tributárias: o problema mais importante será, neste caso,
de duas vertentes, diversas: l) a o~ra de historiadores como
o critério que permitirá definir as categorias . (discreto ou
Thierry e Guizot; 2 j a economi.a potHica clássica, especialmen~e
contínuo; tomando a categoria mais baixa como· ponto de David Ricardo. :is · :: J,
referência; utilizando médias, etc.).
A concepção marxista das eLasses sociais parte, essencialmen'."
O nível de fortuna, estudado freqüentemente mediante os
testamentos ou os ·inventários . post mortem. te, ·da situação de grandes grapos de pessoas relativamente à
- A situação familiar: estado civil e número de filhos (to- propriedade ou não dos meios de produção. Mas tais relações
dos os filhos, ou só os que continuam dependentes dos sociais, chamadas por Marx de relações de produção, não são
pais). entendidas em um sentido meramente formal (o de propriedade
jurídica), porém surgem vinculadas a um certo tipo de divisão
- A idade, codificada em número de anos•. de preferên-
social do trabalho e a um certo estado de evolução das forças
cia ao uso do ano do nascimento.
produtivas. Quer dizer, o conceito de classe social só se entende
- A origem geográfica, o que permite avaliar a importância no contexfo de um modo de produção dado. 29 Por outro lado,
social das migrações internas. ao distinguir as classes sociais de uma determinada sociedade, pe-
Outros elementos de exploração possível, conforme a ri- los critérios já mencionados, somente se individualizam os grupos
queza das fontes e as finalidades da pesquisa: grau de fundamentais ou mais importantes para explicar o funcionamento
instrução, lealdades políticas, prática religiosa, etc. e o desenvolvimento da · referida sociedade. Toda uma série de
gru;.ios e categorias sociais podem escapar à classific~çã.o e~
classes, que só se interessa pela distinção dos grupos r~ais, isto e.,
agrupmnentos que por sua posição na· estrutura produtiva tenham
lima conduta social de algum modo comum e de certa forma
predizível. Como as classes só se· entendem no contexto de um
4. UM PROBLEMA TEóRICO: CLASSES, ESTAMENTOS OU
modo de produção, é mais próprio falar de estrutura de classes.
CASTAS?
As relações de classe serão, assim; relaçõ~s de dependência ou
de subordinação. As classei; proprietárias serão invariavelmente
classes dominantes e as não proprietárias serão as dominadas. Ou,.
tro problema- -importante. é o da consciência .de cl_asse'. isto é, a
Desde a antigüidade a menção à diferenctação. soc~al, isto é,
a uma ordenação hierárquica (de.. natur~za nao, bioló~1ca) entre percepção dos interesses de uma. classe no seio de uma d.ad~ es-
os distintos grupos que integram uma sociedade e manifesta. Te~ estrutura social. Marx distinguiu o caso de uma classe sem cons-
tos como a Odisséia e o Antigo Testamento referem-se a feno- ciência de seus interesses. (classe em si) e o de uma· classe cons-
mcnos como '.'pobres e ricos", "gente que trabalha e gente que ciente (classe para si), afirmando que só ao encontrar-se uma
não _trabalha", "livres e escravos", etc. 21 Porém, apenas no pen-
28 Karl Marx, Carta a J. Weydemeyer, de 5 de março de 1852, em
. 27 Cf stanislaw Ossowski, Eatructura de clasea y conciencia. social, Marx-Engels, Obras Escogidas, Tomo II, .Moscou, Ed. Progresso, 1971,
p, 153.
trad de M. Bustamante. Ortiz, Barcelona, Edicioiíes "Penlnsula, 1~•. capl·
tulos 1, 2 e 3. 29 Para as definições dos conceitos de forças produtivas, modo de pro-
dução e relações de produção, cf. infra o capítulo IX. ·
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classe consciente de seus interesses pode-se falar em classe plena- buição de funções nas sociedades. Surge, assim, freqüentemente
mente constituída; a referida consciência, ademais, só pode desen- - pelo menos no funcionalismo ortodoxo uma identificação
volver-se em função da luta de classes. Nas sociedades pré-capi- entre- o necessário e o existente: considerando, por um critério
talistas apenas a classe dominante aparece como ,classe para si, tautológico de validação, que todo o existente é necessário. 32 Vis-
o que explica o fato das revoluções terem sido, então, "revoluções tas como o resultado desta necessidade, as estratificações definir-
de minorias". :io se-ão como. a distrib~ição desigual de direitos e obrigações em
Outro modo de abordar o problema das hierarquias sociais urna determmada sociedade - e o prestígio diferencial das dis-
é a análise em termos de estratificação social. Para evitar confu- tintas posições constituirá a base da hierarquização. 33 Assim, pois,
sões deve-se observar que o vocábulo "estratificação" é usado, na corrente funcionalista, que domina a sociologia norte-america-
habitualmente, em dois sentidos: um para aludir a qualquer sis- na, o prestígio social atribuído às diferentes posições e papéis na
tema de hierarquias sociais (neste caso dir-se-á ''e.stratificações em estrutura social é o critério básico da estratificação social.
castas", "estratificações em estamentos", "estratificações em classes", Recentemente, o sociólogo mexicano Rodolfo Stavenhagen
etc.); outro é o que explicaremos a seguir. 'propôs outra focalização do problema da estratificação:
A primeira teoria sobre a estratificação é a dé Max We~er
"As estratificações representam, na maioria das vezes, o que
( 1864-1920). Este autor parte da distinção analítica de tres di-
poderíamos chamar de fixações ou projeções sociais, freqüen-
mensões da hierarquia social: o poder econômico (estratificação
temente até jurídicas e, em todo o caso, psicológicas, de certas
em "classes"); o poder político (estratificação em ''partidos") e
relações sociais dt; produção representadas pelas relações de
a honra social ou prestígio (estratificação em ··estamentos"). Em
classes. Nestas fixações sociais 'intervêm outros fatores secun-
uma sociedade dada, a estratificação pode ser o resultado das três
dários e acessórios ( p. ex.: religiosos, étnicos) que reforçam
dimensões indicadas, ou ter a predominância de uma delas. Real- a estratificação e têm, ao mesmo tempo, a função sociológica
mente, em sua análise do capitalismo Weber considerou que o de 'libertá~la' de seus vínculos com a base econômica; em
aspecto econômico tomava-se cada vez mais importante e que, outras palavras, de mantê-la em vigor embora mudem suas
conseqüentemente, a estratificação em "classes" tendia a deslocar
bases econômicas. Em conseqüência, as estratificações tam-
a estratificação em "estamentos". Esta idéia surgia vinculada a bém podem ser cqnsideradas como justificações ou raciona-
uma concepção de capitalismo herdada das teorias circulacionistas
lizações do sistema econômico estabelecido, isto é, como ideo-
da Escola Histórica Alemã, isto é, da identifiçação do capitalismo
logias. Comq todos os fenômenos da superestrutura social, a
com "economia de mercado". 3 1 · estratificação adquire urna inércia própria que a mantém, ape-
A sociologia funcionalista norte-americana considera as estra- sar das condições originadoras t~rem mudado." 8 1
tificações sociais como o resultado da necessidade de uma distri-
A estratificação social é concebida, então, como um elemento
fundamentalmente ideológico, corno um fenômeno de superestru-
30 Marx não escreveu nenhuma obra especifica desenvolvendo o conceito
de classe social, mas em quase .todos os seus estudos há referências n tura, que se origina nas relações de classe e também age sobre
ele. A principal obra de Lênin sobre o tema é "Una gran iniciativa", elas, porém conserva uma dinâmica própria. Isto faz com que
em Obràs Esoogidas", vol. III, Moscou, 1948, p. 612. Exposições sistemá·
ticas da teoria marxista das classes há na obra de Ossowski, já citada,
e em G. Gurvitch, El concepto de e/ase social de Marx a tiuestros dias, 32 Cf. Sérgio Bagú, Tiempo, realidad social y co11oc1m1e11to.. Propuesta
Buenos Aires, 1957. de interpretación, Buenos Aires, Siglo XXI, 1970, pp, 120.122.
31 Çf. Max Weber, Economia y Sociedad, México-Buenos Aires, Fondo 33 Davis-Moore, "Some Principies of Social Stratificatian", em American
de Cultura Económica, 1974, especialmente o tomo I, pp. 242-248; para Sociologicaf Review, fevereiro de 1945.
uma expos1çao sistemática, cf. Gurvitch, op. cit ., e Julien Freund, Socio- 34 Rod1,lfo · Stavenhagen, Las ela.ses sociales en las so.Qedades agrarias,
logia de Max Weber, Barcelona, Editorial Península, 1968. México, Siilo XXI, 1970, p. 39.
376 377
muitas vezes as estratificações mostrem-se cristalizadas, ou fossili- Por fim, cumpre observar que a unidade de análise das es-
zadas, sem correspondência com. as realidades classistas que as tratificações é o indivíduo e não o grupo social (como eia o
originaram. ar. '
caso com as classes sociais); melhor, os status (posições) dos
Tanto Weber quanto os sociólogos funcionalistas .no~e-ame?.:. indivíduos na estrutura social. .<Os sociólogos funcionalistas falam,
canos consideram as estratificações como uma alternativa a an~hse freqüentemente, do "complexo status-papel"). Isto implica que .se as
em ·termos de estrutura de classes, conforme o esquema marxista. classes destinavam-se a distinguir grupos reais, as estratificações
Se a análise· de Weber é muito mais rica e matizada do que a do eram manejadas, antes, como categorias estatísticas ou estratos,
funcionalismo, ambas as perspectivas têm, em suas conceituações, isto é, um sistema de hierarquias representado por um continuum
importante idéia em comum: a de que a estratificação social é o de status individuais.
resultado das gradações de um continuutn. Não se trata, como no
Embora a análise em termos de estratificação social com o
caso das classes sociais, de uma dicotomia marcante entre proprie-
prestígio como critério básico seja quase exclusiva da sociologia
tários e não-proprietários dos meios de produção básicos, mas de
funcionalista, devemos registrar recente •tentativa do historiador
gradações de uma só variável: os que têm muita ou pouca renda;
os que têm prestígio alto, prestígio médio ou baixo prestígio, etc. 36 francês Roland Mousnier para fazer uma apresentação histórica do
tema'. 38 O resultado não pode ser considerado brilhante, mas é
Outro problema vinculado às estratificações sociais é . o do preciso tê-lo em conta. Mousnier adota a perspectiva teórica do
tipo de critério tomado por base para determiná-las. No.temos, funcionalismo norte-americano e resolve fazer uma tipologia das
desde já, que os critérios dependerão das hipóteses do pesquisador, sociedades de "ordens" (ou estamentos) desde 1450 até nossos
assim como a categorização dentro de cada critério. Portanto, .se dias. Naturalmente, as sociedades de "ordens" são estratificações
estivermos classificando os indivíduos conforme a renda, os cortes baseadas no prestígio ou honra social. Mousnier chega aos· seguin-
na variáveL que determinarão o que se considerará co?10' uma tes tipos básicos de sociedadçs ·de "ordens": l) a militar, exem-
renda alta ou baixa, dependerão totalmente do pesquisador. Há plificada pela França dos séculos XVI e XVH; 2) a administrativa,
estratificações baseadas em critérios subjetivos, is!o: é, em avalia- tipificada pela China dos mandarins; 3) a teocrática de que a
ções do prestígio de uma posição dada, se&undo • a .· opiniãó. ·do Roma papal do século XVIII e a sociedade tibetana são amostras;
indivíduo que a ocupa, do pesq\}isador e/ori ,. de outros membros 4) a litúrgica, cujo modelo é ,o Estado moscovita dos séculos
da sociedade estudada; e há estratificações fundadas em critérios XVI e XVII; 5) a filosófica representada pela França revolu-
objetivos, isto é, em dados como a renda, a educação, o lugar e cionária de 1789, pela Itália fascista, pela . Alemanha nazista e
o tipo de residência, ou a etnia - que não dependem de opi- leia União Soviética; 6) a tecnocrática, cujo exemplo é o ca-
niões individuais. Freqüentemente são combinados critérios obje- pitalismo desenvolvido. Nas conclusões, o autor observa que a
tivos e subjetivos. a1 tendência mundial inclina-se para a ordem tecnocrática, o que le-
vanta uma série de incógnitas e incertezas quanto ao futuro da
35 Um exemplo ·disto são as conhecidas discussões entre Mousnier, So- democracia .
boul e Labrousse, no Colóquio da E cole Narmale Supérieure de Saint. Achamos útil associar às análises em termos de classes as re-
Cloud (maio de 1965), sobre a ação das classes e dos estamentos na
Revolução Francesa de 1789. :e. claro que nessa época a realidade jurídi- ferentes às estratificações, quando estas últimas são consideradas
ca dos estamentos foi completamente suplantada pelas relações de classe conforme o faz Stavenhagen . Este mesmo autor mostra as vanta-
(Cf. L'histoire saciale, Sources et méthodes, cit., pp. 26-33; outro coló- gens de explorar os dois níveis: embora as oposições de classe
quio reuniu-se em 1967 para debater o tema "Estamentos e classes").
36 Esta distribuição das teorias sobre classes e estratificações segundo sejam o fator explicativo e dinâmico principal, as estratificações
modelos dicotômicos e de gradação surge em Ossowski, ap cit., parte 1.
37 Sobre tudo isto, ver um útil resumo de problemas em Rodolfo
Stavenhagen, op. cit., pp. W.26. 38 Roland Mousnier, Las jerarquías sot:ia/es, trad. QJ;; Aida Grinspan,
Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1972.
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379
T
1
de diferentes tipos entreêruzam-se com as mencionadas classes, na nplas subdivisões) e esctaves, nas colônias escravístas trances as·
estrutura social, estabelecendo categorias intermediárias e atenuando as chamada~ "castas" da sociedade colonial hispàno-americana:
os conflitos: desempenham, pois, uma função de elemento con- etc. 41 t evidente, no entanto, que a consciência que tinham os
contemp?râneos da existência de tais categorias, ou o fato de as
servador da ordem social vigente. Para ilustrar as relações entre
terem tido como representação aceita da realidade social, não
a estrutura de classes e as estratificações sociais tomaremos um
permitem identificá-las sumariamente a esta última, ou pr~tender
exemplo histórico concreto: o da estratificação de base étnica,
que estas a esgotem. A ciência perderia a razão 'de ser se limitada
especialmente importante em tantos países do continente ameri-
à descrição, aos aspectos superficiais ou aparentes de seu objeto.
cano.·
Claro está ~ue, nascidas de relações de classe, as estratificações
A existência do referido tipo de estratificação conduz, fre- de base étmca revelam car~cterísticas importantes da realidade. so-
qüentemente, a posições simplistas: cial colonial e,_ ainda, da etapa independente; mas apenas é possí-
- Áé consideração das sociedades correspondentes como so- vel compreende-las adequadamente quando são consideradas as
ciedades de castas e não de classes, quanto ao período colonial realida?es. classistas que as originaram. Por outro lado, é certo
e a boa parte da etapa independente, pois a hierarquia dos es- que ha ~tfe.renças qual~tati~as entre as sociedades pré-capitalistas
tratos de base étnica apresenta as características do que é cha- e as cap1tahstas: no pnme1ro caso as categorias econômicas e as
mado "sistema de castas" pela sociologia anglo-saxã; categorias jurídicas aparecem entrelaçadas de. tal modo que não
' pode aparecer a consciência social do fundamento econômico das
- Du·r o nome de "classes sociais" aos estra.tos de base étnica.
.Outro ponto importante em que concordamos com Stavenha- relações sociais. O que equivale a dizer, com Lukács, que nas
gen é a aceitação plena de suas críticas à 'noção de casta, quando sociedades pré-capitalistas as classes sociais "não se podem iden-
·usada fora da região pan-indiana ( [ndia, Ceilão, Paquistão), o tificar a não ser por meio da int<Vpretação da história" imediata-
que só leva a esconder as realidades classistas e os fatores his- mente dada. 4 ~ Mas., caso o historiador não empreenda tal tarefa,
tóricos que atuaram no sentido do estabelecimento das estratifi- deixará que lhe fuja a parte mais importante da realidade social
cações em questão. ª9 Por outro lado, não nos parece certo con- que se propõe a analisar.
fundir os estratos de base étnica com "classes". 40 Nas colônias escravistas, por exemplo, o envileciment.o da
Posições simplistas, como as . citadas acima, podem ser apa- pessoa do escravo resulta da relação de classe entre senhor e es-
cravo, implícita na configuração específica das relações escravistas
rentemente justific~das pelo fato das fontes históricas disponíveis
de produção e, em especial, na identificação do escravo a um
usarem uma nomenclatura derivada das est~atificações de base ét-
mero instrumento de produçã o às ferramentas ou ao gado. A
nica, as quais, em certos casos, tiveram sanção legal: banes, gens
justificação subjetiva do sistema levou, entretanto, à percepção de
de cou/eur libres (categoria que, por sua vez, podia admitir múl-
uma diferença étnica e cultural entre senhores (quase sempre
brancos, sobretudo nos primeiros tempos) e escravos ( índiàs,
39 R. Stavenhagen, op. cit., pp. 20-26. negros e mestiços) : isto abriu caminho a uma extensão das quali-
40 Cf., por exemplo, o livro de Carlos Guzmán Bõckler e Jean-Loup dades negativas do escravo - produzidas .pelo próprio sistema
Herbert, Guatemala, U11a interpretación histórico-social, México, Sigla
XXI. 1970: identificação das categorias "ladino" e "indígena" a classes
sociais. Ver também Ricardo Pazas e Isabel H. de Pazas, Los índios en 41 Ver o livro de Magnus Mõrner, La mezcla de razas en la historia
las clases sociales de México, México, Sigla XXI, · 1970, livro qµe, apesar de América Latina, trad. de J. Piatigorski. Buenos Aires, Paidós, 1969.
de seu esquematismo e de posições muito simplistas, apresenta algumas 42 Grnrg Lukács, Hiscoria y consciencia de e/ase, trad. de Manue! Sacris-
idéias intere6santes. tán, México, Ed. GrijalbÔ, 1969, p. 63.
380 381
D. 111 ovimentos e lutas sociais
escravista - aos grupos étnicos em que os..escrav.o~ eram r~cru
tados, cuja "inferioridade", socialmente adm1t1da, vma a sei:v1r de
argumento para justificar sua escravização e . manter os hbertos
em uma situação social de inferioridade, relat1vam~nt~ ao grupo
branco. Que a mestiçagem, ao desenvolver-se, const1tu1~se ~m d~
safio a todo o sistema de representações resultante nao 1mpedm 1. AS FONTES
que este se mantivesse até nossos dias, muitas , d.écadas após a
abolição da escravatura colonial em toda a Am.enca. :arece-n~s
muito interessante a caracterização feita por Serg10 Bagu da etnia
como realidade relacional: 1 " Outro campo principal da história social é constituído pelo
estudo dos movimentos sociais. Defrontamo-nos, aqui, com uma
"A tese, divulgada entre os antropólogos segundo a qual o história de massas: camponeses, operários, escravos, índios, ban-
grupo étnico - e outros grupos culturais - é, u'.11 valor em dÓleiros sociais. etc. História que conhecemos através das explosões
si, opomos a hipótese histórica de que,,.o grupo etmco e alguns de violência. Se a falta de fontes torna, freqüentemente, impos-
grupos culturais não elaboram sua percepção do étnico nem sível a.. reconstituição de um movimento de massas dia-a-dia, e se
o caráter iletrado de seus membros nos condena a conhecê-los quase
do cultural diferencial até o momento em que se estabelece
só por intermédio de terceiros, há um fato essencial de que dispo-
. uma relação conflitiva com outros grupos, e que esta modali-
mos: seus atos. E eles são, no curso da história, uma série de
dade de localizar linhas notórias de contraste transforma-se
explosões de violência, expressão nevrálgica da luta cotidiana
rapidamente em mecanismo lógico de justificação do conflito contra a opressão e o domínio social. Apreciemos cuidadosamente
ou do privilégio." o problema das fontes. Até o desenvolvimento do movimento ope-
rário e do sindicalismo é quase total a inexistência de documentação
A grande influência de Florestan Fernandes levou muitos soció- de primeira mão. Já mencionamos o caráter iletrado das massas.
logos brasileiros a aceitarem sua caracterização da sociedade d~ Embora muitas vezes seus chefes les·sem e escrevessein, quase todas
Brasil ·como uma "sociedade estamental", ou de castas,· que evolm as fontes provêm, invariavelmente dos setores dominantes que co-
para uma sociedade (subdesenvolvida) de classes; o q~~ e~uivale mandaram a repressão, isto é, do bando c?ntrário.
a considerar a estratificação em estamentos e a estrat1f1caçao em
Vejamos, brevemente, os principais tipos de fontes para o
classes dois modelos redprocamente excludéntes. Menos compreen- estudo ·dos movimentos sociais e, especialmente, as insurreições
sível é que, mais recentemente, certos historiadores - como Car- populares. Primeiro temos, naturalmente, os documentos militares
los Guilherme Mota - tenham resolvido apoiar-se na autoridade e policiais, vinculados à repressão direta. Material muito mais rico
de· Florestan Fernandes sem prévia referência à notória e ampla encóntra-se, em gera~, nos arquivos judiciais: processos. sentenças,
discussão entre historiadores sobre a oposição sociedade estamen- confissões. . . Estes papéis são, talvez, a documentação mais abun-
tal / sociedade de classes em relação à sociedade francesa de ancien dante de que se pode dispôr. Em terceiro lugar encontramos a
Régime, embora as implicações teóricas do debate mencionado te- documentação de tipo político, decretos, leis-, debates parlamenta-
nham tanto a ver com as posições por eles adotadas. 44 res originados por uma sublevação social. Na maioria dos casos,
a documentação oficial sobre os. movimentos sociais pertence aos
43 Sergio Bagú, op. cit., p. 137. três tipos aludidos. Os testemunhos de contemporâneos: diários
44 Cf. Carlos Guilherme Mota, Norde$te 1817, São Paulo, Editora Pers' íntimos, observações de viagens, novelas, obr~s artlsticas, também,
pc:ctiva, 1972, pp. 2().21.
383
382
são fontes de indiscutível validade. Para os períodos mais recentes pode ser devido, simplesmente, aos acasos da conservação do-
cumpre acrescentar a documentação de tipo jornalístico: repor- cumentária. 4 fi
tagens., artigos, publicação de abaixo-assinados, etc. Outro tipo
de fonte, muito útH, é a proveniente da memória coletiva: .cancio-
neiro, lendas, tradições orais, etc. Com este tipo de documentação
é preciso prestar especial atenção ao problema das deformações,
não só devidas à passagem do tempo como, ainda, a sutis meca-
nismos de domínio social. Em ·alguns casos conservaram-se fontes 2. TIPOS DE MOVIMENTOS E LUTAS SOCIAIS
provenientes dos sublevados: panfletos, proclamações e memoriais
às autoridades. Mas, lamentavelmente, são muitas as revoltas que
não nos deixaram documentos desta natureza.
Abordemos, agora, o problema das lacunas., isto é, da falta Esboçar urna classificação dos diferentes movimentos sociais,
completa de documentação relativa a um dado período. Em artigo das perturbações populares que o historiador pode encontrar em
recente, François Furet observou que, aí, o problema do historia- suas pesquisas não é, certamente, tarefa simples. Sem . pretender
dor é "mais que o das lacunas absolutas, o das séries incomple- fazer uma classificação exaustiva e teoricamente completa, descre-
tas" que podem provocar urna ilusão cronológica sem fundamento. veremos a seguir os principais tipos de movimentos sociais que os
Furet exemplifica com a polêmica Porchnev-Mousnier sobre as estudos recentes permitem reconhecer. A distinção bem geral, pro-
revoltas camponesas francesas do século XVII. O estudo das inces- posta por George Rudé, há quase 1O anos, entre multidão indus-
santes sublevações, urbanas e rurais, da primeira metade do século trial e multidão pré-industrial parece manter ainda sua validez. 46
XVII francês levou à colocação de distintas interpretações da crise Este autor considera que na sociedade industrial os distúrbios, as
do antigo regime no momento da construção do Estado absolu- sublevações populares, têm natureza diferente da apresentada nas
tista. Entretanto, quer a interpretação de Mousnier quer a de ~or sociedades pré-industriais. A mulJ;idão industrial tende a ser com-
chncv - que/ partem de princípios teõricos completamente diver-
posta por operários industriais e assa_Iariados urbanos, suas formas
sos - dão por estabelecido, sem discuti-lo, gue na primeira me•
de luta passam pela greve e a-organização sindical e política. Seus
tade do século XVII tivesse havido urna particular exacerbação
objetivos são, em geral, claramente definidos. Na ótica de Rudé,
das lutas sociais. E, na verdade, isto teria de ser discutido, pois
apoiada por seus estudos sobre a Europa ocidental dos séculos
a concentração cronológica só poderia ser demonstrada no caso
XVIII e XIX, a multidão industrial substitúi, com o desenvolvi-
de dispormos de urna série documentária completa para período
mento do capitalismo, as antigas formas de luta e o divórcio
suficientemente · grande. O conhecimento profundo das revoltas da
decisivo dá-se nas proximidades do ano de. 1840. Ante os movi-
primeira metade do século XVII deve-se à conservação dos riquís,-
mentos sociais do industrialismo, centrados no movimento operário
simos arquivos do chanceler Séguier. Até que ponto o pormeno-
- o que é que se entende por multidão pré-industrial? A expres-
rizado conhecimento que temos de tais revoltas deve-se a uma
são é bastante vaga e envolve uma série de fenômenos ·de distintas
especial concentração cronológica de conflitos sociais ou à maior
naturezas. Nem poderia ser de outro modo, pois as referidas multi-
atenção do aparelho administrativo, da organização do Estado
absolutista? Uma revolta que escapa à repressão escapa à história.
O fato de termos mais abundante documentação sobre um período 45 François Furet, "L'h:~.toire quantitative et la construction du fait histo-
determinado pode revelar, mais do que a freqüência do fenômeno rique", em Annales E. S. C., janeiro-fevereiro de 1971, pp. 63-75.
