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Paralisia Cerebral: Teoria e Prática

Book · October 2015

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1 author:

Carlos Bandeira de Mello Monteiro


University of São Paulo
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978- 85- 7651- 261- 5 Plêiade 0

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quarta-feira, 6 de maio de 2015 13:09:59
PARALISIA CEREBRAL
Teoria e Prática
Carlos Bandeira de Mello Monteiro
Luiz Carlos de Abreu
Vitor Engrácia Valenti

PARALISIA CEREBRAL

Teoria e Prática

2015
São Paulo
Copyright © 2015, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

Direitos Reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial,


por qualquer processo, sem autorização expressa
do autor e do editor.

Ricardo Baptista Madeira


Editor Responsável

Paulo Cappelozza Junior


Capista e Diagramador

Dados Catalográficos

Monteiro, Carlos Bandeira de Mello


M775p Paralisia cerebral: teoria e prática / Carlos Bandeira
de Mello Monteiro . – São Paulo: Plêiade, 2015.
484 p.
ISBN: 978-85-7651-261-5
1. Paralisia cerebral I. Abreu, Luiz Carlos de II. Valenti,
Vitor Engrácia III. Título
CDU 616.8

Bibliotecária responsável: Elenice Yamaguishi Madeira – CRB 8/5033

Editora Plêiade
Rua Apacê, 45 - Jabaquara - CEP: 04347-110 - São Paulo/SP
info@editorapleiade.com.br - www.editorapleiade.com.br
Fones: (11) 2579-9863 – 2579-9865 – 5011-9869
Impresso no Brasil
OS AUTORES

Organizadores

Carlos Bandeira de Mello Monteiro: Graduação em Fisioterapia (1993),


graduação em Educação Física (1987), mestre em Distúrbios do Desenvolvi-
mento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001) e doutor em Ciên-
cias na área de neurologia pela Universidade de São Paulo (2007). Atual-
mente é professor do curso de Educação Física e Saúde na Escola de Artes,
Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP). Tem
experiência na área de habilitação e reabilitação neuromotora e atividade
física para deficientes, atua principalmente nas seguintes áreas: deficiência
física, funcionalidade em síndromes genéticas, paralisia cerebral, habilida-
des funcionais, mobilidade, função motora grossa, independência física e
CIF (Classificação Internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde).

Luiz Carlos de Abreu: Fisioterapeuta. Professor junto ao Departamen-


to de Saúde da Coletividade (Disciplina de Metodologia Científica) da Facul-
dade de Medicina do ABC. Possui título de Livre Docência e Pós-doutorado
em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP, bem como Pós-
doutorado (Estágio Sênior no Exterior) junto à Harvard Medical School, no
Center for System Biology MGH, Harvard University (2013), Mestrado e Dou-
torado pela UNIFESP/EPM, com Doutorado Sanduíche na Harvard School of
Public Health (2001). É responsável pelo Laboratório de Delineamento de
Estudos e Escrita Científica na Faculdade de Medicina do ABC. Possui 239
artigos publicados em revistas arbitradas, 13 capítulos de livros e 3 livros
editados.

Vitor Engrácia Valenti: Fisioterapeuta, especialista em Fisiologia Hu-


mana pela Faculdade de Medicina do ABC e doutor em Ciências pela Univer-
sidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM.
Atualmente é Professor Assistente Doutor do Departamento de Fonoaudiolo-
gia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista-
FFC/UNESP, campus de Marília.
Colaboradores

Adriana Fanelli: Graduação em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São


Paulo (1992), especialização em Fisioterapia Respiratória pela Universidade
Cidade de São Paulo (1995) e mestrado em Ciências (Fisiopatologia Experi-
mental) pela Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é professora e
supervisora de estágio da Universidade Cidade de São Paulo. Atua principal-
mente nos seguintes temas: Criança asmática, Reabilitação Pulmonar, Qua-
lidade de vida.

Adriana Gonçalves de Oliveira: Médica Pediatra. Possui graduação em Medicina


pela Fundação do ABC (1992), com residência médica em Pediatria e
especialização na área de Neonatologia junto ao Hospital do Servidor Público
Estadual "Francisco Morato de Oliveira". É especialista em Pesquisa Clínica
em Ciências da Saúde e em Nutrologia. É Médica Assistencialista junto à
Prefeitura Municipal de Diadema, Estado de São Paulo, com atuação em
Neonatologia e Follow up de recém-nascidos. É membro do Centro de Estudos
do Crescimento e Desenvolvimento Humano da Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo.

Alberto Olavo Advíncula Reis: Possui graduação em Psicologia - Universite de


Paris VII - Universite Denis Diderot (1971), mestrado em Psicologia - Universite
de Paris VII - Universite Denis Diderot (1977) e doutorado em Saúde Pública
pela Universidade de São Paulo (1993). Atualmente é professor Associado
(Livre Docente) da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de
Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde da Criança do Adolescente e do Jo-
vem, atuando principalmente nos seguintes temas: saúde mental, Capsi,
adolescente, saúde pública e adolescência.

Alessandra Maria Schiavinato: Fisioterapeuta pela Unip, especialista em Fi-


sioterapia Motora Hospitalar e Ambulatorial aplicada à Neurologia pela Uni-
versidade Federal de São Paulo (2006) e mestranda em Fisioterapia pela
Universidade Cidade de São Paulo. Atualmente é professora e supervisora de
estágio da Universidade Paulista. Possui experiência na área de Fisioterapia
Neurológica, com ênfase no atendimento ambulatorial de indivíduos adultos.
Realiza estudos envolvendo, principalmente, os seguintes temas: realidade
virtual e controle postural.

Alessandro de Freitas: Graduação em Educação Física; mestre em Educação


Física com ênfase em habilidade motores na dança em cadeira de rodas.
Atualmente é membro do Grupo de Estudos sobre Comportamento Motor e
Intervenção Motora (GECOM - UNICID) e do Núcleo de estudos em Pedago-
gia do Movimento Humano (UNINOVE).

Alexandre Cavallieri Gomes: Fisioterapeuta pela Universidade Federal


de São Carlos (1996) e mestrado em Fisioterapia pela Universidade Federal de
São Carlos (1999). Atualmente é coordenador do curso de Fisioterapia, além
de professor adjunto da Universidade Metodista de São Paulo, convidado da
Universidade Federal de São Paulo e em outras pós-graduações lato sensu em
diversas IES. Tem experiência na área de Fisioterapia e Terapia Ocupacional,
com ênfase em Fisioterapia Ortopédica e Traumatológica, Fisioterapia Esporti-
va, Fisioterapia dermatofuncional e Eletrotermofototerapia.Aline Rodrigues
Bueno Momo, Terapeuta Ocupacional, Especialista em Deficiência Visual e Sur-
dez, Genética das Deficiências, Integração Sensorial e Reabilitação Cognitiva.
Terapeuta Ocupacional e supervisora clínica de Integração Sensorial da
Artevidade Clínica Multiprofissional.
Aline Rodrigues Bueno Momo: Terapeuta Ocupacional, Especialista em
Deficiência Visual e Surdez, Genética das Deficiências, Integração Sensorial
e Reabilitação Cognitiva. Terapeuta Ocupacional e supervisora clínica de In-
tegração Sensorial da Artevidade Clínica Multiprofissional.

Ana Grasielle Dionísio Corrêa: Possui graduação em Engenharia da


Computação pela Universidade Católica Dom Bosco (2002), mestrado e dou-
torado em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo (2005). Trabalha como pesquisadora no Laboratório de Sistemas
Integráveis da USP desde 2003, onde atua na especialidade de Meios Eletrô-
nicos Interativos. Atualmente é professora dos cursos de Ciência da Compu-
tação e Sistemas de Informação na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Angelica Castilho Alonso: Possui graduação em Educação Física e Fi-


sioterapia. Doutora e Mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo. Atualmente é docente da Unisant'anna e pesquisadora do Labora-
tório do Estudo do Movimento do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(HCFMUSP).

Barbara Martins: Terapeuta Ocupacional, especializanda em Terapia


Ocupacional: uma Visão Dinâmica em Neurologia. Atualmente compõe a equipe
da Secretaria de Estado da Educação através do Núcleo de Apoio Pedagógico
Especializado e é terapeuta parceira do Espaço de Acesso - Clínica e Asses-
soria em Terapia Ocupacional.

Camila da Veiga Prade: Psicóloga Sênior do Centro de Reabilitação do


Hospital Israelita Albert Einstein. Especialista em Neuropsicologia pelo Con-
selho Federal de Psicologia (CFP).Especialista em Terapia Cognitiva pelo
Ambulim (HC-FMUSP).

Camila Torriani-Pasin: Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia


Neurofuncional (UNIFESP), Doutora em Ciências na área de Educação Física
(USP). Atualmente é docente na Escola de Educação Física e Esporte da USP,
membro do Laboratório de Comportamento Motor (LACOM) e coordenadora
do Grupo de estudos e pesquisa em Comportamento Motor nas doenças
neurológicas (GEPENEURO). É instrutora oficial dos Cursos Bobath adulto no
Brasil (reconhecida pelo IBITA – International Bobath Instructor Training
Association).

Celia Torres de Oliveira: Graduação em Fonoaudiologia, Mestre em


Ciência da Motricidade Humana, Formação Método Neuroevolutivo Bobath,
conceitos do NDTA e na técnica introdutória PROMPT. Atualmente faz parte
do corpo docente do Curso de Especialização em Intervenção em
Neuropediatria - Universidade Federal de São Carlos, Estagiária no Ambula-
tório de Reabilitação Visual - Baixa Visão da Universidade Federal de São
Paulo - curso de especialização - em curso.

Cláudia Alcântara de Torre: Graduação em Fisioterapia pela Universi-


dade de São Paulo, Mestre em Fisioterapia pela Universidade Federal de São
Carlos, Instrutora do Tratamento Neuroevolutivo - Conceito Bobath, membro
da equipe da Reabilitação Especializada, diretora clínica do Centro de Apoio
Terapêutico (Santos).

Claudia Eunice Neves de Oliveira: Fisioterapeuta e Mestre em Distúr-


bios do Desenvolvimento. Extensão Universitária em Genética da Deficiência
Mental e Neurociências. Formação no Conceito Neuro-Evolutivo Bobath, In-
tegração Neuro-Sensorial e outros. Licenciada em Fisioterapia no Brasil e
Alemanha. Atualmente coordena, no Brasil, a empresa alemã NEDA-BRAIN.
Claudio Leone: Professor Titular do Departamento de Saúde Materno-
Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Gradu-
ado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu
(hoje Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) em (1970). Dou-
torado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(1982). Livre Docente em Pediatria Preventiva e Social pelo Departamento de
Pediatria da FMUSP (1986). Tem experiência nas áreas de Medicina, com ên-
fase em Pediatria, de Saúde Coletiva com ênfase em Saúde da Criança, Cres-
cimento e Desenvolvimento, Nutrição na Infância e em Metodologia de Pesqui-
sa, particularmente em Pediatria Social e em Epidemiologia Clínica.
Cristiano Schiavinato Baldan: Fisioterapeuta pela Universidade Federal
de São Carlos (2001), especialização em Fisioterapia Motora pela Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2002), mestrado em Ciências
(Fisiopatologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (2005) e é aluno
do programa de doutoramento pela Universidade de São Paulo. Atualmente é
professor dos cursos de graduação em Fisioterapia da Universidade Metodista
de São Paulo e da Universidade Paulista. Tem experiência na área de Fisiote-
rapia Ortopédica, Traumatológica e Esportiva, atuando principalmente nos se-
guintes temas: reabilitação, eletroterapia, termoterapia e fototerapia.
Cristina dos Santos Cardoso de Sá: graduação em Fisioterapia, espe-
cialista em Neurologia, mestre e doutora em Neurociências e Comportamen-
to. Atualmente é Professora do curso de Fisioterapia da Universidade Federal
de São Paulo.
Dafne Herrero: Fisioterapeuta. Possui Mestrado e Doutorado pelo
Programa de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, com doutorado
sanduiche na Division of Pediatric Neurology, Department of Pediatrics, Case
Western Reserve University, Cleveland, OH, United States. Atua na área de
Reabilitação física com ênfase em Fisioterapia Neurológica aplicada à Pediatria,
Escalas de follow up de lactentes e da criança pequena, Adequadores Posturais
de baixo custo como facilitadores da inclusão escolar, Capacitação pelo método
Bobath, Aplicacão de Theratogs e Kinesiotaping.
Denise Cardoso Ribeiro: Especialista em fisioterapia cardiorrespirató-
ria pelo Hospital Nossa Senhora de Lourdes. Formação complementar no
método neuroevolutivo- Bobath. Estágio no centro de reabilitação Bloorview
McMillan Kids Rehabilitation, Toronto, Canadá e no Hospital Mount Sinai, Nova
York, EUA. Docente do curso de fisioterapia das Faculdades Metropolitanas
Unidas (FMU). Docente da Pós -graduação em fisioterapia cardiorrespiratória
e pneumofunciona da Universidade Gama Filho (UGF).
Eliane Pires de Oliveira: Mestre em Educação pela Universidade Cida-
de de São Paulo, Especialista em Neurologia Adulto, Especialista no Conceito
Bobath Básico e Adulto. Atualmente é docente e supervisora de estágio no
Curso de Fisioterapia das Faculdades Metropolitanas Unidas e professora
convidada do Curso de Pós Graduação de Fisioterapia Neurofuncional da
Universidade Gama Filho.
Emília Katiane Embiruçu de Araújo Leão: Formada em Medicina pela
Universidade Federal da Bahia (1995), Mestre em Medicina pelo Universida-
de Federal da Bahia, na área de concentração em Neurociências (2003), e
Doutora em Neurologia pela Universidade de São Paulo, área de concentra-
ção em Neurogenética (2009). Atualmente, Professora Auxiliar do Depar-
tamento de Ciências da Vida da Universidade do Estado da Bahia, responsá-
vel pelas disciplinas de Neuroanatomia e de Neuropatologia. Neurologista
Infantil, atuando, principalmente, nas áreas de doenças neurogenéticas,
ataxias hereditárias, deficiência mental e distúrbios do sono na infância.
Étria Rodrigues: Graduação em Fisioterapia, especialista em Fisiote-
rapia Aquática e mestre em Ciências morfológicas. Atualmente é professora
do Curso de Graduação em Fisioterapia da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Fabio Navarro Cyrillo: Fisioterapeuta pela UNICID, Aprimoramento em
Fisioterapia Ortopédica IOT HC - USP, Especialista em Fisioterapia Ortopédi-
ca e Desportiva e Mestre em Fisioterapia. Formação em Cadeias Musculares
e Terapias Manuais no Brasil, Canadá e Europa. Atualmente é professor e
supervisor de estágio do curso de graduação em Fisioterapia na UNICID
(Universidade Cidade de São Paulo) e SÃO CAMILO, professor da Pós Gradu-
ação da UNICID e de diversas IES no Brasil. Experiência na área de Fisioterapial
Ortopédica Traumatológica e Esportiva, sistemas de avaliação em Fisiotera-
pia e pesquisa científica com Eletromiografia de superfície, Dinamometria
Isocinética e Realidade Virtual. Membro do ISEK (International Society of
Electromyograph and Kinesiology e da ISVR (International Society for Virtual
Rehabilitation).
Helena Maria Soares Panhan: Mestre em Fonoaudiologia Clínica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Graduada em Fonoau-
diologia pela Universidade de São Paulo (1987). Membro da International
Society for Augmentative and Alternative Communication (ISAAC) e da So-
ciedade Brasileira de Fonoaudiologia. Atuação Clínica na Área de Linguagem
na Neurologia, direcionada à Comunicação Suplementar e Alternativa.
Heloisa Brunow Ventura Di Nubila: Neuropediatra, mestre em Neuro-
logia pela FMUSP e doutora em Saúde Pública pela FSP USP. Atuou com
equipes de Reabilitação e como assistente técnica na Área de Saúde da Pes-
soa com Deficiência no Município de São Paulo. Atualmente trabalha no Cen-
tro Colaborador para a Família de Classificações Internacionais da OMS em
Português, na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Juan Carlos Bonito Gadella: Fisioterapeuta. Mestre em Neuro-reabili-
tação. Doutor em Neuro-Reabilitação pela "Universidade Católica San Anto-
nio de Murcia (UCAM)", Espanha. Diretor e Docente do Curso de Mestrado
Universitário em Neuro-Reabilitação. Docente do Curso de Graduação em
Fisioterapia na UCAM.
Júlia Maria D’Andréa Greve: Médica formada pela Faculdade de Ciên-
cias Médicas da Santa Casa de São Paulo, com residência em Medicina Física.
Mestre e Doutora em Clínica Médica (Reumatologia) pela Universidade de
São Paulo (USP). Atualmente é coordenadora técnica do Laboratório de Estu-
dos do Movimento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e professor associado da FMUSP.
Luara Tomé Cyrillo: Graduada em Fisioterapia. Especialista em Fisio-
terapia Motora Ambulatorial e Hospitalar Aplicada a Neurologia pela UNIFESP.
Formada no Conceito Neuroevolutivo Bobath Infantil e Baby Course.
Lucia Helena Reily: Doutora em Psicologia Escolar pela USP, é docente
e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Realiza pes-
quisas no campo da Arte e da Educação Especial. Publicou Escola inclusiva:
Linguagem e mediação e Armazém de imagens: Ensaio sobre a produção
artística de pessoas com deficiência, ambos pela Papirus Editora.
Marcelo Prumes: Graduação em Fisioterapia, especialista em Fisiote-
rapia Aquática. Atualmente é professor do Curso de Graduação em Fisiotera-
pia da UniFMu.
Magali Maria da Rocha Minato: Pedagoga formada pela PUC- Pontifícia
Universidade de São Paulo - SP em 1989. Professora em sala de alunos
portadores de múltiplas deficiências desde 1990. Habilitada em Ensino de
Deficientes Visuais pela USP - Universidade de São Paulo – SP em 1992
Maria Cristina de Oliveira: Graduação em Terapia Ocupacional, mes-
tre em Ciências Medicas – Unicamp. Terapeuta no Consultório de Terapia
Ocupacional Infantil (TOI), São Paulo, e na Secretaria Municipal de Saúde
(SP), atual presidente da Associação Brasileira de Paralisia Cerebral (ABPC).
Maria Cristina dos Santos Galvão: graduação em fisioterapia pela uni-
versidade de São Paulo. fisioterapeuta da AACD - associação de assistência à
criança deficiente.
Mário Lúcio Uchôa Andrade: Graduado em Fisioterapia pela Faculdade
de Ciências Médicas de Minas Gerais. É especialista em Administração Hospi-
talar e Fisioterapia Neurológica. Tem experiência na área de Fisioterapia e
Terapia Ocupacional, com ênfase em Paralisia Cerebral, atuando principal-
mente nos seguintes temas: multidisciplinaridade, paralisia cerebral, defi-
ciência neuromotora e sistemas alternativos de comunicação.
Maristela Pires da Cruz Smith: Musicoterapeuta, Educadora Artísti-
ca, Especialista em Psicomotricidade, Mestre em Psicologia, Doutoranda
em Ciências Aplicadas à Pediatria pelo Instituto de Oncologia Pediátrica
pela UNIFESP. Coordena os cursos de graduação e pós-graduação e a
Clínica-Escola de Musicoterapia da FMU e a área de Musicoterapia da Rede
Estadual de Reabilitação Lucy Montoro.
Marjorie Heloise Masuchi: possui graduação em Terapia Ocupacional
na Universidade de São Paulo (2007), especialização em Terapia da Mão no
Instituto de Ortopedia do HC/FMUSP (2010) e Especialização em Tecnologia
Assistiva para Autonomia, Participação e Inclusão Social das Pessoas com
Deficiência pela FMABC (2012). Atualmente é professora do curso de Terapia
Ocupacional da Faculdade de Medicina do ABC.
Nelson Francisco Annunciato: Prof. Dr. em Ciências pela USP e
Neurociências pela Medizinische Universität zu Lübeck, Alemanha. Pós-Dou-
torado em Reabilitação Neurológica pela Academia Alemã para Reabilitação
do Desenvolvimento, Munique. Diretor Científico do ZiFF (Zentrum für
integrative Förderung und Fortbildung), Essen e da NEDA-BRAIN, Karlsruhe,
ambos na Alemanha. Membro do Grupo de investigação “NeuroRehabilitación
y Neurociencia (NENC)”, da Universidade Católica de Murcia, Espanha.
Patricia Pimentel Gomes: Psicóloga Clínica e Neuropsicóloga do Centro
de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein. Especialista em Reabilita-
ção Neuropsicológica pelo Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculda-
de de Medicina da Universidade de São Paulo. Formação em Reabilitação de
Adultos com Deficiência Física e Motora pela Associação de Assistência à Crian-
ça Deficiente.
Paulo Rogério Gallo: Professor Associado da Universidade de São Paulo.
Possui Livre-Docência em Saúde da Criança pelo Departamento de Saúde
Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
(2011); Doutorado em Medicina (Pediatria) pela Universidade de São Paulo
(1997); mestrado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (1991),
título de Especialista em Pediatria pela Associação Médica Brasileira (1995)
graduação em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1978) e Residência Médica em Pediatria pela Clínica Infantil do Ipiranga
(1980). É responsável por projetos de tecnologia em saúde no campo da
comunicação pública da ciência nas áreas atenção à saúde da criança, do
adolescente e da gestante e junto a mídias comunitárias, em especial Rádios
Comunitárias. Suas áreas de atuação são: pediatria; epidemiologia social;
políticas públicas; saúde pública; crescimento e desenvolvimento infantil;
saúde, ciclos de vida e sociedade; comunicação pública da ciência e mídias.
Desde 2001, vem trabalhando em inovação em saúde pública, desenvolvendo
pesquisas e softwares em comunicação pública da ciência.
Rebeca de Barros Santos-Rehder: Graduação em Fisioterapia pela Uni-
versidade Paulista, Pós graduação em Neurologia UniFMU e Terapias Manuais
UMC, Conceito Neuroevolutivo Bobath, Integração Sensorial, Suit Therapy,
Equoterapia e Hippoterapia. Atualmente coordena setor de Equoterapia da
Fundação Selma, Fisioterapeuta do Centro de Equoterapia do Clube Hípico
de Santo Amaro e diretora da clínica Espaço SETE - Saúde Esportes e Terapi-
as Especializadas.
Renata Cristina Bertolozzi Varela: Terapeuta Ocupacional, mestre em
Ciências da Reabilitação, especialista em Terapia Ocupacional em Reabilita-
ção, Recursos Tecnológicos e Inclusão Social da Pessoa com Deficiência, for-
mada no Método Terapia Ocupacional Dinâmica. Atualmente é sócia e tera-
peuta do Espaço de Acesso - Clínica e Assessoria em Terapia Ocupacional.
Roberto Gimenez: Doutor em Educação Física pela USP. Pesquisador
sobre o Comportamento de populações com deficiência e dificuldades motoras.
Coordenador dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Educação Física da
Universidade Cidade de São Paulo. Docente da Universidade Cidade de São
Paulo e Universidade Nove de Julho. Líder do Grupo de Estudos sobre o Com-
portamento Motor e Intervenção Motora (GECOM/UNICID) e membro do Nú-
cleo de Estudos sobre Pedagogia do Movimento (Universidade Nove de Julho).
Rodrigo Deamo Assis: Fisioterapeuta, especialista em Neurologia pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), doutor em Neurologia/
Neurociências pela UNIFESP e pós-doutorando pela Université Laval (UL),
Canadá. Atualmente é pesquisador do Centre interdisciplinaire de recherche
en réadaptation et intégration sociale (CIRRIS) do Institut de réadaptation
en déficience physique de Québec (IRDPQ) da UL.
Sandra Cardozo Martins: Graduação em Fisioterapia, especialista em
Psicomotricidade, formação no Conceito Neuroevolutivo Bobath, Baby Course
e Abordagem MAAF - Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais. Atual-
mente é coordenadora do setor de Fisioterapia Infantil da AACD-Osasco.
Sandra Regina Alouche: Possui graduação em Fisioterapia (1992) e
doutorado em Neurociências e Comportamento (2001) pela Universidade de
São Paulo. É professora do Programa de Mestrado em Fisioterapia da Univer-
sidade Cidade de São Paulo e pesquisadora na área de Comportamento Mo-
tor e Reabilitação. É Terapeuta Internacional em Facilitação Neuromuscular
Proprioceptiva pela IPNFA e tem formação no Conceito Bobath pelo IBITA.
Silvana Maria Blascovi-Assis: Fisioterapeuta pela PUC/Campinas, Mestre
e Doutora em Educação Física pela UNICAMP. Docente do Curso de Fisiotera-
pia e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento na
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.
Silvia Regina Pinheiro Malheiros: graduação em Fisioterapia e mestrado
em Educação Especial pela UFSCar. Especialista no Tratamento Neuroevolutivo-
Bobath. Atualmente leciona as disciplinas Fisioterapia Pediátrica e
Uroginecológica em curso de graduação na UniSant'Anna e é supervisora de
estágio em Neuropediatria na UniSant'Anna e FMU.
Susi Mary de Souza Fernandes: Graduação em Fisioterapia, especia-
lista em Fisioterapia Aquática e mestre em Ciências na área de reabilitação.
Atualmente é professora do Curso de Graduação em Fisioterapia da Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie.
Talita Dias da Silva: Fisioterapeuta. Participante da organização e im-
plementação de atividade física e esporte adaptado na Escola de Artes, Ciên-
cias e Humanidades da Universidade de São Paulo EACH/USP. É membro do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Capacidades e Habilidades Motoras
(GEPCHAM) da Universidade de São Paulo, atua na área de reabilitação física
com ênfase em fisioterapia neurológica aplicada à pediatria.
Thaís Amanda Rodrigues: Fisioterapeuta graduada pela Universidade
Cidade de São Paulo (2008), especialização em Fisioterapia Neurológica -
HCFMUSP (2010). Tem experiência clínica na área de Fisioterapia em Neuro-
logia Adulto e Infantil, formação no método Facilitação Neuromuscular
Proprioceptiva (IPNFA) e pelo Conceito Bobath adulto (IBITAH). Atualmente
é membro da equipe de fisioterapeuta do Instituto de Reabilitação - Rede
Lucy Montoro.
Umberto Cesar Corrêa: Possui Graduação em Licenciatura em Educa-
ção Física pela Universidade de Mogi das Cruzes (1990), Mestrado em Ciên-
cias da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista (1996), Doutorado
em Educação Física pela Universidade de São Paulo (2001), Livre-Docência
pela Universidade de São Paulo (2007) e Pós-Doutorado pela Queensland
University of Technoly, Austrália. Atualmente é Professor Associado da Esco-
la de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.
Zodja Graciani: Fisioterapeuta, mestre em Ciências da Saúde pela
Universidade de São Paulo. Atualmente é docente na Universidade
Presbiteriana Mackenzie e Preceptora clínica de Integração Sensorial da
Artevidade Clinica Multiprofissional.
SUMÁRIO

PARALISIA CEREBRAL:

Teoria e Prática

PREFÁCIO I ..................................................................................... 25
Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Luiz Carlos de Abreu, Vitor Engrácia
Valenti
PREFÁCIO II .................................................................................... 27
Rubens Wajnsztejn

PARTE I

CAPÍTULO 1
PARALISIA CEREBRAL ....................................................................... 31
Emília Katiane Embiruçu, Carlos Bandeira de Mello Monteiro,
Talita Dias da Silva, Alberto Olavo Advíncula Reis, Vitor Engrácia Valenti,
Adriana Gonçalves de Oliveira, Luiz Carlos de Abreu
Paralisia Cerebral (Parte I):
1. Histórico ...................................................................................... 31
2. Definição ..................................................................................... 32
3. Epidemiologia ............................................................................... 35
4. Fatores de risco ............................................................................ 36
5. Classificação Clínica ...................................................................... 40
5.1 Espástica ............................................................................... 41
5.1.1 Tetraplégica ................................................................... 42
5.1.2 Diplégica ....................................................................... 43
5.1.3 Hemiplégica .................................................................. 43
5.2 Discinética ............................................................................. 44
5.2.1 Forma coreoatetósica (Hipercinética) ............................... 45
5.2.2 Forma Distônica ............................................................. 45
5.3 Atáxica .................................................................................. 46
5.4 Hipotônica .............................................................................. 46
5.5 Mista .................................................................................... 47
Paralisia Cerebral (Parte II):
1. Diagnóstico .................................................................................. 47
1.1 Correlação anátomo clínica ...................................................... 48
1.2 Comorbidades ........................................................................ 50
1.3 Diagnóstico diferencial ............................................................ 51

CAPÍTULO 2
Principais Complicações Respiratórias na Paralisia Cerebral ................... 57
Adriana Fanelli, Denise Cardoso Ribeiro
1. Introdução ................................................................................... 57
2. Distúrbios do Sono ....................................................................... 58
3. Processos Aspirativos .................................................................... 59
4. Tosse .......................................................................................... 60
5. Refluxo Gastroesofágico ................................................................ 60
5.1 Estruturas que formam barreira antirrefluxo x PC ...................... 61
5.2 Quadro clínico ........................................................................ 62
5.3 Tratamento DRGE ................................................................... 63
6. Disfagia ....................................................................................... 64
7. Biomecânica da Caixa Torácica ....................................................... 65
8. Imobilismo ................................................................................... 66
9. Gerenciamento de Doenças Pulmonares em Crianças com PC ............ 67
10. Conclusão .................................................................................. 67

CAPÍTULO 3
Semiologia dos Reflexos e Reações Automáticas na Paralisia Cerebral .... 71
Eliane Pires de Oliveira Mota, Luiz Carlos de Abreu, Talita Dias da Silva,
Vitor Engrácia Valenti, Marjorie Heloise Masuchi,
Silvia Regina Malheiros, Carlos Bandeira de Mello Monteiro
Reflexos .......................................................................................... 72
A) PRINCIPAIS REFLEXOS
1. Reflexo de preensão plantar .......................................................... 73
1.1 Estímulo
1.2 Resposta
1.3 Período
1.4 Comentários
2. Reflexo de preensão palmar .......................................................... 74
2.1 Estímulo
2.2 Resposta
2.3 Período
2.4 Comentários
3. Reflexo de Moro ........................................................................... 74
3.1 Estímulo
3.2 Resposta
3.3 Período
3.4 Comentários
4. Reflexo da Extensão Cruzada ......................................................... 75
4.1 Estímulo
4.2 Resposta
4.3 Período
4.4 Comentários
5. Reflexo de Colocação Plantar (“Placing”) ......................................... 75
5.1 Estímulo
5.2 Resposta
5.3 Período
5.4 Comentários
6. Reflexo Cutâneo Plantar ................................................................ 76
6.1 Estímulo
6.2 Resposta
6.3 Período
6.4 Comentários
7. Reflexo de Galant (encurvamento) ................................................. 76
7.1 Estímulo
7.2 Resposta
7.3 Período
7.4 Comentários
8. Reflexo Tônico Cervical Simétrico (RTCS) ........................................ 77
8.1 Estímulo
8.2 Resposta
8.3 Período
8.4 Comentários
9. Reflexo Tônico Cervical Assimétrico (RTCA) ..................................... 77
7.1 Estímulo
7.2 Resposta
7.3 Período
7.4 Comentários
10. Reflexo Tônico Labiríntico (RTL) ................................................... 77
10.1 Estímulo
10.2 Resposta
10.3 Período
10.4 Comentários
11. Reflexo positivo de suporte ........................................................... 78
11.1 Estímulo
11.2 Resposta
11.3 Período
11.4 Comentários
12. Reflexo da Marcha ....................................................................... 78
12.1 Estímulo
12.2 Resposta
12.3 Período
12.4 Comentários
13. Reflexo dos olhos de boneca ......................................................... 78
13.1 Estímulo
13.2 Resposta
13.3 Período
13.4 Comentários
B) PRNCIPAIS REAÇÕES POSTURAIS DA CRIANÇA ............................... 79
1. Reação Cervical de Retificação ....................................................... 80
1.1 Estímulo
1.2 Resposta
1.3 Período
1.4 Comentários
2. Reação de Retificação do Pescoço Sobre o Corpo ............................. 80
2.1 Estímulo
2.2 Resposta
2.3 Período
2.4 Comentrios
3. Reação de Retificação do Corpo sobre o Corpo ................................ 80
3.1 Estímulo
3.2 Resposta
3.3 Período
3.4 Comentários
4. Reação Labiríntica de Retificação .................................................... 81
4.1 Estímulo
4.2 Resposta
4.3 Período
4.4 Comentários
5. Reação Óptica de Retificação ......................................................... 81
5.1 Estímulo
5.2 Resposta
5.3 Período
5.4 Comentários
6. Reação de Landau ........................................................................ 82
6.1 Estímulo
6.2 Resposta
6.3 Período
6.4 Comentários
7. Reação de Anfíbio ......................................................................... 82
7.1 Estímulo
7.2 Resposta
7.3 Período
7.4 Comentários
8. Reação de Pára-quedas ................................................................. 82
8.1 Estímulo
8.2 Resposta
8.3 Período
8.4 Comentários
Considerações Finais ......................................................................... 83

