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Atualizações em Coagulação:
Os Anticoagulantes Orais Não Antagonistas
da Vitamina K (NOACs)
Updates on Coagulation: Non-Vitamin K Antagonist Oral
Anticoagulants (NOACs)
Isabel Vitória Figueiredo1, Marta Lavrador1, Ana Margarida Freitas2, Brenda Madureira3, Carla Mendes
Campos4, Elizabete Vale Gonçalves5, Francisco Machado6, Jorge Fortuna6, José Feio6, Margarida
Castel-Branco1, Helena Catarino7, Marisa Caetano6, Nuno Vilaça Marques6, Paulo Tavares de Almeida8,
Catarina Luz Rodrigues Oliveira9
1. Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
2. Hospital CUF Descobertas, Lisboa, Portugal
3. Hospital de São Francisco Xavier, Lisboa, Portugal
4. Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal
5. Administração Regional de Saúde do Centro, IP, Coimbra, Portugal
6. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
7. Hospital da Luz Torres de Lisboa, Lisboa, Portugal
8. Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal
9. Hospital de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira, Portugal
9
Autor Correspondente:
Isabel Vitória Figueiredo, isabel.vitoria@netcabo.pt
Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Pólo das Ciências da Saúde,
Azinhaga de Santa Comba 3000-548 Coimbra
Resumo
Os anticoagulantes orais não antagonistas da vitamina K (NOACs) surgiram como uma alternativa tera-
pêutica aos antagonistas da vitamina K (VKAs). Os NOACs vieram revolucionar a anticoagulação oral,
estando indicados para a prevenção de fenómenos tromboembólicos em doentes com fibrilhação auricular
não valvular e para a prevenção primária e secundária do tromboembolismo venoso, nomeadamente trom-
boses venosas profundas e embolia pulmonar.
Dada a crescente utilização destes anticoagulantes, é importante um aumento do conhecimento acerca dos
mesmos, nomeadamente das suas indicações clínicas, precauções especiais de uso, as suas características
farmacocinéticas e farmacodinâmicas, características posológicas e formas de monitorização.
Neste sentido, a Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares (APFH) reuniu-se para discutir
aspetos críticos desta matéria e, com base na atual evidência científica disponível, adotar uma posição con-
sensual acerca da visão da APFH sobre os aspetos chave e atualizações sobre a coagulação.
Os resultados e conclusões do trabalho focaram-se nas razões da escolha dos diferentes anticoagulantes
(VKAs e NOACs), e, concretamente em relação aos NOACs, nas necessidades de monitorização, em con-
siderações acerca de populações de risco, tempos de semivida, adesão e falhas na toma dos medicamentos,
interações farmacológicas mais relevantes, contraindicações e precauções, antídotos disponíveis, mecanis-
mos de avaliação da anticoagulação e switch entre os vários anticoagulantes.
Palavras-chave: Anticoagulantes; Antídotos/uso terapêutico; Coagulação Sanguínea/efeitos dos fármacos;
Embolia Pulmonar/prevenção e controlo; Fibrilhação Auricular/complicações; Testes de Coagulação San-
guínea; Tromboembolia Venosa/prevenção e controlo; Vitamina K/antagonistas & inibidores
Abstract
Non-vitamin K antagonist oral anticoagulants (NOACs) have appeared as a therapeutic alternative to
vitamin K antagonists (VKAs). NOACs introduction has changed oral anticoagulation. They are clinically
indicated for the prevention of thromboembolic phenomena in patients with non-valvular atrial fibrillation
and for the primary and secondary prevention of venous thromboembolism, specifically deep vein
thrombosis and pulmonary embolism.
Accounting for the growing use of these anticoagulants, it is important to enhance the knowledge about
them, namely their clinical indications, special precautions in use, pharmacokinetic and pharmacodynamic
characteristics, dosing information and monitoring forms.
As a consequence of this growing awareness, the Portuguese Association of Hospital Pharmacists (APFH)
came together to discuss critical aspects regarding this issue. Based on the current available scientific evi-
dence, APFH aimed to adopt a consensual position on key aspects and new updates on coagulation.
The results and conclusions of this meeting focused on the reasons for choosing between VKAs and NOACs.