46 Cf. George Rudé, La multitud en la historia, Estudio de los di-sturbios
estudado, a mudança institucional, seja de aumento do aparelho populares en Francia e Inglaterra, 1730-1848, trad. de Ofelia Castillo, Bue-
repressor seja de vigilância especial de um administrador; ou nos Aires, Siglo· XXI, 1971.
384 385
dões pré-industriais caracterizam tanto as jacqueries da Idade Média sempre., da conjuntura e éla incorporação de outros· setores sociais
quanto a rebelião de Tupac Amaru, ou as revoltas camponesas que à multidão originalmente rebelada. Por fim, coloca-se o problema
extinguiram, em 1644, a dinastia dos Ming. O que permite que se de estabelecer a cronologia precisa ·da explosão de violência popu-
fale de movimentos sociais pré-industriais é a presença, em todos 1.ar estudada; d~ avaliar. s~a significação histórica; de compará-la
eles, de uma série de caracteres comuns, o mais importante sendo com outros fenomenos s1m1lares, esboçando uma interpretação.
o serem movimentos pré-políticos, isto é, insurrecionais que, mesmo
chegando a graus inusitados de violência, são incapazes de arti-
cular um projeto político como alternativa às formas vigentes de
dominação social.
Sem dúvida, a explicação dos diferentes movimentos sociais
deve relacionar-se aos distintos tipos de estrutura econômica e
social em que se verificam. Assim, por exemplo, uma revolta cam-
3. UM EXEMPLO DO EMPREGO DA QUANTJFICAÇÂO
NO ESTUDO DAS LUTAS SOCIAIS
ponesa da Idade Média só pode ·ser explicada no contexto da
sociedade feudal (muitos autores da escola francesa prefeririam
dizer "regime senhorial") e, muito mais especificamente, no con-
texto de. uma determinada região com uma conjuntura econômica e
política pecul_iar e com um tipo de estruturas mentais também Em muitos casos, a documentação permite o uso de técnicas
especial. Assim, pois, o estudo dos diferentes tipos de movimentos quantitativas no processamento da informação disponível. Exposto
sociais em distintos contextos estruturais é um convite permanente sumariamente, o processo consiste em situar cronologicamente os
à história comparada. distúrbios ou os conflitos estudac:los - comparando-os à base de
Quais serão os principais temas da pesquisa, as perguntas mais uma série de critérios homogêneos. Se for analizado um período
importantes a ~alocar no estudo de um movimento social? mais ou meno~ longb, em que se apresentem graride quantidade
de sublevações ou conflitos, o p.rocessamento dos dados em com-
George Rudé proporciona um guia eficaz: em primeiro lugar
localizar a explosão de violência em seu adequado contexto histó- putador será desejável. B o caso das pesquis~s mencionadas de
rico; segundo, delimitar a composição e a dimensão da multidão Charles Tilly e de Tilly e Shorter. Tilly estuda, no período de
atuante: Que grupos a integram, qual é sua origem social e ocupa- 1830-1960, as revoluções e distúrbios populares da França. Para
cional? Como varia a composição da multidão no curso do movi- um grupo de movimentos sociais ( 1 . 200 ·ao todo) estuda 25
mento? Como cresce ou diminui quantitativamente? Em terceiro variáveis, entre as quais: localização geográfica, data, número de
lugar, deve-se estudar o tipo de atividade da multidão, quais as participantes, perdas humanas, objetivos e composição da multi-
vítimas e os alvos dos ataques. Logo se coloca, também, o pro- dão. Para um grupo menor ( 550 distúrbios) faz um estudo muito
blema dos objetivos, das idéias ou motivos que levaram à subleva- ~ais pormeno~izado da ~eqüência do conflito., das implicações polí-
ção. O problema das crenças coletivas está presente, aí, com toda ticas, etc. H T1lly e Shorter analisam as greves francesas do período
sua significação. Depois devemos estudar o grau de eficácia da 1830-1960 baseados nas informações governamentais. As variáveis
repressão. Isto tem a ver com a efetividade do domínio social e estudadas incluem: data, localização, grandeza, indústria afetada,·
com a capacidade de organização dos rebelados. Uma revolta cam-
ponesa pode ser o princípio de uma jacquerie, rapidamente repri-
mida, o'1 de uma guerra camponesa com duração secular. Nos 47 .Algun.s result.a.dos preliminares desta pesquisa encontram·Sc cm: "Col·
lect1ve V1olence m European Perspectivt:", em Hugh Davis Graham e Ted
movimentos pré-industriais, as perspectivas de converter um movi- Robert Gurr (sob •a direção de). Viv/e11ce in America Histórica/ ai1d
mento local em sublevação geral de longo alcance dependem, quase Comparative Perspectives, Nova Iorque, 1969, p. 4-45. ~
386 387
T
1
388 389
T
1
Fonte: E. J. Hobsbawn - George Rudé, Captain Swing, Penguin 53 Cf., por exemplo, Décio Freitas, Palmares, La Guerrilla negra, Mon-
tevideo, Editorial Nuestra América, 1971; Edison Carneiro, O quilombo
University Books, 1973, Apêndice 1 dos Palmares, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1958 (2.• ed. );
Yvan Debbasch, "Le marronnage. Essai sur la désertion de l'esclave antil-
QU~DRO 20: lai~". em Anné~ Sociologique, 1961 (pp. 1-112), 1962 (pp. 117-195); Gabriel
Debiç_n, "Le marronnage aux Antilles françaises au XVIIIe siecle", em
Caribbean Studies (iPorto Rico) vol. VI, n9 3, 1966; José Luciano Franco,
Tipos de· repressão e dislribuição geográfica. La presencia negra en el Nuevo MwÍdo, Havana, Casa de las Américas,
1968, pp. 91-135; Hubert Gerbeau, Les esclaves noirs. Pour une liistoire
Província Tipos de repressão du silence, Paris, André Balland, 1970, pp. 111-134. ·
Município 54 Mas, às vezes, os suicídios, envenenamentos, etc., atribuídos aos escra-
ou Cidade vos resultavam de uma "histeria coletiva dos senhores": cf. i\ntoine
Gisler, L'esclavage aux Anti/les françaíses (XVIJ; - X!Xe siecle), Con-
tribution au roblyme de l'esclavage, Friburgo (Suíça) , Editions Universi-
(Quantidade de casos em cada tipo taires, 1965, PP- 53.54_ •
de repressão por província, etc.) 55 · Cf. P. I, R. James, Les Jacob!ns noirs, Toussaint-Louverture et la
révolution de Saint-Donzingue, Paris, Gallimard, 1949;_Emilio Cordero
Fonte: Hobsbawm-Rudé, Op. Cit., Apêndice -II Michel La revolutión haíriana )' Santo Domi11go, São Domingos, Editora
390 191
T
1
ººº
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converte-se em instituição principal. Ela surgirá no século XVII, o
no momento da substituição gradual da "encomienda" e do "repar:.
timiento" pelo "peonaje" • 57 A expansão do sistema de fazen-
das, incentivado pelo auge ·d~ exportação, levou à expropriação
paulatina das comunidades indigenas, em muitos países. O conflito
entre latifundiários e trabalhadores rurais - sob esta ou aquela
modalidade - até hoje domina o campo latino-americano.
Até o início do século XX, os movimentos camponeses podem
ser qualificados de pré-políticos e, segundo Aníbal Quijano, agru-
pados em: movimentos messiânicos, bandoleirismo social, movi-
mentos racistas e movimentos agraristas tradicionais. :. 8 A expansão - ~
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que, de um modo geral, se inserirão em um processo político de
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maior envergadura. O proletariado agrícola desenvolve-se parale- ~ co ô :ae::
lamente à expansão da grande lavoura, enquanto as atividades N
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extrativas também originam um proletariado mineiro. o t: ;a..·-
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Nas cidades, os movimentos artesanais expressaram-se em Q
atitudes francamente políticas, anarq4istas e socialistas. O desen- < .9 li
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Nacional, 1968; iosé L. Franco. Hi~toria de la Revolución de Haili, Hava-
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394 395
peso foi determinante em seu advento como campo de estu?os e:n exemplo). O problema que pode ser colocado é o da documenta-
crescente expansão: 1) o das pesquisas empíricas da psicologia ção, pois as fontes não são igualmente fartas em relação a todos
social norte-americana; 2) o de vários aspectos da história con- estes níveis. Por outro lado, a análise deve estar atenta a fatores
temporânea, em cuja explicação a psicologia coletiva desempenha de diversos tipos: caráter mais ou -menos aberto do grupo cuja
obrigatoriamente um papel não desprezível: o fascismo, o anti- psicologia coletiva nos interessa; níveis diferenciais de desenvolvi-
semitismo, os problemas raciais norte-americanos, e tantos outros; mento econômico que podem coexistir até em um espaço reduzido
3) por último, o da computação, permitindo que fosse muito e influem muito nas mentalidades; a dinâmica das idéias, correntes
ampliado o emprego da quantificação sistemática, mediante - por de pensamento, estilos, modas, etc.: sua propagação horizontal,
exemplo - a aplicação das técnicas da lexicologia e da semântica geográfica e vertical, no referente às classes sociais, à espessura
quantitativas, e as desenvolvidas para a análise de séries iconográ- do corpo social. Cumpre não perder de vista o fenômeno que se
ficas. 61 denomina hegemonia, no contexto dos estudos marxistas, e que é
atualmente amplamente aceito também por especialistas não marxis-
Seria errôneo presumir que, como ocorreu com a economia ou tas: isto é, o fato da ideologia da classe dominante de dada socie-
a demografia, a psicologia tenha oferecido aos historiadores um dade constituir, ao mesmo tempo, a ideologia dominante desta
arsenal de técnicas, de instrumentos de trabalho: sua contribuição sociedade, em seu eonjunto; o que, no ·entanto, não tira a impor-
limitou-se à problemática, à colocação de questões de novo tipo. tância da análise das diferenças profundas de mentalidade, segun-
A análise histórica das mentalidades coletivas baseia-se, essencial- do as distintas classes e camadas sociais. J:: de especial interesse e
mente, em sua localização no ambiente, no contexto histórico-social bem esclarecedor o estudo dos mecanismos que asseguram e re-
que lhes corresponde; os princípios de tal análise e os resultados produzem a hegemonia ideológica. Finalmente, coloca-se a ques-
que permite obter são muito mais sociológicos do que psicológicos: tão das relações existentes entre as estruturas mentais e os demais
isto explica que especialistas atuais, como Robert Mandrou e Geor- níveis estruturais de uma formação social. Reagindo contra certas
ges Duby tenham tendido, decididamente, a incluir os estudos his- interpretações economicistas lineares e mecânicas, certos historiado-
tóricos da psicologia coletiva no seio do campo da história social. res - como o afirma Duby - "foram leva~os a se afastar do
Como Barraclough o demonstra, a incapacidade até agora revelada concreto, às vezes, a atribuir às estruturas ,.me;tais uma autonomia
pela psicologia em vincular o nível individual ao coletivo é uma demasiado ampla em relação às estruturas materiais que as deter-
das causas nucleares deste estado de cousas. 6 ~ minam, assim fazendo desviar-se, insensivelmente, a história das
Antes de vermos em que setores move-se, e_resentemente, a mentalidades para uma evolução semelhante à da Geistesgeschiéhte".
história das mentalidades, convém recordarmos uma série de noções Outra faceta da questão, é constituída pela defasagem existente no
básicas. Primeiro, a referida história deve, na medida do possível, seio da estrutura social global, e o fato de serem as estruturas
oscilar entre diversos níveis: o indivíduo, o grupo familiar, as mentais as que mais lentamente evoluem: Braudel as chamou, por
classes sociais, as categorias sócio-profissionais e outros tipos de isto, de "prisões de longa duração". "3
agrupamentos (os ambientes e públicos literários e artísticos, por
396 397
2. O CAMPO DA HISTÓRIA DAS centar um outro ritmo, ~inda mais lento: 0 das modificações
MENTALIDADES COLETIVAS biológicas, condicionante fmal das estruturas mentais. 64
Falem?s inicialmente do instrumental mental, via que Lucien
Febvre abnu ~m 1935 e que se define como o conjunto de instru-
~entos mentais de que os homens dispõem em uma determinada
Robert Mandrou colocou a questão em termos de dupla pers- epoca,. e em uma dada sociedade. Impõe-se inicialmente, então a
pectiva: nece~s1dade de fazer um inventário completo, o mais compl~to
reconstrução do instrumenta~ • mental, ou sejam as estru- poss1vel, deste "instrumental". Em primeiro lugar temos a lingua-
turas mentais próprias das distintas classes, grupos sóciq-profissio- gem: as mutações lin~üísticas .ocorrem em relação com as mudanças
nais e outros, de determinada sociedade: hábitos de pensamento, das estruturas mentais. Freqüentemente, as palavras permanecem
idéias socialmente transmitidas e admitidas, concepções sobre espa-
e seu sentido se modifica. A lexicologia, através do estudo do voca-
ço, tempo, natureza, sociedade, sobre o "além", etc.;
bulário, de sua cronologia e inventário; e a semântica, analisando
- definição dos "climas de sensibilidade", o que equivale a~ palav_r~s no co.ntexto, os grupos de palavras, as palavras-chaves,
a dizer conjunturas mentais, mais mutantes. sao auxthares valtosas. O problema das fontes. torna-se mais grave
A esta divisão básica, Mandrou acrescenta outro objetivo: quan_do retrocedemos no tempo, havendo ainda o perigo do ana-
a reconstrução do que seriam os traços originais da psicologia cole- cromsm~. Integram o instrumental mental, também, as noções de
tiva de determinado conjunto histórico-social (nacional, regional, uma sociedade sobre as quantidades, os números e cifras; o tempo
etc.), o que pressupõe o estudo das influências, dos contactos e o espaço: as formas de percepção parecem ser influenciadas
da p·ropagação das idéias e correntes de pensamento. Quanto a' pela higiene, a alimentação, os modos de vida - e isto lança uma
Georges Duby, prefere colocar o tema em termos dos três níveis ponte para a história econômica. Além da visão do mundo tam-
de duraçào aludidos por F.ernand Brudel. A curta duração é o tempo bém os valores sociais admitidos por um grupo integram seu Ínstru-
breye dos tumultos, das agitações, do êxito de um dis.curso oµ uma ?1ental o~ estrut~r~ m_ent~I; seu estudo baseia-se nas fontes ligadas
proclamação revolucionária. As relações entre os indivíduos e os a repressao ( policta, 1ust1ça) e, eventualmente, na análise da im-
grupos estabelecem~se, delineiam-se ao nível deste curto prazo. prensa.·
Mais além, há mudanças para um ritmo muis lento, às vezes per-
O inventário dos instrumentos e mecanismos mentais não é o
ceptível de uma geração para outra, ou no curso de várias gerações.
.bastante: é preciso saber como se formam, difundem-se e se per-
MudanÇas nos gostos, na moda, nos hábitos alimentares, nos cos-
petuam. Em outras palavra.s, cumpre estudar a educação e a infar-
tumes; diferenças de educação, modificações da linguagem:
mação. As idéias sobre as criança~., a família e o sentido da edu-
tudo isto em um período intermediário, conforme .as épocas,
cação têm variaclo segundo os diferentes contextos sócio-históricos.
estendendo-se para além da vida de um indivíduo ou, então,
O termo "educação" deve ser entendido no sentido amplo dos
tornando-se perceptível no lapso de uma vida humana. Temos, por
ultimu, a longa duração, resistente ao tempo. Tudo o que configura intercâmbios entre o indivíduo e seu grupo: aprende-se, por exem-
plo, pela ·palavra, pelos encontros e contatos, assim como pela
um quadro mental cabe aí: heranças culturais, sistemas de cren,
educação institucionalizada. As formas de povoamento, o grau de
ças e concepções do mundo, alguns modelos de comportamento. A
reunião de tudo isto dá a tônica mental de uma fase ampla, sua abertura do grupo, a mobilidade maior ou menor dos indivíduos
infl~em poderosamente sobre o que nos .ocupa neste momento.
peculiaridade mais característica. Duby considera importante acres-
Obviamente, é muito fértil o estudo da organização, do conteúdo
398 399
li"'!
!;!
400 401
3. MBTODOS E TECNICAS: HISTORIA E LINGVISTICA, aproximação à lingüística, mas sem que, por isto, seja considerada
AS SERIES ICONOGRÁFICAS a problemática do discurso em si., consiste em usá-la de modo
i~strumen~al, em função ?e uma pesquisa cujas hipóteses explica-
tivas estepm em outro mvel. Temos, neste caso, as técnicas de
análise de conteúdo, que implicam maior rigor na seleção do con-
Quanto à documentação escrita, as formas de abordar os
junto de textos tomados como objeto de análise (corpus), como
textos selecionados como fontes para o estudo das mentalidades
em seu tratamento estatístico; permitem uma economia de tempo
coletivas variam segundo a atitude do historiador ante os textos
mediante processos de regularização e formalização dos textos
referidos. Na grande maioria dos ·casos só lhe interessará seu
usados e tornam possível, além disto, a comparação de diversos
conteúdo, explorado qualitativamente; mas na medida em que tiver
textos, graças ao estabelecimento de enunciados mínimos e classes
algum conhecimento teórico e técnico da lingüística surgirão novas
de equivalência.
possibilidades, desde uma análise temática mais rigorosa (técnicas
estatísticas de análise do conteúdo) até o estudo do próprio discurso, P. Guiraud foi um dos pioneiros do mencionado- tipo de
da estrutura propriamente lingüística dos textos., no sentido de técnicas de análises de conteúdo, que permitem uma abordagem
captar a função do discurso estudado em relação a determinadn Iexicométrica do texto, ou seja, o estudo das "relações numéricas
ideologia. Não discutiremos aqui as questões epistemológicas relacio- e probabilísticas mantidas pelos itens mínimos de um texto", tendo
nadas com as relações entre história e lingüística: em um livro recente, em vista uma "estatística dos empregos: a lexicometria". 12 Os
Régine Robin trata do assunto de forma que nos parece correta. processos da lexicomettia compreendem., primeiramente e pela
Também não tentaremos entrar nos pormenores das técnicas de ordem, a edição do corpus em cartões perfurados a partir de um
análises de conteúdo, lexicológicas, análises de enunciados, "análi- código, e seu tratamento em computador, conforme um programa
se sémica"' ou semiologia gráfica: isto exigiria amplas digressões de indexação, como etapas prévias de estudo: da freqüência das
que exptl'>e's,·m um hom número de noções teóricas e um voca- formas (gramaticais ou funcionais e léxicas) para estabelecer, em
bubri,1 l''l"·L·i;tl11alh.l. Limitar-nos-emos a uma apresentação su-
especial, quais são as palavras (cuja freqüência se afasta da nor-
maria uos problemas em suas linhas mestras, convidando o leitor
mal) que devem ser tidas. por palavras-chaves ou palavras-temas,
a valer-se de bibliografia mais específica, se lhe interessarem
encontradas em quase todas as frases e em torno das quais o pen-·
aspectos propriamente operacionais da metodologia men~ionada. 70
A atitude de um historiador ante sua documentação escrita sarnento se organiza; da distribuição das palavras no corpus; das
tem sido, tradicionalmente, a de usá-la no quadro de uma análise co-ocorrências ( est2tísticas sintagmáticas). ·Marc Bloch pode ser
temática de tipo qualitativo. Assim é, por exemplo - no campo considerado um precursor dos estudos de lexicometria no quadro
dos e.;tudos de mentalidade coletiva, de que ora nos ocupamos das análises de mentalídades coletivas, e mesmo no de um estudo
- nos trabalhos de J.-P. Gutton e de F. Lebrun. 71 Uma primeira lexicológico, com seu trabalho sobre a sociedade feudal. 73
Os trabalhos históricos apoiados na análise temática ou de
itkas sobre e! culto a los animales y el nahualismo en el siglo
11.1-; conteúdo têm, todos, um postulado implícito comum: o do caráter
XVIII".· em Cuadernos de Antropologia (Guatemala, Universidad de San unívoco e transparente dos textos, cujo sentido é considerado, então,
(Mi"' de Guatemala), n.º 7, janeiro-junho de 1966, pp. 5-12.
10 Cf. Régnie Robin, Histoire et linguístique, Paris, Armand Colin, 1973.
como algo imediatamente perceptível, sem •trabalho prévio sobre
71 J .·P Gutton, La société et les pauvres: !'exemple de la généralité de
/vem, 1534-1789, Paris, Ed. Les Belles Lettres, 1970; F. Lebrun, Les hom-
m<'s la 111ort en Anjou au.x XVIle et XVllle siecles, Paris, Mouton,
l!l 72 P. Giraud, Problemes et méthodes de la statistique lingüistique, Pa-
1971 Poderíamos acrescentar muitíssimas outras obras: Georges ·Duby, ris, Larousse, 1960; R. Robin. op. cit., p. 124.
CA11 Mil, col. Archives Julliard, Paris, Julliard, 1967; R. Mandrou, Ma- 73 R. Robin, Ibidem, pp. 124-138. Marc Bloch, La société féodale, Paris,
gntruts et sorciers en France au XVIle siecle, Paris, Plon, 1968, etc. A. Michel, 1968 (há tradução para o espanhol) .
402 403
sua es r
t utura léxica sintática e semântica; em outras palavras, o
' - ·
nível discursivo de. tais textos é visto como nao pertme? e. a
t · ' análise
.
r
1
404
405
r
1
F. Conclusão
406
CAPITULO VIII
409.
parada da Universidade de Brandeis, citada por Barraclough, se-
gundo u qual trata-se da "concei.; ação e estudo t!o passado segun-
r
'
cientes da importância e do caráter insubstituível do método com-
parativo, única forma - embora imperfeita - de encontrar uma
do paradigmas e categorias políticas, econômicas, culturais e psico- alternativa, no contexto da pesquisa, à impossibilidade de aplicar o
lógicas, mais do que de acordo com divisões nacionais ou períodos método experimental. 4
artificiais." 2 No primeiro caso, a definição refere-se ao próprio Vários fatores explicam o impulso hoje animando o método
conteúdo do método comparativo; no segundo 1 ata-se, antes, das de que nos ocupamos. O próprio contato. da história com as ciên-
vam gens do referido método. cias soeiais obriga a aplicá-lo: Postan demonstra que não se pode
A polêmica C(ntre os defensores e os detratores da comparação alcançar uma generalização sociológica a partir de um único fato
.na história pode ser tida como a manifestação, no campo da, dis- ou processo. A possibilidade de generalizar implica, pois, a com-
ciplina, da oposição entre duas atitudes científicas, ambas possi- paração. Além disto, o notável desenvolvimento - depois da
velmente necessárias: por um lado a busca da precisão, do exato, II Guerra - da história asiática, africana e latino-americana prO-
do certo, o que leva a destacar o caráter individual e único de cada porciona uma base bem mais ampla à verificação, em âmbito real:-
objeto observado; por outro lado, a "corrida criadora para as ver- mente mundial, de hipóteses explicativas· aceitas. Também, influi-
dadeiras descobertas", que exige o apelo à comparação e à abstra- ram no sentido da popularização do método comparativo os êxitos
ção. De qualquer modo, como Witold Kula o demonstra, nenhum alcançados por pesquisas concretas baseadas em seu emprego, espe-
trabalho científico, por mais limitado e monográfico que seja, pode cialmente as . referentes às sociedades escravistas da América do
dispensar totalmente o método comparativo, pois é impossível a Norte, das Antilhas e da América do Sul. 11
introdução de novos elementos em um terreno qualquer do conhe- E: certo, no entanto, q~e;·ou,tros fatores atuaram em sentido
cimento sem compará-los com os ·já conhecidos; esta comparação, ·pposto. Entri:t eles, ;teve e1<P!c4tL' .importância o impacto do uso
embora às vezes não explícita, é absolutamente necessári~ pois de inadequado da ~omparação histórica por autores como Spengler,
outro modo não se poderia dar um nome aos mencionados fenô- Toy!llbee ou Rostow, que não vacilaram em apelar para terríveis
menos novos. s anacronismos e perderam, de um todo, o respeito devido à especi-
Para Henri Sée e Henri Pirenne, já há meio século, o método . ficidade estrutural e histórica das sociedades inçluídas em suas
comparativo seria o instrumento capaz de transformar a história comparações. a Assim, nos últimos tempos, o apelo ao método com-
em uma ciência, ao permitir a passagem da descrição para a .expli- parativo é feito com a máixima. cautela, para preservar as aludidas
cação dos processos históricos. Em 1970, falando sobre os fatores especificidades: como .afirma Marc Bloch, na definição que repro-
que levaram a algumas das ciências do homem do estágio pré- duzimos na abertura do capítulo, é preciso considerar, através de
científico ao de ciências "nomotéticas" - isto é, que procuram .tal método, tanto as semelhanças quanto as. diferenças entre os
estabelecer leis - Je~n Piaget colocava, primeiramente, entre os .elementos com~arados .
