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MAL DE PARKINSON

Transcrição por Athos Magalhães

1. INTRODUÇÃO

Aqui veremos alguns exemplos de doenças que causam formas exageradas de


movimento, como distonias, coreias, tiques, onde o estímulo original cortical não sofreu a
modulação correta pelos gânglios da base. Doenças hipocinéticas cursam com diminuição do
movimento – como o parkinsonismo, enquanto as hipercinéticas causam aumento.

James Parkinson era um clínico inglês que observou e relatou 6 casos de pacientes que
possuíam a hoje conhecida doença de Parkinson. Na época ainda não havia sido registrada. Ele
deu o nome de “paralisia agitante”, um nome meio paradoxal mas que descreve perfeitamente
o que a doença representa. Isso foi em 1817, e desses 6 ele examinou apenas 3. Os outros 3
ele seguiu, observou de longe. A descrição clássica dos sintomas até hoje é a base dos critérios
diagnósticos que usamos. Ao falar de Parkinson, falamos de lentidão. O diagnóstico é clínico.

2. EPIDEMIOLOGIA

É pouco frequente antes dos 30 anos, mas acontece, mas o pico é entre quinta e sexta
décadas de vida. Tem distribuição universal, todo mundo pega: preto, branco, amarelo, PT,
PMDB, artistas... e não há fatores de risco predeterminados. Até pessoas que praticam
esportes, se alimentam bem e tudo mais ainda têm Parkinson. Há um único fator de proteção
comprovado que é o tabagismo – quanto mais tabagista, menor o risco, mas obviamente não
podemos sair indicando que as pessoas fumem para se proteger do Parkinson. E também você
morre de câncer de pulmão antes de ter Parkinson.

Mais de 15% dos pacientes têm predisposição genética. Foram descobertos vários
genes – como o LLRK2, descoberto na Amazônia – que, quando ativos, aumentam
expressivamente o seu risco de ter a doença desde que você seja exposto a determinados
fatores durante sua vida. A incidência, em geral, é de 1% das pessoas acima dos 65 anos
(alta), sendo o protótipo de doença bradicinética.

3. FISIOPATOLOGIA

Além do SNC, das vias dopaminérgicas, várias outras regiões do sistema nervoso
(inclusive o periférico) vão sendo afetadas pela patologia. Há a teoria priônica da alfa-
sinocleína. Há 30 anos já se sabe que a alfa-sinocleína é a proteína envolvida na fisiopatologia
do Parkinson, quando estudaram os corpos de Lewy – que estão dentro dos neurônios
degenerando – e descobriram que é essa proteína que se agrega e leva à morte neuronal, o que
leva à doença de Parkinson. Ao passar dos anos foi sendo observado que o paciente com
Parkinson tem muita constipação, além do fato de que essa constipação crônica pode aparecer
até 20 anos antes do início dos sintomas do Parkinson em si. Começaram a fazer análises de
apêndices, duodenos, plexos mioentéricos e outras estruturas nesses pacientes para
pesquisarem alfa-sinocleína. Foi descoberto que todos os órgãos com inervação vagal (como
intestinos e coração) podem apresentar corpos de Lewy – formada por alfa-sinocleína.
Acabaram sugerindo que a doença de Parkinson começa abaixo da substância negra,
no núcleo dorsal do vago localizado no tronco cerebral. Estudos mostraram que, de acordo com
o avanço da doença, transtornos como distúrbios do sono, constipação intestinal, depressão
crônica, anosmia etc. iam aparecendo, por volta de 15 anos antes do sintoma motor. Só quando
a doença chega na substância negra é que aparecem os sintomas motores. Baseado nisso, as
pesquisas para tratamento do Parkinson agora têm outro direcionamento. Mas e então? E a alfa-
sinocleína no intestino? Será que ela chega na substância negra só depois? Começou-se a
estudar a capacidade dessa proteína progredir com o passar do tempo de níveis inferiores a
superiores do sistema nervoso.

