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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

Faculdade de Direito

Licenciatura em Direito

Trabalho individual de Método de pesquisa científica

Análise da interrupção voluntária da gravidez à luz


Dos princípios e direitos fundamentais

Nampula, 2020
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBNIQUE

Faculdade de Direito

Jonas sérgio Moiane

O presente trabalho de carácter


avaliativo, da cadeira de
Metodologia cientifica, 4º ano
diurno. Leccionada pelo Docente:
MA. Barboza

Nampula, 2020
Lista de abreviaturas

Art.º Artigo
CRM Constituição da Republica de Moçambique
Pág. Páginas
CP Código penal Moçambicano
1 Índice
Introdução....................................................................................................................................5
1. Descobrimento do problema...............................................................................................6
2 Colocação precisa do problema...........................................................................................7
3 Procura de conhecimento....................................................................................................8
3.1 Aborto..........................................................................................................................8
3.2 Aborto e direito à vida..................................................................................................8
3.3 Definição e conceito.....................................................................................................8
3.4 Classificação.................................................................................................................8
3.4.1 O aborto provocado pode ainda ser classificado como aborto terapêutico e.........9
3.4.2 Eugénico:..............................................................................................................9
4 Desenvolvimento histórico.................................................................................................11
5 Princípios e direitos constitucionais...................................................................................14
6 A proteção da vida humana em geral e a protecção da vida humana em..........................14
6.1 Formação....................................................................................................................14
6.2 Princípio da dignidade da pessoa humana..................................................................16
6.3 O crime de aborto à luz da teoria do bem jurídico penal-material..............................17
7 Tentativa de solução do problema.....................................................................................18
8 Aborto e criminalização......................................................................................................18
9 Aborto: o direito à vida que mata......................................................................................18
10 Invenção de novas ideias................................................................................................19
11 Obtenção de uma solução..............................................................................................22
12 Consequência da solução obtida....................................................................................23
12.1 Correcção das hipóteses.............................................................................................23
Conclusão...................................................................................................................................24
Referências bibliográficas...........................................................................................................26
Introdução

A questão do aborto tem sido discutida sobre várias perspectivas, uma destas
perspectivas é o tratamento do aborto enquanto tema de saúde pública, tendo em vista
que mulheres morrem diariamente em decorrência da realização de abortos inseguros e
clandestinos, situação esta não regulamentada pelo Estado, mas sim criminalizada.
Este trabalho, através de uma inter-relação entre os aspectos médicos, éticos e do
Direito, irá abordar o aborto a partir desta perspectiva, analisando os princípios
constitucionais, pertinentes ao tema. Para tanto serão analisados dados e pesquisas sobre
a temática numa tentativa de enfrentar a realidade da problemática dos principais
argumentos para o seu tratamento de forma diferenciada àquela que tem sido
preponderante no sistema de justiça. Seria o aborto um problema social, uma questão de
saúde pública ou de justiça criminal?
Na compreensão de que a questão muitas vezes é tratada como tema pacificado o
presente trabalho tem como objectivo debater e analisá-lo sob o maior número de
perspectivas possíveis.
PALAVRA-CHAVE: aborto, aborto inseguro, aborto clandestino, saúde pública,
Criminalização, regulamentação, legalização.

No trabalho, foi usado o método

Dedutivo – usou-se o método dedutivo que foi se obtendo o conhecimento


partindo com base nos factos mais simples e mais fáceis, e pouco, a pouco, ate chegar
aos, mas complexos.

Hipotético dedutivo – deduziu –se a solução do problema, a partir das hipóteses


formuladas.

5
1. Descobrimento do problema

A interrupção voluntária da gravidez é proibida no nosso ordenamento jurídico


moçambicano, salvo em situações excepcionais.
Contudo, isso não impede que o aborto seja uma prática corriqueira entre as
mulheres. Por sua vez, a situação de clandestinidade em que esses abortos são
realizados implica em um grande acréscimo de risco a esse procedimento.
Não obstante a complexidade da questão, enquanto instrumento de garantia dos
direitos fundamentais, o direito não pode se furtar de dar a ela uma resposta. Nesse
contexto, é urgente a necessidade de (ré) avaliação da interrupção voluntária da
gravidez dentro do direito, tanto em relação à forma como ela é vista, quanto em relação
à maneira como deve ela ser tratada.
É o que se tentou fazer no presente trabalho, ainda que modestamente, ao se
analisar a interrupção voluntária da Gravidez sob diferentes aspectos, à luz dos direitos
e princípios fundamentais Previstos na Constituição da Republica de moçambique.
Primeiramente, focou-se na questão de como o aborto foi e é visto em relação ao direito
à vida, através de análise histórica e constitucional.
Na segunda parte, o objecto de estudo foi a situação do aborto enquanto crime,
especificamente. Nesse sentido, buscou-se identificar e delimitar algumas características
básicas do crime de aborto e foram feitas algumas considerações sobre aspectos práticos
da criminalização. Em seguida, foi feita uma análise do crime de aborto à luz da teoria
do bem jurídico-penal.