• •)< • ; - •
410 411
r
1
Vejamos, agora, a~ vantagens que podem ser esperadas da Finalmente, a atitude comparativa pode aplicar-se com muito
aplicação do método comparativo às pesquisas históricas. proveito, também, a pesqtiisas de. tipo monográfico. Um estudo
A mais importante é, sem dúvida, a possibilidade de um de caso adquire densidade quando situado em uma tipologia, tra-
controle efetivo - muito mais efetivo e digno de confiança ·do tando-se de demonstrar, ao mesmo tempo, quais são suas singula-
que as duvidosas técnicas da counter-factual hypothesis da f'New ridades irredutíveis. Heinrich Mitteis pretende, até, qu·e só por meio
Economic History" - sobre as hipóteses e generalizações expli- da comparação pqssam chegar a ser percebidos os traços pe5:ulia-
cativas. Em outras palavras, a determinação de leis históricas e a res e essenciais de uma dada sociedade, pois a análise comparativa
construção de modelos históricos não podem ser feitas sem recor- permite distinguir os referidos traços dos que são comu:1s a outros
1 er-s_e ~o método comparativo .. A verificação das generalizações
casos observados, ou dos meramente incidentais. 0
exp1Icat1vas parte do princípio de que se temos duas séries de fenô-
menos, onde achamos que existam fatores causais de dependência,
a crença nos referidos fatores será diminuída ou eliminada se com-
provarmos., em algumas das sociedades comparadas, a presença de
uma das sêries e a ausência da outra. Este controle permite não
só eliminar certas hipóteses explicativas como, também, às vezes,.
enriquecer ou matizar as generalizações admitidas, ou mesmo esbo-
çar novas explicações e problemáticas dantes insuspeitadas. 1
Uma grande utilidade adicional do método comparativo está
em que leva à ruptura com uma pesada herança da historiografia B. Armadilhas e perigos na aplicação do método
ào século XIX: o quadro das fronteiras políticas como definição comparativo: precauções necessârias
de unidades "naturais" de ·análise; a atitude comparativa abre
vias à construção de universos de análise definidos segundo crité-
rios conceituais bem mais coerentes. Para exemplificar: o estudo
dos impérios coloniais europeus, nos Tempos Modernos, cada qual
em si mesmo - como era feito há não muito tempo - ignora
O primeiro perigo que ameaça o pesquisador que &plica o mé-
que o Brasil açucareirp, as Guianas e as Antilhas (colônias escra-
todo comparativo é o de cometer anacronismos, ao confundir ana-
vistas de plantação) eram semelhantes do ponto de vista. estru-'
logias superficiais com similitudes profundas, sobretudo em se
tural, embora submetidos à jurisdição de diferentes metrópoles: ao
tratando de sociedades estruturalmente bem diversas, ou mu~to
contrário, a Nova Inglaterra e a Jamaica eram zonas coloniais bem
afastadas no tempo. A extensão presente dos estudos comparativos
diversas, apesar de integradas no mesmo império colonial britâ-
de sociedades escravistas da América esclarece melhor as armadi-
nico. 8
lhas que a comparação histórica pode esconder, e o modo de evitá-
las. Assim, por exemplo, os defeitos da comparação de Cuba com
7 Cf Barrington Moore, Jr., Social Origins of Dictatorslúp and Derno· Virgínia - empreendida por Herbert Klein, demonstram que a
aacy, Lord and Peasant in lhe Making of the Modem World, Boston, contemporaI1eidade (Klein limitou-se ào 5'.éculo XVIII) não é
Bc·acon Prcss, 1967, pp. XIII,XIV; Witold Kula, op. cit., p. 604; faigene
D Genovese, "The. Comparative Focus in Latin American History", garantia suficiente de que as socied:ides em estudo sejam, de fato,
em / 11 Red ~nd_ Black, Nova_ Iorque, Pantheon Books, 1971, pp. 375-38,~.
8 Cf. ~e~1n P1rc1:me, op. czt.; Marc Bloch, ''Pour une histoirc éomparée
des societes europeennes", na Revue de Synthése Historique, 1928, p. 15 e, 9 Cf. · Barraclough, op. cit., 279; também E. Genov§e, "The Compa-
seguintes. rative Focus .. .'', cit., Moore, op. cit., p. XIII.
412 41:.>
Precaução básica é a de conhecer bem o que se· pretende com-
comparáveis além de uma simples constatação das diferenças. Euge-
parar: antes de buscar o que determinada formação social tem em
ne Genovese recomenda que sejam tomadas as sociedades a com- comum com outras, ou de diferente defas, é preciso prestar atenção
parar, em épocas diferentes se necéssário, mas em etapas compa- a sua individualidade, a suas características específicas. 12
ráveis - ao mesmo tempo conjuntural e estruturalmente - de
Por último, é freqüente confundir comparação com justaposi-
·seu desenvolvimento, apesar da grande dificuldade decorrente de
ção. Ao acumular, umas após outras, descrições de casos indivi-
considerá-Ias em c9ntextos históricos globais diversos.
duais não estaremos - só por isto - procedendo a uma compa-
Acreditamos haver· outra solução possível: a abordagem de ração real, pois esta fica implícita e, pois, a cargo do leitor. Este
prazo muito grande, plurisecular. Também, temos a impressão de defeito é vizível em vários trabalhos recentes que se declaram
que os equívocos de Klein e de outros autores (desde TannenbaurrÍ comparativos. 13
e Gilberto Freyre até pesquisadores mais recentes, como Stanley
Elkins) resultaram, em grande parte, do privilégio por eles con-
cedido a certos setores - e não os mais explicativos - das reali-
dades sociais focalizadas, sem terem considerado, suficientemente,
o contexto social global. J;; claro, também, que o método compa-
rativo exige uma rigorosa definição de termos e conceitos, o que
permite evitar plêmicas inúteis ou mal colocadas: é o que E. Geno-
vese o demonstra, em brilhante artigo, a propósito do "trat!lmento C. As formas e os resultados da aplicação do
dos escravos". Tudo o que foi dito até aqui pode ser resumido método _comparativo
na regra seguinte: só é prôveitoso comparar o realmente compa-
rável.10
Outro possívél .· perigo consiste no exagero das virtudes do
método compárativo, cujas,.:finalidades não incluem a ilusão meta-
histórica de uma "receita'º, ou de um pequeno número de el_e- ·
mentos ou fatores que ·permitam "decifrar" o conjunto do devir Podemos distinguir duas formas de aplicação do método com-
humano. 11 parativo às pesquisas históricas: 1) a que limita a comparação
a sociedades aproximadamente · contemporâl)eas e que partilham
grande número de traços estruturais análogos, assim permitindo um
10 Herbert S. Klein, Slavery in the Americas, A Comparative Stuqy of manejo mais fácil e seguro do métopo em questão; 2) a que estende
Cuba and Virgínia; Chicago, University of Chicago Press, 1967; Sidney
W. Mintz, "Slavery and Emergent Capitalism", em Slavery in the New a comparação a sociedades francamente heterogêneas, ou muito
World, eit., pp. 27-37; Engene D. Genovese, "The Comparative Focus .. ;", afastadas no tempo: as dificuldades serão enormes, pois o anacro-
cit. ; Eugene G. Genovese, "Materialism .and Ide.alism in ~he History of nismo tocaiará a cada passo e será fácil cair em suas armadilhas
Negro Slavery in · the Americas", em ln Rea anã Black, cit., pp. 113-62;);
Eugene D. Genovese "The Tt.eatment of Slaves in Different Countries, (como nas obr2s de Spengler e Toynbee). Não se pode, no entanto,
Problems in the Applications of the Comparative Method", em ln Red· proscrever pura e simplesmente a segunda forma de empregar o
and Black, pp. 158-172; Ciro F .. S. Cardoso, "El modo de producción
esclavista colonial en América", em Cuadernos 'de Pasado y Presente
método, para recomendar só a primeira: isto- é, aconselhar apertas
(Córdoba, Argentina), n.º 40, maio de 1973, pp. 193-242; Social Science sua aplicação às que Marc Bloch denominou de "sociedades sincrô-
Research. of Latin America, sob a c1ireção de Charles Wagley, Nova York
e Londre.s, 1964, p. 100 (notas de S. Stein). ·
l l Eugene D. Genovese, "The Compara tive Focus ... " cit.; Barracloúgh, 12 Barraclough, [ bidem, p. 272.
op. cit ., p. 271. 13 Ibidem, p. 277.
414 415
T
"Não é · verdade que as pesquisas histórico-sociológicas se Para terminar, vejamos quais - segundo Marc Bloch, _
possam situar em um lugar qualquer de uma linha contínua, os resultados que podemos esperar da aplicação do método com-
que fosse da generalidade sociológica extrema até a individua- parativo; suas colocações, a propósito, sintetizam boa ºparte dá
lização histórica extrema. Nesta linha há um nível preciso problemática até aqui discutida: 10 ·
que permite à pesquisa explicitar uma tipologia, estudando - Sugestões de nons observações e pesquisas: certos fenô-
um certo número de escândalos ou de regimes ditatoriais menos ou processos, mais documentados ou mais visíveis em certa
diferentes [o autor refere-se aqui a exemplos mencionados sociedade~ também podem ter sido igualmente· importantes _ embo-
anteriormente] porém dotados de estruturas aparentadas e ra menos visíveis ou menos documentados - em outra ·sociedade
cujo estudo comum permite entendê-los melhor do que se ..
vizmha, ou não, da primeira no tempo e no espaço; ·
'
tivesse sido estudado um caso único, enquanto todo o estudo
- Ex~licação dos fenômenos de sobrevivência (quer dizer,
que passasse disto, englobando fatos heterogêneos, não poderia
ir além de contribuir para a confusão da pesquisa. que se explicam por um estágio anterior de evolução da sociedade
14 Marc Bloch, "Comparaison" e "Pour une 'histoire comparée des so- 17 W. Kula, op. cit., pp. 592-59,3.
ciétés europeénnes", artigos já citados. 1~ . Si!vio Zavala, Hispanoamérica Septentrional y media; Período colonial,
15 Cf. Barraclough, op. cit., p. 277. citado por Carlos M. Rama, Teoria de la historia Madrid, E:i. Tecnos
16 Luclen, Goldman; "Estructura social y consciencia. colectiva de Ias 1968 (2.• cd.), pp. 88-89.
estructuras", em Las estructuras y los hombres, cit., pp. 104-113. 19 Marc Bloch, "Comparaison", cit.
416 417
,,1
em questão). "Interpolação das curvas" de desenvolvimento de ção teórica como método racional. Pouco avanço houve neste sen-
distintas sociedades. Mas, adverte Bloch, a comparação tomada tido, de fato, desde os estudos iniciais de Fustel de Coulanges,
neste último sentido ··mais sugere do que explica cabalmente". Henri Berr, Henri Sée, Henri Pirenne e, em especial, de Marc
Pesquisa das influências ou da filiação entre sociedades, Bloch. A própria importância do aludido método impõe 0 esforço
com as precauções impostas pela possibilidade de uma evolução de aperfeiçoá-lo, teórica e operacionalmente. Seja como for, cremos
par:ilela devida, não ao contacto, mas à analogia ou similitude de - com Sée e Pirenne - que uma das condições essenciais do
circunstâncias. aperfeiçoamento científico de nossa disciplina consiste nos historia-
Estudo das semelhanças e diferenças existentes na evolu- dores deixarem de ver no método comparativo um processo entre
ção das sociedades consideradas. outros., que possa ser usado ou não segundo seu arbítrio dando-se
conta~ da necessidade de empregá-lo sempre e sistematic;mente.
D. Conclusão
418
419
CAP1TULO IX
A. Colocação da questão
421
que o marco nacional ocultava, freqüentemente, arritmias e con-
portanto, a tentativa de descobrir de que modo e econom1co, o trastes marcantes entre áreas de um mesmo país _ e também
os que ultr~?~ssani _o. "nacional" n? sentido das grand;s "zonas':
social, o político, o ideológico atuam e interagem na estrutura
social global. ( Su~este asiatico,. Afnca negra, paises islâmicos, etc.) definidas,
- Em terceiro lugar a questão da integração do conheci- se~mdai:nente, :nms em função de interesses políticos bem visíveis
mento, devido à forte tendência para a especialização e à conse- e. 1med1atos ~.~s vezes locais,_ ~ ,s~bret~do, os das grandes potên-
qüente multiplicação de disciplinas históricias que evoluem, fre- cias n~oc,ol.onrn1s) .do que de cntenos c1enhficos, ou no sentido de
qüentemente, de modo paralelo e serri' manter bastante contato um~ .historia propnamente mundial. A ênfase na história econômica
entre elas. E, devido à expansão espacial e ao caráter maciço da ~enfJcad~ ~urante a~ últimas .décadas, deve ter contribuído par~
produção de obras históricas que dificultam o manter-se informado tal ampliaçao de horizontes pois, como afirma Tawney: 1
do que está sendo feito (inclusive em campos bem delimitados)
e, de algum modo, integrar tais conhecimentos. "O historiador economista deve encerrar-se menos do que
- Finalmente, ··smtese" é palavra com amplas conotações ló~i quak!ue.r m~tro em um marco nacional, pois a civilização
cas, que transcendem o domínio dos estudos histórico<> e têm e.conom1ca e. uma criação internacional. Em lugar de histó-
a ver com a epistemologia em geral: seja no sentido de uma das n~s ec~nôm1cas nacionais, com referência à história econô-
etapas lógicas de -qualquer processo de pesquisa (à "análise" suce- mica universal precisamos de um estudo comparativo dos movi-
de-se a "síntese") seja como resultado da resolução de uma con- mentos e problemas comuns a vários países."
tradição dialética (tese/antítese/síntese).
Porém, como tratar a história além do marco tradicional do
Este último aspecto da questão será tratado adiante, neste
Estado-nação? Adiante nos ocuparemos da resposta marxista a tal
capítulo, e por isto o deixaremos de lado por ora. Quanto ao dile-
pergunta e, também, da tendência "regionalista" da escola francesa
ma especialização/ complementaridade, no referente aos distintos ra-
contemporânea. O que nos interessa, agora, é a questão da "história
mos -da investigação histórica, cremos já ter tratado suficien~emente
u?~versal" o_u "mu~dial". Quanto a sua possibilidade ou impossi-
do te:na em alguns dos capítulos anteriores.
b1hdade, hoJe coexistem as mais diversas posições: o evolucionis-
A dimensão do universo da análise evoluiu em função do mo organicista herdado do século XIX, ou o evolucionismo multi-
contexto histórico dos séculos XIX e XX C-- e da concepção do- line~r dos disdpulos de Julian Steward; o ceticismo total de Popper;
minante a respeito do objeto da história. A crença no marco na- a atitude "comparativista"; o "relativismo cultural" dos estrutura-
cional como limite "natural" do objeto de estudo do historiador listas, etc.; 2 Podemos perceber, de um moclo ou de outro duas
vinculou-se ao nacionalismo do século passado e à focalização pre- tendências. predominantes na atualidade, a propósito: 1) a ~rença
dominantemente político-institucional então prevalente, a partir de- na necessidade de uma visão universal da história que transcenda
la a história surgindo realmente, como a história dos Estados e de as fronteiras nacionais e continentais e abranja o mundo todo no
suas relações. Por outro lado, o eurocentrismo relacionou-se com a campo de estudos; 2) o repúdio às interpretações globais "meta-
expansão colonial e com o predomínio europeu no mundo. A des- históricas", de base filosófica _(mesmo quando fundamentadas em
colonização, o desenvolvimento dos estudos históricos fora da u?1~ ~plicação - não científica, além de tudo - da comparação
Europa, a perda de terreno no cenário mundial por esta última, h1stonca, como no caso de Spengler ou de Toynbee). "
o caráter cada veL mu1s integrado e universal da vida contemporânea
e. finalmente, a expansão do campo de interesses dos historiadores
para além do político-institucional são fatores que colocam - em 1 R. H. Tawncy, "Thc Study of Economic History" em Economica, 1933,
pp. 1-21.
no~sos dias - a necessidade_ de superar um quadro estritamente 2 Cf. G. Barraclough, op _ cit , PP- 241-258: "Thc Prospects of World
nacional e um horizonte quase só europeu dos estudos histÓricos. History" _
Multiplicam-se os estudos regionais - pois a experiência mostrou 3 lbidem.
423
422
~··
1
424 425
impüviJa, os séculos, sem perder suas características fundamentais. com a de Dilihey e Croce - 2mpliou-se a partir do decênio de
E embora muitos historiadores neguem haver setores mais impor- 1920. Sua forma mais prestigiosa foi o denominado "historicismo
tantes do que outros no edifício da "civilização" (como na estru- alemão" ( Simmel, Dilthey, depois Troeltsch, Mcineck, etc.) B pro-
tura social) - o que a transforma em pura justaposição de elemen- vável que o único aspecto útil do historicismo tenha· sido o de
tos - na prática predomina uma concepção basicamente idealista: chamar a atenção para as falácias do positivismo, ocultas sob es-
a civilização define-se, em última instância, por~ uma "psicologia pessa capa de otimismo beato e de suficiência; entretanto, em
coktiva", ou "mentalidade", ou "estado de espírito'', etc. A conti- conjunto o resultado foi uma influência negativa e esterilizadora
nuicbde das peculiaridades históricas dos "fatos de civilização" e cada vez mais forte na medida em que a I Guerra, as dificul-
cclcca um problema real e de grande importância; mas a própria dades do pós-guerra e suas seqüelas (como a proliferação de dita-
noçüo de civilização, em si, como é definida e manejada correnk- duras fascistas, e de outros tipos, e o crescente declínio da Europa
mcnte. não permite mais do que uma descrição empírica da histó- no cenário mundial), mais a depressão consecutiva da 1929 iam
ria. Nüo obstante, este modo de focalizar a questão, embora possa destruindo pouco a pouco as certezas, . os princípios e a visão do
rnntinuar predominante. não é absoluto, como no p1ssado: sob a mundo vindas do século passado. Sua característica principal era
influ~111.:ia do marxismo e da voga crescente da história econômica, o subjetivismo relativista: como crer na possibilidade de uma his-
yários dos melhores historiadores ocidentais concordarão com tória objetiva e científica se o historiador é incapaz de desvincular-se
George Duby sobre à existência de setores do corpo sociql que são de seus valores, de sua afetividade, ou seja, de sua· subjetividade?
mais determinantes do que outros. 5 · Enquanto as ciências naturais constituem o domínio das coisas
A recusa da possibilidade de ir além de uma descrição, de seguras, recorrentes, a história mqve-se no nível do que é único,
uma justaposição de setores, ou de fatores, é uma pesada herança mutante, fugidio. Como a natureza cpõe-se ao "espírito" também
da história tradicional, que a evolução recente dos estudos histó- o "mundo da natureza" e o "mundo da história" são opostos; em
ricos vai, pouco a pouco, eliminando. conseqüência, as abstrações e classificações a que se dedicam as
Antes da 11 Guerra, o mundo da historiografia apresentava-se ciências naturais - seu ccráter "nomotético" - são de aplicação
chiminado por certo número de princípios de aceitação quase .uni- impossível aos estudos históricos, cujo caráter é "idiográfico" (quer
\'crsal e consagrados por muitos manuais: assim fixados, os aludi- dizer., baseado no particular)'. O historiador só pode aspirar a uma
dos princípios passavam, praticamente inalterados, de geração a "compreensão intuitiva" dos homens do passado.
t:c:a1,·üo d..: historiadores. Tais fundamentos tão amplamente admi- :t um tanto difícil de explicar como pôde dar-se o compro-
tiu(1s sustentavam-se., no entanto, sobre base bem frágil: a síntese misso, a síntese, entre duas tendências tão excludentes quanto o
contra natura de duas correntes herdadas do século XIX, o pc•si- positivismo e o idealismo. Por um lado, tai' síntese era mais uma
.ti, ismo e o idealismo. No primeiro capítulo deste manual ocupamo- justaposição e seu resultado extremamente incoerente do ponto
de vista episti:mológico: a _separação da pesquisa em duas fases;
no-. ua história positivista, de modo que ficamos dispensados de
admitindo-se as regras positivistas quando se tratava de recolher e
n:tomar o tema.
de criticar o material documentário; e a ''intuição" e o quadro
Como o positivismo, a concepção idealista da história, com individual de valores do historiador mànifestando-se na fase da
sua uistinção estrita entre "história" e "ciência" e com sua insistên- interpretação (elaboração da síntese, apresentação da pesquisa por
cia na '·intuição" como forma privilegiada de entendimento do escrito). Por outr'.) lado, nmb:1s as correntes coincidiam em muitos
Pª''ado, é uma hernnça do século XIX ..Porém, sua influência - aspectos, no· referente a seus resultados práíicos, concretos: preo-
cupação exag..:rada com a problemática da causalidade e da objetivi-
dade; culto do pormenor e do individual: enfim. crença nu caráter
5 Antuine Pelleti.:r, "La nution de civilisation" em A. Pelktier e J.-J.
Guulut, Matérialisme historique et histoire des civiilsations, Paris, Editions gratuito dos estudos históricos (o "passado pelo passado", como fina-
Su,·1.iks, 1969, pp. 9-56. lidade única destes e~tudos). Podemos observar, tambem, diferentes
426 427
''doses" na mistura, conforme os países - predomínio absoluto do subordinação acrítica e servil da história às c1encias sociais e,
historicismo na Alemanha., maior peso do positivismo na França, conseqüentemente, a fragmentação do campo da ciência histórica
etc. Seja como for, as regras meto~ológicas do positivismo - em "especialidades" totalmente autônomas. A tentação do empi-
cristalizadas no manual de Langlois e Seignobos (1898) - e o rismo, em sua nova versão "quantitativista", e a do positivismo
relativismo histórico sempre estiveram presentes; o último contou lógico fazem-se sentir até no âmago da escola francesa que nos
com nomes de prestígio: Collingwood, Henri-Iréné Marrou, Ray- dera Labrousse com seu repúdio radical aos cortes arbitrários entre
moncl Aron; e serviu de base a Ortega y Gasset e a Maraval!., che- os setores da pesquisa histórica. Quando um dos discípulos de
gando por seu intermédio aos ambientes universitários latino-ameri- Labrousse - François Furet - levanta dúvidas quan\o à possi-
canos. n bilidade de uma síntese histórica global na atualidade e relega a refe-
O positivismo repelia, em nome da flbjetiviclade, a hierarqui- rida síntese para um longínquo "horizonte", aacamente 'como os
nção dos fatos históricos: o caráter exautivo seria a condição do co- positivistas o tinham feito em outro contexto, no princípio do século,
nhecimento objetivo; a explicação, neste caso, mais do que uma sín- vemos claramente que a batalha pela síntese histórica ainda não
tese verdadeira tornava-se um catálogo, uma descrição empírica. Ade- está ganha. 8
mais, a preocupação obsessiva com os aspectos político-institucio-
nais e com o mundo das idéias, característica dos historiadores
tradicionais, impediam uma visão realmente global do funciona-
mento das sociedades e de sua evolução. A posição idealista elo
historicismo, sua negação da possibilidade de estabelecer leis, seu
relativismo cujo n.:sultado é rejeitar a intersubjetividade sem a qual
nüo há ciência possível, são fatores que se contrapunham a qual-
quer tentativa de síntese explicativa com pretensões científicas. Afi- B. Alguns problemas de método e de epistemologia 9
nal, positivismo e idealismo historicista coincidiam, como vimos,
nn culto do pormenor e dà monografia: a síntese era adiada inde-
finidamente; considerava-se que viria no futuro, automaticamente,
pela própria acumulação de conhecimentos particulares e precisos.
Vimos já (Capítulo I) que é possível tomar a ·ctata da funda-
ção elos Annales (1929) como símbolo do começo da evolução A pesquisa cientifica é, antes de mais. nada, uma busca de
recente que, muito acdaada desde a II Guerra, destroçou progressi- respostas a certos problemas. Obviamente, ressalvada a redundân-
vamente as posições da história tradicional, por sua vez marcada cia, ·a pesquisa científica só pode resolver problemas científicos,
pelo positivismo e pelo idealismo. A aludida evolução e a resul- isto é, questões colocadas com base teórica que possam ser submeti-
tante ampliação do horizonte abriram caminho à possibilidade de das a algum tipo de prova· ou verificação. Os problemas científicos
'cn!cideiras sínteses explicativas: numerosas teses e livros recentes o podem ser de dois tipos básicos: 1) problemas substantivos, ou
,krnontram. 7 Porém, mesmo na atualidade, a síntese históri.ca vista questões relativas a fenômenos reais; e 2) problemas de estratégia
como explicação global do social está ameaçada; desta vez pela
influência ela escola norte-americana contemporânea, na qual mais
do que uma utilização do instrumental das ciências sociais no 8 François Furd, "L'histoirc quantitativc et la construction du fait histo-
trabalho histórico (em marcos já definidos por este) dá-se uma rique", em Amwles E. S. C., jan~irc-fe\ereiro de 1971, pp. 63-75 (espe-
Lialmente )). 72). ·
9 Para a reJ;;ção deste parágrafo usamos amplamente a obra de Mário
11Cf Barraclough, op ct, pp. 1-25. Bunge, La investigación científica, Su estrategia y sua .j.ilosofia, trad. de-
7 Cf infru a parte D Jcste Capítulo. M Sacrist:rn, Ba!-cclon::i, Arid, 1969.
428 429
ou processo, que se refiram a nossos modos de conhecimento .e c1encia. Nos primeiros estágios - e a maioria das c1encias sociais
pesquisa. Naturalmente, tal distinção dos problemas científicos é constituem bom exemplo disto - muitas hipóteses são generali-
apenas analítica. Em uma pesquisa concreta colocar-se-ão os dois zações, confirmadas pôr uma série de fatos particulares mas não
tipos. correspondentes, ainda, ao requisito da dedutibilidade.