When it comes to NOACs, the working group focused on the monitoring needs, risk populations, half-lives,
questions regarding adherence, pharmacological interactions, contraindications and precautions, available
antidotes, mechanisms of anticoagulation evaluation and switch between different anticoagulants.
Keywords: Anticoagulants; Antidotes/therapeutic use; Atrial Fibrillation/complications; Blood Coagula-
tion/drug effects; Blood Coagulation Tests; Pulmonary Embolism/prevention & control; Venous Thrombo-
embolism/prevention & control; Vitamin K/antagonists & inhibitors
10
no fígado. O dabigatrano é um potente inibidor direto bora o potencial de interações expectável seja inferior
da trombina, competitivo e reversível, inibindo a trom- ao dos VKAs, este não pode ser negligenciado.2
bina livre, a trombina ligada à fibrina e a agregação pla- Embora as vantagens associadas aos NOACs sejam ine-
quetária induzida pela trombina.7 gáveis, não estão isentos de inconvenientes, nomeada-
Os diferentes NOACs apresentam, contudo, algumas mente a inexistência de antídotos aprovados capazes de
diferenças entre si que não se esgotam na diferença do reverter a ação dos fármacos, o preço mais elevado com-
alvo terapêutico. De facto, as características farmacoci- parativamente à varfarina e a ainda insuficiente evidên-
néticas de cada um dos fármacos diferem, com impacto cia científica sobre a utilização de NOACs em situações
na biodisponibilidade, bem como na forma de tomar e clínicas específicas. Deste modo, o presente documento
no esquema posológico. Assim, e embora a influência pretende responder a questões da prática clínica essen-
da glicoproteína-P (gp-P) na absorção seja transversal ciais aquando da utilização de NOACs, servindo como
a todos os NOACs, a biodisponibilidade do dabigatra- um guia prático e consensual acerca das decisões a tomar
no (3% a 7%) é substancialmente menor do que a dos perante determinados cenários clínicos específicos.
demais NOACs (50% para o apixabano, 62% para o
edoxabano e 66% para o rivaroxabano). Importa, ain- Métodos
da, realçar que a biodisponibilidade do rivaroxabano A Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospita-
aumenta para aproximadamente 100% quando toma- lares (APFH) organizou uma reunião temática sobre
do com alimentos, não havendo qualquer influência no o tema “Atualizações em Coagulação e Esclerose Múl-
dabigatrano e apixabano e uma interferência mínima tipla”. Relativamente ao tema da coagulação, foram
no edoxabano. Relativamente à clearance renal, ela é de criados grupos de trabalho para a discussão de aspetos
80% para o dabigatrano, 50% para o edoxabano, 35% críticos desta matéria, de modo a reunir informação
para o rivaroxabano, e 27% para o apixabano, enquanto tendo em conta a atual evidência científica disponível e,
a clearance não renal é, respetivamente, 20%, 50%, 65% assim, adotar posições concretas que refletissem a visão
11
e 73%. No que diz respeito ao metabolismo hepático, e posicionamento da APFH sobre aspetos-chave e atua-
verifica-se que há influência do CYP3A4 na eliminação lizações sobre a questão da coagulação. Assim, os temas
hepática do rivaroxabano e do apixabano, sendo no alvo de análise e discussão entre os diferentes grupos de
entanto inexistente para o dabigatrano e minor para o trabalho abordaram os seguintes aspetos:
edoxabano. A utilização simultânea com inibidores da 1– Escolha do anticoagulante: VKA ou NOAC?
bomba de protões (IBPs) ou antagonistas dos rece- 2– Necessidade de monitorização (função renal/função
tores H2 conduz a uma diminuição da biodisponibili- hepática)
dade do dabigatrano, não produzindo qualquer efeito 3– Populações de risco - ajustes posológicos
nos restantes NOACs. O apixabano e o rivaroxabano 4– Tempo de semivida/adesão/falhas na toma
podem ainda ser triturados e utilizados em sondas na- 5– Interações farmacológicas (mais relevantes), con-
sogástricas, sem comprometimento na biodisponibili- traindicações e precauções
dade, ao contrário do dabigatrano, cujas cápsulas não 6– Antídoto (em caso de hemorragia grave)
podem ser abertas. As diferenças refletem-se também 7– Avaliação da anticoagulação
no número de tomas diárias, tendo o dabigatrano e o 8– Switch.