6
2 Colocação precisa do problema

O aborto é uma técnica conhecida e realizada milenarmente que nem Sempre foi
interpretada como clandestina ou que foi socialmente reprovada.
Já foi utilizado como método de controlo de natalidade e até encarado como um
direito paterno, sendo inclusive em alguns países considerado como um direito materno.
Com o passar dos anos e, especialmente, a partir do surgimento do cristianismo o aborto
passou a ser reprimido passando a ser considerado crime em alguns países, inclusive se
mantendo assim até os dias actuais.
Muito se discute e se debate sobre o assunto e suas consequências, os
questionamentos são muitos e circulam quase sempre em torno da questão dos direitos
de dignidade e autonomia da mulher e do direito à vida do embrião ou feto. No presente
trabalho serão analisados alguns dos principais argumentos relacionados à defesa da
descriminalização do aborto por razões de saúde pública entre eles as consequências da
criminalização das mulheres pela prática.
Também serão abordados os custos da criminalização do aborto para a saúde
pública, criminalização esta que apesar de existir não coíbe as mulheres a se socorrerem
nos momentos de desespero e angústia a clínicas clandestinas, virando reféns dos
profissionais que lá trabalham, os quais tem interesse somente na questão financeira e
não no bem-estar físico e mental da paciente. Para tanto, serão analisados no trabalho os
conceitos básicos relacionados ao tema, o princípio bioético, da autonomia da vontade
humana, os princípios constitucionais relativos ao tema, os direitos sexuais e
reprodutivos e dados estatísticos e históricos.

7
3 Procura de conhecimento

3.1 Aborto
3.2 Aborto e direito à vida

Abaixo todos os dogmas religiosos e filosóficos – que não são mais que
mentiras; a verdade não é uma teoria, mas sim um facto; a vida é a comunidade de
homens livres e independentes, é a santa unidade do amor que brota das profundidades
misteriosas.

3.3 Definição e conceito

Segundo o Dicionário do Aurélio aborto é: Expulsão de um feto ou embrião


antes do tempo e sem condições de vitalidade fora do útero materno. Ou Interromper o
sucesso ou a continuação de algo Expulsar, espontânea ou voluntariamente, um feto ou
embrião, antes do tempo e sem condições de vitalidade”.1
É um acidente patológico, isto é, verifica-se em consequência de moléstias dos genitores
ou de lesão patológicas do produto da concepção.
Maria Tereza Verardo afirma que : Alguns obstetras delimitam o tempo de
gestação para definir o aborto: até a 22ª semana da gravidez; a interrupção após este
período é considerada parto prematuro e se houver óbito do feto, este é considerado
natimorto. Ou seja, até os cinco meses e meio de gravidez a expulsão do feto é
considerada aborto pela medicina, dos cinco meses e meio em diante, parto prematuro.2

3.4 Classificação

Maria Tereza Verardo em sua obra “Aborto um direito ou um crime” define os


vários tipos de aborto: o aborto espontâneo é aquele quando o aborto ocorre por vários
factores de ordem natural, sendo este realizado pelo próprio corpo da mulher, sem
influência externa

1
AZEVEDO. Jose Barros. Dicionário de Medicina legal, Bauru, 1967
2
VERARDO, Maria Tereza. Aborto, um direito ou um crime? Editora Moderna

8
O aborto provocado, que para o presente trabalho, é o que tem maior relevância,
é aquele quando ocorre a interrupção intencional da gestação havendo interferência
mecânica ou química.
Na definição médica, o aborto induzido é o nascimento induzido antes de 20
semanas. Este tipo de aborto refere-se à expulsão de um embrião ou de um feto que
ocorre intencionalmente pelo uso de medicamentos ou de meios mecânicos3.
Para o Direito Penal considera-se o aborto provocado a interrupção do processo de
gestação ocorrida entre a concepção e o parto, decorrente de uma conduta humana
dolosa, que irá provocar a morte do nascituro (nr 1 º do artigo 166).
Diferente do conceito médico o conceito jurídico não prevê qualquer requisito
temporal ou mesmo biológico.
Interessa somente a conduta humana que de forma dolosa voltada a fim de
interromper a gestação provocando a morte do embrião ou feto. Exclui-se a modalidade
culposa, sendo conduta atípica a conduta da gestante ou de terceiro que por negligência,
imprudência ou imperícia acabe dando causa ao aborto. 4

3.4.1 O aborto provocado pode ainda ser classificado como aborto terapêutico e
3.4.2 Eugénico:

O aborto terapêutico ou necessário ocorre quando há risco de vida para a


Mãe ou nos casos em que a indicação é de carácter psiquiátrico (graves psicoses e
Debilidade mental).
O aborto eugénico é quando suspeita-se que o feto contraiu graves anomalias ou
doenças transmitidas por um de seus genitores, apesar de muitas vezes se verificar a
necessidade do aborto.
Tem-se ainda um terceiro tipo de aborto, o aborto sentimental, que é aquele
realizado em mulheres que engravidaram após terem sido estupradas, este tipo de aborto
se enquadra no aborto eugénico e no aborto terapêutico, sendo classificado na categoria
de aborto terapêutico, uma vez que, como decorrência de forte abalo psíquico produzido
pelo estupro, a gestante tem sua saúde mental abalada. Enquadrando-se também na
categoria de aborto eugénico porque não se conhece também a saúde mental e física do
estuprador, que tem possibilidade de ser portador de factores hereditários patógenos ou

3
VERARDO, Maria Tereza. Aborto, um direito ou um crime? Editora Moderna
4
SANTOS, Manuel Simão dos, Supremo tribunal de Justiças sugestão de Estado, Edição Lisboa