PARTE II

Avaliações e Classificações na Paralisia Cerebral - Introdução ............... 89


Camila Torriani-Pasin, Luiz Carlos de Abreu, Talita Dias da Silva,
Vitor Engrácia Valenti, Carlos Bandeira de Mello Monteiro
CAPÍTULO 4
Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI)
Maria Cristina de Oliveira
Introdução ....................................................................................... 95
Descrição do PEDI ............................................................................ 96
Treinamento para Habilitação do Aplicador ........................................ 103
Considerações Finais ....................................................................... 105
CAPÍTULO 5
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa
Luara Tomé Cyrillo, Maria Cristina dos Santos Galvão
GMFM ............................................................................................ 109
GMFCS .......................................................................................... 115
CAPÍTULO 6
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
Heloisa Brunow Ventura Di Nubila
CIF na Paralisia Cerebral ................................................................. 125
Propósito da CIF-CJ ........................................................................ 128
Temas relacionados a crianças e jovens na CIF-CJ ............................. 129
Usos da CIF-CJ ............................................................................... 130
Classificação e codificação ............................................................... 131
PARTE III

Comportamento Motor na Paralisia Cerebral - Introdução ................... 135


Umberto Cesar Corrêa e Carlos Bandeira de Mello Monteiro

CAPÍTULO 7
Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora
na Paralisia Cerebral
Camila Torriani-Pasin e Carlos Bandeira de Mello Monteiro
1. Introdução ................................................................................. 141
2. Fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras .................. 143
2.1 Demonstração ...................................................................... 144
2.2 Estrutura de Prática .............................................................. 145
2.3 Feedback ............................................................................. 148
Considerações Finais ....................................................................... 151

CAPÍTULO 8
Controle Motor e Paralisia Cerebral ................................................... 157
Claudia Eunice Neves de Oliveira, Nelson Francisco Annunciato,
Juan Carlos Bonito
O fornecimento de informações sensitivas para o controle motor ......... 159
Controle do movimento através de mecanismos de Feedback
e Feed forward ............................................................................... 161
Feedback: reativo, adaptativo .......................................................... 161
Feed forward: previamente, proativo, antecipadamente ..................... 162
Córtex Somato-sensitivo e Suas Vias Sensitivas ................................ 164
1. Córtex somato-sensorial e suas vias sensitivas .............................. 164
1.1 Área sensitiva somática primária (SI) ..................................... 164
1.2 Área sensitiva de associação .................................................. 164
1.3 Área sensitiva somática secundária (SII) ................................. 164
2. Vias sensitivas ............................................................................ 165
O papel dos proprioceptores no controle motor ................................. 165
2.1 Via sensorial térmica e dolorosa ................................................. 168
2.2 Via sensorial mecânica .............................................................. 168
2.3 Via sensorial proprioceptiva dos membros e tronco ...................... 168
Áreas Motoras ................................................................................ 170
1. Córtices motores ........................................................................ 170
1.1 Córtex motor primário ........................................................... 170
1.2 Córtex pré-motor .................................................................. 171
1.3 Área motora suplementar ...................................................... 171
Sistemas descendentes ................................................................... 172
2. Cerebelo .................................................................................... 172
2.1 Sistema de vias aferentes ...................................................... 173
2.2 Sistema de vias eferentes ...................................................... 174
3. Núcleos da Base ......................................................................... 174
3.1 Corpo estriado (putame e núcleo caudado) ............................. 175
3.2 Globo pálido ......................................................................... 175
3.3 Núcleo subtalâmico ............................................................... 175
3.4 Substância negra .................................................................. 175
4. Formação Reticular ..................................................................... 176
5. Núcleos Vestibulares ................................................................... 177
CAPÍTULO 9
Desenvolvimento Motor e suas alterações na Paralisia Cerebral ........... 179
Silvana Maria Blascovi-Assis
Plasticidade Neuronial ..................................................................... 180
Desenvolvimento motor na Paralisia Cerebral .................................... 181
Programas de Intervenção ............................................................... 181
Motivação para a tríade mãe / criança / terapeuta ............................. 182

PARTE IV

Procedimentos de tratamento da paralisia cerebral - Introdução .......... 187


Talita Dias da Silva, Luiz Carlos de Abreu, Vitor Engrácia Valenti,
Paulo Rogério Gallo, Carlos Bandeira de Mello Monteiro
CAPÍTULO 10
Fisioterapia aquática na paralisia cerebral
Susi Mari de Souza Fernandes, Etria Rodrigues, Marcelo Prumes
Introdução ..................................................................................... 191
Fundamentos para escolha da fisioterapia aquática como
intervenção terapêutica na paralisia cerebral ..................................... 192
Conceito Halliwick - Bases para intervenção terapêutica ..................... 193
Desenvolvimento terapêutico ........................................................... 195
Ponto 1 e 2 - Controle Mental e desprendimento
Fase de ajuste ao ambiente ............................................................. 196
Ponto 3 – Controle da Rotação Transversal (vertical) .......................... 197
Ponto 4 – Controle da Rotação Sagital .............................................. 197
Ponto 5 – Controle da Rotação Longitudinal (horizontal) ..................... 198
Considerações Finais ....................................................................... 199
CAPÍTULO 11
Equoterapia na paralisia cerebral
Rebeca de Barros Santos-Rehder
1. Histórico .................................................................................... 203
2. Similaridades entre cavalo e homem ............................................ 204
3. Indicações ................................................................................. 205
4. Precauções e contra indicações .................................................... 205
5. A equipe de equoterapia .............................................................. 206
6. Áreas da equoterapia .................................................................. 206
6.1 Hippoterapia
6.2 Educação / Reeducação
6.3 Pré-esportivo
6.4 Prática Esportiva Paraequestre
7. A equoterapia aplicada à paralisia cerebral .................................... 207
7.1 Mecanismos Neurofisiológicos ................................................. 207
7.2 Posicionamento do paciente ................................................... 209
7.3 Adaptações para equoterapia ................................................. 209
7.4 Vantagens da equoterapia – uma terapia motivadora ................ 210
8. Conclusão .................................................................................. 211

CAPÍTULO 12
Estimulação elétrica neuromuscular (Nmes) e estimulação
elétrica funcional (Fes) .................................................................... 215
Fabio Navarro Cyrillo, Thais Amanda Rodrigue,
Cristiano Schiavinato Baldan, Alessandra Maria Schiavinato,
Alexandre Cavallieri Gomes
FES no controle da postura do tronco de portadores de
Paralisia Cerebral ............................................................................ 216
Utilização da FES na marcha de portadores de PC .............................. 218
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) para o tratamento
da espasticidade em crianças portadoras de PC ................................. 223
Parâmetros da Estimulação .............................................................. 224
TON/TOFF ou ciclo On/ciclo Off ............................................................ 225
Rampas de subida e descida e tempo de sustentação ......................... 225
Frequência de pulsos ou dos bursts .................................................. 225
Tempo de duração da terapia ........................................................... 226
Amplitude ...................................................................................... 226
Eletrodos ....................................................................................... 226
Contra-Indicações e Cuidados para o uso da NMES ............................ 227
Evidência científica e atualização ...................................................... 227

CAPÍTULO 13
Terapia por contensão induzida
Rodrigo Deamo Assis
1. Introdução ................................................................................. 235
2. Histórico e a Superação da Teoria do Desuso ................................. 235
3. Descrição do protocolo da TCI ..................................................... 237
3.1 Duração do tratamento ......................................................... 237
3.2 Uso da contensão ................................................................. 238
3.3 Treino das tarefas adaptadas ................................................. 238
A) Argola ............................................................................ 239
B) Blocos em cima da caixa ................................................... 239
C) Virando dominós .............................................................. 240
4. Treino das tarefas gerais ............................................................. 240
A) Arrumando a mesa ............................................................... 240
B) Cortando o alimento ............................................................. 241
5. Pacote de transferência ............................................................... 241
A) Contrato Comportamental ...................................................... 241
B) Prática Domiciliar .................................................................. 242
C) Tarefas de Casa “Home Skill Assignment” ................................ 242
D) Diário .................................................................................. 243
E) Avaliação “Motor Activity Log” ................................................ 243
6. Terapia por Contensão Induzida na população infantil ..................... 244
6.1 Contensão ........................................................................... 244
6.2 Treino das Tarefas Adaptadas ................................................ 244
6.3 Pacote de transferência ........................................................ 244
7. Conclusão .................................................................................. 245

CAPÍTULO 14
Realidade Virtual na Paralisia Cerebral
Talita Dias da Silva, Carlos Bandeira de Mello Monteiro,
Ana Grasielle Dionísio Corrêa, Angelica Castilho Alonso,
Júlia Maria D’Andréa Greve
1. Introdução 249
2. História da realidade virtual ......................................................... 251
3. Fundamentos de realidade virtual ................................................. 252
3.1 - Tipos de Sistemas de Realidade Virtual ................................. 254
3.1.1 - Realidade Imersiva ................................................... 254
3.1.2 - Realidade Semi-Imersiva .......................................... 254
3.1.3- Realidade Não-Imersiva ............................................ 254
4. Sistemas de realidade virtual utilizados em reabilitação .................. 255
4.1 Utilização de realidade virtual na Paralisia Cerebral .................. 255
4.2 Exergames ........................................................................... 255
4.3 Pesquisas com Realidade Virtual na Paralisia Cerebral ............... 257

CAPÍTULO 15
Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios ..................... 263
Sandra Cardozo Martins
Órteses ......................................................................................... 264
Acessórios ..................................................................................... 268
CAPÍTULO 16
Análise e prognóstico da marcha ...................................................... 275
Sandra Regina Alouche
Desenvolvimento da marcha madura ................................................ 275
Classificação da marcha na Paralisia Cerebral .................................... 280
Prognóstico de marcha na Paralisia Cerebral ...................................... 283

PARTE V

Abordagens de Tratamento da Paralisia Cerebral - Introdução ............. 289


Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Claudio Leone,
Talita Dias da Silva, Vitor Engrácia Valenti,
Dafne Herrero, Luiz Carlos de Abreu

CAPÍTULO 17
Tratamento Neuroevolutivo- Conceito Bobath
Cláudia Alcântara de Torre
I - Revisão histórica do Conceito Bobath - artigos Mrs. Bobath .......... 295
II - Comentários sobre a revisão histórica ........................................ 299
III - Princípios e embasamento de acordo com a neurociência atual ..... 301
IV - Avaliação e Tratamento ............................................................ 307
V - Conclusão ............................................................................... 318

CAPÍTULO 18
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral ......................................... 321
Zodja Graciani e Aline Momo
O modelo teórico ............................................................................ 322
Distúrbio de Processamento Sensorial .............................................. 323
1. Distúrbio de Modulação Sensorial - DMS ....................................... 323
Subtipo 1: Hiper-responsivo ........................................................ 323
Subtipo 2: Hiporresponsivo ......................................................... 324
Subtipo 3: Busca sensorial .......................................................... 325
2. Distúrbio de Discriminação Sensorial - DDS ................................... 325
3. Distúrbio Motor com Base Sensorial - DMBS .................................. 326
Avaliação da Integração Sensorial na Paralisia Cerebral ...................... 327
A Terapia de Integração Sensorial .................................................... 330
A terapia de Integração Sensorial como abordagem na PC .................. 331
1. A terapia é um processo dinâmico que envolve a participação
efetiva da criança ....................................................................... 331
2. Os estímulos sensoriais são controlados para eliciar uma
resposta adaptativa .................................................................... 331
3. A graduação de desafios permite a consolidação e
amadurecimento de comportamentos ........................................... 331
4. O ambiente terapêutico proporciona suporte emocional
e variabilidade de oferta sensorial ................................................ 332
5. As atividades sensoriais tem componentes lúdicos e significativos ... 332
Circuito de Planejamento Motor ........................................................ 333
Lançando argolas sobre a plataforma ............................................... 334
Balanço com posicionamento de segurança ....................................... 335
Rolando e derrubando coisas ........................................................... 335
Colhendo Frutas ............................................................................. 336
Fazendo milkshake ......................................................................... 336
Bola na boca do palhaço .................................................................. 337
Considerações Finais ....................................................................... 337

CAPÍTULO 19
Educação Condutiva - Petö
Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva,
Vitor Engrácia Valenti, Luiz Carlos de Abreu
Educação Condutiva – Petö .............................................................. 341
Esclarecendo conceitos da educação condutiva .................................. 342
Proposta ........................................................................................ 343
Fatores que compõem a Educação Condutiva .................................... 343
1. Condutor ................................................................................... 344
2. Aprendizado motor ..................................................................... 345
3. Horário diário ............................................................................. 345
4. Série de Tarefas ......................................................................... 345
5. Manutenção da atenção ............................................................... 346
6. Facilitação .................................................................................. 346
7. Formação de grupos ................................................................... 347

CAPÍTULO 20
Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)
Carlos Bandeira de Mello Monteiro,
Vitor Engrácia Valenti, Luiz Carlos de Abreu,
Dafne Herrero, Talita Dias da Silva
A Introdução da abordagem MAAF .................................................. 351
1 - Pré-Ciência .......................................................................... 351
2 - Ciência Normal ..................................................................... 351
3 - Crises de Paradigmas ............................................................ 352
4 - Ciência Revolucionária ........................................................... 352
Organização da abordagem MAAF .................................................... 353
1 - Utilização da CIF ................................................................... 353
2 - Prática baseada em evidências (PBE) ...................................... 354
3 - Aprendizagem motora ........................................................... 355
Abordagem MAAF - fundamentação teórica das habilidades
motoras ......................................................................................... 355
1 - Aspectos musculares ............................................................. 355
1.1 - Global ......................................................................... 356
1.2 - Segmentar .................................................................. 356
1.3 - Específico .................................................................... 356
2 - Aspectos temporais ............................................................... 356
2.1 - Discretos .................................................................... 356
2.2 - Seriado ....................................................................... 357
2.3 - Contínuos .................................................................... 357
3 - Aspectos do meio ambiente ................................................... 357
3.1 - Aberta ................................................................................. 357
3.2 - Fechada ...................................................................... 358
3.3 - Tarefa mista ................................................................ 358
4 - Aspectos Internacionais ......................................................... 359
4.1 - .................................................................................. 359
4.2 - .................................................................................. 359
4.3 - .................................................................................. 359
5 - Aspectos de atenção ............................................................. 360
Abordagem MAAF - Proposta de utilização prática das habilidades
motoras ......................................................................................... 360
Outros fatores considerados pela abordagem MAAF ........................... 363

CAPÍTULO 21
Kabat - Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva
Cristina dos Santos Cardoso de Sá
Introdução ..................................................................................... 367
Princípios do método facilitação neuromuscular propriocetiva .............. 368
Posição corporal e biomecânica ........................................................ 368
Contato manual .............................................................................. 368
Comando Verbal ............................................................................. 369
Visão ............................................................................................. 369
Tração e aproximação ..................................................................... 369
Reflexo de estiramento ................................................................... 370
Resistência .................................................................................... 370
Irradiação ...................................................................................... 370
Padrões de facilitação ..................................................................... 370
Sincronização do movimento ........................................................... 371
Técnicas específicas ........................................................................ 371
Facilitação neuromuscular proprioceptiva e os tipos de
paralisia cerebral ............................................................................ 371
Exemplos do uso de padrões diagonais e suas implicações
funcionais no indivíduo com PC ........................................................ 373
Considerações finais ....................................................................... 375

PARTE VI

Intervenção Multidisciplinar - Introdução .......................................... 379


Mário Lúcio Uchôa Andrade, Carlos Bandeira de Mello Monteiro,
Talita Dias da Silva, Denise Cardoso Ribeiro

CAPÍTULO 22
Fonoaudiologia e motricidade oral .................................................... 385
Celia Torres de Oliveira
Introdução ..................................................................................... 385
1 Sistema sensório-motor oral e o aspecto emocional ....................... 386
1.1 Aquisição e desenvolvimento ................................................. 386
1.2 Aprendizagem - período crítico ............................................... 387
1.3 Processamento sensorial: consolidação da aprendizagem
da motricidade oral e suas alterações ..................................... 387
2 Comportamento motor da alimentação ......................................... 388
2.1 A biomecânica da tríade da alimentação .................................. 389
2.2 Alterações na dinâmica da alimentação e deglutição ................. 389
2.3 Aprendizagem: consolidação ativa ou reativa ........................... 390
3. Desenvolvimento da MO .............................................................. 391
3.1 Alinhamento biomecânico, cadeia muscular e performance oral . 391
3.2 Estabilidade e mobilidade ...................................................... 391
3.3 Os planos de desenvolvimento ............................................... 392
3.4 Marcos sequenciais do desenvolvimento da MO ........................ 392
3.5 Aprendizagem da MO e o controle da saliva ............................. 393
3.6 Adaptações e compensações nos planos de desenvolvimento .... 394
3.7 Estruturas ósseas e suas possíveis deformidades ..................... 394
4. Constructo da alimentação e da comunicação ................................ 395
Considerações Finais ....................................................................... 397

CAPÍTULO 23
Comunicação suplementar e alternativa ............................................ 401
Helena Maria Soares Panhan
Lugar do Sujeito: na Linguagem, Língua, Comunicação e Fala ............. 402
O que é a Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) ................... 404
Definição ....................................................................................... 404
Sistemas de Símbolos Gráficos da CSA ............................................. 405
Questões de Técnica: pranchas de comunicação e escolha dos
símbolos ........................................................................................ 406
Pranchas de Comunicação ............................................................... 406
Escolha dos Símbolos Gráficos: Vocabulário ...................................... 407
Questões de técnica: aspectos motores da comunicação .................... 408
Questões de Técnica: Tecnologia Assistiva e a CSA ............................ 408
Questões de Método: Processos terapêuticos ..................................... 409
Momento 1 .................................................................................... 409
Questões Terapêuticas .................................................................... 410
Proposta terapêutica: Momento 2 ..................................................... 410
Discussão da Cena Clínica:
A palavra dita no apontar do símbolo gráfico ..................................... 411
Momento 3 .................................................................................... 411
Discussão da Cena clínica
Seleção Dos Símbolos: apropriação dos sentidos ............................... 411
Considerações Finais ....................................................................... 412

CAPÍTULO 24
A influência da musicoterapia na reabilitação da criança com paralisia
cerebral
Maristela Pires da Cruz Smith
Resumo ......................................................................................... 415
Introdução ..................................................................................... 415
Música na Terapia e Música como Terapia .......................................... 417
Musicoterapia na Paralisia Cerebral ................................................... 418
Procedimentos Metodológicos Musicoterápicos no Atendimento
ao Indivíduo com Paralisia Cerebral .................................................. 421
Considerações Finais ....................................................................... 422

CAPÍTULO 25
Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de
uma professora de arte ................................................................... 425
Lucia Helena Reily
Pesquisas sobre desenho em paralisia cerebral .................................. 429
Pesquisas em contexto natural ......................................................... 430
Palavras de conclusão ..................................................................... 434

CAPÍTULO 26
Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral .................................. 437
Roberto Gimenez, Alessandro de Freitas
Natação ......................................................................................... 442
Futebol .......................................................................................... 442
Bocha ............................................................................................ 443
Polybat .......................................................................................... 443
Dança ........................................................................................... 444
Considerações Finais ....................................................................... 444

CAPÍTULO 27
Atuação da terapia ocupacional na paralisia cerebral .......................... 449
Renata Cristina Bertolozzi Varela, Barbara Martins
1 A Terapia Ocupacional e seu Instrumento: As Atividades ................ 449
2 As atividades e a especificidade da Paralisia Cerebral ..................... 450
3 O uso das atividades na atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia
Cerebral: uma ilustração ............................................................. 452
Considerações finais ....................................................................... 459

CAPÍTULO 28
Atuação da Psicologia junto ao Paciente com Paralisia Cerebral ........... 463
Patricia Pimentel Gomes, Camila da Veiga Prade

CAPÍTULO 29
Intervenções pedagógicas na Paralisia Cerebral ................................. 467
Magali Maria da Rocha Minato
Considerações gerais ...................................................................... 471
O que fazer .................................................................................... 472
Como não emitem as perguntas típicas ............................................. 475
Atendimento e devolutiva aos pais ................................................... 478
Conclusão ...................................................................................... 482
PREFÁCIO I

Carlos Bandeira de Mello Monteiro


Luiz Carlos de Abreu
Vitor Engrácia Valenti

Há preocupação dos profissionais envolvidos na habilitação e


reabilitação de crianças com Paralisia Cerebral de atualizarem seus
conhecimentos e, principalmente, utilizarem na sua intervenção, de
conhecimentos comprovados, ou pelo menos que ofereçam respaldos teórico-
práticos, possibilitando uma prática baseada em evidências científicas.

A Prática Baseada em Evidencias (PBE) considera três fatores


importantes: (1) a experiência clínica do profissional; (2) melhores evidências
científicas disponíveis e (3) necessidade do paciente.

Com base na PBE ofertam-se neste livro sobre Paralisia Cerebral,


diferentes conceitos e definições que auxiliam profissionais e estudantes a
organizar seu desenvolvimento profissional e viabilização de tratamento aos
pacientes.

Assim, foi opção dos autores, a organização de capítulos relacionados


aos diferentes fatores que oferecem respaldo para a organização de um
programa de tratamento da Paralisia Cerebral. Inicialmente, ao leitor serão
apresentadas as principais definições e classificações da Paralisia Cerebral,
sendo a seguir abordados os procedimentos e condutas de tratamento
utilizado. Por fim, insere-se o leitor no mundo das atuações multi e
interdisciplinares, visando sempre o bem-estar do indivíduo com Paralisia
Cerebral.

Espera-se que o conteúdo deste livro seja proveitoso aos profissionais


e aos pacientes que vivem e convivem com a Paralisia Cerebral, bem como
aos estudantes da grande área Ciências da Saúde.

25
PREFÁCIO II

Prof. Dr. Rubens Wajnsztejn


Neurologista da Infância e Adolescência
Professor Assistente de Neurologia da Fa-
culdade de Medicina do ABC
Coordenador do Programa Dislexia e
Aprendizagem da FMABC

O estudo científico atual, que é extremamente cuidadoso com as suas


conclusões, sempre traz consigo algumas preocupações que são frequentes
na pratica diária dos profissionais da saúde, da educação e de áreas correlatas.
Um desses temas, sem duvida, é a Paralisia Cerebral, que atravessa séculos
como uma das grandes preocupações da Saúde, em especial no aspecto da
prevenção.
PARALISIA CEREBRAL: Teoria e prática é uma publicação no campo
multi e interdisciplinar que abrange a neurociência clínica.Trata-se de um
texto atualizado, que procura discutir todas as concepções teóricas ligadas
ao tema, com o enfoque de profissionais que efetivamente atuam com toda
a gama de pacientes com esta patologia. Existem muitas nuances que fazem
parte deste complexo diagnóstico da Paralisia Cerebral, a começar pela sua
própria definição. Assim, a participação de autores voltados para o dia-a-dia
dos pacientes torna-se essencial e traz o conteúdo adequado tanto para
alunos, quanto para profissionais experientes, que têm suas dúvidas discuti-
das à luz da ciência.
Os novos tratamentos que visam minimizar as sequelas dos indiví-
duos com Paralisia Cerebral se constituem numa das bases deste livro, pois
os mecanismos de plasticidade do sistema nervoso têm sido cada vez mais
desvendados, abrindo um campo maravilhoso de possibilidades de propor-
cionar uma melhoria significativa na qualidade de vida dessas pessoas. O
campo das neurociências continua a ser uma disciplina intelectualmente es-
timulante, que nos conduz a descobertas e a novas indagações, trazendo
discussões extremamente produtivas, que dão a essência deste texto, uma
vez que abordagens rigorosas para a concepção e a realização de ensaios
clínicos também estão contempladas ao longo do livro.

27
A relevância do tema e a preocupação de todos envolvidos com a
Paralisia Cerebral, não deixa dúvidas, que ainda há um longo caminho a
percorrer para alcançar o objetivo final de ser capaz de compreender e tratar
a Paralisia Cerebral. Portanto, minha missão é gratificante de poder prefaciar
os autores de PARALISIA CEREBRAL: Teoria e prática por apresentar uma
obra dessa magnitude, contribuindo para o progresso da neurologia nos di-
versos campos do conhecimento.

28
PARTE I
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

30
CAPÍTULO 1

PARALISIA CEREBRAL:

Emília Katiane Embiruçu, Carlos Bandeira de Mello Monteiro,


Talita Dias da Silva, Alberto Olavo Advíncula Reis, Vitor Engrácia Valenti,
Adriana Gonçalves de Oliveira, Luiz Carlos de Abreu

PARALISIA CEREBRAL (parte I)

1. Histórico
Entre 1843 e 1853, um ortopedista inglês, William John Little, descre-
veu os primeiros casos de uma desordem médica intrigante que atingia crian-
ças nos primeiros anos de vida, causando espasticidade nos membros infe-
riores e, em menor grau, em membros superiores. Essas crianças tinham
dificuldade para agarrar objetos, engatinhar e andar. Little percebeu, que ao
contrário da maioria das outras doenças que afeta o cérebro, essa condição
não piorava a medida que as crianças cresciam, e que a deficiência motora
permanecia relativamente constante. Ele observou que muitas dessas crian-
ças nasciam após um parto prematuro ou complicado, e sugeriu, como pro-
vável causa, que a falta de oxigênio durante o parto prejudicava tecidos
sensíveis do cérebro responsáveis pelo controle dos movimentos. Esta enti-
dade foi denominada doença de Little, por vários anos1,2,3.
De acordo com Bax et al. (2005)4, somente em 1897, o termo Parali-
sia Cerebral foi empregado pela primeira vez por um neurologista austríaco,
Sigmund Schlomo Freud, após analisar os trabalhos de Little. Freud questio-
nava se as anormalidades do processo do nascimento eram fatores etiológicos
ou consequências de causas pré-natais. Além disso, ele afirmava que: “as
crianças com Paralisia Cerebral habitualmente tinham também retardo men-
tal, distúrbio visual e convulsões”. Apesar das observações de Freud, a ideia
de que as complicações no parto causavam a maioria dos casos de Paralisia
Cerebral difundiu-se entre os médicos, familiares e pesquisadores, perdu-
rando até recentemente2,3.

31
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

Na década de 1980, entretanto, cientistas americanos analisaram


extensivamente dados de uma pesquisa realizada pelo governo, com mais
de 35.000 nascimentos, e ficaram surpresos ao descobrir que as complica-
ções no parto eram responsáveis por apenas 10% dos casos de Paralisia
Cerebral. Na maioria, a causa não foi encontrada2. Esses achados alteraram
profundamente as teorias médicas sobre a Paralisia Cerebral e dirigiram as
pesquisas atuais para explorar outras causas.

2. Definição
O termo Paralisia Cerebral é utilizado por diferentes autores de dife-
rentes nacionalidades. No entanto, muito se discute sobre uma interpretação
errônea que o nome pode causar. As discussões sempre recaem sobre o
significado das duas palavras separadamente: Paralisia e Cerebral, que
suscitam questões importantes sobre a terminologia. A palavra paralisia sig-
nifica: “Perda ou comprometimento da função motora em uma parte devido
à lesão do mecanismo neural ou muscular”5-7, enquanto que o termo cerebral
refere-se a apenas uma parte do encéfalo8-11.
O encéfalo apresenta seis divisões macroscópicas mais conhecidas:
três delas compõem o tronco encefálico: o mesencéfalo, a ponte e o bulbo ou
medula oblonga; o cerebelo; o diencéfalo, formado pelo tálamo, epitálamo,
subtálamo e hipotálamo; e, o telencéfalo, ou cérebro propriamente dito, cons-
tituído pelos hemisférios cerebrais: córtex cerebral e núcleos da base (subs-
tâncias cinzentas) e a substância branca8-11. A lesão do indivíduo com Paralisia
Cerebral pode ocorrer em qualquer estrutura do encéfalo, mas precisa apre-
sentar quadro clínico compatível com alteração do tônus muscular7,12,13.
Várias tentativas foram feitas para encontrar um termo mais apropria-
do e correto. Alguns autores preferem a terminologia Encefalopatia Crônica
Não Progressiva por designar de forma mais abrangente e ao mesmo tempo
mais específica. Há mais de um século, foi utilizado o termo Encefalopatia
Crônica Infantil (ECI), o qual significa lesão prolongada do encéfalo ocorrida
na infância. A terminologia “evolutiva” e “não-evolutiva”, que pode ser empre-
gada associada a ECI, refere-se a evolução da lesão anatomopatológica do
encéfalo ser ou não progressiva. As lesões não progressivas estão relaciona-
das às sequelas de injúrias ao encéfalo, enquanto que as progressivas às
doenças que cursam com a destruição progressiva do encéfalo2,3.
Apesar da contradição causada pelas palavras Paralisia e Cerebral,
sob esta denominação surgiram livros, atitudes e escolas reabilitacionistas,
justificando, desta forma, a utilização clássica do termo Paralisia Cere-
bral3,7,14,15. Schwartzman (1993)15 cita que levando em conta o uso extenso e
universal do termo Paralisia Cerebral, até mesmo como título de periódicos
importantes, e o reconhecimento por associações e congressos no mundo
inteiro, o melhor seria continuar a utilizá-lo. Sempre, porém, respeitando-se
as condições impostas pelas definições mais atuais. Feitas essas considera-
ções, manter-se-á, neste livro, o nome Paralisia Cerebral, o qual será abre-
viado com a sigla PC, por ser a mais utilizada e compreendida, principalmen-
te no ambiente acadêmico e clínico7,15,16.
Algumas definições foram propostas para PC. A primeira foi em 1958,
pelo Little Club1,17, citada por Diament e Cypel (2005)3 era bem simplificada:
“paralisia cerebral é um distúrbio motor quantitativo persistente, de início
antes da idade de três anos, devido a uma interferência não progressiva no
desenvolvimento do cérebro”1,17.