A análise é um dos requisitos básicos da colocação de proble- É preciso distinguir entre teoria e modelo. Entende-se por
mas na pesquisa científica. Com a mesma palavra designam-se, modelo uma "representação idealizada de uma classe dp objetos
çomumente, várias operações lógicas: reais". 11 Embora muitas vezes identifiquem-se teoria e modelo, con-
vém .esclarecer que as teorias não são modelos, apenas incluem
a identifiooção dos diferentes elementos ou componentes medeios. A teoria não é a representação esquemática da realidade,
de um ta do (às vezes chamada de análise molecular ou no srntido do modelo. E, mais até, um modelo pode ser explicado
microanálise); por teorias diferentes. O modelo do mercado de concorrência per-
a identificação das relações entre diferentes elementos ou feita define-se pelas seguintes características:
componentes (por vezes chamada de análise funcional ou
relacional) ;
as empresas prÓduzem um l:Íem homogêneo, não havendo
a formulação de uma explicação (por vezes denominada
vantagens ou desvantagens vi11culadas ao fato de vender
de análise global) que implica também uma síntese, isto
a um consumidor em particular;
é, tomar a situar o objeto analisado no conjunto maior
que permite explicá-lo. há um número suficiente grande de vendedores e de con-
sumidores, de modo que as transações individuais são pe-
A análise requererá, portanto, a referência a uma teoria e, quenas em comparação com o total das transações;
por isto, muitas vezes falaremos em análise teórica. empresas e consumidores têm informação perfeita sobre
A colocação de problemas compreende, em geral, três momen- o preço dominante e tiram proveito de cada oportunidade
tos principais: 1) a descrição; 2) a análise (no sentido de análise para aumentar, respectivamente, os lucros e a utilidade;
molecular e funcional); 3) a interpretação (no sentido de análise a entrada e saída do mercado é livre para ambos. 12
global), que procura formular alguma hispótese explicativa do
fenômeno estudado. A formação dos preços, neste modelo de mercado, pode ser
Como o essencial na colocação de um problema científico é explicada em termos da teoria da utilidade marginal ou da teoria do
a referência a uma teoria, convirá definir o referido conceito. En- valor trabalho. Convém observar que mllitas vezes fala-se em
tende-se por teoria "um conjunto de hipóteses estruturado pela modelo teórico. Neste caso pode-se querer dizer: modelo que inclui
relação de 'inferência ou de dedutibilidade". 10 As hipóteses de uma uma explicação referida a uma teoria, ou modelo que é uma repre-
teoria científica devem possuir dois requisitos básicos: 1) têm de sentação esquemática de fenômenos ou processos reais. No se-
ser confirmadas ou verificadas; 2) têm de ser dedutíveis, isto é, gundo caso trata-se de uma redundância semântica que deveria ser
integrar um sistema dedutivo. Por isto afirma-se, correntemente, abandonada.
que o método da ciência é hipotético-dedutivo. Uma teoria científica é, por definição, incompleta, aproximada
Cumpre observarmos que a existência de teorias depende da e relativa. Estas características podem ser resumidas, de modo mais
acumulação de conhecimentos, do grau de desenvolvimento de uma simples, dizendo-se que a ciência não busca: nem pode proporcio-
lú Julian Galtung, Theory and Metlwds of Social Research, Londres, Allen 11 M. Bunge, op. cit., p. 420.
"' ll11win, 1967, p 451. (Há tradução para o espanhol: Buenos Aires, 12 J. M. Henderson e R. E. Quandt, Teoría microeconómica, trad. de
Ll DLIJA) J. R. Lasucí1, Barcelona, Aricl, 1962, 'p. 100.
430 431
nar, conhecimentos absolutos e definitivos. Por outro lado, a ceses pode integrar-se em um modelo mais geral: atendência dos
epistemologia é de pouca utilidade na construção de teorias, em preço~ europeus, et~. Cumpre sublinhar, então, que qualquer hipó-
se tratando de uma reflexão post facto. Por isto, "não há técnicas tese e uma abstraçao, uma construção mental, que se verifica ou
pré-estabelecidas e prontas para a construção de teorias: o teórico não, com dados ou evidência empírica, porém gue de modo al~um
pode usar quaisquer meios conceituais, sempre que os claramente pode ser identificada com eles ..
errôneos não se apresentem no produto final ou, ao menos, pos- Se nma hipótese, além dos requisitos enunciados constitui
sam ser eliminados dele". 13 parte ~e uma, t~oria éient~fica já submetida a algum gra~ de com-
A formalização, isto é, a reconstrução lógica de uma teoria, P'.º~açao em~m~a {ou fo1 deduzida de uma) poder-se-á falar em
usando uma linguagem não verbal e explicitando os pressupostos, h~pot,e~e explicativa ou em lei científica. O que permite à pesquisa
axiomas, fórmulas primitivas e regras, pode chegar a ser feita ou c1en~1fJca transcender a mera descrição dos objetos estudados e
não, mas a história da ciência mostra que ela ocupa um lugar explicar seu comportamento é, justamente, o relacionar os referi-
bem· reduzido na prática científica e que pouco interessa aos cientis- dos comp?rtamentos a um conjunto de condições antecedentes e
tas. Entretanto, convém observar que entre a formulação verbal e a um con1unto de leis gerais. rn
a formulação matemática há toda uma gama de situações inter- , .? .debate. s.obre a possibilidade de aplicar o conceito de lei
mediárias. Sendo raro que as teorias científicas logrem uma for- as c1encias sociais tem dois aspectos básicos:
malização matemática completa, quase todas incluem certo grau de - implica decidir se os comportamentos humanos são suscetí-
formalização. veis ~; ~studo cie~tífico.' · com o emprego da lógica da. explicação
Nas ciências sociais, a construção de teorias esbarra em difi- das c1encias naturais, pois negada a possibilidade de estabelecerem-
culdades de índoles diversas. Uma das principais é que objetos se !~is gerais estará rejeitada, automaticamente, a possibilidade de
de estudo como a estrutura social são, na verdade, sistemas inde- explicação científica;
finidos - no sentido de seus componentes nem sempre poderem - pode-se admitir a existência de leis em algumas ciências
ser identificados e delimitados de modo preciso e cabal (o número humanas, como a sociologia ou a economia, mas negá-lo no caso da
de componentes é, assim, indefinido). 14 história.
Voltando à definição de teoria, será necessário esclarecer o O primeiro aspecto deu margem a posições como a de que
conceito de hipótese. Entende-se por hipótese um enunciado ou as ciências sociais são "ciências do espírito", qualitativamente dife-
proposição que reuna os seguintes requisitos: 1) é corroborável r~ntes das ciências_ naturais - portanto, usando metodologia espe-
ou verificável, empiricamente; 2) é geral, ao aplicar-se a um con- cial: a compreensao ( Verstehen) e não a explicação. Tal posição
junto de observações. A hipótese não se confunde com um enun- epistemológica, em voga no início do sécúlo. hoit" e~tá superada.
A compreensão não constitui método algum e os argumentos
ciado de conteúdo empírico pois, além ·de verificável, deve ser
sobre a impossibilidade de aplicar o método científico a fatos
geral. Por exemplo, uma hipótese científica é a seguinte: a ten-
sacias são insustentáveis. 10
dência dos preços, na França do século XVIII, é de alta secular.
Para nós, tem mais interesse o segundo aspecto. A unicidade
Este enunciado geral só pode ser verificado mediante uma série de
e a irrepetibilidade dos acontecimentos históricos é, sem dúvida in-
enunciados particulares de conteúdo empírico: o preço do trigo em
tal ou qual cidade, o preço da carne nesta ou naquela região,
etc. Por sua vez, a hipótese sobre o movimento dos preços fran- 15 C. Hempel e P. Dppenheim, "The Logic. of Ex,planation", em Philoso~
phy of Science, 15, 1948, pp, 135-175. · •
16, Cf. T. Abel, "The Operation Called "Verstehen", em The American
Jo.urn~l of Sociology, LIV, 3, 1946; Reproduzido em I. L. Horowitz (ed. >.
13 Bunge, op. cit., p. 486.
14 Cf. Raymond Boudon, A quoi sert la notion de "structure"? - Paris. fl_zstona y elementos de la sociología dei conocimiento, tomo 1, Buenos
Aires, EUDEBA, 1964; Hempel e Oppenheim, artigo cit. ;_M, Bunge, Causa-
Gallimard, 1968, p. 99.
l1dad, Buenos Aires, EUDEBA, 1961, pp. 267-278.
432
433
Outro problema de muita importancia é a exi.gência de com-
questionável - corno falar, então, de leis elo. que não se repete, provação das teorias e hipóteses. A verificação científica não só
do que supostamente não apresenta qualquer regularidade? Se a deverá ter bases empíricas mas, ainda, ser intersubjetiva. Isto é,
história for concebida como uma sucessão de acontecimentos, es- a verificação deve poder' ser feita por quaÍquer outro pesquisador
pecialmente políticos e militares, será clara a impossibilidade de que, naturalmente, reproduza a experiência ou prova realizada. No
formular leis; mas, concebida como uma história das estruturas., caso ela história isto torna desejável a publicação integral das fon-
das "sociedades em movimento", poderão ser estabelecidas leis tes usadas.
desde que. como restrição única, sua validade fique limitada a um
universo especial e temporal definido. As leis científicas referein- Nas ciências sociais fala-se, freqi.ientemente, de replicarão. Com
se a propriedades ou características de fenômenos ou processos, e isto alude-se a um procedimento destinado a possibilitar a verifi-
de modo algum aos fenômenos e processos em si. Os processos cação dos enunciados gerais: corroborado um enunciado para um
fisiológicos de um organismo humano dado, por exemplo, são conjunto de unidades de análise se tratará de repetir a prova em
estritamente tão irrepetíveis quanto qualquer acontecimento histó- um conjunto diferente; ou, com as mesmas unidades de análise,
rico. Cada crise de ancien régime, para tornarmos à história, é se tratará de repetir a verificação do enunciado usando indicado-
irrepetível e única, porém manifesta uma série de aspectos comuns res diferentes. Os dois casos são comuns na história econômica.
a todas as crises de ancien régime. O que permite o estabelecimento Se estudamos o movimento de preços em um período e região
de proposições legais acerca das mesmas é, justamente, a existên- determinados, será indispensável compará-lo - tanto no espaço
cia desta série de características, ou traços, comuns. A lei científica, quanto no tempo. Por outro lado, se usarmos os preços como indi-
conseqi.ientemente, aplica-se a propriedades ou a caracterí~Ücas de cadores da conjuntura econômica geral, será necessário considerar
um conjunto ele fenômenos e não aos próprios fenômenos. preços de diferentes produtos, ou seja, usar diferentes indicadores.
Nas ci0ncias sociais - e especialmente na história - a lei Evidentemente a réplica só é possível, na história, mediante o em-
será uma proposição de tipo estatístico, isto é, um enunciado geral prego do método comparativo. Como foi explicado nos Capítulos
aplicável a un1 grande conjunto, mas não com caráter de necessi- li e Vlll, só a comparação permite a aproximação ao modelo
dade, apenas no sentido de uma "probabilidade majoritária". 11 lógico da experiência, recurso típico de verificação nas ciências na-
Por 011tro lado, há na história enunciados legais de níveis turais. Em conseqi.iência, a única possibilidade de verificação das
hipóteses explicativas mais gerais na história é através do método
distintos de generalidade, conforme a extensão da classe de objetos
comparativo. ·
a que se apliquem - e existem, também, postulados ou axiomas,
quer dizer, fórmulas não demonstradas que servem para a dedu- O problema básico da verificação em história é, sem dúvida,
ção de outros enunciados que, estes sim, são convalidados d.e a existência ou não de uma documentação suficiente. O caráter
algum modo pela experiência. Tais postulados ou axiomas . s~o, dos testemunhos conservados decide, em todos os casos, o tipo de
portanto, pressupostos, não demonstrados mas justificados em fun- verificação possível. Existindo lacunas, o perigo imediato é a ten-
ção da importância dos enunciados deduzidos a partir deles. Exem,- tação da extrapolação, isto é., da gerieralização a partir de um
plo clássico de axioma assim é o princípio marxista· da determi- número reduzido de documentos, ou de uma documentação inade-
nação. "'em última instância'', da base econômica sobre a super- (jUada ao que se pretende provar. Exemplos. clássicos disto são as
estrutura. estimativas da esperança de vida no mundo romano antigo, extra-
poladas a partir das inscrições funerárias. Para provar a validez
17 E. Labrousse, Las eslrncturas y los Jwmbres, cit., p. 102; cf. tam- do método, Louis Henry o aplicou a ·um cemitério de Lyon, na
bém Oskar Lange, Economía Po/ícica, t. 1, México, Fondo de Cultura JJrim:.:ira metade do século XIX, controlando os-resultados .pela
Económica, 1966, capitulo Ill.
434 435
estatística demográfica comum (não disponível, evidentemente, no 1ibraria e ficaria carente de sentido. 21 A concepção de Max Weber
caso da antigüidade romana). A conclusão demonstrou o quanto sobre o conhecimento em história e sociologia tem seu lugar aí.
era arbitrário o processo: no caso lionês os resultados apresenta- A categoria fundamental é a de tipo ideal: uma construção con-
ram total contradição com os da estatística demográfica. 18
ceituai que destaca um ou vários aspectos de um conjunto de fe-
Outro problema importante, a propósito da verificação, é que nômenos, combinando os referidos traços de maneira a terem
em muitos casos inexiste um delimitação precisa do objeto de es- sentido. O tipo ideal implica, pois, uma ·simplificação e exag~ro
tudo. Já fizemos referência a isto, quando falamos dos sistemas fictícios de certos traços dos fenômenos em causa. Pois bem, o
indefinidos - e é claro que só uma certa especialização permite tipo ideal é a construção de um curso hipotético de acontecimentos
delimitar nitidamente os problemas e os instrumentos metodológi,.. (que pode ser geral e aplicar-se, então, a situações históricas muito
cos adequados a estudá-los. 19
variadas, ou pode ser restringido a uma situação histórica singular)
Cumpre-nos colocar, agora, a questão da causalidade. Desde que tem por finalidade a comparação com o curso efetivo dos
o racionalismo do século XVII a ciência é definida como o conhe- acontecimentos e possibilita, segundo Weber, chegar-se a conclusões
cimento preciso dos efeitos por suas causas: e a paixão dos histo- causais. Na medida em que haja diferenças entre curso ideal e
riadores positivistas era, após estabelecidos rigorosamente os "fa- curso efetivo, são atribuídas aos fatores abstraídos ou ausentes. ""
tos", conhecer suas causas. Percebe-se, facilmente, a semelhança entre a solução de Weber e
Porém, dada a complexidade da realidade social, insistia-se a proposta da New Economic History - de usar hipóteses alter-
logo na necessidade de considerar "todas as ordens de fatos susce- nativas (as Counter-factual hypothesis). Os problemas impl.ícitos
tíveis de terem influído uns sobre os outros". 2 º Este princípio meto- nesta proposição foram amplamente debatidos nos capítulos II e
dológico é, certamente, uma tautologia: em última instância, tudo VIII.
influi sobre tudo; e nada permitirá explicar nada se não se contar A reflexão epistemológica recente sobre o princípio da causa-
com uma teor.ia. Esta concepção da causalidade esconde a idéia lidade em ciência encaminha-se para a distinção entre causalidade
da história como resultado de uma multiplicidade de ações indivi- e determinação, enquadrando o princípio causal clássico como um
duais, entre as quais sobressaiam as das grandes personagens. Sua tipo a mais entre muitas determinações possíveis.2a O marxismo,
insuficiência conduziu, juntamente com a crítica do historicismo por sua vez, sustentou desde o século XIX uma determinação de
alemão, à eliminação da idéia da causalidade histórica, dissolvida tipo dialético nos aspectos básicos da vid.a social e econômica:
na completa negação de sua possibilidade levou, também, ao
recurso a explicações com fundamento nas filosofias da história:
o "Espírito", a "intuição", um modelo organicista, etc. Em certo:; 21 Cf. J. Huizinga, El concepto de historia y oiros ensayos, México, F.
C. E., 1940.
casos houve uma solução de compromisso: a causalidade na histó-
ria apresentando-se como a harmonia de um ramo de flores, tiran- 22 · Cf. Max Weber, Essais sur la théorie de la science, trad. de J. Freund,
Paris, Plon, 1965. A concepção sobre o tipo ideal está resumida em Max
do-se um fato ou acrescentando-se outro o conjunto se desequi- Weber, Economia y sociedari, tomo 1, México, F. e. E., 1964 (2a. ed.),
PP. 16-18, embora o texto não seja, às vezes, muito claro. Duas excelen-
tes exposições sistemáticas há em J. Freund, La sociología de Max Weber
18 Cf. p. Guillaume e J -P. Poussou, Démographie historique, Paris; Madrid, Ed. Península, 1968 (2.ª cd.), capítulo U; T. Parsons, La estruc~
Armand Colin, 1970, pp. 39-40 e 56-57. tura de la acción social, Madrid, Ed. Guaclarrama, 1968, pp. 739-753.
19 J. Piaget, Epistémologie des sciences de l'homme, Paris, Gallimard, . 23 M. Bunge apresenta uma lista, que afirma incompleta, das categorias.
1970, pp. 38-41. d,e determinação que surgem na ciência moderna: 1) autodeterminação
quantitativa: determinação do conseqüente pelo antecedente (trata-se de
20 H. I. Marrou, em L'histoire et ses méthodes, Paris, Gallimard, \961.
p. i530. um contínuo desenvolvimento de estados que só se distinguem entre si
cm seus aspectos quantitativos); 2) determinaçiío causal ou causação:
436
437
i
!
26 Frede1-ico Engels, "La 'Contribución a la crítica de la economia polí.- 27 F. Engels, E/ Anti-Diilzrine. trnd. de J. V. Montenegro y Montcro,
tica. ele Carlos Marx", em Marx e Engels. Escritos económicos varios, Buenos Aires, Ed. Claridacl, 1970 (3.• ccl .. ) , p. 161: "A_çconomia nolítica
trnd. ele W. Roces, México, Ed. Grijalbo, 1966, pp. 188, 190. çoncebicla como ciência das condições e das formas em que as diversas
440 441
Podemos afirmar, então, que d economia política, tomada no
outras passagens de Marx e Engels colocam, também, uma série sentido de "ciência das condições e das formas em que as diversas
!
de tomadas de posição teórico-metodológicas muito importantes: sociedades humanas produziram, trocaram e repartiram os produtos
'
1 ) o anti-historicismo e o primado do raciocínio de tipo estrutu- de um modo correspondente" ( cf. o trecho reproduzido na nota
ral; 2) a condenação irremissível de qualquer "filosofia" e, espe- n<;J 27), tem precedência ou prioridade lógica sobre a história., já
cialmente, da "filosofia da história" em suas múltiplas variantes; que proporciona as próprias bases para que esta última possa exis-
3) um método que emprega a abstração como instrumento cien-tí-
tir como ciência. Pois bem, se para Engels a economia política,
fico, mediante a elaboração de "abstratos reais", constantemente assim entendida (isto é, incluindo a teoria dos modos de produ-
submetidos à prova dos fatos concretos. Examinemos cada um ção pré-capitalistas e a do capitalismo) estava cm sua é;:ioca -
destes pontos. como continua, de um modo ger. ·.;, na nossa - "ainda por ser fei-
Apesar da perturbação provocada nos ambientes marxistas ta", salvo no concernente à gênese e ev.o 1ção da "forma de pro-
convencionais pela afirmação de Maurice Godelier quanto à prio- dução capitalista", como pode servir de base ao estudo da histó-
ridade, em O Capital, do estudo das estruturas sobre o de sua ria? Isto é possível porque, na visão de Marx, a sociedade bur-
gênese e evqlução, 28 cremos tratar-se de uma constatação correta. guesa, como "a mais complexa e desenvolvida organização histó-
Evidentemente, um raciocínio anti-historicista não significa, absolu- rica da produção"., dá-nos a chave da explicação das formas de
tamente, um raciocínio anti-histórico: para o marxismo a estru- organização anteriores: o complexo e diversificado permite com-
tura, qualquer estrutura (vista como totalidade contraditória e, preender o simples, por ser a síntese dos elementos mais simples.
portanto, essencialmente dinâmica) é inseparável de sua gênese, Entretanto, de modo algum isto significa que as leis ,econômicas
evolução e superação. Porém, a "história" considerada de um capitalistas tenham valor universal e eterno: 30
ponto de vista ·empirista como mera sucessão linear de aconteci-
mentos, separada da teoria, ou a partir de uma concepção idealista "A sociedade burguesa é a mais complexa e desenvolvida orga-
nização histórica da produção. As categorias que expressam
ou filosófica., é insuficiente para permitir a percepção da estru-
tura: ~ 11 suas condições e a compreensão de sua organização permitem,
ao mesmo tempo, compreender a organização e as relações de
produção de todas as formas de sociedade passadas, sobre
··De fato, como a fórmula lógica do movimento, da sucessão, cujas ruínas e elementos ela foi edificada e cujos vestígios,
do tempo, poderia nos explicar, por si só, o organismo social ainda não superados, continua arrastando, enquanto meros
no qual todas as relações existem simultaneamente e se susteu~ indícios anteriores desenvolveram neh1 sua plena significa-
tam mutuamente?" ção, etc. A anatomia do homem é uma chave para a anatomia
do macaco. Ao contrário, os indícios das formas superiores
das espécies animais inferiores só podem ser compreendidos
sociedades produziram, trocaram e repartiram os produtos de um Ínodo
coITespondente, quer dizer, em toda sua extensão, ainda esti por. ser quando se conhece a forma superior. A economia burguesa
kit a. O que temos até o presente de ciência econômic;a se reduz, q~ase fornece, assim, a chave da economia antiga, etc. Porém, não
c-..clusivamente, à gênese e evolução da forma de produção capitalistª,,; certamente ao modo dos economistas, que eliminam todas as
28 CI M. Godelier, "Systeme, structure et contradiction dans 'Le Capi- diferenças históricas e vêem a forma burguesa em todas as
tal"' e "Logique dialetique et analyse des estructures. Réponse à Lucien
Se,,, .. , cm M Gotlelier, Horizon, trajets marxistes e11 anthrapalagie, Paris, formas de sociedade."
F l\laspero, 1973, pp. 187-255 (artigos publicados ·pela primeira vez, res-
P''cti,·amente, em 1966 e 1970).
29 K.irl Marx. M iseria de la filosofía, Buenos Aires, Ed. Signos, 1970, 30 Karl Marx. Elcmc11tos fw1da111e11ta/es para la crítica de la ecanomía
Jl 92; cf. também Carlos Marx, E/ Capital, trad. de W. Roces, México, política (Borrador) 1857-1858, rnl. I, trad. de J. Aricó, M . .Murmis e P.
FC E • 1966 (4.• •·d ), tomo III, pp. 304, 757. Scarón, México, Siglo XXI, 1971, p. 26.
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T
i
Em suma, a explicação do passado depende da clara v1sao A tomada de posição contra as "filosofias da história" estava
da estruturação presente, a mais complexa de todas; esta última implícita, no texto mencionado inicialmente, em afirmativa de
tem, sem dúvida, pressupostos históricos, sua formação tem uma que -"o desenvolvimento lógico" não se move no "reino do pura-
história mas, tratando-se justamente de um todo orgânico integra- "mente abstrato"~ mas - ao contrário - deve amparar-se em
do, seus diversos elementos são interdependentes e co-presentes - "exemplos históricos" concretos e abundantes. Diferentemente das
por isto a análise da estrutura capitalista não pressupõe a exposi- "filosofias da história", que tentam encontrar fora (ou acima)
ção exaustiva da formação histórica de cada um de seus elementos, do próprio processo histórico as leis universais que o regem, o
embora pressuponha a consciência do caráter histórico (e portanto
materialismo histórico só reconhece as leis específicas de modos de
transitório) do modo de produção capitalista. 31·
p1odução historicamente dados, e critica nos economistas clássicos
Apesar de tudo, não devemos esquecer que Marx e Engels a tendência oposta. 88 Os textos mais claros, no concernente à
trataram de usar toda a documentação histórica de que puderam
superação da filosofia da história pelo marxismo são, talvez, um
dispor. E isto nos leva ao segundo ponto que indicamos acima.
trecho da Ideologia alemã (1845-1846) e a denominada "carta
A superação progressiva da filosofia pelo avanço da ciência atin-
ge, com o materialismo histórico, "o último -reduto" do idealismo a Mikailovsky" ( 1"877) H
isto é, a própria. história. A velha filosofia deve desaparecer com' Os fatos concretos constituem, em suma, a prova da validade
o desenvolvimento científico, ou melhor, deve limitar-se a sistema- das abstrações teóricas que, por sua vez, são apenas abstratos
tizar a lógica e a epistemologia, como Engels o afirma claramente: 32 reais, ou seja, uma formalização abstrata das relações reais consi-
"Em um ou outro caso [quer dizer, tanto no caso das ciências 33 Marx, Elementos esenciales .. . , pp. 5, 7; ver, também; Marx, El Capi-
naturais como no da história] tal materialismo, essencialmente tal, I, pp. XXII-XXIII.
dialético, não implica nenhuma filosofia sobreposta às demais 34 C. Marx e F. Engels, "Feuerbach. Oposición ·entre las concepciones
ciências. _Desde o momento em que se pede a cada ciência materialista e idealistan (I capítulo de la Ideologia a/emana), em C. Marx
que dê conta de sua posição no conjunto total das. coisas e F. Engels, Obras Escogidas en tres tomos (doravante OE III) t. l, p. 22
(Moscou, Editorial Progreso, 1973): "A filosofia independente perde, com
e do conhecimento das coisas, torna-se supérflua uma ciência a exposição da realidade, o meio em que pode existir. Em lugar dela
especial do conjunto; o que subsiste de toda a velha filosofia pode surgir, no máximo, um compêndio dos resultados mais gerais,
e conserva uma existência própria é a teoria do pensamento e abstraídos da consideração do desenvolvimento histórico dos homens.
suas leis - a lógica formal e a dialética - . Tudo o mais Tais abstrações em si, separadas da história real; carecem de todo valor.
Só podem servir para facilitar a ordenação do material histórico, para
resolve-se na ciência positiva da natureza e da história." indicar a sucessão de seus vários estratos. Mas não proporcionam, de·
modo algum, como a filosofia, receita ou padrão de acordo com que
possam ser organizadas as épocas históricas".
31. ldém, P; . 422: "Para analisar as leis da economia burguesa não é, Carta de Marx ao diretor do Otycestvenniye Zapiski, em C. Marx e F.
pois, necessano escrever a história real das relações de produção. Porém,
Engels, Epistolaria, México, Grijalbo, 1971, p. 57: "Isto é tudo. Mas não
a. cor~eta concepção e dedução das mesmas, como relações originadas
h1stoncamente, levam sempre a primeiras equações - como os números o é para meu crítico. Sente-se obrigado a metamorfosear meu esboço
empír~cos, pQr ~xemplo, nas ciências naturais - que indicam um passado
histórico da gênese do capitalismo no ocidente europeu em uma teoria
que fica por tras deste sistema. Tais indícios, juntamente com a acertada histórico.filosófica da marcha geral que o destino impõe a todo povo,
c~ncepção do presente, também proporcionam a chave para a compreen·
quaisquer que sejam as circunstâncias históricas em que esteja, para
sa~ . do passado; outro trabalho, que esperamos um dia realizar. Esta
que possa terminar chegando à forma de economia que lhe assegure, junto
anal~e correta leva, igualmente, a pontos nos quais, pré-figurando o com a maior expansão das potências produtivas do trabalho social. o
movu_nento nascente do futuro, insinua-se a abolição da forma atual das desenvolvimento mais completo do homem. Porém, peço a meu crítico
relaçoes de produção." que me dispense. (Honra-me e me envergonha, ao mesmo tempo, dema-
32 Engels, El Anti-Dühring, p. 33 (cf. também, p. 34). siadamente. )n
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.....
