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EQUIPE TÉCNICA

Supervisão editorial: Dival Porto Lomba


Supervisão gráfica: Elmano Rodrigues Pinheiro e Luiz Antônio Rosa Ribeiro
Revisão de texto: Maria Helena de Aragão Miranda e Wilma Gonçalves Rosas Saltarelli
SUMÁRIO
Capa: Resa
(Os algarismos romanos indicam os livros, e os arábicos os parágrafos - entre
parênteses na tradução).
Tradução, introdução e notas, Copyright © 1987 by Mário da Gama Kury
Introdução 5
Direitos exclusivos para esta edição:
Livro I - Origem e precursores da filosofia. 13
EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
I-li - Prólogo. Origem do estudo da filosofia.
SCS, quadra 2, bloco C, n2 78, edifício OK, 1° andar
12 -Origem do termo "filósofo".
CEP 70302-509, Brasília, Distrito Federal
13 - Os Sete Sábios. Origem da filosofia propriamente
Telefone (61) 3035-4211, fax (61) 3035-4223 dita.
E-mail: direcao@editora.unb.br 14-15 - As escolas filosóficas.
www.editora.unb.br 16-18 - Diversas classificações dos filósofos.
19-21 - Diversas escolas ou seitas filosóficas e seus fundado-
res.
Impresso no Brasil
22-44 - Tales.
45-67 -S610n.
68-73 - Q.uUon.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser armazenada ou repro-
74-81 - Pítacos.
duzida por qualquer meio sem a autorização por escrito da Editora.
82-88 - Bias.
89-93 - Cleôbulos.
94-100 - Períandros.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília
101-105 -Anácarsis.
106-108 - Míson.
Diôgenes Laêrtios 109-115 - Epimenides.
D591 Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres / Diôgenes 116-122 - Ferecides.
Laêrtios; tradução do grego, introdução e notas Mário da
Gama. - 2. ed., reimpressão - Brasília: Editora Universi- 1 Livro II - Primeiros filósofos propriamente ditos e seus sucessores. 47
dade de Brasília, 2008 1-2 -Anaxímandros.
360p. 3-5 - Anaximenes.
6-15 - Anaxagoras,
ISBN 978-85-230-0479-8 16-1 7 - Arquêlaos,
18-47 -Sócrates.
1. Filosofia grega. I. Kury, Mário da Gama. n. Título. 48-59 -Xenofon.
60-64 -Aisquines.
CDU 19(38) 65-104 =Arístipos.
105 -Fáidon.
106- 112 - Eucleides.
113-120 - Stílpon.
121 -Criton.
122-123 -Simon.
124 -Gláucon e Simias.
1
I
I

LIVRO I
Proêmio
(1) Segundo alguns autores o estudo da filosofia começou entre os bárbaros I.
Esses autores sustentam que os persas tiveram seus Magos, os babilônios ou assírios
seus Caldeus, e os indianos seus Ginosofistas-; além disso entre os celtas e gálatas
encontram-se os chamados Druidas ou Veneráveis, de acordo com o testemunho
de Aristóteles em sua obra O Mágico e de Sotíon no Livro XXIII de sua obra Suces-
sões dos Filósofos. As mesmas autoridades dizem que Mocos era fenício, Zâmolxis era
trácio e Atlas era líbio.
Para os egípcios Héfaistos era filho do Nilo, e com ele começou a filosofia,
sendo os sacerdotes e profetas seus principais expoentes, Héfaistos teria vivido
48.8(?3 anos antes de Alexandre, o Macedônioê; (2) nesse intervalo ocorreram 373
eclipses do sol e 832 eclipses da lua.
Quanto aos Magos, sua atividade teve início com Zoroastros, o Persa, 5.000
anos antes da queda de Tróia, de conformidade com o platônico Hermôdoros em
sua obra Da Matemática; entretanto o lídio Xantos calcula o decurso de 6.000 anos
entre a época de Zoroastros e a expedição de Xerxes, e após Zoroastros ele
enumera uma longa sucessão de Magos, cujos nomes seriam Ostanas, Astrâmpsi-
cos, Gobrias e Pasatas, até a conquista da Pérsia por Alexandre, o Grande.
(3) Esses autores ignoram que os feitos por eles atribuídos aos bárbaros
penencem aos helenos, com os quais não somente a filosofia mas a própria raça
humana começou - por exemplo, os atenienses reivindicam para a sua cidade a
condição de pátria de Musaios, e os tebanos fazem o mesmo em relação a Linos.
Dizia-se que Musaios, filho de Êumolpos, foi o primeiro a compor uma Teogonia e
uma Esfera, e sustentou que todas as coisas procediam da unidade e revertiam a ela.
Musaios teria morrido em Fáleron+, e seu epitáfio era o seguinreé:
"Aqui no chão de Fáleron jaz o cadáver de Musaios, filho querido de
Êumolpos."
Os Eumôlpidas de Atenas tiraram o seu nome do pai de Musaios.
(4) Dizia-se que Linos era filho de Hermes e da Musa Urania, e que teria
composto um poema sobre a cosmogonia, o curso do sol e da lua e a gênese dos
animais e das plantas; o inicio desse poema é o seguinte:
"Houve um tempo em que todas as coisas cresciam juntas."

I. "Bárbaros", para os gregos antigos, eram os povos que não falavam a linguagrega, e a expressão não
era necessariamente pejorativa.
2. Ginosofisras, literalmente os "sábios nus".
3. Ou seja, Alexandre, o Grande.
4. Fâleron, um dos portos de Atenas.

-...
5. Antologia Palatina, VII, 615.

~.
14

Anaxagoras aproveitou essa idéia


originariamente indistintas até
DIOCENES

d di
LA~RTIOS

. quan ? isse que todas as coisas eram


em Êuboia, atingido por u~a fl~~~v~o ~ ESflflto e as o~ganizou. Linos morreu
"Este chão recebeu o teban aLi e po o, ~ seu epitáfio é o seguinte6:
(Hermôdoros
VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES

diz O mesmo). No primeiro livro de seu diálogo Da Filosofia


Aristóteles afirma que os Magos são mais antigos que os egípcios, acrescentando
que acreditam em dois princípios, o espírito bom e o espírito mau, um chamado
15

l
I

coroada." o no mono, ilho da M usa Urania belamente Zeus ou Oromasdes e o outro Hades ou Arimânios. O mesmo dizem Hêrmipos
em seu primeiro livro Dos Magos, Êudoxos em sua obra Viagem em Volta ao Mundo, e
Teôfrastos no oitavo livro de sua Filípica. (9) O último desses autores acrescenta
Assim começou a fUosofia com os h 1 ' .
com a maneira bárbara de e e enos, e seu propno nome nada tem a ver que, de acordo com os Magos, os homens viverão uma existência futura e serão
xpressar-se, imortais, e que o mundo continua a existir graças às suas preces. Êudernos de
(5) Os defensores de sua invençã
introduzindo-o como um filósofo a::
1 bá b
.p~.?s. ar aros apresentam o trácio Orfeus,
por ele usados a propósito dos de s tlq~sslm~. Mas, considerando os conceitos
Rodes confirma essas informações. Mas, Hecataios declara que, de conformidade
com eles, os deuses haviam sido gerados. Clêarcos de Sôloi, em seu tratado Da
fato, essas pessoas concedem tal u ~~fin °ãnos ~ possível chamá-I o de fUósofo; de Educação, faz ainda os Ginossosfistas descenderem dos Magos, e algumas autoridades
aos deuses todas as paixões hum~~~ ~~, o a. gué"? 9ue não hesita em atribuir atribuem a mesma origem aos judeus. Acrescente-se que os autores de obras sobre
certos homens cometem e ainda . e as ignomímas que apenas raramente os Magos criticam Herôdotos", dizendo que Xerxes jamais teria arremessado
lenda ele morreu nas mãos de m ~~Im somente por meio de. palavras. Segundo a dardos contra o sol nem teria lançado grilhões ao mar, porquanto na crença dos
existente em Díon, na Macedôni~ Oe~es, PZ~é~ d~ conformidade com o epitáfio Magos o sol e o mar seriam deuses; a destruição de estátuas dos deuses por Xerxes,
seguinte": ' eus 01 atingido por um raio; o epitáfio é o todavia, seria obviamente natural.
"Aqui as Musas sepultaram trá' O-L"" . (10) A filosofia dos egípcios no tocante aos deuses e à justiça é descrita da
de Zeus." o CIO rreus, da lira áurea, mono pelo raio maneira seguinte. Dizem eles que o primeiro princípio seria a matéria, da qual se
derivaram então os quatro elementos e surgiram finalmente todos os seres vivos. O
Entretanto, os propagadores da idéia d fil sol e a lua são deuses portadores dos nomes de Ôsiris e Ísis respectivamente. Os
bárbaros prosseguem ex licand . e que a I osofia apareceu entre os egípcios usam o escaravelho, o dragão, o falcão e outras criaturas como símbolos
deram. (6) Os Ginosofis~s e D o.~ diferentes formas que os diversos fUósofos lhe da divindade, de acordo com Maneto em sua Epüome de Doutrinas Fisicas e com
enigmas exortando os h rui as ten~ exposto suas doutrinas por meio de Hecataios no primeiro livro de sua obra Da Filosogia Egípcia. Eles também erigem
, omens a reverenciar os d b
más açôes e a ser corajosos, Com efeito Clêitar afirma a a s,te.r-se totalmente de estátuas e templos aos animais sagrados porque não conhecem a forma verdadeira
que os Ginosofistas desdenham :. cos irma no deCimo-segundo livro da divindade. (11) Para eles o universo foi criado, é perecível e esférico, as estrelas
astronomia e à previsão do futuro~ eP~~~~::orte: que os caldeus dedicam-se à compõem-se de fogo e os eventos na terra ocorrem de conformidade com a
to dos deuses, em sacrifícios e em' agos consomem o seu tempo no cul- mistura de fogo nelas; os egípcios dizem ainda que a lua entra em eclipse quando
pelas divindades. Eles expõem s~~~e;éic;;mo se fo~sem os únicos a ser ouvidos fica na sombra da terra, que a alma sobrevive à morte e transmigra para outros
deuses, compostos de fogo terra e ' a respeito do ser e da origem dos corpos, e que a chuva decorre de alterações na atmosfera; segundo Hecataios e
imagens, principalmente o' erro de ~~ e.m s~a opinião; condenam o uso de Aristagoras os egípcios dão explicações naturais para todos os outros fenômenos.
(7) Os Ginosofistas pregam a justiça e con~~~ dlfer~nça~ de sex? às divindades. Eles também instituíram leis tendo em vista a justiça, atribuindo-as a Hermes, e
porém acham lícito o casamento Com • I eram impra a ~rátlc~ da cremação, divinizaram os animais úteis aos homens, além de pretenderem ser os criadores da
terceiro livro de sua obra; além disso m~e ~u filha, c~n:t0 Sotíon diz no vigésimo- geometria, da astronomia e da aritmética. São esses os dados referentes à invenção
futuro, alegando que os ró rios d ' P aucam a adlVlnhação e prognosticam o da filosofia.
está repleto de formas q~e fe euses lhes aparecem. Eles dizem ainda que o ar
(12) Entretanto, Pitágoras foi o primeiro a usar o termo e a chamar-se de
adivinhos de visão aguçada; es~;~b.:Ofi~~Ot~ v~J?Or e pebetram nos olhos dos filósofo-v; com efeito, Heracleides do Pontos em sua obra A Mulher Exânime
e o uso de ouro. Suas rou as são bran 1 m em proí em adornos pessoais atribui-lhe em conversa com Lêon, tirano da cidade de Fliús, a frase segundo a qual
vegetais e pão rústico; seJs bastões Sã~~~ eJ'ue~dormem ~ chão e se alimentam de homem algum é sábio, mas somente Deus. Imediatamente esse estudo passou a
COstumam usá-los para a anhar c co, e esses omens, segundo consta, chamar-se sabedoria, e seu professor recebeu o nome de sábio, para significar que
onta
(8) Eles desconheceni totalme~: :ua:r o p~daço de queijo que comem. atingira a perfeição no tocante à alma, enquanto o estudioso dessa matéria
em sua obra O Mágico8 e com D"'
autor informa que a tradução e:~~;:'t~ e ?a m~a, de acordo com Aristóteles
q~nto hvro d~ ~~a Histária. Este último
e oroastros e adorador dos astros"
recebia o nome de filósofo. Outro nome para os sábios era "sofista", e não somen-
te para os filósofos mas também para os poetas - Cratinos 11, ao elogiar Homero e
Hesíodos em sua peça Arquilocos , dá-lhes esse nome.
6. Antologia Palatina, VII, 616.
7. Antologia Plamidea 11 99
8 E .' , . 9. Em sua História, Herõdotos alude a ações nada edificantes dos Magos e dos reis dos persas.
. ssa obra, perdIda e considerada espúria na A izuid . .
no § 1 deste livro. nugui ade,Já fOImencionada por Diôgenes Laêrtios 10. Literalmente "amigo da sabedoria".
11. Poeta da Comédia Antiga; este fragmento é o de ns 2 nas coletâneas de Meineke e de Edmonds.
16 DlOCENES LAtRTIOS
VIDAS E DOUTRINAS DOS FlLOSOFOS ILUSTRES 17