32
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

Em 1966, Barraquer-Bordas et al.18, definiram PC como sequela de


uma agressão encefálica que se caracteriza primordialmente por um trans-
torno persistente, mas não invariável do tônus, da postura e do movimento,
que aparece na primeira infância e que não só é diretamente secundária a
esta lesão não evolutiva do encéfalo, mas se deve também à influência que
tal lesão exerce na maturação neurológica3,7.
Posteriormente, outras definições foram elaboradas, pouco divergin-
do das anteriores, porém uma discordância entre elas relaciona-se ao limite
de idade; ou seja, até que idade uma lesão no sistema nervoso central pode
causar quadro clínico compatível com o diagnóstico de PC? Algumas destas
definições delimitam a idade até dois anos, outras até os três anos, algumas
até cinco anos, como defende a American Academy for Cerebral Palsy (AACP)19
ou mesmo à primeira infância. No entanto, sabe-se que a maturação estru-
tural e funcional do encéfalo não para na primeira infância e, muito menos,
aos três anos de idade. Há estruturas que só estarão totalmente desenvolvi-
das por volta dos 18 anos ou mais8-11,20.
Perante as dúvidas existentes, Bax et al., (2005)4 publicaram artigo
com ampla discussão sobre a definição e classificação da Paralisia Cerebral.
Posteriormente, foi revisto por Rosenbaum et al., (2007)14, os quais apre-
sentaram a seguinte definição (esclarecimentos detalhados estão na tabela
1): “Paralisia Cerebral a é um grupo b de desordem c permanente d do
desenvolvimento e da postura e movimento f , causando g limitação em
atividadesh, que são atribuídasi a um distúrbioj não progressivok que ocorre
no desenvolvimento encefálicol fetal ou na infânciam. A desordem motora na
Paralisia Cerebral é frequentemente acompanhada n por distúrbios de
sensação o, percepção p, cognição q, comunicaçãor e comportamentos, por
epilepsiat e por problemas musculoesqueléticos secundáriosu”.

Tabela 1: Esclarecimento das palavras utilizadas na definição de Paralisia


Cerebral proposta por Rosenbaum et al., (2007)14:

a - Paralisia Cerebral: conforme discutido anteriormente, o nome Paralisia Cere-


bral é utilizado por estar estabelecido na literatura e por ser amplamente usado
no dia-a-dia de diferentes profissionais da área de saúde e pela população;
b - um grupo: por ser uma condição heterogênea ao considerar a etiologia, bem
como em tipos e severidade de incapacidades, optou-se por utilizar a palavra
grupo;
c - desordem: se refere as diferentes condições que ocorrem no processo de de-
senvolvimento da criança;
d - permanente: reconhece que a criança ou adulto pode modificar padrões e ma-
nifestações clínicas, mas a lesão é estável;
e - desenvolvimento: a noção de alteração precoce no desenvolvimento
neuromotor da criança é fundamental no diferencial de PC;
f - movimento e postura: alterações nas funções da motricidade grossa e fina,
que causam dificuldades para andar, comer, engolir, coordenação nos movimen-
tos dos olhos, articulação da fala, problemas secundários às disfunções
musculoesqueléticas e interação social, e que são características importantes
da PC;
g - causando: promovendo, ocasionando, acarretando;

33
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

h - limitação em atividades: segundo a Classificação Internacional de Funciona-


lidade, incapacidade e saúde (CIF-2003), atividade é a execução de uma tarefa
ou ação por um indivíduo, e define limitação em atividades como dificuldades do
indivíduo em executar determinadas tarefas e ações;
i - atribuído: o entendimento da neurobiologia do desenvolvimento (incluindo
genética, bioquímica e outras áreas do desenvolvimento cerebral) está crescen-
do rapidamente, tanto que é possível identificar estruturas e outras evidências
das alterações do desenvolvimento cerebral em indivíduos com PC. Como con-
sequência, conexões e correlações entre estruturas funcionais estão mais es-
clarecidas, mas é evidente que a compreensão completa da causa e mecanis-
mos fisiopatológicos relacionados à PC ainda são elusivos;
j - distúrbio: este termo refere-se ao processo ou evento que de alguma forma
interrompe, lesiona ou influencia padrões esperados na formação,
desenvolvimento e maturação cerebral, e resulta em uma permanente, mas
não progressiva, lesão cerebral;
k - não progressivo: conforme determina a PC, o termo não progressivo está
relacionado a esclarecimento de que o mecanismo fisiopatológico da PC surge
em um momento único ou numa série discreta de eventos, que não ocorrerão
novamente até o momento do diagnóstico;
l - encéfalo: no artigo original utilizou-se a palavra “brain”, que em Inglês tem a
tradução para cérebro. No entanto, o próprio artigo cita que o “brain” inclui o
“cerebrum” (cérebro), “cerebellum” (cerebelo) e “brainstem” (tronco encefálico).
Por este motivo, na tradução proposta por livro optou-se por utilizar a palavra
encéfalo, por abranger todas as estruturas citadas;
m - fetal ou na infância: a especificação de fetal ou infantil reflete a idéia que o
insulto deva ocorrer numa fase precoce do desenvolvimento biológico humano.
A definição não refere uma idade limite específica, entretanto, os dois e três
primeiros anos são os mais importantes para que o distúrbio resulte em PC;
n - frequentemente acompanhada: além da alteração de postura e movimento,
indivíduos com PC tendem a apresentar outros distúrbios e incapacidade;
o - sensação: visão, audição e outras modalidades sensoriais podem ter sido
comprometidas no momento do distúrbio primário que causou a PC, ou
secundariamente, decorrente da limitação no aprendizado e desenvolvimento
destas funções por restrição da experiência;
p - percepção: a capacidade de incorporar e interpretar sensações e/ou informações
cognitivas pode estar comprometida;
q - cognição: processos cognitivos globais e específicos podem estar
comprometidos;
r - comunicação: distúrbios na comunicação, seja de recepção ou produção e/ou
habilidades de interação social podem estar presentes;
s - comportamento: inclui distúrbios psiquiátricos ou comportamentais, autismo,
hiperatividade, desatenção, distúrbios de sono, humor e ansiedade;
t - epilepsia: crises epilépticas podem ser observadas em crianças com PC;

u -problemas musculoesqueléticos secundários: crianças com PC podem


desenvolver diferentes tipos de problemas musculoesqueléticos como retrações
fibrotendíneas; contraturas musculares persistentes, fraturas ósseas, luxações
de quadril e deformidades na coluna. Muitos desses problemas desenvolvem-se
durante a vida e são relacionados ao crescimento físico, espasticidade muscular,
idade e outros fatores.

Vale ressaltar, que na PC apesar da lesão anatomopatológica não


modificar com o decorrer do tempo, ou seja, permanecer estavél, as mani-
festações clínicas podem variar de intensidade a depender das caracteristicas
biofísicas de cada indivíduo, do crescimento pondo-estatural e da reabilita-

34
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

ção21-23. Em casos de lesões estáticas mais extensas e grave comprometi-


mento motor, estas alterações ao longo do tempo podem ser mínimas16,21-23.

3. Epidemiologia
Os estudos epidemiológicos sobre uma doença destinam-se a determi-
nar a incidência e a prevalência da referida entidade nosológica em região e
época específicas. A incidência, em termos técnicos de medicina, refere-se ao
número de casos novos da doença que surgiram durante um período de tem-
po em uma população. E prevalência é o número de casos da doença ou de
doentes, em uma dada população, sem distinção entre os casos novos e os
casos antigos, ou seja, o total de casos, somando-se os novos e antigos5,12.
Os dados epidemiologicos sobre PC variam no mundo, de acordo com
as condições socioeconômicas de cada região. O desenvolvimento do país
tem grande influência no atendimento médico oferecido à população, parti-
cularmente à gestante e ao bebê, portanto a incidência de PC em países do
terceiro mundo é maior, principalmente, por falta de prevenção e, especial-
mente, no período perinatal3,12,20,24.
Nas camadas sociais mais altas a assistencia médica pré e perinatais
são mais adequadas, o que tende a reduzir a mortalidade, porém observa-se
maior morbidade, principalmente, entre os prematuros extremos e de muito
baixo peso. Nas comunidades mais pobres, a falta de cuidados básicos com
a gestante no período pré-natal e o inadequado serviço de saúde favorecem
a alta taxas de mortalidade, menor sobrevida entre os RN de maior risco e
fatores de risco peri e pós natais para o desenvolvimento de PC, mesmo
entre os RN nascidos a termo3.
Nos países desenvolvidos, onde ocorreram avanços tecnológicos im-
portantes dos cuidados intensivos perinatais, acreditava-se que a incidência
de PC poderia diminuir, mas a maior sobrevida de recém-nascidos com muito
baixo peso e prematuros extremos tem aumentado a morbidade. Em algu-
mas regiões do ocidente, a incidência de PC permaneceu estável, entre 1,5 e
2,5 por 1000 nascidos vivos3,20,25,26. Em outros países, observou-se leve au-
mento na prevalência de PC variando de valores < 2,0 por 1000 nascidos
vivos em 1970 para > 2,0 por 1000 nascidos vivos nos anos 9027. Nos EUA
houve aumento de 20% na prevalência, variando de 1,9 para 2,3 por 1000
nascidos vivos entre 1960 e 198625,28.
É importante salientar que apesar da prematuridade ser o fator de
risco mais comum para o desenvolvimento de PC, a maioria das crianças que
são afetadas nasceram com idade gestacional adequada13,25,28. Bax et al.,
(2006)13, num trabalho recente com 431 crianças de diferentes países euro-
peus, verificaram que mais da metade das crianças com paralisia cerebral
(n = 235 [54,5%]) nasceram a termo (> 37 semanas). Dentre os prematu-
ros, 10,9% eram prematuros extremos (< 28 semanas), 16% nasceram
entre 28 e 31 semanas, e 18,3% entre 32 e 36 semanas de gestação. Como
o grupo de recém-nascidos prematuros extremos é muito pequeno, as varia-
ções não afetam tão drasticamente o número total de crianças com PC. Den-
tre as crianças estudadas, 19,1% eram pequenos para a idade gestacional
(peso nascimento < p10%), com taxas semelhantes ocorrendo em todas as
idades gestacionais.
Entre os recém-nascidos a termo, existe uma forte associação entre a
classe social, peso ao nascimento e a frequência dos casos de PC. Neste
grupo, a prevalência de PC é de 1,29 por 1000 nascidos vivos nas classes

35
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

sociais mais altas e 2,42 por 1000 nascidos vivos de classes sociais mais
baixas, tendo em vista que entre os mais pobres, o peso ao nascimento é
baixo ou muito baixo para a idade gestacional27.
A prevalência de PC entre crianças que nasceram com baixo peso é
maior do que entre as que nasceram com peso normal. No período de 1964
a 1993, a incidência de PC aumentou de 29,8 para 74,2 por 1000 neonatos
vivos pesando < 1500g, e de 3,9 para 11,5 por 1000 no grupo dos neonatos
pesando de 1500g a 2499g. Entre os nascidos abaixo de 1000g a possibilida-
de de um distúrbio neurológico chega a 50%, tanto na área motora quanto
na mental. Segundo Odding et al. (2006)27, a proporção de recém nascidos
de baixo peso entre todas as crianças com PC aumentou de 32%, em 1966,
para 50% em 1989. A taxa de incidência de PC entre prematuros pesando
abaixo de 1.500g é de 25 a 31 vezes maior do que entre os nascidos a
termo12,24,25,27.
Quando se fala em Brasil, não há dados epidemiológicos. Acreditamos
que no nosso país possamos encontar variações nas prevalências de PC,
tendo em vista a imensidão territorial, inclusive de difícil acesso e precárias
condições de saúde, como ocorre na região norte, bem como a grande desi-
gualdade social, às vezes, dentro de uma mesma região, como na sudeste.
Além disso, há dois pontos a serem considerados:
1 - A incidência de PC, provavelmente, deve ser elevada devido ao
fato de as condições de assistência médica no período pré e perinatal serem
insatisfatórias na grande parte da população, aumentando os riscos para o
desenvolvimento da paralisia cerebral;
2 - Em contra partida, a mortalidade infantil no Brasil, infelizmente,
ainda é grande, e portanto, a sobrevivência dos recém nascidos prematuros
e de baixo peso é menor, levando a uma diminuição na incidência de casos
com PC.
Seguindo tal raciocínio, provavelmente, no Brasil têm-se mais casos
de crianças com PC do que em países desenvolvidos, e que esta frequência
vem se mantendo estável, mesmo com melhorias nos cuidados intensivos
neonatais nos grandes centros urbanos e que não são acessíveis a todas as
classes sociais.

4. Fatores de Risco
A tarefa na identificação das causas e fisiopatologia das encefalopatias
crônicas não progressivas é árdua e realizada em etapas. A primeira consiste
numa anamnese bem minuciosa, em busca de informações sobre a gesta-
ção, período perinatal e pós-natal imediato, sobre os marcos do desenvolvi-
mento neuropsicomotor e enfermidades durante a infância precoce7,12,25. Vários
estudos que buscam determinar as etiologias da PC, ressaltam a existência
de fatores de risco que ocorrerem de forma associada12,25, como consequên-
cia de alguma outra doença de base, como por exemplo a doença hipertensiva
específica da gestação ou infecção materna, que podem predispor a prema-
turidade e baixo peso.
A tabela 2 apresenta os principais fatores de risco para PC, baseados
na frequência, e a correlação causa e efeito estudadas. Vale ressaltar, que
prematuridade e baixo peso ao nascimento são os fatores mais frequentes e
amplamente estudados, porém podem ser considerados como manifesta-
ções de sofrimento fetal ou retardo de crescimento intra-uterino, decorren-
tes de doenças maternas ou do próprio feto, como as cromossomopatias29-32.

36
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

Tabela 2: Fatores de risco frequentes relacionados à Paralisia Cerebral

Pre-natais

Fatores externos (ambientais)


• Radiação
• Drogas

Genética
• Cromossomopatias
• Doenças gênicas

Materno
• Doença hipertensiva específica da gestação: pré-eclâmpsia/eclâmpsia
• Hipotensão arterial·Hemorragias durante a gestação
• Descolamento prematuro da placenta
• Placenta prévia33
• Posição inadequada ou prolapso do cordão umbilical34
• Distúrbios de coagulação: síndrome antifosfolípides
• Doenças vasculares: vasculites35,36
• Infecções congênitas: TORCHS
• Infecções intra-uterinas: corioamnionite37·
• Intoxicação materna

Perinatais
• Asfixia (hipóxia e isquemia)38-40
• Prematuridade
• Baixo peso
• Hemorragia intracraniana grau IV
• Icterícia grave
• Crises convulsivas neonatais41-44
• Infecção neonatal (< 30 dias de vida): sepse e/ou meningoencefalite

Pós-natais
• Infecção do sistema nervosa central
• Traumatismo crânio encefálico
• Acidentes vasculares cerebrais
• Encefalopatia hipóxico-isquêmica: cardiopatia grave, distúrbios respiratórios
graves associados a hipóxia, choque hipovolêmico, quase afogamento, parada
cardio-respiratória

Outras questões importantes a serem discutidas sobre os fatores de


risco pesquisados são: o viés de rememoração e a correlação causa e efeito.
Em relação ao viés, fatos ocorridos no primeiro trimestre de gestação, perío-
do de maior organogênese e desenvolvimento do sistema nervoso central,
podem não ser valorizados ou lembrados no momento do parto e, portanto
não relatados. A associação entre fator de risco e efeito é difícil de ser bem
estabelecida, primeiro porque nenhum agente externo (de origem materna
ou ambiental) é considerado 100% teratogênico, ou seja, com efeito nocivo
em todos os fetos; segundo, o período da gestação, o tempo e a dose da
exposição podem interferir no resultado final45; e, por último, nenhum fator
ocorre de forma isolada, sem outras interferências intrínsecas ou extrínsecas.
Portanto, esta associação é muito subjetiva, visto que os dados são obtidos
a partir de informações, muitas vezes não quantificáveis, e de estudos
anatomopatológicos de casos graves, portanto difíceis de serem extrapolados
para todos os casos de PC.
Muitos estudos que se propõem a avaliar os fatores de risco da PC,
terminam por excluir os de origem genética, como as cromossomopatias e

37
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

as doenças gênicas42. No entanto, muitas destas doenças genéticas cursam


com malformações do sistema nervoso central, e nestes casos, o diagnóstico
de PC seria cabível, se considerarmos as definições propostas e discutidas
anteriormente. Casos recorrentes de encefalopatia crônica não progressiva
na família ou história de consaguinidade entre os genitores deve levantar a
suspeita de uma provável origem genética31,32,42.
Um dos pontos que deve ser considerado quando uma criança tem
supeita diagnóstica de PC é o Índice de Apgar46-48. A todos os recém-nasci-
dos é aplicado uma escala de avaliação, no primeiro e quinto minutos de
vida, denominada Apgar e que contêm 5 parâmetros46-48: cor da pele, pa-
drão respiratório, ritmo cardíaco, tônus muscular e reatividade. A nota re-
cebida com a pontuação destes parâmetros varia de 0, em casos de parada
cárdio respiratória, a 10, quando o recém-nascido nasce em ótimas condi-
ções (tabela 3).

Tabela 3: Índice de Apgar


Pontuação
Sinais 0 1 2

Cor da pele Azulado Tronco róseo, membros Todo o corpo róseo


azulados

Respiração Nenhuma Choro fraco Choro forte

Ritmo cardíaco Sem batimentos < 100 bpm > 100 bpm

Tônus muscular Nenhum Alguma flexão d o s Membros bem fletidos


membros

Irritabilidade reflexa Nenhuma Algum movimento Choro, espirro, ou


retirada

O insulto hipóxico (diminuição da concentração de oxigênio)/isquêmico


(diminuição do fluxo sanguíneo) é a via comum de lesão do encéfalo em
algumas condições maternas ou intercorrências peri ou pós natais46. O even-
to hipóxico/isquêmico, se não for rapidamente corrigido, termina por promo-
ver a morte neuronal seletiva ou focal. Doença hipertensiva específica da
gestação, que pode culminar com a eclâmpsia, hipotensão, hemorrgias du-
rante a gravidez com ameaça de abortamentos, descolamento prematuro da
placenta, placenta prévia ou posição inadequada do cordão umbilical33,34 po-
dem ocasionar isquemia ao feto 38-40. Os distúrbios de coagulação e as
vasculopatias maternas podem comprometer a circulação materno-fetal e
ocasiosar redução do fluxo sanguíneo fetal.
O insulto isquêmico sofrido pelo feto durante a gestação, pode não ter
repercussões sobre o Apgar46,47. Como Diament e Cypel (2005)3 ressaltam,
em concordância com outros autores, a maioria das crianças com PC não
apresentam Apgar baixo ao nascimento, e além disso muitos sobreviventes
com Apgar baixo não desenvolvem PC. A depender da duração, intensidade
e localização do insulto isquêmico, a criança pode evoluir sem repercursões
clínicas, com um quadro de PC focal (hemiparético, por exemplo) ou com-
prometimento motor mais extenso.
As infecções congênitas (TORCHS: Toxoplasmose; Outras, como SIDA,
hepatite B, listeriose, varicela; Rubéola; Citomegalovirose; Herpes; Sífilis49-54

38
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

são causas importantes de PC em regiões pouco desenvolvidas. A infecção


do feto tende a ocorrer por via hematogênica, na maioria dos agentes infec-
ciosos, ou transplacentária ou no canal do parto. Os quadros clínicos mais
graves estão associados a infecções mais precoces, geralmente, no primeiro
trimestre de gestação. A infecção pelo Citomegalovírus é a mais comum das
infecções congênitas acometendo cerca de 0,2 a 2,5% dos recém-nascidos,
porém a maioria é assintomática55,56.
Crianças com PC por infecção congênita podem apresentar hepatoes-
plenomegalia e icterícia ao nascimento, microcefalia, calcificações e malfor-
mações estruturais do cérebro, associado à coriorretinite e surdez. Os fetos
infectados pelo retrovírus HIV-I, podem cursar com manifestações discretas
ao nascimento, porém evoluem com atraso do desenvolvimento neuropsico-
motor e encefalopatia crônica lentamente progressiva a depender da gravi-
dade do quadro clínico e medidas de suporte e terapêuticas. O diagnóstico
das infecções congênitas é realizado por testes imunológicos e exames de
neuroimagem13,40,57-59. Doenças como a sífilis e a toxoplasmose tem trata-
mento durante a gestação, reduzindo o risco de complicações para o feto50,51.
A corioamnionite, infecção da membrana corioamniótica, do líquido
amniótico e/ou do cordão umbilical34,37,60, é um fator de risco elevado para
prematuridade e encefalopatia hipóxico isquêmica entre os neonatos a ter-
mo. Na maioria dos casos é subclínica, mas pode cursar com aumento da
temperatura materna, contrações uterinas, rotura de membranas e sepse. O
líquido amniótico apresenta odor fétido e aumento das citocinas pró-inflama-
tórias28,55,56.
Sobre as drogas tóxicas para os fetos, devemos considerar as ressal-
vas discutidas anteriormente sobre os riscos teratogênicos45. Além disso, é
difícil se estabelecer qual a dose e o período gestacional considerado seguro
para determinadas exposições, visto que os dados disponíveis são retros-
pectivos. O misoprotol61,62, medicação utilizada pela população leiga como
abortivo em nosso meio, tende a aumentar as contrações uterinas e interfe-
rir na circulação materno-fetal. Quando o abortamento não ocorre, pode
ocasionar repercussões neurológicas sobre o feto63,64.
A exposição a raios X ou radioterapia, principalmente no primeiro
trimestre, aumenta o risco para desenvolvimento de microcefalia radiogênica.
A asfixia perinatal16,38-40,65,66, está presente como fator de risco entre 8
a 15% dos casos de PC. Um dos critérios para o diagnóstico de asfixia perinatal
é o Apgar de 0 a 3 por cinco minutos ou mais, associado a acidemia arterial
(pH < 7), manifestações clínicas como: hipotonia, hiporreflexia, crises
convulsivas neonatais ou coma e disfunção orgânica múltipla. A asfixia16,65,66
pode ser decorrente de um sofrimento fetal agudo ou complicações de um
parto distórcico. Alguns autores questionam, ainda, se a asfixia seria a causa
ou, apenas, uma manifestação de uma provável etiologia para a paralisia
cerebral27,28,55,65-68.
Os fatores de risco para PC mais bem estudados são a prematuridade
(idade gestacional < 36 semanas) e o baixo peso ao nascimento (peso <
10% para idade gestacional). Estes fatores podem ser consequências de
outros, como por exemplo: infecção congênita ou materna, gestação múlti-
pla, sofrimento fetal. No entanto, o baixo peso (< 1000 g) é o único fator que
isolado tem grande impacto sobre a mortalidade e morbidade neonatal3.
Os recém-nascidos pré-termo69,70 apresentam maior probabilidade de
desenvolverem hemorragia intracraniana decorrente da vulnerabilidade da

39
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

matriz germinativa subependimária ou do plexo coróide70. Nos casos mais


graves (hemorragia peri-intraventricular grau IV) o sangue ocupa todo o
ventrículo e acomete o parênquima cerebral adjacente, podendo ocasionar
infarto hemorrágico e evoluir para lesões cavitárias55,69.
Níveis séricos elevados de bilirrubina não conjugada (> 20 mg/ml), pro-
venientes de doenças hemolíticas neonatais, presentes principalmente em pre-
maturos, facilmente atravessam a barreira hematoencefálica e tendem a alojar-
se nos núcleos da base. A encefalopatia crônica não progressiva bilirrubínica é
caracterizada pela presença dos cristais de pigmentos biliares nos núcleos da
base, os kernicterus, e a presença de movimentos involuntários.
Existem estudos demonstrando que os recém-nascidos que cursaram
com crises convulsivas no período neonatal, apresentam maior risco para
desenvolver PC41-44. O que se discute, no entanto, é se estas crises teriam
um papel lesivo direto sobre o sistema nervoso central ou se seriam mani-
festações clínicas de lesões neurológicas causadas por outros agentes, como
sangramento, hipóxia, infecção ou distúrbios metabólicos. O que se sabe é
que a gravidade do quadro pode estar relacionada à recorrência, duração e
refratariedade das crises, que por sua vez depende do insulto subjacente.
Insultos diretos sobre o sistema nervoso central decorrente de infec-
ção (encefalite ou meningoencefalite), vasculites35,36 (associado a infecções),
traumatismo crânio encefálico e acidentes vasculares cerebrais, ocorridos no
período neonatal ou pós-natal, numa fase precoce do desenvolvimento, po-
dem ocasionar lesões estruturais e sequelas motoras permanentes, justifi-
cando o diagnóstico de encefalopatia crônica não progressiva. Tais altera-
ções estruturais podem ser confirmadas pelos exames de neuroimagem13,40,57-59.
Nos casos de encefalopatia hipóxico-isquêmica, qualquer doença de
base, como doenças cardíacas ou respiratórias graves, que promovam redu-
ção sistêmica do fluxo sanguíneo de oxigênio, pode ocasionar lesão focal ou
generalizada no sistema nervoso central, estrutura altamente sensível a
hipóxia.
Para finalizar este tópico, é importante termos em mente que alguns
fatores de risco para PC poderiam ser controlados ou minimizados a partir
de um pré-natal bem feito e uma assistência perinatal eficaz. Medidas
profiláticas, como a vacinação contra a rubéola; a não exposição aos agen-
tes teratogênicos45; o uso de corticoide, para acelerar a maturidade pul-
monar, ou drogas inibitórias das contrações uterinas pela gestante, em
casos de ameaça de trabalho de parto prematuro; e o tratamento adequa-
do para as doenças maternas de base, poderiam reduzir os fatores de
risco para paralisia cerebral, principalmente, a prematuridade e o baixo
peso ao nascimento.

5. Classificação Clínica
Atualmente, existem diferentes classificações utilizadas no estudo da
PC, que variam conforme a bibliografia consultada e demonstram controvér-
sia entre os autores. Esta falta de concordância decorre, dentre outras cau-
sas, da utilização de certas denominações sem obediência a uma conceitua-
ção uniforme. Concordamos com Diament e Cypel (2005) 3 quanto à
importância em tentar classificar a PC, valorizando três aspectos principais:
• Agrupar os indivíduos com características clínicas semelhantes;
• Favorecer uma linguagem comum, útil para a comunicação entre
todos os profissionais envolvidos com os pacientes com PC;

40
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

• Uniformizar os estudos e condutas quanto ao diagnóstico e trata-


mento, e melhor entendimento do prognóstico.

Consideraremos a classificação mais utilizada por vários artigos e li-


vros didáticos, que discutem o tema2,3,55,56,71-74. Esta classificação se baseia
no tipo e localização da alteração motora.

{
- Tetraplégica ou Quadriplégica

• Espástica - Diplégica

- Hemiplégica

• Discinética
• Atáxica
• Hipotônica
• Misto

Nos primeiros meses de vida pode haver dificuldades em aplicar à


classificação, nesta fase a maioria das lactentes apresenta diminuição do
tônus muscular, hipotonia, e outras manifestações como assimetria de movi-
mentos ou presença de movimentos involuntários, que serão percebidos no
final do primeiro semestre de vida.

5.1 Espástica
A espasticidade ou hipertonia elástica, ou seja, aumento do tonus
muscular decorrente de alteração encefálica, é a principal característica des-
te tipo de PC75. Nos casos de espasticidade, quando realizada a movimenta-
ção passiva de extensão e flexão do membro, observa-se uma resistência de
grupos musculares no início do movimento que cede após algum esforço10,75-
76
. Este fenômeno é denominado sinal do canivete. Esta hipertonia elástica
predomina nos grupos musculares flexores dos membros superiores e,
extensores dos membros inferiores. Na avaliação da espasticidade pode ser
aplicada a escala de Ashworth (Tabela 4), útil para documentar variações da
intensidade de uma forma mais objetiva, ao longo do tempo28,76.

Tabela 4: Escala de Ashworth


0 Ausência de aumento do tônus

-1 Leve aumento do tônus – mínima resistência à extensão máxima em


movimento passivo

+1 Leve aumento do tônus – discreta resistência persistente em menos


da metade do movimento passivo

2 Aumento nítido do tônus, mas o membro é facilmente movimentado.

3 Aumento considerável do tônus, com dificuldade para movimentação


passiva

4 Membro rígido na flexão, extensão, adução e abdução.

41
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

Junto com a espasticidade, outras manifestações neurológicas estão


presentes, como: atrofia muscular, hiperreflexia (aumento dos reflexos
osteotendíneos), clônus, sinal de Babinski (reflexo cutâneo plantar em ex-
tensão) e fraqueza muscular.
A terminologia mais aceita para fraqueza muscular é plegia, quando a
força está ausente, e paresia, quando ocorre apenas diminuição da força
muscular. No entanto, na literatura científica os sufixos plegia e paresia são
utilizados como sinônimos de fraqueza. A avaliação da força muscular é rea-
lizada de forma ativa pelo paciente, quando ele movimenta o membro em
um plano, contra a gravidade ou contra uma resistência qualquer5,76.
A forma espástica de paralisia cerebral é a mais frequente de todas,
correspondendo 72 a 91% dos casos de PC27. As paralisias cerebrais espásticas
podem ser subdivididas em hemiplégicas (ou hemiparéticas), diplégicas (ou
diparéticas) e tetraplégicas (ou tetraparéticas), a depender da localização ou
parte do corpo comprometida pelo aumento tônico.

5.1.1 Tetraplégica (Tetraparesia)


A paralisia cerebral espástica tetraparética (forma mais grave), é ca-
racterizada por comprometimento dos quatro membros e lesão encefálica
bilateral, extensa, simétrica ou não. Os fatores etiológicos frequentemente
associados são os relacionados a comprometimento sistêmico, como
intercorrência no período perinatal, sofrimento fetal, e malformações bilate-
rais do sistema nervoso central envolvendo áreas corticais e/ou subcorticais,
como as que ocorrem nas infecções congênitas.
Numa fase precoce, nos primeiros meses logo após o nascimento ou
insulto cerebral, as crianças apresentam diminuição do tônus muscular e da
movimentação espontânea, com o decorrer do tempo observa-se aumento
importante do tônus e a fraqueza muscular torna-se mais nítida. Pode haver
persistência da hipotonia axial, ou seja, do tronco e a microcefalia é comum.
Os outros sinais da lesão piramidal, geralmente, estão presentes.
Nesta forma de PC, a postura característica é descrita como: nos
membros superiores, flexão dos cotovelos e punhos, pronação dos ante-
braços, desvio ulnar, punhos cerrados, polegares aduzidos; e membros in-
feriores em extensão, adução, rotação medial, flexão plantar, pés
equinovaros, retrações fibrotendíneas e dificuldade em manter o controle
cervical e do tronco.
Alguns autores destacam a assimetria do comprometimento motor
nos hemicorpos e ressaltam uma leve predominância da espasticidade nos
membros superiores. Nestes casos, apesar da controvérsia, prefere-se utili-
zar a denominação de dupla hemiplegia espástica15.
Os pacientes com tetraparesia apresentam maior comprometi-
mento motor, principalmente por apresentarem os quatro membros afe-
tados, o que impossibilita movimentos funcionais. Por esse motivo, são
indivíduos totalmente dependentes nas atividades da vida diária, tais
como: alimentação, higiene, vestes etc. e sempre necessitarão de cui-
dados especiais e, principalmente, dedicação integral. Mesmo com a
reabilitação, conseguem, quando o fazem, permanecer sentados com
apoio, e adaptações para manter a postura deitada em decúbito lateral
e, mesmo muito bem posicionados, apresentam dificuldade em mani-
pular objetos. A marcha com apoio e em uso de órteses é muito difícil
de ser alcançada 55,77.

42
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

A forma tetraparética é responsável por 9 a 43% dos casos de PC27,74.


A deficiência intelectual, em intensidades variadas, é frequente. Devido à
espasticidade, crianças e adolescentes cursam com alterações ortopédicas
como: luxação do quadril (75%), retrações não redutíveis (73%) e escoliose
(72%)27. A incidência de epilepsia varia de 19 a 66% dos casos27,41,68,78. Nes-
te grupo intercorrências como fala, deficiência auditiva e visual, distúrbios
alimentares e do ritmo do sono são mais frequentes67, provavelmente por
causa da lesão neurológica de base.