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2. A PRODUÇÃO E REPRQDUÇÃO DA VIDA REAL: A das forças produtivas, as relações de parentesco são submetidas
BASE FX'ONôMICA "às relações de propriedade". Assim, nas sociedades de classes o
fator determinante em última instância, da estrutura global é -
de modo mais claro que nas sociedades sem classes - "o modo
de produção da vida material'', a economia. 40
A economia consiste na articulação de diversos "momentos"
Engels dizia cm 1884: H
ou elementos em uma totalidade integrada: a produção, a distri-
buição, o intercâmbio, e o consumo; precisamente por se tratar
··segundo a teoria marxista, o fator decisivo na história é, de um sistema estruturado, seus elementos atuam uns sobre os
aíinal de contas, a produção e a reprodução da vida imediata. outros, mas é a produção o elemento determinante e estrntura-
Mas esta produção e reprodução é de dois tipos: por um dor: ;;o
lado, a produção de meios de existência, de produtos alimen-
tares, de roupa, de habitação e dos instrumentos necessários "Uma produção determinada, portanto, determina um consu-
para produzir tudo isto; por outro lado, a produção do pró- mo, uma distribuição, um intercâmbio determinados e relações
prio homem, a continuação da espécie. A ordem social em recíprocas determinadas destes diferentes momentos. Na ver-
que vivem os homens., em dada época ou país, é condicionada dade, também a produção, sob sua forma unilateral, por sua
por estes dois tipos de produção: pelo grau de desenvolvi- vez é determinada pelos outros momentos ( ... ) Entre os
mento do trabalho, por um lado, e da família, pelo outro. diferentes momentos dá-se uma ação recíproca. Isto ocorre
Quanto menos desenvolvido for o trabalho, mas restrita será sempre em todos os conjuntos orgânicos."
a quantid:J.de de seus produtos e, conseqüentemente, a rique-
za da sociedade - e tanto maior a força com que se mani- Já vimos qu_e, para o marxismo, as leis econômicas somente
festa a influência dominante dos Jaçqs de parentesco sobre :.º são válidas em um contexto histórico-cultural dado, para cada
regime ~ocial". modo de produção específico. Por isto, não é possível construir
urna verdadeira teoria do que seria "a prodQção em geral". Porém,
A continuação do trecho mostra que, com o desenvolvimento
como "todos os estágios da produção têm carac~eres comuns que
da sociedade de classes e do Estado, em funç.ão do crescimento
o pensamento fixa como determinações gerais'', é útil - de qual-
quer modo - tratar de perceber as aludida~ determinações gerais
uma da~se opriiilida, foi a conscquencia n~ccssana do escasso d~senvol de toda a produção, ou as comuns a alguns de seus estágios ( co-
vimrnto da produção no passado. Enquanto o trabalho total qa socie-
Jadc não dá senão um produto que excede em pouco o estritamente mo, por exemplo, a moeda) : serão abstraçõe~, "m?~e~tos 2 bstra-
indt,PL'ns.i\·cl à ·vida etc todos, enquanto o trabalho exige quase todo o tos que nãp permitem compreender qualquer mvel h1stonco concreto
· kl11pu da gra11de maioria dos membros da sociedade, esta necessaria- da produção'', cujo sentido é exclusivamente o de evidenciar o
lll<'lllL' dt\'id.:·sc cm clasi;'es ... Mas, se a divisão cm classes tem, como
rnm.:4uém:ia, alguma legitimidade histórica, não tem tal legitimidade, comum e de evitar as . repetições. 51 Antes de falarmos nos con-
t•nttL'tanto. a não ser por um tempo dado, para condições sociais deter- ceitos-chaves de modo de produção e de formação econômico-social
111111aJa.;: pois. fundada na insuficiência da produção, será •!liminada pela
npam.:io plena das forças pro"utivas modernas ... " Ver: Sur le féodalís-
"'"· Paris. F.dilions Socialcs, 1971. pn. 158, 261-262. Sobre as "revoluções . 49 C. Marx, "Prólogo de la Contribución a la ·crítica de la economiu
de minorias", d a lntroducão de F. Engels à edicão de 1895 de Las política•, em OE III; p. 518 (tomo 1).
/11clia.\ de e/ases en Francia de 1848 a 1850, em OE III, 1, pp. 194-196. 50 Marx, Elementos fundamentales .. . , p. 20.
48 F Engeb, "El urigl'n Ul' la familia, la propriedad privada y •.!l Esta- 51 Ibidem, pp. 5, 8. Marx, El Capital, II, p. 200: "Não i;e ·trata qas
do". em C Marx e F. Engels, 'Obras Escogidas en dus tumos (doravante definições sob as quais possam, ser agrupadas coisas. Trata · --se de deter-
OE li), t li, Moscou, Editorial Prugrcso, 1971, pp. 168-169. minadas funções, expressas em determinadas categorias."
450 451
concentremo-nos, por um momento, em al.gumas dessas determi- alteração de forma." Os meios e objetos de trabalhos constituem,
nações mais gerais. em conjunto, os meios de produção. A configuração da propriedade
Em primeiro lugar, falemos de processo de trabalho, tomado em sobre estes últimos é o elemento estruturador das relações de
seus elementos abstratos. Trata-se da: 112 produção.
As determinações mencionadas até agora são gerais, aplican-
" . . . atividade racional orientada para a produção de valores do-se a qualquer forma ou modo de produção. Também há fatores
de uso, a incorporação das matérias naturais .ªº seArvi"? das que, sem o mesmo grau de generalidade, são comuns a diversos
necessidades humanas, a condição geral do mtercambio de modos de produção: o intercâmbio de mercadorias e a moeda, por
matérias entre a natureza e o homem, a condição eterna da exemplo. O seguinte trecho de Engels resume tudo o que acaba de
vida humana e, portanto, independente das formas. ~ T?oda- ser dito: 63
lidades desta vida e comum a todas as formas sociais igual-
mente."
"A economia política, fundamentalmente, é uma c1encia histó-
O referido processo abrange três fatores simples: 1) o pró- rica; sua matéria é histórica, isto é, perpetuamente submetida
prio trabalho: 2) o objeto de trabalho,· 3) o meio de _tr~~alho . . O à mutação e estuda, por sua vez, as leis particulares de cada
trabalho define-se como "a atividade adequada a um fim . Aquilo fase da evolução da produção e da troca e só ao fim de sua
sobre o que versa tal atividade é o objeto de trabalho. A natureza indagação poderá formular um reduzido número de leis intei-
(terra, águas, madeiras, animais, etc.) constitue o "objeto gera1" ramente gerais, verdadeiras para a produção e a troca como
de trabalho. Mas, também há objetos de trabalho já transform2dos tais. Fica dito, por outra parte, que as leis válidas para for-
por um trabalho anterior: são as matérias-primas. Estas p~dem mas de produção e de troca determinadas valem, também,
"formar a substância principal de um produto'', ou funcionar para todos os períodos históricos que tenham em comum
como matérias auxiliares para sua produção: assim, por exemplo e tais formas de produção e de troca. Por exemplo, a introdu-
respectivamente, o fio de 2lgodão na indústria têxtil e o co1:11bus- ção da moeda metálica põe em jogo uma série de leis igual-
tível consumido pela máquina dedicada à produção. O me10 de mente verdadeiras para todos os países e épocas em que a
trabalho constitui "aquele objeto ou conjunto de objetos que o moeda metálica serve de meio de troca."
trabalhador [o operário] interpõe entre si e o objeto que trabalha
e que lhe serve para dirigir sua atividade sobre tal o~jeto". A na- Passemos, agora, a definir os dois conc.eitos fundamentais do
tureza é o meio geral de trabalho, um arsenal de meios de traba-
materialismo histórico: modo de produção e formação econômico-
lho, em si mesma; porém, desde muito cedo surgem instrum~n~os
social (sendo mais importante o primeiro deles). Tratam-se, ao
de trabalho fabricados pelo homem: em verdade, o traço d1stm-
mesmo tempo, de noções altamente polêmicas no seio dos estudos
tivo do homem, de seu processo de trabalho, é "o uso e a. f.a~ri
marxistas contemporâneos. Isto devido à ausênoia de textos nor-
cação de meios de trabalho". No sentido amplo, todas as condlçoes
materiais que contribuem para que se verifique ó processo de tra- mativos ou metodológicos dos fundadores do marxismo, o que
balho são meios de trabalho: assim, por exemplo, o local em que obriga a extrair os conceitos teóricos do próprio corpo de sua obra.,
ele se efetiva as estradas, os canais, etc. O resultado do processo com o que são alentadas interpretações diferentes; na medida em
de trabalho é o produto, isto é o valor de uso, "matéria disposta que houve mudanças e evoluções no pensamen.to de Marx e Engels,
pela natureza e adaptada às necessidades humanas mediante uma a referida obra permite que se encontrem apoios para concepções
às vezes bem divergentes.
452
453
~:
!I
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e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos,
A hierarquia e articulação dos diferentes modos de produção nunca, mais do que isto. Se alguém tergiversá-lo, dizendo que
no seio de uma formação econômico-social de!.)endem de qual deles o fator econômico é o zínicó determinante, converterá aquela
é o dominante: 62 tese em uma frase vazia, abstrata, absurda."
"Em todas as formas de socieda.de há uma determinada pro-
Em ca,rtas escritas nos últimos ancs de sua vida, Engels reco-
dução que determina a todas as demais seu nível e influência
nheceu que, devido ao contexto de sua elaboração - a luta contra
correspondentes e, portanto, determina o nível e a influência
as concepções idealistas - muitos dos textos anteriores, de Marx
de todas as outras. E uma claridade geral em que mergulham
e seus, tinham destacado de modo demasiadamente exclusivo, unila-
todas as cores e que modifica as particularidades destas. :S
teral, a determinação dos elementos superestruturais 1;:iela b'.l.Se
como um éter particular que determina o peso específico de
econômica. Nestas cartas, escritas entre 1890 e 1894, tratou de
todas as formas de existência que alí se desta<::am".
corrigir o "economicismo" resultante, aferrando-se principalmente
2 três aspectos: 1) a distinção entre forma e conteúdo eh supe-
restrutura; 2) o caráter dialético da relação base-superestrutura,
que implica a noção de autonomia relativa das superestruturas; 3) a
natureza da determinação em última instância pelo econômico.
3. BASE E SUPERESTRUTURA: O PROBLEMA DA Quanto ao prime:ro ponto, o conteúdo dos diversos níveis
DETERMINAÇÂO EM ÚLTIMA INSTÂNCIA superestruturais deriva da base econCimica, mas não sua forma,
pois .esta depende de um longo processo de gênese e evolução
iniciado na própria pré-história; ou seja, a base econômica, ao
mudar, reorganiza, o material superestrutura! preexistente em fun-
Partiremos de um trecho do Prefácio de Marx ( 1859) à sua çiio de suas próprias necessidades: 64
Contribuição à crítica da economia política, e de outro da carta
de Engels a J. Bloch (21/22 de setembro de 1890): 63 "Para mim, a supremacia final elo desenvolvimen_to econômi-
co, inclusive sobre tais campos, é inquestionável, mas dá-se
"O conjunto destas relações de produção forlllil a estrutura dentro das condições impostas pelo campo concreto: na filo-
econômica da sociedade, a base real sobre que se ergue a . sofia, por exemplo, pela ação de influê.ncias econômicas (que,
superestrutura jurídica e política e a que correspondem deter- por sua vez, na maioria dos casos só operain sob seu disfarce
minadas formas de consciência social. O modo de produção político., etc.) sobre o material filosófico existente, proporcio-
da vida material condiciona o processo da vida social, polí- nado pelos predecessores. Aqui, a economia não cria nada
tica e espiritual, em geral. Não é a consciência do homem a novo, porém, determina o modo de modificar-se e desenvol-
que determina seu ser, mas, ao contrário, o ser social é que ver-se o material de idéias preexistentes, e, mesmo isto, quase
determina sua consciência." sempre de um modo indireto, pois são os reflexos políticos,
". . . Segundo a concepção materialista da história, o fator jurídicos, morais os que, em grau maior, exercem influência
que em última instância determina a história é a produção direta sobre a filosofia."
62 Marx, Elementos fimdamentales .. . , pp. 27-28. 64 Engels, Carta a K. Schmidt <Londres, 27 de oútubro de 1890), em
63 Marx, "Prólogo a la Contribución ... ", em OE Ill. I, pp. 517-518; Engels, OE II, II, p. 498. Ver também, no último tomo, a carta a Mchring" (p.
Carta a J. Bioch (Londres, 21-22 de setembro de 1890) em OE 11, II, 500), de 14 de julho de 1893 (Londres). Parn um cxc1Rplo concreto: M.
p. 490. Godc!icr, Ilurizun, trajets. pp. 83-92, 343-355.
456 457
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1 11,.
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Quanto ao caráter dialético das relaç~,es entre base e super- ma de dogmas - exercem, também, sua i:ifluência no curso
estru:ura, Engels foi muito claro: G5 das lutas históricas e determinam., em muitos ca~os predomi-
nantemente, sua forma. É um jogo mútuo de ações e reações
··o des.envolvimento pol'Ítko, jurídico, filosófico, religioso, entre todos estes fatores, no qual através de toda a multidão
literário, artístieo, etc., apoia-se no desenvolvimento econô- inf.ii1ita de casualidades (isto é, de coisas e acontecimentos
mico. Mas todos eles, também, rn?ercutem uns sobre os ou- cujas conexões internas são tão remotas ou difíceis de provar
tros e sobre sua base econômica. Não é que a situação econô- que podemos dá-Ias como inexistentes, desprezá-las) acaba
mica seja a causa, o único ativo, e tudo o mais efeitos pura- sempre impondo-se o movimento econômico, como necessi-
mente passivos. Há um jogo de ações e reações., com base na dade."
nt>cessidade econômi.ca, que se impõe sempre em última ins-
11i11cia." "Outro tanto ocorre com as demais casualidades e apafé'ntes
casualidades da história. E quanto mais distanciado estiver
evidente que o reconhecimento do caráter dialético das rela-
L do económico o camp0 concreto que pesquisamos, e mais
çôe~ ba~e-superestrutura significa que esta goza de uma autonomia se aproximar do ideológico puramente abstrato, mais casuali-
relativi~. ou - em outras palavras - que não possa 1ser deduzida dades perceberemos em seu desenvolvimento, mais ziguezagues
simplesmente eia base econômica, ou reduzir-se a esta: tem sÚa apresentarci sua curva. Porém, se você traçar o eixo médio
própria evolução baseada em leis e'i;Jecíficas e que se realiza a um da curva verá que, quanto ·mais longo for o período em ques-
ritmo próprio. 611 tão e mais amplo o campo estudado., mais paralelamente cor~
Por fim, devemos ver em que consiste a determinação em rerá tal e:.xo ao do desenvolvimento econômico."
útima instância pelo econômico. As idéias claramente expostas por
Engels, a propósito, não apoiam a inten'.)retação proposta pela es- Esta última passagem também nos mostra algo que Jª surgia
cola althusseriana para a questão, e sobre a qual falaremos adiante. no texto correspondente à nota n9 64: a determinação dos distin-
A nin..:cpçüo de Engels a respeito pode ser chamada de macro- tos níveis superestruturais pela base é tanto mais indireta, aleatória
hi1;,írirn, no sentido de que a percepção da determinação em últi- e menos visível, quanto mais nos afastamos da dita base no sentido
ma instúncia dá-se na longa duração: '" das "esferas ideológicas que flutuam ainda mais alto no ar: a reli-
gião, a filosofia, etc._ .. "tis
"A situação econômica é a base. mas os diversos fatores da
~u.;ierestrutura que se ergue sobre ela - as formas políticas A noção de superestrutura, a determinação dos elementos e
da luta de classes e seus resultados, as Constituições que, níveis que a compõem, a definição de suas relações com a base,
depois de ganhar uma batalha., são escritas pela classe vito- são as,)ectos altamente polêmicos do marxismo. Mencionemos ape-
riosa, etc., as formas jurídicas e, inclusive, os reflexos de to- nas alguns dos problemas principais: 1) a existência de elementos
das estas lutas reais no cérebro dos participantes, as teorias plur.ifunciolltais; 2) o fato de saber se a noção de modo de pro-
políticas, jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o desen- dução inclui ou não a superestrutura; 3) a intenpretação que a
volvimento ulterior destas, até converterem-se em um siste- escola althusseriana dá à "determinação em última instância".
Há elementos da estrutura social glol)al que funcionam ao
mesmo tempo como infra e superestruturais. Como exemplo de
ó'i OF II, 11, pp 507-508 (carta citada a Starkenburg). Ver no mesmo tal 1pluri ou multifuncion.al1dade temos as relações de parentesco
l<ll1J11 a carta ;i Schmidt, p. 498.
M CI "Ludwig Ft>uerbach y cl fin de Ia filos~fia clásica alcma-
En!.!t'I'
111··. OE li, II, pp. 393-399.
1·m
67 UI" li, li, p 490 (cana a Bloch); e p. 509 (carta a Starkenburg). 68 OE II, II, p. 497 (carta a Schmidt).
4.'i8 459
nas sociedades chamadas "tribais" e a ciência no contexto do capi- colonizadores na África, etc.). Em suma, é a .nível do conceito
t<ilismo desenvolvido. 69 de formação econômico-social que convém colocar a questão da
!1i:1.i" Conforme a interpretação de Althusser e de sua escola, a articulação concreta entre a base e os diferentes níveis superestru-
li turais. 70 ' ·
I.•!·'·!
noção de modo de produção abrange a estrutura social global, ou
" seja, simultaneamente a base e a superestrutura; falam; então, de Finalmente, partindo da mencionada conc.ej)çào de modo de
uma "estrutura global" do modo de produção, constituída por três 1"rodução como estrutura: global com três níveis, ou "regiões", os
·'estruturas regionais" (a econômica, a juridico-política e a ideoló- althusserianos chegam a uma. interpretação sui generis da deter-
gic;1). Cremos que os textos de Mar:!C e de Engels não abonam tal minação em última instância: a estrutura econômica é delerminante
po~i1,·,·w. O fato de, ao lançar mão de vários textos para apoiá-la, em última instância porque determina qual das três ''estruturas
uis autores terem afirmado a necessidade de certos elementos regionais" - a ·econômica, a jurídico-política ou a ideológica -
'-Wll'l'l'Slruturais, para permitir o foncionamento e a reprodução será dominante em cada modo de produção .. , 71 Eis aí algo bem
dti-; mcius de produção, demonstra apenas que, para Marx e Engels, diferente do conceito de determinação em última instância que está
:1; ~n-·ieJadcs humanas constituem totalidades estruturadas cujos contido, tão claramente, nos textos de Engels que reproduzimos!
11ivl't~ s:io solith1rios e interatuantes. Mas, nos textos dos fundado- O trecho principal que invocam em apoio a tão estranha con-
res do marxismo, a noção de modo de produção é sempre e cepção é uma nota do tomo 1 de O Capital: 72
n,;Ju~i,·amente infra-estrutural - e nada permite afirmar, em nome
do ··~cntido implícito" que teria a noção em O Capital, que também ". . . Este jornal dizia que minha tese, segundo a qual o
deva incluir os diversos níveis da superestrutura. Por certo, cada regime di;; produção vigente em uma época dada e as relações
modo de produção determina o conte1ído dos elementos superes- de produção .próprias deste regime, em uma palavra, 'a estru-
trut ura!s compatíveis com ele e lhes fixa limites; porém, como tura econômica da sooiedade, é .a base real sobre a qual se
vimos, a forma das superestruturas não pode ser deduzida da base ergue a superestrutura jurídica e política, e a que correspondem
e sua evolução obedece a ritmo e leis próprios. Conforme as. for- dett::rminadas formas de consciência social' e que 'o regime
mações cconôn1ico-sociais, a um mesmo modo de produção podem de producão da vida material condiciona todo o processo da
corresponder superestruturas bem distintas. Por exemplo, o modo vida social, política e espiritual' era, indubitavelmente, exata
ele ·produção asiático, no seio da formação econômico-social inca quantü ao mundo moderno, em que predominam os interesses
utilizou. em proveito próprio, mudando seus conteúdos, elementos materiais, mas não podia ser aplicada à Idade Média, em que
superestruturais ligados ao passado comunitário das sociedades andi-
1
reinava o catoHcismo, nem a Atenas e Roma, on<le imperava
nas (o princípio da reciprocidade, da ajuda mútua, com suas es,pe- a política. Em ptiimeiro lugar, é estranhó que ainda haja quem
cíficas formas andinas} mas não é necessário que seja assim em pense que todos estes tó;Jicos vulgaríssimos que correm por
todas as formações econômico-sociais em que o dito modo de aí sobre a Idade Média e o Mundo Antigo sejam ignorados
proJuçào chegue a ser dominante. O modo de produção capitalista por alguém. É indiscutível que nem a Idade Média pôde viver
ex;ge. sem dúvida, que a propriedade privada seja um princípio dó catolicismo, nem o mundo antigo da política. Longe disto,
juridicamente estabelecido, mas isto pode ser conseguido - aqui
recorrendo ao velho direito romano, ali ·~reinterpretando" insti-
70 Por ~xemplo: M. Harneckcr, filem, pp. 136-142; Nicos Po,itantzas,.
t uiçôes locais (como o fizeram os britânicos na lndia, todos os Poder políticu y clascs sociales e11 el Estado caiJitalista, trad. dé F. M.
Torner, México, Siglo XXI, 1971 (3." ed.).
71 L. Althusser, "L'immense révolution 111..:,,1 ;,1u, de Marx"; E_ Balibar,
(ili Cf Guddia, Hori::.011, trajeis ... , p. 89, 93-131; L. Althusser, "E/ objeto "Sur les concepts .. .'', em L~re le Capital, II, pp. 5S e segs. 100-111: Cf.
de Fl Capital", em Para leer "El Capital", México, Sigto XXI, p. 145, cit. também a crítica a· Engels em: L. Althusser, /,a revolución teórica de·
por Marta Harn~cker, Los conceptos e/eme11tales dei materialismo lzistó- Marx, trad. de M. Harnecker, México, Siglo XXI, 1961, pp. 96-106.
rico. México, Siglo XXI, 1971, (6a. ed.), p, 89. 72 Marx, El Ctivital, I, p. 46, nota 36.
460 461
o que explica porque em uma en~ fundamental a política, e
na outra o catolicismo é, justamente, o modo como uma e as rela~õe~ ~e. pto~uçâo existentes ou, o que não passa da
outra ganhavam a vida. Ademais., não é preciso ser muito expressao Jundtca disto, com as relações de propriedade den-
versado em história da república romana para saber que sua tro das quais se desenvolveram até então. De formas de de-
história secreta a forma, a história da ,propriedade territo- senvolvimento das forças produtivas; estas relações conver-
rial. Já Dom Quixote pagou caro o erro de crer que a cava- tem-se em suas travas. E abre-se, assim, uma época de revo-
laria andante era uma instituição compatível com todas as lução social. Ao mudar a base econômica re"Ç<ôlucio-
formas econômicas da sociedade." nai-se, mri.s . ou menos rapidamente, toda a ime~sà superes-
trutura erigida sobre ela ( ... ) Nenhuma fontlação social
desaparece antes de se desenvolverem todas as forças produ-
Pni~ bem, acreditamos que este trecho não ampara, abs0Ju-
tivas que cabem nela, e jamais aparecem rtovas e mais altas
1~111H:111e,a tese dos althusserianos. É evidente que, no contexto da
relações de produção antes das condições materiais de su::i
rn Li. a exp:e:..súo "em uma era fundamental a política, e na o.utra
existência terem amadurecido no seio da própria sociedade
o catolicismo" refere-se - e não poderia deixar de ser assim -
antiga.
à con1cién:·i.. social dos homens da Antigüidade e da Idade Média.