(13) Os homens geralmente considerados sábios eram os seguintes: Tales,


Sôlon, ~erfan~ros, Cleôbulos, Q..uUon,Bias e Pítacos, Acrescentavam-se a estes da verdade, os refutacionistas, os analogéticos 16; outros ainda por causa de seus
AnácarsIS, o.Cita, Mis~n de Q..~en,Fer~cides de Siros e Epimenides de Crera; algu- mestres, como os socráticos, epicuristas e semelhantes; alguns adotaram o nome
mas fontes Incluem ainda o tirano Pelsistratosl2. São estes os sábios. de fisicos em decorrência de suas investigações a respeito da natureza; outros o de
éticos por suas discu~sões sobre ~ópicos de ordem. ~o~, enquanto os que se
Na realidll:de a filosofia t~e uma origem dupla, começando com Anaxíman- dedicavam a malabansmos verbais chamavam-se dialêticos.
dros e c~m PltágOras'. O primeiro foi discípulo de Tales, enquanto Pitágoras (18) As partes da filosofia são três: fisica, ética, e dialética ou lógica. A fisica é a
recebeu liçõ~s ~e Ferecides, Uma das escolas filosóficas chamou-se iônica porque pane dedicada ao universo e ao seu conteúdo; a ética é a parte dedicada à vida e ao
!al~s, um mílésio e portanto um iônio, instruiu Anaxímandros; a outra chamou-se que se relaciona conosco; dialética é o processo de raciocínio usado em ambas as
italiota por causa. de. Pitágora,s, que filosofou a maior pane de sua vida na Itália.
panes anteriores. A fisica esteve em evidênci~ a~é.a época de Arquêlaos; a ética,
(1~) ~ma delas (a iônica) termina com Cleitômacos, Crísipos e Teôfrastos, e a outra como já dissemos, começou com Sócrates; ~ dlale~ca d~ta do tempo de Zên~n de
(a ltal~Ota)com Epicuros. De um lado a sucessão passa de Tales a Anaxímandros, Elea, Em ética houve dez escolas: a acadêmica, a cirenaica, a elíaca, a megárica, a
An3.Xlmenes,Anaxagoras e Arquêlaos até Sócrates, inrroduror da ética na filosofia'
dnica, a eretriana, a dialética, a peripatética, a estóica e a epicurista,
de Sócrates ela passa ~ seus .disdpulos - os socráticos -, especialmente a Platão, o (19) Os fundadores dessas escolas foram: da Academia Antiga, Platão; da
fundador da Academia Antiga; de Platão, por meio de Spêusipos e Xenocrates, a Academia Média, Arcesílaos; da Academia Nova, Lacides; da escola cirenaica,
su~e~são pa~sa ~:olêmon, Crântor e Cra~es, Arcesílaos (fundador da Academia Arlstipos; da elíaca, Fáidon de Élis; da megárica, Eucleides de Mêgara; da cinica,
Média), Lacides ,(fundador da Academia Nova), Carneades e Cleitômacos.
Antistenes de Atenas; da eretriana, Menêdernos de Eretria; da escola dialética,
.(15) Há o~?,a escola que termina com Crísipos, ou seja, passando de Sócrates a Cleitômacos de Cartago; da peripatética, Aristóteles de Stágeira; da estóica, Zênon
AntI~tenes, l?lOge.nes, o Cínico, Crates de Tebas, Zênon de Cítion, Cleantes e de Cítion; a escola epicurista tirou seu nome do próprio Epícuros.
C~SlpoS. EXiste ainda Outra que ~ermina com Teôfrastos, passando de Platão a Em sua obra Das Seitas Filosóficas Hipôbotos declara que há nove seitas ou
Aristóteles e deste a Teôfrastos. Finda então dessa maneira a escola iônica. escolas, e as enumera na seguinte ordem: a primeira é a megárica, a segunda a
A escola itali~~ apresenta a seguinte sucessão: Ferecides a Pitágoras, a Telau- eretriana, a terceira a cirenaica, a quarta a epicurista, a quinta a aniceriana 17, a
ges (fIlh? deste último), a Xenofanes, Parmenides, Zênon de Elea, Lêucipos, sexta a teodórea, a sétima a zenônia ou est6ica, a oitava a acadêmica antiga, a nona
Demôcritos, que teve numerosos seguidores, principalmente Nausifanes í+ e a peripatética. (20) Ele não se refere às escolas cinic~ elia~ e dialética. Q..~antoaos
finalmente Epícuros. '
pirrõnios, suas conclusões são de tal modo indefinidas que praticamente
. (I~) Dos filósofos, uns recebem a designação de dogmáticos e outros de nenhuma autoridade lhes atribui a condição de seita; algumas autoridades aco-
céticos; todos aqueles que fazem asserções acerca de coisas no pressuposto de que lhem suas pretensões sob certos aspectos, mas não sob outros; parece, porém, que
elas podem ser conhecidas são dogmáticos, enquanto os que suspendem seu juizo, eles constituem uma seita, pois usamos o termo em relação àqueles que em sua
alegand~ que não podemos conhecer as coisas, são céticos. Além disso, alguns atitude a propósito das aparências s~e~ ou. dão a impressão de s.eguir al~m
deles deixaram escrit~s, enquanto outros nada escreveram (como aconteceu principio, e sob esse aspecto teríamos Ju~?fi<?l~~apara ch~a: os céticos de sel~.
s~ndo algumas autondades com Sócrates, Stílpon, Fílipos, Menêdemos, Pírron, Entretanto, se tivermos de entender por seita uma tendência a favor de doutri-
Teôdoros, Cameades e Bríson - alguns acrescentam Pitágoras e Arlston de Q..uios nas positivas coerentes, já não poderemos qualificá-los de seita, pois eles não têm
com a exceção de que estes teriam escrito umas poucas canas). Outros escrever~ quaisquer doutrinas positivas. ' ..
apenas uma. obra cada um, como Melissos, Parmenides e Anaxagoras. Zênon Eis ai os primórdios da filosofia, seu desenvolvimento subsequente, suas
e~creveu I?Ultas obras, Xenofanes ainda mais, Demôcritos ainda mais Aristóteles várias panes e o número de seitas ou es~olas filosóficas. . .
ainda mais. '
(21) Mas, ainda há pouco tempo, fOIfundada uma certa escola eclética por

t1 (17) Alguns f~ósofos fo~ qualificados segundo suas cidades natais, como os
ac?Se os megáricos, os eretnanos e os cirenaicos; outros segundo os locais onde
. nClOnavaI? su~ escol~, como os aca?êmi~os e os estóicos; Outros em função de
Potâmon de Alexandria'?«, que elaborou uma seleção de doutrinas de todas as
seitas existentes. Como o próprio autor declara em seus Elementos de Filo~ofza,
Potâmon adota como critério da verdade aquilo que forma o juizo, ou seja, o
arcun~tãn~la5 acidentais, c~mo os penpatétícos, outros ainda por causa de apeli- principio dominante da alma, e o instrumento usado - por exemplo, a percepção
dos peJo~tIVOS,como os cínicos; outros por suas inclinações particulares, como os mais acurada. Seus principios universais são a matéria e a causa eficiente, a
eudemomstasl5; outros por uma presunção que alimentavam, como os amantes qualidade e o lugar, pois aquilo de que e por que uma coisa é feita, bem como a
qualidade com que e o lugar em que algo é feito, são principios. O fim a que ele
utras
12..0cl tontes - por exemplo Clemente de Alexandria, Stromateis, I. 59 - excluem Peisístraros e
m uern Acusll aos de Argos. ., 16. Respectivamente Philaletheis, Elegktikoi e Analogetikoi.

!
13. Veja-se o Livro IV. §§ 59-61. 17.05 seguidores de Aníceris separaram-se da escola cirenaica. Veja-se Stráborn, Geografia, X. 837.
14. Os manus.critos .acrescentam Naucides, que os editores suprimem do texto. 17a. Esse "há pouco tempo" foi copiado por Diôgenes Laêrtios de sua fonte. pois. segundo parece.
15. Eudemomstas. hteralmente "os que buscam a felicidade". ,tr Potãmon leria sido comemporâneo de Augusto e ponallLO leria vivido muito ames de nosso autor.
Veja-se o verbete Potdmon na "Suda" (S"'d"1
ViDASE DOUTRiNAS
DOSFILÓSOFOS
ILUSTRES 19
18 DIOGENES
LAtRTIOS
Arisróteles+' e Hípias afirmam que, raciocinando a partir da pedra-ímã e do
s~bordina todas as ações é a vida levada à perfeição em todas as formas de excelên- ãmbar, Tales atribuiu uma alma até a objetos inanimados. Panfile assevera que,
Cla18, sendo as vantagens naturais corpóreas e ambientais indispensáveis à conse- tendo aprendido geometria com os egípcios, Tales foi o primeiro. a inscrever u~
cução desse objetivo. triângulo equilátero num círculo, e por essa descoberta sacnficou um boi.
Resta-nos falar dos próprios filósofos individualmente, e em primeiro lugar de (25) Outros autores, entre os quais o aritmético Apolôdoros, contam a mesma
Tales. história a respeito de Pitágoras (foi Pitágoras quem desenvolveu em to.da a sua A

plenitude as descobertas atribuídas por Calím~cos em seus I~mbos ao frígio Eufo~-


Capítulo l.TALESl9 bos, ou seja, os triângulos escalenos e tudo mais que se relaciona com a geometna
teórica24).
(22) Tanto Herôdotos como Dúris e Demôcritos dizem que Tales era filho de Atribuíam-se também a Tales conselhos excelentes a propósito de assuntos
E~~ias e Cleobuline, e pertencia à família dos Telidasé", que eram de origem políticos. Por exemplo, quando Croisos mandou emiss~rios a ~íletos propon~o
fenícia e estavam entre os descendentes mais nobres de Cadmos e de Agênor. De condições para uma aliança ele frustrou o plano; essa atitude veio a ser a salvaçao
acordo com o testemunho de Platão-! ele era um dos Sete Sábios; foi o primeiro a da cidade por ocasião da vitória de eiro.s. O pr~p~? Tales teria dito., de ~cordo com
receber o nome de sábio, no arcontado de Damasías-- em Atenas, quando a o relato de Heracleides, que sempre Viveu solitário e como um cidadão comum,
expressão se aplicava a todos os Sete Sábios, de acordo com a menção de mantendo-se afastado da vida política. (26) Algumas autoridades dizem que ele se
Demétrios de Fáleron em sua Lista de Arcontes. Tales obteve a cidadania em Míletos casou e teve um filho chamado Cíbistos; outras declaram que Tales permaneceu
quando chegou àquela cidade em companhia de Neileus, que fora banido da solteiro e adotou o filho de sua irmã, e quando alguém lhe perguntou por que não
Fenícia. A maioria dos autores, todavia, apresenta-o como milésio de nascimento, tivera seus próprios filhos ele respondeu: "po~ amor aos f~hos": Conta-se também
e de família ilustre. a história segundo a qual quando sua mae tentou m~u~i-lo a cas~r-se ele
(23) Após dedicar-se à política durante algum tempo Tales passou a observar a respondeu que era muito cedo, e quando el~ voltou a pressH:ma-lo postenormente
natureza. De acordo com algumas fontes esse filósofo nada deixou escrito (a o filósofo ponderou que já era tarde demais. No segundo livro de sua ?bra l!0tas
Astronomia Náutica, atribuída a ele, segundo constava era de autoria de Focos de Espanas Hierônimos de Rodes relata que, a fim de mostrar que era fá~tl ennqu~-
Samos). Calímacos o conhece como descobridor da Ursa Menor, pois declara em cer, Tales, prevendo uma boa safra de azeitonas, arrendou todos os moinhos desti-
seus Iambos: nados à produção de azeite, e assim ganhou muito dinheir025.
(27) Tales disse que o princípio do universo é a água, e que o mundo é dotado
"Dizem que ele observou pela primeira vez as estrelas diminutas do carro
de alma e repleto de divindades. Segundo constava ele teria identificado as estações
que guiava os nautas da Feníncia."
do ano e o teria dividido em 365 dias.
Ninguém lhe deu lições, com a única exceção de sua viagem ao Egito o~de
Entretanto, de conformidade com outros autores, ele escreveu somente duas
passou algum tempo com os sacerdotes. Hierônimos conta-nos que Tales mediu a
obras, umaDo Solstício e outra Do Equinócio, considerando todos os demais assuntos
altura das pirâmides pela sombra das mesmas, fazendo a medição na hora em. q~e
acima da ~apa~idade de conhecimento dos homens. Certos relatos o apresentam nossa própria sombra corresponde ao nosso tamanho. Segundo o relato de Mimas
com? ? primeiro a estu~ar astronomia e predizer eclipses do sol e a determinar os
ele conviveu com Trasíbulos, o tirano de Míletos.
~olsuclOs, co.mo :wrma Eudemos em suas Investigações Astronômicas, merecendo por A história muito divulgada da trípode encontrada por um pescador e
iSSO a admiração de Xenofanes e de Herôdotos (Herácleitos e Demôcritos mandada pelo povo de Míletos sucessivamente a todos os Sete Sáb.ios.é a seguinte.
testemunham esses feitos).
(28) Quando alguns rapazes iônios compraram de um pescador milésio o produto
(24) Al~ns aut~res, in~lusive o poeta Côirilos, dizem que Tales sustentou de seu trabalho, eclodiu uma disputa a propósito de uma trípode recuperada
pela pnmeira vez a imortalidade da alma. Foi ainda o primeiro a determinar o durante a pescaria. Afinal os milésios submeteram a questão ao orácúlo de
curso do sol de. sol~tício a solstício, e de conformidade com algumas fontes Delfos, e o deus proferiu a seguinte resposta26:
declarou pela pnmena vez que o tamanho do sol correspondia à 720il parte do "Interrogais Apolo, prole de Míletos, sobre a trípode? Respondo: a trípo-
círculo solar, e que o tamanho da luz obedecia à mesma fração do círculo lunar. de será do homem mais sábio."
Ta!es ~oi tam?ém o primeiro a dar ao último dia do mês o nome de trigésimo, e o Diante desse pronunciamento os milésios a deram a Tales; este, entretanto,
pnmeiro - dizem alguns autores - a discutir problemas físicos. mandou-a a outro dos Sábios, e assim por diante até chegar a Sôlon que,
atribuindo ao deus a primazia em sapiência, mandou devolvê-la a Delfos. Em seus

1~. Atrad~ção de areté p~r "excelência" parece-nos menos ambígua que a tradicional "virtude". Veja-
S( o nem 3 da introdução. 23. Da Alma, 405 a 19.
19. Tales e~tava no apogeu aproximadamente em 585 a.C., data do eclipse por ele previsto. 24. Uma teoria pertinente às linhas, incluindo certamente as linhas curvas além das retas.
20. Ou Nehdas, correção ao texto proposta por Bywater. 25. Veja-se a versão dessa história em Aristóteles, Polüica, 1259 a 6-18.
21. Platão, Protagoras, 343 A. 26. Antologia Palatina, VI, 51.
22.582-581 a.C.
20 mOGENES LAtRTIOS VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 21