5.1.2 Diplégica (Diparesia).


A PC espástica diparética, considerada a forma mais comum entre os
prematuros, é caracterizada por espasticidade predominante em membros
inferiores. Frequentemente os membros superiores estão acometidos, em
intensidade variada, mas sempre mais leve do que os inferiores. Segundo
Aicardi & Bax (1992)20, aproximadamente de 5 a 10% dos nascidos com
peso inferior a 1.500g desenvolverão diparesia.
O quadro clínico está associado a comprometimento das vias pirami-
dais, localizadas em regiões mais mediais, como na substância branca peri
ventricular, e que descem através da cápsula interna para fazer sinapse com
os neurônios motores inferiores, responsáveis pela motricidade voluntária
dos membros inferiores.
Nos primeiros meses de vida as crianças parecem normais, mas cha-
ma atenção a movimentação espontânea diminuída das pernas durante o
banho ou nas trocas. Evoluem com atraso no rolar na cama, na aquisição da
posição sentada e do engatinhar. O apoio plantar é deficiente, tende cruzar
as pernas em extensão como uma tesoura, e não realiza a troca dos passos.
Como os membros superiores são discretamente afetados, a maioria das
crianças consegue manipular bem os objetos, apresentando alguma dificul-
dade ao executar atividade que necessite de coordenação mais fina.
As alterações clínicas são mais evidentes no final do segundo semestre
de vida. O atraso na aquisição da marcha independente, raramente atingida
antes dos 24 meses, é o sinal preponderante. Nos casos não tratados precoce-
mente, a espasticidade favorece a retração dos músculos adutores da coxa e
tendência a deambular nas pontas dos pés (pés equinos). Em muitos casos
severos, a marcha independente não é possível, devido à falta de equilíbrio,
causada pela hipertonia dos membros inferiores e contraturas3,55,77.
A prevalência de PC diparética varia de 10 a 45% dos casos27,74. O
estrabismo convergente e a diminuição da acuidade visual são comuns, de-
vido ao envolvimento das vias ópticas radiadas, próximo à substância branca
periventricular, e a frequente associação com a retinopatia da prematurida-
de. Por outro lado, alterações cognitivas e epilepsia são menos frequentes,
pelo não comprometimento da região cortical27,28,68,78.

5.1.3 Hemiplégica (Hemiparesia)


A forma hemiparética de PC espástica é caracterizada por comprome-
timento motor em um dimidio corporal, ou seja, o trato córtico espinal é
acometido apenas em um dos lados, contralateral às manifestações clínicas,
visto que a maior parte das vias piramidais cruza na face ântero inferior do
bulbo, local denominado decussação das pirâmides76.
As etiologias pré-natais são responsáveis por aproximadamente 75%
dos casos de PC hemiparesia. Doenças maternas que cursam com compro-

43
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

metimento da circulação arterial, como hemorragias, pré-eclâmpsia, trau-


mas perinatais e anóxia são os principais fatores de risco. Oclusões arteriais
pré-natais têm sido encontradas, e não é rara a presença de cistos
porencefálicos15,20,55. Mesmo assim, a criança, geralmente, nasce bem e sem
alterações no Apgar.
O diagnóstico nos primeiros meses de vida é raro, e o sinal marcante
é a assimetria de tônus muscular e da movimentação espontânea, percebi-
da, principalmente, nos membros superiores. O uso preferencial de uma das
mãos, enquanto a outra tende a permanecer fechada, numa idade muito
precoce é muito sugestivo20,77.
A criança tende a rolar na cama e se levantar sempre pelo mesmo
lado. Evolui com atraso nas aquisições dos marcos do desenvolvimento neu-
ropsicomotor e sinais piramidais de liberação e fraqueza muscular em um
dimidio. No primeiro ano de vida, já se observa atrofia muscular ipsilateral,
facilmente percebida quando comparado com o lado oposto. No segundo
ano, o déficit motor é mais nítido, quando a atividade dos membros superio-
res se torna mais rica e variada e a criança começa a utilizar os membros
inferiores para manter-se de pé, engatinhar e andar. Nesta época, fica mais
evidente o déficit motor desproporcional, com maior comprometimento do
membro superior. A face raramente é afetada3.
Este tipo de PC é frequentemente associado, também, a fatores de
risco pós-natais, como: traumatismo crânio encefálicos e acidentes vasculares
cerebrais localizados, ou infecções do sistema nervoso central. Nestes casos,
as alterações deficitárias são mais rapidamente percebidas, após o insulto, e
o quadro clínico mais evidente20.
Os movimentos associados estão presentes e persistem indefinida-
mente, e podem ser definidos como “contrações coordenadas e involuntárias
aparecendo em um grupo de músculos por ocasião de movimentos voluntá-
rios ou reflexos de outro grupo muscular”5.
Entre 21 a 40% dos casos de PC são do tipo espástica hemiparética.
Comprometimento cognitivo e distúrbios de aprendizagem podem alcançar
60% dos pacientes. É frequente a associação com epilepsia68,78, principal-
mente, com as crises epilépticas focais. Alterações no campo visual, como a
hemianopsia homônima, pode alcançar quase um terço dos indivíduos com
PC hemiplégica27,55,74.

5.2 Discinética
Existem divergências a respeito da denominação utilizada para definir
este grupo específico de paralisia cerebral. Nas referências bibliográficas
sobre o tema utilizam-se outros termos como sinônimos: atetóide,
coreoatetóide, distônico ou extrapiramidal. No entanto, neste livro optamos
por discinético, cuja terminologia da palavra refere-se a distúrbio cinético,
de movimento.
O diagnóstico de PC discinética é baseado na presença de movi-
mentos involuntários, que se sobrepõem aos atos motores voluntários, e
posturas anormais secundárias à incoordenação motora automática e al-
teração na regulação do tônus muscular, decorrente da ativação simultâ-
nea das musculaturas agonista e antagonista. Os movimentos involuntá-
rios predominantes são: coréia, atetose e distonia, sendo que os dois
primeiros podem ocorrer simultaneamente e são denominados de
coreoatetose55,76.

44
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

Os movimentos coréicos são espontâneos, abruptos, breves, rápi-


dos, não rítmicos, espasmódicos e não duradouros. A atetose é um movi-
mento irregular, mais lento, prolongado e amplo do que a coréia, com
alguma ritmicidade, natureza sinuosa ou serpentiforme e ocorre frequen-
temente associado à coréia. Enquanto que a distonia é empregada para
designar contrações musculares espontâneas, involuntárias e prolonga-
das que forçam as partes do corpo afetadas a movimentos ou posturas
anormais, bizarras76.
Na maioria das crianças com PC discinética, os movimentos involun-
tários são percebidos no final do primeiro ano de vida. Inicialmente apresen-
tam hipotonia, com aumento progressivo do tônus levando a hipertonia, mais
facilmente percebido em extremidades e ao realizar uma movimentação mais
suave, menos abrupta. Reflexos osteotendíneos normais ou hipoativos e re-
flexo cutâneo plantar em flexão estão presentes, e colaboram no diagnóstico
diferencial com a PC espástica.
A incidência desta forma de paralisia cerebral é de 8 a 15% dos ca-
sos 27,55. Os fatores perinatais têm papel importante na etiologia da PC
discinética, principalmente a encefalopatia bilirrubínica (kernicterus)77 e a
encefalopatia hipóxico-isquêmica grave (status marmoratum), ambas com
comprometimento importante dos núcleos da base. Este grupo de paralisia
cerebral pode ser dividido em duas formas, a depender do movimento invo-
luntário predominante: coreoatetósica (ou hipercinética) e distônica15,20.

5.2.1 Forma coreoatetósica (Hipercinética).


Esta forma é a mais frequentemente associada aos kernicterus, e
caracteriza-se por movimentos coréicos e atetósicos, que tendem a ocorrer
associados, desaparecem durante o sono e são exacerbados por fatores
emocionais. Os pacientes conseguem ter boa amplitude articular, mas não
graduam os atos motores. Quando realizam um ato motor voluntário, os
movimentos se apresentam descoordenados e com dificuldade para manter
a direção específica20.
Os movimentos involuntários apresentam distribuição simétrica e difusa
no corpo, acometendo membros, e principalmente a face, evidenciada pela
presença de caretas. Os movimentos coréicos predominam nas musculatu-
ras proximais, a atetose nas distais e face. Observa-se dificuldade na articu-
lação da fala, disartria, e variação na fluência e entonação3,55.
Nesta forma, as funções cognitivas são relativamente preservadas,
apesar da confirmação por testes neuropsicológicos, cujos resultados so-
frem interferência das alterações motora e da fala. É comum a associação
com surdez neurossensorial bilateral de origem central (lesão no núcleo do
nervo vestíbulo coclear no tronco encefálico) ou periférica (lesão no trajeto
do nervo vestíbulo coclear), quando a etiologia subjacente for a encefalopatia
bilirrubínica3,55.

5.2.2 Forma Distônica


Esta forma de PC discinética é menos frequente do que a
coreoatetósica e tem como principal etiopatogenia subjacente à encefalopatia
hipóxico isquêmica grave. O diagnóstico diferencial com as paralisias
espásticas é difícil. Nos primeiros 6 meses de vida, o bebê, geralmente é
hipotônico, e o quadro clínico só estará bem estabelecido por volta do se-
gundo ano de vida55,77.

45
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

A desordem motora predominante é caracterizada por súbito aumen-


to generalizado e anormal do tônus muscular, especialmente, dos extensores
do tronco, induzidos por estímulo emocional, mudanças de postura ou atos
motores voluntários. As crianças tendem a assumir posturas bizarras, com o
mesmo padrão estereotipado, devido à contração sustentada que envolve o
tronco e membros. A distonia tende a desaparecer com repouso. Em casos
graves, estas posturas causam dor e desconforto importante, além de defor-
midades ósseas, como escoliose20.
A depender da intensidade da encefalopatia hipóxico isquêmica po-
dem ocorres lesões, também, em áreas corticais e subcorticais, comprome-
tendo funções cognitivas e vias piramidais, ocorrendo em concomitância ao
quadro clínico de deficiência intelectual e espasticidade.

5.3 Atáxica
A PC atáxica é menos frequente do que as outras e, como o próprio
nome se refere, a característica clínica predominante é a ataxia, decorrente
de alterações cerebelares. O cerebelo, localizado na fossa posterior, está
envolvido nas funções de coordenação e equilíbrio, através das vias cere-
belares 76,79.
As principais etiologias ocorrem no período pré-natal e estão relacio-
nadas às malformações cerebelares, decorrentes de insultos isquêmicos na
circulação posterior do encéfalo, o sistema vértebro basilar. Ou de origem
genética, como ocorre na malformação de Dandy-Walker ou síndrome de
Joubert55,74,79.
Nos primeiro meses de vida, o lactente pode apresentar hipotonia,
evolui com atraso nas aquisições motoras, principalmente em relação à
mudança de decúbito. A ataxia percebida como instabilidade e movimentos
oscilatórios da cabeça e do tronco, será mais evidente quando a criança
começa a se sentar. A dismetria, tremor de intenção, dificuldade em alcan-
çar o objeto e a incoordenação motora são identificadas ainda no primeiro
ano de vida. A marcha independente é difícil de ser alcançada, ocorre ge-
ralmente por volta dos 4 anos e é caracterizada por alargamento da base
de sustentação, instabilidade e dificuldade em conseguir andar em linha
reta, a chamada marcha atáxica. Quedas frequentes são comuns neste
grupo. A fala escandida, típica, é explosiva, depois lenta, fragmentada e
disártrica3,55,76,79.
Ao exame clínico, além das alterações cerebelares características,
observam-se hipotonia, reflexos miotáticos diminuídos ou pendulares e força
muscular adequada. A escrita e a motricidade fina são muito prejudicadas.
Nistagmo, movimentos rápidos, rítmicos, repetitivos dos olhos, percebido
principalmente na fixação ocular, pode ser sinal bem sugestivo de PC atáxica.
A forma atáxica corresponde a 4-13% dos casos de PC. Alterações
cognitivas e comportamentais podem estar presentes, mas são mais leves.
Algumas crianças cursam com crises epilépticas27,55.

5.4 Hipotônica
Esta forma é rara, correspondendo a 1% dos casos de PC, e alguns
pesquisadores não a reconhecem. A característica marcante é a persistência
da hipotonia ao longo do tempo, o que promove um atraso importante no
desenvolvimento motor, dificultando a manutenção da postura e, raramente,
a criança consegue deambular55.

46
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

O diagnóstico diferencial com as doenças neuromusculares, que cur-


sam também com hipotonia é importante. As pistas que nos ajudam a sus-
peitar da origem central são os reflexos miotáticos, que nos casos de PC
hipotônico, geralmente, estão diminuídos, e a associação com alterações
corticais como deficiência intelectual e crises epilépticas. Mas, nem sempre é
fácil esta diferenciação. Exames complementares como eletroneuromiografia,
dosagens de enzimas musculares e a biópsia do músculo ou nervo contri-
buem e, às vezes, são imprescindíveis para o diagnóstico das causas
neuromusculares.
Nesta forma de PC, a fisiopatologia não é bem conhecida, os exames
de neuroimagem13,40,57,58,59 do encéfalo muitas vezes são normais e a etiologia
difícil de ser estabelecida. Acredita-se que a encefalopatia hipóxico isquêmica
tenha um papel importante55.

5.5 Mista
Forma pouco frequente, responsável por 10 a 15% dos casos de PC,
mas também, não é reconhecida por alguns autores. É caracterizada por
manifestações clínicas sugestivas de duas ou mais das outras formas de
apresentação de PC, embora a semiologia seja complicada pela superposição
das manifestações que se confundem. As combinações mais frequentes são:
atetose com tetraparesia ou ataxia ou hipotonia, e tetraparesia com distonia3,55.

Paralisia Cerebral (parte II)

1 Diagnóstico:
O diagnóstico de paralisia cerebral baseia-se numa história clínica
bem minuciosa da gestação, do período perinatal e dos primeiros anos de
vida, questionando sobre os possíveis fatores de risco nos três períodos;
detalhamento do desenvolvimento neuropsicomotor; história familiar,
consanguinidade entre os genitores e casos semelhantes ou com o mesmo
diagnóstico na família; e um exame neurológico cuidadoso da criança.
Quando suspeitamos de um caso de PC, devemos ter em mente duas
características imprescindíveis para o diagnóstico: comprometimento motor
e a não progressão das manifestações clínicas que causaram a alteração
encefálica. História de doença neurológica neonatal grave ou presença de
múltiplos fatores de risco e déficits motores importantes ou distúrbios de
movimentos, não progressivos, são mais facilmente reconhecidos. No entanto,
quadros clínicos mais localizados e fraqueza discreta podem confundir o
diagnóstico, atrasando o diagnóstico e tratamento adequado.
Nos primeiros seis meses de vida, as manifestações clínicas, exceto
nos casos graves, são leves e dificultam o diagnóstico de PC. No entanto,
algumas características são muito sugestivas e devem ser observadas com
atenção (tabela 5). Lactentes com sinais de alerta devem ser acompanhados
regularmente, com intervalos menores, visando o diagnóstico e tratamento
precoces28, 55.

47
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

Tabela 5: Sinais de alerta precoces sugestivos de comprometimento motor*

Movimentação espontânea diminuída

Assimetria dos movimentos

Hipotonia axial importante

Extensão acentuada e persistente dos membros

Polegar em flexão e adução mantidos

Persistências dos reflexos tônicos primitivos

Tremores ou clônus em extremidades, espontâneos ou desencadeados por estímulos


táteis

Irritabilidade e choro difíceis de ser controlados

* Estes sinais devem ser considerados na ausência de outras doenças sistêmicas ou


debilitantes, como sepse, por exemplo.

O diagnóstico de PC é neuroclínico, mas os exames de neuroimagem


são importantes na identificação das lesões e para excluir outras doenças
semelhantes, que cursam com alterações motoras. No entanto, estes exa-
mes mostram anormalidades em 70 a 90% das crianças com PC. Resultados
normais não afastam o diagnóstico. A ultrassonografia (USG) transfontanela
é o exame mais inócuo, facilmente realizado, sem necessidade de sedação e
podendo ser feito em UTI neonatal, portanto é útil na avaliação inicial e para
acompanhamento na evolução de recém-nascidos graves. A tomografia com-
putadorizada (TC) de crânio e a ressonância magnética (RM) do encéfalo,
apesar de permitirem uma melhor visualização das estruturas intracranianas,
principalmente a RM, são realizadas posteriormente, numa fase
hemodinamicamente mais estável do neonato, exceto em casos que a USG
sugira emergência neurocirúrgica, tornando-se imprescindível uma melhor
avaliação do caso13,40,57,70.

1.1 Correlação anátomo clínica


Os adventos da neuroimagem foram importantes na identificação de
algumas etiologias, como as malformações estruturais. Mais recentemente,
algumas técnicas aprimoradas, como sequências de tensor de difusão, trans-
ferência de magnetização, angioressonância e espectroscopia, entre outras,
têm contribuído não só na identificação das lesões, como na compreensão da
fisiopatologia57,70.
A seguir, faremos uma breve abordagem das lesões mais sugestivas e
melhor estudadas relacionadas à paralisia cerebral, considerando a
encefalopatia hipóxico isquêmica e a prematuridade como fatores de risco.

- Leucomalácia periventricular:
A lesão mais estudada, frequente entre os recém-nascidos pré-ter-
mos, consiste em necrose neuronal da substância branca adjacente aos
ventrículos laterais. Nos prematuros existem vários fatores de risco
fisiopatológicos envolvidos, como: imaturidade na auto-regulação e aumen-
to da fragilidade capilar dos vasos sanguíneos da matriz germinativa; maior

48
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

risco de hemorragia do plexo coróide; áreas limítrofes de suprimento san-


guíneo no cérebro imaturo; e maior vulnerabilidade da substância branca
própria da baixa idade gestacional. A lesão tende a ser simétrica e os prema-
turos tendem a evoluir com PC diparética. Nos casos a termo, a leucomalácia
periventricular decorre de um insulto isquêmico grave e lesão mais extensa,
os pacientes evoluem para uma PC tetraparética, com comprometimento
principalmente nos membros inferiores55,56,57,70.

- Lesão parassagital:
O local mais comum de insulto no neonato a termo é o córtex cere-
bral. Este tipo de lesão ocorre nas faces súpero-laterais irrigadas por ramos
terminais das três principais artérias cerebrais, zonas limítrofes. Tende a ser
bilateral e pode comprometer as camadas corticais e subcortical adjacente,
principalmente, nas regiões parieto occipitais. Os infartos nestas áreas são
decorrentes de estase venosa ou arterial, trombose ou infarto hemorrágico
decorrente, secundário à reperfusão pós-isquemia. Pacientes com este tipo
de lesão desenvolvem PC quadriparética espástica55,56,57,70.

- Lesão nos núcleos da base:


A vulnerabilidade lesional da substância branca diminui com o au-
mento da idade gestacional. Os núcleos da base são as estruturas mais sus-
ceptíveis a lesão nos recém-nascidos a termo e vulneráveis a encefalopatia
hipóxico isquêmica (EHI) e kernicterus. A EHI atinge, principalmente, o putâme
e os núcleos talâmicos, ocasionando perda neuronal, gliose e hipermielinização,
conferindo um aspecto marmóreo às regiões afetadas, denominado “status
marmoratus”. Nestes casos, as crianças cursam com PC distônica. Enquanto
que, os pacientes com kernicterus têm comprometimento dos globos pálidos
e núcleos subtalâmicos e apresentam coréia, atetose e/ou distonia como
sinais clínicos55,56,57.

- Necrose neuronal seletiva:


Lesão frequente ocorre tanto em recém-nascido a termo, como em
prematuros. A fisiopatologia não está bem estabelecida, mas acredita-se
que fatores vasculares e metabólicos estejam envolvidos. As áreas mais aco-
metidas são as zonas limites das artérias terminais, principalmente ramos da
artéria cerebral média, podendo comprometer o córtex, substância branca
subcortical, núcleos da base e núcleos de nervos cranianos no tronco
encefálico. As manifestações clínicas estão relacionadas às estruturas envol-
vidas. São frequentes as Paralisias Cerebrais tetraparéticas ou mistas e
espástica-discinética55,56.

- Encefalomalácia multicística:
Consiste de lesões isquêmicas focais múltiplas secundárias a infartos
cerebrais em áreas irrigadas pelas principais artérias cerebrais. São decor-
rentes de distúrbios vasculares, tromboembolismo, hipotensão materna, as-
fixia perinatal e cardiopatias congênitas. Podem ser uni ou bilaterais, envol-
vendo a região cortical e subcortical adjacente, levando a PC espástica
hemiparética ou quadriparética55,56.

49
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

1.2 Comorbidades
Os insultos responsáveis pelas paralisias podem comprometer outras
áreas, além das responsáveis pelas funções motoras, ocorrendo frequente-
mente outras morbidades associadas, principalmente, deficiência intelectual
e epilepsia. A identificação precoce e o tratamento adequado das comorbi-
dades ajudam e orientam a conduta na reabilitação e, portanto, é um passo
importante para um melhor prognóstico para estas crianças.

- Alterações cognitivas:
Uma grande proporção de crianças com PC cursam com algum tipo de
comprometimento cognitivo. A deficiência intelectual (QI < 70) está presente
entre 23 a 44% dos casos de PC, mais frequente e grave entre os tetraparéticos,
e pouco observada entre os diparéticos e hemiparéticos. Os fatores associa-
dos à gravidade são: presença de epilepsia e anormalidades corticais na
neuroimagem. Alterações comportamentais (25%) e transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade são características em crianças com PC27,28,80.

- Epilepsia:
A epilepsia ocorre em quase 40% dos casos de PC, destes, 70% tem
início das crises no primeiro ano de vida. É mais frequente entre os
hemiparéticos e quadriparéticos, sendo que entre os primeiros há predomí-
nio de crises focais (83%)27,28,80.

- Anormalidades oftalmológicas:
Estão presentes em 62% das crianças com PC, principalmente entre
os prematuros. Os recém-nascidos abaixo de 32 semanas de idade gestacio-
nal têm o maior risco de desenvolverem retinopatia da prematuridade, ce-
gueira cortical (lesão do córtex occipital) e estrabismo, este levando a perda
da visão monocular permanente (ambliopia). Além destas alterações, podem
cursar com miopia e glaucoma27,28.

- Deficiência auditiva:
A surdez atinge aproximadamente 25% dos casos de PC, é mais fre-
quente entre os PC discinéticos. Os fatores de risco associados são: rubéola
congênita, kernicterus e meningoencefalite pós-natal. É mandatório triagem
auditiva com audiometria comportamental, potencial evocado auditivo de
tronco cerebral (BERA) ou emissões otoacústicas evocadas em todos os neo-
natos após a alta hospitalar27,28,80.

- Distúrbios alimentares e do crescimento:


Os lactentes com comprometimento motor importante, principal-
mente PC tetraparético e discinético, cursam com dificuldades alimen-
tares no primeiro ano de vida. Estas dificuldades persistem nos casos
mais graves, complicando com desnutrição, dificuldade em ganhar peso
e risco elevado para infecções respiratórias recorrentes das
broncoaspirações, sendo necessário o uso de sonda nasogástrica tem-
porária ou gastrostomia. Alguns pacientes apresentam a síndrome de
Sandifer, caracterizada por episódios de postura de lateralização e hi-
perextensão da cabeça por causa do refluxo gastroesofágico, mas facil-
mente confundido com crise epiléptica. A obesidade ou sobrepeso pode
ocorrer após a gastrostomia 27,28.

50
Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica

- Disfunções urogenitais e intestinais:


A incontinência urinária primária está presente em aproximadamente
23% dos casos de PC, associado principalmente com maior comprometimen-
to motor e intelectual. A obstipação também é frequente neste grupo, deve-
se a menor ingesta de água e maior restrição física27,28.

- Distúrbios do sono:
Os distúrbios relacionados ao ciclo sono e vigília, caracterizados por
sono fragmentado e despertares noturnos são frequentes, principalmente
entre os pacientes com deficiência visual, ocorrendo em 50% dos casos. A
droga de escolha para o tratamento é a melatonina em doses baixas, com
eficácia em torno de 80%, porém não é comercializada no nosso país28.

1.3 Diagnóstico diferencial


O principal diagnóstico diferencial da paralisia cerebral é com as
encefalopatias crônicas progressivas decorrentes de erros inatos do metabo-
lismo (EIM) ou doenças neurodegenerativas, principalmente, as que cursam
com início precoce e piora lentamente progressiva, sugerindo atraso do de-
senvolvimento neuromotor e lesão estável. Um exemplo seria a acidúria
glutárica tipo 1, com manifestações no primeiro ano de vida e cujo quadro
clínico assemelha-se a PC discinética28,81.
Jan (2010)28 comentou sobre outra doença rara, que pode erronea-
mente ser diagnosticada como PC, a doença de Segawa, uma distonia que
melhora com o uso da dopamina. Esta doença pode surgir nos primeiros
anos de vida, com início da distonia, geralmente, nos membros inferiores e
flutuação diurna, e piora do quadro no final do dia. Ele refere que em uma
série de casos, mais de 24% dos pacientes com distonia dopa-responsiva
tinham sido diagnosticados inicialmente como PC discinético.
Os erros inatos do metabolismo constituem um grupo extenso de doen-
ças geneticamente determinadas, decorrentes de alterações gênicas herda-
das e contidas no DNA. O padrão de herança, geralmente, é autossômico
recessivo. Isoladamente tais doenças são raras, mas a utilização de teste de
triagem neonatal mais amplo, com espectroscopia de massa e perfil de
acilcarnitina, encontrou uma incidência de quase 16 casos de erros inatos do
metabolismo entre 100.000 nascidos vivos81,82.
A alteração gênica presente no EIM promove a falta ou redução da
atividade de determinada enzima ou cofator (vitamina), necessário em um
dos processos metabólicos realizados no corpo humano. Esta deficiência acar-
reta o bloqueio de uma das diferentes vias metabólicas, interferindo com a
homeostase de determinadas células. Este bloqueio pode ocasionar o acú-
mulo de substrato tóxico, produção insuficiente ou não produção de compo-
nente essencial à vida celular ou o desvio da reação química com a formação
de um produto intermediário deletérico ao organismo.
Algumas características clínicas que podem corroborar com a hipó-
tese diagnóstica de erro inato do metabolismo, além da regressão
neuropsicomotora, são: história familiar de consanguinidade entre os pais
ou caso clínico semelhante na família; dismorfismos faciais; perda auditi-
va e/ou visual; envolvimento de outras estruturas, como músculo e ner-
vos periféricos; comprometimento de outros órgãos extra sistema nervo-
so, como fígado, rins e coração; ocorrências de episódios de piora clínica
sugestiva de intoxicação alimentar (nos casos das aminoacidopatias); e,

51
PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica Capítulo 1

alterações laboratoriais, como hipoglicemia, acidose metabólica,


hiperlactorraquia81,82.
A suspeita clínica do EIM, diferenciando da PC, é importante tendo em
vista que em alguns casos bastam os tratamentos dietéticos ou de reposição
de enzima, visando uma parada ou desaceleração na progressão das mani-
festações clínicas.
Vale ressaltar, que alguns componentes essenciais à vida e ao desen-
volvimento neuropsicomotor adequado são obtidos apenas pela dieta. E atual-
mente, a preocupação excessiva com o corpo pode restringir ingesta de
alguns destes alimentos essenciais, como nos casos da deficiência materna
de vitamina B12, por problemas de absorção devido à atrofia gástrica (como
nos casos de cirurgias bariátricas) ou decorrente de dieta vegetariana estri-
ta. Nos lactentes, filhos de mães com deficiência de vitamina B12 e que
estão com aleitamento materno exclusivo tendem a evoluir com parada e
regressão do desenvolvimento neuropsicomotor nos primeiros meses de vida,
associado à irritabilidade e atrofia cerebral. Com a reposição precoce e em
doses altas da vitamina B12, estas crianças têm um bom prognóstico81,82.
Outro grupo de doenças genéticas que podem ser erroneamente diag-
nosticadas como PC são as paraparesias espásticas familiares. Atualmente,
já foram descritas mais de 30 formas diferentes e, são caracterizadas por
quadro clínico de paraparesia espástica em membros inferiores associadas
(formas complexas) ou não (formas simples) a outras alterações do sistema
nervoso como ataxia, neuropatia periférica ou demência. Estas entidades
nosológicas hereditárias apresentam padrões de transmissão autossômica
ou ligada ao X, dominante ou recessiva, e o início das manifestações clínicas
ocorre desde a infância até adultos numa fase mais tardia. O tempo de pro-
gressão da doença, também, é amplamente variável. As formas puras, de
início precoce e progressão lenta são mais facilmente confundidas com o
diagnóstico de PC, porém a história familiar positiva pode ser um diferencial
importante83.

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81. Fernandes J, Saudubray JM, Van den Berghe G. Inborn Metabolic
Diseases: diagnosis and treatment. Third edition. Ed. Springer, 2000.
82. Lyon G, Kolodny EH, Pastores GM. Neurology of Hereditary Metabolic
Diseases of Children. Third edition. Ed. McGraw-Hill, 2006.
83. Fink JK. Hereditary Spastic Paraplegia overview. OMIM: Genetest Rewies,
2009 (on line: September 20, 2010).

56
CAPÍTULO 2

PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS


NA PARALISIA CEREBRAL

Adriana Fanelli, Denise Cardoso Ribeiro

INTRODUÇÃO
Indivíduos com Paralisia Cerebral (PC) têm maior taxa de mortalidade
que a população geral, sendo que as causas mais comuns de morte são por
complicações respiratórias, e com menor expectativa de vida, especialmente
quando acompanhada de distúrbios graves, como a tetraplegia espástica 1-3.
Reddihough et al, 2001,3 publicou sua pesquisa sobre a causa de óbi-
tos em 155 crianças com PC entre 1970 e 1995 em Victoria, Austrália. A
maioria das crianças que morreram, apresentavam diagnóstico motor de
tetraplegia espástica, deficiência mental e epilepsia. As infecções foram con-
sideradas causa de morte em quase metade das crianças, sendo pneumonia
(incluindo as aspirativas) em 61 casos (39,4%) e sepse em 7 crianças (4,5%).
Além de ser a maior causa de mortalidade, as complicações respirató-
rias também são consideradas fatores importantes de morbidade em indiví-
duos com PC. Em 2005, Baikie e cols.4 estudaram 63 crianças com tetraplegia
espástica; as manifestações respiratórias são as mais comuns nestes pacien-
tes. A tosse ou chiado diário foram encontrados em 58% da população estu-
dada, tosse associada à alimentação (em pelo menos 1 dia por semana) em
84%, “asma” (episódios nos últimos 6 meses) em 34%. O ronco estava pre-
sente em 44% das crianças sendo que, em 10% delas os episódios de apnéia
foram documentadas. Sinais de desconforto respiratório estavam presentes
em 24%, com estertores em 19% e sibilância em 17% das crianças, enquanto
a presença de tosse, durante ingesta de leite, ocorreu em 44% delas.
Marçal em 20065, estudou o perfil sociodemográfico, hematológico e
imunológico de crianças com PC com tetraplegia espástica, buscando identi-
ficar os prováveis fatores de risco para infecções respiratórias. Participaram
da pesquisa 30 crianças, de 2 a 12 anos de idade, de ambos os gêneros, com
ou sem relato de pneumonia. Os pacientes foram divididos em dois grupos,

57
Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral Capítulo 2

20 pacientes com história de pneumonia e 10 pacientes sem história de


pneumonia. Os fatores clínicos mais encontrados foram; microcefalia,
hidrocefalia, refluxo gastroesofágico, crise convulsiva e déficit cognitivo, porém
não obtiveram relevância estatística como fatores de risco para infecções
respiratórias. Nas avaliações hematológicas e imunológicas, foram observa-
dos níveis menores de imunoglobulinas (IgM, IgA e IgG), índice fagocitário
de neutrófilos e maior reatividade da proteína C-reativa nos pacientes com
relato de pneumonia, porém sem significância estatística. Os índices
hematimétricos, plaquetários e os valores relativos e absolutos de leucócitos
encontravam-se dentro dos parâmetros de normalidade para todos os pa-
cientes. O estudo mostra que as infecções respiratórias são as principais
causas de internação dos pacientes com PC que apresentam maior grau de
comprometimento motor. Os resultados mostraram que as condições que
propiciam as infecções respiratórias em crianças com PC tetraparética
espástica são multifatoriais, o que torna difícil delimitar fatores de risco iso-
ladamente.
Em 2005 Borges et.al.6 estudaram a prevalência de distúrbios respi-
ratórios em 57 crianças portadoras de PC, atendidas na Clínica escola de
fisioterapia da Universidade Católica de Brasília, sendo que, 50 delas apre-
sentaram em algum momento de suas vidas, problemas respiratórios. Em
concordância com outros estudos, os tetraplégicos são os mais comprometi-
dos do ponto de vista respiratório. Dentro das patologias de vias aéreas
superiores (VAS) ou inferiores (VAI), a bronquite acomete 76,6% das crian-
ças. Conclui-se, portanto, que as crianças portadoras de PC são grandes
vítimas de doenças respiratórias oportunistas, como pneumonias de repeti-
ção, gripes e crises de bronquite. O refluxo gastroesofágico (RGE) é um
distúrbio freqüente (47,36%) e deveras incapacitante, visto causar comu-
mente pneumonias aspirativas. O tamanho do prejuízo que as doenças do
trato respiratório geram nas crianças portadoras de PC, embora imensurável,
é preocupante.
Além dos fatores respiratórios, os problemas com o sono são bastan-
te freqüentes em crianças com PC quando comparadas as crianças saudá-
veis. A disfunção no sono pode desencadear o aumento do despertar notur-
no e, conseqüentemente, causar um enorme impacto na interação
cognitivo-motora e ainda afetar negativamente a qualidade de vida, além de
interferir nos padrões normais de sono de pais e irmãos. Na verdade, proble-
mas do sono em crianças com PC ainda são considerados subnotificados,
subreconhecidos e subtratados7.