apixabano um esquema posológico que contempla duas
tomas diárias, enquanto o rivaroxabano e o edoxabano Os diferentes grupos de trabalho procederam a uma
têm apenas uma toma diária.2,8 revisão da bibliografia e compilaram informação sobre
A compreensão do comportamento farmacocinético é, os diferentes temas. Para cada um deles, apresentaram
pois, essencial para identificar e selecionar o fármaco propostas resultantes do consenso entre os diferentes
mais adequado. Mas há outros parâmetros específicos, membros, resultando em recomendações finais que re-
nomeadamente respeitantes a cada doente e a cada si- presentam o posicionamento da APFH.
tuação clínica, que devem ser considerados para efeti-
vamente se proceder à escolha do NOAC mais indicado. Resultados e conclusões
Assim, a idade, as funções renal e hepática, o peso e ou- Tendo em conta a bibliografia consultada e a discus-
tras características clínicas particulares devem ser tidas são nos diferentes grupos de trabalho acima mencio-
em conta. Também a toma de outros medicamentos que nados, apresenta-se, seguidamente, toda a informa-
podem ser contraindicados ou que podem originar in- ção reunida que reflete as principais conclusões de
terações fármaco-fármaco deve ser examinada, pois em cada um dos grupos.
Doente tem
fator de risco
para AVC
30 mg id 60 mg id
Doente tem
fator de risco
para AVC
Figura 3. Algoritmo de ajustes de doses dos NOACs 13
para diferentes valores de clearance de creatinina -
ClCr estimada
edoxabano
Abreviaturas: AVC - acidente vascular cerebral; CLCr - clearance de
6
creatinina; id - por dia (in die). Adaptado do RCM edoxabano
Verificar
recomenda-se uma diminuição da dose para 2,5 mg 2
Não Verificar
recomendado
2,5 mg 2 id
idade
Verificar peso creatinina
sérica
vezes/dia. Este ajuste posológico é também recomen-
dado para situações em que, embora a CLCr ≥30 mL/
80 anos 60 Kg 133 µmol/l
minuto, se verifiquem duas das seguintes condições:
• Creatinina sérica ≥1,5 mg/dL;
• Idade ≥80 anos;
Se 2 características Se 1 característica • Peso ≤60 kg.
2,5 mg 2 id 5 mg 2 id Se apenas se verificar um dos fatores prévios, a dose
recomendada é 5 mg 2 vezes/dia.5
Figura 2. Algoritmo de ajustes de doses dos NOACs Quanto ao edoxabano, a dose habitual é de 60 mg 1 vez/
para diferentes valores de clearance de creatinina - dia. Contudo, para valores de CLCr entre 15 mL/minuto
apixabano e 49 mL/minuto, recomenda-se uma diminuição para
Abreviaturas: AVC - acidente vascular cerebral; CLCr - clearance de
creatinina; id - por dia (in die). Adaptado do RCM apixabano
5 30 mg 1 vez/dia.6
Importa referir que há grupos de risco que são comuns
e que exigem especial atenção aquando da prescrição
situações de insuficiência hepática moderada a gra- de NOACs, nomeadamente indivíduos com risco au-
ve (classificação de Child-Pugh B e C). Estes ajustes mentado de hemorragia. Neste grupo, inserem-se os
posológicos são válidos para todas as indicações te- seguintes:
rapêuticas.4 • Indivíduos com história de hemorragia gastrointes-
Relativamente ao apixabano, a dose normalmente tinal;
recomendada é de 5 mg 2 vezes/dia. Contudo, em si- • Indivíduos com cirurgia recente em órgão crítico;
tuações de comprometimento renal moderado, isto é, • Trombocitopenia (quimioterapia);
quando a CLCr <30 mL/minuto (mas >15 mL/minuto), • Score HAS-BLED ≥3.4-7
Doente tem
fator de risco
para AVC
Idade >75 ou
Contraindicado Idade >80 anos elevado risco de Idade <75 anos Idade 75-80 anos Idade >80 anos
hemorragia
Baixo risco
110 mg 2 id 110 mg 2 id 150 mg 2 id 150 mg 2 id elevado risco de
150 mg 2 id 110 mg 2 id
hemorragia
110 mg 2 id
Figura 4. Algoritmo de ajustes de doses dos NOACs para diferentes valores de clearance de creatinina - dabigatrano
7
Abreviaturas: AVC - acidente vascular cerebral; CLCr - clearance de creatinina; id - por dia (in die). Adaptado do RCM dabigatrano
14
4 - Tempo de semivida/adesão/falhas na toma nistração, SMS, aplicações para telemóvel) para se as-
O tempo de semivida dos diferentes NOACs é segurar uma adesão adequada. A consulta farmacêutica
semelhante. Assim, o dabigatrano tem um tempo de poderá ainda ser uma mais-valia, com o envolvimento
semivida de 12-17 horas, o rivaroxabano de 5-9 horas dos farmacêuticos na monitorização da adesão à tera-
(aumentando para 11-13 horas nos idosos), o apixabano pêutica.2,9
de 12 horas e o edoxabano de 9-11 horas.2 Deve obter-se uma adesão superior a 80%, no sentido
A ausência de uma monitorização contínua da tera- de garantir o efeito anticoagulante, sendo importante
pêutica com NOACs como a que ocorre com os VKAs tomar os diferentes NOACs sempre à mesma hora.2
leva a que os doentes que tomam os primeiros sejam Questões relativas a erros de doses são muito frequentes.
