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Economia das sociedades caçadoras/coletoras do paleolítico

Ao pensarmos na economia1 dos grupos caçadores e coletores que


viveram no paleolítico o que vem primeiro à mente é que a vida era
extremamente “dura” para estes indivíduos. Não é difícil imaginar que eles, por
não apresentarem técnicas de agricultura2, estariam continuamente
trabalhando pela sobrevivência, num esforço constante, o que inviabilizaria a
possibilidade de descanso, produção de excedente e, logo, um lazer. Estas
concepções são equivocadas, pois, como veremos, estes indivíduos
conseguiam satisfazer todas as suas necessidades materiais, ou seja, eles não
passavam tantas dificuldades como pode parecer para observadores que
vivem fora desses grupos. Tais necessidades eram supridas porque os
humanos dessas sociedades desejavam pouco. Na verdade, o desejo criado
pelo consumo que vemos hoje ainda não havia sido despertado naquela época.
Os povos caçadores/coletores eram nômades, isso significa que não
ficavam por muito tempo numa determinada região. Coletavam frutos e plantas
e caçavam – a coleta era realizada pelas mulheres e, às vezes crianças,
enquanto a caça, pelos homens. Quando os recursos se tornavam menos
acessíveis no local em que se encontravam, os povos mudavam. Deste modo,
eles não se preocupavam em estocar seus alimentos – a natureza já era, por
assim dizer, uma grande dispensa. Além disso, para esses povos armazenar
significava carregar mais peso e isso prejudicava na sua locomoção. Assim, o
sentido de riqueza era conferido apenas a bens-alimentares diretos como água
e comida e estava ligado a facilidade de mobilidade que se poderia alcançar
com determinados itens. Objetos grandes, então, como canoas, por exemplo,
eram considerados mais um empecilho do que fortuna. 3 Os caçadores
coletores não eram, assim, apegados às coisas, o que pode parecer estranho
para nós. Tudo podia ser facilmente “refeito” quando eles chegassem em seus
próximos destinos.
Como já dito, estes povos não viam uma real necessidade em estocar
alimentos ou provisões. A lógica deles era a seguinte: “para que guardar para
amanhã e os próximos dias, se quando o momento chegar a natureza poderá
suprir novamente minhas necessidades? ”. Estes grupos trabalhavam menos
do que se trabalha hoje; além disso, mais do que um trabalho contínuo, a
coleta de alimentos era intermitente e o descanso abundante. Estudos junto a
grupos atuais de caçadores coletores australianos mostraram que até 4 ou 5
dias da semana são gastos com descanso e/ou atividades de lazer. Além
disso, o pouco que eles trabalham, 2 ou 3 dias, já seria suficiente para produzir
alimento para muitas pessoas por uma grande quantidade de tempo.
1
O conceito “economia” é usado aqui no sentido que expressa o conjunto de relações estabelecidas
entre grupos de indivíduos e o meio.
2
Essa técnica só viria a se estabelecer no período conhecido como Neolítico.
3
Outra interpretação negativa da armazenagem é que esta acabaria por contribuir para a fixação da
aldeia em uma área que rapidamente veria esgotada a fonte natural de alimentos; o povo estaria, assim,
imobilizado pelos estoques acumulados.
Por mais que estes grupos de caçadores e coletores encontrassem, de
uma maneira geral, recursos abundantes no meio em que viviam, as condições
nem sempre eram favoráveis e, sendo assim, eles deviam sempre assegurar
uma produção alimentícia vantajosa, de modo que se evitasse a fome. Para
isso a necessidade de locomoção para outras regiões era constante. Nessa
lógica, como já explicado, qualquer tipo de coisa que funcionasse como
sobrepeso era considerada supérflua e isso incluía as pessoas. Muitas vezes
eram adotadas práticas de controle demográfico, como infanticídio, eliminação
de idosos, etc., em prol de uma melhora na mobilidade da família e aldeia.
Podemos dizer, por fim, que a vida dos caçadores e coletores do
paleolítico não era completamente difícil e “dura”, no sentido de que esses
grupos estavam sempre em luta pela sobrevivência. O erro dessa lógica
ultrapassada está no fato de olhar para estas sociedades (através do estudo de
comunidades de caçadores coletores atuais) a partir de uma visão de mundo
na qual os valores estabelecidos são diferentes. Nossa cultura voltada ao lucro,
à propriedade, que constitui uma noção de riqueza centrada na materialidade,
funciona como uma cortina de fumaça que distorce nossa percepção destes
povos. Como já mencionado, atribuímos, sem uma prévia reflexão, uma certa
pobreza a estas pessoas, quando, na verdade, a riqueza delas nem sequer
pode ser representada pelos conceitos que conhecemos.

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