2. DISTÚRBIOS DO SONO

Os portadores de PC podem apresentar uma vulnerabilidade a distúr-


bios do sono por várias razões:
• Obstrução das vias aéreas: obstrução glótica, hipotonia dos mús-
culos da faringe, alargamento da adenóide e amídala;
• Grave deficiência visual: alteração do esquema noite-dia;
• Disfunção do tronco encefálico: controle cardíaco e respiratório
podem ser alterados, bem como o nível de alerta;
• Limitações posturais e desconforto: espasmos musculares resul-
tantes de luxação de quadril, escoliose e rigidez articular associado
à incapacidade de alterar a postura em resposta ao desconforto;

58
Capítulo 2 Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral

• Epilepsia: tratamento com anticonvulsivantes podem causar ex-


cesso de sonolência como efeito colateral e interromper o desper-
tar natural do sono;
• Aspiração pulmonar: micro-aspiração e tosse excessiva.

Além destes fatores, a apnéia obstrutiva do sono (AOS) é um proble-


ma subestimado nas crianças com PC e seu diagnóstico está geralmente
ligado a longas histórias de ronco.
A inter-relação entre obstrução das vias aéreas superiores em vigília
e AOS não é clara. Para as crianças com estridor e sintomas obstrutivos,
quando acordado, mas não em repouso, a sintomatologia tem sido atribuída
à distonia laríngea, comumente relatada em um pequeno grupo de crianças
com PC distônicas ou com severa laringomalácia8,9.
A laringomalácia é observada em crianças mais velhas com PC, refle-
tindo na redução das estruturas supraglóticas, pois, na inspiração profunda
ocorre colapso das vias aéreas, reduzindo o seu calibre e comprometendo o
fluxo de ar, resultando no estridor laríngeo. Além disso, a presença
concomitante de paralisia pseudobulbar também pode aumentar a predispo-
sição ao estridor8,9.

3. PROCESSOS ASPIRATIVOS

O trato respiratório e o aparelho digestório possuem vias em comum,


portanto a aspiração pulmonar pode ocorrer e se caracteriza pela entrada
acidental de material do conteúdo gástrico/oral para o interior da via respira-
tória superior e/ou inferior. Vários mecanismos de proteção existem, nor-
malmente, para prevenir esta ocorrência10 (Tabela 1).

Tabela 1: Mecanismos de proteção das vias aéreas

Mecanismos que previnem a contaminação das vias aéreas superiores


(VAS)

• Tosse em resposta a estimulação da laringe ou faringe


• Coordenação entre fechamento laríngeo e deglutição
• Coordenação entre respiração e deglutição

Mecanismos que previnem a contaminação das vias aéreas inferiores


(VAI)

• tosse e clearance mucociliar

Algumas condições patológicas podem impedir ou alterar estes meca-


nismos, evoluindo para quadros de infecção de vias aéreas recorrentes, con-
forme será discorrido a seguir.
As infecções respiratórias resultantes de aspiração são freqüentes em
crianças com problemas neurológicos ou musculares, relacionadas também
com as disfunções de deglutição observadas nesses pacientes. Esses qua-
dros são menos freqüentes em crianças com desenvolvimento neuropsico-
motor normal, com preservação dos mecanismos de defesa da via aérea

59
Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral Capítulo 2

durante o processo de deglutição. Entretanto, uma morbidade adicional é


observada em crianças com PC de nível IV e V do GMFCS (Gross Motor
Function Measure), em especial, as crianças subnutridas, acamadas,
traqueostomizadas e/ou com alimentação enteral11,12.
As crianças com problemas neurológicos severos são consideradas
grupo de risco por apresentarem inúmeras causas para complicações respi-
ratórias, o que torna difícil conduzir estudos randomizados com fatores iso-
lados. As conseqüências de repetidas infecções de vias aéreas inferiores nas
crianças com PC são sérias e expõem ao risco de doenças crônicas, com
alteração permanente e irreversív el no parênquima pulmonar
(bronquiectasias) e tem impacto negativo na qualidade de vida e no prog-
nóstico da criança com neuropatia13.

4. TOSSE

O ato de tossir está sob controle voluntário e involuntário, sendo con-


siderado um dos mais importantes mecanismos de proteção das vias aéreas
inferiores. Os principais benefícios da tosse são: eliminação das secreções
das vias aéreas pelo aumento da pressão positiva pleural (que determina
compressão das vias aéreas de pequeno calibre através da produção de alta
velocidade do fluxo de ar no interior destas vias); proteção contra aspiração
de alimentos, secreções e corpos estranhos10,14.
O reflexo de tosse envolve 5 grupos de componentes: receptores de
tosse, nervos aferentes, centro de tosse, nervos eferentes e músculos efetores.
O arco reflexo é iniciado pelo estimulo irritativo em receptores distribuídos
na VAS (cavidade nasal, faringe, laringe) arvore respiratória (brônquios) e
em localização extratorácica (estomago, pericárdio, diafragma) e posterior-
mente enviado a medula, através do nervo vago.
Nas crianças com encefalopatia, os mecanismos de suspensão ou dimi-
nuição da efetividade da tosse são descritos como relevante fator causal de
complicações pulmonares. A presença de anormalidades no arco reflexo pode
tornar os receptores pouco efetivos, principalmente após estimulação repetitiva,
o que pode ser observado nestas crianças. Segundo o Manual de Diretrizes
Brasileira no Manejo da Tosse, 200610, as crianças com atraso no desenvolvi-
mento neuropsicomotor grave que apresentam aspiração de líquido podem
apresentar pouca tosse depois de um tempo prolongado de aspiração,
concomitante, o uso de medicações sedativas e as disfunções neuromusculares,
acabam por provocar menor capacidade de mobilizar um fluxo de ar adequado
para a tosse na fase inspiratória e alteração da musculatura expiratória, o qual
é responsável pela velocidade do fluxo aéreo produzido durante a fase
expiratória, fator este determinante para eficácia da tosse. O resultado é uma
redução da velocidade de fluxo e pressão necessários para que se torne um
real mecanismo de defesa das vias aéreas, ou seja, é comum a presença de
tosse ineficaz e facilidade para retenção de secreções nesta população10,15.

5. REFLUXO GASTROESOFÁGICO

Em crianças com PC, o refluxo gastroesofágico (RGE) é um diag-


nóstico comum e numerosos estudos clínicos enfatizam a associação da

60
Capítulo 2 Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral

doença do RGE a uma variedade de sinais, sintomas e doenças do apare-


lho respiratório11,16.
O termo RGE é utilizado para descrever o transito retrógrado do con-
teúdo gástrico e duodenal para o esôfago e, algumas vezes, para hipofaringe
e cavidade oral, caracterizando o vômito ou regurgitação. Este conteúdo tem
pH acido (pela presença de acido clorídrico, acido biliares, pepsina, entre
outras substâncias), o torna irritante para os tecidos que não estão adapta-
dos à sua presença17.
Segundo Behrman (2002)18, muitos bebês apresentam graus leves ou
moderados de refluxo, porém a incidência é maior em crianças com PC,
Síndrome de Down e outras causas de atraso de desenvolvimento.
Em crianças, o RGE pode ser classificado como fisiológico ou patológi-
co. No fisiológico, as regurgitações se iniciam precocemente com resolução
espontânea. Nesses casos, o desenvolvimento pondero estatural da criança
é normal e não há outros sinais ou sintomas associados. A melhora espontâ-
nea deste tipo de RGE se deve a introdução de dietas sólidas e manutenção
da postura vertical, dada pela evolução do desenvolvimento neuropsicomo-
tor na criança sem neuropatia19.
No RGE patológico ou doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), as
crianças apresentam complicações clínicas (esofágicas e respiratórias), que
serão descritas posteriormente. Muitos estudos apontam elevados riscos de
doenças pulmonares entre crianças com diagnóstico de DRGE. Segundo Borges
et al, 2005 6, a ocorrência de RGE é maior no grupo dos quadriplégicos e
menor no grupo dos diparéticos. A fisiopatologia da DRGE em crianças com
PC é complexa, pois existem fatores ambientais, anatômicos e neurogênicos
envolvidos. Em linhas gerais, pode se dizer que o RGE ocorre por falha nos
mecanismos e nas estruturas que atuam como barreira anti-refluxo, são
elas: Esfíncter esofágico superior (EES), esfíncter esofágico inferior (EEI),
ângulo de Hiss e diafragma.

5.1 Estruturas que formam barreira antirrefluxo x PC

A relação entre esôfago, estômago e vias aéreas se inicia na vida


embrionária, uma vez que esses órgãos têm origem de um único tubo, o
sulco laringotraqueal e compartilham um lúmem em comum – a faringe, e a
inervação pelo nervo vago.
O esôfago é um órgão tubular que realiza o transporte do bolo ali-
mentar da faringe até estômago, situado anatomicamente em região poste-
rior em contato íntimo com a traquéia. É limitado, superiormente, pelo esfíncter
esofágico superior (EES) que separa a faringe do esôfago, tendo o músculo
cricofaríngeo como principal componente. Sua função é prevenir a aerofagia
(deglutição do ar) e impedir que substâncias gástricas alcancem os pulmões
através da traquéia19.
Na porção inferior do esôfago, ou seja, na junção gastro-esofágica,
situa-se o esfíncter esofágico inferior (EEI). Esta estrutura é circular e com-
posta de músculo liso, a qual está adaptada para gerar zona de alta pressão
em virtude da contração tônica desta musculatura (15 – 40 mmHg). O EEI é
um dos principais responsáveis pelo RGE, visto que a pressão que este exerce
é um importante elemento da barreira antirrefluxo. O refluxo do conteúdo
gástrico para a luz do esôfago acontece basicamente por 3 mecanismos: rela-

61
Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral Capítulo 2

xamentos transitórios do EEI, incompetência ou baixa pressão do EEI ou alte-


rações anatômicas da junção gastroesofágica. Nas crianças com PC, admite-
se que a alteração de tônus muscular seja fator predisponente para ineficiên-
cia da estrutura. Nos casos de hipotonia, há perda pressórica no EEI, em
contrapartida, nas crianças que apresentam hipertonia, há associação com
aumento de pressão abdominal. Ambas as situações predispõem o RGE17.
Behrman (2002)18 reitera que o refluxo pode ser ocasionado por pres-
são intra-abdominal elevada produzida pelo choro, tosse, movimentos da
coxa (especialmente a flexão) e evacuação. Contudo, para que estas situa-
ções resultem em RGE patológico, é necessária, na maioria das vezes, a
associação com hipotonia do EEI (cronicamente relaxado ou reduções es-
pontâneas e freqüentes do tônus do esfíncter). Acredita-se que as alterações
relacionadas ao sistema nervoso central e no reflexo entérico podem estar
envolvidas nos relaxamentos inapropriados do EEI. Nas crianças com PC,
deve-se considerar ainda, o uso frequente de fármacos que podem alterar a
efetividade do EEI, reduzindo sua pressão, como o uso de diazepan, relaxantes
musculares, prostraglandina, isoproterenol, metilxantinas, beta 2 agonistas,
anticolinérgicos, entre outros.
O hiato diafragmático é formado por fibras crurais do diafragma, por
onde o esôfago penetra no abdome. Durante a inspiração, o hiato diafragmático
se contrai e aumenta a pressão na junção gastroesofágica, ou seja, a contra-
ção do músculo diafragma durante a inspiração se soma ao tônus do EEI,
atuando como mais uma barreira antirrefluxo. Na PC, especialmente nos
casos grau IV e V do GMFCS, são frequentes as alterações de caixa torácica,
sobretudo escoliose, que por sua vez alteram os ângulos de inserção do
diafragma com perda deste mecanismo supracitado11,12,19.
O ângulo de His é a curva formada entre o esôfago abdominal e o
fundo gástrico. Em condições normais, este ângulo é agudo e favorece a
contenção do conteúdo gástrico pela pressão exercida no esôfago abdomi-
nal. Nos casos patológicos, há relatos de ângulos de His obtusos, que por
sua vez, favorecem RGE19.
As crianças com PC impossibilitadas de manter ingestão oral (disfágicos
ou subnutridos graves) que utilizam sonda nasogástrica ou gastrostomia para
nutrição, apresentam fator de risco adicional para o desenvolvimento de
RGE. Admite-se que estas medidas alteram o ângulo de Hiss e reduzem a
pressão do EEI12.
Estes fatores associados contribuem, em especial, aos quadriplégicos
apresentarem a DRGE e complicações respiratórias.

5.2 Quadro clínico

A DRGE pode apresentar sintomatologia vasta, dependendo da idade


de inicio dos sintomas, adesão e resposta ao tratamento. Vômitos e
regurgitações são frequentes e estão presentes na maioria das crianças,
principalmente associadas ao decúbito horizontal no período pós prandial.
Entretanto, deve-se considerar que, a ausência destes sinais, caracteriza o
RGE oculto ou silencioso. Nestes casos, as alterações respiratórias e proble-
mas no ganho pondero-estatural predominam.
As manifestações podem ser classificadas como esofágicas, respira-
tórias e otorrinolaringológicas como descrito na tabela 2:

62
Capítulo 2 Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral

Tabela 2: Complicações da doença do refluxo gastroesofágico


COMPLICAÇÕES QUADRO CLÍNICO

ESOFÁGICAS Esofagite (inflamação da mucosa esofágica, pela


exposição e agressão ácida do material refluído)
Pouca aceitação alimentar (ganho insuficiente de
peso)
Disfagia
Entre outras

RESPIRATÓRIAS Infecções respiratórias de repetição (pneumonias


aspirativas)
Broncoespasmo (sibilância, frequentemente, si-
mula quadro de asma).
Tosse crônica

OTORRINOLARINGOLÓGICAS Sinusite e Laringite de repetição


Otite média aguda de repetição

O RGE é considerado uma das principais causas de doença respirató-


ria crônica, juntamente com a disfagia, em crianças com PC. Os mecanismos
que contribuem para o comprometimento pulmonar são: aspiração do con-
teúdo gástrico e/ou saliva para as vias aéreas superiores e inferiores, cau-
sando pneumonias aspirativas (mais freqüente em crianças com alteração
de deglutição) e a própria acidificação da mucosa esofágica durante o RGE,
estimulam a via neural aferente, mediado pelo nervo vago, desencadeando
broncoespasmo e/ou tosse reflexa crônica, como mecanismo de proteção,
na tentativa de impedir a penetração traqueal20. Desta forma, o impacto do
RGE no sistema respiratório pode ocorrer de forma direta (aspiração) ou
indireta (reflexo vagal e aumento da hiperresponsividade brônquica)21.
Nas crianças acamadas, os locais mais habituais das pneumonias
aspirativas são os segmentos posteriores dos lobos superiores e os segmen-
tos superiores dos lobos inferiores. Em casos graves, a pneumonia pode
evoluir para formação de abscessos pulmonares, raramente observados em
crianças sem comprometimento neurológico22.
Além das manifestações citadas na tabela 1, as crianças com RGE
patológico podem apresentar ruminações, náuseas, deglutições repetidas,
salivação excessiva, estridor, rouquidão, tosse noturna, choro intenso,
anorexia, soluço, apnéia, irritabilidade e distúrbio do sono22.

5.3. Tratamento DRGE

O tratamento tem por objetivo o alivio dos sintomas, tratamento e


prevenção das complicações. Pode ser conservador (medidas gerais –
dietéticas e posturais), medicamentoso ou cirúrgico, dependendo da sinto-
matologia e prognóstico. Recomenda-se orientações de medidas gerais para
todos os casos19.
O tratamento conservador consiste em manter decúbito elevado, no
mínimo 30 graus, principalmente no período pós prandial. O efeito desta
precaução esta relacionada com a ação da gravidade que reduz o número de
episódios de refluxo e melhor clareamento esofágico. Essa medida é eficaz,

63
Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral Capítulo 2

especialmente se for associada a outras medidas comportamentais e uso de


medicação. As mudanças dietéticas devem respeitar as necessidades nutri-
cionais da criança, porém o espessamento lácteo (dieta engrossada) é con-
siderado uma importante medida para reduzir os episódios de RGE associada
ao fracionamento da dieta (ofertar pequenas porções para facilitar o esvazi-
amento gástrico e eficiência do EEI). Outra recomendação é evitar o aumen-
to de pressão abdominal e alimentos que prejudiquem a eficiência do EEI
(alimentos cítricos, quentes e gordura, por ex)19,23.
A terapia medicamentosa, sempre em conjunto com as medidas ge-
rais, consiste na administração de pró-cinéticos (bromoprida, domperidona
e metoclopramida) que aumentam a pressão no EEI e melhoram o esvazia-
mento gástrico ou agentes redutores da acidez gástrica, recomendados para
o alívio dos sintomas da esofagite23.
As crianças com comprometimento motor severo podem necessitar
de gastrostomia e cirurgia anti-refluxo (restrita, geralmente, aos casos re-
fratários ao tratamento clínico). O procedimento mais utilizado é a
fundoplicatura (técnica de Nissen), que consiste em envolver o esôfago distal
com o fundo gástrico em toda sua circunferência. Está indicada em substitui-
ção ao uso contínuo dos inibidores de bomba de prótons, para pacientes sem
resposta, resposta parcial ou dependente de tratamento medicamentoso, ou
ainda, quando houver recorrência dos sintomas com a descontinuação das
medicações24,25.

6. DISFAGIA

As pneumonias aspirativas podem ter várias causas, porém sua forte


associação com disfagia torna o estudo desta moléstia essencial para o diag-
nóstico e tratamento destas e outras graves complicações respiratórias. Os
pacientes com PC, devido ao comprometimento motor (postural e sensório –
motor) podem apresentar alterações de deglutição. Vale ressaltar que parte
desta população faz uso de drogas antiepilépticas e tranquilizantes que atuam
no SNC deprimindo o controle voluntário da deglutição. ROGERS, 200411,
descreve que problemas de alimentação e disfagia podem afetar a expecta-
tiva de vida em crianças e adultos com PC.
O termo disfagia representa uma disfunção no complexo processo de
deglutição, que envolve 6 pares de nervos cranianos e 30 músculos, e tem
por finalidade o transporte da cavidade oral para o estomago, impedindo a
entrada de partículas na via aérea. Este processo exige sofisticado controle
neural, coordenação muscular e perfeita integridade anatômica e funcional
das estruturas envolvidas, nas suas três fases: oral, faríngea e esofágica. A
criança pode apresentar alteração apenas em uma fase ou várias alterações
concomitantes, o que é comum em crianças com PC. A presença de disfagia
orofaríngea pode ocasionar implicações significativas no desenvolvimento
global, nutrição, hidratação, estabilidade clínica e, principalmente, no siste-
ma respiratório26. Nestes casos, as crianças apresentam uma série de com-
plicações, como traqueíte, laringite ácida, bronquite e pneumonias em de-
corrência de aspiração aguda ou crônica. Segundo Fitzgerald et al, 20097,
aspiração de saliva conseqüente a disfagia pode ocasionar problemas recor-
rentes. O uso da toxina botulínica injetada nas glândulas salivares tem sido
usado como tratamento alternativo para sialorréia. Vijayasekaran et al, 200727

64
Capítulo 2 Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral

e Manrique, 200928, relatam melhora da oxigenação arterial de crianças com


infecções crônicas após cirurgia da glândula salivar e, provavelmente, refle-
te a melhora da função pulmonar, além de demonstrar a redução do número
de hospitalizações e melhora da qualidade de vida.
Outros sintomas como espirro, tosse, laringoespasmo, sibilância,
estridor e apnéia também são descritos como sintomas disfágicos22.
Os sinais sugestivos de aspiração para as vias aéreas durante a
deglutição são: tosse, engasgo, fadiga, sudorese, cianose e ausculta cervical
alterada.
Segundo Lucchi et al, 200929, a adequação postural em crianças com
PC favorece de forma significativa as funções de sucção, respiração e
deglutição, além da coordenação entre elas, tornando o ato de alimentar
mais eficiente e seguro.
As crianças com PC frequentemente apresentam alterações no posi-
cionamento, principalmente a extensão cervical, que exacerba as dificulda-
des na deglutição. A aspiração pode ser minimizada ou evitada quando a
posição da cabeça, pescoço e tronco são alinhadas com as habilidades moto-
ras orais. Estudos relatam que a flexão de pescoço a 300 reduz a tendência
de aspiração durante o processo de deglutição, bem como modificações na
consistência alimentar11.

7. BIOMECÂNICA DA CAIXA TORÁCICA

As crianças portadoras de tetraplegia espática apresentam transtor-


nos respiratórios inerentes à lesão encefálica, os quais estão relacionados à
própria restrição motora, que impedem o adequado desenvolvimento das
estruturas que envolvem o sistema respiratório. A dinâmica respiratória en-
contra-se extremamente limitada em decorrência de alterações posturais,
diminuição da mobilidade e presença de deformidades torácicas30,31.
O sistema respiratório do portador de PC sofre influência direta e
indireta dos distúrbios do tônus, da postura e do movimento. Segundo Bar-
bosa (2002)30, a movimentação, especialmente dos quadriplégicos, ocorre
em padrões globais e em resposta à ação reflexa patológica de tal maneira
que a movimentação desorganizada dos membros superiores e da cabeça
gera distorções torácicas, que alteram a distribuição do fluxo aéreo e dimi-
nuem a eficiência da musculatura respiratória (devido à alteração geométri-
ca do diafragma e da caixa torácica), gerando comprometimento na mecâni-
ca respiratória.
A espasticidade isoladamente não produz deformidades. É o desequi-
líbrio muscular entre os músculos espásticos e seus antagonistas fracos que
levam à deformidade. Os músculos antagonistas estão trabalhando em des-
vantagem mecânica com relação à firme contração dos grupos musculares
espásticos. Eles não conseguem contrapor-se à tração dos músculos
espásticos, e com o tempo eles se tornam realmente fracos, em decorrência
do desuso32.
O padrão espástico impede o uso funcional dos membros. A postura
fixada dos membros superiores irá favorecer o encurtamento da musculatu-
ra inspiratória, enquanto que a musculatura abdominal apresenta-se tensa,
porém enfraquecida e prejudicando o rebaixamento das últimas costelas e
caixa torácica. A coluna dorsal encontra-se retificada, o que proporcionará, a

65
Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral Capítulo 2

elevação e diminuição de mobilidade do tórax, dada pela articulação


costovertebral e costotransvertebral, desencadeando um trabalho excessivo
de musculatura acessória, como esternocleidomastóideos, escalenos, peito-
rais, trapézios, reto abdominais, oblíquos e transversos do abdômen.
A espasticidade pode causar ainda redução dos picos de fluxo
inspiratórios e expiratório, aumento da capacidade residual funcional (CRF)
volume residual (VR) e diminuição da capacidade vital (CV) e volume corren-
te (VC), fazendo com que a caixa torácica permaneça em posição inspiratória
durante todo ciclo respiratório (aumento do diâmetro anteroposterior do tó-
rax), tendendo a um padrão respiratório com uma relação de 1:1, o que
predispõe a criança a uma fraqueza de músculos respiratórios, consumo de
oxigênio aumentado; e segundo Reid e Sochaniwskyj (1991)33, retenção de
gás carbônico em alguns casos.
A parede torácica superior não se desenvolve adequadamente em
crianças com respiração paradoxal. Isto sugere que, em longo prazo, a ina-
bilidade para realização de uma respiração profunda pode resultar em sub-
desenvolvimento da parede torácica superior em crianças com grave com-
prometimento motor.
Park, 200634 avaliou a relação entre a porção superior e inferior do
tórax em crianças com tetraplegia espástica (sem cifose e ou escoliose),
comparado com crianças normais. Em conclusão, seu estudo revelou uma
alteração da estrutura ideal da parede torácica em crianças com tetraplegia
espástica; a correlação entre a expansibilidade da parte superior e inferior
da parede torácica parece, de fato, expressar a importância da parede torácica
no ato da respiração, o que pode fornecer um índice simples para a avaliação
da função respiratória em crianças com PC.
As curvaturas anormais da coluna provocam uma mudança na
biomecânica corporal com deformidades da caixa torácica, levando a distúr-
bios pulmonares de caráter restritivos35. A escoliose é uma complicação co-
mum em pacientes com PC. Desequilíbrio muscular, contratura de tecidos
moles e fraqueza progressiva predispõem à escoliose e, em geral, o grau da
deformidade depende da intensidade do envolvimento, do padrão da fraque-
za e da natureza da doença18.
Invariavelmente, a distorção do gradil costal coloca os músculos res-
piratórios em desvantagem mecânica. O hemitórax do lado da convexidade
da escoliose tende a ficar hiperinsuflado, em contra partida, o lado côncavo
fica hipoventilado36. Em resumo, a hipoxemia na escoliose está relacionada à
hipoventilação alveolar, difusão diminuída e descompasso ventilação-perfusão.
O prejuízo na relação ventilação-perfusão é devido à compressão dos pul-
mões com perda de volume, oclusão de via aérea e microatelectasias37.

8. IMOBILISMO

Os efeitos do imobilismo são acentuados nas crianças classificadas pelo


GMFCS em grau IV e V e, este grupo, portanto, tem maior risco e incidência de
complicações pulmonares. Os efeitos adversos da imobilidade são sistêmicos
e podem ser uma comorbidade comum em crianças com PC. As principais
alterações respiratórias estão relacionadas à fraqueza dos músculos respira-
tórios (diafragma, intercostais e abdominais), consequentemente, observa-se
redução do volume corrente, volume minuto e capacidade vital com prejuízo

66
Capítulo 2 Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral

no transporte de O2. A depuração das secreções de vias aéreas está prejudi-


cada pela diminuição do movimento ciliar, tosse inefetiva e alterações de me-
cânica ventilatória da parede torácica. Sendo assim, a mobilização e posicio-
namento adequado têm como objetivo a melhora da função respiratória com
aumento dos volumes pulmonares e otimização do clearance mucociliar, de-
terminando uma melhora na capacidade de transporte de O238,39,40.

9. GERENCIAMENTO DE DOENÇAS PULMONARES


EM CRIANÇAS COM PC

Fitzgerald, 2009 7, descreve alternativas para gerenciamento dos fa-


tores de risco para complicações respiratórias, conforme sumarizado na ta-
bela 3:

Tabela 3: Alternativas para gerenciamento dos fatores de risco para


complicações respiratórias

ASPIRAÇÃO PULMONAR
- Tratamento antirefluxo
- Gastrostomia e fundoplicatura
- Controle da saliva (Anticolinérgicos, botox nas glândulas salivares e cirurgia)

DEFICIÊNCIA TRANSPORTE MUCOCILIAR


- Inalação (solução salina, hipertônica ou broncodilatadores)
- Fisioterapia respiratória

INFECÇÃO
- Antibióticos ( Tratamento vs profilaxia)
- Imunização ( influenza, pneumococcus)

ESCOLIOSE
- Avaliação dos benefícios e riscos da cirurgia

OBSTRUÇÃO DE VAS e VAI


- Antibióticoterapia baseado em resultado de culturas
- Uso de Ventilação Mecânica Não Invasisa (BIPAP/ CPAP)

10. CONCLUSÃO

Vários fatores contribuem para o desenvolvimento de complicações


respiratórias na PC. Pela multifatoriedade, o tratamento deve ser amplo na
tentativa de reduzir ao máximo a atuação dos eventos causadores. A
intervenção fisioterapêutica faz parte dos cuidados destes pacientes. Há
evidências que esta é a forma mais eficiente de tratar as crianças com tais
complicações. O grau de comprometimento é determinante para a escolha
das técnicas mais apropriadas. Entretanto, como todo tratamento, deve ser
individualizado e revisado com frequência, a partir da avaliação criteriosa7,41.