9
doenças adquiridas, que podem ser transmitidas à criança e este tupo de abordo no
nosso ordenamento jurídico moçambicano não e punível vide do artigo 168.ss
O aborto “a pedido” é aquele realizado a pedido da gestante, é ilegal e
considerado crime em Moçambique, conforme legislação vigente.
A sua proibição fere directamente o princípio da autonomia reprodutiva, que tem
fundamento constitucional nos direitos à liberdade e privacidade e o princípio da
dignidade da pessoa humana, pois pressupõe-se que toda mulher deveria ter o poder de
tomar as decisões fundamentais sobre suas próprias vidas, sem interferência do Estado
ou terceiros. A ideia principal aplicada neste caso é de que toda pessoa humana é agente
moral, dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, de traçar planos,
fazer escolhas e que deve ter a liberdade de guiar-se de acordo com a sua vontade.5

5
ALMEIDA JR. COSTA JR. Lições de Medicina legal. 14 Ed. 1977.p 183

10
4 Desenvolvimento histórico

A prática do aborto é tão antiga quanto o homem; as mulheres nunca deixaram


de realizá-lo apesar das sanções, controles, legislações e intimidações surgidos através
da história da humanidade. Sabe-se que a raça humana, em qualquer época ou lugar
geográfico, manifestou sempre o desejo de regular sua própria fecundidade, o que torna
o aborto uma prática atávica, espontânea, pois corresponde a um desejo natural de não
querer ou não poder levar a termo a gravidez.
Na América Latina encontra-se essa prática não só em meio a grupos que
enfrentam dificuldades económicas e sociais para assumir mais uma criança, em centros
urbanos favelados e marginais, mas também nas comunidades indígenas. Nestas últimas
apesar de não estarem submetidas às mesmas pressões que aquelas, também abortam
Relata Danda Prado que os primeiros dados que se dispõe sobre o aborto datam
de 1700 antes de Cristo no código de Hammurabi, nele considera-se o aborto como um
crime acidental contra os interesses do pai e do marido, e também uma lesão contra a
mulher. Deixava-se no em tando bem claro que o marido era o prejudicado e ofendido
economicamente.
Sócrates era partidário de facilitar o aborto quando a mulher assim o desejasse, e
seu discípulo Platão propunha em seu escrito A República que as mulheres de mais de
40 anos deveriam abortar obrigatoriamente, e aconselhava o aborto para regulamentar o
excessivo aumento de população.6
Aristóteles chamava a atenção dos políticos da época, opinando que, a seu ver,
em casos de excesso de população, deveria ser autorizado o aborto antes da “animação”
do feto, (60 dias após sua concepção) para mulheres que tivessem engravidado fora das
exigências da legislação.
Esparta proibia o aborto juridicamente, pois tinha como preocupação atingir o
maior número de guerreiros e atletas. No entanto, reservava ao Estado a decisão sobre a
vida ou a morte dos recém-nascidos, eliminando os malformados. Em Roma, o início, o
aborto voluntário não foi considerado delito, pois os juristas e filósofos não viam o feto
como um ser vivo. No direito Romano não se encontravam disposições sobre o aborto,
para as mulheres que praticavam o aborto contra a vontade do marido, tinham como o
castigo o desterro, ou então o marido unia sua autoridade à do Tribunal Doméstico

6
Relata Danda Prado. Lições jurídicas .1985.p 44

11
(instituto legal que regulamentava os comportamentos intrafamiliares) a fim de impor o
castigo devido à culpada .7
Tem – se relatos da existência do aborto na maioria das sociedades conhecidas
no mundo e isto demonstra a necessidade e o desejo das mulheres terem a autonomia
sobre seus corpos e sobre a sua liberdade reprodutiva.
Estima-se que sejam feitos anualmente entre 46 e 55 milhões de abortos no
mundo, aproximadamente 126 mil por dia e que 78% destes abortos ocorram em países
em desenvolvimento e os outros 22% ocorram em países desenvolvidos Planeta
Sustentável.
São 97 os países que permitem o aborto provocado a pedido da gestante
(aproximadamente 66% da população mundial) e são 93 os países que proíbem o aborto,
ou somente o aceitam nos casos em que há risco à vida da mãe, nos casos de estupro,
má formação fetal ou incesto (aproximadamente 34% da população mundial) (Uma
Alma Sedenta.
Sabe-se que nos países em que as leis são restritivas e portanto, onde o aborto a
pedido da mulher não é regulamentado, as mulheres não se sentem suficientemente
coibidas pela legislação e por conta dos baixos índices de penalização acabam buscando
ajuda em clínicas clandestinas para a realização do aborto. Esta situação contribui para
que os abortos sejam realizados de forma insegura, o que muitas vezes acaba
acarretando em uma cirurgia mal feita, que rará consequências irreparáveis a mulher,
podendo até mesmo levá-la a óbito.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) um abortamento inseguro é
um procedimento para finalizar uma gravidez não desejada, realizado por um indivíduo
sem as habilidades necessárias e/ou em ambiente abaixo dos padrões médicos exigidos.
Um estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) verificou que
as mortes decorrentes do aborto realizado de forma insegura são desproporcionalmente
muito maiores para as mulheres na África (mulheres que são predominantemente
negras, com baixo nível de escolaridade e situação financeira prejudicada) do que em
outras regiões em desenvolvimento (Abortamento seguro: orientação técnica e de
políticas para sistema de saúde.8