lambas Calímacos apresenta uma versão diferente da história, tirada por ele de ela em águas próximas a Cós, pois a lacônia 31 disse que a mesma seria a causa de
Maiãndrios de Míletos. Segundo essa versão Baticlés da Arcádia deixou ao morrer conflitos. Posteriormente, certas pessoas de Lêbedos, tendo comprado o produto
uma taça, com instruções expressas para que fosse entregue ao homem mais útil de uma pescaria nos arredores, apossaram-se da trípode e, como houve divergên-
por s';la ~aI?iência. Ela foi então enviada a Tales, passou sucessivamente pelos cia com os pescadores a propósito da mesma, dirigiram-se a Cós; lá, não podendo
demais Sábios e voltou afinal a Tales; (29) este mandou-a a Apolo Didimeus com a resolver a questão, submeteram-na aos habitantes de Míletos, sua metrópole. Os
seguinte dedicatória, reproduzida por Calímacos: rnilésios enviaram uma delegação para tratar do assunto, mas tendo seus homens
"Consagra-me Tales ao povo de Neileus, duas vezes oferecida, prêmio sido desacatados, entraram em guerra contra Cós; muitos combatentes tombaram
ótimo."
em ambos os lados, e um oráculo declarou que a tripode teria de ser dada ao
A inscrição em prosa, todavia, é: "Oferta de Tales, filho de Examias, milésio, a homem mais sábio; as partes litigantes concordaram em entregá-Ia a Tales, por
Apolo Delfino, após obter duas vezes o prêmio supremo dos helenos." O filho de quem começou a ronda pelos Sábios; ele afinal dedicou-a a Apolo de Didime.
Baticlés, cujo nome era Tiríon, levou a taça de local em local, a crer nas informa- (33) O oráculo dirigido aos coanos tinha o seguinte teor:
ções de Êleusis em sua obra Sobre Aquileus, e de Alêxon de Mindos no nono livro de "A disputa entre os mêropes e os iônios pela tripode que Héfaistos lançou
suas Lendas.
ao mar não cessará antes que ela deixe a cidade e chegue à casa do homem
Mas, Êudoxos de. Cinidos e Euantes de Míletos afirmam que um certo cuja sabedoria conhece e revela o passado, o presente e o futuro."
ho~e~, .amlgo de Croisos, recebeu do rei uma taça de ouro a fim de entregá-Ia ao O oráculo dos milésios, começando com as palavras "Interrogais Apelo, prole de
mais s~blo dos hel;nos. Esse homem deu-a a Tales, que passou aos outros sábios Míletos, sobre a tripode?", já foi citado acima. E isso é bastante a esse respeito.
suceSSlvamen.te at~ chegar a Quílon. (30) Este perguntou diante de Apolo Pítio Em suas Vidas Hêrmipos atribui a Tales a história contada por outros autores
quem era mais sábio que ele. O deus respondeu gue era Míson, de quem voltare- como se fosse sobre Sócrates, segundo a qual ele costumava manifestar seu reco-
mos a falar (ele aparece na lista27 elaborada por Êudoxos, no lugar de Cleôbulos; nhecimento por três vantagens que o levavam a ser grato à Sorte: primeiro por ter
Platão também o inclui entre os Sábios, em substituição a Períandros), A resposta nascido um ser humano, e não um animal irracional; depois, por ter nascido um
do oráculo a seu respeito foi a seguinte28:
homem, e não uma mulher; e terceiro por ser heleno e não bárbaro. (34) Contava-
"Digo g~e ~ ~íson de Oita, nascido em Quen, muito mais capaz que tu se que certa vez, quando era levado para fora de casa por uma velha serviçal para
em sapiência.' observar as estrelas, Tales caiu numa vala, e seu grito de socorro levou a velha a di-
Essa res~osta te~a sido dada a Anácarsis. O platônico Daímacos e Clêarcos relatam zer: "Como pretendes, Tales, tu, que não podes sequer ver o que está à tua frente,
que Cr~IS?s. enviou uma tasa a Pítacos, começando assim a ronda pelos Sábios. conhecer tudo acerca do céu?" Tímon também o considera um astrônomo, e o
. A hlst<:macontad.a por Andron em sua obra A Trípode29 é no sentido de que os elogia nas Sátiras32:
argrvos tenam oferecido uma trípode como prêmio pela excelência ao mais sábio "Assim foi Tales, o sábio astrônomo entre os sábios."
dos helenos; o prêmio coube a Aristôdemos de Espana, mas reverteu afinal em
favor de Quílon. (31) Alcaios menciona Aristôdemos nos seguintes termosw; Segundo a informação de Lôbon de Argos, seus escritos totalizavam cerca de
:'Conta-se que Aristôd,emos ?isse em Esparta palavras de forma alguma duzentas linhas. Havia em sua estátua a seguinte inscrição 33:
msensatas: o homem e sua nqueza, e nenhum pobre é famoso." "A iônica Miletos nutriu e revelou este Tales, astrônomo entre todos o
Algu,ns autor~s registr~ que Períandros despachou uma nau com sua carga para mais antigo pela sapiência."
Trasíbulos, nrano de Míletos, e quando ela afundou nas águas da ilha de Cós
algun~ pescadores recuperaram uma trlpode. Fanôdicos, entretanto, afirma que (35) Dos poemas convivais ainda cantados, os versos seguintes são de Tales:
ela fOI e?contrada em ~as ateniens~s e trazida para Atenas. Realizou-se uma "Muitas palavras não revelam opinião sábia. Procura uma única sabedo-
assembléia e a trípode fOImandada a Bias, por razões que exporemos na vida deste ria, escolhe um único bem, pois assim calarás as linguas inquietas dos
último sábio. homens loquazes."
(32) Há outra versão, segundo a qual a trípode teria sido feita por Héfaistos e
dada por este deus a Pêlops como presente de casamento. De Pêlops ela passou Conservaram-se também as seguintes máximas de Teles:
para Menêlaos e foi levada por Páris juntamente com Helena, sendo lançada por "Deus é o mais antigo dos seres, pois é incriado.
Mais belo é o universo, pois é obra de Deus.
Maior é o espaço, pois contém todas as coisas.
27. Subentenda-se "na lista dos Sete Sábios". Mais veloz é o espírito, pois corre para tudo.
28. Antologia Planúdea, VI, 40.
2~. Sa?e-se que Ândron de Éfesos (veja-se o § 119 deste livro) escreveu sua obra antes da morte do
hi~tonador T~pompos (nascido aproximadamente em 378 a.C.), acusado de haver plagiado a 31. Isto é, Helena.
Tnpode (Eusêbios, Preparação Evangélica, X, 3, 7).
32. Os Súloi; o fragmento é o ns 23 da coletânea Poetarum Philosophorum Fragmenta de Diels.
30. Fragmento 49, Bergk, Poetae Lyrici Graeci, 4a. edição. 33. Antologia Palatina, VII, 83.
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22 DIÓCENES LA~RTIOS
VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 28
Mais forte é a necessidade, pois domina tudo.
Mais sábio é o tempo, que revela tudo." "Levaste Tales do estádio, Zeus Solar, enquanto ele assisna a uma
competição atlética. Louvo-te por havê-lo conduzido para perto de ti, pois
Tales dizia que a morte não difere da vida. "Por que, então" disse alguém o ancião já não podia enxergar os astros daqui da terra."
"não morres?" "Porque':' disse ele, "não faz diferença". (36) Quando lhe (40) É dele o provérbio "Conhece-te a ti mesmo", que Antistenes, em sua obra
perguntaram quem era rnars velho, o dia ou a noite, ele respondeu: "A noite é mais Sucessões dos Filósofos, atribui a Femonoe, embora admitindo que o mesmo fora
velha por um dia." Alguém lhe perguntou se um homem pode ocultar aos deuses plagiado por Quílon.
uma a~o má: "Não", respondeu Tales, ."nem sequer um mau pensamento". A Com vistas aos Sete Sábios - vale a pena dar aq ui uma notícia em linhas gerais a
um adultero que lhe per~,n~ou s.epodena negar a acusação mediante juramento respeito dos mesmos -, seguem-se algumas referências a eles. Em sua História dos
ele respondeu que o p~rJuno. na? era pior que o adultério. A alguém que lhe Filósofos Dâmon de Cirene critica todos os sábios, especialmente os Sete. Anaxime-
perguntou qual era a COIsamais difícil ele respondeu: "Conhecer-se a si mesmo" nes assinala que todos se dedicaram à poesia; Dicáiarcos diz que eles não eram
"E qu al a mais. r'racu:·1;>"" Dar conselhos aos outros." "Qual é a coisa mais . sábios nem filósofos, mas simplesmente homens judiciosos com vocação para le-
agradá v.el?" "O sucesso. " "n, é divi
'>(.,ue o ivino? " " O que não tem princípio nem fim." gislar. Arquêtimos de Siracusa descreve uma reunião deles na corte de Cípselos,
~.uan~o lhe pergu~~ram qual era a coisa mais rara que ele já vira, sua resposta foi: da qual o próprio autor diz haver participado; Éforos, por seu turno, menciona em
"Um tirano Idoso. Como poderá uma pessoa suportar melhor a adversidade?" vez desse um encontro dos Sábios na corte de Croisos sem a presença de Tales.
S~lhe for poss.ível, ver seus inimigos em situação pior." "Como poderemos viver Outros falam de encontros no festival Pan- Iônico, em Corinto e em Delfos. (41) As
a Vida da manel~~ mel~or e m~s ju.sta,~':,"Abstendo-nos de fazer o que censura- palavras dos Sábios são registradas de maneiras diferentes, e atribuídas ora a um,
m.os nos outros. (37), ~~em e fehz? . Quem tem o corpo saudável, o espírito ora a outro - por exemplo, as seguintesê>:
atilado e ~ natureza dócil. Tales nos diz que devemos lembrar-nos dos amigos, "Foi o sábio lacedemônio Quílon quem disse: "Nada em excesso", e "N o
quer, est~Jam presentes, quer ausentes; que não devemos orgulhar-nos de nossa momento oportuno é belo."
aparenCl~, e sim es~orç~,r-n~s por ser ,~elos no caráter. "Não devemos enriquecer Há divergências até quanto ao seu número; com efeito, em lugar de Cleôbulos e
de .manelra condenavel - diz Tales - e nem mesmo uma palavra deve tornar-nos Míson, Maiãndrios inclui na lista Leôfantos, filho de Gorgiadas, nascido em
odIOSOSa,qu~~ confio~ em nós": "Dev~s esperar de teus filhos tudo que fizeste Lêbedos ou Éfesos, e Epimenides de Creta; em seu diálogo Protagoras Platão
por teus pais. Ele explicava a cheia do N 110como sendo devida aos ventos etésios menciona Míson e exclui Períandros; Éforos substitui Míson por Anácarsis; outros
que, soprando na direção contrária, forçam as águas a refluírem. acrescentam Pitágoras aos Sete. Dicáiarcos apresenta quatro nomes sempre acei-
Em sua Crônica Apolôdoros fixa o.nascimento de Tales na 3511 Olimpíadaã+. tos, constantes da lista - Tales, Bías, Pítacos e Sôlon - e acrescenta os nomes de seis
outros, dos quais três deveriam ser selecionados: Aristôdemos, Pânfilos, o
(38) Sua morte ocorreu aos 78 anos de Idade (ou, de acordo com Sosicrates, aos 90
ano~); de fato, ele morreu na 5811 Olimpíada, tendo sido contemporâneo de lacedemônio Quílon, Cleôbulos, Anácarsis e Períandros. Outros acrescentam
Croisos, a quem prometeu assegurar a travessia do rio Hális sem ter de construir Acusílaos, filho de Cabas ou Scabras, de Argos.
uma ponte, mediante o desvio do curso natural do rio. (42) Em sua obra Sobre os Sábios Hêrmipos refere-se a dezessete, dos quais auto-
res diferentes fazem seleções diferentes de sete; eles são Sôlon, Tales, Pítacos,
Existi:am outras ~i~co personagens com o nome de Tales, de acordo com a Bías, Qjiílon, Míson, Cleôbulos, Períandros, Anácarsis, Acusílaos, Epimenides,
enu~eraça? de I?emetrlOs de Magnesia em sua obra Homônimos: um retórico de Leôfantos, Ferecides, Aristôdemos, Pitágoras, Lasos, filho de Carmantidas ou de
Calatia, cU10 estilo era afetado; um pintor de Sicíon, muito talentoso; um Sisírnbrinos, ou segundo Aristôxenos de Cabrinos, nascido em Hermione, e
contemporaneo d~ Hesíodos, de ~omero e de Licurgos, em época muito remota; Anaxagoras. Em sua Lista de Filósofos Hipôbotos relaciona: Orfeus, Linos, Sôlon,
uma ~essoa ~enclOna~a por Dúris em sua obra Da Pintura; e uma pessoa obscura Períandros, Anácarsis, Cleôbulos, Míson, Tales, Bías, Pítacos, Epícarmos e Pitá-
que viveu ~m epoca mais recente, mencionada por Dionísios em suas Obras Críticas. goras.
(39) O sábio Tales morreu quando presenciava uma competição atlética, vítima do Seguem-se as cartas conservadas de Tales.
calor, ?a sede e da fraqueza, já muito idoso. Há em seu túmulo a seguinte Tales a Ferecides
mscnçao:
(43) "Tomei conhecimento de tua pretensão de ser o primeiro iônio a expor a
"N eS~,epequeno túmulo jaz o sapientíssimo Tales, cuja glória se eleva aos teologia aos helenos. Talvez seja um critério justo pôr uma obra ao alcance do pú-
céus. blico. em vez de confiá-Ia sem qualquer beneficio a uma pessoa isolada.
Há também um poema de nossa autoria, do primeiro livro de nossos Epigramas em Entretanto, se te é agradável de algum modo, estou pronto a discutir contigo o
todos os MetrosJ4a: assunto de teu livro, e se me convidares a ir a Liros farei a viagem. Com efeito, cer-
tamente eu e Sôlon de Atenas não seríamos nada sensatos se, após haver navegado
até Creta para dar seqüência a nossas indagações lá, e até o Egito para conversar
34. Em 640 a.C .. Cada Olimplada equivale a quatro anos.
Ma. Antologia Palatina, VII, 34.
35. Antologia Palatina, IV, 22.
24 DlÓCENES
WRTIOS VIDAS
E DOUTRINAS
DOSFILÓSOFOS
ILUSTRES 25