Por isto, a humanidade se propõe, sempre, unicamente os
Em se.u conjunt?, o texto é apenas uma reafirmação de pontos
objetivos que pode alcançar pois, bem consideradas as coisas,
centrais do marxismo: l) o de que a ciência não se pode contentar
vemos sempre que estes objetivos só brotam quando já se
com . as_ .aparências, devendo procur'-!r as estruturas· subjacentes,
verificam; ou ao menos já se estão gerando. as condições ma-
a ''h1~tona ~ecreta"; 2) e o de que .a realidade social, em dada
teriais para sua realização." '1'4
época, não coincide com a consciência que esta tem de si mesma
( refle~.º '.'invertido'.' ou deformado da mesmà realidade); pois esta ". . . as contradições de classe e a luta de classes. . . cons-
consc1enc1a tem de ser explicada "pelas contradições da vida ma- tituem o conteúdo de toda a história esctita até nossos dias."•~
terial, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e
as relaçôe; de produção." 13
"Os homens fazem sua história, quaisquer que sejam m
rumos· desta, ao perseguir cada qual seus fins próprios pro-
postos conscientemente; e a resultante destas numerosas von-
tades., projetadas em diferentes direções, e de sua múltipla in-
fluência sobre o mundo exterior, é. precisamente a histó-
ria ( ... ) . . . por um lado, já vimos que as muitas vonta::Ies
4. A EXPLICAÇÃO DA DINÂMICA DA HISTÓRIA individuais que atuam na história produzem, quase sempre,
resultados muito distintos dos propostos - às vezes, mesmo,
contrários - e, portanto., seus móveis também têm uma im-
portância puramente secundária quanto ao resultado total ( ... )
''Ao chegar a uma certa fase de deserivolvirnento, as forças
produtivas materiais da sociedade entram em contradição cor.1
74 Marx, Ibidem, .!>. · 518.
75 Engels, "EJ orígen de Ia familia " (Prefácíet à primeira edição, 1884)
7l Marx "Prólogo de la. Cun1ribuciún ... " cm OE ll l, I, p. 518. Cf. ainda em OE II, II, p. 169; também: Marx e Engels, "Manifesto do Partido
liH 11, li. pp. 393-394: "Ludwig Feuerbach ... ") um texto de Engels sobre Comunista", cm Bi-Ografía dei manifesto comunista, .México, Cía. General
u lcstado na epoca moderna e cm "todas as épocas anteriores" dificil- de Ediciones, 1969 (S.• ed.). p 72: "Toda a história da sociedade buma·
mente conciliáv:.1 com a concepção althusseriana da "dctermin;ção cm nn, até o presente, é uma história de lutas de classes". (Em 1890 Engels
ull 1rna · nstanua . acrescentou uma nota, particularizando: "Quer dizer, falando em termos
precisos, toda a história escrita. J
-+62 463
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I,
"Portanto, querendo-se pesquisar as forças matrizes que Apesar do que podemos chamar, sempre segundo• Lange, "o caráter
consciente ou inconscientemente, ·e com muita freqüência conservador das relações sociais", o dinamismo das forças produ-
inconscientemente - estão por trás destes móveis pelos quais tivas termina obrigando sua mudança no sentido do restabelecimento
atuam os homens na história, e que coastituem ·as verdadeiras da harmonia nas relações entre os dois élementos do modo de
molas mestras da história, não nos deveríamos fixar tanto nos produção: esta "lei da correspondência necessária entre as rela-
móveis de homens isolados, por muito importantes que fossem, ções de produção é o caráter das forças produtivas" é, por isto,
quanto naqueles que mobilizam grandes massas, povos em bloco em última análise, o elemento central das transformações sociais,
e, dentro de cada povo, classes inteiras; e não momentanea- da sucessiva estruturação e desestruturação dos modos de pro-
mente, em explosões passrgeiras como fugazes fogos de palha,
dução. 70
mas em ações continu~das que se traduzem em grandes trans-
lurmai.;ôes históricas." 76 • Já tratamos da questão das classes e da luta de classes nos
capítulos IH e VII. O que nos interessa lembrar, aqui, é que no
Os textos aí reproduzidos permitem-nos colocar um certo nú- marxismo o conceito de classe social estabelece uma espécie de
mero de questões nucleares: 1) ·a causalidade última do movimento "ponte" entre o campo da análise "econômica" e o da análise "so-
histórico, representada pela relação dialétic:i entre as forças produ- ciológica", assim como hoje costuma ser entendida es.ta divisão de
tivas e as relações de produção; 2) a concepção famosa da luta atividades.
de e! asses como "motor" da história (no contexto das sociedades Schumipeter foi um dos poucos a ver claramente o significado
de classes); 3) o pàpel do indivíduo na dinâmica histórica. desta integração teórica. so Não se dá uma "redução" ou "subsun-
A ci~ncia seria supérflua se a aparência e a essência das coisas ção" do nível social ao econômico, mas uma interdependência (im-
coincidissem: seu papel consiste, justamente, em "reduzir os movi- plícita ou explícita) já presente nas hipóteses mais gerais da teoria.
mentos visí,·e:s e meramente aparentes aos movimentos reais e in- Isto tem a ver, diretamenté, com a concepção da economia como
teriores." 77 À primeira vista, a história pode parecer resultar das
ciência social, presente na economia ·política clássica e q11e Marx
ai.Jlt'S ou decisões de indivíduos os "grandes homens" - ou
ser o efeito de elementos extra ou supra-históricos; o marxismo leva às últimas conseqüências. No seio do pensamento não marxista,
afirma que, embora a sociedade em que vivem seja "produto da tal integração 9u interdependência entre os níveis de análise foi
a<;<lo recíproca dos home:is", estes não são livres para escolher romipida com o estabelecimento de sucessivos cortes acadêmicos
a forma social que lhes agrade, pois "não são árbitros livres de estritos, entre economia, sociologia, antropologia, demografia, etc.
suas forçai· proillltims - base de toda a sua história - uma vez Especialmente importantes, neste sentido, resultaram o advento da
que toda força produtiva é uma força adquirida, produto de uma economia marginalista e o da sociologia voltada para a inter-
atividade anterior." 78 A relação entré as forças produtivas e as pretação da "ação social":. no~ dois casos, em última análise, a
relaçôes de produção corres.pondentes é de tipo dialético: embora,
em última instância, sejam determinadas -pelo que Lange denomi-
79 O. Lange, op. cit., pp. 23-48.
nou de "lei do desenvolvimento progressivo das forças produti-
80 Joseph A. Schumpeter, Capitalisme, socialisme et démocratie, Paris,
vas", também as relações de produção - cuja configuração de- Payot, 1969, p. 40: "Marx define o capitalismo sociologicamente, isto é,
pende da forma que apresente a propriedade sobre os meios de a partir da instituição de um controle privado sobre os meios de produ-
produção - influem poderosamente sobre as forças produtivas. ção, mas o mecanismo da sociedade capitalista <>ai da sua teoria econô-
mica." Há um texto de Engels que apresenta a estrutura social, expressa-
mente, como parte integrante da base: trata-se de seu Prefácio da
edição alemã de 1883 do Manifesto (OE Ili, I, p. 102): " ... a produção
76 Engels, "Ludwig Feuerbach ... ", em OE II, II, :PP. 390-391. econômica e a estrutura social que dela deriva, necessariamente, em
77 Cf Man, E/ Capital, III, pp.' 304, 757. cada época histórica constituem a base sobre a qual i:gpousa a histórit
78 Marx, carta a Annenkov, em OE Ill, I, pp. 532-533. política e intelectual desta época; ... "
464 465
, A história mostra-se como "um processo natilral'', compará-
tônica é posta na conduta individual, na sociedade como "agre- vel a "marcha da natureza e à sua história" ( cf. a passagem corres-
gado de indivíduos". 81 . pondente à nota n9 38), justamente porque os homens não a fa-
O materialismo histórico não nega o papel do indivíduo na ~em "com uma vo~t~de coletiva e conforme um plano coletivo".
marcha da história. Mas, assim como o papel "motor" da luta Os choques entre mumeras vontades e atos individuais criam no
de classes só tem sentido quando examinado em função do desen- campo da história, um estado de coisas análogo ao que imper~ na
volvimento das forças produitivas, da divisão social do trabalho natureza inconsciente." 84
resultante, da configuração da propriedade sobre os meios de pro- Os chamados "grandes homens" da história agem, portanto,
dução essenciais, das relações de produção em todos os seus aspectos, em um contexto demarcado, ao mesmo tempo, pelas determinações
a ação individual só pode ser entendida no contato de determi• profundas da base econômica, pela luta de classes e pela "casuali-
nações mais amplas: a famfüa, a tribo ou a comunidade nas so- dade"_ ou_ o "acaso" (isto é, como vimos, aqueles elementos "cuja
ciedades primitivas, as classes sociais e a lll'ta de classes nas socie.,. ~on~xao mter~a é tão difícil de provar que podemos tê-la como
dades classistas. 82 O indivíduo é a criatura das relações de classe, mex1stente, nao a levar em consideração"): 85
embora não tenha, necessariamente, consciência disto. Suas condi-
ções de vida, sua ideologia, são profwidamente influenciadas e, até "E é aqui onde devemos fafar dos denominados grandes ho-
certo ponto, determinadas pelos interesses e relações de classe. Por mens. O fato de surgir um destes, precisamente este e em um
outro lado, se os indivíduos isolados formam uma classe na medi- mome?to e em um país determinados é, naturalmente, pura
da em que têm de defender seus interesses comuns contra ~utra casuahdade. Mas, se o suprimimos, patentear-se-á a necessi-
classe, isto não quer dizer que a outro nível não posseni existir dade de substitui-lo e aparecerá um substituto: mais ou menos
conflitos entre os integrantes de uma mesma classe: urudos ·na luta bom, mas de qualquer modo aparecerá."
de classes "de outro modo eles mesmos enfrentam•se UJllS aos outros,
hosti.Imeote, no plano da competição". O· que, justament(\ masca- Marx e Engels consideravam o estudo da dinâmica da história
rando a real~de da situação de classe, é um dos fatores que lhes algo muito mais difícil no quadro dos modos de produção pré-
permite considerarem-se, subjetivamente, muito . acima das relações capitalistas do que no capitalismo:
sociais. Ps . - porque a pesquisa das "causas propulsoras da história" é
no pré-capitalismo, "pouco menos que impossível. - dada a com~
ple~idade e obscuddade das conexões daquelas causas com seus
81 Cf. Max Weber, Economia y Sociedad, I, pp. 5-46; Joseph Schumpe-
ter, History of Economic Analysis, Londres, Allen & Unwvin. 1967;· PP efeitos; ..• " No capitalismo as referidas con.exões estão muito sim-
534-535; T. Parsons, "An Outline of the Social System", em Theories of plüicadas: como já dissemos, o capitalismo torna mais simples a
Society, 1, The Free Press of Glencoe, 1961. estrutura e a luta de classes; 86 ·
82 C. MarxJ "Prólogo dei autor a la segunda edición de 1869" (do Diecio- - porque, antes do advento de uma "hiSJtória mundial" no
cho Brumario de Luis Bonaparte), em OE III, I, p. 405: "Eu ... derrums·
tro como a luta de classes criou na França as circunstâncias e as condi·
exato sentido da expressão, o qué temos é uma infinidade de d~sen
ções que permitiram a um personagem medíocre e grotesco representar _volvimentos . locais, caracterizadoS: por uma progressão ext~ema
o papel de herói." mente lenta: 1 ) devi.do à insuficiente circulação cultural, não era
83 Marx e Engels, Ideología alemana, em OE· III, I, pp. 62-68; Marx. incomum que todo um pàtrimônio local de forças produtivas se
Miseria de la filosofía, p. 106: "Por outro lado, se ·todos os membros perdesse, destruído pela guerra ou outro c~taclisma, atrasando-se
da burguesia moderna têm um mesmo interesse porque formam uma
classe só ante a outra classe, têm interesses opostos e antagônicos por-
que as contrapõem uns aos outros." Marx, El Capital I, p. XV: "Quem 84 Engels, "Ludwig Feuerbach ... ", em OE II, II, p .. 389.
como eu concebe o desenvolvimento da formação econômica da sociedade
85 OEJI, p. 490., 508 (cartas a Bloch e Starkenburg).
como um processo l1istórico-natural não pode fazer o indivíduo resnon·
sável pela existência de relações de que ele é socialmente criatura, 8~ Engel~, '_'Ludwig Feuerbach ... ". em OE II, II, p. 391; cf. supra e tam-
embora subjetivamente se considere muito acima delas." · bém o capítulo VII. -
466 467
T
470 471
a obrn de B!och e Febvre foi continuada por seus discípulos em estudo mais . pro~und? das crises de subsistência, que o advento
um variado painel de direções. Como Barraclough observa: 9 !! da demograf~a h1stónca confirmou plenamente, assim completando
0 ~ue podenamos chamar de um modelo de economia de ancien
"O ponto essencial sobre a nova história, a característica que régzme, comumente oposto ao da economia industrial capitalista.
a fez tão amplamente aceitável, foi o não ter procurado im- Desde a década de 1?.20, obras como as de Gaston Roupnel,
plantar um novo dogma ou filosofia, mas ter suscitado uma sobre a zona rural de D11on, ou a admirável. síntese de Marc
nova atitude e novos métodos; não amarrou o historiador a Bloch, na dedicaram muita atenção à evolução a longo prazo das
um rígido leito teórico, mas abriu novos horizontes." e~truturas rurais, condições técnicas, sistemas agrários, e das rela-
çoes entre o homem e o meio natural. Na década de 40, a obra
Bloch e Febvre acreditavam muito mais na prática do que de Fe~an.d Braudel ·º 7 voltou-se para um horizonte ainda mais
no discurso teórico como elemento renovador da história. Assim, amplo, integrando os aspectos demográficos e a permanente inte-
por exemplo, -não se deve buscar nestes autores uma teoria ela- ração entre o grupo social e o meio natural ao maior legado de
borada sobre a sociedade. ºª Por isto, até certo ponto é incorreto Labrousse: o e.studo das conseqüências sociais da conjuntura ~o
falar cm "escola dos Analles", no sentido de uma escola que nom1ca · O .meio •natural, a geografia, um aborrecimento constante
ofereça respostas a uma série de questões substantivas. A atitude dos estudos históricos, converteu-se - desde · então - em . um
de Bloch e Febvre foi essencialmente metodológica, voltada para ponto de reflexão, quando novos estudos mostraram suas varia-
a prática da história. ções n~ longo prazo. A mútua inter-relação entre as estruturas
geográficas, econômicas, sociais e políticas, colocadas em suas di-
It_lensões temporais, passou a ser o centro da atenção dos histo-
nadores.
2. ORIENTAÇôES BÁSICAS
Muito marcado foi, também, o interesse pelos estudos regio-
nais. A limitação do quadro de análise à região justifica-se por
vários motivos:
Na nova história houve três campos de interesse delimitados:
1) os estudos de estrutura; 2) os estudos de conjuntura; 3) os
estudos regionais. tr~ta-se, de uma unidade de análise apropriada enquanto.
As grnndes obras de Ernest Labrousse 114 trouxeram à lu;i:, nos ate o seculo XVIII, a vida cotidiana dos homens foi muito
anos da década de 1930, a estrutura e conjuntura da economia de mai_s assinalada p.elo peso da região do que pelo da
ancien régime, integrando à análise das crises os aspectos demo- naçao, ou de marcos ai·nda mais amplos;
gráficos e sociais. Jean Meuvret, em 1946, 95 analisou explicita- o estudo regional possibilita um trabalho artesanal de his-
mente o papel dos fatores demográficos, abrindo cami·nho para um toriador, que se vale de, praticamente, toda a documen-
tação disponível;
92 Barraclough, op. cít., p. 65.
93 Marccllo Carmagnani considera insuficiente a construção teórica no
quadro da "escola dos Annales": cf. La historia económica en Améric.:z f~). Paris, Armand Colin, 1971, pp. 271-278 (publi~ado originalmente: cm
Latina, I. México, Sep /Setentas, 1972, pp. 254-255.
94 Ernest Labrousse, Esquisse du motivi;ment des prix et des revenus 96 M. Bloch, Les caracteres originaux de l'histoir·e rnrale françaiP Paris
1956 (2.• ed.). -~. .'
en France au XVIIIe Siecle, Paris, 1933; La crise de l'économie française
à la fin de l'Ancien Régime et au début de la Révolution, Paris, 1944 ~7 Fe~and Braudel, 1E/ mediterrtieo ·''. ~l mundo meditr:rrti1:?0 e 11 /a época
95 Jean Meuvret, "Les crises de subsistence et la démographie de la 1 ;59~elipe li, trad. e.e W. Roces, Mcx1co, Fondo de Cultura Económica,
France d'Ancicn Régimc", em Jean Mcuvret, Etud?s d'histoire éconami-
472 473
o; estudo regional permite seguir a evolução de um grupo teórico do "capitalismo comercial'', idéia bem conhecida na F ran-
social a longo prazo, analisando distintos níveis estruturais: ça através das obras de Henri Pirenne ede Henri Sée. 10 1
geográfico, demográfico, econômico, social e, mais recer:- A mais recente novidade foram, sem dúvida, os estudos regio-
temente, também o ideológico e o mental. Em muitos nais que analisam a conjuntura de um período comparando, siste-
casos, o estudo de uma família de negociantes, ou de um maticamente, a evolução a longo prazo de diferentes variáveis:
estrato ou classe social, é concebido como complemento população, produção, preços e salários, a partir daí construindo
do estudo regional. os um modelo dinâmico. f: o caso das grandes teses de Baehrel, Vilar
e Le Roy Landurie. 102
Não podemos deixar de mencionar, também, os campos de
interesse dos últimos anos: as mentalidades coletivas. o estudo das
estruturas sociais com métodos qua.:ititativos ( cf. Capítulo VII).
finalmente a história climática, nos limites da preocu;:iação do his-
3. A HISTÓRIA SERIAL E SUAS VÁRIAS D!MENS()ES toriador. 1os
Bloch e Febvre foram precursores em quase todos os aspectos
e campos de pesquisa que vimos de mencionar.
A partir da II Guerra Mundial, a escolà francesa moveu-se,
sem abandonar as três direções básicas mencio:rndas, cm campos
de interesse cada vez mais amplos.
A primeira abertura constitui na continuação da obra de La-
brousse sobre o ancien régime francês. A tese de Pierre Goubert, 4. A CONSTRUÇÂO DE MODELOS
publicada em 1956, 00 confirmou amplamente os aspectos demo-
gráficos das crises de subsistência e revelou a riqueza dos arquivos
paroquiais. Pela mesma época, os estudos de demografia histórica
de Louis Henri e seus discípulos acrescentam novos instrumentos Sob a manifesta influência da economia, alguns historiadores
metodológicos à bagagem já considerável do historiador. preocuparam-se com a construção de modelos históricos. f: im-
Os estuc;los de história serial avolumaram-se consideravelmente portante mencionar aqui, por suas íntimas vinculações com a "es-
e Jogo superaram a mera história dos preços. Passou-se a estudar. cola dos Annales", a obra de Witold Kula, recentemente traduzida
também, o movimento dos portos, as rotas e, em geral, o tráfico para o francês e que em breve o será para o espanhol, na qual
comercial. Devem ser destacadas as obras de Pierre Chaunu, de
Frédéric Mauro; de Pierre Jeannin, entre outros. 100 Cumpre notar PEN, 1960. P. Jeannin, "Les comptes du Sund commc sourcc pour la
que esta história de portos, rotas e tráficos, que em certos casos construction d'indices généraux de l'activité économiquc cn Europe", na
inclui também a história de empresas, emprega, em geral, o marco Revue Historique, 1964; Frédéric Mauro, Le Por/ligai et l'Atlmztique 'ª'
XVIIe siecle (1570-1670), Paris, SEVPEN, 1960.
101 Frédéric Mauro, "Teoria econômica e história econômica" cm Nova
98 Cf. Pierre Goubert, "Local History", em Daedalus. inverno ele 1971.
história e novo mundo, São Paulo, Ed. Perspectiva, 1969.
vol. 100, n.• 1, pp. 113-127, 102 R. Baehrel, Une croissance: la Basse.J>rove~1ce (fin XV!c. siecle -
1789), Paris, SEVPEN, 1961: P. Vilar, La Catalog11e dans L'Esµagne mo-
99 Pierre ·Goubert, Beauvais et le Bea11vaisis au XV II e siecle, Paris.
SEVPEN, 1960. derne, 3 vol , Paris; SEVPEN, 1962; E. Le Roy Laduric, Les paysa11s de
100 Pierre e Huguette Chaunu, Sévílle et l'Atlantique de 1504 a 1650, Paris Languedoc, Paris, SEVPEN, 1966.
103 E. Le Roy Ladurie, L'histoire dit climat depouis l'a11 mil, Paris,
SEVPEN, 1955-1959 (11 volumes); Pierre Chaunu. Les Philippines et le Paci-
Flarnarion, 1966; do mesmo autor: Le territoire de l'histoire11, P::irís, Galli-
fique des fies ibériques (XVe - XV!Ie - XVIJ!e sieclcs), P::iris, SE\'.
mard, 1973, quarta parte.
474 475
!!
"
'i
tenta construir um modelo econômico global. para explicar o nm- Em primeiro lugar, a história política ficou, ante a história
cionamento da economia polonesa nos séculos XV~ a XVIII. 1 ~ 4 econômica e social, relegada a um plano por demais secundário.
Kula considera a construção de modelos de sistemas econo- Hoje, parece indispensável empreender uma renovação da concep-
m icos corno devendo realizar-se segundo os critérios seguintes: ção e do modo de fazer a história política; ·não há dúvida que
a focalização continuará sendo essencialmente estrutural e coloca-
as leis que regem o volume do excedente econômico e rá, então, a história política em termos de uma história das es-
sua apropriação; truturas de poder. ion
as leis que regem a distribuição das forças e meios de Por outro lado, a ênfase nos estudos de estrutura acostumou
produção e, antes de mais nada, a distribuição do exce- os historiadores a moverem-se num certo marco de referência que
dente econômico; tomava difícil refletir sobre a transição de uma estrutura a outra.
as leis que regem a adaptação da economia aos câmbios
Como observou Le Roy Ladurie., isto conduz a recorrer-se, de um
das condições sociais - a dinâmica de curto prazo, se
modo i·nesperado, ao acontecimento como fator explicativo que
preferirmos;
elucide o problema da mudança de estrutura. 10 ü Evidentemente.
as leis da dinâmica de longo prazo e, especialmente, as
isto ocorre .devido à falta de uma teoria adequada. Entretanto,
fontes internas da desagregação de um sistema dado e da. não sej_arnos injustos com Bloah e Febvre: em seus trabalhos subs-
evolução que o fará transformar-se em outro sistema; tantivos eles resol.veram. satisfatoriamente a questão. mas não dei-
o lugar ocupado pelos fenômenos do mercado (interno e xaram qualquer receita de como fazê-lo. Isto teria ido contra seus
internacional) no funcionamento do sistema, e seu papel mais caros princípios.
no conjunto da vida econômica, cuja aná!.ise deverá se
Finalmente, é preciso notar que, para Bloch e Febvre, o ofí-
integrar à dos elementos anteriormente citados.
cio de historiador implicava uma responsabilidade social, muito
Sem chegarem a tornar e)(plícito seu modelo, como Kula o típica de quem viveu as crises profundas das duas guerras mun-
fez, as recentes teses de história regional francesa mostram-nos, diais, mas que nem sempre os discípulos assimilaram. Para Bloch
muitas vezes, o que poderiam ser chamados de modelos implícitos, e Febvte, a história devia colocar problemas., respondendo às in-
que nos dão o funcionamento das sociedades estudadas em todos quietações do presente. Em 1946, no manifesto dos novos Annales,
os seus níveis., ou pelo menos em grande parte deles: tal é o Lucien Febvre mostrava que uma história problemática é uma for-
caso das obras mencionadas de Goubert, Vil·ar e Le Roy Ladurie. ma de consciência que "per'initirá a seus contemporâneos ros do
historiador] melhor compreenderem os dramas de que vão ser, de
que já são, todos juntos, atores e espectadores". 107
A história mostra-se, pais, como a iluminação do presente.
e "deixa de parecer uma metrópole adormecida por onde só an-
dam sombras de51Pojaidas de substância." 108
5. CONCLUSÃO
476 477
de evolução dos distintos níveis das estruturas histórico-sociais
E. Conclusão globais; e na crença de que as leis econômicas somente são váli-
das no contexto da época ou sistema para que foram formula-
das. 112
Talvez, a coincidência mais significativa seja a idéia de uma
Apesar de importantes diferenças, podemos apontar certos necessária hist6ria total que explique as articulações entre níveis,
pontos comuns de grande transcendência entre as distintas corren- que fazem da sociedade humana uma totalidade estruturada, em-
tes que estimulam os estudos históricos presentes e, de um modo bora respeitando as mencionadas especificidades de cada nível. 113 \
mais geral, as ciências humanas. Por fim, convém mencionar a confluência das duas correntes
Em primeiro lugar, mencionemos com palavras de Labrousse, no tocante a certas opiniões ou atitudes centrais. Assim, quanto
"uma noção interdisciplinária de estruturas", que "é para nós, e ao compromisso do historiador com seu tempo, em contradição
desde o começo, urna vantagem considerável, uma possibilidade com a visão do pesquisador que procura o passado pelo passado
magnífica. de diálogo, de cornunicação."' 109 Tal estrutura apoia-se em si. Tanto Marx quanto Febvre e Bloch acreditavam que não
na idéia - comum ao marxismo e a todos os ·'estruturalismos'1 se pode compreender o passado fechando-se a seu próprio tempo.
- de que o essencial não é aparente e só a análise científica Tanto o marxismo quanto a "escola dos Annales" são partidários
pode revelar as relações significativas subjacentes, que nem são da íntima colaboração da história com as ciências humanas (em-
conscientes para os homens de uma sociedade dada. no bora, certamente, o materialismo histórico seja muito mais radical
Por outro lado, se confrontarmos as duas vertentes da histo- quanto à unidade destas). 114
riografia contemoprânea que escolhemos para tratar neste capítulo
- o marxismo 111 e a "escola francesa" - encontraremos, tam-
bém, diversos pontos de contato, todos de grande importância;
alguns são comuns à total.idade dos membros da última, enquanto
em outros a concordância é menos ampla. No entanto, é um
consen$0 .que caracteriza seus maiores e:xipoentes: Labrousse, Man-
drou, Duby, etc.
A importância fundamental e, para· alguns deles, até deter-
minante, do econômico, é algo amplamente aceito pelos historiado~
res franceses contemporâneos. Estes coincidem, também, com o
marxismo na afirmação da especificidade e da diferença rítmica
483
rr--
1
,,
1
1
d) a documentação: presença e disponibilidade das fontes tóricos apresenta peculiaridades técnico-metodológicas - e das h;-
11
;,1 necessárias para trabalhar o tema escolhido; póteses de trabalho levantadas. Também., depende do estado da
e) recursos disponíveis: a equipe humana e sua formação, documentação acessível (por exemplo, da possibilidade ou não de
·.1:
"
:]·:·1·.ll
[ 11: o tempo, os recursos materiais, etc. Este é um' cri.tério c~nstruir séries_ numéricas suficientemente completas, homogêneas e
h
!
1
de seleção e, simultaneamente, de limitação do projeto dignas de_ confiança, com os dados apresentados pela referida do-
de pesquisa. cument~çao) e das . disponibilidades . humanas (número e tipo de
formaçao dos pesqu_1sadores), de recursos, de tempo, de equipa-
"'.ento, etc. Um perigo, ou tentação, a evitar é a escolha de téc-
mc~s. "e~ ·moda~· (o uso da computação, por exemplo) por pura
sof1st1caçao, e nao por se adaptarem realmente ao tema escolhido .
t-
a qualidade das perguntas que formula. Normalmente, em uma pesquisa histórica há dois tipos de
A hipótese de trabalho é uma p~oposição que dá uma res- fontes que proporcionam os dados necessários:
posta condicional a um problema, na etapa da montagem da pesquisa.
