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RESUMO
Tema: características da bulimia nervosa (BN) e do Refluxo Laringofaríngeo (RLF) e alterações vocais
e laríngeas que podem decorrer da exposição da laringe ao ácido gástrico. Objetivo: descrever, por
meio de revisão de literatura, as características do RLF e da BN, relacionando-os com as alterações
vocais e laríngeas que podem se originar da exposição da laringe ao ácido gástrico que ocorre em
ambas as condições. Conclusão: a BN se caracteriza por um transtorno alimentar de causa principal-
mente psicológica em que ocorre ingestão compulsiva de grande quantidade de alimentos, seguida
de episódios de vômitos auto-induzidos com a finalidade de evitar o ganho de peso. O RLF consiste
em uma variação clínica da DRGE, na qual o fluxo retrógrado do alimento e do ácido gástrico entra
em contato com a laringe e suas estruturas. Em comum, a BN e o RLF apresentam este mecanismo
de regurgitação que pode atingir a laringe. Dentre os sinais e sintomas laríngeos e vocais decorren-
tes da regurgitação do ácido gástrico sobre a laringe estão: globus faríngeo, disfonia, rouquidão,
tosse seca, disfagia, halitose, lesões inflamatórias nas pregas vocais, laringite, amigdalite, edema
e eritema glótico posterior e ou de aritenóides, da região retrocricóidea e interaritenóidea, estenose
subglótica, irregularidades na mucosa das pregas vocais, hipertrofia de mucosa laríngea, leucoplasia,
carcinoma, laringoespasmos, granulomas, úlcera de contato, nódulos vocais, pólipos vocais, edema
difuso, granuloma, fixação uni ou bilateral de aritenóides, edema de Reinke, laringomalácia, estridor,
e odinofagia.
INTRODUÇÃO
(1)
Fonoaudióloga; Professora Adjunta do Curso de Gradua-
ção em Fonoaudiologia e do Programa de Pós Graduação
em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Bulimia Nervosa (BN) é um distúrbio de compor-
Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil; tamento caracterizado pela ingestão compulsiva
Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universi- de grande quantidade de alimentos, com pouco ou
dade Católica do Rio Grande do Sul. nenhum prazer, seguido de vômitos auto-induzidos
(2)
Aluna do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da Uni- com a finalidade de evitar o ganho de peso 1-7.
versidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria,
O DSM-IV (1994) descreve a compulsão com
RS, Brasil.
base em dois aspectos:
(3)
Aluna do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da Uni-
versidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria,
1) ingestão, em um período limitado de tempo
RS, Brasil. (por ex., dentro de um período de duas horas)
(4)
Aluna do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da Uni- de uma quantidade de alimentos definitiva-
versidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, mente maior do que a maioria das pessoas
RS, Brasil. consumiria durante um período similar e sob
Conflito de interesses: inexistente circunstâncias similares e;
é de 1.800 e 1.300 para as mulheres, sendo esta medicamentoso, em que os antidepressivos são
média dependente da taxa de metabolismo basal, inicialmente efetivos18, pois parecem exercer seus
do efeito térmico do alimento e da atividade física 15. efeitos terapêuticos através da ação central, em
Segundo o DSM-IV (1994), a BN se divide vias noradrenérgicas e serotoninérgicas 19, além de
em dois subtipos clínicos: o purgativo, no qual há reduzirem a frequência de sintomas como ansie-
ingestão de laxantes e diuréticos, além de meca- dade, depressão e obsessão 18. Em estudo reali-
nismos de vômitos auto-induzidos, e um segundo zado, verificou-se que os índices de remissão dos
subtipo, em que os pacientes realizam somente episódios bulímicos através do uso de antidepres-
jejuns e atividades físicas excessivas 11. sivos foram maiores (19,2%) em relação aos do
A percepção e os mecanismos de interação uso do placebo (8%). Na avaliação de 16 pacientes
envolvidos na regulação do comportamento de tratados com 100 mg/dia de milnaciprano, dez
ingestão alimentar geralmente encontram-se alte- apresentaram redução em pelo menos 50%
radas nos pacientes bulímicos. Assim, a detecção dos sintomas, sendo que três tiveram remissão
da fome e o controle da saciedade também são completa ao fim do estudo (após oito semanas) 20.
deficientes. Tais pacientes caracterizam-se, ainda,
por comportamentos alimentares perturbados como 2 Doença do refluxo gatroesofágico, refluxo
expressiva repugnância, ingestão anormalmente gastroesofágico e refluxo laringofaríngeo
lenta, e um “comer social” prejudicado 13. A DRGE é a doença esofágica mais comum
A BN é o mais comum dos transtornos alimen- 21,22
e pode ser definida como uma afecção crônica
tares, com prevalência de 1 a 2% entre mulheres decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo
jovens, sendo que, em relação ao sexo, ocorre em gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adja-
uma proporção de 10:1 em favor do sexo feminino, centes, os quais não possuem mucosa adequada
e a idade média de ocorrência se dá em torno dos para recebê-lo 9, acarretando vários sinais e
25 anos 2,5,11. A incidência dessa desordem aumenta sintomas esofágicos ou extra-esofágicos e até
com a melhoria da condição socioeconômica 2. mesmo gerando lesões teciduais 11,23-26. Dentre os
Pode-se considerar a BN como multifatorial, conteúdos refluídos, o ácido clorídrico e a pepsina
pois são muitos os fatores que podem ser consi- são os principais 11,27.