Todos temos ela nativa, funcionante, com função de trânsito de membranas dentro do
neurônio. Se você colocar a forma modificada da alfa-sinocleína (aquela que compõe até 90%
do corpo de Lewy) em tecido neuronal, ela entra no neurônio facilmente, induz a modificação da
proteína nativa, gera corpo de Lewy, morte neuronal e depois migra para o próximo neurônio,
fazendo com que esse processo de repita. Proteína que migra com capacidade infectante
chamamos de príon. Então, hoje já sabemos que a progressão da doença acontece a partir do
sistema nervoso periférico, através do sistema vagal, para o sistema nervoso central – o que leva
aproximadamente 15 anos –, ao núcleo dorsal do vago. Isso tudo mudou as perspectivas
terapêuticas, pois antes tentava-se bloquear a ação da alfa-sinocleína e modificar os efeitos no
sistema nervoso central (o que trata sintoma, mas não bloqueia a progressão da doença), mas
hoje já se pensa em bloquear a progressão da proteína modificada.
Um outro exemplo famoso de príon é o da encefalopatia espongiforme humana (que é
vaca louca quando dá na vaca), que sofre um processo parecido: sofre uma mudança de
conformação (de alfa para beta) e gera agregados que darão origem ao processo patológico. É
o mesmo que acontece com a alfa-sinocleína. No final das contas, o marcador patológico é o
corpo de Lewy, mas não precisamos fazer biópsia! O diagnóstico é clínico.
4. QUADRO CLÍNICO

O paciente pode chegar no consultório dizendo que está andando estranho, lento, está
com tremor na mão... você olha ele passar pela porta e você faz o diagnóstico. Pela aparência,
pela marcha, você já sabe que o paciente tem parkinsonismo (ou Síndrome Parkinsoniana,
podendo ser doença de Parkinson ou não – pode ser medicamentoso, vascular, dentre outras
causas). A principal causa é a doença de Parkinson. O parkinsonismo é a ocorrência de
bradicinesia mais pelo menos dois dos achados citados:

a. Bradicinesia – é lentidão motora. Pode-se pedir para o paciente abrir e fechar a mão
bem rapidamente e você vai perceber que ele tem velocidade e/ou amplitude reduzida. É
facilmente identificar na marcha, o paciente caminha de modo lentificado, em pequenos passos.
Quando a doença avança ele já não pode mais caminhar sozinho, fazer suas coisas sozinho, é
um estado em que chamamos de acinesia, onde praticamente não há mais movimento. A
bradicinesia é achado básico: você precisa dela + 2 dos seguintes achados.
b. Tremor de Repouso – é um tremor que acontece enquanto o membro está solto, sob
ação da gravidade. É bem característico do tremor parkinsoniano cessar quando o paciente
estica o membro afetado. O tremor para durante a ação voluntária. Com o passar dos anos o
tremor pode passar a ser postural, de movimento, mas ele tende a iniciar de repouso. haver
paciente com mal de Parkinson sem tremor, da mesma forma que nem todo tremor é doença de
Parkinson. <As pessoas costumam pensar em tremor automaticamente quando se fala em
Parkinson, mas o sintoma principal é a bradicinesia!>
c. Rigidez – aumento do tônus, onde há o fenômeno clássico da roda denteada.
d. Instabilidade Postural – perda do reflexo postural, e por isso o paciente torna-se
mais predisposto a quedas. Pode ser identificada em teste de equilíbrio, como o teste da
retropulsão, onde você deixa o paciente parado, pede para ele segurar o corpo no lugar e tentar
manter o equilíbrio. Você puxa o paciente para trás pelos ombros e vê quantos passos ele dá até
recuperar o equilíbrio – o normal é até 2. Mais do que isso o paciente apresenta instabilidade
postural. Pode ser feito 3 vezes aumentando a força a cada vez
Há outros sintomas característicos da doença de Parkinson (as anteriores são para
diagnóstico de síndrome parkinsoniana), como:
ᴥ Hipomímia facial – aquela expressão mais vaga, sem tantas emoções (fáscies
parkinsoniana, face em máscara)
ᴥ Parkinsonismo assimétrico – há um lado onde a doença predomina domina e o outro
pode ficar anos assintomático. Um paciente que começa com sintomatologia simétrica me faz
pensar que a causa não é doença de Parkinson. Lembrar que “bilateral” não é a mesma coisa
que “simétrico”: a doença pode ser bilateral, mas assimétrica.
A doença em si vai avançando, é uma doença degenerativa progressiva. Os sintomas
clássicos vão piorando e outros sintomas vão se apresentando com o tempo. Acontece expansão
do processo patológico para outras áreas do sistema nervoso causando sintomas que vão se
somando, como disautonomia, demência e perda do controle esfincteriano. O paciente com
Parkinson também costuma ser mais magro por conta de um gasto energético aumentado.