com os sacerdotes e astrônomos, não viajássemos até onde estás (com tua quanto aos funerais; ele mostrou também que as próprias sepulturas estavam
anuência, Sôlon ~~ém irá). (~4) Tu, ao contrário, és de tal maneira apegado ao cavadas na direção do leste39, e que as inscrições gravadas nelas qualificavam os
lar q~e raramente VISitasa lama e não sentes vontade de ver estrangeiros. Nesse mortos por seus demos, maneira característica dos atenienses. Alguns autores
ínterim, ~spero eu, deves ~star dedican?~-te somente a escrever, enquanto nós, afirmam que depois do verso de Homero no Catálogo das Naus40: "Aias de
que jamais escrevemos coisa alguma, viajamos por toda a Hélade e a Ásia." Salamina guiava doze naus", ele inseriu o seguinte verso de sua autoria:
"e as levou até onde estavam as falanges atenienses".
Tales a Sôlon (49) Daí em diante o povo ateniense passou a dar-lhe atenção, e até queria tê-lo
à frente do governo da cidade como tirano; Sôlon, entretanto, recusou-se, e perce-
"Se deixares Atenas, penso que poderás com toda a conveniência instalar tua bendo antecipadamente os desígnios de seu parente Peisístratos (como diz
casa em Míletos, uma colônia ateniense; onde nada de mal te acontecerá. Se te Sosicrates), fez o possível para obsrá-los. Ele correu para a Assembléia armado com
constrange o fato de sermos governados por um tirano - odeias todos os lança e escudo, e alertou os cidadãos reunidos para os desígnios de Peisístratos;
governantes absolutos -, ao menos desfrutarás a companhia de amigos. Bías escre- mas não se limitou a isso, declarando-se pronto a auxiliá-Ios e pronunciando as
ve~-te convidando-te para ires a Priene; se te parecer preferlvel a cidade dos seguintes palavras: "Homens de Atenas! Sou mais sábio que alguns de vós e mais
pneneus, eu mesmo irei morar lá e juntar-me a ti." corajoso que outros; mais sábio que os incapazes de discernir a trama de Peisístra-
tos e mais corajoso que aqueles que, embora a percebam, guardam silêncio por
Capítulo 2. SÓLON36 temor."
Os membros do Conselho, por seu turno, adeptos do partido de Peisístratos,
. (~?) ~ôlon, ~lho de ~xecestides, ?asceu em Salamina. Sua primeira realização afirmaram que ele era louco; diante disso Sôlon recitou os seguintes versos+l:
fOI a Lei da Liberação 37, por ele introduzida em Atenas com a finalidade de "U m breve lapso de tempo mostrará minha loucura aos cidadãos, mostra-
res~tar pessoas. e bens. Com efeito, os homens tomavam dinheiro emprestado la-á juntamente com a verdade."
mediante garanua de suas próprias pessoas, e muitos foram forçados pela pobreza (50) Os versos elegíacos em que ele predisse a tirania de Peisístratos são os
a tornar-se servos. Ele foi o primeiro a renunciar ao seu direito a uma dívida de sete seguintes42:
~entos, cujo credor era seu pai, e a encorajar outros a seguir-lhe o exemplo. Essa "A nuvem leva a força da neve e do granizo; o fúlgido relâmpago é seguido
lei chamou-se "Lei da Liberação" por razões óbvias. pelo trovão; de grandes homens vem a ruína da cidade; o povo incauto cai
Em seguida, Sôl?~ em~reendeu a e~truturação do resto de suas leis, cuja na servidão, submisso a um homem só."
enumeração consurnma muito tempo, e inscreveu-as em tabuletas giratórias. Quando Peisístratos já detinha o poder, Sôlon, incapaz de convencer o povo,
(46) Seu maior serviço foi a libertação de sua terra natal, Salamina, reivindica- depôs as suas armas em frente ao quartel dos generais e disse: "Minha pátria!
da p~r Mêgara e Atenas. Após numerosas derrotas Atenas promulgou um decreto Prestei-te serviços com palavras e atos!" Em seguida viajou para o Egito e para
punmd<;>co~ ~ morte qualquer pessoa que propusesse o reinício da guerra Chipre, e de lá foi ao encontro de Croisos em seu reino. Lá o rei perguntou-lhe:
salamínia. Fingindo loucura Sôlon correu em direção à ágora com uma guirlanda "Q).1em é feliz em tua opinião?" Sôlon respondeu: "Telos de Atenas, e Clêobis e
em ~ua cabeça: lá mandou um arauto ler seu poema sobre Salamina para os B1ton"43, e outros muito falados.
atemens~s OUVIrem,fazendo-os ficarem furiosos. Eles renovaram a guerra contra (51) Conta-se que Croisos, suntuosamente vestido, sentou-se em seu trono e
?s megáricos, e gra~ a Sôlon saíram vitoriosos. (47) Os versos elegíacos que mais perguntou a Sôlon se alguma vez tinha visto qualquer coisa mais bela. Sôlon
inflamaram os aternenses foram os seguintesêê: respondeu: "Galos, faisões e pavões, pois eles brilham com as cores naturais,
"Ah! Se eu mudasse de pátria e fosse um folegãndrio ou sicinita em vez de miríades de vezes mais belas." Partindo de lá ele foi viver na Cilícia e fundou uma
ateniense! Logo se difundiria essa fama entre os homens: os atenienses, cidade chamada Sôloi por causa de seu nome. Nela Sôlon instalou uns poucos ate-
embora sendo áticos, abandonaram Salaminal" nienses, que com o decurso do tempo corromperam a pureza do dialeto ático, e
E estes outros: ~r isso dizia-se que cometiam "solecismos". Note-se que os habitantes dessa
"Marchemos para Salamina e combatamos pela ilha desejada, a fim de cidade chamavam-se solenses, enquanto os habitantes de Sôloi, em Chipre,
apagar a dura vergonha!" chamavam-se sôlios.
El~ também ~ersuadiu os atenienses a conquistar o Q.uersonesos trácio. (48) Para
evitar que atribuíssem a conquista de Salamina somente à força e não ao direito
Sôlon mandou abrir algumas sepulturas e mostrou que os monos estavam enterra- 59; As observações de Diôgenes Laêrtios são imprecisas ou errôneas, e contrariam a afirmação de
ftutar<:os no capitulo 10 de sua Vida lÚ Sôúm.
dos com a face voltada para o leste, de conformidade com os costumes atenienses fO.l1fada, canto li, verso 557.
41. Fragmento 10 Bergk.
36. Foi arconte em Atenas em 594 a.C .. 42. Fragmento 9 Bergk.
37.Lei da Liberação; literalmente SnsaÃhtheUJ.
38. Fragmento 2 Bergk. .li.· 45. Os estudiosos consideram cronologicamente imposslvel o encontro entre Sôlon e Croisos. Para as
1l
....UIÕes a Telos, Clêobis e Blton, veja-se Herõdotos, História, 1,30-31.

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26 DlOGENES LAtRTIOS VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 27

Ao saber que naquela época Peisistraros já governava como tirano, ele quinhentos dracmas, nos Jogos Ístrnicos em cem dracmas e analogamente em
escreveu os versos seguintes e os enviou aos atenienses+t: outros casos. Era moralmente pernicioso, dizia Sôlon, aumentar as recompensas
(52) "Se sofrestes amargamento por causa de vosso mau caráter: não desses vencedores, e tal procedimento somente se justificava em relação aos
deveis imputar esse destino aos deuses, pois vós mesmos apoiastes mortos no campo de batalha, cujos filhos deviam também ser mantidos e
inimigos e os engrandecestes; por isso suportais a dura esc~avidão. Cada educados pelo Estado.
um de vós segue as pegadas da raposa, e no entanto em conjunto tendes a (56) Em decorrência dessa lei muitos cidadãos esforçaram-se por comportar-
mente insensata. Estais atentos às falas e às palavras suaves de um se como soldados valorosos em batalha, como Polízelos, Cinêgeiros, Calímacos e
adulador, e não tendes a mínima preocupação com os seus atos." todos que combateram em Maratona, ou então Harmôdios e Aristogêiton, e
Ele escreveu esses versos. Após a ida de Sôlon para o exílio Peisístratos escreveu-lhe Miltiades e mais dezenas de milhares. Por outro lado, os atletas, quando se
uma carta nos seguintes termos: exercitam, são muito dispendiosos, e, quando vencem, são prejudiciais e recebem
coroas por vitórias contra a pátria, e não contra os adversários; quando
Peisístratos a Sôlon envelhecem, segundo Eurípedes+é,
"desfazem-se como seus mantos que perdem a trama".
(53) "Não fui o único heleno a instaurar a tirania, nem na qualidad~ ~e, d~s- Sôlon discerniu essas circunstâncias e os tratou parcimoniosamente. É excelente,
cendente de Codros, careço de qualificações para isso. Logo, retomo os privilégios também, o dispositivo legal segundo o qual o guardião de um órfão não podia
que os atenienses juraram conferir a Codros e sua família, embora mais tarde casar com a mãe de seu tutelado, e o herdeiro subseqüente na sucessão, em caso de
tenham faltado ao juramento. Em tudo mais não cometi ofensa alf?Uma contra os morte dos órfãos, devia considerar-se impedido de ser guardião dos mesmos. (57)
deuses e os homens; meu governo inspira-se constantemente nas leis que des~e aos Além disso, nenhum gravador de sinetes tinha permissão para reter uma
atenienses, e eles são governadcs melhor do que seriam sob uma democrac.la; de impressão do anel que houvesse vendido, e a penalidade para quem privasse de
fato, não permito a cidadão algum exorbitar de seus direitos, e, embora seJ.a um sua visão uma pessoa que tivesse um único olho era a perda dos dois olhos do
tirano, não usurpo para mim mesmo qualquer participação em prerrogau~as e agressor. Não era permitida a retirada de um depósito a não ser pelo próprio
honrarias; desfruto somente de privilégios explicitamente pertencentes ao~ reis de depositante, sob pena de morte. Mais ainda: o magistrado que fosse encontrado
antigamente. Cada cidadão paga um dízimo do valor d~ se.us be,ns,.não a ml~, mas em estado de embriaguês estaria sujeito à pena de morte.
a um fundo destinado a cobrir as despesas com os sacrifícios pubhcos e qUaisquer Sôlon também estipulou que os recitais públicos dos poemas homéricos
outros encargos do Estado ou gastos com alguma guen:a e~ que ~os envolvamos. teriam de obedecer a uma ordem predeterminada, de tal maneira que o segundo
(54) Não te recrimino porque revelaste meus desígnios; a~lSte por. lealdade rapsodo tinha de começar no ponto em que o primeiro se detivesse. Por isso,
para com a cidade, e não por inimizade a mim, e mais ainda por Ignorância quanto segundo as palavras de Dieuquidas no quinto livro de sua História Megárica, a
ao tipo de governo que eu iria instituir; se soubesses, talvez te m~strasses tolerante contribuição de Sôlon foi mais importante que a de Peisístratos para preservar a
comigo e não teria ido para o exílio. Sendo assim, volta à pátria, confiando em clareza dos poemas de Homero. O trecho mais recitado de Homero era o que
minha palavra, embora não jurada, de que Sôlon não sofrer~ qua!quer mal por começava com as palavras: "Em seguida os habitantes de Atenas ... "46.
obra de Peisístratos (fica sabendo que nenhum de meus outros mirmgos tampouco (58) Sôlon foi o primeiro a chamar o trigésimo diado mês de "velho e novo", e
sofreu). Se preferires ser um de meus amigos estarás entre os primeiros cidadãos, a instituir reuniões em caráter privado dos nove arcontes, segundo Apolôdoros no
pois não vejo em ti vestígios de traição e. n,:da q';le pro~oque des~o~fianç~; se segundo livro de sua obra Sobre os Legisladores. Qjiando começou a guerra civil ele
quiseres viver em Atenas em outras condiçoês teras a minha pennlssao. Nao te não aderiu aos habitantes da cidade, nem aos da planície, nem aos da costa.
mantenhas afastado de tua pátria por minha causa." São dele as palavras "A fala é o espelho dos atos", e outras significando que o
(55) Peisístratos escreveu essa carta. mais forte e mais capaz é rei. Sôlon comparou as leis a teias de aranha, que se
Sôlon disse que o limite da vida humana é de setenta anos. Parece que ele mantêm intactas quando qualquer objeto leve e flexível cai nelas, enquanto
elaborou algumas leis admiráveis. Por exemplo, se algué~ se negasse a ~ustentar qualquer coisa maior as rompe e vai adiante. Ele qualificou o segredo de "selo da
seus pais seria privado dos direitos cívicos; além disso aplicava-se penalld~de se- palavra". (59) Sôlon costumava dizer que as pessoas influentes junto aos tiranos se
melhante a quem dilapidasse seu patrimônio; e não ter ~ma ocupaçã? defimda era assemelhavam aos pequenos seixos usados para calcular, pois da mesma forma
um crime, pelo qual qualquer pessoa, querendo, podia levar o OCIOSO a prestar que cada seixo representava ora um número grande, ora um pequeno, os tiranos
contas de sua vida. Lísias, entretanto, atribui essa lei a Drácon, e a Sôlon outra, tratavam cada pessoa à sua volta às vezes como importante e famosa, e às vezes
privando quem quer que se houvesse prostituíd~ do direito de ocupar.a.tribuna na como insignificante. Q.uando lhe perguntaram por que ele não elaborara lei
Assembléia. Ele reduziu as honrarias concedidas aos atletas participantes de alguma contra o parricidio o sábio respondeu: "Porque espero que ela seja
competições, fixando a recompensa para um vencedor nos Jogos Olimpicos em desnecessária." Em resposta a uma pergunta sobre a maneira mais eficaz de

45. Fragmento 282 Nauck, Tragicorum Graecorum Fragmenta, 2a. edição.


44. Fragmento 11 Bergk. 46.l/{oda, 11. 546.
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28 DIÓGENES LAtRTIOS
VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 29

diminuir os crimes ele disse: "Isso ocorrerá se eles causarem tanto ressentimento "Em terra estrangeira o fogo de Chipre consumiu o corpo de Sôlon;
nas pessoas que não são vítimas dos mesmos quanto nas que são", acrescentando: Salamina tem os seus ossos, reduzidos a pó, mas um carro célere levou-lhe
"A riqueza gera a saciedade, e a saciedade gera a insolência." Sôlon propôs aos a alma aos céus; ele criou boas leis, peso levissimo para os cidadãos."
atenienses a adoção do mês lunar, e proibiu Téspis de encenar tragédias alegando Atribui-se a Sôlon a máxima "Nada em excesso". De acordo com Dioscurides
que a ficção é inútil. (60) Por isso, quando Peisístratos apareceu com ferimentos em seus Comentários, quando ele estava chorando a perda de seu filho, .de quem
que ele próprio se infligira, Sôlon disse: "Trata-se de uma conseqüência da nada mais se conhece, e alguém lhe disse: "Não adianta!", suarespostafoí: "Choro
encenação de tragédias." Seus conselhos aos homens, segundo Apolôdoros em precisamente porque não adianta!"
sua obra Das Seitas Filosóficas, eram os seguintes: "Confiai mais na nobreza de Conservaram-se as seguintes canas de Sôlon:
caráter que nos juramentos; nunca mintais; tende em vista objetivos dignos; não
sejais precipitados ao fazer amigos, mas, uma vez feitos, não os deixeis; aprendei a Sõlon a Períandros
obedecer antes de comandar; tomai as melhores decisões, e não as mais
agradáveis; fazei da razão o vosso guia; não convivais com os maus; honrai os (64) "Comunicas-me que muitas pessoas estão tramand? contra ti. Nã~ deves
deuses e reverenciai os pais." Dizia-se que ele criticara o distico de Mimnerrnos+Z: perder tempo se queres livrar-te de todas elas. Um conspirador contra U pode
"Sem moléstias e sem cuidados opressivos, leve-me a mone aos sessenta surgir de uma direção totalmente inesperada - por exemplo, alguém que teme por
anos!"
tua segurança pessoal ou que te ~espreza, I?ois ?ão há home~ algum que não
(61)replicando da seguinte maneira 48: tenha receios de ti. Quem descobnsse que nao alimentas suspeitas conquistaria a
"Mas, se quiseres dar-me ouvidos, apaga esse verso; não me invejes se gratidão da cidade. A melhor atitude seria renunciar ao poder, para afastar a causa
minha ponderação é melhor que a tua; muda-o, Ligiastades, e canta do temor. Entretanto, se queres a qualquer preço continuar sendo tirano, faze o
assim: 'leve-me aos oitenta anos!" possível para to~nar ,tuas trop,as m~rcen~rias ~ais po?e~osas que as forças ~a
Dos poemas convivais mais cantados atribui-se o seguinte a Sôlon+s: cidade. Assim nmguem te sera hostil e nao teras de eliminar pessoa alguma.
"Observa cada homem e vê se, ocultando ódio em seu coração, ele fala
com amável contenção, e sua língua ressoa com palavras dúplices vindas
do negro coração." Sôlon a Epimenides
Evidentemente ele escreveu as leis, discursos, exortações a si mesmo, elegias
(especialmente sobre Salamina e sobre a constituição ateniense), totalizando cinco "N em as minhas leis deviam ajudar os atenienses, nem tu ajudas.te a tua cidade
mil versos, além de poemas iâmbicos e épodos. purificando-a. Com efeito, a religião e a legislação não b~t~ por SImesmas para
(62)Há em sua estátua a seguinte inscriçãoõ'': beneficiar as cidades; esse objetivo somente pode ser atingido por qu~m conduz
"Esta Salamina que pôs fim à injusta violência dos medos gerou Sôlon, constantemente a multidão em qualquer direção desejada. Sendo aSSIm, se tudo
legislador sagrado." vai bem, a religião e a legislação podem ser úteis, mas, se tudo vai mal, de nada
De acordo com Sosicrates, Sôlon estava no apogeu aproximadamente na 46Jl valem.
Olimpíada, em cujo terceiro ano ele foi arconte em Atenasê l,e nessa época (65) Minhas leis e dispositivos não são melh.ores .. Os hc:>men~ q~e os
elaborou as suas leis. Sôlon morreu em Chipre aos oitenta anos de idade. Suas desprezaram prejudicaram o Estado, nã? conseguindo impedir a ur~.Illa ~e
últimas vontades, ditadas aos parentes, foram as seguintes: deveriam levar seus Peisístratos. E quando os alenei, não acreditaram em mim. Ele ob~eve mais apOlo
ossos para Salamina e, quando estivessem reduzidos a cinzas, espalhá-Ias sobre o adulando os cidadãos do que eu dizendo-lhes a verdade. Dep~s ~l~has armas em
solo. Por isso Cratinos52 fa-lo dizer em sua peça Os Q.uiirons: frente ao quanel dos generais e disse ao povo que eu era I?aIs. sábio q~e aq~eles
"Moro nesta ilha, como dizem os homens, disseminado por toda a cidade que não perceberam que o objetivo de Peisístrato~ e~a ~ nrarua, e mais corajoso
de Aias." que os que se abstiveram de oferecer-lhe res~stenCla. Entretanto, o povo
(63)Há uma composição nossa entre os Epigramas em Todos os Metros, já denunciou Sôlon como louco. Afinal testemunhei: estou pronto a defender-te,
mencionados, onde falo de todos os mortos ilustres em todos os metros e ritmos minha pátria, com palavras e ato~, porém algu~s ~e meus co?~idadãos. c?nside~-
(em epigramas e peças líricas), nos seguintes termosõê: me louco. Por isso afastar-me-ei deles como umco adversário de Peisístratos; e~es,
se quiserem podem passar a ser seus guarda-costas. Dev~s saber, comp~h~u?,
que ele alimentava a ambição desenfrea?a de ~omar-~e trrano. (66) A pnn~lplO
47. Fragmento 6 Bergk, Peisístratos era um líder popular; em seguida feriu-se a SImesm~ e ap,:,-rec~u?l,:,-nte
48. Fragmento 20 Bergk, do tribunal da Helíaia, gritando que aqueles ferim~ntos lhe haviam SIdo mfhgId?s
49.
50.
Fragmento 42 Bergk.
A niologia Palatina, VII, 86.
por seus inimigos e pedindo uma guarda de 400 Jovens. °
povo, sem me o~vlr,
concedeu-lhe os homens armados com suas clavas. Depois disso ele destruiu a
51. Em 594 a.C ..
52. Veja-se a nota 11. O fragmento é o ns 5 de Meineke, democracia. Foram inúteis meus esforços para livrar os atenienses po~r~s de su~
53. Antologia Palatina, VII, 87. servidão, porquanto agora todos são escravos de apenas um senhor: Peisístratos.
30 DIÓGENES LA~RTIOS
VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 31