Relata Danda Prado. Lições jurídicas.1985.p 78


7

8
SANTOS, Pablo Policeno. Aborto, direito e moral. Disponível em
http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads//2014/02/ABORTO-DIREITO MORAL.
pdf 2013
12
A tabela abaixo foi elaborada por min nos hospitais e clinicas da cidade de
Nampula neste corrente ano de 2020 no mês de fevereiro a marco nela constam as
principais circunstâncias em que o aborto é permitido, os dados se encontram em forma
de percentagem. A pesquisa foi realizada em 2020.
Estima-se que dentro da cidade de Nampula, aonde predominam as leis
Restritivas, são feitos aproximadamente 12,553 mil de abortos e que destes, 125,53%
terminam com a morte materna.9

Nome de hospital Numero de aborto Número de aborto Numero de


por ano conseguido abordo que
resulta morte
tanto da mãe
Hospital da
expansão 1600 1000 500

Hospital central de 2589 2000 589


Nampula
Clinica de 3600 3400 200
Muahivire
Hospital 4764 3900 864
psiquiátrico de
Marrere

9
Dados recolhidos em todos os hospitais da cidade de Nampula.
13
5 Princípios e direitos constitucionais

6 A proteção da vida humana em geral e a protecção da vida humana em


6.1 Formação

Assim, antes de discutir o mérito da protecção jurídica da vida do ser humano


em formação, especificamente, há que se tecer algumas considerações sobre a protecção
da vida humana em geral.
A Constituição da república de Moçambique de 2004, em seu artigo 41º,
inserido no Capítulo I (Direitos, deveres e liberdade fundamentais) do Título II (dos
direitos e garantias fundamentais), assegura a todos a inviolabilidade do direito à vida.
Trata-se essencialmente do direito de não ser morto; "de não ter interrompido o
processo vital senão pela morte espontânea e inevitável.
Nesse sentido, pudesse afirmar que consiste num direito à existência; num
direito "de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer
vivo"
É por essa razão que se considera legítima a defesa contra qualquer agressão à
vida, e até mesmo tirar a vida de outrem para salvar a própria é tido como aceitável,
quando em estado de necessidade.
Desta maneira, é da garantia da inviolabilidade do direito à vida que deriva a
punição pelo direito penal de todas as formas de interrupção do processo vital Conforme
Franco, outro alcance dessa inviolabilidade assegurada aos direitos fundamentais - todos
eles, e não apenas ao direito à vida - consiste em obstar que o legislador ordinário possa
reduzi-los em seu conteúdo, e também que, para a legislação infraconstitucional, torna-
se “intangível o campo dos direitos fundamentais, subtraindo-os ao raio de acção da lei
e colocando-os sob o amparo direito da Constituição.
A Carta Magna silenciou a respeito do momento em que se inicia essa protecção,
dando margem a diversas interpretações. Nesse contexto, muitos doutrinadores afirmam
que o marco inicial da protecção jurídica da vida humana encontra-se na legislação
infraconstitucional, utilizando-se do conceito de nascituro, invocando o artigo 8º do
Código Civil, que "põe a salvo" os seus direitos "desde a concepção). Também é
comum a referência ao Código Penal, que criminaliza o aborto.
Esse entendimento é equivocado, pois não cabe à norma infraconstitucional
limitar um direito fundamental. Com efeito, a protecção da vida humana em formação

14
prevista na legislação infraconstitucional apenas reflecte a interpretação dada pelo
legislador infraconstitucional ao preceito constitucional da inviolabilidade da vida
humana vários podem ser os inícios da vida do ser humano, dependendo da opção que
se faça por qualquer das formulações teóricas ou teses que buscam estabelecer conceitos
bioéticos nesse sentido.
Nas precisas palavras “Tratam-se mais de critérios valorativos do que resultado
de comprovações biológicas; ou, dito de outra forma, são valorações da realidade
biológica que são extrapoladas e transformadas em categorias ontológicas”.
Dessa forma, deve ficar claro que, qualquer escolha que se faça, dentro do
direito, dentre as diversas teses sobre o início da vida, serve apenas e tão-somente para
definir o marco inicial da protecção assegurada constitucionalmente, e não da vida
humana em si. Outrossim, essa opção não poderá ser arbitrária, senão fundada em
motivos concretos que a justifiquem, sempre em consonância com os preceitos
constitucionais, especialmente os princípios e direitos fundamentais.
Todos os institutos jurídicos devem ser objecto de releitura a partir dos valores
constitucionais; de que todos os ramos do Direito, com suas normas e conceitos, devem
sujeitar-se a uma verdadeira “filtragem” constitucional , para que se conformem à tábua
axiológica subjacente à Lei Maior.
O autor adverte ainda que essa fundamentação não pode ser construída a partir
De pré-compreensões religiosas ou metafísicas particulares, senão "examinado com
Recurso a argumentos jurídicos, científicos e de moralidade laica" b
Uma das interpretações acerca do marco inicial da inviolabilidade da vida
humana é no sentido de que tal protecção passa a existir somente a partir do nascimento
com vida. Esse entendimento tem como base de seu raciocínio o arranjo de palavras do
próprio texto constitucional, que é bastante claro no sentido de que a garantia do direito
à vida é destinada às pessoas humanas (na acepção jurídica do termo - compreendidas
como as nascidas com vida).
Além disso, ele não admite que haja "gradações de intensidade" dessa proteção:
ou há inviolabilidade do direito à vida assegurada constitucionalmente, ou não há. A
ausência de protecção constitucional, por sua vez, não impede que eventual bem
jurídico, em sendo assim considerado, possa ser tutelado pela legislação
infraconstitucional. Nesse sentido é a lição de Vives Antón para quem: O nascituro não
é, pelo menos por si mesmo e de modo directo, um bem jurídico-constitucional. E isto
porque a Constituição proclama o direito à vida em relação às pessoas, condição que