67
Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral Capítulo 2

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Principais complicações respiratórias na paralisia cerebral Capítulo 2

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70
CAPÍTULO 3

SEMIOLOGIA DOS REFLEXOS E REAÇÕES


AUTOMÁTICAS NA PARALISIA CEREBRAL

Eliane Pires de Oliveira Mota, Luiz Carlos de Abreu, Talita Dias da Silva,
Vitor Engrácia Valenti, Marjorie Heloise Masuchi,
Silvia Regina Pinheiro Malheiros, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

O objetivo deste capítulo é apresentar a semiologia dos reflexos


primitivos e automatismos posturais, bem como sua implicação na
detecção e acompanhamento das diversas manifestações clínicas da PC.
A semiologia clínica que investiga o desenvolvimento motor tem como
alicerce um considerável número de escalas de desenvolvimento1,2 e avalia-
ções motoras3,4. A elaboração de tais instrumentos, por sua vez, inclui direta
ou indiretamente a avaliação do comportamento reflexo infantil, bem como
dos automatismos posturais que se estabelecem no início da vida5.
Foge ao escopo desse capítulo apresentar ou analisar os diferentes
instrumentos de avaliação do desenvolvimento motor. Porém, para melhor
entendimento sobre o significado da análise dos reflexos e reações, é impor-
tante a síntese de pelo menos dois conjuntos de considerações sobre sua
diversidade.
O primeiro leva em consideração a pluralidade de modelos teóricos
explicativos sobre o controle motor. Em momentos distintos, o conhecimento
sobre o controle dos movimentos determina implicações também distintas
sobre o impacto da avaliação de reflexos e reações na detecção de altera-
ções do desenvolvimento motor, e consequentemente da PC. Assim, a
pluralidade dos instrumentos de avaliação, em parte, pode ser explicada
pelos diferentes referenciais teóricos que foram desenvolvidos com o passar
do tempo 6-8.
O segundo conjunto de considerações sobre a heterogeneidade de
instrumentos de avaliação do desenvolvimento motor, aponta para as dificul-
dades metodológicas em sua construção. A confiabilidade, sensibilidade e
validade de alguns destes instrumentos de avaliação motora varia muito9,5, e

71
Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral Capítulo 3

cada uma sugere um resultado preditivo para o futuro do desenvolvi-


mento motor da criança.
Ainda nesta linha de considerações, é importante enfatizar que são
observadas inconsistências nas referências sobre a avaliação de reflexos.
Diferentes autores apresentam dados contraditórios para com o mesmo re-
flexo. Esta contradição ocorre, provavelmente, por um conjunto complexo
de fatores: escassez de registro referente a procedimentos utilizados em sua
investigação; falta de padronização de critérios de ocorrência, outros.
Porém, a crítica mais frequente em nosso meio talvez seja a falta de
normatização das escalas para a população brasileira, uma vez que foram
padronizadas para populações com características étnicas, sócio- culturais
distintas da nossa.
Zafeiriou5 cita que mesmo utilizando escalas padronizadas é difícil
confiar plenamente em instrumentos para o diagnóstico precoce de crianças
com menos de 12 meses de idade.
A avaliação e acompanhamento por meio do conhecimento dos dife-
rentes movimentos da criança continuam sendo uma ferramenta importante
para a prática clínica5. Zafeiriou et al10 descrevem que avaliações de postu-
ra, tônus muscular e reflexos primitivos são avaliações fundamentais como
indicativos de alterações motoras e possível identificação de PC.
Assim, mesmo com todas as dificuldades e limitações apontadas, a
avaliação dos reflexos primitivos e reações posturais constitui uma das pri-
meiras ferramentas, mais simples e mais frequentemente utilizadas, entre
profissionais que trabalham com Paralisia Cerebral (PC) em todo o mundo,
principalmente por possibilitar uma avaliação da integridade do sistema ner-
voso central da criança9-11.
Zafeiriou5 cita que alguns autores não fazem distinção conceitual en-
tre reflexos primitivos e reações posturais, ou seja, comportamentos primi-
tivos e posturais.
Apesar da controvérsia existente optou-se por apresentar nesse capí-
tulo os reflexos mais utilizados na prática clínica dos profissionais que traba-
lham com PC didaticamente separados das reações posturais. Julgamos per-
tinente essa distinção pois as reações posturais, ao contrário dos reflexos
primitivos, envolvem aquisições motoras que envolvem experiências prévias
e aprendizado.

REFLEXOS

O desenvolvimento da criança do ponto de vista sensorial e motor


depende do processo de maturação do sistema nervoso central (SNC), prin-
cipalmente no primeiro ano de vida.
Este processo de maturação está relacionado com o grau de
mielinização, arborização e formação de sinapses das células nervosas no
SNC, que aos poucos vão inibindo as atividades reflexas primitivas, passan-
do por uma fase de transição e, por último, assumindo o comando voluntário
dessas atividades, que somente permanecerão em condições patológicas nos
pacientes com lesão cerebral11,12. Com a maturação do cérebro, aumenta o
controle do circuito espinal, possibilitando a regulação e adaptação voluntá-
ria de diferentes movimentos reflexos11,13.

72
Capítulo 3 Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral

Reflexos podem ser definidos como sendo um ato ou fenômeno,


motor ou secretor, desencadeado pelo SNC, fora da intervenção da von-
tade em resposta a estimulação de terminações nervosas sensitivas14,15.
Os reflexos primitivos são, na maioria, reflexos do tronco cerebral,
complexos, involuntários, com padrões de movimentos que podem ser ob-
servados desde período gestacional16, provavelmente a partir de 25 sema-
nas3. São presentes em bebês nascidos a termo e com maturação do sistema
nervoso central. Sua observação torna-se mais difícil após os seis meses de
vida, quando a atividade motora voluntária se desenvolve concomitante-
mente com a inibição cortical.
Os reflexos primitivos são padrões motores altamente estereotipa-
dos, desencadeados por estímulos sensoriais específicos5. Na PC estão dire-
tamente relacionados com tônus muscular alterado e correlação com manu-
tenção de posturas anormais11,17.
Para a identificação de possíveis desordens do sistema nervoso, so-
bretudo a PC, é bastante útil a observação da perseveração dos reflexos
primitivos além do período inicial do desenvolvimento motor. Também a va-
riação de intensidade, ou ainda ausência ou manifestações atípicas de rea-
ções posturais em períodos posteriores do desenvolvimento podem ser indi-
cativos da lesão cerebral no início da vida11,17,18 .

A) PRINCIPAIS REFLEXOS

1. Reflexo de preensão plantar


1.1 Estímulo: com a criança deitada em decúbito dorsal, o examina-
dor aplica pressão com o polegar na sola do pé da criança, logo abaixo dos
dedos (região mais distal dos metatarsos)19. Flehmig20 sugere o estímulo
tocando a sola do pé abaixo do grande artelho. Cuidados devem ser tomados
para manter a cabeça da criança na linha média, para evitar influência do
reflexo tônico cervical assimétrico13.
1.2 Resposta: o reflexo de preensão plantar consiste em uma flexão
e adução de todos os dedos (artelhos). Observa-se uma flexão dos artelhos
em posição de garra20.
1.3 Período: Futagi e Suzuki13 fizeram extensa revisão sobre este
reflexo e apresentam que o reflexo plantar surge em crianças a partir de 25
semanas de idade pós-concepção (IPC: soma da idade gestacional e idade
cronológica) e perdura até o final de 6 meses ou 7 meses de idade corrigida10.
Norberg16 apresenta o surgimento do reflexo de preensão plantar ao nasci-
mento e diminuição a partir de 2-4 meses com desaparecimento aproxima-
damente aos 6 meses.
1.4 Comentários: o centro medular responsável por este reflexo
está, provavelmente, localizado no nível L5-S2. O reflexo de preensão
plantar tem significância clínica importante, pois sua ausência, diminuição
ou aumento são indicativos de alterações neurológicas, principalmente
em relação ao tônus muscular21,13. Quando este reflexo persiste não é
possível à criança apoiar o pé totalmente no solo, interferindo na fase de
apoio alternado do calcanhar e artelhos na marcha. Na criança com PC
este reflexo indica aumento de tônus muscular e impede o apoio do antepé
no solo20.

73
Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral Capítulo 3

2. Reflexo de Preensão Palmar :


2.1 Estímulo: os estímulos que desencadeiam esse reflexo são
proprioceptivos e táteis18. O terapeuta realiza um estímulo com suave
pressão mantida por alguns segundos na região das articulações
metacarpo falangianas das mãos do bebê.
2.2 Resposta: a criança flexiona os dedos e a mão, fecha a mão,
podendo realizar a flexão do cotovelo, mantendo a posição enquanto o estí-
mulo estiver presente10,21,18,22.
2.3 Período: sua ocorrência é esperada desde os primeiros dias de
vida, até o final do segundo mês. Alguns autores afirmam que a partir desse
período sua presença é fraca, e que não é observável após os quatro meses
de vida. Zafeiriou et al.10 citam que este reflexo perdura até aproximada-
mente 5 meses e, após este período, inicia o desaparecimento. Funayama
afirma que aos seis meses de idade 100% dos lactantes passam da fase de
preensão palmar reflexa para voluntária23.
Alguns padrões de flexão de dedos são observados em resposta à
estimulação palmar mesmo nas crianças bem imaturas, flexão do cotovelo
também pode ser observada junto com o padrão de movimento e surge
antes de 29-30 IPC (idade pós-concepção- soma da idade gestacional e ida-
de cronológica), e está sempre presente em crianças com 37-38 IPC. Em
40% das crianças a termo com 39-40 IPC o reflexo de preensão palmar é
forte o suficiente para puxar a criança da posição deitada para sentada21.
2.4 Comentários: tanto as aferências que desencadeiam esse refle-
xo como sua eferência motora se localizam em nível medular C6, C7, C8 23.
É importante observar se a intensidade da resposta (permanên-
cia e intensidade da flexão dos dedos e mãos) é similar em ambos os
membros superiores do bebê 19 , caso a resposta esteja ausente ou
abolida em um dos membros, isso pode sugerir uma assimetria de
tônus como acontece, por exemplo, nos primeiros meses de vida de
uma criança hemiparética. Por outro lado, na criança quadriparética,
podemos observar a ocorrência do reflexo de preensão muito além do
período esperado.

3. Reflexo de Moro:
3.1 Estímulo: o Reflexo de Moro é um dos mais frequientes re-
flexos na semiologia neurológica10,19. O estímulo que desencadeia esse
reflexo é a extensão abrupta da cabeça, alterando sua relação com o
tronco. Pode ser testado de diversas maneiras: (a) elevando a criança
em supino da superfície de apoio e retirando rapidamente a mão do
examinador que se encontrava sob a cabeça da criança; (b) fazendo um
estímulo sonoro intenso ou; (c) puxando o lençol onde a criança estiver
deitada20,18. Portanto, esse reflexo é eliciado por aferência proprioceptiva
cervical, acústica ou vestibular23 .
3.2 Resposta: a resposta normal consiste na abdução e exten-
são dos membros superiores com subsequente adução e flexão, mui-
tos autores consideram uma resposta positiva apenas uma abdução/
extensão dos braços, mesmo sem o padrão flexor 22,24. Flehmig 20 des-
creve que a criança abre a boca, os membros superiores erguem-se
para cima e os dedos estendem-se em forma de leque na primeira
etapa e na segunda, fecha a boca e os membros superiores entram em
flexão. Tem eferência principal em C5, C623 .

74
Capítulo 3 Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral

3.3 Período: surge no recém-nascido, inclusive em prematu-


ros após os seis meses de vida, e permanece nos quatro primeiros
meses de vida 5,18,25. Zafeiriou et al.24 citam o surgimento do Moro entre
28-32 semanas do período gestacional e não é mais observado por
volta dos 6 meses 16,5,24. Allen e Capute19 citam que o componente ini-
cial do Reflexo de Moro, com extensão e/ou abdução dos membros
superiores está geralmente presente entre 25-26 semanas de IPC,
sendo que a subsequente adução ou flexão aparece entre 27-28 se-
manas de IPC. O reflexo completo surge aproximadamente entre
29-30 semanas de IPC e está presente em 75% de crianças a termo.
Zafeiriou et al. 24 citam que a ausência do Reflexo de Moro, o padrão
de movimento assimétrico, a diminuição do reflexo nos primeiros meses
de vida, ou ainda sua persistência após 6 meses pode ser indicativo
de disfunção neurológica.
3.4 Comentários: nas crianças com PC, sobretudo nas
quadriparéticas, a persistência desse reflexo pode ser considerado como
indicativo de fraco controle de cabeça18. Zafeiriou et al.24 citam o fato do
Reflexo de Moro não ser evidente nos primeiros meses de vida em um
significante número de pacientes com PC espástica, aparecendo posterior-
mente no quinto ou até mesmo no sétimo mês.
A preservação do Reflexo de Moro na PC espástica, para além do
primeiro ano de vida parece estar relacionada ao grau de envolvimento do
trato piramidal (maior na tetraparesia espástica, menor na diparesia espás-
tica). No entanto, o fato do Reflexo de Moro persistir durante todo o primeiro
ano em quase todos os pacientes com PC atetóide, sugere que outras vias
piramidais (provavelmente relacionado aos circuitos dos núcleos da base)
são também envolvidas na manutenção do reflexo24.

4. Reflexo de extensão cruzada


4.1 Estímulo: o paciente em decúbito dorsal, avaliador segura um
dos membros inferiores e realiza um movimento passivo de flexão total em
direção ao tronco5.
4.2 Resposta: o paciente realizará como resposta a extensão do
outro membro inferior com adução e rotação medial5.
4.3 Período: pode ser observado após o segundo dia de vida e per-
siste até aproximadamente 6 meses19.
4.4 Comentários: apesar de ser observado na literatura5,10, não se
verificou estudo que informe sua importância e influência no desenvolvimen-
to motor. Provavelmente a permanência deste reflexo na PC dificulta o de-
senvolvimento e performance de habilidades motoras que necessitem de
movimentos simétricos dos membros inferiores.
Prechtl e Beintema citam que outra forma de estimular este reflexo é
realizar um estímulo nociceptivo na sola do pé (agulha rombuda), e a res-
posta será de extensão do membro inferior que recebeu o estímulo, com
flexão do membro inferior oposto19.

5. Reflexo de colocação plantar (“placing”)


5.1 Estímulo: segura-se a criança com apoio na região das axilas.
Estimula-se a região dorsal dos pés na borda da mesa de exame16,20 .
5.2 Resposta: a criança irá flexionar os membros inferiores (flexão
de quadril e perna), colocando o pé sobre a mesa16,20.

75
Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral Capítulo 3

5.3 Período: aparece no RN e pode permanecer até cinco ou seis


meses16.
5.4 Comentários: a persistência deste reflexo dificultará o de-
senvolvimento de reações funcionais e automáticas dos membros inferi-
ores dificultando o posicionamento ortostático e a marcha. Segundo
Flehmig20 este reflexo também pode ser denominado reação de subida,
porque se o estimulo for realizado no degrau de uma escada, a criança
apresentará a resposta motora que se assemelha ao subir uma escada.
Este reflexo pode ser testado no dorso das mãos nesse caso chama-se
reflexo de colocação palmar 16,20.

6 Reflexo cutâneo plantar


6.1 Estímulo: o terapeuta realiza pressão suave e contínua na região
plantar, do bordo lateral do pé até a base do dedo (“L” invertido). O reflexo
cutâneo plantar tem como característica uma resposta motora polissináptica
que ocorre pelo toque ao longo da borda lateral do pé, geralmente estimula-
do no sentido do calcanhar para os dedos5,26.
6.2 Resposta: a resposta será abdução dos dedos (artelhos em le-
que) e ocasional extensão e abdução do hálux. A localização de sua eferência
motora é L423 .
6.3 Período: presente no RN, até 10 ou 12 meses
6.4 Comentários: especial atenção se deve ter sobre a resposta
involuntária da criança com relação a estímulo na sola do pé. Diferentes
tipos de respostas podem ser obtidas, variando de flexão a extensão de
acordo com a intensidade do estímulo utilizado. Se a pressão exercida na
sola do pé for demasiadamente intensa pode ser eliciado a flexão plantar19.
É geralmente aceito que a resposta com abdução dos dedos (artelhos
em leque) é obtida até o primeiro ano de vida. Após o amadurecimento do
SNC ocorre uma modificação para um padrão flexor dos dedos na maioria
das crianças normais. Importante esclarecer que a persistência do sinal de
Babinski após o primeiro ano de vida, pode ter uma correlação com altera-
ções corticoespinais, considerado por muitos como importante sinal clínico
para lesões no sistema nervoso central5,22.

7. Reflexo de Galant (encurvamento):


7.1 Estímulo: criança em prono, o examinador realiza um estimulo
tátil em deslizamento, em direção ao quadril 2-3 cm lateral dos processos
espinhosos, na região próxima a musculatura paravertebral5. Bobath18 suge-
re que o estímulo seja feito entre a 12ª costela e a crista ilíaca, na região
paravertebral.
7.2 Resposta: o estímulo provocará a inclinação homolateral do tron-
co18. A concavidade volta-se para o lado do estímulo5, e verifica-se também,
a elevação da pelve20. Pode ocorrer abdução, rotação lateral e flexão do
quadril homolateral ao estímulo.
7.3 Período: nos primeiros dias de vida a resposta é frequentemente
ausente ou fraca. Este reflexo aparece no RN e desaparece geralmente duran-
te o segundo ao quarto mês de vida5,18,20. Dargassies27 propõe período de
desaparecimento bem posterior para esse reflexo, após o oitavo mês de vida.
7.4 Comentários: deve se repetir o mesmo procedimento em
ambos os lados do tronco e observar a intensidade da resposta. Crian-
ças com PC não conseguem uma inibição completa deste reflexo o que

76
Capítulo 3 Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral

dificulta o desempenho em capacidades funcionais mais complexas. Este


reflexo denota instabilidade de tronco, associada à falta de controle de
cabeça e à flexão geral do tronco. Observa-se a permanência por tempo
prolongado ou até para o resto da vida em crianças com PC, especial-
mente com movimento atetóide, com pouco controle de cabeça e inabi-
lidade na extensão do tronco 18. A permanência deste reflexo pode cau-
sar atraso no desenvolvimento da estabilidade simétrica do tronco e dos
movimentos independentes da cabeça 18.
8. Reflexo Tônico Cervical Simétrico (RTCS):
8.1 Estímulo: o RTCS é proveniente do movimento da cabeça
que estimula os proprioceptores cervicais, pode ser por meio da realiza-
ção passiva ou ativa de dois movimentos opostos que terão respostas
completamente diferentes pela extensão ou flexão da cabeça18,20.
8.2- Resposta: sendo o estímulo por meio da extensão da cabe-
ça, produzirá como resposta um aumento do tônus extensor nos mem-
bros superiores e aumento do tônus flexor nos membros inferiores. Caso
o estímulo seja por meio da flexão da cabeça ocorrerá o oposto, ou
seja, a resposta será um aumento do tônus flexor nos membros superi-
ores e aumento do tônus extensor nos membros inferiores18,20,28.
8.3 Período: geralmente surge no segundo mês e está presente
no indivíduo até o sexto mês20. Sua ocorrência no desenvolvimento nor-
mal é controversa 18.
8.4 Comentários: este reflexo é bastante citado em referências
sobre PC, quando persiste, impede o desenvolvimento de habilidades
como arrastar, engatinhar ficar em pé e andar. Algumas crianças utili-
zam os padrões de movimento deste reflexo para realizar atividades
funcionais 18,28.
9 Reflexo Tônico Cervical Assimétrico (RTCA):
9.1 Estímulo: o RTCA também ocorre devido a estímulo dos
proprioceptores cervicais. No entanto, o movimento será de rotação da
cabeça para um dos lados, passiva ou ativamente 5.
9.2 Resposta: após a rotação da cabeça ocorre a extensão (au-
mento do tônus extensor) das extremidades do hemicorpo facial, e flexão
(aumento do tônus flexor) das extremidades do hemicorpo occipital5.
9.3 Período: pode estar presente ou fragmentado desde as 28
semanas gestacionais 23 . Apesar de referências sobre seu aparecimento
desde o período intrauterino, pode-se avaliar após o nascimento e per-
manece até aproximadamente os três meses5,18.
9.4 Comentários: também conhecido como reflexo de esgri-
mista ou Magnus de Kleijn. Se este reflexo persistir impede a coorde-
nação motora entre olhos e mãos. Na criança com PC provoca uma
posição fixa, e impede os movimentos contra a gravidade20. Por outro
lado, algumas crianças com quadriparesia espástica aprendem a usar
essa atividade reflexa em padrões de movimento estereotipados, que
embora pouco seletivos, permitem alguma funcionalidade aos mem-
bros superiores e inferiores.
10. Reflexo Tônico Labiríntico (RTL):
10.1 Estímulo: este reflexo é eliciado pela estimulação vestibular,
de acordo com a posição da cabeça. Verifica-se sua ocorrência quando a
criança está em supino, com a cabeça em extensão, ou em prono, com a
cabeça em flexão 20.

77
Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral Capítulo 3

10.2 Resposta: em supino o tronco estende, os quadris aduzem


e rodam internamente, os joelhos estendem e os tornozelos
plantiflexionam. Em prono a cabeça e o tronco flexionam, os ombros
aduzem e os membros superiores se posicionam em baixo do corpo. Os
quadris ficam flexionados e aduzidos, os joelhos fletidos e os tornozelos
em plantiflexão18.
10.3 Período: para Flehmig esse reflexo aparece no primeiro
mês e permanece até o quarto mês20. Bobath afirma que este reflexo
não é observado no desenvolvimento motor normal e na PC está asso-
ciado com espasticidade e espasmos recorrentes18.
10.4 Comentários: sua ocorrência dificulta as aquisições
antigravitacionais típicas do desenvolvimento normal seja na posição deita-
da, sentada ou em pé. Dificulta a criança se levantar de deitada para a
posição sentada20, o que torna impossível o sentar com equilíbrio. A exacer-
bação deste reflexo em extensão é chamada de opistótono20.

11. Reflexo positivo de suporte


11.1 Estímulo: o bebê é suspenso pelas axilas e o terapeuta realiza
descarga parcial do peso do bebê sobre seu membros inferiores18,25.
11.2 Resposta: há uma extensão involuntária dos membros inferio-
res com padrão evidente de extensão da coxa, perna e flexão plantar18,25.
11.3 Período: presente no RN, até aproximadamente o segundo mês
de vida18 ou terceiro mês25.
11.4 Comentários: nas crianças com PC espástica a persistência
deste reflexo impede o ortostatismo funcional e para as crianças que andam
a fase de balanço da marcha fica comprometida.

12. Reflexo da Marcha


12.1 Estímulo: mantém-se a criança apoiada pelas axilas vertical-
mente, com descarga parcial de peso sobre os membros inferiores, inclina-
se lentamente o tronco da criança para frente18,20,25.
12.2 Resposta: ocorrem movimentos alternados de flexão e exten-
são dos membros inferiores, assemelhando-se à marcha18,20,25.
12.3 Período: presente desde o nascimento até os dois meses de
vida18,20,23. Para Dargassies esse reflexo está presente de forma incompleta
no RN prétermo de 30 semanas, atinge sua manifestação máxima nas 37
semanas e desaparece, em 100% dos casos, após o terceiro mês.27
12.4 Comentários: esse reflexo também é observado com frequên-
cia em muitos pacientes com PC espástica independente da idade, o que
sugere uma incapacidade do SNC controlar estruturas inferiores. A incapaci-
dade de controlar este reflexo implica em dificuldades para a criança com PC
evoluir no seu desenvolvimento motor. Em recém-nascidos prematuros ou
hipotônicos, muitas vezes esse reflexo não é observado.

13. Reflexo dos olhos de boneca:


13.1- Estímulo: com o bebê em decúbito dorsal, o examinador mo-
vimenta a cabeça do RN para um dos lados. Pode ser feita a estabilização do
tronco com uma das mãos apoiando o esterno, para evitar que reações pos-
turais influenciem na resposta involuntária.
13.2- Resposta: observar a posição ocular para o lado contrário ao
movimento da cabeça.

78
Capítulo 3 Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral

13.3- Período: desde o nascimento até o primeiro mês de


vida 19,20,28.
13.4- Comentários: sua presença após o período acima referido,
pode sugerir fraca coordenação visomotora, que permite a movimentação
integrada entre os músculos do globo ocular e os deslocamentos cervicais.
Se o movimento for rápido, pode provocar nistagmo.
B) PRINCIPAIS REAÇÕES POSTURAIS DA CRIANÇA

Os processos de aprendizagem dependem de experiências prévias


que vão ocorrendo com o desenvolvimento da criança e vão agindo concomi-
tantemente com a maturação do Sistema Nervoso. As respostas primitivas
vão dando caminho para novas aquisições motoras.
Ao nascimento, o bebê não tem condições de reagir e se posicionar
contra a força da gravidade. Consegue realizar inúmeros movimentos, con-
tudo, suas reações posturais são ineficazes.
Somente após a aquisição das reações posturais é que surgem as con-
dições necessárias para estabilização de algumas partes do corpo e a movi-
mentação de outras. Para Kandel o sistema postural depende de três quesitos
principais: postura estável frente a ação da gravidade que gera respostas que
antecipem movimentos volicionais objetivo-dirigidos e adaptativos29 .
O controle postural orienta as diferentes partes do corpo umas em
relação às outras e em relação ao ambiente externo sem que haja perda do
equilíbrio. A postura deve ser controlada tanto quando o corpo está parado
(equilíbrio estático) como durante o movimento (equilíbrio dinâmico).
Esse controle automático é adquirido com o desenvolvimento motor
e, segundo Kandel, é consenso atual que o controle postural envolve a
integração de inúmeros sistemas neuronais que vão se desenvolvendo ao
longo do tempo, incluindo o sistema cognitivo29 .
Segundo Bobath as primeiras reações de equilíbrio ocorrem por volta
dos seis e sete meses, quando o bebê já consegue manter-se na posição
sentado e sobrepõem-se às reações de retificação, mas o processo de inte-
gração dessas reações continuam e integram-se até os cinco anos.18
Durante a prática clínica de profissionais que trabalham com PC ob-
serva-se a importância da integridade das reações posturais para que o indi-
víduo consiga manter-se em qualquer postura ou realizar movimentos con-
tra a gravidade. Muitos terapeutas que atendem crianças com alterações da
postura e movimento avaliam e organizam seus programas terapêuticos ba-
seados nas reações posturais. Porém, este tema, é pouco explorado na lite-
ratura nacional e algumas considerações são importantes:
(a) As reações posturais normais podem ser definidas unindo-se in-
formações dos trabalhos de Flehmig 20 , Shumway-Cook e
Woollacott30 e Shepherd31, como: uma sequência de movimentos
e posturas automáticas, adequadas para a realização de um ato
motor em resposta a estímulos do meio ambiente e dependente
da integridade do sistema nervoso central e periférico. Newton32,
afirma que as reações posturais são respostas automáticas para
manter e/ou restaurar a posição ereta e a orientação cefálica, ou
seja, olhos na linha do horizonte e a boca horizontal.
(b) Verifica-se que as reações posturais são constituídas por reações
de endireitamento, equilíbrio e proteção. Zafeiriou5 cita que os
mecanismos responsáveis pelas primeiras reações posturais na

79
Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral Capítulo 3

criança não são reflexos verdadeiros, mas são baseados em múl-


tiplos fatores, geralmente agindo integrados com a maturação e
integridade cortical. Optou-se neste capítulo por apresentar o gru-
po de movimentos que fazem parte dos primeiros meses do de-
senvolvimento da criança. E, por serem atos motores que utili-
zam mais o automatismo do que a involuntariedade, chamá-los
de reações.
Existem diferentes opiniões sobre a constituição das reações pos-
turais no primeiro ano da criança. Mas, é bastante curioso o fato de
serem ausentes ou pouco perceptíveis nos primeiros meses, e aparece-
rem gradualmente mais tarde, simultaneamente com a diminuição dos
reflexos primitivos5. Apesar das inúmeras discussões sobre o assunto, a
proposta é apresentar as principais reações do primeiro ano de vida.

1. Reação Cervical de Retificação:


1.1 Estímulo: a criança deve estar na posição supino, o exami-
nador segura na cabeça da criança e realiza suavemente uma rotação
passiva da cabeça para um dos lados18,20.
1.2 Resposta: como resposta, observa-se uma rotação de todo o
corpo do bebê acompanhando a cabeça, o bebê vira todo o corpo concomi-
tantemente com a cabeça para o mesmo lado (movimento em bloco).
1.3 Período: está presente no recém nascido até os dois meses18,20.
1.4 Comentários: apesar da controvérsia, principalmente por estar
presente ao nascimento, ao invés de reflexo as referências incluem e consi-
deram como reação. Neste caso a palavra não representa movimento auto-
mático, mas uma resposta motora caracterizada por um padrão de movi-
mento do recém-nascido. Quando esta reação persiste, ou não se modifica,
impede a rotação da cabeça sobre o tronco e a criança não consegue passar
do decúbito dorsal para sentar-se.

2. Reação de retificação do pescoço sobre o corpo


2.1 Estímulo: geralmente é avaliado na posição de decúbito dorsal,
onde o avaliador segura a cabeça da criança com as duas mãos e realiza um
movimento de rotação.
2.2 Resposta: a criança responderá com uma dissociação do corpo,
onde realizará a rotação de todo o corpo em uma sequência de movimentos.
2.3 Período: aparece no quarto mês de vida e modifica-se com o
tempo20.
2.4 Comentários: bem diferente da reação cervical de retificação
neste caso ocorre uma dissociação do corpo, o que é fundamental para o
desenvolvimento funcional do rolar, sentar, levantar e andar.

3. Reação de retificação do corpo sobre o corpo


3.1 Estímulo: a criança em decúbito dorsal, realiza-se a rotação
do tronco da criança com auxílio da mão do examinador na cintura pélvica
ou na cintura escapular.

80
Capítulo 3 Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral

3.2 Resposta: caso o examinador opte por auxiliar pelo quadril a


criança responderá rodando o tronco, iniciando pelo quadril e em segui-
da observa-se o movimento de rotação progredir em direção cefálica
(dissociação entre quadril e ombro).
3.3 Período: aparece aproximadamente entre o quarto20 e sexto
mês de vida18.
3.4 Comentários: as reações de retificação vão se integrando
entre si, e posteriormente com as reações de equilíbrio e proteção, no
desenvolvimento normal. Quando se avalia crianças com PC percebe-se
dificuldade na realização deste movimento, a criança realizará o movi-
mento sem qualquer dissociação, ou seja, quando o examinador estimu-
la a rotação pelo quadril, a criança responde como se fosse um bloco
(ombro acompanha o movimento do quadril), outra opção de resposta
na PC é a criança não ter capacidade de realizar a continuação do movi-
mento pelo ombro e fica fixa no chão.

4. Reação Labiríntica de Retificação:


4.1 Estímulo: esta é uma reação que depende da maturação do
SNC e influencia sobre o sistema labiríntico. Há duas formas de verificar
sua ocorrência. A primeira é posicionar a criança em decúbito ventral, e
observar sua capacidade de extensão cervical. A segunda é em suspen-
der a criança pelas axilas e inclinar seu tronco lateralmente18.
4.2 Resposta: nas duas situações, a existência desta reação per-
mite que a criança mantenha a posição da cabeça com os olhos na linha
do horizonte.
4.3 Período: inicia por volta do segundo mês de vida, é mais
eficiente após o quarto mês de vida.
4.4 Comentários: esta reação permite a elevação da cabeça na
posição em prono. No início a cabeça pode levantar e manter a posição
por pouco tempo, mas conforme a criança evolui irá conseguir manter
por tempo suficiente para ter função de observar o meio ambiente e
depois capacidade suficiente para pegar objetos e brincar em prono.
Como a PC tem alteração do tônus muscular algumas crianças apresen-
tam dificuldades ou até incapacidade de executar esta reação o que
dificulta a vivência funcional na posição em prono e o desenvolvimento
motor na outras posições funcionais seja sentado e em pé.

5. Reação Óptica de Retificação:


5.1 Estímulo: para testar essa reação o estímulo será dado no
próprio meio ambiente, é preciso chamar a atenção da criança em dife-
rentes direções para que voluntariamente a criança tente procurar o
estímulo e o avaliador verifique sua capacidade funcional de viabilizar o
direcionamento corporal para possibilitar olhar o estímulo oferecido.
5.2 Resposta: quando os olhos se movem, a cabeça e o corpo
realizam movimentos adaptativos para facilitar o direcionamento do olhar
para o objeto, ao qual a atenção foi direcionada.
5.3 Período: com a maturação das vias ópticas por volta dos seis
meses de idade a criança deve ter condições de realizar a reação óptica
de retificação em diferentes posturas.
5.4 Comentários: na PC é comum as crianças demorarem mui-
to mais tempo para adquirir esta reação, ou devido ao comprometimen-

81
Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral Capítulo 3

to severo, algumas crianças realizam com muita dificuldade ou até mes-


mo não apresentam qualquer indício da funcionalidade propiciada pela
reação óptica de retificação.
6. Reação de Landau
6.1 Estímulo: o avaliador deve levantar a criança em prono se-
gurando com as duas mãos na região torácica (por baixo do tronco).
6.2 Resposta: a criança primeiro ergue a cabeça, de maneira
que a face esteja numa posição que permita o olhar horizontal, após
esta elevação da cabeça ocorre uma extensão tônica da coluna (I) e
membros inferiores (II), forte o suficiente para que todo o corpo da
criança apresente uma curvatura de extensão. Segundo Flehmig20 caso
ocorra o estímulo oposto, ou seja de flexão da cabeça, ocorrerá a flexão
total do corpo inteiro.
6.3 Período: aparece por volta dos quatro a seis meses de idade
e permanece até os dez a doze meses18,20.
6.4 Comentários: esta reação é importante para propiciar a fun-
ção de extensão da cabeça e de membros inferiores, crianças com PC
apresentam dificuldades em realizar este ato motor, ou não conseguem
realizar o movimento.