Sôlon a Peisístratos adversidade que na prosperidade; faze um casamento modesto; nada digas de mal
a respeito dos monos; honra a velhice; guarda-te a ti mesmo; prefere um prejuízo a
"Confio em que nenhum mal sofrerei de ti, pois antes de te tornares tirano eu um lucro desonesto, pois o primeiro faz sofrer no momento, e o outro para
era teu amigo, e agora não tenho qualquer divergência contigo além daquelas de sempre; não rias do infortúnio alheio; sê bondoso quando fone, se queres ser res-
cada ateniense contrário à tirania. Se é melhor para eles ser governados por um peitado e não temido pelos vizinhos; aprende a ser um senhor sábio em tua pró-
único homem ou viver numa democracia, cada um de nós deve decidir por si mes- pria casa; não deixes a língua antecipar-se ao pensamento; domina a ira; não
abomines a arte divinatória; não desejes o impossível; não deixes pessoa alguma
mo, usando seu próprio discernimento. (67) Admito que és o melhor de todos os
ver-te apressado; evita gesticular enquanto estiveres falando, pois isso é sinal de
tiranos, porém vejo que não ficaria bem para mim retomar a Atenas. Se dei igual- insanidade; obedece às leis; cultiva a tranqüilidade."
dade de direitos políticos aos atenienses e me recusei a tornar-me tirano quando (71) O mais popular de seus poemas convivais, ainda cantados, é o seguinte:
tive oponunidade, agora não seria digno de mim retomar e endossar tua cond uta." "Com a pedra de toque se experimenta o ouro, e a prova e segura; o ouro
põe à mostra o espírito dos homens bons e maus."
Sõlon a Croisos Relata-se que em sua velhice Q.uilon disse que não tinha noção de jamais haver
infringido a lei em toda a sua vida, porém tinha dúvidas quanto a um ponto: numa
"Admiro-te por tuas gentilezas para comigo; por Atena, se não estivesse ansio- causa em que um amigo seu estava envolvido ele pronunciou a sentença de
so antes de tudo por viver numa democracia, eu teria preferido residir em teu conformidade com a lei, porém persuadiu um colega e amigo a absolver o
palácio em vez de morar em Atenas, onde Peisístratos exerce violentamente a acusado, a fim de ao mesmo tempo fazer prevalecer a lei e não perder o amigo.
tirania. Entretanto, parece-me muito mais agradável viver num lugar onde há Sua fama na Hélade deveu-se inicialmente à sua advenência a propósito da
justiça e igualdade para todos. Seja como for, irei até onde estás, pois anseio por ser ilha de Citera, situada em frente à costa da Lacedemônia. Com efeito, tomando
teu hóspede." conhecimento da natureza da ilha ele exclamou: "Melhor seria se ela não existisse,
ou então, já que existia, se houvesse desaparecido no mar." Essa advertência foi
muito sábia, (72) pois Demáratos, quando foi banido de Esparta, aconselhou
Capítulo 3. Q.UÍLON54
Xerxes a ancorar sua frota defronte da ilha; se Xerxes tivesse ouvido o conselho a
Hélade teria sido conquistada. Mais tarde, durante a Guerra do Peloponeso,
(68) Q.uilon, filho de Damagetas, era Iacedemônio; escreveu um poema Nícias subjugou a ilha e lá instalou uma guarnição ateniense, causando muitos
elegíaco de 200 versos, e declarou que a excelência de um homem consiste em transtornos aos lacedemônios.
prever o futuro até onde este pode ser discernido pela razão. A seu irmão, irado Q.uilon era conciso no falar, e por isso Aristagoras de Miletos chama seu estilo
por não ter sido escolhido para éforo, como Q.uilon foi, este último disse: "Sei de "quilônio". Ele descendia de Brancosê", fundador do templo de Branquídai.
aceitar a injustiça, e tu não sabes." Q.uilon assumiu o eforato na 55!l Olirnpíadaõô, Q.uilon já era idoso por volta da 52!l Olimpíada, quando estava no apogeu o
embora Panfile mencione a 56!l. Segundo Sosicrates, ele foi éforo pela primeira vez fabulista Esopo, Segundo Hêrmipos, sua mone ocorreu em Pise, pouco depois de
no arcontado de Eutidemos, e propôs pela primeira vez a designação dos éforos ele congratular-se com seu filho por uma vitória olímpica no pugilismo, e resultou
para auxiliarem os reis (Sátiros diz que essa iniciativa coube a Licurgos). do excesso de alegria somado à fraqueza decorrente de sua idade avançada. Todos
. De acordo com o relato de Herôdotos no Livro I de sua Histária56, quando os presentes acompanharam o cortejo fúnebre.
Hlpó~rates estava .realizando um sacrifício em Olímpia e seus caldeirões ferveram Há também um epigrama de nossa autoria sobre ele58:
por SImesmos, fOIQ.uilon quem o aconselhou a não se casar, ou, se já tivesse uma (73) "Rendo-te homenagem, Polideuces portador de luz, porque o filho
mulher, a divorciar-se dela e deserdar seus filhos. (69) Conta-se também que ele de Q.uilon conquistou no pugilismo as folhas verdes de oliveira. Se o pai
perguntou a Esopo o que Zeus estava fazendo e recebeu a seguinte resposta: "Está viu o filho coroado e morreu satisfeito, não há por que lamentá-lo:
humil~ando os altivos e exaltando os humildes." Q.uando lhe perguntaram qual caiba-me mone igual a esta!"
era a diferença entre o homem culto e o i~orante Q.uilon respondeu: "As esperan- Em sua estátua havia a seguinte inscriçâoê'':
ças fundadas." "Que coisas são dificeis? '''Guardarum segredo, usar bem o lazer, "Espana coroada de lanças gerou este Q.uilon, o primeiro dos Sete Sábios
ser capaz de suportar uma ofensa." Seguem-se alguns de seus preceitos: "Domina a em sapiência."
língua, principalmente num banquete; (70)não fales mal dos vizinhos, pois quem fi- Sua máxima é: "Garantia dada, desgosto à vista."
zer isso ouvirá a propósito de si mesmo coisas que lamentará; não ameaces pessoa Conserva-se também a seguinte carta dele:
alguma, pois isso é tipico das mulheres; visita mais depressa os amigos na

54. Estava no apogeu aproximadamente em 560 a.C .. 57. Os manuscritos são lacunosos nesse trecho; a tradução é conjecrural,
55. 560-557 a.C .. 58. Antologia Palatina, VII, 88.
56. No capitulo 59. 59. AntokJgia Palatina, IX, 596.
32

Qyaon a Períandros
DJOCENES LAtRTIOS
VIDAS E DOUTRINAS DOS FlLÓSOFOS

homem." Certa vez, quando lhe perguntaram


Pítacos respondeu: "De~incumbir-se
ILUSTRES 33

qual era a melhor coisa


bem da tarefa presente." Respon~
l
:'~uncias-me uma ~xpedição contra inimigos de fora, da qual tu mesmo dendo à pergunta de Croisos quanto àmelhor forma de governo, ele disse:
participarás. Q.uanto a rrum, penso que os próprios problemas locais são perigosos "O governo da madeira cambiante."65 Pítacos também exortava os ho-
para um governante absoluto, e considero feliz o tirano que morre de morte natu- mens a obterem vitórias incruentas. Q.uando um foceu disse que seria
ral em sua pátria." necessário procurar um homem excelente, Pitacos retrucou: "Se o
buscares com muito cuidado, nunca o encontrarás." Ele deu as seguintes
respostas a diversas perguntas: "O que é agradável?" "O tempo." "O que
Capítulo 4. PÍTACOS60
e oob scuro. :>" "O fu turo. " "O que merece con fi"ança? "A terra." "O que
ê

não merece confiança?" "O mar."


. (74) Pitacos.erafIlho de Hirradios de Mitilene. Dúris diz que seu pai era trácio. (78) Pítacos disse que é próprio dos homens prudentes prever as difi-
Ajudado pelos Irmãos de Alcaiosv! ele destitui Mêlancros, tirano de Lesbos; na
culdades para evitar que elas se concretizem, e é próprio dos corajosos
guerra entre Mitilene e Atenas pelo território de Aquileís, o próprio Pítacos era o
enfre?tá-Ias quando e~as aparecem. Não deve~os divulgar nossos planos
estratego de seu lad<?, e Frínon, detentor de uma vitória olímpica no pancráci062,
antecipadamente, pOIS se eles falharem ninguém rirá de nós. Não
comandava os ateruenses. Pítacos anuiu em travar um combate singular com
?ev~mo~ ~ecriminar quem quer que seja vitima de infortúnios, pois a
Frínon; com uma rede que ocultava em seu escudo ele envolveu o adversário,
jusnça dIVma66 pode fazê-los reverter contra nós. Cumpre-nos restituir o
matou-o e recuper~}\~ o te~tório em litígio. D~ ~cordo com a informação de Apo-
que nos foi confiado. Não devemos falar mal de um amigo, e nem mesmo
lôd?ros em sua Cr~mca, mais tarde Atenas e Mitilene submeteram a divergência a
de um inimigo. Devemos praticar a piedade, amar a moderação, cultivar a
arbitramento. Ouvmdo as alegações, Periandros adjudicou a região aos atenienses.
verdade, a fidelidade, a competência, a habilidade, a sociabilidade e a
(75) Na época, entretanto, os mitilênios honraram extraordinariamente Pita-
solicitude.
cos e p~seram o g~verno em suas mãos. Ele exerceu o poder durante dez anos,
O mais popular de seus poemas convivais ainda cantados é o seguinte:
renunciando d.ep~l~ ao cargo. Pítacos viveu mais dez anos após a renúncia e
"Com arco, flechas e carcás devemos marchar contra o homem mau; a
recebeu .dos ~oleruo~ um lote de terra, que consagrou aos deuses e até hoje se
língua que se move em seus lábios em nada é fiel, se em seu coração o
cham~ Pitáqueios. Sosicrates diz que Pítacos ficou com uma pequena parte do lote
pensamento é dúplice."
para SI m~smo, afirmando que a metade é mais que o todo. Croisos também lhe
(79) Pítacos escreveu também elegias, totalizando cerca de 600 versos, e sua
~fereceu ~quez~s, mas Pítacos as recusou; alegando possuir D dobro do que neces-
obra em prosa, n,as L;is, para uso de seu~ concidadãos. Ele estava no apogeu por
suava, pOlS havia herdado os bens de um irmão falecido sem deixar filhos,
volta da 421'- Olimpíadas", tendo morndo no arcontado de Aristomenes no
. (?6) Panfile diz no segundo livro de suas Memórias que, enquanto seu filho
terceiro ano da 521'- Olimpíadaêê, após viver mais de setenta anos. Sobre' seu
TIITalOS estava sentado num salão de barbeiro em Cume, um ferreiro matou-o
túmulo havia a seguinte inscrição:
com uma machadada. Quando os cumanos mandaram o criminoso preso à pre-
"Com lágrimas maternais esta sagrada Lesbos chora o finado Pítacos, por
sença de Pítacos este, tomando conhecimento dos fatos, restituiu-lhe a liberdade e
ela gerado."
de?arou: "É melhor o perdão agora do que o arrependimento mais tarde." Herá-
Sua máxima é: "Percebe a oportunidade."
eleitos, entretanto, afirma que a pessoa posta por ele em liberdade foi Alcaios, na
. Houve outro Pítacos, um legislador, segundo dizem Favorinos no primeiro
epoca em que teve o poeta em seu poder, e suas palavras foram: "A clemência é
livro de suas Memórias e Demétrios em sua obra Homônimos, chamado Pítacos
melhor que a vingança."
Menor.
Entre as leis por ele instituídas havia uma impondo uma penalidade dobrada
Dizia-se que o sábio foi consultado certa vez por um jovem sobre seu
no caso d~ qualquer ofensa .cometida em e.stado de embriaguez; seu objetivo era
casamento, e sua resposta foi a seguinte, como diz Calímacos em seus Epigramas69:
desencorajar o uso da bebida, sendo o vinho abundante na ilha. Um de seus
(80) "Um estrangeiro de Atarneus perguntou a Pítacos de Mitilene, filho
preceitos era: "É dificil ser bom", citado por Simonidesêê:
de Hirradios: "Dois casamentos se me oferecem, venerável ancião; uma
"Ser um homem verdadeiramente bom é dificil segundo o preceito de
Pítacos." , das esposas é igual a mim em riqueza e estirpe; a outra me ultrapassa.
Q.ual delas devo preferir? Dize-me então: qual das duas devo levar ao
(77) PI~tão também o menciona em seu diálogo Protagorasõ»: "Contra a
altar?" Assim ele falou. Pítacos levantou o bastão, arma dos anciãos, e
necessidade nem os deuses lutam." E também: "O cargo revela o