15
juridicamente só se alcança com o nascimento. E a mesmo ocorre com a proclamação
da dignidade das pessoas.
Por conseguinte, o nascituro não é pessoa a partir da óptica do ordenamento
jurídico e a proclamação do direito à vida e da dignidade, não o atinge directamente.
Poderá arguir-se a necessidade de outorgar protecção jurídico-penal ao nascituro e isso
ninguém põe em dúvida.
Mas, desde logo, técnica valorativa mente falando, não é um direito
constitucional. Pode e deve entender se como um interesse ou bem jurídico, com certa
relevância constitucional enquanto reflexo dos direitos à vida e à dignidade humana.10

6.2 Princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos pilares do estado


democrático de direito garantido formado pela união indissolúvel dos Estados constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I- A dignidade da pessoa humana;
Ingo Wolfgang Scarlet definiu a dignidade da pessoa humana como: A qualidade
intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo
e qualquer acto de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação activa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão dos demais seres humanos.
Em confronto com a liberdade da mulher de dispor sobre seu corpo há a
inviolabilidade da vida do feto imposta pelo Estado. Em gestações em que a mulher
descobre ter o feto uma anomalia que poderá influenciar directamente na sua chance de
vida, a mesma nada pode fazer, a não ser a de levar a gestação adiante e esperar as
consequências. Os direitos do nascituro devem ser respeitados sem que isto afecte
directamente a dignidade da pessoa humana da mulher.

10
CORREIA, Manuel Eduardo de, Direito Criminal, vol.II, P.219

16
6.3 O crime de aborto à luz da teoria do bem jurídico penal-material

A noção de bem jurídico remonta à função primordial do Estado, tendo em vista o


contrato social: a proteção dos interesses dos cidadãos (direitos subjectivos), no sentido
de preservar as condições de vida em sociedade.
Nesse sentido, tendo em vista que o poder punitivo do Estado é concedido a esta
instituição pelos cidadãos única e exclusivamente para determinados fins, é evidente
que fica a eles atrelado. Ou seja: o Estado só terá legitimidade para intervir através do
direito penal quando houver uma lesão ou ameaça de lesão aos interesses aos quais ele
foi criado para proteger.
Segundo Silveira essa é a ideia que permeia o pensamento de Feuerbach, no
século XVIII, um dos primeiros autores a fazer considerações sobre o conceito de bem
jurídico.
Com efeito, não obstante as duras críticas que recaem sobre a teoria do bem
jurídico, tendo em vista a dificuldade de delimitação conceitual, actualmente prevalece
na moderna doutrina brasileira o entendimento de que a função do direito penal é a
protecção de bens jurídicos.
Nesse contexto, alguns autores compreendem a defesa de bens jurídicos como
meio empregado para a defesa da sociedade (Aníbal Bruno e Fragoso), concebida
eventualmente como combate ao crime, enquanto outros privilegiam a defesa dos
valores sociais que compõem os bens jurídicos (Brito Alves) ou o fortalecimento desses
valores na consciência social.11
A força desse entendimento decorre da necessidade de impor limites materiais
Ao poder de punir do Estado.
A exigência de uma delimitação da intervenção do Estado, igualmente no
Âmbito do processo de socialização, ou ressocialização, e não apenas no âmbito causal
da produção de efeitos, deflui da necessidade de situar o bem jurídico, não apenas,
agora, como objecto de preferência ou de referência, mas sim como instrumento de
discussão da legitimidade do próprio direito de punir.
Nesse sentido é que se diz que o bem jurídico cumpre, assim, um papel
Delimitativo da incriminação e protectivo da pessoa.

11
CORREIA, Manuel Eduardo de, Direito Criminal, vol.II, P.219

17
E no pensamento de Hans Welzel que a noção de bem jurídico passa a se
fundamentar no pensamento dos próprios cidadãos sobre um determinado bem,
rejeitando uma natureza jurídico-positivista.
Segundo Welzel, a defesa de valores ético-sociais elementares da consciência
jurídica e, por inclusão, a defesa dos bens jurídicos, compreendidos como estados
sociais de preservação juridicamente desejáveis, seria a verdadeira função do direito
penal.
Posteriormente, no final do século XXl, tentando desenvolver melhor a noção de
bem jurídico, no sentido de limitar o poder de intervenção jurídico-penal, surgiram
outras teorias: as denominadas sociológicas e constitucionais.
As teorias constitucionais do direito penal extraem o conceito de bem jurídico
da própria Constituição, enquanto as sociológicas buscam o seu sentido directamente na
realidade social.12
Nesse contexto, Roxin sugere que qualquer o conceito de bem jurídico só pode
ser orientado pela Constituição, eis que, segundo ele, a única restrição previamente
discorre longamente sobre essas críticas.