Beveridge .•afirma que a hipótese constitui a mais importante das a) fo~te~
. documentos manuséritos de arquivo~;
técnicas mentais na pesquisa - destinada a sugerir novas obser- pnmanas - fon~es impress~s (redigidas no próprio
vações e/ou experiências. Na verdade, orienta todo o processo de penado pesqmsado, embora publicadas
pesquisa. Seu emprego submete-se a· certas, precauções fundamen- muito depois, às vezes}.
tais:
b) Fontes secundárias - documentação bibliográfica: livros
a) hnão aferrar~se a idéias comprovadamente inúteis"; ou artigos sobre o tema estudado,
b) "a disciplina intelectuar de subordinar as idéias aos fatos"; ou sobre assuntos de algum modo
c) '"examin.ar criticamente as idéias"; relacionados· com ele.
d) "eliminar os conceitos errôneos".
Tanto no caso de documentos m?nuscritos como no de diversos
A escol•ha da metodologia e das técnicas a empregar na pes- tipos de documentos publicados, convém elaborar dois tipos de
4ui~a depende muito do tema escolhido - cada ramo de estudos bis- fichas: .
484 485
hipóteses de trabalho, deve ser encerrada a fase de· documentação
a) Fichas bibliográficas ou docu~entais de identificação, em para haver concentração no processamento dos dados e na redação
folhas de cartolina: no caso dos documentos impressos, contêm os (embora,· é claro, tais fases - logicamente posteriores à primeira
diversos dado$ básicos do livro ou artigo (nome do autor, título - já possam ter sido iniciadas paralelamente ao trabalho de do-
sublinhado, I.ugar em que foi editado, editora, ano da publicação; cumentação).
no caso dos artigos: nome do autor, título do artigo entre aspas,,
título da revista ou jornal sublinhado, ano, tomo, número, data e
páginas); no caso dos manus~ritos, os dados que p~nnitam identi·
ficar e encontrar o documento no arquivo (nome do arquivo, série,
número de classificação, fólio ou fólios, etc.). Este tipo de fichas
permite elaborar facilmente as listas de fontes e a bibliografi_a gerat 4. O PROCESSAMENTO DOS DADOS E A REDAÇÂO
do trabalho.
488 489
Variável - Característica ou propriedade de cada componente do mente, nunca .se apli~ às séries cronológicas. O agrupamento exige a
universo que pode assumir qualquer valor dentro de um conjunto prévia categorização do atributo ou variável que se estiver .medindo.
.determinado de tais valores (o domínio da variável). Por exemplo:
tratando-se dos operários de uma fábrica, a idade, o peso, a altura, Exemplo 3: Atributo Exemplo 4: Variável discreta
o salário, etc.
Variável contínua --,- Variável que teoricamente pode assumir N'!! de N!!de
qualquer valor, entre dois valores dados. Por exemplo,. a idade de uma Sexo operários N!! de filhos famílias
pessoa pode ser expressa em anos, meses, dias, horas~ etc., subdivi- (atributo) (Freqüências) (variável) (Freqüências)
dindo-se o tempo quanto seja necessário. . o 15
Homens 50
·. Variável descontínua ou discreta - Variável que, ent~e dois valores Mulheres 60
1 25
dados, nãopode assumir valores intermediários. Por exemplo: número 2 30
de· filhos de uma mesma família (entre dois e três filhos não é possível 3 15
Total 110
o valor "dois filhos e meio"), número de acidentes ocorridos durante Total 85
um dado mês, etc. · ·
Atributo - Propriedade ou característica qualitativa de cada
componente do universo. Por exemplo, no caso dos Qperários de uma Exemplo 5: Variável contínua (dados do exemplo 1)
fábrica, o sexo, a nacionalidade, o estado civil, etc.
Dados nlio agrupados - Apresentação de cada uma das medições Escala de extensã<,> N!! de explorações
obtidas, sem qualquer ordenamento; ou, se for o caso, na ordem <Hectares) (freqüências)
cronológica. 5 -'9 4
10 ~ 14 6
15 ....:.... 19 9
Exemplo 1: Extensão em hectares de 25 explorações agrícolas: 20- 24 5
25 - 29 _J_
20 19 16 24 10 15 13 5 17 29 1f 8 23 Total 25
12 18 13 14 19 9· 17- 9 22 21 13 16
Uma vez decid.ida a categorização, os éasos encontrados são con-
Exemplo 2: Batízados anuais: tados em cada categoria, isto _é, computam-se as freqüências. Os dados
se mostrarão, então, o.rdertados r:iuina tabela ou distribuição de fre-
qüências. Se a variável é continua, a categorização se faz construindo
1810 .......... 25
1811 ......... : 30 intervalos de classe. Para tanto, são observados os valores máximo e
1812 ....... : .. 40 mínimo que atinge a 'variável, e são escolhidos o número e a extensão
1813 .......... 35 desejàdos para cada intervalo (superior e inferior) devem ser fixados
·com clareza. Em casos como o do exemplo 5, .sói acontecer que se
COllSidere que, por exemplo, o segundo intervalo (de 10 a 14) inclua na
. Dados agrupados - Apresentação das ·medições obtidas, orga- realidade de 9,5 hectares até 14,5 hectares. Isto é assim, claro, só nos
nizando-as numa tabela de freqüências. Tal procedimento permite des- casos em.que, nos intervalos, não estejam indicadas frações decimais,
crever ·e analisar comodamente gqmdes conjuntos de d'ados; ·obvia- o que pode ser feito e. é sem dúvida mais claro. Ao tr.abalhar-se com
490 491
Exemplo 5
idades de pessoas, um intervalo, por exempló, de 20 a 25 anos incluirá
somente as pessoas que têm tais idades completas, ou seja, abarcará
casos desde 20 até 25,99. Escala de po11.tos
Medidas de tendência central - também chamada parâmetros ou extensão freqüências médios de
características de posição, são medids que dão conta do mais típico ou Xi Íi Xi xifi
representativo de um conjunto de dados. Num conjunto de dados 5 - 9 4 7 28
ordenados segundo sua magnitude, situam-se em geral no centro dos 10 - 14 6 12 72
mesmos, pelo qual são chamadas medidas de tendência central. Ve- 15 - 19 9 17 153
jamos as mais usuais. 20 - 24 5 22 110
a) Modo ou moda: Define-se como o valor ou categoria da variá- 25 - 29 _1 27 27
vel que apresenta as maiores freqüências. Assim, no exemplo 3 o modo Total'(N) 25 390
corresponde às mulheres (60); no exemplo 4, a 2 filhos (30); no exem-
plo 5 a 17 hectares (ponto médio do intervalo de maior freqüência).
b) Média aritmética: É a divisão da soma dos termos de uma série - l: Xjfj
X=--
pelo número dos termos de tal série. Se os dados não estão agrupados N
(como no exemplo 2), somam-se os termos, no caso quatro (total: 130)
e se divide o resultado pelo número de termos, no exemplo quatro - 390
X = - . = 15.6
(média: 32,5). Se os dados estão agrupados, proceda-se como no exem- .25.
plo seguinte, aplicando a fórmula indicada.
A exploração agrícola média tem 15,6 hectares de extensão.
Exemplo 4
493
492
Exemplo 4 Exemplo 5 acumule tal quantidade. Assim, no exemplo 5 o intervalo 10-14 acu-
mula 10 casos, o seguinte 19: a mediana estará, portanto, no interior
deste ultimo. Aplica-se, então, a fórmula indicada.
x·l Íi fa x·1 Jj fa Medidas de dispersfio ou variabilidade - As medidas de dispersão
permitem-nos avaliar precisamente a homogeneidade ou o grau de
o 15 15 5 - 9 4 4 variabilidade da distribuição. Podem ser calculadas para qualquer va-
1 25 40 JO - 14 6 10 lor da distribuição, sendo porém mais usual fazê-lo em relação à média
2 30 70 15 - 19 9 19 aritmética.
3 20 ___; 24 5 24 a) Desvio padrfio: é a raiz quadrada da média dos quadrados dos
.li 85
N= 85 25 - 29 1 25 · desvios em relação à média aritmética. Indica-se com um sigma grego
N 25 'ou com um S.
Tratando~se de dados não agrupados, use-se a fórmula:
Md (mediana) ·= L +
(N-fa)
2 f
s- -V .·rx2; -N- -.(··.l:xi)2'
-N
Aplicando-a ao exemplo 2 teremos:
L = limite inferior dointervalo no qual estiver compreendida a
4350
mediana. s
N total de casos. 4
amplitude do intervalo em que se achar a mediana. s 5,59
f = freqüências do intervalo em que estiver a mediana.
fa = freqüências acumuladas do intervalo imediatamente inferior Para dados agrupados:
àquele em que se achar a mediana.
Exemplo 4 Exemplo 5
s = \J l:~/f; - ( l:;;/; r,
MD = 2 +(42,5 - 40).l Md = 15 +(12,59- 10) 5 Aplicando-a aos exemplos 4 e 5 teremos:
. 30
Md = 2,08 Md = 16,39
Exemplo 4: s = \}280. -(130
85 85
)2' s = 0,97
25 .~. (~
s = \) 68.10 s
2
Exemplo 5: ) .\ =.5,39
A metade das famílias tem me- A metade das explorações agrí- 25
nos de 2,08 filhos e a outra me- colas tem menos de 16, 39 hecta-
tade mais. res e a outra metade mais.
N
O valor cie 2 indica-nos que a mediana estará no intervalo que O desvio padrão expressa a variabilidade da distribuição ao redor
da média aritmética (5,39 hectares no exemplo 5).
494 495
. b) Variântia: Desvio padrão elevado ao quadrado (S 2).
c)CJ.oeficiente de variaçiJo: Para tornar possível a comparação da Nestas duas últimas obras poder-se-á, além do mais, aprofun-
variã6llldade de séries expressas .em diferentes unidades de medida e dar tudo o que diz respeito aos números índices e à análise das
número distinto de casos, usa-se o coeficiente de variação, definido série temporais.
pela fórmula: ·
e. V. = S._!00
X
496 497
Balanço anual 1 - f: uma espécie de fotografia da situação da As apfü:açôes classificam-se pelo grau de liquidez:
empresa em um dado momento; em geral, é feito uma vez
por ano, a 31 de dezembro. O balanço apresenta as contas
da empresa divididas· entre ativo e passivo. O passivo indica
Ativos (aplicações) Passivo (recursos)
os recursos que, no curso do ano, foram postos em operação
pela empresa. O ativo indica as aplicações dos referidos re-
cursos
1O. ) Disponibilidade em cai- 1O. ) Recursos próprios:
Exemplo:- Balanço com superavit .xa: dinheiro líquido
capital (ações)
Ativo Passivo 20. J Em uma empresa indus- reservas ( 1ucros não
Aplicações 220 Recursos 200 trial: distribuídos)
Lucros 20
- equipamento, terre- 20. ) recursos de empréstimos:
Os recursos (200) postos eiu operação corresponderam a 220 no, edifício
de aplicações, isto é, proporcionaram um lucro de 20. Os lucros estoque de matérias~ a) Em uma sociedade
são sempre anotados no passivo, pois são recursos a empregar. primas e mercado- industrial:
rias não vendidas; empréstimo ao pú-
Exem!o: Balanço deficitário Valores, ações em blico (obrigações);
outras firmas; adiantamentos d o s
Ativo Passivo créditos abertos aos bancos (contas cor-
Aplicações 180 Recursos . compradores rentes de crédito);
Perdas 20 adiantamentos de
200 30.) ·Em um banco: abastecedores ( q u e
200 abrem crédito à fir-
- créditos de descontos ma).
Os recursos (200) não deram os resultados esperados, pois ou carteira comercial b) Em um banco:
as aplicações totalizaram 180, resultando um prejuízo de 20. Os - empréstimos sobre :...._ depósitos à vista
prejuízos são anotados no ativo, pois constituem uma aplicação títulos e adiantamen- e a prazo fixo;
negativa. tos sobre finanças contas correntes
A disposição do ativo à esquerda e do passivo à direita é (garantias) de crédito (pro-
uma convenção comum da contabilidade moderna. contas correntes de- venientes de in-
Recursos e aplicações não correspondem, linha por linha. Em vedoras (abertas a dustriais e nego-
geral, os recursos são classificados segundo o grau maior ou menor in~ustriais e nego- ciantes)
da exigibilidade (.por exemplo, recursos à vista, recursos a prazo ciantes)
fi x0. etc. ) . - carteira de valores Total de recursos: 200
ou "porta-fólio-títu-
4 Daqui por diante resumimos a apresentação do tema em Jean BOUVIBR, los" Lucro: 20
lnU.:iq.tion awc vocabulaire et awc m.écanismes économiques contempor(&in$
f XIXe-XXe siecles) SEDES, Paris, 1969, 267-274. ·.
Total do ativo: 220 fatal do passivo: 220 1
498
499
o lucro líquido, que o balanço revela, correntemente é dividi- A conta de lucros e perdas., assim como o balanço, são um
do em duas partes: resumo da situação da empresa num momento dado. O historia-
dor economista dedicado à história de empresas os usará como
reservas, isto é, o lucro acumulado (anotado no passivo) ponto de partida - mas dificilmente se contentará com isto. Sendo
dividendos, distribuídos aos acionistas. possível conseguir a documentação que constitui a base da elabo-
ração do balanço e da conta de lucros e perdas, poder-se-á reali-
zar um estudo mais pormenorizado e significativo.
Coma de lucros e perdas
Por uma série de fatores, o lucro costuma aparecer - no
Apresenta a seguinte estruturn
balanço ou na conta de lucros e perdas - muito reduzido:
PERDAS LUCROS
1 ) Muitas "reservas" do passivo sãó escondidas em outras
(saídas de dinheiro no (entradas de dinheiro no rubricas.
exercício) exercício) 2) Pode haver uma subestimação sistemática de muitos valores
do ativo (imóveis, estoques, etc.), o que leva à baixa do
1 ) Em um banco 1 ) Em um banco saldo de lucro, por diminuição do ativo.
3) A amortização do. equ:pamento costuma aparecer em muito
- juros pagos - juros e comissões per- menos anos do que os da real utilização das máquinas.
- despesas operacionais cebidas sobre todas as Com isto se reduz consideravelmente o lucro declarado.
- devedores duvidosos operações de crédito e 4) A prática do autofinanciamento, isto é, do pagamento ime-
serviços; diato do equipamento novo, também reduz consideravel-
2) Na indústria - entradas sobre deve- mente o lucro declarado.
dores duvidosos.
- despesas operacionais Assim, para reconstituir o lucro real de uma empresa é preci-
- juros pagos a credores 2) Na indústria so lançar mão de uma documentação mais ampla do que a do
- amortização dos crédi- balanço e da i:onta de lucros e perdas.
tos duvidosos cifra de negócios (total
- amortização do equi- de vendas)
pamento - lucros não industriais
(ex.: dividendos, etc.)
TOTAL: 100 - entradas sobre devedo-
LUCRO: 30 res duvidosos
500
501
O USO DA COMPUTAÇAO EM HISTÓRIA
503
mais capacitado do que qu.tlquer cientista social para programar Caso tratemos com vanavcis contínuas, são categorizados os
e manejar o computàdor. O que o historiador deve conhecer é o valores que a variável pode assumir, segundo critérios definidos
modo de apresentar os dados para poder processá-los el.etronica- pelo . pesquisador de acordo com as necessidades de seu trabalho.
mehte, qual o tipo de cuidados que devem ser tomados para asse-
gurar a confiabilidade da informação e qual o. tipo de classifica'-
ção ou ordenamento desejado para seus dados, - o que depende, Exemplo: Código
obviamente, de suas hipóteses. O historiador deve, pois, apresentar
seus dados ao programador de modo conveniente - e este tratará Variável: capital nominal da _empresa 5
de elaborar instruções em uma linguagem que a máquina entenda, Valores: de 10. 000 a 50. 000 cruzeiros ]
assim possibilitando seu processamento. de 5 O. 00 l a 100. OUO cruzeiros 3
de 100. 001 a 200. 000 cruzeiros 3
mais de 200. 001 cruzeiros 4
Não há informação· o
. a) COD!FICAÇÂO DOS DADOS Toda a informação que o historiador queira processar deverá
ser ccdificada assim.
Deve-se observar que a codificação é feita considerando-se o
O primeiro passo no tratamento da informação, para possibi- meio a usar para fornecer .a informação ao computador. Se usamo$
litar seu processamento, consiste na "codificação". Trata-se de atri- .. um cartão perfurado, caso mais comum, será necessário atribuir
buir um símbolo numérico a cada valor de cada variável de nossos à variável um número (se seus valores não passam de· 10), dois
dados. Normalmente, são usados um ou mais números para iden- números (se não passam de 20) etc.
tificar a variável, e um ou mais números para os valores das
mesmas. Vejamos, a,gora, o modo dos dados entrarem no computador. ·
Por exemplo:
Código
Vàlores: Masculino 1
Feminino 2 O computador admite diversas fonnas de entrada da infor-
Não responde ou não ., mação. A mais ·comum é o cartão perfurado: -
há iilfonnação o• O cartão tem 80 colunas e 10 fileiras (de O a 9) que são
·Assim: 1 . 1 indica sexo masculino ampliadas para 12, dada a possibilid-ade de fazer mais duas per-
1 . O indica sexo desconhecido por falta de informação furações acima do zero .
1 . 2 indica sexo feminino
.504 SOS
Observemos, no exemplo seguinte (trata-se de uin padrão, para
estudo demográfico), os passos a dar desde a folha original em
111111111111111O1O11111D11111111111Dl.D1111111DDDD1D11D11 DODDDDDDDDDDDDDD1 DDDDDDD
' 1 1 1 1 . 11 llll\d<l .. dll'1MllSllDDlll••n•••t1•••••»•••t1Gati1••t1•••11w~w••1111••••11u . . . . ll • • llll!11)H1tM1!1I"•
que foram recolhidos os dados até o cartüo perfurado.
11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
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FOLHA DE DADOS
i 1 i i li li li li li 1 li & S li li 1 i 111111111 1 li l" • ~ li 1 li li 1 1 l li li 1 S li li 11 li li li li li li 1 li li li li li &.li li 1 li li li 1 li li li i 1 1 1 6 li li 6 11
1 / J ' J 1 J J 1 1 11 J J 1J11111111111JJ11111111111111111111 J 11111 J 1 J 1 J 1 J 1J1111JJlJlJ1111 J J
l l l l l l l l l i l l l i l l i l l i l 1111111111111111111111111111111111181111111111B111111111111
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Código
111.19 19 U 9111!111!9SI1191199 9191ISI11119 9 9 99 99 919 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9-91IU9 9919 9 999 9 9 9 9 9 S9 Vari:ivci~ Valores
( col un.is do (Fileiras
cartüo l -íl\J í 0-9-)
Número dr 1 a 4 . 0\30
ordem: 130
Cidade: Cedros 5-6-7 010
Neste cartão podemos, mediante perfurações, representar nú- Padrão: 1860 k 2
meros (caso mais comum) ou letras; e., portanto, nomes e alguns Nome: Pedro Chávez
caracteres especiais. No seguinte cartão estão reproduzidas as per- Idade; 32 anos lJ-1 o 32
furações padronizadas: Estado civil: casado j1 2
Sexo: masculino 12 1
Etnia: mestiço 13 2
Profissão: ·ravrador 14-1.'\-lo-i7 012
111111111
111OOO11OIDD1111Ot-11D11DD811DB111111110 DI• DOD1DO1DlDD1D1 DODBOli Ol BBBD DBD DDBOBBBB
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11 1 1 11 1 1 1 1 1 111 11 1 1 1 1 111 1 1 1 11111 1 11111 1 11 1 11111·1,111 11 1 1 1 1 11 1 1 111 1111111 111111 111
1
l Grau de
instrução: a.nalfabeto 18
zlz z z z 111z221122 z 211121112 2 2121112 2 212 2112 21112112 212 2 2 212 2 2 2112 2 2 2212 211212 2112
111111111111111111111111111111 Jll l l lll llllll l l l l l l l l l l l l l l l llll l l l l l l l l l l l l l l l l I
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1 1 1 1 1 1 111 1 1 11 1 1 1 1 1111 1 111 1 11 1 1 1 1 1 1 111 1 1 1 1 11 1 1 111 11111111 1 1 11 1 1 1 1 11 1 11 1 1 1 1 1 1 1 1 11 1
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507
No exemplo, indicamos o nome da pessoa, para mostrar co-
FOLHA DE CODIFlCAÇÃO
mo apareceria no cartão perfurado, embora na maioria dos casos
o historiador use muito mais os furos indicadores de números do
que os correspondentes ao alfabeto.
(O número do canto superior esquerdo indica o número da Cada cartão perfurado (a rigor podem ser um ou mais)
variável. O valor !! inscrito nas quadrículas). representa uma unidade de análise (pessoas, empresas; famílias,
instituições etc.) e ·nele perfuramos a informação de que dispomos.
As primeiras colunas (no nosso exemplo 1 a 4) são sempre re-
servadas para o número de ordem e, eventualmente, para a iden-
tificação da pesquisa.
l 6 ll 16
o l 2 1
2 7 12 17 e) O PROCESSAMENTO DOS DADOS
l o 1 2
3 a 1' 18
Perfurados todos os cartões, passa-se a processar a informação
3 2 3 1
no computador. Para tanto, será preciso fazer um programa, isto
4 9 14 19 é, um conju'nto de indicações que o computador receberá para
o 3 o efetuar a classificação dos dados.
' 5 10 15 20 Como não será o historiador quem elaborará o programa,
o 2 o indicaremos a seguir o que o historiador deverá dizer ao progra-
mador para que ele possa desempenhar sua tarefa.
Será preciso fazer dois tipos de operações. Primeiro será uma
de "limpeza" ou "controle" dos dados. Para isto, projetar-se-á
algum tipo de verificação da coerência dos dados. No exemplo
dado, seria preciso controlar a idade com o estado civil e a pro-
21 00121 PEDR CHi<VEZ
li Ili 1
fissão, pois haverá grupos etários excluídos de qualquer profissão,
1 li e de qualquer estado civil que não o solteiro; também, pode-se
. l11 ll1 l111111ll11111lili11°11111111111111liU1111O1111Oo11111 li OIO l i o l i l i Ol i 81111 controlar o sexo e a profissão. Este tipo de prova tem por meta
, 1 ,,,, t11•••uu~••n•••naa•a•n•a•aaa•••P•••~QQ•••~•••nauM••P•••nU~M••~•••~nqMnNnNna
11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 reduzir ao mínimo os erros possíveis, que se tenham insinuado
11111111111111111111!11111111122 2 2 212111 !11111,.,11 !121 l l li lll1!11111121111111121 na codificação e na perfuração. O computador afastará, no exem-
11111111111111111111111111111, 11111111111111111111111111111111111111111111111111
plo citado, os cartões incoerentes que serão, então, revisados e
1 ..................... 1............................................... , .... ,, .. .
corrigidos .
11111"111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
111111111111111111111111)1111111111111111111111111111111111111111111111111111111 Assim controlados os dados, far-se-á um plano de distribui-
1 ! ! ! ! ! ! ! ! 1111111111•1111111111111111J11J11111J111111111J111111111111J11111111111 ções e de cruzamentos das variáveis. No exemplo dado, será
l l l l l l l l l l l l l l l 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 l l I
'11111111•u•1U•lflf''•••"•••••n•aa11•a-.aa11aa•t•••-•••1•••11M11t11aa11a1ta11•u•••11••"'t11111t1111111111•
interessante solicitar as distribuições, em termos absolutos e per-
11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 centuais, das variáveis sexo, estado civil, etnia, profissão e grau
508 509
de instrução. Um certo número de tabulações cruzadas também
será indispensável:
Idade/sexo Idade/profissão
Idade/ etnia Estado civil/ etnia
Idade/ estado civil Etnia/profissão
Idade/grau de instrução Etnia/ grau de instrução
etc.
510 511
Tenhamos em conta, antes de mais nada, que não há con- Tratando-se da história é normal que nos modelos por ela
cordância· geral a respeito da utilização de tais conceitos; entre- usados o tempo compareça como uma dimensão essencial . Ó que
tanto, sem entrar em qualquer discussão teórica, achamos útil es- impõe um limite sério e preciso à aplicabilidade e à generalização
tabelecer a distinção seguinte: dos modelos históricos. Novamente, o problema da comparação
e de seu alcançe está no ~entro da discussão. Em uma feliz metá-
"A estrutura está nos próprios fat.os. Não é, ela só, toda a fora, Braudel colocou a questão dizendo que os modelos são como
realidade observável, mas está incluída em tal realidade. No "barcos que têm de ser lançados na água para fazê-los acompa-
caso das ciências do homem, a estrutura não é todo o com- nhar ou subir a corrente do tempo, se possível. Até onde vão
portamento, assim corno este pode ser registrado, mas está rio-acima ou até onde rio-abaixo?" 5
incluícla no comportamento. ·
Este problema da validade temporal de um modelo histórico
''O modelo é outra coisa. Modelo é, no sentido em que o
entendo, o que o pesquisador elabora para dar a entender
é concomitante ao que poderia ser chamado de "validade espacial".
aos demais o que é a estrutura. Pode, pois, haver tantos A que sociedade, salvo a que lhe deu origem, é possível apli-
modelos quantos pesquisa.dores.":: car um modelo determinado? Pensemos, por exemplo, na velha
teoria quantitativa da moeda., construída por Jean Bodin no sé-
Em outras palavras, a estrutura - como conjunto de rela- culo XVI para explicar a vertiginosa alta dos preços que veio
ções sígnificativas - pertence à realidade, enquanto o modelo é após a descoberta e as conquistas oceânicas. Quantos, depois de
uma abstração formulada para interpretar a referida realidade "es- Bodin, inclusive Earl Hamilton e a sabedoria econômica de Key-
truturada". a Mais do que "tantos modelos quantos pesquisadores". nes, pretenderam explicar, com este "modelo" tão simples da teo-
conviria dizer tantos modelos quantas forem as teorias que existam ria quantitativa, fenômenos como o da acumulação de capital in-
para interpretar algo. Conforme observa Fernand Braudel: · dustrial, ou a causa das oscilações econômicas. Algo semelhante
acontece, por exemplo, com a teoria de Marx sobre os modos de
"Os model9s não passam de hipóteses, sistemas de explica- produção e a evolução das sociedades: quantos ''feudalismos", ou
ção fümemente vinculados segundo a forma da equação ou "escravismos" foram descobertos, aqui e ali, à custa de forçar a
da função; isto iguala-se àquilo ou determina outra coisa. O tipologia original, esvaziando-a completameRte de significado? Ci-
modelo estabelecido com sumo cuidado permitirá, pois, pôr tamos tais exemplos não para sustentar que a especificidade dos
em causa além do meio social observado - a partir do fatos históricos toma impossível a comparação, ou exige a cons-
qual foi criado, afinal - outros meios sociais da mesma na- trução de um modelo para cada· realidade .social; usamo-los para
tureza, através do tempo e do espaço. Nisto está seu valor destacar a necessidade de agir prudentemente, esclarecendo (sem-
recorrente." • pre que se faz uma operação deste tipo) todos os pressupostos,
estudando todas as dimensões importantes e formulando com me-
ridiana clareza todas as hipóteses em jogo.