derados etiológicos, como componentes biológicos, Basicamente, quatro mecanismos fisiológicos
psicológicos, familiares e sócio-culturais 11,12,16,17. Do protegem a via aérea superior das alterações do
ponto de vista biológico, pode ocorrer alteração no fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduo-
hipotálamo no sentido de não produzir mecanismos denal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes,
cerebrais de saciedade. O que se discute na litera- salientando-se o esfíncter esofágico superior, cons-
tura é se essa disfunção é primária ou secundária tituído principalmente pelo músculo cricofaríngeo
à própria BN e, caso seja secundária, se é devida e uma pequena porção de fibras musculares do
a déficit nutricional ou a alteração emocional 12. esôfago distal 9,21,28-30 e o inferior 9,21,31,32 que, durante
Os fatores psicológicos podem estar associados à a deglutição, apresentam um mecanismo sincro-
depressão 16, mas são várias as hipóteses psicoló- nizado de abertura e fechamento, com função de
gicas que tentam explicar o fenômeno da inanição. prevenir o escape do alimento do estômago ou do
Existe consenso entre as teorias de que os esôfago para as regiões superiores (laringe, faringe,
distúrbios de alimentação funcionam como uma cavidades oral e nasal) 9. Além desses, a mucosa
espécie de contenção psicológica ao interromper esofágica e as ondas motoras do esôfago também
o desenvolvimento físico das adolescentes, reme- fazem parte do mecanismo de proteção 28.
tendo-as ao estado pré-puberal 12. A influência Para prevenir o refluxo, o esfíncter esofá-
genética também tem sido investigada, encon- gico inferior, que está localizado no nível do hiato
trando-se maior incidência de BN entre os gêmeos diafragmático, e que atua como principal barreira 21
monozigóticos e mostrando uma taxa de heredita- deve manter uma pressão maior do que a do estô-
riedade de 45 a 55% 12. mago. Quando esse equilíbrio não é mantido, a
Para caracterizar esta patologia, os episódios de pressão gástrica torna-se maior do que a do próprio
compulsão alimentar e os métodos compensatórios esfíncter esofágico inferior, ocorrendo, então, a
utilizados devem ocorrer pelo menos duas vezes regurgitação, sendo que a diminuição da pressão
por semana, num tempo mínimo de três meses 5. do esfíncter esofágico inferior pode ocorrer por
Quanto ao tratamento desta desordem alimentar, afrouxamento muscular, hérnia de hiato ou por rela-
pode-se citar a reabilitação nutricional, que visa, xamento transitório 9.
inicialmente, à redução dos episódios de dieta, da A DRGE é de grande importância médico-social
compulsão alimentar e do uso de métodos purga- por determinar sintomas de intensidade variável
tivos; a intervenção psicológica; e o tratamento e que pode se manifestar de modo prolongado,
ABSTRACT
Background: characteristics of bulimia nervosa (BN) and laryngopharyngeal reflux (LPR) and
laryngeal and voice disorders that can arise from exposure to gastric acid of the larynx. Purpose:
to describe, through literature review, the characteristics of LPR and the BN, linking them with
laryngeal and voice disorders that can stem from exposure to gastric acid of the larynx, occurring
in both conditions. Conclusion: BN is characterized by an eating disorder, where there is a mainly
psychological compulsive ingestion of large quantities of food, followed by episodes of self-induced
vomiting in order to prevent weight gain. LPR consists of a clinical variation of gastro esophageal
reflux disease (GERD), in which the retrograde flow of food and stomach acid comes into contact
with the larynx and its structures. In common, BN and LPR have this mechanism of regurgitation that
may reach the larynx. The signs and symptoms arising from the vocal and laryngeal regurgitation
of gastric acid on the larynx are: globus pharynx, dysphonia, hoarseness, dry cough, dysphagia,
halitosis, inflammatory lesions on the vocal cords, laryngitis, tonsillitis, swelling and redness and / or
posterior glottis of the arytenoids, and the retrocricoid and interarytenoid region, subglottic stenosis,
irregularities in the vocal folds mucosa, hypertrophy of the laryngeal mucosa, leukoplakia, carcinoma,
laryngospasm, granulomas, contact ulcer, vocal nodules, vocal polyps, diffuse edema, unilateral or
fixing bilateral arytenoids, edema, laryngomalacia, stridor and odynophagia
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RECEBIDO EM: 29/11/2009
ACEITO EM: 15/06/2010