7 Tentativa de solução do problema


Importa fazer menção primeiro que a criminalização do abordo implica, o maior
risco de vida humana seja para o nascituro e a própria mãe, uma vez que muita das
vezes no nosso país o abordo acontece duma forma clandestina, sem a intervenção dum
medico especializado para a tal, ora para alem de o estado criminalizar o abordo deveria
criar mecanismo para que seja feito duma forma que não poe em risco a vida humana.

8 Aborto e criminalização

O homem não existe para a lei, mas sim a lei existe para o homem.

9 Aborto: o direito à vida que mata

12
OLIVEIRA, Fátima. Bioética uma face da cidadania. Editora moderna 1997

18
Como crime, o aborto torna-se especialmente problemático. Conforme a
pesquisa nacional do aborto, levada a cabo pela antropóloga Débora Diniz, mais de uma
em cada cinco mulheres em idade fértil já realizou ao menos um aborto induzido.
Tratam-se de abortos clandestinos, que, em grande parte dos casos, são feitos sem
condições mínimas de segurança e higiene, e por pessoas sem as habilidades técnicas
necessárias. Nesse contexto, não é por acaso que o aborto induzido é uma causa
significativa de mortalidade materna. Além do risco de morte, existe o de ficar com
graves sequelas.13
Contudo, esses perigos não parecem intimidar as mulheres, que continuam
abortando, à margem da lei. Muitas alegam impossibilidades emocionais e psicológicas
de gerar e criar um filho. Outras relatam a carência de condições materiais como motivo
determinante para a opção pelo aborto.
De outro lado, há mulheres que abortam simplesmente porque não desejam ter
filhos. Contudo, há um grande ponto de convergência entre as narrativas de mulheres
que já abortaram: quase sempre se trata de uma decisão difícil e dolorosa.

10 Invenção de novas ideias

Essa situação demonstra a urgência de se discutir a criminalização do aborto de


uma maneira honesta e racional. Afinal, qual o objectivo da criminalização do aborto?
Ela cumpre esse objectivo de forma satisfatória? Que direito à vida é esse, que mata? A
Criminalização do aborto é legítima? A quem ela interessa? Diante dessa situação
fazum resgate das narrativas de diversas mulheres que abortaram e foram
criminalizadas, através da análise das declarações por elas prestadas durante o processo
sofrido.
Nesse sentido, destaca-se o relato da Célia jose Moiane do Hospital central de
Nampula que já há muito tempo a declarante não deseja mais conviver em companhia
de seu companheiro em virtude de bebedeira e maus-tratos contra os próprios filhos;
que seu companheiro não cumpre com suas obrigações de pai e de marido, faltando tudo
para a declarante e seus dois filhos, não possuindo nem uma cama para dormir; que
13
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Atlas, São Paulo, 2001.

19
devido à vida de sofrimento que levava em companhia de seu companheiro fez com que
tomasse a decisão de abortar o terceiro filho que estava para nascer.
Complexa e cheia de contradições, interessa analisar os diversos impactos da
criminalização do aborto, a fim de verificar se ela é de fato adequada aos fins a que se
propõe, bem como se ela é compatível com os princípios de um Estado Democrático
de Direito.
Primeiramente, há que se esclarecer que o crime de aborto protege tão-somente a
vida humana intra-uterina. Isto porque, para que haja aborto, é necessário que ocorra a
interrupção de uma gravidez. Nesse sentido lecciona Prado (2008, p. 107): “o aborto
consiste, portanto, na morte dada ao nascituro intra uterum ou pela provocação de sua
Expulsão.
O delito pressupõe, por óbvio, gravidez em curso”. Esta, por sua vez, só se
concretiza com a nidição, que é a fixação do embrião no útero materno, o que somente
Ocorre catorze dias após a concepção.
Assim, deve ficar claro que não caracteriza aborto a destruição ou expulsão do
embrião antes da indicção. Logo, é um equívoco afirmar que o direito penal protege a
vida humana desde a concepção. Não protege.
Uma das funções da “pílula do dia seguinte” é justamente impedir que o embrião
Consiga se fixar na parede uterina da mulher. Isso definitivamente implica na destruição
do embrião.
Contudo, não caracteriza aborto, pois não interrompe gravidez, senão impede
que ela ocorra. Dessa forma, trata-se de uma situação onde é perfeitamente legal a
destruição da vida humana em formação.
Dito isso, é seguro afirmar que, no crime de aborto, o bem jurídico protegido é a
somente vida humana em formação intra-uterina. Nesse sentido leciona Prado (2008, p.
105) “protege-se a vida intra-uterina para que possa o ser humano desenvolver-se
normalmente e nascer”.
Contudo, há controvérsias na doutrina quanto à titularidade, e,
consequentemente, quanto ao sujeito passivo do bem jurídico designado por “vida
humana em formação”. Com efeito, parte da doutrina não aceita que o ser humano em
formação possa ser titular de um bem jurídico, pelo que atribui a titularidade do bem
jurídico “vida humana em formação” à colectividade ou ao Estado.
Assim, é certo afirmar que o objectivo da criminalização do aborto é a protecção
do bem jurídico 'vida humana intra-uterina'. Nesse contexto, cabe a pergunta: ela

20
cumpre esse objectivo? Tendo em vista os resultados da Pesquisa Nacional do Aborto
(PNA), é evidente que não. Não há dúvidas de que “os efeitos dissuasórios da legislação
repressiva são mínimos, senão nulos.
Ora, tendo em vista que o poder dissuasório da pena está na ameaça de privação
de liberdade; e que, por outro lado, as mulheres estão dispostas a arriscar a própria vida
- bem cujo valor é, em tese, mais elevado que a liberdade, tendo em vista que em
moçambique não aceita a pena de morte - para realizar um aborto, torna-se evidente que
a criminalização da prática, enquanto forma de coibi-la, está fadada ao fracasso.