2 André Martinet, informe sobre "Las ciencias dei lenguaje y las c.iencias
htUnanas·'.. em E. Labrousse, R. Zazzo e outros, Las estructUras o los Convém insistir,· agora, no outro aspecto dos modelos .histó-
hom.bres. Tradução de M. Sacristán, Edlciones Ariel Barcelona 1969 ricos. O leitor poderá pensar que, no caso dos modos de pro-
p. 12. . . • . •
dução, mais do que em modelo conviria falar em tipologia. Real-
l N~ste sentido cumpre distinguir ~uas posiçpes diferentes: uma que mente, da maneira ampla como definimos e conceito de modelo,
-considera, que a estrutura está na própria realidade (Seria o caso de
Marx ou de Malirice Godelier); outra que sustenta que a estrutura é não há dificuldade em proceder assim. O problema é antes de
puramente uma construção do pesquisador (seria o caso de Lévi-Straussh hábito, pois estamos acostumados a falar em l:nodelo só quando
4. Fernand Braudel, La historia y las ciencias sociales, tradução de Jose·
fma" Gómez Mendoza, Alianza Editorial, Madrid, 2.• ed., 1970, p. 85. Tra·
duçao levemente modificada, segundo o original francês. 5 ibidem, p. 93.
512 513
a) pesquisa e previsão do ciclo econômico;
se trata de um já formalizado. O estado presente de evolução das
b} pesquisa de mercado;
ciências humanas, o problema da linguagem adequada à forma- c} programação econômica.
lização, fazem com que a maior parte dos modelos importante&
para as ciências sociais, especialmente para a história, na verdade
O primeiro campo foi o que se desenvolveu muito na década
ainda estejam por ser formalizados, ou com um grau muito rudi-
de 30, graças aos estudos pioneiros de Tinbergen e Frisch, entre
mentar de formalização. Esta vontade de formalizar, que tem
outros, que conduziram - após a Segunda Guerra - a uma série
na econometria sua presente expressão mais completa vem, de
de conceitos que estabeleceram as bases das políticas anticíclicas
fato, dos economistas cuja notável influência sobre a história, a
e de estabilização nas economias capitalistas desenvolvidas. 9 O
:mtropologia e a sociologia, nos últimos quarenta anos, transferiu
segundO'.i yincula-se aos problemas clássicos da elasticidade da ofer-
para tais campos esta preocupação. Por ora, os modelos formali- ta e da procura e ao estudo do mercado deste ou daquele produto.
zados ou formalizáveis colocam a quantificação de suas vanaveis Os trabalhos de Schurtz e Wold 1º são os exemplos obrigatórios
no centro das preocupações, embora também haja, às vezes, ad- a citar, a propósito. Por fim, o problema da programação, incluído
missão indireta dos conceitos qualitativos. 6 entre os recém-chegados à econometria, refere-se ao planejamento
da conduta econômica de uma empresa, com base em uma série
de dados conhecidos e visando a garantir a maximização dos lu-
cros. Vejamos, antes de analisarmos um exemplo de modelo eco-
nométrico usado na história, os requisitos metodológicos dos mo-
delos construídos pela econometria. São eles, obviamente, comuns
a todo modelo econométrico .
OS MODELOS ECONOMÉTRICOS
514 515
Nosso autor considerou a demanda de construções como depen-
dente das seguintes variáveis: a) as mudanças na população; 2. A FORMULAÇÃO DAS RELAÇOES ENTRE AS
b) as variações das rendas; e) os hábitos (exigências de con- VARIAVEIS
forto, ecc.). A oferta de con:,truções, por outro lado, dependia
basicamente de:
aJ relação entre a ~ntabilidade dos imóveis novos alugados
o passo seguinte consiste em vincular as diferentes variáveis
o que itt?p.lica d_ar forma matemática às relações. :Em outros ter:
e a taxa de juros a longo ~prazo; e ~os, dec1d1r o tipo de função (linear, exponencial, etc.) matemá-
b) do número de habiações vazias em cada momento. i i tica que se supõe adequado para "representar" o comportamento
Por outro lado, podemos distinguir dois tipos diversos de ª. que se refere a relaçã? em questão. Este é um problema espe-
variáveis: cialmente complexo e diremos apenas que, na maioria das vezes,
a) endógenas, quando seu valor é dado pelo próprio chega-se a determinar a função depois de um cuidadoso estudo
modelo. Por exemplo: em um modelo bem simples, supondo-se estatístico. ia Também, recorre-se seguidamente a um teorema ma-
que as quantidades demandadas e oferecidas de um único bem temático que ~ostra que, em um pequeno intervalo de variação,
dependam de seu preço, teremos duas equações· q.ualq.u~r funç~o pode assemelhar-se a uma função linear, o que
s1mplif1ca consideravelmente a tarefa de procurar o tipo de função
q, - f ( p) (oferta) adequada ao que descreve a relação.
q~ f (p) (demanda)
No ponto de equilíbrio:
q, = q~ 3. Determinação dâs variáveis
516 517
não serão rigorosamente idênncos ao valor observado de Y1. e de
c) Equações institucionais: que revelam aspectos da estru- y. Podemos escrever, conse.qüentcmente:
tura institucional em que o modelo se desenvolve, como
a política fiscal ou de créditos. yi - y*i = E
d) Equações contábeis: que proporcionam a definição d~
uma variável em função de outras, ou expressam igual- Este termo E é denominado erro ou resíduo; em conseqüên-
dades a verificar ex post, como a célebre equação da cia a. relação deverá ser escrita assim:
teoria quantitativa da moeda: p x q =M X V (em
que "p" é o nível de preços; "q" é a quantidade de
bens; "M" a massa monetária e "V" a velocidade de
circulação). Se E não puder ser completamente eliminado, porque sua
origem vem do fato de certas variáveis exercerem um efeito sem
Construído o sistema de , equações, as variáveis ficam deter-
estarem contidas no modelo e por ser possível que a forma -
minadas endogenamente se o número de equações for igual ao
linear no caso - não seja mais do que aproximada, o modelo
número de variáveis (ou incógnitas), requisito de qualquer sistema
de equações a ·ser resolvido. (Neste caso, afirma-se que o ~istema apenas terá utilidade se este resíduo puder ser reduzido a um
é completo. Se o número de incógnitas for maior do qúe o de mínimo. A estatística matemática oferece uma série de métodos
equações é possível resolver o sistema estabelecendo hipóteses al- que permitem vencer tais dificuldades. E podem ser estudados
ternativas sobre o valor das "incógnitas excedentes".) nas ·obras especializadas em. econometria.
4. A verificação estatística
C'LASSIFICAÇÂO DOS MODELOS ECONOMÉTRICOS
Construído o modelo, será · necessário verificá-lo estatistica-
mente. Assim, tratar-se-á de ver se as relações presumidas entre
as diferentes variáveis estudadas concordam com os fatos, ou se Conforme critérios diferentes, é comum classificar os modelos
___: ao contrário - será preciso modificá-las. Por outro lado, mes- econométricos cm tipos. Agora veremos as classificações mais
mo no caso de não se confirmar a relação, a prova estatística --correntes:
dará informaçõf''i adicionais sobre ela - muito m·ais concretas e
eJtatas. a) Do ponto de vista das equações
O problema central da verificação est~tística do modelo está
n,o fato de que, tratando-se de uma representação simplificada i) Uniequaciona/, caso contenha só uma equação, co-
da realidade, as previsões feitas a partir dele não coincidem com mo na função de produção de Cobb-Douglas.
os valores observados . Mais precisamente, em se tratando de ve- ii) Pluriequacional, caso contenha mais de uma e9ua-
rificar uma equação da forma: ção.
y = ax + b
b) Do ponto de vista temporal
sendo y*1i, valor observado de y; xi valor observado de x:
i) Estáticos, se as variáveis não se ref~em a mudança,
y*i = axi + b no iempo, dos elementos, como por exemplo na ci-
518 519
tada função de produção de Cobb-Douglas, ou na tória. Trata-se . de uma contribuição recente de Van der Wee e
lei de Engel de utilização da renda do consumidor. Peeters, denominada "Um modelo do crescimemo intersecular do
ii) o·mám'zcos, se o tempo afetar as variáveis importan- comércio mundial, séculos XII a XVIII 11 •
tes como no modelo do ciclo econômico de Tin- Estes autores começam constando que entre eis séculos XII e
bergen. u XVIII houve um crescimento intersecular da economia mundial,
entretanto não produzido de modo linear. Enquanto os séculos
e) Do ponto de vista dos objetivos XII, XIII e XVI apresentam forte expansão econômica, os séculos
XIV, XV e XVII são de ''trágica" contração. 1·' Logo depºâis en-
.D escritivos, se somente observam variações entre
i) contram uma correlação evidente entre as etapas ,de expansão eco-
distintas variáveis vinculadas. . · nômica e o desenvolvimento comercial. Para os autores, o,. comér-
i1') E xp licativos, se incluem a explicação de umas variá- . cio surge,· pois, como uma espécie de "motor" do desenvolvimento
veis em função de outras . econômico da Europa ocidental, entre os séculos mencionados,
iii) De p~e~isão, se fazem a predição dos valores que obviamente ao· lado de outros fatores; como os demográficos _,....
assum1rao certas variáveis ao variarem outras. que, para os efeitos da pesquisa, são postos de lado. 111 \
iv) IJ_e_ decisão, s~. o modelo for usado para tomar de- Antes de apresentado o modelo sob a forma de equações, é
c1soes de pol1tica eco.nômica (a nível de empresa feita sua exposição literária. Van der Wee e Peeters destacam os
ou de.governo). . seguintes aspectos:
d) Do ponto de vista do campo de aplicação a) O nível de renda depende de três fatores de produção
essencra1s: os recursos naturais, o trabalho e o capitál.
A distribuição desigual destes fatores faz ·com que o co-
i) Par~ia.is, quando se referem a fenômenos econômicos mércio se ·transforme em um fator de otimização da
p11rc1a1s, como a produção ou o consumo de certos renda, pois a especialização regional permite, através do
bens, ou como o equilíbrio parcial em um mercado, intercâmbio, o aumento da renda global.
ou ent~e fluxos de bens e serviços. As funções de b) A economia européia entre estes séculos caracterizava-se
produçao, a econometria da demanda, a análise in- pela presença de dois setores. bem diferenciados. De· um
put-output incluem-se neste tipo. lado o setor agrícola tradicional, de baixa produtividade,
ii) Gerais, quando se referem ao funcionamento do sis- estático, quase auto-suficiente; por· outro, um setor domi-
te~a econômico em sua totalidade, às vezes deno- nado "estrategicamente" pelo comércio e pela indústria,
mmados modelos macroeconômicos. Um C}Cemplo é dinâmico, baseado nas possibilidades de intercâmbio.
o modelo .Klein-Goldberger; elaborado em 1955 para e) O setor tradicional está superpo\'oado, garantindo assim
a economia norte-americana. 10 uma oferta de mão-de-obra excedente aa setQr moderno.
d) A produtividade marginal do trabalho do setor tradicio-
Após esta sucinta introdução, necessariamente inçompleta, va- nal oscila em torno de zero, nada podendo acrescentar
mos passar à análise de um modelo econométrico aplicado à bis- ao produto total, que dependendo do clima e de uma téc-
nica de baixíssimo nível de produtividade para o emprego
IS Cf. Tinbergen, obras citadas nas notas 7 e 9.
16 Klein-Goldberger, An Econometric Mode/ of thº 17 Em A1111ule$ E.S.C., janeiro-fevereiro, 1970.
1952, Amsterdam, 19 ss. ~ United States, 1929-
18 lbid1m1, p, 101.
19 Ibidem, p. - 104.
520
521
A variação de A Y poderá expressar um aumento ( /::;,. Y > O),
um trabalhador a mais; por isto, é suficiente que a pro-
du tividade .marginal do trabalhador empi;egado no setor
uma estagnação ( /j. y = o). ou uma contração ( y < o). a
moderno seja apenas superior a zero para que aumente
o produto ·global. Logo, podemos estabelecer as equações de mudança da renda
nos setores 1 e 2:
e) Se a transferência de mão-de-obra do setor atrasado para
o moderno tornar escassa a mão-de-obra no primeiro,
de tal modo que a produtividade marginal do trabalhador
à Y1 = Y1 (ti) Y, (tu) (4)
AY~ = Y~ (ti) Y~ (to) (5)
rural aumente, a situação pode inverter-se e a mão-de-
obra excedente abandonar o setor moderno para voltar Também, podemos representar as. mudanças da população
ao campo. ativa. Como n1 e n!! expressam percentagens, a soma das mudan-
ças será igual a zero:
Limitamo-nos, apenas, a expor os conceitos. fundamentais da
análise de Van der Wee e Peeters que interessam à compreensão 6. n1 + A n~ = O (6)
do modelo proposto. Omitimos as referências históricas, muito in- A n2 = - A n1 (7)
teressantes, constituindo, de fato, a parte mais destacada do artigo,
como adiante veremos. Em outros termos, o aumento da população ativa no setor
Agora apresentaremos o medeio que emprega, basicamente, 2 produz uma redução da população ativa do setor 1, isto é:
equações de identidade.
As variáveis são as seguintes:
A n1 < O ou - A n1 > O
Portanto, o modelo de Van der Wee e Peeters pressupõe uma
Y = renda total população estacionária.
n = população ativa Agora, podemos refazer a equação ( 1) em função das mu-
subíndice 1: setor tradicional danças de renda:
subíndice 1: setor· moderno.
522 523
Substituindo os termos em C8) teremos: l:J..Y
a renda total deixa de crescer:
y
=o
óY ll.Y1 + AY:i AY1 .J ,ÃY:i
An2
+ ,An:.i Finalmente, é possível verificar-se a situação seguinte:
Ân:i An:!
+ An:!
( 10.)
em cujo caso a.umentará o desemprego no setor 2 e a mão-de-obra
começa.rá a migrar ·para o setor 1 • Tal situação deu-se na econo-
Da equação ( 10) deduzimos que a relação entre uma mu-
mia continental da Europa nos séculos XIV-XV e XVII
dança de Y e uma mudança de n2 deve ser igual à relação entre
uma mudança de Y1 e urna mudança de n1 (quer dizer, a pro- Sendo o objetivo principal a apresentação do modelo Van
dutividade marginal do trabalho no setor 1) mais a relação da der Wee e Peeters, não o submeteremos a uma crítica profunda. ~io
mudança de Y';!. relativamente à mudança de n:i (quer dizer, a Suas limitações são bastante evidentes e nos limitaremos ·a indicar
os aspectos fundamentais:
produtividade marginal do trabalho no setor 2}.
a) A ausência do aspecto demográfico é sumamente limita-
for positivo, nulo ou negativo, tiva. Não permite explicar, por exemplo, as "catástrofes"
Como anteriormente, se demográficas dos séculos XIV e XVII, em seus efeitos
tu:.1 econômicos•
haverá uma exp~nsão, uma estagnação !9U uma contração da renda
b) não fica esclarecido o papel. do comércio, apresentado
ÂY como causa do desenvolvimento. Pode-se bem sustentar
total. Se: - - > O
o contrário, que o desenvolvimento da produção é que
An2 levou ao crescimento do comércio•
substituindo o primeiro membro de ( 10) resulta:
c) a idéia de que um aumento da r~nda total é semelhante
ÂY1 /:lY:? a um incremento da prosperidade per capita não consi-
--+ >0 ou (13) dera a distr~buição dos lucros do comércio, que estava
longe de ser favorável a toda a população;
Ân1 An:i
d) é duvidoso que se deva. considerar o ·aumento da renda
Assim, pois, sempre que a produtividade marginal do trabalho global como critério único de otimização.
no setor 2 for superior ·à produtividade marginal do trabalho ·no e) Finalmente, embora o modelo· tenha a virtude de apre-
setor l, poder-se-á falar de um crescimento de renda real total, sentar de modo bem mais preciso as idéias expostas,
ou - em outros termos - de um crescimento da prosperidade melhor, de modo literário, não se Jorna evidente qualquer
per capita. Quando igualadas as produtividades marginais: utilidade na referida formalização. Nenhuma hipótese
524 525
nova extraiu-se dela, nem mesmo foi enriquecida a de-
A V ALI DA DE HISTÓRICA DOS MODELOS
monstração lógica. A limitação deste modelo, para o
ECONOMETR/COS
que pretende explicar, é, pois, bem óbvia.
Se o problema das fontes realmente, senão em princípio, im-
põe restrições ao uso dos modelos econométricos em história, outra
PROBLEMAS DA VERIFICAÇÃO HISTÓRICA DOS limitação mais grave ainda existe - relativa ao fato de tais mo-
MODELOS ECONOMETRICOS delos terem sido concebidos, em geral, como válidos a prazos
curto e médio, de certo modo deixando de lado a mais típica
Ao submeter-se um modelo econométrico do tipo apresentado duração histórica, que seria o longo prazo. Por exemplo, variáveis
à verificação histórica evidenciam-se uma porção de problemas como a tecnologia, os padrões de consumo ou a política tributária
cuja consideração se impõe. Primeiro, - como quantificar as va- variam muito pouco a curto prazo, sendo considerados constantes
riáveis em questão se, por exemplo, não se dispõe de fontes com ou variáveis explicativas na maior parte dos modelos econométri-
o grau de homogeneidade, validade e continuidade desejados? cos·, mas a longo prazo .é preciso explicar, também, as mudanças
Não falemos do caso em que inexistam quaisquer tipos de que afetam táis variáveis. Assim, na explicação de longo prazo
dados para o que se deseja verificar. A prudência será, aqui, es- ·será preciso empregar uma quantidade muito grande de variáveis
sencial, e deverá afastar, antes de mais nada a tentação de extra- com risco . da explicação não ser satisfatória. Por outro lado, se
polar; isto é,, conhecendo somente alguns pontos de uma série no curto prazo é possível considerar os aspectos social e político
deles deduzir os .restantes. A única maneira de legitimar a extra- como constantes, isto de modo algum vale no longo prazo. Do
polação está em dispor de meios de controle, de variáveis rela- ponto de vista da história seria completamente absurdo considerar
cionadas às estudadas e com e1evado grau de correlação quan.to as guerras, por exemplo, ou os múltiplos fatores capazes de afetar
à curva em causa, que permitam justificá-la. De outro modo, os um modelo ideal de crescimento econômico, como sendo aleató-
riscos de inexatidão são demasiadamente grandes. rios ou exógenos. Sua explicação deve integrar-se ao modelo
Outro problema importante é o da amrutragem. 21 Quando se global. !! 2 ·
trata de medir ~ uma variável macroeconômica, por exemplo - Tudo isto levou muitos historiadores a ·colocarem a necessi-
é difícil encontrar dados representativos do conjunto de uma eco- dade de· construir modelos históricos em que, junto com as va-
nomia nacicnal anteriores à era da estatística. Certamente, encon- riáveis econômicas quántificáveis, integrem-se outras de tipo qua-
tramos dados parciais que, digamos, correspondam a 30% das litativo que se ocupem não só dos fenômenos puramente econô-
empresas agrícolas a estudar. Podemos considerá-los como amos- micos, mas dos aspectos institucionais e de suas modificações.
tra válida e representativa do todo? Evidentemente não, pois os
referidos dados não se conservaram devido a uma seleção fortuita
do conjunto global. ·Assim, pois, o respeito às regras da amos-
tragem probabilística impedem qualquer extrapolação. Em todó
este problema da verificação histórica dos modelos há, entretanto,
um aspecto positivo essencial: mesmo quando as dificuldades de
verificação forem muito grandes, o referido processo conduz sem-
pre a"''foterrogar as fontes de um ponto de vista novo.
526 527
SOMATÓRIO DE QUADRADOS As tabelas de somatórios de quadrados serão usadas da se-
guinte forma:
3 N 4
N N rX"
1 -
1) Usar-se-ão as colunas 1 e 2 em · se tratando de uma
série ímpar de cifras: as colunas 3 e 4 em se tratando
de uma série par.
2) Extmp!o: . Se tivermos uma série de 21 valores, nossa
variável de cálculo "x" irá de O a + 1O e de O a - 1O.
A tabela n_os dá o somatórfo de quadrados para N. - · 1O;
bastará· multiplicar por dois esta cifra para obter o so-
matório dos x:i, isto é, o denominador da fórmula de
l 1 0,5 0,25 cálculo da inclinação da reta de mínimos quadrados.
2 5 1,5 2,50 Com as colunas 3 e 4 procede-se da mesma forma.
3 14 2,5 8,75
4· 30 3,5 21,00
.5 55 4,5 41,25
6 91 5,5 71,50
7 140 6,5 113,75
8 204 7,5 170,00
9 285 8,5 242,25
10 385 9,5 332,50
~28
TABELA DE NÚMEROS FORTUITOS
00 49487 52802 28667 62058 87822 14704 18519 17889 45869 14454 -i
01 29480 91539 46517 84803 86056 62812 33584 70391 77749 64906
02 25252 97738 23901 11106 86864 55808 22557 23214 15021 54268
03 02431 42193 96960 19620 29188 05863 92900 06836 13433 21709
04 6904 89353 70724 67893 23218 72452 03095 68333 13751 37260
05 77285 35179 92042 67581 67673 6837t 71115 .98166 43352 06414
06 52852 11444 71868 34534 69124 02760 06406 95234 87995 78560
07 98740 98054 30195 09891 18453 79464 01156 95522 06884 55073
08 85022 58736 12138 35148 62085 36170 25433 80787 96496 40579
09 17778 03840 21636 56269 08149 190Ql 67367 13138 02400 89515
10 81833 93449 67781 94621 90998 375"61 59688 93299 27726 82167
11 63789 54958 33167 10909 40343 81023 61590 44474 39810 10305
12 61840 81740 60986 12498 71546 42249 13812 59902 2786-l 21809
13 42243 10153 20891 90883 15782 98167 86837 99166 92143 82441
14 4$238 09129 53031 12260 01278 14404 40969 33419 14188 6llf>f>7
15 40338 42477 78804 36272 72053 079f>8 671$8 60979 79891 92409
16 54040 71253 88789 98203 $4999 96564 00789 68879 47134 83941
17 49lf>8 20908 44859 29089 76130 f>l442 34453 98590 373f>3 61137
18 809$8 03808 8365f> 1805 96563 43582 82207 $3322 30419 64435
19 07636 04876 61063 57571 69-434 14965. 20911 73162 33576 52839
f!O 37227 80750 08261 97"48 60438 7f>053 05939 34414 16685 32103
21 99460 459lf> 4$637 41353 35335 69087 57$36 º68418 10247 93253
2~ 60248 75845 37296 33783 42393 28185 31880 00241 31642 37526
23 95076 79089 87380 28982 97750 82221 35584 27444 85793 6975f>
24 20944 97852 26586 32796 51513 4747:1 48621 20067 88975 39506
25 3'0458 49207 62358 4lf>32 30057 53Ql7 10375 97204 986'75 77634
26 3890:1 91282 79309 49022 17405 18830 09186 07629 01785 78317
27 96$45 lf>638 90114 93730 13741 70177 49175 42113 21600 69625
28 21944 28328 00692 89164 96025 01383 50252 67044 70596 f>8266
2, 36910 71928 63327 00980 32lf>4 46006 62289 28079 03076 lf>619
30 48745 47626 28856 28382 60639 51370 70091 $8261 70135 88259
31 32519 !U993 59374 83994 59873 51217 62806 20028 26545 16820
32 75757 12965 29285 11481 31744 41754 24428 81819 02354 37895
33 07911 97756 89561 27464 25133 50026 16436 75846 83718 08533
34 89887 03328 76911 93168 56236 39056 67905 94933 05456 52347
35 30543° 99488 75363 94187 32885 23887 10872 22793 26232 87356
36 68442 55201 33946 42495 28384 89889 50278 91985 58185 19124
37 22403 56698 88524 13692 55012 25343 76391 48029 72278 58586
38 70701 36907 51242 52083 .. ::126 90379 60380 98513 85596 16528
39 69804 96122 42342 28467 79037 13218 63'510 09071 52438 25840
40 65806 22398 19470 63653 27055 02606 43347 65384 02613 81668
41 43902 53070 54319 19347 ~9506 75440 90826 536!>2 92382 67623
o 49145 71587 14273 62440 15770 03281 58124 09533 43722 03856
43 47363 36295 62126 42358 20322 82000 52830 93540 13284 96496
44 26244 87033 90247 79131 38773 67687 45541 54976 17508 18367
4li 72875 39496 06385 .484!'i8 30545 74383 22814 36752 10707. 48774
48 09065 16283 61398 082118 00708 21816 39615 ·03102 02834 04116
47 68256 51225 92645 77747 33104 81206 00112 53445 0-1°212 58476
48 38744 81018 41909 70458 724f>9 66138 97:.!66 26490 10877 45022
49 4437li 19619 35750 59924 82429 90288 61064 26489 87001 84273