vistos menos frequentemente durante o follow-up. Deste Quanto ocorre esquecimento na toma de um NOAC, se
modo, é muito importante educar os doentes e alertar o esquecimento for até 50% do tempo para a próxima
claramente para a importância de aderir estreitamente toma, deve tomar-se essa dose e manter o horário habi-
ao tratamento e ao regime posológico. Assim, é essen- tual. Assim, para NOACs com regime posológico de 2
cial explicar a forma de tomar (modalidade de uma dose vezes/dia (dabigatrano e apixabano):
diária, 1 vez/dia, ou duas doses diárias, 2 vezes/dia), se o • O doente pode tomar a dose esquecida até 6 horas
medicamento deve ser tomado com alimentos e explicar após a toma prevista.
aos doentes que não devem descontinuar os NOACs, Para NOACs com uma única toma diária (rivaroxabano
tendo em conta que há um rápido declínio da sua ação e edoxabano):
anticoagulante.2 • O doente pode tomar a dose esquecida até 12 horas
Os doentes devem ainda ser alertados para não se esque- após o horário suposto, sendo que, se já não for possível,
cerem de tomar ou levar consigo a medicação quando a dose deve ser saltada e já só é tomada a dose que estava
viajam. Deve, portanto, ser incentivada a educação do prevista.
doente, com a disponibilização de folhetos, instruções Concluindo, se o esquecimento for superior a 50% do
e o cartão de anticoagulação específico de cada doente tempo para a próxima toma, não duplicar a dose e tomar
e a reeducação a cada renovação de prescrição. O envol- no horário habitual. Nos casos em que há incerteza na
vimento familiar deve igualmente ser encorajado, bem toma do medicamento, isto é, se o doente não se lembra
como a utilização de sistemas de alerta (como caixas se tomou ou não o medicamento, não deve tomar e deve
dispensadoras, blisters identificativos dos dias da admi- aguardar pela próxima toma.2
Rev Port Farmacoter | 2018;10:160-170
ARTIGO DE REVISÃO
Nos casos em que ocorre duplicação de uma dose, deve deve ser evitada. Também a utilização simultânea com
agir-se da seguinte forma: clopidogrel, ácido acetilsalicílico e anti-inflamatórios
• NOACs com regime 2 vezes/dia – esquece-se a próxi- não esteroides aumenta o risco de hemorragia gastroin-
ma dose e reinicia-se tudo normal após 24 horas; testinal, pelo que deve haver precaução na utilização
• NOACs com regime 1 vez/dia – o doente deve con- com estes fármacos.2,7
tinuar o regime normalmente, isto é, sem saltar a dose Relativamente ao apixabano, é um fármaco que é subs-
seguinte.2 trato da gp-P e do CYP3A4. Assim, a utilização conco-
mitante de apixabano com inibidores potentes da gp-P
5 - Interações farmacológicas (mais relevantes), e do CYP3A4, tais como cetoconazol, itraconazol, vori-
contraindicações e precauções conazol e posaconazol e inibidores da protease do VIH
Os NOACs têm baixo potencial de interações farmaco- (por exemplo, ritonavir) não é recomendada. Também
lógicas. Contudo, estas podem ocorrer e é importante a utilização simultânea com indutores potentes da gp-P
estar atento às características farmacocinéticas dos e do CYP3A4, de que são exemplos a rifampicina, a fe-
fármacos e à presença de medicação concomitante e de nitoína, a carbamazepina, o fenobarbital ou o hipericão,
comorbilidades quando são prescritos NOACs. pode levar a uma redução nas concentrações plasmáti-
Um importante mecanismo de interação comum a to- cas de apixabano.2,5
dos os NOACs é o facto de todos eles sofrerem efluxo O rivaroxabano constitui igualmente um substrato da
pela gp-P após a sua absorção no intestino. A gp-P pode gp-P e do CYP3A4, pelo que a utilização simultânea
também estar envolvida na clearance renal, resultando com inibidores potentes da gp-P e do referido CYP (tais