Nesse contexto, cai por terra também a hipótese de que a falência da


criminalização do aborto em cumprir seu objectivo declarado decorra da baixa
incidência da criminalização secundária.
Realmente, é sabido que a quantidade de condenações criminais pelo crime de
aborto é desprezível, mesmo porque, se não fosse, “seria necessário transformar todo o
país numa imensa prisão, para comportar os milhões de Moçambicanos que já
praticaram abortos fora das hipóteses legalmente permitidas”
Isso se dá muito em razão - embora não só - das dificuldades em se reunir
provas acerca do dolo; ou seja, de que se trata realmente de um aborto induzido, e não
espontâneo.
Contudo, tendo em vista que também na criminalização secundária o poder
dissuasório da pena está na ameaça de privação de liberdade, fica claro que um aumento
nessas taxas não seria capaz de produzir uma diminuição no número de abortos
induzidos. Isso sem falar na já mencionada inviabilidade prática dessa alternativa.
Nesse sentido, é extremamente significativo o fato de que, nos países que legalizaram a
interrupção voluntária da gravidez, não tenha sido constatado qualquer aumento
relevante no número de abortos realizados.
Isso demonstra que as mulheres não deixam de abortar porque o aborto é
criminalizado; assim como não passam a fazê-lo porque é permitido. Nenhuma mulher
faz aborto porque a idéia lhe é agradável; ou porque é uma opção que está ali,
disponível, entre outras tantas. Não se trata de uma decisão trivial.
Nesse sentido, há que se ressaltar que é soa descabida a tese de que, com a legalização
do aborto, as mulheres poderiam passar a valer-se dele como uma alternativa aos
métodos contraceptivos.

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Isso vai contra tudo o que dizem as mulheres que já passaram por essa
experiência, as quais invariavelmente relatam o enorme sofrimento que ela envolve; seja
por ela ser contrária às suas próprias convicções; seja pelo cruel julgamento moral por
parte da sociedade; seja pelo medo de ficar com alguma sequela física. Limites que o
Direito Penal, enquanto instrumento de protecção de bens jurídicos, deve respeitar:
a) Princípio da adequação dos meios do Direito Penal para uma protecção efectiva de
bens jurídicos;
b) Princípio da utilização do meio relativamente menos grave;
c) Princípios da intervenção mínima;
d) Princípio do interesse preponderante - que considera ilegítima uma sanção penal que
directa ou indirectamente provoque maiores danos do que aqueles que pretende evitar.
Esses princípios, entre outros, apontam para uma limitação da tutela jurídico-penal e
para uma aplicação mais correcta e racional do Direito Penal

11 Obtenção de uma solução

Contudo é importante que o nosso governo se posicione melhor na temática do


aborto pós no nosso ordenamento jurídico tem aumentado o índice de óbito por conta de
abortos clandestinos, e isso ferre de forma directa a nossa sociedade, Estado poderia
optar por legalizar âmbito do aborto com comparação ao EUA, onde legalizaram o
aborto, pelas pesquisas feitas por min tudo indica que Moçambique tal como Brasil
onde criminalizam o Aborto em algumas situações tem mais índice de realização de
aborto clandestinos, recorrendo as farmácias, enfermeiras e isso trás mais riscos a dois
bens jurídicos, não e por criminalizar ou não o aborto poderá se proteger a vida uterina.
Mais sim o Estado devera criar métodos mais eficazes para protecção desses
acontecimentos, ou seja legalizando se o Aborto de forma positiva iriamos proteger em
simultâneo duais vida, pós as mulheres optariam em procurar sítios profissionais para o
poder fazer com segurança.
Optando por criminalizar elas acabam achando meios fraudulentos e isso cria mais
riscos a sua vida e a seu bem-estar, tanto físico e psicológico, e o Estado estaria a
restringir o seu direito Fundamental.
Oque seria da criança ou nascituro que e concebido dos pais sem aquela vontade,
sem mínimas condições? Uma criança e uma flor que nunca murcha, e merece nascer e

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viver num Mundo sã com saúde e protecção, não adianta de forma coerciva o Estado
obrigar uma mulher a conceber sem que haja as mínimas condições para essa criança
gozar dos seus Direitos fundamentais e de tamanho importância se analisar o artigo 166,
167,168. do CP.

12 Consequência da solução obtida

Com poucas excepções, quase todos os países do mundo têm Leis que permitem
que o abortamento seja realizado para salvar a vida da mulher, cerca de 90% dos países
permitem que, no caso de risco de vida para a mulher, o aborto seja realizado. Em cerca
de 60% dos países a legislação também permite que o abortamento seja praticado para
preservar a saúde física ou mental, esses casos estão ligados quase sempre que as
mulheres são vítimas de algum tipo de abuso sexual. Quase 40% deles não punem o
abortamento quando a gravidez resulta de violência sexual, ou quando cursa com
anomalia fetal grave.