7 Reação de Anfíbio:
7.1 Estímulo: a criança é posicionada em prono (barriga para
baixo), o teste é realizado levantando-se um lado da pélvis da criança,
com o avaliador segurando lateralmente no quadril e levantando um dos
lados.
7.2 Resposta: o membro inferior do lado elevado irá realizar um
movimento de flexão e abdução, enquanto que o membro do lado oposto
entra em padrão de extensão.
7.3 Período: inicia-se no quarto mês e conforme aumenta a matura-
ção a criança adquire controle voluntário do movimento.
7.4 Comentários: esta reação torna o indivíduo capaz de fazer flexão
dos membros inferiores na preparação para o movimento de arrastar, pro-
porcionando a dissociação entre tronco, ombros e pé. Na PC observa-se
dificuldade ou incapacidade total na realização deste padrão de movimento,
o que impossibilita o desenvolvimento da locomoção no chão.

8 Reação de pára-quedas
8.1 Estímulo: o examinador segura com as duas mãos a cintura da
criança na posição em prono e eleva do solo, em seguida direciona a criança
para o chão ou uma mesa com relativa rapidez20.
8.2 Resposta: antes de chegar à superfície, para se proteger, os
membros superiores entram em extensão, como se a criança fosse apoiar
as mão na superfície.
8.3 Período: a partir dos cinco meses.
8.4 Comentários: esta é uma reação que avalia a capacidade da
criança em proteger sua cabeça e tronco, a reação de proteção é fundamen-

82
Capítulo 3 Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral

tal para o desenvolvimento motor. A alteração tônica na PC dificulta ou


impossibilita o desenvolvimento da reação de proteção, o que impossi-
bilita a realização de muitas funções na criança.
Para facilitar a compreensão do leitor, a Tabela 1 resume o período
de ocorrência de alguns reflexos e reações do primeiro ano de vida.

Tabela 1: Período descrito na literatura para ocorrência de reflexos no


primeiro ano de vida
REFLEXO INICIO TÉRMINO

Reflexo de Recém-nascido ; antes


18
05 meses11,18
preensão palmar de 29-30 semanas IPC19
Reflexo de Recém-nascido18 05 meses18
colocação mãos
Reflexo de 25 semanas IPC13; 06 meses 2,13,20,23;
preensão plantar Recém-nascido2,18,20,23 07 meses11; 10 meses23;
12 meses18
Reflexo positivo Recém-nascido23 03 meses23
de apoio
Reflexo de colocação Recém-nascido2 05 ou 06 meses2
dos pés
Reflexo de marcha Recém-nascido18,20,23 02 meses18,20,23
Reflexo de moro 29-30 de IPC19; 04 meses20,23;
Recém-nascido3,18,20,23 06 meses2,3,18,22
Reflexo de galant Recém-nascido 18,20,23
02 meses18,20,23; 4 meses3
Reflexo de landau 04 meses18; 06 meses20 10 meses20; 12 meses18
Reflexo tônico Recém-nascido 3,18,20
04 meses3,20; 06 meses18
cervical assimétrico
Reflexo tônico 01 mês18 04 meses18
labiríntico

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, sintetizamos a avaliação de reflexos e reações


importantes na prática clínica. Contudo, vale lembrar que na semiologia
da PC devem ser considerados a topografia da lesão, o contexto, e os
sistemas sensório-motor, visual, vestibular, cognitivo, músculo-
esquelético, emocional, perceptual e ambiental. Logo, a avaliação dos
reflexos e reações vem complementar a análise generalista do quadro
da PC.

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Semiologia dos reflexos e reações automáticas na paralisia cerebral Capítulo 3

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85
PARTE II
AVALIAÇÕES E SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÕES
NA PARALISIA CEREBRAL

Introdução

Camila Torriani-Pasin, Luiz Carlos de Abreu, Talita Dias da Silva,


Vitor Engrácia Valenti, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

Introdução

Avaliação pode ser definida como o processo de selecionar e utilizar


múltiplos instrumentos e/ou fontes de informação variados os quais auxiliarão
na tomada de decisão terapêutica durante todo o processo de reabilitação de
qualquer paciente. Este processo envolve a interpretação de informação
coletada associada ao raciocínio clínico para que as decisões estejam
relacionadas às necessidades da pessoa e em consonância com a terapêutica
proposta1-3. Além disso, a avaliação envolve o processo de checar e verificar
os resultados de intervenções propostas a partir da análise de novos dados e
comparação com resultados anteriores. Conforme descrevem Bower e Ashburn
(2000)4 a capacidade de quantificar as funções do paciente é fundamental
para determinar o sucesso da intervenção porque envolve o processo de
avaliação (identificação do problema), planejamento do tratamento direcionado
para a meta, intervenção e avaliação do resultado final.
Uma avaliação deve ser composta por dados qualitativos e quantitativos
a fim de facilitar o acompanhamento do paciente durante e após o processo
de reabilitação2,3. A avaliação, portanto, inclui o julgamento e observação
que, por sua vez, implica em coleta de informações subjetivas, assim como
a utilização de medidas que fornecem dados objetivos4,5. Assim, os dados
obtidos devem ser significativos (para o paciente e para a equipe), precisos
(válidos e confiáveis) e sistemáticos (regularmente registrados)3,6,7 refletindo
responsabilidade profissional no acompanhamento de seu paciente.
No entanto, o uso de medidas quantitativas para registrar o movimento
ou as habilidades do paciente com Paralisia Cerebral não faz parte da prática
clínica rotineira de muitos profissionais. Em um estudo descritivo sistemático

89
PARTE II Avaliações e Classificações na Paralisia Cerebral - Introdução

realizado em quatro centros de reabilitação, Bower e McLellan (1994)8


identificaram que nenhum dos fisioterapeutas em qualquer dos centros usava
rotineiramente as escalas de avaliação instituídas no acompanhamento de
crianças com paralisia cerebral. Todos eles estabeleciam objetivos ou metas
para o tratamento, mas em três dos quatro centros avaliados, os
fisioterapeutas não eram muito sistemáticos e seus objetivos ou metas, com
frequência, não os induziam às medidas precisas.
Na Paralisia Cerebral, a avaliação refere-se à coleta de informações
relacionadas aos sistemas diversos, como músculo-esquelético,
neuromuscular, sensorial, perceptual e cognitivo, os quais são necessários
para chegar a uma conclusão sobre as habilidades e as limitações do paciente
nas atividades diárias e na função social2,3,7. Sendo assim, o objetivo da
avaliação é descrever o paciente e esse processo envolve a interpretação de
achados advindos das medidas do paciente, no contexto de outros problemas
ou déficits que o indivíduo possa ter2,5,7.
O objetivo de uma avaliação neurológica é estabelecer se há distúrbios
de movimento e, consequentemente, na realização de atividades; definir as
causas deste distúrbio; determinar quais as consequências e qual o estado
futuro, outro fator importante na avaliação é detectar se ocorreram alterações
ao longo do tempo4 para possibilitar intervenções mais adequadas e propostas
de tratamento efetivas.
Porém, conforme afirma Wade (1992)9 estas avaliações descritivas
neurológicas podem tornar-se rituais extensos e com pouco significado, ao
invés de serem instrumentos valiosos de coleta de informação. E, com
frequência, tais avaliações não atingem o propósito de avaliar múltiplos
sistemas corporais, registrar objetivamente, documentar e comunicar os
achados sobre os distúrbios de movimento e os níveis de atividade
apresentados pelo paciente.
Mancini (2005)10 cita que o alto custo financeiro e humano envolvido
no desenvolvimento de instrumentos de avaliação tem criado uma necessidade
de se aperfeiçoar este processo. Além disso, o desenvolvimento de testes
que apresentem solidez teórica e metodológica demanda um esforço de grupo,
onde competências diferentes são necessárias para a concretização deste
objetivo. Em acréscimo, a disponibilidade de diferentes instrumentos que
informem sobre o mesmo fenômeno pode dificultar a comparação de
resultados apresentados por diversas investigações científicas, restringindo
assim a possibilidade de síntese de evidências. Por estas razões, a utilização
ampliada de instrumentos já estabelecidos e consolidados na literatura pode
se tornar uma estratégia interessante á tradicional busca pelo desenvolvimento
de novos instrumentos que mensurem os mesmos fenômenos10.
Herndon (2006)11 descreve mais de 150 escalas de avaliação que
podem ser utilizadas por profissionais da saúde que trabalham com pacientes
neurológicos com diferentes objetivos: comportamental, atividades diárias,
cognitivas, desenvolvimento motor fino, desenvolvimento motor geral,
qualidade de vida, sensorimotor etc. Algumas dessas avaliações foram
desenvolvidas para doenças específicas, outras são genéricas. Contudo, para
avaliar funcionalidade na criança com Paralisia Cerebral os sistemas de
avaliação mais utilizados e citados em trabalhos científicos são o Gross Motor
Function Measure-GMFM (Drnach et al., 201012; Majnemer et al., 2010 13;Park
et al., 201014; Romeo et al., 201015; Wilson et al., 201016; Koog e Min, 201017)
o Pediatric Evaluation of Disability Inventory-PEDI (Wesdock et al., 200818;

90
PARTE II Avaliações e Classificações na Paralisia Cerebral - Introdução

Eisenberg et al., 200919; Postans et al., 201020; Ostensjo et al., 200621; Kuijper
et al., 201022; Galvin et al., 201023; Keren-Capelovitch et al., 201024). O PEDI
e GMFM são avaliações frequentemente utilizadas por pesquisadores em
Paralisia Cerebral conjugando resultados (Mattern-Baxter et al., 200925; Löwing
et al., 200926; Han et al, 201027; Ohrvall et al., 201028; Størvold e Jahnsen,
201029; Sorsdahl et al., 201030; Bailes et al., 201031; Smits et al., 201032;
Kerr et al., 201033).
Além das avaliações, é importante para a criança com Paralisia Cerebral
o desenvolvimento e utilização de sistemas de classificação e o oferecimento
de uma linguagem universal para profissionais e a sociedade. Um sistema de
classificação que está em evidência no mundo é a CIF (Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde)34 e sua versão para
crianças e jovens (CIF-CJ)35-39. Segundo a organização mundial da saúde a
CIF tem como um dos objetivos, propiciar e oferecer uma linguagem padrão
e uma estrutura para a descrição da saúde e dos estados relacionados à
saúde para melhorar a comunicação entre diferentes usuários, tais como,
profissionais de saúde, pesquisadores, políticos e o público34.
Deve-se enfatizar que os conceitos apresentados na classificação
introduzem um novo paradigma para pensar e trabalhar a deficiência e a
incapacidade: as deficiências não são apenas uma consequência das condições
de saúde/doença, mas são determinadas também pelo contexto no meio
ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e pela
disponibilidade de serviços e de legislação. Dessa forma, a classificação não
constitui apenas um instrumento para medir o estado funcional dos indivíduos.
Além disso, ela permite avaliar as condições de vida e fornecer subsídios
para políticas de inclusão social40.
Deste modo, o objetivo deste capítulo é apresentar as avaliações e
aplicabilidade do PEDI e GMFM, assim como a CIF-CJ e conscientizar os
profissionais sobre a importância da quantificação das informações durante
o processo de avaliação do paciente neurológico. É sabido que os avanços na
área da reabilitação na Paralisia Cerebral fundamentam-se no uso comum e
no desenvolvimento de avaliações objetivas e válidas. Por conseguinte, tanto
a atuação clínica quanto o desenvolvimento de pesquisa dependerão dos
conhecimentos obtidos por meio da utilização de instrumentos de avaliações
e classificação na prática clínica de profissionais que trabalham diretamente
com a criança com Paralisia Cerebral.

91
PARTE II Avaliações e Classificações na Paralisia Cerebral - Introdução

REFERÊNCIAS

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PARTE II Avaliações e Classificações na Paralisia Cerebral - Introdução

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93
PARTE II Avaliações e Classificações na Paralisia Cerebral - Introdução

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94
CAPÍTULO 4
INVENTÁRIO DE AVALIAÇÃO PEDIÁTRICA DE INCAPACIDADE
(PEDI)

Maria Cristina de Oliveira

INTRODUÇÃO

Ao longo de dezoito anos, desde sua publicação em 1992, o Pediatric


Evaluation of Disability Inventory (PEDI)1 vem se consolidando como um ins-
trumento de avaliação, com grande número de trabalhos que comprovam
sua aplicabilidade do ponto de vista estatístico, de pesquisa e clinico.2-6
A versão brasileira adaptada foi publicada por Mancini em 20057 e
várias pesquisas têm demonstrado sua aceitação, importância e adequação
ao meio acadêmico e clinico de nosso país.8-12
Os conceitos subjacentes a esta avaliação estão em consonância com
a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)
13
e no conteúdo do PEDI foram incorporados diversos itens da CIF nas áreas
de comunicação, mobilidade e cuidados pessoais. O modelo proposto por
Nagi 14 também foi empregado com o objetivo de capturar as duas diferentes
perspectivas da função que são: capacidade (competência ou maestria em
discretas habilidades funcionais) e desempenho (desempenho de atividades
funcionais em resposta as demandas ambientais). Avaliar estes dois aspec-
tos possibilitam “determinar a relativa importância dos déficits de habilida-
des funcionais e fatores ambientais e contextuais que auxiliam ou prejudi-
cam o desempenho funcional da criança” 1.
No âmbito da terapia ocupacional a publicação do PEDI vai de encon-
tro com a proposta de abordagem preconizada por Trombly 15 denominada
“top-down” segundo a qual a intervenção é iniciada pela exploração das
atividades e interesses ocupacionais do indivíduo e pela identificação das
dificuldades e/ou limitações para o desempenho destas atividades. “Só de-
pois, se necessário, é que se deve prosseguir com a análise dos componen-
tes (força muscular, equilíbrio, percepção visual) que possam contribuir para
os problemas que o indivíduo enfrenta no desempenho funcional” (Maga-
lhães, 2003 p. 247).16
A abordagem “top-down” proposta por Trombly se contrapõe ao mo-
delo então vigente definido como “de baixo para cima” (“bottom-up”) no

95
Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI) Capítulo 4

qual a meta primária é a avaliação dos componentes discretos que o tera-


peuta pressupõe que possam trazer impactos no potencial funcional do clien-
te, o qual com freqüência não é profundamente avaliado.
“Como conseqüência, a relação entre os déficits nas habilidades bási-
cas e os problemas funcionais que o cliente vivencia na vida diária pode
nunca ficar clara para ele(a), o qual por sua vez, pode ter dúvidas sobre o
significado da intervenção” 17.
O capitulo sobre a CIF fornecerá ao leitor aprofundamento sobre o
tema, na área da Terapia Ocupacional, autores como Magalhães18 e Mancini19
trouxeram importantes contribuições e é interessante que se tenha em men-
te os constructos que subsidiam a estruturação e formulação dos itens con-
tidos no teste.
O PEDI é por vezes considerado um teste de fácil administração e
difícil interpretação. Realmente após a coleta de dados, com observância
rigorosa dos critérios de pontuação, o avaliador tem o desafio de analisar as
informações obtidas e levantar hipóteses sobre as possíveis discrepâncias
entre as capacidades (habilidades funcionais) da criança e seu desempenho
funcional (nível de assistência do cuidador). Isto significa tentar apreender a
interação ou complexa relação entre as condições particulares da criança e
os fatores contextuais (ambiente físico, social e cultural).
Mancini7 na versão brasileira adaptada esclarece que as três partes do
teste coletam dados sobre aspectos diferenciados da funcionalidade da criança:
habilidades, influência do cuidador e características do ambiente físico. Des-
sa forma o teste inclui: a perspectiva desenvolvimental na medida em que o
padrão de referência representa a capacidade, assim como, o nível de assis-
tência esperados para cada faixa etária e a perspectiva ecológica uma vez
que tem como objetivo capturar a influência dos cuidadores, dos diferentes
ambientes e expectativas sociais, além de, coletar informações sobre equi-
pamentos e modificações ambientais que sabidamente podem exercer forte
influência sobre o desempenho de crianças com déficits funcionais.
Como esclarece Coster 17 implementar um processo de avaliação
centrado na ocupação pressupõe mais do que adoção de uma ou outra
escala de mensuração. Implica, sobretudo, na adoção de um referencial
organizado em torno da concepção de ocupação que não se reduz às ações
básicas diárias ou as simples ações motoras. “Porções e pedaços de fun-
ção não faz um processo de avaliação e intervenção centrado na ocupa-
ção” 17.

DESCRIÇÃO DO PEDI

Considerando, a disponibilidade da versão brasileira adaptada, que


pode ser adquirida através da Universidade Federal de Minas Gerais20 a custo
bastante acessível e fruto de extenso trabalho de pesquisa e pratica clinica
da Dra Mancini. Assim como da versão original americana21, apresentare-
mos resumidamente algumas informações sobre o teste que, para sua apli-
cação pressupõe o uso do manual bem como do formulário de pontuação.
Dada a vasta literatura sobre o teste, optamos neste capitulo por
agregar elementos práticos e questionamentos que possam auxiliar o tera-
peuta interessado em utilizá-lo na prática clinica, fornecendo referências bi-
bliográficas que permitem aprofundar o conhecimento sobre o tema.

96
Capítulo 4 Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI)

Objetivo do teste:
“Obter uma acurada descrição das capacidades da criança ou
maestria nas habilidades funcionais, seu nível de independência no de-
sempenho de complexas atividades funcionais e a extensão das modifica-
ções necessárias para desempenhar as atividades funcionais” 1.

A quem se destina:
• crianças na faixa etária de 6 meses a 7.5 anos.
• crianças mais velhas cujas habilidades funcionais estejam abaixo
do esperado para crianças de 7.5 anos sem deficiências.

População alvo:
• Os autores, na versão original do teste, sugerem que sua aplicação
é mais apropriada para crianças com deficiências físicas ou defi-
ciências físicas e cognitivas associadas. No entanto, esclarecem que
as pesquisas podem indicar sua adequação para outras populações
o que já vem sendo confirmado por várias publicações nacionais e
internacionais22-24.

Forma de administração:
• Entrevista estruturada conduzida por profissional treinado. Sua apli-
cação, na íntegra, leva em torno de 45 a 60 minutos sendo que a
primeira parte do teste (habilidades funcionais) pode ser respondi-
da independentemente pelos cuidadores e revisada pelo examina-
dor previamente a aplicação da segunda e terceira parte que exi-
gem maior crivo para definição dos escores.
• Julgamento profissional de clinico ou educador familiarizado com a
criança. Dessa forma o terapeuta atribui as pontuações com base
no conhecimento que possui das habilidades da criança. Entrevista
estruturada com pais ou cuidadores da criança.
• Formas combinadas. Parte do teste pode ser respondida pelos inte-
grantes da equipe e parte pela família indicando-se possíveis dis-
crepâncias para analise e tratamento posterior. Parte do teste pode
ser preenchida pela observação do desempenho da criança e os
demais itens através de entrevista com os pais.

Profissionais que podem aplicá-lo:


• O PEDI é direcionado para terapeutas ocupacionais, fisiotera-
peutas, enfermeiras e educadores que atuam em reabilitação,
fonoaudiólogos, psicólogos e outros profissionais interessados
em mensurar as habilidades funcionais de crianças com defi-
ciências.

O que se avalia:
• Capacidade (Parte I): medida através da identificação das habilida-
des funcionais para as quais a criança tem demonstrado maestria e
competência (197 itens).
• Desempenho de atividades funcionais do dia a dia (Parte II): medi-
da através do nível de assistência do cuidador necessário para rea-
lização da tarefa (20 itens).

97
Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI) Capítulo 4

• Modificações (Parte III): medida das modificações ambientais e


equipamentos usados pela criança na rotina das atividades diárias.

Áreas avaliadas: Parte I

Autocuidado - 73 itens

Textura de alimentos Uso de utensílios Uso de recipientes


para beber
Higiene oral Cuidados com os cabelos Lavar as mãos
Lavar o corpo e a face Agasalho/vestimentas Fechos
abertas na frente
Calças Sapatos/meias Tarefas de toalete
Controle urinário Controle intestinal

Mobilidade – 59 itens

Transferência no banheiro Transferência de cadeiras/cadeiras de


rodas
Transferência no carro Transferência no ônibus
Mobilidade na cama/transferências Transferências no chuveiro
Locomoção em ambientes interno: Locomoção em ambiente interno:
métodos distancia/velocidade
Locomoção em ambiente externo: Locomoção em ambiente externo:
métodos distancia/velocidade
Locomoção em ambiente externo: Subir escadas
superfícies Descer escadas

Função Social – 65 itens

Compreensão do significado das Compreensão de sentenças


palavras complexas
Uso funcional da comunicação Complexidade da comunicação
Resolução de problema Jogo social interativo (adultos)
Interação com crianças de idade Brincadeira com objetos
semelhante
Auto-informação Orientação temporal
Tarefas domésticas Auto proteção
Função comunitária

98
Capítulo 4 Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI)

Áreas avaliadas: Parte II

Nesta parte do teste diversos itens da secção anterior são agrupados


em tarefas.

Auto cuidado Mobilidade Função Social


Alimentação Transferências no Compreensão funcional
banheiro/cadeiras
Higiene pessoal Transferências no Expressão funcional
carro/ônibus
Banho Mobilidade na Resolução de problemas
cama/transferências em parceria
Vestuário Transferências no Brincar com
(Parte superior) chuveiro companheiro
Vestuário Locomoção em ambiente Segurança
(parte inferior) interno e externo
Controle urinário Escadas
Controle intestinal

Escores: Na primeira parte do teste (habilidades funcionais) cada item


é pontuado com 1 caso a criança seja capaz de executar o item na maior
parte das situações (ou já o fez) ou 0 caso não seja capaz de executar o item
frequentemente ou quando este não faz parte de seu repertorio funcional.
Na segunda parte (assistência do cuidador) para cada item é atribuí-
da uma pontuação de 0 a 5 sendo a pontuação máxima indicativa de total
independência.
Na ultima parte do teste (parte III) as modificações são indicadas
pela freqüência em que são utilizadas no desempenho das tarefas de auto-
cuidado, mobilidade e função social, em cada uma das seguintes categorias:
nenhuma modificação, modificação centrada na criança, modificação de rea-
bilitação e modificação extensiva.
Observação: As diversas escalas do teste podem ser aplicadas inde-
pendentemente.

Aplicações:
• Discriminar: detectar atraso/ déficit funcional em crianças.
• Avaliar: descrever e monitorar mudanças individuais ou em grupo
de crianças inseridas em programas de reabilitação.
• Predizer o desempenho futuro.
• Medida de evolução para programas de avaliação de serviços de rea-
bilitação pediátrica ou programas terapêuticos em ambiente escolar.

Administração
O manual 1,7 promove extensivo detalhamento sobre a forma de apli-
car o teste, bem como os critérios de pontuação de cada um dos itens e é
imprescindível que o avaliador utilize estas informações para explicitação da
pesquisa do item bem como para determinar o escore. A utilização exclusiva
do formulário de pontuação, mesmo para quem já tem certa prática de apli-
cação poderá induzir a erros. Esta é uma falha que por vezes o terapeuta
comete pela falta de tempo, pela falta de experiência na aplicação de testes,
ou por tratar-se de uma entrevista.

99
Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI) Capítulo 4

Não é incomum terapeutas aplicarem o PEDI com base apenas na


descrição resumida do item e quando necessário fornecerem explicações
pessoais para o entrevistado. Criar exemplos como “farofa” para explicitar
melhor para uma mãe o item 4 sobre texturas de alimentos tornou-se uma
brincadeira folclórica como forma de advertência para não descaracterização
do teste. Embora faça parte da culinária nacional não está descrito no for-
mulário (nem mesmo na versão adaptada) e muda o foco da pesquisa. A
explicação deste item é bastante esclarecedora: “A criança consegue co-
mer comidas difíceis como carne e sopa de legumes, que contem várias
texturas diferentes e que exigem habilidade reflexa rápida para lidar com a
parte liquida dos alimentos.” Observe-se que o item resumido coloca: “Come
todas as texturas, como sopa e carne (bife, frango); não derrama da boca”.
As quatro folhas do formulário obviamente não contemplam as explicações
contidas nas setenta e nove páginas do manual dedicadas ao detalhamento
dos itens.
Os autores1,7 esclarecem que a primeira parte do teste foi elaborada,
seguindo-se abordagem desenvolvimental. Neste sentido os (sub) itens rela-
tivos a cada item são dispostos segundo progressão tipicamente identificada
na amostra normativa. Orientam ainda que o avaliador observe possíveis
discrepâncias na pontuação de cada item. Um bom exemplo é dos itens
relacionados ao banho: 35 - lava o corpo completamente não incluindo a
face e 36 - pega o sabão/ sabonete (esponja de banho se for costume). Este
último item deve “englobar” o anterior, ou seja, pressupõe-se que a criança
seja capaz de se ensaboar para receber crédito. Não se considera apenas
passar sabonete na barriga como muitas crianças pequenas fazem. Obser-
va-se que, na amostra normativa americana, mais de 90% das crianças re-
alizam este item (36) entre 4.5 a 5.0 anos e o item anterior (35) entre 4.0 e
4.5 anos confirmando a perspectiva desenvolvimental.
Este tipo de dúvida pode ocorrer com maior frequência na área rela-
tiva às habilidades funcionais de função social por tratar-se de informações
menos objetivas. Tome-se como exemplo o item 28 – aguarda sua vez em
jogo simples quando é dada dica que é sua vez (no original: takes turns in
simple play when cued for turn). No manual7 as explicações adicionais acres-
centam: (a criança na sua vez empilha blocos; tenta rolar a bola para trás
e para frente) A criança consegue participar em atividades simples de
revezamento, mas somente se um adulto coordenar a atividade dizendo-
lhe o que fazer e quando. Aparentemente trata-se das brincadeiras que
crianças pequenas apreciam muito como uma bola que o adulto joga para
ela e ela “devolve”. Este item precede a habilidade de tentar imitar uma
ação prévia de um adulto durante uma brincadeira (item 29). Na amostra
americana estas habilidades estão desenvolvidas na maior parte das crian-
ças entre 2.0 e 2.5 anos.
Neste sentido a amostra de padronização brasileira indicou valores
bastante diferenciados e o que é mais relevante, quebram a tendência as-
cendente (incremento etário) dentro de uma mesma “área”, nestes casos:
área de auto cuidado, item H – lavar o corpo e a face, que cobre os subitens
34 a 38, e na área de função social, item F – jogo social interativo (adultos),
que cobre os itens 26 a 30.
O manual1,7 tras várias considerações relativas à administração para
minimizar as duvidas do avaliador. Mancini7 esclarece como proceder na pes-
quisa relativa às habilidades funcionais de mobilidade (pag 48), no entanto

100
Capítulo 4 Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI)

por vezes, decidir se o credito deve ou não ser dado não é tarefa simples,
sobretudo no caso de crianças com déficits neuro motores que nem sempre
fazem aquisições com a mesma linearidade das crianças típicas.
Um exemplo é na utilização de recipientes para beber no qual os
subitens 10 a 14 exploram diferentes tarefas relacionadas ao tema. Segu-
ra mamadeira ou copo com bico ou canudo (item 10), levanta copo para
beber, mas pode derramar (item 11), levanta com firmeza, copo sem tampa,
usando as duas mãos (item 12), levanta, com firmeza, copo sem tampa,
usando uma das mãos (item 13) e serve-se de líquidos de uma jarra ou
embalagem (item 14). Neste caso é bastante freqüente crianças com qua-
dro de hemiplegia pontuarem os itens 10, 11, 13 e por vezes o 14 e não
pontuarem o item 12 que se refere a levantar o copo usando as duas
mãos. Como Mancini 7 adverte é necessário cautela para decidir-se se de-
terminada competência foi ou não incorporada no repertório funcional da
criança. Este item isoladamente pode não ser representativo, mas poderá
trazer informações para o raciocínio clinico se somado a dados relativos a
lavar as mãos, agasalho/vestimentas abertas na frente e fechos entre
outros. Ou seja, juntos caracterizam o impacto das dificuldades da crian-
ça nas habilidades funcionais.
Não se trata de penalizar as crianças ou estabelecer como meta que
elas realizem determinado item, mas de criteriosamente avaliar suas habili-
dades e verificar os pontos forte e as possíveis lacunas. Do ponto de vista
clinico o objetivo é utilizar as informações para traçar em parceria com os
cuidadores e, dependendo do caso, com a própria criança as metas de trata-
mento. Alguns itens não serão foco de intervenção por não terem relevância
no atual status funcional da criança, outros serão contemplados com uso de
adaptações, outros serão atingidos indiretamente, contudo é a partir de uma
boa coleta que podemos qualificar os dados e planejar intervenções que
resultem em ampliação do nível de independência.
As partes II e III do teste pressupõem conhecimento ainda maior do
avaliador a cerca dos itens na medida em que terá que tomar decisões sobre
a melhor pontuação com base na descrição do cuidador.
Mancini7 sugere para avaliadores menos treinados que se proceda
a avaliação em dois encontros. Esta é uma estratégia interessante que
inclusive favorece a dissociação entre a coleta dos dados relativos às ha-
bilidades e o auxilio do cuidador. Sugerimos que a divisão inclua na pri-
meira seção as habilidades nas três áreas (autocuidado, mobilidade e fun-
ção social) e na outra o auxilio do cuidador e modificações. Desta forma é
mais provável que o terapeuta não seja influenciado pelas informações
das capacidades e esteja “isento” para coletar dados sobre a prática coti-
diana que a criança consegue fazer, ou não, de suas capacidades. Da
mesma maneira o cuidador estará mais “distanciado” para descreve os
dados da vida como ela é.
Observamos que quando aplicado na integra num só encontro o
entrevistado, e por vezes o terapeuta inexperiente, tende a tentar justi-
ficar ou minimizar as incongruências entre o que a criança é capaz e o
que ela realmente faz cotidianamente. Nesta seção o foco da pesquisa é
identificar o nível de ajuda que o cuidador fornece o que não tem neces-
sariamente relação direta com a capacidade da criança, embora uma
hipótese simplista indique que se a criança é capaz é também indepen-
dente.