60. Estava no apogeu aproximadamente em 600 a.C .. 65.0. "governo da madeira" equivale a "governo da lei".
61. Poeta IIrico famoso, contemporâneo e conterrâneo de Safo. 66. Literalmente "a Nêrnesis".
62. Competição esportiva, uma combinação de luta livre e pugilismo. 67.612-609 a.C ..
63. Fragmento 5 Berglc.. 68. Em 570 a.C ..
64.345 D. 69. Antologia Pala tina, VII. 89.
VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 35
34 Dl6cENES LA~RTIOS

ficou admirado com o bom tratamento dispensado pelos habitantes até às bestas
disse: "Olha ali os que te dirão a última palavra." Num amplo cruzamen-
t~ alguns meninos lançavam seus piões velozes puxando os cordéis e
de carga.° rei decidiu então negociar condições de paz e despachou um mensa-
geiro aos priênios, Nesse ínterim, Bias mandou preparar montes de areia cobenos
dizendo a cada um: "Fica em teu lugar!" Ouvindo estas palavras o com cereais e os mostrou ao mensageiro; finalmente, informado dessa aparente
estrangeir~ renunciou a uma casa maior, acolhendo a advenência gritada abundância, Aliates concluiu um tratado de paz com o povo de Priene. Pouco tem-
pelos merunos, e conduziu a esposa à sua pequena casa. Sendo assim, tu po depois Aliates enviou um convite a Bias para ir até a sua cone, mas este replicou:
também, Díon, fica em teu lugar." "Dize a Aliates, de minha pane, para comer cebolas", isto é, para chorar. (84) Afir-
(81) O consel.ho parece ter sido uma decorrência da situação do próprio Píta- mava-se também que ele foi um advogado eficiente, porém que costumava usar a
cos; de fato, o sábio se casara com uma mulher superior a ele em nascimento, irmã força de sua eloqüência na defesa do bem. Daí a referência de Demôdicostvs de
de Drácon, filho de Pêntilos, que o tratava arrogantemente.
Leros no verso:
Alcaios apelidou-o de sarâpous e sárapos, porque tinha os pés chatos e os arras-
tava ao caminhar; também de "Frieiras"69a, por ter os pés rachados, para os quais a "Se por acaso fores juiz, aplica a justiça como se faz em Priene."
palavra usada era kheirds; de "Fanfarrão", porque estava sempre dizendo fanfarro- E Hipônax'":
nadas; de "Pança" e "Barrigão" por ser gordo; e ainda de "Janta-no-escuro" . "Melhor que Bias de Priene na defesa de causas."
porque jantava sem acender a lâmpada; e finalmente de "Desmazelado" por ser Bias morreu defendendo um cliente, apesar de já estar muito idoso, nas seguintes
negligente e sujo. Sua ginástica consistia em pilar grãos, como diz o filósofo circunstâncias: acabando de falar ele reclinou a cabeça no colo de seu neto; o advo-
Clêarcos. gado da pane contrária fez o seu discurso, os juizes votaram e o veredito foi favorá-
Atribui-se a Pítacos a breve cana seguinte: vel a Bias; quando as pessoas presentes no tribunal se levantaram verificou-se que
ele estava morto no colo do neto. (85) A cidade proporcionou-lhe um funeral
Pítacos a Croisos magnífico e mandou gravar as seguintes palavras sobre o seu túmulo/-:
"Esta pedra cobre Bias, nascido na nobre terra de Priene e ornamento
"Convidas-me para ir à Lídia a fim de testemunhar a tua prosperidade, maior dos iônios."
porém, m~smo sem vê-Ia, posso crer que o filho de Aliates é o mais opulento de Há também o epitáfio de nossa autoria'":
todos os reis, Não me trará qualquer proveito uma viagem a Sárdis, pois o ouro não "Aqui repousa Bias, que cobeno pela velhice cor de neve foi suavemente
me faz falta e minhas posses bastam para mim e para os meus amigos. Isso, não transportado para o Hades por Hermes; ele defendeu - sim, defendeu um
obstante, irei, para entreter-me em conversas com o anfitrião amigo." amigo -, e depois, reclinando a cabeça nos braços de um menino,
entregou-se ao longo sono."
Capítulo 5. BIAS70 Bias compôs um poema de 2.000 versos a respeito da Iônia, principalmente
sobre a maneira de torná-Ia mais próspera. De seus poemas convivais ainda canta-
(82) Bias, filho de Teutames, nasceu em Priene, e é considerado por Sátiros o dos o mais popular é o seguinte:
primeiro entre os Sete Sábios. De acordo com algumas fontes Bias era rico; Dúris, "Agrada a todos os cidadãos na cidade em que moras, pois assim obterás
ao contrário, diz que ele não tinha sequer uma casa própria. Fanôdicos conta que muitos favores; um caráter intratável geralmente provoca o infonúnio
esse sábio resgatou algumas virgens messênicas capturadas em tempo de guerra e pernicioso. "
as criou como suas filhas, dando-lhes dotes e restituindo-as a seus pais na (86) Ser forte, dizia Bias, é obra da natureza, porém a capacidade de ser útil à
Messênia. Algum tempo depois, como já dissemos, por ocasião da descoberta em pátria é um dom da alma e da sapiência. A abundância de riquezas chega a muitos
Atenas, por pescadores, da trípode de bronze com a inscrição "Ao mais sábio", as graças à sorte. Ele também disse que as pessoas incapazes de suportar o infonúnio
virgens, segundo Sátiros, ou seu pai, segundo outras fontes (inclusive Fanôdicos), eram realmente infonunadas; que desejar o impossível é uma doença da alma,
d~rigiram-~eàA~sem?léia e,.após relatarem suas próprias aventuras, proclamaram ~m como não pensar nos males alheios. Quando lhe perguntaram o que é difícil
Bias o mais sábio; diante dISSOa trípode lhe fOIentregue, porém Bias, ao vê-Ia, Biasrespondeu: "Suportar dignamente as mudanças da sone para pior." Cena vez
afirmou que Apolo era mais. sábio e se recusou a levá-Ia consigo. ele viajava com pessoas impias, e diante de uma tempestade que sobreveio, essas
(83).Outras fontes mencionam que ele a dedicou a Heraclés em Tebas, pois ~esmas pessoas começaram a clamar pela ajuda divina; "Calai-vos", disse Bias,
descendia dos tebanos fundadores de uma colônia em Priene (de conformidade 'para evitar que os deuses ouçam e percebam que estais aqui nesta nau!" Ouvindo
com versão de Fanôdicos). o pedido de um homem ímpio para que definisse a piedade, ele permaneceu em
Dizia-se que, enquanto Aliates estava sitiando Priene, Bias engordou dois
mulos e os levou até as proximidades do acampamento do rei; vendo-os, Aliates
70a. ou Demôdocos. o fragmento é o nP 6 da coletânea de Bergk..
71. Fragmento 79 Bergk.
72. Antologia Palatina, VII, 90.
69a. Literalmente kheirõpodes . 73. Antologia Palatina, VII, 91.
70. Estava no apogeu aproximadamente em 570 a.C ..
36 DIÓGENES LA~RTIOS VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 37
l
silêncio; quando o homem quis saber a razão de sua atitude Bias retrucou: "Estou "Quem, confiante em seu bom-senso, louvará Cleôbulos de Lindos, que
silencios<? porque fazes perguntas sobre assuntos que nada têm a ver contigo." opõe a duração de uma lápide aos rios eternamente correntes, às flores da
(87) A pergunta: "O que é doce para os homens?" ele respondeu: "A primavera, ao sol flamejante e à lua dourada, e às marés do oceano?
esperança." Bias dizia que preferia decidir uma divergência entre dois inimigos Todas as coisas, entretanto, estão sujeitas aos deuses, e até as mãos dos
seus em vez de entre dois amigos; no segundo caso ele tinha ceneza de que iria mortais quebram o mármore; essa idéia é de um estulto."
tran~f<:>~ar um dos. amigos em inimigo, enquanto no primeiro iria fazer de um
A inscrição não pode ser de Homero, pois segundo se diz ele viveu muito
dos lmmlgos um ~lgO. Quando lh~'perguntar.am qual,~ o~upa~o mais agradável
para. um .homem Bias respondeu: Ganhar dinheiro, Bias dIZIa que deviamos tempo antes de Midas.
Panfile conserva em suas Memórias o seguinte enigma de Cleôbuloss'': (91) "O
medir a :VI~acomo se tivéssemos de viver muito e pouco; que devíamos amar como pai é um, os filhos são doze, e cada um deles tem duas vezes trinta filhas de aspecto
se um dia tivéssemos de odiar, pois a maioria das criaturas é má. Ele dava também
dúplice; umas são brancas à vista, outras são negras por seu turno; embora sejam
os seguintes conselhos: "Sê lento para começar a agir, mas persevera firmemente
imortais, todos e todas morrem." É o ano.
na ação depois de começar"; (88) "Não fales precipitadamente pois é sinal de insâ- De seus poemas convivais ainda cantados o mais popular é o seguinte:
nia"; "Ama a prudência"; "Admite a existência dos deuses:" "Não louves um
"Predominam entre os homens a ignorância e a tagarelice, porém o senso
homem indigno por causa de sua riqueza"; "Vence pela persuasão, e não pela
da oportunidade te preservará; pensa em algo bom, e não seja vã a
força"; :'Atribui as tuas boas ações aos deuses"; "Faze da sabedoria a tua provisão
gratidão."
para a Viagem desde a juventude até a velhice, pois ela merece mais confiança que
Cleôbulos dizia que devemos dar nossas filhas, a seus maridos, virgens na
todos os outros bens." idade porém mulheres na mentalidade, querendo com essas palavras significar
. Hipônax menciona Bias com as palavras citadas acima/+, e Herácleitos, tão que as meninas também devem ser educadas. Ele dizia ainda que devemos prestar
dl~ícil de content.ar, faz~lhe um elogio extraordinário nos seguintes termos/ô: "Em serviços a um amigo para que o mesmo seja ainda mais amigo, e ao inimigo para
Pnene nasceu Bias, cUJa fama supera muito a dos outros." transformá-lo em amigo; (92) devemos guardar-nos contra a censura dos amigos e
Os habitantes de Priene consagraram-lhe um recinto, denominado Teutâ- as intrigas dos inimigos. Ao sair de casa devemos perguntar-nos primeiro o que
meion. Sua máxima era: "Os homens em sua maioria são maus." prentedemos fazer, e ao regressar, perguntar-nos o que fizemos. Cleôbulos acon-
selhava a prática de exercícios físicos; dizia que devemos ouvir mais que falar;
Capítulo 6. CLEÔBULOS76 exortava-nos a optar pela instrução e não pela ignorância, a evitar palavras de blas-
fêmia, a ser amigos da excelência e hostis à deficiência moral, a fugir à injustiça, a
(8~) Cleôbulos, filho de Euagoras, nasceu em Lindos, porém, segundo Dúris, aconselhar os governantes da cidade para o melhor, a não nos deixarmos dominar
era cário, Alguns autores dizem que ele fazia recuar sua ascendência a Heraclês: pelo prazer, a nada fazermos mediante violência; a educar os filhos, a pôr termo à
que se distinguia por sua força e beleza e que conhecia a filosofia egípcia. Uma filha inimizade. "Evita demonstrar afeição para com a mulher ou discutir com ela na
dele, .chamada Cleobuline, compôs epigramas em hexâmetros; Cratínos/" a presença de estranhos, pois no primeiro caso parecerás tolo, e no segundo louco."
me?CH;ma, dando a uma de suas comédias o nome da mesma, no plural Cleobulínai. "Não deves punir um serviçal sob os efeitos do vinho, pois pensarão que ages
Atribui-se a Cleôbulos a reconstrução do templo de Atena fundado por Dânaos. assim por causa da embriaguez." "Deves casar-te com alguém do mesmo nível,
Ele compôs cantos e enigmas, totalizando cerca de 3.000 versos. pois se escolheres uma mulher superior" - diz Cleôbulos - "seus parentes te dorni-
~rão." (93) "Não deves rir de quem está sendo ridicularizado, sob pena de
Dizia-se que era de sua autoria a seguinte inscrição no túmulo de Midas/ê:
mcorrer em seu ódio." "Não deves ser arrogante na prosperidade, nem abater-te
"Sou uma virgem de bronze e repouso sobre o túmulo de Midas.
se cais na pobreza." "Aprende a suportar com dignidade as mudanças da sorte."
Enquanto a água fluir e as árvores crescerem, (90) e o sol nascente brilhar e
Cleôbulos morreu já velho, com a idade de setenta anos, e sobre seu túmulo
a luz luzir, e o~ ~os correre":l e o ma: for ondulante, aqui nessa tumba
foi feita a seguinte inscrição+':
molhada de lágnmas estarei para dizer aos passantes que Midas jaz
"Esta terra de Lindos, adornada pelo mar e pátria do sábio Cleôbulos,
sepulto neste lugar."
chora o extinto."
A atribuição a Cleôbulos fundamenta-se no testemunho de Simonides em um de
Sua máxima é: "A moderação é ótima."
seus poemas, onde o poeta diz 79:
Ele escreveu a seguinte carta a Sôlon:

74. Veja-se o § 84.


75. Fragmento 39 Diels-Kranz, 6a. edição.
76. Estava no apogeu aproximadamente em 600 a.C ..
77. Veja-se a edição Meineke-Bothe, página 20.
78. Antologia Palatina, VII, 153. 80. Antologia Palatina, XlV, 101.
79. Fragmento 37 Bergk. 81. Antologia Palatina, VII, 618.
38 DIOCENES LA~RTlOS VIDAS E DOUTRlNAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES

Cleôbulos a Sôlon matassem-nos e os sepultassem; logo após despachou um contingente ainda maior
de soldados em perseguição aos quatro. Tomadas e.ssas medidas o próprio tirano
. "São muitos os teus amigos, e onde quer que estejas tens um lar; entretanto, saiu ao encontro dos dois primeiros soldados e fOI mono pelos mesmos.
~hgo ~u, o melhor lugar para Sôlon estar é Lindos com seu governo democrático. A Os coríntios mandaram gravar a seguinte inscrição em seu cenotáfioêê:
ilha. situa-se em alto-mar, e quem vive aqui nada tem a temer de Peisístratos. (97) "Esta terra de Corinto, próxim~ ao mar no ~?lf~, 'J~e
foi sua pátria,
Amigos de todas as partes virão visitar-te." recebeu Períandros, supremo em nqueza e sapiencia.
O epigrarna de nossa autoria sobre ele é o seguintellb: ..
Capítulo 7. PERÍANDROS82
"Não te aflijas mais se não ~onse~es algo; f~1 Igualmente tudo que~ o
deus te concede, pois o sábio Períandros, aviltado, sofreu porque nao
~9~)Períandros, filho de Cípselos, nasceu em Corinto e penencia à família dos obteve o que desejava."
Hera~hd~s. O nome de sua mulher era Lisida (ele a chamava Mêlissa), filha de É dele a máxima "Nada faças por dinheiro, pois temos de ganhar o que ~e~e
Procles, nrano de Epídauros, e de Euristêneia, filha de Aristocrates, e irmão de ser ganho." Periandros compôs um poema exortatório de 2.000 versos. Ele~dizia
Aristôde~os, que dominaram juntos toda a Arcádia durante quase trinta anos, de que os tiranos que pretendem estar seguros devem tazer da leald~de, e na? das
conformidade com a afirmação de Heracleides do Pontos em sua obra Sobre o armas, seu corpo de guarda. A alguém que lhe perguntou por que ~nda era mano
Govem.0' C?m ela Períandros teve dois filhos, Cípselos e Licofron, sendo o mais Períandros respondeu: "Porque é tão perigoso afastar-me voluntanamente quanto
no,:o inteligente e o mais velho estulto. Em certa época, num acesso de cólera, ser deposto." Seguem -se ou tras ~rases suas. "A tr~q ?ilidade é bela." :' A ~es!~~o
Períandros golpeou com um escabelo sua mulher grávida, ou deu-lhe um é perigosa." "? ganho é ignóbil.'~ "~ deIll:0~~aaa ~ melhor que a mama. . Os
pon~pé, e a matou, acatando as insinuações maliciosas de suas concubinas, que prazeres são efemeros, as honras sao imortais. (98) Sê moderado na prospenda-
depois mandou queimar vivas. de, prudente na adversidade." "~ê invariavelmente. o me~~? e~ relação a teus
<? filho Licofron, que lamentava a sorte de sua mãe, foi banido por ele para amigos, estejam eles na prosperidade ou na adverSidade. Seja qual for o teu
CórClra: (95)J á muito idoso Períandros mandou chamar o filho para ser seu suces- compromisso, honra-o." "Não divul~es os .se~~o~." "Pune não .so,r;tente os
~or ~a tirania, porém os corcireus o mataram antes do embarque. Dominado pela transgressores mas também os que estao na irnmencia de transgredir.
Ira diante desse fato, Períandros mandou os filhos dos corcireus para Aliates, a fim Períandros foi o primeiro a ter um corpo de guard~ e a tr~sformar o seu
de serem castrados; entretanto, quando a nau que os levava se deteve em Samos, governo em tirania, e não pen~litia a pes~oa alguma viver na Cidade sem seu
eles se ~efugIaram no te~pl? de Hera e foram. salvos pelos sâmios. consentimento, segundo dizem Eforos e Aristótelesê". Ele estava no apogeu apro-
Penan?ros ficou deprimido e morreu com OItenta anos de idade. Segundo o re- ximadamente na 38!l Olimpíada, e foi tirano durante quarenta anos.
lato de.Soslcrates, ele morreu quarenta e um anos antes de Croisos, pouco antes da Soúon Heracleides e Panfile (esta no quinto livro de suas Memórias) atestam
49~ Oh~piada!!~. No primeiro livro de sua História84 Herôdotos diz que Perían- que houve' dois Períandros, um tirano e outro o sábio, nascido na Ambraci~.
dros fOI hóspede de Trasíbulos, tirano de Míletos. (99) Neantes de Cízicos faz ~bém esta a~~a~o,. a~rescen~ndo 'iu~90S ~OlS
. (96) No primeiro livro de sua obra Sobre a Vida Luxuriosa dos Antigos Arlstipos eram parentes; Aristóteles88 diz que o cormuo e sábio, porem Platão nao o
diz que Crátera, mãe de Períandros, apaixonou-se pelo filho; este mostrou-se menciona entre os Sábios. Sua máxima é: "A perseverança é tudo."9o Períandros
compl,,:cente e houve relações sexuais entre os dois; Arístipos acrescenta que, planejou a escavação de um canal através do istmo'['.
conhecido o fato, o filho se amargurou em face da descoberta de seu procedimen-
Conservam-se as seguintes cartas dele e para ele.
to e passou a ser extr~ma~ente sever? com todos. Éforos registra sua promessa no
sentido de, se .fosse vitorioso na corrida de carros em Olímpia, erigir uma estátua
Períandros aos Sábios
de ouro. Obtida a vitória, mas não dispondo de ouro, Periandros, que vira as
mulheres usando ornamentos de ouro num festival na cidade, mandou despojá- "Sou muito grato a Apolo Pítio por vos haver encontrado reu~idos. Mi~as
tas de .todos esses adornos, e assim pôde enviar ao deus a oferenda prometida. canas trar-vos-ão também a Corinto onde, como vós mesmos sabeis, proporao-
. Dizem alguns autores que ele não desejava que fosse conhecido o local onde
nar-vos-ei a recepção mais concorrida. Tomei conhecimento de que no ano
ser.la ~epultado, e com esse objetivo adotou o seguinte ardil. O tirano deu ordens a
dOIS J.ovens para saírem à noite por uma certa estrada que ele indicou; eles
deveriam matar o homem que encontrassem e enterrá-lo. Em seguida, Períandros 85. Antologia Palatina, VII, 619.
ordenou a outros quatro homens que saíssem em perseguição aos dois primeiros, 86. Antologia Palaiina , VII, 620.
87. Fragmento 516 Rose. .
88. Em suas obras conservadas, Aristóteles menciona Períandros na Polüica, 1S04 - 32, mas somente
como tirano. A referência de Diôgenes Laêrtios corresponde ao fragmento 517 Rose.
82. Tirano durante o período de 625 a 585 a.C ..
89. Protagoras, S43 A.
8S. 584-580 a.C .. 90. Ou parafraseando: "a prática leva à perfeição".
84. No capitulo 20.
91. Subentenda-se: "de Coriruo".
D1ÓGENES LAtRTIOS VIDAS E DOUTRINAS DOS nLÓsOFOS ILUSTRES 41

p.assado ~os en~ontrastes em Sárdis, na corte do rei lídio. Não hesiteis portanto em O epitáfio escrito por nós a seu respeito é o seguinte94:
Vir até num, o urano de Corinto. Os coríntios terão prazer em ver-vos hospedados (103) "Voltando à Cítia depois de muito viajar, Anácarsis induzia todos os
em casa de Períandros."
citas a viverem de acordo com os costumes helênicos. Sua alocução ainda
Periandros a Proclés estava incompleta nos lábios quando uma seta alada o levou velozmente
para o meio dos imonais."
(100) "O assassinato de minha mulher não foi premeditado; tu, entretanto, Anácarsis dizia que as vinhas produzem três tipos de uvas: o primeiro do
ages deliberadamente quando exacerbas o coração de meu filho contra mim. prazer, o segundo da embriaguez .e o terceiro ~o desgosto. Ele comentava. que se
Logo.' põe ~e~o ao proced~mento inflexível de meu filho, ou me vingarei de ti. De admirava porque na Hélade os artistas compeuam nos concursos por ocasião dos
fato, Já expiei em relação a n o mal feito à tua filha, mandando queimar juntamente jogos e os leigos conferiam prêmios. Q..uando lhe perguntaram como uma pessoa
com ela as vestes de todas as mulheres de Corinto." poderia evitar o risco de tornar-se al~oó,l,atra, ele ~espond~u: "Tendo diante dos
olhos a imagem repugnante dos ébrios. Anácarsis tambem expressou surpresa
Trasibulos a Periandros em face do fato de os legisladores helênicos imporem penalidades para punir a
violência, enquanto honravam os atletas por se espancarem. Após tomar conheci-
"Não dei. resposta verbal a teu arauto; conduzi-o entretanto a um trigal; e em mento de que a espessura do casco das naus era de quatro dedos, disse que essa
sua companhia, vale~do-me de um bastão, golpeei e cortei as espigas que se salien- era a distância que separava os navegantes da morte.
tavam entre as delJlal~. Se lhe perguntares o que ele ouviu e viu, o arauto dir-te-á (104) Esse sábio dizia que o azeite de oliveira era uma droga capaz de causar a
sua mens~gem: Se qUlser~s manter forte o poder absoluto faze o seguinte: manda loucura, pois os atletas quando se untam com ele se enfurecem uns contra os
matar os cidadães proerrunenres, sejam-te eles hostis ou não. Com efeito, para um outros. Como é possível, dizia também Anácarsis, que os helenos condenem a
govemante absoluto até os amigos são suspeitos."92 falsidade e ao mesmo tempo façam afirmações obviamente falsas quando
negociam nas lojas?
Capitulo 8. ANÁCARSIS, o Cita. Ele se mostrava surpreso também ao ver os helenos beberem no inicio das
festas em taças pequenas, e quando já e~tavam saturados beberem nas grandes. As
(101) Anácarsis, o Ci~, era filho de Gnuros e irmão de Caduídas, rei da Cítia, palavras inscritas em sua estátua são: "Refreia a língua, o ventre e o sexo." Q..uando
Su~ m~e ~a de raça helênica, e por isso ele falava ambas as línguas. Escreveu sobre lhe perguntaram se havia flautas na Cítia ele respondeu: "Não, nem vinhas." À
as ms~tulções d~s helenos e dos citas, dissenando a propósito da simplicidade e pergunta "Q..uais são as naus mais seguras?" sua resposta foi: "As içadas para a
frugalidade da VIda ~ assuntos r~lacionados com a guerra num poema de 800 praia." Outra declaração sua é a respeito da coisa mais estranha por ele vista na
versos. Por sua maneira de falar, livre e franca, deu origem à expressão proverbial Hélade: os helenos deixarem a fumaça nas montanhas e trazerem a madeira para
"falar como um cita". casa95. Perguntando-lhe alguém: "Qjiais são os mais numerosos: os mortos ou os
Sosicrates diz que ele veio para Aten~ aproximadamente na 47!l Olimpíadasã, vivos?", Anácarsis redargüiu: "Em que categoria pões os navegantes?" Insultado
durante o ~contado de Eucrates. Hêrmipos narra que por ocasião de sua chegada por um ateniense pelo fato de ser cita, o sábio resp'0ndeu: "Minha pátria me
à casa de ~olon ele n;andou anunciar por um dos serviçais que Anácarsis chegara e desabona, e tu desabonas a tua." (105) A pergunta: ' Q..ue coisa nos homens é ao
estava ansioso por ve-Io e, se possível, ser seu hóspede. (102~0 serviçal transmitiu a mesmo tempo boa e má?" ele respondeu: "A língua." Anácarsis dizia que era
mensagem e recebeu ordens de Sõlon para dizer-lhe que os homens em geral esco- preferível ter um amigo merecedor de grande estima a ter muitos amigos
lhem seu~ hóspedes entre os próprios concidadãos. Anácarsis aproveitou as pala- merecedores de nenhuma. Ele definia a praça do mercado como um lugar onde os
vras de Solon e retrucou que estava em sua pátria e tinha o direito de ser tratado homens podem enganar-se uns aos outros e trapacear. Insultado por um rapaz
como hóspede. S~lon, ~tônito ~om sua presença de espírito, admitiu-o em sua casa porque estava bebendo, o sábio disse: "Se não podes resistir ao vinho agora que és
e fez dele seu .maIor arrugo. MaIS tarde Anácarsis regressou à Cítia onde, por causa jovem, rapaz, carregarás água na velhice."
de seu entus!asn:t0 .em relação a tudo que era helênico, tornou-se suspeito de De acordo com algumas fontes Anácarsis teria sido o inventor da âncora e
subverter. as mstituições ~ac~onais e foi morto por seu irmão enquanto ambos também da roda dos oleiros.
caçavam Jun,tos. Ao ser a~n~do pela flecha ele exclamou: "Minha reputação me Atribui-se-lhe a seguinte cana:
salvo.u na,~elade, mas a mveJ.a que ela suscitou em minha terra natal foi a minha
per~lção. algumas versões dizem que ele foi morto enquanto celebrava ritos he- Anácarsis a Croisos
lênicos.
"Vim à terra dos helenos, rei dos lidios, para aprender seus costumes e institui-
ções. Não tenho necessidade de ouro, pois basta-me regressar à Cítia sendo um
92. Para as alusões neste capitulo à conduta de Períandros, vejO
a-se Herôdotos História I 20-2Q• III 48-
53; V, 92. t" .::.J, ,

93.591-588 a.C .. 94. Antologia Palatina, VII. 92.


95. Sob a forma de carvão.
42 mOGENES LA~RTIOS VlDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 43

homem melhor. ~ntre,~to, estou em Sárdis, considerando importante para mim outros ainda Agêsarcos. Cretense de estirpe. Epimenides nasceu em Cnossos, embo-
merecer a tua estima. ra usasse os cabelos longos contrariando os costumes locais. Em certa época o pai
mandou-o ao campo em busca de uma ovelha desgarrada, porém, aproximada-
Capítulo 9. MÍSON96 mente ao meio-dia, Epimenides desviou-se do caminho e foi dormir numa caver-
(106) Segundo Sosicrates, cuja fonte é Hêrmipos, Míson era filho de Strímon na, onde teria ficado adormecido durante cinqüenta e sete anos. Despertando
e natural de Q.uen (um povoado no distrito de Oita ou na Lacônia), incluído entre depois disso, Epimenides levantou-se e saiu à procura da ovelha, imaginando que
os Sete Sábios. Constava que seu pai era um tirano. Alguns autores afirmam que, estivera dormindo por pouco tempo. Não tendo podido encontrá-Ia, encami-
quando Anácarsis perguntou se havia alguém mais sábio que ele mesmo, a sacer- nhou-se para a fazenda, onde achou tudo mudado e de posse de outro dono. Em
dotisa pítia deu a respostajá citada na Vida de Tales97 com referência a Q.uilon98: seguida, Epimenides voltou perplexo para a cidade, e lá, ao entrar em sua própria
"Digo que é Míson de Oita, nascido em Qjien, muito mais capaz que tu casa, viu-se cercado por pessoas desejosas de saber quem era ele; finalmente
em sapiência." encontrou seu irmão mais novo, agora um homem idoso, e tomou conhecimento
Aguçada assim a sua curiosidade, Anácarsis dirigiu-se ao povoado durante o de toda a verdade por meio dele.
verão, encontrando Míson ocupado em ajustar uma relha ao arado, e disse: "Ora, (110) Epimenides tornou-se famoso em toda a Hélade, e passou a ser
Míson! Não é este o tempo de arar!" A resposta foi: "Mas, éjustamente o tempo de considerado caríssimo aos deuses. Por isso, quando foram atingidos por uma
consertar!" (107) Outras fontes citam o primeiro verso do oráculo de maneira pes~lência e a sacerdotisa pítia determinou-lhes que purificassem a cidade, os
diferent~: "Digo q';1eum certo eteu", e indagam qual é a significação de "eteu". atemenses mandaram a Creta uma nau comandada por Nícias, filho de Nicêratos,
Parmenidess? explica que Etis é um distrito na Lacônia, onde nasceu Míson (em a fim de rcedir ajuda a Epimenides. Ele chegou a Atenas durante a 46!l
sua obra Suces~ão dos F~ósofos Sosicrates diz que Míson era eteu por via do pai, e Olimpíada 03, purificou a cidade e pôs fim à pestilência da maneira seguinte.
queneu por via da mae; Eutífron, filho de Heracleides do Pontos, afirma que Obteve algumas ovelhas negras e brancas e levou-as para o Areópago; de lá
Míso~ era cretense, sendo Eteia uma cidade de Creta; Anaxílaos considera-o Epimen~des deixou-a;; irem para onde lhes aprouvesse, instruindo as pessoas que
arcádio), as seguiam no sentido de marcarem o lugar onde cada ovelha deitasse e
Hipônax menciona-o também dizendoloo: oferecerem um sacrificio à divindade local. E assim terminou a calamidade. Por
"E Míson, que Apelo proclamou o mais sábio dos homens." causa desse acontecimento é possível encontrar-se até hoje, em diferentes demos
Em suas Memórias Esparsas Aristôxenos diz que ele não diferia de Tímon e atenienses, altares sem nome, erigidos para perpetuar a memória dessa expiação.
~pêimant?s, pois era um misantropo. (108) Certa vez Míson foi visto em Esparta De ~on~ormidade com algumas autoridades, Epimenides atribuiu a pestilência ao
nndo sozinho num lugar deserto, e quando alguém apareceu subitamente e sacrilégio envolvendo Cílon 104 e mostrou a maneira de extingui-Ia. Com efeito,
perguntou a razão de seu riso sem que ninguém estivesse perto, sua resposta foi: foram mortos dois jovens - Cratinos e Ctesíbios -, livrando-se assim a cidade do
"Justamente por isso!" Aristôxenos diz que a causa de sua existência obscura foi a flagelo.
circunstância de ele não haver nascido em uma cidade, e sim num povoado sem (111) Os atenienses decretaram que lhe fosse dado um talentolO5, além de
importância. Em conseqüência de sua obscuridade alguns autores, mas não uma nau para levá-lo de volta a Creta. Epimenides recusou o dinheiro, porém
Platão, o filósofo, atribuem seus preceitos a Peisístratos. De fato, Platão menciona-o pactuou amizade e aliança entre Cnossos e Atenas. Não muito tempo depois do
no Protagorasl'U, dando-lhe o lugar atribuído por outros a Períandros. regresso à pátria ele morreu. Segundo Flêgon, em sua obra Da Longevidade
Míson ~ostumava dizer que não devemos investigar os fatos a partir dos argu- Epimenides viveu cento e cinqüenta e sete anos; de acordo com os cretenses,
mentos, e sim os argumentos a partir dos fatos, pois não se reuniam os fatos para duzentos e noventa e nove (Xenofanes de Colofon 106 teria ouvido dizer que esse
demonstrar os argumentos, e sim os argumentos para demonstrar os fatos. número seria cento e cinqüenta e quatro).
Ele morreu com noventa e sete anos de idade. Epimenides compôs um poema intitulado Sobre o Nascimento dos Curetes e
Coriba~es e uma Teogonia, totalizando 5.000 versos; compôs também uma
Capítulo 10. EPIMENIDESI02 epopéia sobre a construção da nau Argó e a viagem de Iáson a Colquis em 6.500
versos. (112) Escreveu em prosa obras sobre os sacrificios e sobre a constituição
(109) Se~.n~o dizem Teôpompos e outros autores, o pai de Epimenides dos cretenses, bem como sobre Minos e Radamântis (cerca de 4.000 linhas ao
chamava-se Fáistios; outros, entretanto, afirmam que seu nome era Dosiadas, e todo). Fundou ainda em Atenas o templo das Eumenides, segundo o testemunho
de.Lô~on de Argos em sua obra Sobre os Poetas. Afirmava-se que ele purificou pela
96.Estava no apogeu aproximadamente em 600 a.C .. primeira vez casas e campos, e também fundou templos. Há quem sustente que
97.Veja-se o § 30 deste livro.
98.Antologia Palatina, VI, 40.
99.Algumas autoridades modernas propõem a leitura "Parrneniscos" em vez de "Parrnenídes". 103.595-592 a.C ..
100.Fragmento 45 Bergk. 104. Veja-se Herôdotos, História, V, 21.
101. 343 A. 105. O talento como unidade monetária equivalia a cerca de uss 1.000.
102. Estava no apogeu aproximadamente em 600 a.C .. 106. Fragmento 20 Diels-Kranz.
l
44 DIOCENES LA~RTlOS VIDAS E DOUTRINAS DOS FILÓSOFOS ILUSTRES 45