O abortamento voluntário, por exclusiva solicitação da mulher, é garantido por


cerca de 30% dos países, a maioria países desenvolvidos. No nosso ordenamento
juridico, a legislação sobre o abortamento encontra-se entre as mais restritivas do
mundo, e várias são as propostas de alterações. Em alguns pontos podemos observar
que o abortamento é considerado como crime e possível de pena, ao menos é o que está
previsto pelo Código Penal Moçambicano em seus artigos 166, 167 e 168, com
penalidades para a mulher e para o médico que o praticam.14

12.1 Correcção das hipóteses

É responsabilidade do Estado garantir que a interrupção dessas gestações seja


realizada de maneira ética, humanizada e segura assegurando-lhes uma segura
recuperação e acompanhamento psicológico. Nesse sentido, o Ministério da Saúde
normatizou, desde 1998, os procedimentos a serem adotados por gestores e profissionais
de saúde para o atendimento ao abortamento previsto em Lei, conforme a norma técnica
Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres
e Adolescentes, e a norma técnica Atenção Humanizada ao Abortamento.

14
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Código Penal, escolar editora, 2015

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Em países subdesenvolvidos, como é o caso de Moçambique é preciso que sejam
criadas politicas que minimizem os dados causados na saúde das mulheres, e que, acima
de tudo, reduza os números de mortas com o aborto. Isso poderia ser feito a partir de
campanhas efetivas de conscientização da sociedade, flexibilização da legislação e
desburocratização do atendimento às mulheres que passaram pelo abortamento.

Conclusão

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O objetivo do presente ensaio foi analisar algumas questões centrais que
permeiam a questão da interrupção voluntária da gravidez, à luz dos princípios e direitos
fundamentais, tendo em vista a crença desta autora de que esse é o melhor caminho para
uma solução juridicamente adequada para a problemática colocada.
A investigação histórica da prática da interrupção voluntária da gravidez foi de
grande valia para a melhor compreensão da temática, eis que permitiu visualizar os
diversos posicionamentos que já se teve acerca do aborto induzido, bem como as suas
respectivas justificativas. Nesse sentido, a verdade é que o aborto sempre foi uma
prática profundamente disseminada nas mais diversas sociedades.
Contudo, não passou a ser condenado da forma como é hoje senão
recentemente. Com efeito, em alguns momentos da história a prática foi até mesmo
incentivada. Mesmo nos momentos em que o aborto foi visto como algo condenável, os
motivos para isso variaram bastante e, durante muito tempo um pretenso direito à vida
do ser humano em formação não esteve entre eles. Ainda, pôde-se perceber que a
modificação e a consolidação do norte interpretativo da prática do aborto induzido para
a "vida humana" se deram sob a forte influência do cristianismo.
A análise do postulado constitucional da inviolabilidade do direito à vida, por
sua vez, mostrou que o entendimento acerca do momento em que se inicia essa
protecção sempre consistirá em uma interpretação do legislador infraconstitucional,
dentre outras tantas possíveis, dessa norma constitucional. Assim, tendo em vista que a
interpretação actual, que criminaliza a interrupção da vida humana somente a partir do
início da gravidez, viola escandalosamente a dignidade da mulher enquanto ser humano,
não é ela compatível com a Constituição da república de Moçambique, cujo norte
interpretativo é justamente o princípio da dignidade da pessoa humana.
Quanto à criminalização do aborto, verificou-se que, além de contrária aos
princípios constitucionais e aos direitos fundamentais, ela sequer se justifica dentro do
próprio direito penal. Com efeito, além de fracassar terminantemente em alcançar o seu
objectivo - preservar a vida intra-uterina - a situação de clandestinidade que ela impõe é
consideravelmente mais grave do que seria a ausência de norma penal, eis que implica
numa gama significativamente maior de direitos violados ou sem eficácia garantida.
Ademais, a penalização do aborto também não se sustenta por manifesta ausência de um
mínimo consenso ético acerca da inviolabilidade da vida humana intra-uterina, bem
jurídico por ela visado. Nesse sentido, a verdade é que a multiplicidade de visões sobre
o aborto induzido ao longo da história permanece ainda hoje.

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A insubordinação de tantas mulheres à proibição do aborto, não obstante tantos
riscos inerentes a um aborto clandestino, é a melhor prova disso. Assim, a vida humana
em formação, da forma como hoje é tutelada pela legislação penal moçambicano (a
partir do início da gravidez), é absolutamente imprestável enquanto bem jurídico
penalmente protegido.
Diante desse contexto, é certo que a criminalização do aborto, ao menos da
Forma como existe hoje, encontra-se em inegável descompasso com os princípios e
Direitos fundamentais da Constituição.
Assim, é urgente a necessidade de uma revisão da legislação penal, a fim de
adequar a protecção da vida humana em formação aos postulados constitucionais,
respeitando-se a dignidade humana e os direitos fundamentais da mulher.

Referências bibliográficas

26
Legislação
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Constituição da república de Moçambique de
2004

REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Código Penal, escolar editora, 2015.

Doutrina

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CFEMEA.http://www.cfemea.org.br/index.php?option=com_content&view=article&i
D=1422: planejamento-familiar&catid=157:saude-e-dsdr&Itemid=127, acesso em
16.03.2020
DICIONÁRIO DO AURÉLIO. http://www.dicionariodoaurelio.com/aborto, acesso

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