5. DIAGNÓSTICO

a. Há síndrome parkinsoniana (de novo: bradicinesia + 2 dos sintomas citados)


b. Você pode descartar lesão estrutural, lesão vascular, uso de medicamentos que
induzem parkinsonismo, alteração metabólica grave e qualquer outra causa secundária
c. A doença é responsiva a levodopa

6. TRATAMENTO

6.1. Tratamento Medicamentoso

Os tratamentos disponíveis são sintomáticos, não se conseguiu ainda parar o processo


de evolução da doença. Pode-se ao menos reduzir a taxa de progressão, mas nunca parar
totalmente. Há um controle clínico sintomático muito bom que dura cerca de 10 anos, quando
daí para a frente começa a haver muita flutuação motora, muitas complicações da progressão
da doença, o que torna o tratamento mais difícil (mas não impossível). No SNC, os neurônios
mais afetados são os neurônios dopaminérgicos, então o foco principal do tratamento é tentar
melhorar a reposição de dopamina. Isso é feito usando basicamente as seguintes classes:

a. Levodopa – os neurônios produtores de dopamina são os mais degradados, por isso


é o próprio percursor da dopamina que consideramos padrão-ouro. A Levodopa entra no
neurônio, é metabolizada pela via da tirosina e se transforma na própria dopamina para ser
liberada na fenda sináptica e agir no receptor dopaminérgico compensando o que falta. O
paciente anda melhor e tudo mais.

b. Agonistas Dopaminérgicos – moléculas que “fingem” que são a dopamina (por


terem estrutura semelhante) e ligam-se ao receptor, desencadeando seu efeito. É muito bom, e
não passa por um neurônio que o metaboliza, passando direto para o receptor dopaminérgico.
Têm indicações e contraindicações e por isso o paciente deve ser bem avaliado. Há dois
principais, muito bons, com bom perfil de efeitos colaterais e disponibilidade no SUS:

(1) Pramitexol
(2) Rotigotina – é um medicamento mais novo, usado em adesivo.
c. Inibidor de Atividade Redutora de Dopamina – na doença de Parkinson já há
diminuição na produção de dopamina, e ainda há enzimas nativas que degradam o pouco que
tem. Os inibidores enzimáticos ajudam a preservar o pool de dopamina. Os mais usados são:

(1) inibidores da COMT, que bloqueiam a COMT, enzima que degrada levodopa, sendo
que o metacapone é o medicamento mais usado;
(2) inibidores da MAO-B, uma enzima intracelular que também degrada dopamina. A
selegilina e a rasagilina são as mais usadas, mas a rasagilina é muito melhor, com efeito motor
melhor e é a ÚNICA medicação que possui um estudo comprovando que reduz a taxa de
progressão da doença! Ainda não se sabe de onde vem esse efeito neuroprotetor.
(3) inibidores da acetilcolina, que devem ser muito pouco usados pois só faz melhora
do tremor – e quando você não trata os outros sintomas, principalmente no idoso, causa uma
ilusão de melhora (o tremor passa) mas a rigidez e instabilidade postural não, podendo causar
quedas e fraturas. Importante: bloquear acetilcolina no SNC acelera a perda cognitiva!
(4) inibidor da recaptação da dopamina – basicamente é usada a amantadina, que
inibe a receptação e estimula a liberação da dopamina. Podemos usar bem no começo, pois tem
efeito sintomático leve, ou em fases mais avançadas para controle de discinesia – como
movimentos coreicos que aparecem em fazes avançadas.