Epimenides não adormeceu, mas se afastou dos homens durante algum tempo, Capitulo 11. FERECIDESI07
dedicando-se a colher raízes com propriedades medicinais. (116) Ferecides, filho de Bábios, nasceu em Siros de acordo com Alêxandros
Conservou-se uma carta sua ao legislador Sôlon, tratando da constituição em sua obra Sucessão dos Filósofos, e foi discípulo de Pitacos. Teôpompos diz que ele
elaborada por Minos para os cretennses. Entretanto, Demétrios de Magnesia em foi o primeiro a escrever para os helenos a respeito da natureza e da origem dos
sua obra Homônimos esforça-se por refutar a autenticidade dessa carta, demonstran- deuses.
do que a mesma é recente e não está escrita no dialeto cretense, e sim no ático (e no Contam-se muitas histórias extraordinárias a seu respeito. Certa vez ele
ático novo). Encontramos, porém, outra carta sua nos termos seguintes: passeava pela praia em Samos e viu uma nau avançando a favor do vento, e
predisse que dentro de não muito tempo ela afundaria; a nau soçobrou diante de
Epimenides a Sôlon seus olhos. Tirando água de um poço e bebendo-a, o filósofo prognosticou que no
terceiro dia a contar daquele haveria um terremoto, e isso realmente aconteceu.
(113) "Coragem, amigo! Se Peisístratos houvesse atacado os atenienses Vindo de Olímpia para Messene, ele aconselhou Perílaos, seu anfitrião, a mudar-se
enquanto ainda eram servos e antes de serem governados por boas leis, teria com todos os seus parentes; Perílaos, todavia, não se deixou persuadir, e Messene
assegurado o poder perpétuo mediante a escravização dos cidadãos. Mas, nas foi capturada pouco tempo depois.
circunstâncias predominantes, o tirano está impondo a sujeição a homens que não (117) Ferecides exortou os lacedemônios a não darem muita importância ao
são covardes, cuja memória recorda a advertência de Sôlon e que nunca se ouro e à prata, como diz Teôpompos nas Maravilhas, acrescentando que havia
conformarão com a tirania. Embora Peisístratos tenha conseguido dominar a recebido essa ordem de Heraclês num sonho; na mesma noite Herac1és reiterou
cidade, espeto que seu poder não seja transferido a seus filhos, pois é difícil aos reis que obedecessem a Ferecides (alguns autores contam essa história a
compelir homens criados em liberdade sob as melhores leis a ser escravos. Nesse respeito de Pitágoras).
ínterim, em vez de viajar continuamente, vem tranqüilo para Creta, onde ficarás Hêrmipos relata que, deflagrada a guerra entre Êfesos e Magnesia, desejando
comigo; aqui não terás a temer um governante absoluto, ao passo que se algum dos a vitória dos efésios, Ferecides perguntou a um transeunte de onde ele vinha, e
amigos de Peisístratos encontrar-te enquanto viajas, temo que te sobrevenham ouvindo a resposta "de Efesos" disse: "Arrasta-me pelas pernas e deixa-me no
males." território de Magnesia; vai também dizer a teus conterrâneos que após a sua
(114) São estes os termos da carta. Demétrios relata que Epimenides recebeu vitória eles devem sepultar-me lá; estas são as ordens de Ferecides." (118) O ho-
das Ninfas um certo alimento e o guardou no casco de uma vaca; ingeria pequenas mem transmitiu a mensagem; no dia seguinte os efésios atacaram e derrotaram os
porções desse alimento, que era inteiramente absorvido por seu organismo, e magnésios, encontraram Ferecides morto e o sepultaram no local, tributando-lhe
nunca foi visto comendo outra coisa. Tímaios menciona-o no segundo livro de sua honras esplêndidas. Outros autores contam que, indo a Delfos, ele se lançou do
obra. De acordo com alguns autores os cretenses realizavam sacrifícios em sua alto do monte Côricos. Mas, em sua obra Pitá goras e sua Escola Aristôxenos afirma
honra como se se tratasse de um deus, pois diziam que Epimenides possuía que Ferecides morreu de morte natural e foi sepultado por Pitágoras em Delos;
poderes divinatórios extraordinários. Por exemplo, vendo Muniquia em Atenas, segundo outra versão ele morreu de ftiríase; Pitágoras estava presente e perguntou
ele disse que os atenienses ignoravam os muitos males que lhes adviriam daquele pelo estado de saúde do enfermo; este passou o dedo através da abertura da porta e
lugar; se soubessem, destruí-le-iam ainda que tivessem de fazê-lo com seus exclamou: "Minha pele mostra!", frase usada subseqüentemente pelos gramáticos
próprios dentes; e disse-lhes isso muito tempo antes dos acontecimentos. como equivalente a "piorando", embora alguns autores entendam -na erradamen-
Também se afirma que ele foi o primeiro a chamar-se Áiacos, que prognosticou te como se significasse "tudo vai bem". (119) Ferecides dizia que os deuses
aos lacedemônios sua derrota pelos arcádios, e que pretendia ter-se reencamado chClJI!avama m~sa de thyorôs 108.
muitas vezes. Andron de Efesos menciona que houve duas pessoas nascidas em Siros com o
(115) Teôpornpos relata em sua obra Maravilhas que, quando Epimenides nome de Ferecides; uma delas foi um astrônomo, e a outra (o filho de Bábis) um
estava construindo o templo das Ninfas, uma voz vinda do céu gritou: "Não das teólogo, professor de Pitágoras. Eratostenes, entretanto, diz que houve somente
Ninfas, Epimenides, mas de Zeus!", e que ele previu para os cretenses a derrota um Ferecides de Siros, sendo o outro um ateniense e genealogista. Conservou-se
dos lacedemônios pelos arcádios, como dissemos pouco acima, na qual os primei- uma obra de Ferecides, cujo início é: "Zeus, Cronos e Ctônia sempre existiram;
Ctônia recebeu o nome de Gé (Terra), porque Zeus a distinguiu com honrarias
ros foram aniquilados em Orcômenos.
(geras)."I08a Conservou-se também o seu relógio solar na ilha de Siros.
Epimenides envelheceu em tantos dias quantos foram os anos da duração de
. No segundo livro de sua obra Horas Dúris registra a seguinte inscrição
seu sono, como atesta o mesmo Teôpornpos. Em sua obra Similaridades Mironia-
exJ.stente em seu túmulo 109:
nós declara que os cretenses o chamavam de Curetes. De conformidade com o
lacônio Sosíbios, os lacedemônios guardam-lhe o corpo em sua própria terra, em
obediência a um oráculo. 107. Estava no apogeu aproximadamente em 540 a.C ..
108. Isto é, "mesa dos sacrificios".
Houve dois outros homens chamados Epimenides: um genealogista, e o outro 108a. Fragmento I Diels-Kranz.
autor de uma obra escrita no dialeto dórico sobre Rodes. 109. Antologia Palatina, VII, 93.
46 DIÓGENES LAtRTIOS

(120) "O pináculo de toda a sabedoria está em mim, mas se algo me


acontecer dize a meu Pitágoras que ele é o primeiro entre todos na terra
helênica. Falando assim não minto."

íon de Q.uios escreveu a respeito de Ferecides+U':


"Assim ele, insigne por seu mérito e modéstia viris, mesmo depois de LIVRO 11
morto sobrevive com a alma alegre, se Pitágoras, o sábio superior a todos
os homens, vê e conhece as mentes." Capítulo 1. ANAXÍMANDROS113
Há também um epigrama de nossa autoria sobre ele, composto no metro (l) Anaxímandros, filho de Praxiades, nasceu em Míletos; afirmou que o
ferecrático III: principio e elemento era o infinito, sem defini-lo como ar, ou água, ou qualquer
"O famoso Ferecides, gerado em certa época por Siros, segundo se diz outra coisa. Disse também que as partes sofrem mudanças, porém o todo é
(121) foi desfigurado pelos piolhos e deu ordens para se.r levado. ser:n imutável; que a terra, esférica quanto à forma, fica no meio, ocupando o lugar
demora para a terra dos magnésios, a fim de poder proporcIOnar a vitória central; que a lua não brilha com luz própria, derivando sua luminosidade do sol;
aos rnilésios cheios de nobreza. Foi esta a ordem do oráculo que somente além disso, o sol é tão grande quanto a terra e se compõe do fogo mais puro.
ele conhecia; e lá morreu entre eles. Então é verdade que, se alguém é Anaxímandros foi o primeiro a imaginar o gnômon, pondo-o como relógio de
realmente sábio, é útil enquanto está vivo e até depois de reduzir-se a sol na Lacedemônial+t, de acordo com Favorinos em suas Histórias Variadas, a fim
nada." de marcar os solstícios e os equinócios, e inventou também relógios para marcar as
horas. (2) Ele foi também o primeiro a desenhar num mapa os contornos da terra e
Ferecides estava no apogeu na 591'- Olimpíada112 e escreveu a seguinte carta: do mar, tendo construído também um globo.
A exposição de suas teorias tomou a forma de um sumário, que chegou ao
Ferecides a Tales conhecimento, entre outros, de Apolôdoros de Atenas. Este, em sua Crônica, diz
que no segundo ano da 581'- Olimpíada li 5 Anaxímandros tinha sessenta e quatro
(122) "Desejo-te uma boa morte quando chegar a hora fatal. Estou doente anos de idade, e que morreu não muito tempo depois. Sendo assim, ele estava no
desde que recebi tua carta. Os piolhos infestaram-me e padeço de acessos de apogeu quase simultaneamente com Policrates, o tirano de Samosl16. Há uma
febre violenta. Dei portanto instruções a meus familiares para te levarem meus história segundo a qual enquanto ele cantava alguns meninos riam; ouvindo falar
escritos após o meu sepultamento. Se os aprovares juntamente com os outros nisso Anaxímandros disse: "Devo então melhorar meu canto por causa dos
sábios, manda publicá-los. Em caso contrário, não, pois eu mesmo não estou meninos."
satisfeito com eles. Os fatos não estão perfeitamente corretos, nem tenho a Existiu outro Anaxímandros, também de Míletos, um historiador que
pretensão de conhecer a verdade, mas somente as coisas que alguém percebe escreveu no dialeto iônico.
especulando sobre os deuses. O resto deve ser intuído, pois faço alusão a tudo p~r
meio de enigmas. Cada dia mais abatido pela doença, não permiti que se aprmo- Capítulo 2. ANAXIMENES117
massem de mim nem os médicos nem meus amigos. A quem estava diante da
porta e queria notícias de minha saúde exibi meu dedo pelo orifício da chave e (3) Anaximenes, filho de Eurístratos, nasceu em Míletos e estava entre os
mostrei o mal que me afligia, pedindo que voltassem no dia seguinte para ouvintes de Anaxímandros. De acordo com alguns autores ele também teria
sepultarem Ferecides." ouvido as preleções de Parmenides, e admitiu como primeiro princípio o ar e o
São estes, então, os chamados Sábios, entre os quais alguns autores incluem infinito. Sustentou que os astros se movem não por baixo da terra, e sim em torno
também o tirano Peisístratos. Agora devemos falar dos filósofos, começando pela dela, e escreveu no dialeto iônico, num estilo simples e despojado. Segundo
filosofia iônica, Seu fundador foi Tales, de quem Anaxímandros foi discípulo. Apolôdoros, ele viveu na época da captura de Sárdis e morreu na 631'- Olim-
piadal18.

113.611-546a.C ..
114.Herõdotos (li, 109) atribui a descoberta do gnõmon aos babilõnios .
.~. 115.547-546 a.C ..
{'C 116.Há um anacronismo nessa referência, porquanto Policrares morreu em 522 a.C .. A alusão estaria
X ; cena se fosse a Pitágoras, também natural de Samos, como imaginam alguns estudiosos.
110. Fragmento 4 Bergk. II 7. Estava no apogeu aproximadamente em 546 a.C ..
111.Antologia Palatina, 111,128. 118.528-525a.C ..
112.544-541 a.C ..

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