numa inibição competitiva que pode resultar em níveis como cetoconazol, itraconazol, voriconazol e posaco-
plasmáticos aumentados.2 Ora, tendo em conta que vá- nazol ou inibidores da protease do VIH) não é recomen-
rios fármacos usados em doentes com FA não valvular, dada. Da mesma forma, a administração concomitante
uma das principais indicações dos NOACs, são inibi- com indutores do transportador e da enzima deve ser
dores da gp-P (nomeadamente o verapamilo, a amio- evitada.2,4 15
darona e a quinidina), é essencial perceber a possível Em relação ao edoxabano, substrato do transportador
interferência da utilização concomitante destes com os de efluxo gp-P, a sua utilização simultânea com inibi-
diferentes NOACs, procedendo-se, quando necessário, dores da gp-P resulta num aumento das concentrações
a ajustes de dose. plasmáticas do mesmo. Contudo, apenas para a utiliza-
A eliminação hepática via CYP3A4 está envolvida na ção concomitante com ciclosporina, dronederona, eri-
clearance hepática do rivaroxabano e do apixabano, pelo tromicina ou cetoconazol é necessária uma redução da
que a inibição ou indução deste CYP pode afetar as con- dose para 30 mg uma vez por dia, não sendo necessária
centrações plasmáticas destes NOACs e, portanto, o seu para a coadministração com quinidina, verapamilo ou
efeito, pelo que deve ser avaliada em cada contexto.4,5 amiodarona. Já a utilização simultânea com induto-
Assim, no caso concreto do dabigatrano, que tem uma res da gp-P (por exemplo, fenitoína, carbamazepina,
biodisponibilidade substancialmente inferior aos res- fenobarbital ou hipericão) pode originar redução das
tantes NOACs, pequenas flutuações na sua absorção concentrações plasmáticas de edoxabano, pelo que o
podem ter grande impacto nos níveis plasmáticos. Des- edoxabano deve ser utilizado com precaução quando
te modo, e sendo o dabigatrano um substrato da gp-P, a coadministrado com indutores da gp-P.2,6
utilização concomitante com inibidores da gp-P resulta Além da utilização simultânea com outros fármacos,
num aumento das concentrações plasmáticas de dabi- também a presença de condições clínicas específicas
gatrano. Assim, a utilização simultânea de dabigatrano exigem uma avaliação cuidada aquando da prescrição
e fortes inibidores da gp-P, nomeadamente cetoconazol de NOACs. Deste modo, constituem contraindicações
sistémico, ciclosporina, itraconazol e dronedarona, está transversais a todos os NOACs a existência de hiper-
contraindicada. Relativamente à utilização concomi- sensibilidade à substância ativa ou a qualquer um dos
tante de dabigatrano com inibidores fracos a moderados excipientes mencionados, a presença de hemorragia ati-
da gp-P, nomeadamente amiodarona, quinidina, vera- va clinicamente significativa, a gravidez e amamentação
pamilo e ticagrelor, deve haver uma precaução especial. e a presença de lesões ou condições, se consideradas
Já a utilização concomitante de dabigatrano e indutores como apresentando um risco significativo de grande
da gp-P, tais como rifampicina, hipericão, carbamazepi- hemorragia.4-7
na e fenitoína, pode resultar numa diminuição das con- Além das contraindicações acima apresentadas, há tam-
centrações do primeiro, pelo que a sua coadministração bém situações que implicam precaução na utilização de
NOACs, nomeadamente doentes com compromissos -fármaco, entre outros). Em caso de uma sobredosagem
renal e hepático, doentes para cirurgia e doentes com com menos de duas horas de evolução, a utilização de
baixo peso corporal (peso ≤60 kg, nos casos concretos carvão ativado pode ser útil na redução da absorção de
do apixabano e edoxabano).4-7 qualquer um dos NOACs.2 Contudo, dependendo da
gravidade da hemorragia, são necessárias outras medi-
6 - Antídoto (em caso de hemorragia grave) das, como se encontra esquematizado na Fig. 5.