6.2. Tratamento Cirúrgico


a. Palidotomia
b. Talamotomia
c. DBS – essa é a sigla para “estimulação cerebral profunda” (deep brain stimulation), a
cirurgia da moda nos distúrbios do movimento. O neurocirurgião funcional implanta um eletrodo
em um alvo, decidido juntamente com o neurologista de acordo com a doença – se tem coreia,
distonia, Parkinson... então dependendo disso pode-se colocar o eletrodo em vários lugares,
como o núcleo subtalâmico, na parte mais ventral, inferior etc. Através de um gerador de marca-
passo (conectado ao eletrodo) é feita uma estimulação elétrica no alvo cerebral.
O gerador fica no subcutâneo do tórax e pode ser ajustado de acordo com a frequência
e voltagem. Esse estímulo pode bloquear sintomas do paciente, como o tremor, rigidez. É
fantástico, mas muito caro (300 mil reais só o equipamento). A região a ser atingida é de 3x8
mm. A seleção para fazê-la é rigorosa, a cada 10 pacientes só 1 faz, no máximo. O paciente fica
acordado enquanto o cirurgião busca o ponto certo para implantar o eletrodo. Não há indicação
se há boa resposta medicamentosa. Lembrando que não basta ter o dinheiro para fazer, tem que
haver indicação clínica.
Levodopa

Pramitexol
Agonistas
Dopaminérgicos
Rotigotina

Medicamentoso

Inibidores da COMT

Inibidores da MAO-B
Tratamento de Inibidores da Redução
Parkinson da Dopamina
Inibidores da
Acetilcolinesterase
Palidotomia
Inibidores da
Recaptação
Cirúrgico Talamotomia

DBS

DISTÚRBIOS DO MOVIMENTO

“Aqui vou mostrar mais vídeos do que focar na teoria”.

1. TREMOR

O tremor parkinsoniano é um tremor de repouso. Há muito tremor de ação (quando o


paciente treme ao fazer o movimento) e eles não podem ser confundidos com síndrome
parkinsoniana. Há também o tremor essencial, benigno, geralmente desencadeado pelo
movimento – como quando o paciente vai escrever, segurar uma colher, uma xícara etc. Existem
casos mais graves, sim, como um paciente que não consegue escrever direito o nome ou
desenhar uma espiral.

2. COREIA

É outro tipo de movimento anormal importante, facilmente identificável. A palavra coreia


significa “dança”. Nela acontece a fluência de um movimento geralmente distal para proximal,
oscilatório, vermiforme. Parece que o paciente está dançando. Ao olhar, percebe-se logo que o
paciente tem coreia. Pode ser de membros, tronco ou geral. O paciente coreico tenta disfarçar o
movimento (com paracinesias), fingindo que está fazendo outros movimentos. As coreias mais
famosas são a coreia de Sydenham e a coreia de Huntington. Também tem a coreia
gravídica, quando inicia na gravidez – geralmente a reativação de uma coreia prévia. Há a
coreia medicamentosa (causada por levodopa quando usada no Parkinson, por exemplo),
transitória, ocorrendo no pico dopaminérgico e passando quando o efeito da levodopa cai.

Há a persistência motora, quando você pede para o paciente fazer um movimento


específico e mantê-lo, e ele não consegue. Há também o sinal da ordenha, onde você pede
para o paciente segurar os seus dedos e vai parecer que ele está “ordenhando” seu dedo. Ao
pedir para ele colocar a língua para fora ela fica se movendo. Ao esticar as mãos você pode
caracterizar bem os movimentos quando a coreia é de membros.

3. DISTONIAS

São movimentos que se caracterizam por uma postura muscular fixa, contratura
muscular sustentada, podendo ser em qualquer parte do corpo – ou generalizada. Por alguma
falha no comando modulador do movimento, aquele grupo muscular ou músculo isolado entra
em contratura sustentada. Um exemplo clássico é a distonia cervical – torcicolis (quando o
músculo envolvido é o esternocleidomastoideo), retrocolis (quando é o trapézio) ou a
combinação dos dois, por exemplo. É muito frequente. Há as distonias oculares também, cãibra
do escrivão, distonia de tronco, entre outras. Pode até mesmo começar em um segmento e
depois ir generalizando. Às vezes traz transtorno social importante.

É importante perceber que as distonias não são problemas articulares – têm origem
neurológica e muscular! Há casos onde o paciente fica com o pescoço torto por muito tempo, o
ortopedista vê e quer operar, fazer artrodese de coluna. Obviamente causa um estrago terrível.
O tratamento pode ser feito com aplicação de toxina botulínica, repetindo a cada 3 ou 4 meses.
O tratamento na distonia generalizada é feito com DBS, e melhora demais.

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