Doses de NOACs superiores às recomendadas expõem Relativamente à utilização de antídotos específicos
os indivíduos a um risco aumentado de hemorragia. Isto para os NOACs (Fig. 6), apenas o dabigatrano tem já
pode acontecer quando ocorre uma toma excessiva do um antídoto aprovado – idarucizumab.10 É um fragmen-
NOAC (intencional ou não) ou quando surge uma in- to de anticorpo monoclonal humanizado (Fab) que se
tercorrência que motive um aumento das concentrações liga ao dabigatrano com uma afinidade muito elevada,
plasmáticas dos NOACs acima dos níveis terapêuticos aproximadamente 300 vezes mais potente que a afini-
(nomeadamente uma falência renal ou uma administra- dade de ligação do dabigatrano à trombina. Está indicado
ção de fármacos que conduza a uma interação fármaco- para doentes adultos tratados com dabigatrano quando é
16
Hemorragia
life-threatening
Figura 5. Medidas a adotar em caso de hemorragias ligeira, moderada a grave e life-threatening em doentes a tomar
NOACs.
Abreviaturas: CLCr – Clearance da creatinina; Hb – hemoglobina; GI – gastrointestinal; GV – glóbulos vermelhos; IV - intravenoso; NOAC -
anticoagulante oral não antagonista da vitamina K. Adaptado de Updated European Heart Rhythm Association practical guide on the use of non-vitamin K
2
antagonist anticoagulants in patients with non-valvular atrial fibrillation
DABIGATRANO
Figura 6. Antídotos aprovados e em desenvolvimento para
NOACs e outros anticoagulantes.
Abreviaturas: EMA - Agência Europeia do Medicamento; FDA - Food and
Drug Administration; NOAC - anticoagulante oral não antagonista da
vitamina K
aPTT ECT
enoxaparina deverá ser a opção preferida em interna- desejável. Contudo, efetivamente, tendo em conta a im-
mento, tendo em conta a grande experiência de utili- portância da terapêutica anticoagulante e o potencial
zação em contexto hospitalar.2 impacto de uma utilização incorreta dos diferentes an-
Em contexto de alta hospitalar, é incontornável a neces- ticoagulantes, é crítica a intervenção dos profissionais
sidade da reconciliação da terapêutica para um switch de saúde para a melhor orientação dos doentes.
adequado. O switch para NOACs em contexto de alta, O switch entre as diferentes terapêuticas anticoagulan-
por exemplo, quando bem suportado pelas caracterís- tes difere consoante o tipo de anticoagulantes envolvi-
ticas socioeconómicas do doente e quando feito com o dos. A Fig. 9 esquematiza os passos a adotar em dois
acompanhamento farmacêutico/médico adequado, é cenários terapêuticos distintos.
18
Figura 9. Switch entre terapias anticoagulantes (alteração de VKA para NOAC e de NOAC para VKA).
Abreviaturas: INR- International Normalized Ratio; NOAC - anticoagulante oral não antagonista da vitamina K; VKA - antagonistas da vitamina K.
Adaptado de Updated European Heart Rhythm Association practical guide on the use of non-vitamin K antagonist anticoagulants in patients with non-valvular
2
atrial fibrillation
Ethical Disclosures
Conflicts of Interest: The authors report no conflict of
interest.
Funding Sources: No subsidies or grants contributed
to this work.
Referências
1. Lip GY, Camm AJ, Hylek EM, Halperin JL, Weitz JI. Non-
vitamin K antagonist oral anticoagulants: an appeal for consensus
on terminology. Chest. 2014;145:1177-8. doi: 10.1378/chest.13-2951.
2. Heidbuchel H, Verhamme P, Alings M, Antz M, Diener HC,