101
Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI) Capítulo 4

“Em alguns casos, suporte extra pode ser necessário para encorajar o
cuidador a fornecer respostas acuradas se ele ou ela percebe que “fazem
mais” do que os terapeutas que trabalham com a criança recomendam.” 1
Esta é uma das maiores qualidades do teste, ou seja, criar uma forma
objetiva de pesquisar elementos desta relação complexa que se dá entre a
criança, seu cuidador e o ambiente.
Quando a mãe nos informa que fornece ajuda significativa (contribui
em mais da metade) na refeição porque seu filho demora ao comer sozinho,
porque não dá tempo, ou porque a mesa é alta, ou porque fica cansada, se
distrai....ou quando ela simplesmente descreve como a criança faz sua refei-
ção, está nos indicando as variáveis contextuais que dificultam a indepen-
dência da criança. Caberá ao terapeuta, na análise dos dados, levantar as
hipóteses e sugestões a serem discutidas com a família. Este não é um mo-
mento de “acareações”, ao contrário é o momento de honrarmos a avaliação
e as concepções que a subsidiam.
É frequente os profissionais manifestarem certa “desconfiança” por
teste baseado em entrevista e acredito que a formação, ainda com pouca
tradição na utilização de avaliações padronizadas, contribui para tais opi-
niões. Investigar sobre as tarefas do dia a dia da criança sempre foi comum
entre terapeutas ocupacionais, no entanto, fazê-lo sob a forma de teste exi-
ge treinamento e “ouvidos” bastante apurados e habilidade de condução
para que o processo de avaliação seja inclusive um elemento terapêutico.
Muitas vezes o tom da voz, o interesse e otimismo da mãe sobrepõem
a informação objetiva sobre o item. Lembro-me de uma mãe de dois filhos
com paralisia cerebral, muito tranqüila e positiva com relação ao filho que
estava sendo avaliado, que nas questões relativas ao auxilio do cuidador no
banho respondia “Ele adora o banho e ajuda bastante”. Ainda que o entrevis-
tador objetivamente questionasse: Quem faz mais do que a metade? Ela
novamente respondia: Puxa vida...... ele é muito colaborador....e apenas
após a descrição detalhada da forma de execução desta tarefa no dia a dia é
que foi possível caracterizar e pontuar o nível de assistência fornecida que
neste caso era máxima (escore 1) pois seu filho na ocasião tomava banho
sentado em cadeira plástica e lavava apenas a parte da frente de seu corpo.
Estas informações adicionais são extremamente importantes e devem ser
registradas, mas devemos “descolar” a “sensação” do relato objetivo, ou
seja, “separar a subjetividade” para pontuar corretamente e isto ocorre quando
respeitamos os critérios estabelecidos no teste.
Observe-se que na parte III do teste relativa às modificações, consi-
deramos a cadeira plástica como modificação de reabilitação na medida em
que atendia a questões das necessidades especiais (déficit no controle mo-
tor) daquele garoto. Algum tempo depois ao ser adotada barra para apoio
durante o banho este item foi caracterizado como modificação extensiva e
embora paradoxal é fácil compreender que inicialmente esta adaptação te-
nha levado a necessidade de assistência total (escore 0). O que pode parecer
uma piora do ponto de vista do nível de assistência deve ser avaliado como
uma etapa transitória pela insegurança que criança e mãe vivenciaram ao
ser adotada a postura ortostática durante o banho. Nesta fase é esperado
que a criança tenha dificuldade em liberar uma das mãos para se lavar.
Qualificar os dados permite a compreensão destas sutilezas e possibilita in-
clusive maior conhecimento sobre o treino e tempo necessário para ganho
de independência funcional.

102
Capítulo 4 Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI)

O processo de adaptação é complexo e pode envolver não apenas a


adoção de equipamentos, mas também alterações das tarefas e do modo de
realizá-las. Teixeira e Oliveira25 propõem a aplicação de técnicas de gradua-
ção da tarefa ou partes dela para que sejam adequadas as capacidades do
individuo e efetivamente possam assegurar evolução funcional. Adaptação
com sucesso significa que o individuo consegue responder adequadamente a
demanda ocupacional colocada, ou seja, indica qualidade de vida e
indubitavelmente este processo não se resume a simples “orientações” ou
prescrições de equipamentos.

TREINAMENTO PARA HABILITAÇÃO DO APLICADOR

Embora esteja disponível para grande gama de profissionais os auto-


res advertem sobre a necessidade de conhecimento prévio na área pediátri-
ca, desenvolvimento infantil e instrumentos de avaliação bem como expe-
riência com crianças com deficiências.
Assistir a aplicação conduzida por profissional treinado, realizar ava-
liação em pares de profissionais, gravação e filmagem de entrevistas segui-
das da discussão das diferenças nas pontuações atribuídas são estratégias
sugeridas para treinamento.

Pontuação e interpretação:
• Escore bruto: resultado da somatória dos pontos obtidos em cada
escala I e II.
• Escore normativo: aplicado apenas para crianças com idade entre
seis meses e 7.5 anos. É o resultado da conversão do escore bruto
de acordo com a idade da criança.
As tabelas do manual possibilitam a identificação do escore normativo
(desempenho esperado, para a faixa etária, no grupo de crianças da amostra
de padronização). Em cada intervalo etário (6 meses) o escore 50 é identifi-
cado como escore padrão médio. O pressuposto é de que 95% das crianças
da mesma faixa etária (baseado na amostra normativa) apresentem escore
no intervalo de dois desvios (padrão) da média, ou seja, entre 30 e 70.0 Este
intervalo é considerado normalidade.
As tabelas listam os dados normativos no intervalo entre 10 e 90 e
caso o escore bruto corresponda a escore padronizado fora deste intervalo é
dado o escore abaixo de 10 ou acima de 90, pois se considera que valores
com desvios de mais ou menos quatro desvios da média irão agregar pouco
significado adicional. O mesmo raciocínio deverá ser aplicado na escala de
Assistência do Cuidador.
Por exemplo, se a criança tem 2 anos e dois dias e obteve 22 pontos
em autocuidado seu escore normativo (tabela de transformação de escores/ 2
a 2 anos e cinco meses) é 27.0 com erro padrão de 3,5. A análise numérica
indica atraso, mas é oportuno que se tenha cautela na utilização deste dado.
Ao empregarmos o erro padrão, neste caso, (2 x 3,5) obtemos um intervalo
de 20.0 a 34.0. Os autores explicam que este intervalo prove uma estimativa
da quantidade de pontos que pode se espera que varie quando a criança é
reavaliada em múltiplas ocasiões. Isto significa que há 95% de chances que
numa outra avaliação sua pontuação esteja neste intervalo. Esta questão é
bastante relevante quando se reavalia a criança, pois caso sua pontuação não

103
Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI) Capítulo 4

exceda os dois erros padrão as mudanças podem ser atribuídas a fatores


randômicos e não a mudanças reais. Outra questão é que a criança a criança
acabou de fazer dois anos e, portanto é oportuno identificar seu escore
normativo com os dois grupos etários (1,6 – 1,11 e 2,0 – 2,5) para melhor
clareza. Neste caso seu escore normativo seria, há dois dias, 42,1. Os autores
sugerem este cuidado também na avaliação de crianças prematuras.
Estas observações podem ser relevantes na tomada de decisões, aná-
lise do impacto de determinadas ações e na devolutiva aos pais.
• Escore Contínuo: a partir de metodologia Rasch26 os dados do teste
são disponibilizados na forma de uma escala hierárquica no que se
refere a complexidade dos itens ou seja um continuo dos itens mais
fáceis até os mais difíceis. Não se considera a idade da criança
neste escore.
Este escore varia de 0 a 100 e é disponibilizado um mapa de itens que
inclui todos os itens pesquisados nas habilidades funcionais e um mapa com
os escores da assistência ao cuidador. Aqui também se aplica o erro padrão
para maior margem de confiança. A partir do escore bruto se identifica o
escore continuo (tabelas para transformação dos escores) e sua margem de
erro padrão identificando-se dessa forma uma faixa de itens que se espera
que a criança consiga fazer (por estarem no seu nível de desempenho fun-
cional) e os itens que presumidamente ela tenha habilidade para fazer (a
esquerda) por serem menos complexos.
O mapa abaixo exemplifica o caso de uma criança cuja pontuação
bruta em autocuidado foi de 20 pontos que representa escore continuo de
40.87 e erro padrão de 2.46 (x2= 4.92), ou seja, intervalo de 35.95 a 45.79.
È comum o questionamento de que este dado se refere a % de itens o que é
um engano como se pode ver no exemplo.
Pode-se inferir que esta criança deve ser capaz de segurar a escova
de dente (item 16) e tentar lavar partes do corpo (item 34) assim como as
tarefas mais “fáceis” (a esquerda). Os itens contidos no intervalo identifica-
do têm complexidade compatível ao nível de desempenho da criança avalia-
da. Por fim os itens dispostos a esquerda do intervalo configuram tarefas de
maior complexidade e futuras metas funcionais.
Na assistência do cuidador o mesmo raciocínio é aplicado e são
disponibilizados os respectivos mapas para cada uma das três áreas cober-
tas pelo teste.
Na versão brasileira o mapa de itens das habilidades funcionais na área
da mobilidade (transferências) apresenta pequenos erros de impressão que
podem prejudicar sua utilização. Da mesma forma é preciso que se faça a
retificação da faixa etária nas tabelas para transformação de escores (paginas
159 e 173 do manual). Obedecendo a subdivisão dos grupos etários do teste,
que obedecem a intervalos de seis meses, a ultima faixa etária coberta no
teste certamente se refere a 7 anos a 7 anos, cinco meses e 30 dias.
• “Fit” escore: obtido exclusivamente através de software que acom-
panha a versão original do teste, possibilita a comparação do pa-
drão de respostas da criança avaliada com o esperado em função
da amostra normativa (americana).

Padronização:
A versão original envolveu amostra normativa composta por 412 crianças
americanas da região nordeste dos Estados Unidos a qual, segundo os autores,

104
Capítulo 4 Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI)

mais se aproximava das características demográficas da população americana


definida no censo de 1980. O manual descreve as propriedades psicométricas
do teste bem como os procedimentos de padronização.
O manual da versão brasileira traduzida e adaptada detalha os estudos
conduzidos, em consonância com os requisitos preconizados na literatura,
na tradução, adaptação cultural e desenvolvimento das normas brasileiras. A
amostra normativa envolveu 276 crianças nascidas na Região metropolitana
de Belo Horizonte, subdivididas em 14 grupos etários selecionados de forma
estratificada e com equivalência de ambos os sexos. Segundo Mancini7 buscou-
se maior representatividade das classes C e D (níveis médio-baixo e baixo)
conforme o perfil socioeconômico da população brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Incapacidades X Deficiências
Como apontado anteriormente o PEDI foi elaborado segundo os
pressupostos da CIF 13 segundo a qual qualquer condição de saúde (doenças,
distúrbios, lesões, etc.) pode apresentar conseqüências (deficiências) nas
funções e estruturas do corpo, limitações nas atividades, isto é, na capacidade
de execução de tarefas ou ações e restrições na participação ou envolvimento
em situações de vida.

105
Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI) Capítulo 4

A tradução brasileira da CIF conduzida pelo Centro Colaborador da


OMS para a Classificação de Doenças em Português, da Universidade de São
Paulo, adotou-se a tradução do termo disability por “incapacidade” e
impairments por “deficiências”. Diniz, Medeiros e Squinca27 por outro lado
sugerem que seria mais adequado usar o termo “deficiência” para disability
e “lesão” para impairment. O que garantiria com maior legitimidade o amplo
debate entre o modelo médico e social da deficiência. Segundo estes autores
pelo vocabulário proposto na ultima versão da CIF, disability é entendido
como um conceito guarda-chuva que engloba o corpo com lesões, limitações
de atividades ou restrições de participação. Ou seja, disability não se resume
a impairment, pois é o resultado negativo da interação de um corpo com
lesões em ambientes sociais pouco sensíveis à diversidade corporal das
pessoas. O objetivo dessa redefinição de disability foi incorporar a crítica dos
teóricos do modelo social: deficiência é uma experiência sociológica e política
e não apenas o resultado de um diagnóstico biomédico sobre corpos
anômalos” 27. (p. 27)
Neste sentido a tradução brasileira do Pediatric Evaluation of Disability
Inventory (PEDI)1, coerentemente, adotou a mesma nomenclatura proposta
para CIF e na medida em que não se trata de inventariar Incapacidades nos
parece que Inventario de Avaliação Pediátrica de Deficiências entendendo-se
deficiência como proposto pela própria CIF se coadunaria melhor com os
objetivos propostos pelos autores do teste.

Testar X Tratar
Ainda de acordo com a CIF13 , a funcionalidade de um indivíduo é fruto
da interação ou relação complexa entre sua condição de saúde e fatores
contextuais, que incluem os fatores ambientais (ambiente físico, social e de
atitudes nas quais as pessoas estão inseridas) e fatores pessoais (histórico
particular de vida e do estilo de vida de um indivíduo). “Essas interações são
específicas e nem sempre ocorrem em uma relação uniforme previsível” 13.
Inferir uma limitação da capacidade devido a uma ou mais deficiências, ou
uma restrição de desempenho por causa de uma ou mais limitações, pode
parecer muitas vezes razoável. No entanto, é importante coletar dados sobre
esses constructos de maneira independente e, então, explorar as associações
e ligações causais entre eles 13.
No cotidiano do tratamento de crianças portadoras de desordens neuro
motoras e suas famílias, nos deparamos com o imenso desafio de conduzir
intervenções que primem pela excelência. Testes são uma pequena parte deste
processo, importantes na medida em que informam ao que viemos e indicam
caminhos. As escolhas das ferramentas de avaliação configuram um passo
importante, “bons” testes são sem dúvida um bom começo e sua disponibilidade
numa versão brasileira é digno de elogios mas é importante que se tenha em
mente que o raciocínio clínico envolve muito mais do que uma avaliação.
É frequente terapeutas com pouca experiência prática manifestarem
dificuldades para analisar e redigir relatórios a partir dos dados coletados
com o PEDI. Obviamente as hipóteses e sugestões resultantes da analise das
capacidades e limitações vivenciadas cotidianamente pelo seu cliente
dependem do conhecimento teórico, experiência clinica e, sobretudo do
conhecimento acerca da vivencia particular daquele individuo e seus
cuidadores. Apreender e compreender os múltiplos e, às vezes, contraditórios
dados sobre as experiências únicas de cada criança com suas habilidades e

106
Capítulo 4 Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - (PEDI)

deficiências vai realmente muito mais longe do que relacionar componentes


motores, cognitivos e aspectos ambientais.
Como assinalam Mattingly e Fleming na terapia ocupacional o raciocínio
clínico, elaboração de um projeto terapêutico e condução de um processo de
tratamento com sucesso não esta relacionado apenas as questões do universo
biológico das patologias, mas do universo humano das motivações, valores e
crenças. “Terapeutas ocupacionais ajudam clientes a desenvolver seus auto
cuidados e suas habilidades para viver o mais independentemente possível.
Portanto, os julgamentos que fazem sobre o que constitui independência e
quais competências seus pacientes precisam são extremamente importantes
para a efetividade da terapia. O trabalho clínico parece menos a condução de
um plano criado por um terapeuta e mais a vivencia de uma interação na
qual participam pelo menos dois atores – terapeuta e cliente”28. (p. 8)

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108
CAPÍTULO 5

GMFM E GMFCS – MENSURAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DA


FUNÇÃO MOTORA GROSSA

Luara Tomé Cyrillo, Maria Cristina dos Santos Galvão

Todos os dias, a equipe de profissionais responsável pela reabilitação


de pacientes com Paralisia Cerebral se depara com indagações vindas das
famílias, das organizações em que trabalham e até mesmo deles próprios,
tais como: As terapias ou as intervenções realizadas estão sendo efetivas? O
quadro motor apresentado é grave? Está dentro do esperado quando
comparado ao de outras crianças? As soluções destas perguntas auxiliam na
tomada de decisão que afetam diretamente a vida destas crianças e suas
famílias. Mas, baseando-se em que estão estas respostas? A experiência
adquirida com a prática clínica que durante muitos anos serviu para embasar
e direcionar o programa de reabilitação mostrou-se insuficiente diante da
subjetividade das interpretações clínicas, da crescente exigência dos
profissionais, pacientes e familiares por maior consensualidade e clareza, e
também, da pressão exercida pelos custeadores da reabilitação. Diante deste
contexto, com o objetivo de esclarecer estas perguntas e tomar decisões de
maneira mais válida e confiável, foram desenvolvidos diversos instrumentos,
em particular a GMFM - Medida da Função Motora Grossa1 e o GMFCS - Gross
Motor Function Classification System2,3,em português Sistema de Classificação
da Função Motora Grossa.

GMFM

A GMFM é um teste padronizado desenvolvido no final da década de


80 por pesquisadores do Centro CanChild for Childhood Disability Research
em Hamilton, Canadá, após constatação das limitações referentes à validade
dos instrumentos de medição para crianças com Paralisia Cerebral disponíveis
naquela época4.

109
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa Capítulo 5

Tem por objetivo quantificar a extensão das limitações das atividades


físicas ocorridas em indivíduos com Paralisia Cerebral e avaliar suas mudanças
ao longo tempo. Para tanto, escolheu-se como indicador a função motora
grossa, ou seja, a habilidade em manter e mover o corpo no espaço para
mobilidade funcional, como por exemplo: manter-se sentado, mudar entre
posturas, engatinhar e andar, uma vez que o desenvolvimento motor estará
quase sempre atrasado ou desordenado na Paralisia Cerebral.
Por esta razão, o teste é composto por 88 itens divididos em cinco dimensões
baseadas nas etapas do desenvolvimento motor típico, sendo a Dimensão “A”:
“Deitar e Rolar” composta por 17 itens que avaliam a função na posição prona,
supina e o rolar; a Dimensão “B”: “Sentar” constituída por 20 itens que avaliam
a posição sentada em diversas variações; a Dimensão “C”: “Engatinhar e Ajoelhar”
composta por 14 itens que avaliam o engatinhar e a posição ajoelhada; a Dimensão
“D”: “Em pé” formada por 13 itens que avaliam a posição em pé e transições que
envolvem esta postura e finalmente, a Dimensão “E”: “Andar, Correr e Pular”
constituída por 24 itens para avaliar estas funções motoras.
Estas atividades foram selecionadas por refletirem o comprometimento
motor resultante da Paralisia Cerebral. Entretanto, por avaliar uma função
frequentemente acometida em outras patologias, a GMFM já foi validada
para crianças com Síndrome de Down5,6, e mais recentemente tem-se estudado
sua validade e confiabilidade para o uso em indivíduos com osteogênese
imperfeita7, amiotrofia espinal8 e Lesão Encefálica Adquirida9,10.
A GMFM foi desenvolvida para ser aplicada por terapeutas pediátricos,
sendo comumente mais utilizada por fisioterapeutas. Durante os primeiros
10 anos foram disponibilizados workshops de treinamento da medida,
substituídos posteriormente com o lançamento de um CD-ROM de treinamento
denominado GMFM Self-Instructional Trainning11, composto de diversos vídeos
de exemplos dos itens com explicações da pontuação atribuída. Apesar de
ser uma forma mais prazerosa e didática de melhorar a concordância na
pontuação do teste, o treinamento através do CD-ROM ou de qualquer outro
tipo, não é pré-requisito para aplicá-lo. Recomenda-se, entretanto, que antes
de avaliar uma criança, tanto para uso clínico quanto para pesquisas, o
examinador esteja familiarizado com as diretrizes de pontuação e
administração do teste, que sejam testadas pelo menos duas crianças como
exercício prático e que as pontuações atribuídas sejam comparadas e
discutidas com outros colegas mais experientes para verificar a confiabilidade
do examinador iniciante.
As diretrizes para a execução de cada item e as opções de pontuação
do teste são padronizadas e descritas no Manual do Usuário da Medida da
Função Motora Grossa GMFM-88 & GMFM-661. Os 88 itens são divididos em
itens: dinâmicos, aqueles que avaliam movimento em uma dada postura ou
para atingi-la; estáticos, aqueles que avaliam o tempo de permanência em
uma dada postura, e finalmente, mistos, aqueles que combinam avaliação
de movimento e tempo. Cada item é pontuado baseando-se numa escala de
4 pontos, que salvo nos itens em que outra especificação é atribuída, é
descrita usando o seguinte sistema de pontuação:

0 - a criança não inicia a atividade proposta no item,


1 - inicia, ou seja, realiza menos que 10% do total da atividade,
2 - completa parcialmente, ou seja, realiza entre 10% a menos que
100% do total da atividade,

110
Capítulo 5 GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa

3 - completa, realiza 100% da atividade.

A pontuação assinalada para cada item é baseada no nível mais alto


de função alcançada em três tentativas. Para cada dimensão, somam-se os
pontos obtidos e calcula-se uma porcentagem. O resultado final do teste é
um percentual obtido através do somatório das porcentagens obtidas de
cada dimensão dividida pelo número de dimensões.
A análise da pontuação alcançada no reteste permite determinar de
forma objetiva as mudanças motoras grossas devidas tanto pelo
desenvolvimento e/ou quanto por intervenções/terapias realizadas durante
aquele período, como por exemplo: a fisioterapia, cirurgias, aplicação de
bloqueios químicos, entre outros12-18. Desta forma, a GMFM também pode
ser utilizada para avaliar a efetividade destas intervenções.
O impacto do uso de órteses e/ou auxiliares para marcha também
pode ser mensurado realizando o teste sem as órteses e posteriormente,
com as órteses e/ou auxiliares usados rotineiramente pela criança1,19.
Por este motivo e por se ter validade e confiabilidade comprovadas20-25,
a GMFM é bastante utilizada tanto em pesquisas quanto na prática clínica.
Entretanto, com a constância do uso, algumas limitações foram detectadas,
referentes principalmente à interpretção da pontuação final, como detalhadas
a seguir1.
Primeiramente, a GMFM-88 é uma medida ordinal, ou seja, ao usar
uma porcentagem como pontuação, apenas ordena a função motora grossa
em melhor ou pior, mas os itens não estão distribuídos de maneira uniforme
ao longo da escala. Isto faz com que uma melhora da pontuação de 10%
para 20% não seja igual a uma melhora de uma pontuação de 20% para
30%. Isto claramente dificulta a comparação da evolução da criança ao longo
do tempo.
Paralelamente, a pontuação total em si, como no exemplo acima uma
mudança de 10%, tem significado limitado. Embora existam tabelas com
valores de referência da evolução esperada da GMFM1 (formadas por uma
pequena amostragem para cada faixa etária e comprometimento motor),
não é possível inferir a partir deste valor, quais os aspectos da função motora
são mais fáceis e quais os mais difíceis, o que esperar nos próximos meses,
nem tampouco afirmar se a evolução foi realmente significativa.
A comparação entre as crianças também é prejudicada, pois sendo a
pontuação uma média das pontuações das dimensões, pode haver crianças
com a mesma pontuação final, mas teoricamente com desempenhos motores
completamente diferentes, identificados apenas quando se observa as
pontuações de cada item.
Outra limitação encontrada é o fato que todos os itens precisam ser
testados para serem pontuados. Isto significa que, caso o examinador não
consiga fazer com que a criança execute um determinado item ou se esqueça
de testá-lo, ele deve creditar uma pontuação zero para este item, mesmo
sabendo que a criança é capaz de realizar ou que seu desenvolvimento motor
esteja além do exigido naquele item. Esta redução da pontuação
provavelmente fornece um valor final não condizente com o desempenho
real do indivíduo.
Finalmente, outro problema é o tempo necessário para testar os 88
itens para se obter a pontuação final, em média de 45 a 60 minutos, podendo
facilmente ser excedido dependendo da experiência do examinador e da

111
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa Capítulo 5

colaboração da criança. Então, com intuito de poupar tempo para a realização


do teste, alguns examinadores selecionam somente algumas dimensões, as
mais relevantes para o nível funcional que a criança se encontra, para serem
testadas. Se por um lado esta prática provavelmente aumente a
responsividade da medida à mudanca, por outro lado existe evidência de
que a confiabilidade e a validade da pontuação das dimensões não são tão
altas como a da medida como um todo20.
Então, como forma de melhorar sua interpretação e utilidade, o GMFM
foi submetido a Análise Rasch26 que resultou no desenvolvimento de uma
versão unidimensional com 22 itens a menos, nomeada GMFM-6627. A versão
anterior ficou então conhecida como GMFM-88. Apesar dos 66 itens que
constituem a GMFM-66 serem os mesmos que formam a GMFM-88 e seguirem
as mesmas diretrizes para administração, grandes diferenças e vantagens
referentes à obtenção e a interpretação da pontuação da GMFM-66 podem
ser destacadas com a nova versão, além de obviamente ter ficado mais curta
e rápida de ser administrada.
A escala transformou-se de ordinal para intervalar, pela qual os 66
itens foram dispostos ao longo de um intervalo contínuo de dificuldade e os
indivíduos passaram a ser localizados num intervalo contínuo de habilidade
que varia de 0 a 100. Para obter a pontuação do GMFM-66 é necessário um
programa de computador chamado GMAE - Estimador da Habilidade Motora
Grossa ou Gross Motor Ability Estimator1, (incluso no Manual do Usuário).
Graças a este programa, é possível então, calcular a pontuação total
desprezando aqueles itens que foram esquecidos ou que a que a criança se
recusou a completar.
A medida intervalar e o estabelecimento de um intervalo de confiança
gerado pelo GMAE, permite uma avaliação mais precisa das mudanças de
pontuação tanto, em relação à criança ao longo do tempo, pois assegura se
a mudança na pontuação foi real ou atribuída ao erro da medida, quanto na
comparação entre as crianças, uma vez que pontuações finais iguais signifi-
cam teoricamente desempenhos motores idênticos.
Além disto, ao se determinar a ordem hierárquica de dificuldade dos
itens e também o grau de dificuldade de mover de uma pontuação 0 para 1,
ou da 1 para 2, ou da 2 para 3 em um determinado item em relação aos
outros itens, foi possível correlacionar o nível de dificuldade e a pontuação,
de forma que quanto maior o nível de dificuldade do item superado pela
criança, maior a pontuação final obtida. Ou seja, diferentemente da GMFM-
88 que credita igualmente cada novo movimento realizado pela criança, a
GMFM-66 tenta atribuir maior valor a novos movimentos com maior nível de
dificuldade, ou seja, novas habilidades.
Sendo assim, ficou mais fácil entender o desenvolvimento motor grosso
de crianças com Paralisia Cerebral e determinar quais as habilidades motoras
estão relativamente “próximas” de serem alcançadas para aquela criança ou
quais irão levar um “tempo maior” para se desenvolverem. Esta informação
é fornecida através de gráficos individuais, desenhados pelo programa GMAE,
denominados Mapas de item. O Mapa de item (Figura 1) fornece uma
informação visual da dificuldade estimada dos 66 itens do GMFM (sendo os
itens mais difíceis dispostos mais em cima e os itens mais fáceis dispostos
mais embaixo no eixo vertical do gráfico) e da dificuldade de se obter uma
pontuação 0, 1, 2 ou 3 dentro de cada item (dispostas na mesma linha do
número do item, de forma que quanto mais espaçados estiverem um número

112
Capítulo 5 GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa
do outro, mais difícil progredir de uma pontuação para a outra). Esta
informação, correlacionada ao nível de habilidade motora atual da criança
(representado pela linha vertical da pontuação da GMFM-66 obtida) permite
inferir que as atividades correspondentes àquelas pontuações imediatamente
à direita da linha, são as habilidades que se “espera” atingir no reteste, ou
seja, as habilidades emergentes. Desta forma, a análise do Mapa de item
auxilia na determinação dos objetivos terapêuticos e na interpretação clínica
do resultado, além de facilitar o entendimento do desenvolvimento motor
grosso não só para os terapeutas, mas também para os responsáveis pelo
paciente.

Figura 1: Mapa de item de uma GMFM-66 com pontuação de 44,971

113
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa Capítulo 5

Apesar de todas estas vantagens, a GMFM-88, por conter maior des-


crição das habilidades motoras, deve ser escolhida para ser usada para veri-
ficar impacto de órteses e/ou auxiliares de marcha1, ou quando for testada
em crianças motoramente mais comprometidas ou mais novas, embora exis-
tam dados sobre a validade e confiabilidade do GMFM-66 para crianças de 3
a 36 meses28. É claro que testando os 88 e tendo o GMAE, a pontuação da
GMFM-66 também pode ser calculada. Por outro lado, deve optar-se somen-
te pela realização dos 66 itens quando o tempo para administração for es-
casso e para testar crianças pouco colaborativas ou com déficit de com-
preensão (Ver resumo comparativo das duas versões na Tabela 1).

Tabela 1: Comparação das duas versões do GMFM


Características GMFM – 88 GMFM-66

Quantificar e avaliar Quantificar e avaliar mudanças


mudanças da função motora da função motora grossa ao
Objetivo grossa ao longo tempo. longo tempo. Mais usado para o
Avaliar impacto de órteses e propósito de pesquisas
auxiliares de marcha

Crianças com Paralisia Crianças com Paralisia Cerebral


Público alvo Cerebral, síndrome de Down somente. Crianças pouco
Crianças mais graves, colaborativas ou com déficit
motoramente ou mais novas cognitivo

• Manual do Usuário· • Manual do Usuário·


• Folha de Pontuação· • Folha de Pontuação·
Materiais • Materiais facilmente • Materiais facilmente
encontrados para a prática da encontrados para a prática da
fisioterapia definidos no fisioterapia definidos no Manual
Manual do Usuário do Usuário
• Software GMAE

Número de Itens 88 itens baseados nos marcos 66 itens baseados nos marcos do
e Dimensões do desenvolvimento motor, desenvolvimento motor, não há
divididos em 5 Dimensões separação por dimensão

Tempo requerido Estima-se entre 45 a 60 Não estimado, porém espera-se


minutos que seja realizado mais rápido
que a GMFM-88

Pontuação de um Escala de 4 pontos variando Escala de 4 pontos variando de 0


único item de 0 a 3, melhor de 3 a 3, melhor de 3 tentativas. Para
tentativas itens esquecidos ou não testados
atribui-se o código NT

Escala de Escala ordinal, pontuação total Escala intervalar, pontuação


pontuação calculada através da média da obtida através do programa
somatória da pontuação GMAE. Um intervalo de confiança
obtida em cada dimensão, de 95% e o erro-padrão são
expressa em porcentagem calculados pelo programa. A
pontuação é expressa por um
número absoluto

Instrumentos de Nenhum Mapas de itens obtidos através


interpretação do GMAE

114
Capítulo 5 GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa

GMFCS

A Paralisia Cerebral não é um diagnóstico etiológico, mas um termo


descritivo amplo, extremamente variável em relação a suas manifestações
clínicas, gravidade, aspectos etiológicos e prognósticos, o que torna sua clas-
sificação difícil, embora imprescindível para complementar o entendimento
da mensuração da função motora grossa.
Para descrever a severidade do acometimento motor, modelos tradi-
cionais classificavam a Paralisia Cerebral em “leve”, “moderada” e “grave”.
Termos subjetivos, usados sem consenso entre os profissionais, e que não
forneciam informações consistentes sobre quais limitações motoras pode-
riam ser focadas na reabilitação.
Em 1997 o mesmo grupo de pesquisadores do Canadá que desenvolveu
a GMFM, apresentou uma abordagem alternativa às classificações existentes
com a publicação do GMFCS - Gross Motor Function Classification System2, ou
Sistema de Classificação da Função Motora Grossa.
Para diferenciar as crianças de idade similar em categorias diferentes,
basearam-se em suas habilidades funcionais, procurando descrições mental-
mente visíveis e aspectos motores clinicamente significativos.
A criança pode ser classificada por fisioterapeutas, terapeutas ocupa-
cionais, médicos e outros profissionais, inclusive pelos pais ou responsá-
veis29, dentro de uma escala de cinco níveis dependendo da sua idade e
atividades motoras que consegue realizar espontaneamente e habitualmen-
te, na qual o nível I representa o menor comprometimento motor e o nível V
o maior prejuízo das funções motoras.
A diferenciação entre os níveis centra-se na capacidade funcional,
especialmente no que se refere à postura sentada e à deambulação, e na
necessidade de tecnologia assistiva, incluindo os dispositivos usados na marcha
e cadeira de rodas; com menor ênfase na qualidade do movimento.
De uma maneira geral o GMFCS, para crianças na faixa etária entre 6
a 12 anos, estabelece que:

NÍVEL I ....... Anda sem limitações

NÍVEL II ..... Anda com limitações

NÍVEL III .... Anda utilizando um dispositivo manual de mobilidade

NÍVEL IV ..... Auto-mobilidade com limitações; pode utilizar mobili-


dade motorizada

NÍVEL V ...... Transportado em uma cadeira de rodas manual

115
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa Capítulo 5

Apesar do seu desenvolvimento relativamente recente, o GMFCS teve


uma rápida aceitação na prática clínica ao facilitar a comunicação entre os
profissionais e familiares e em pesquisas, ao homogeneizar as amostras de
crianças com Paralisia Cerebral, sendo traduzido para 17 idiomas e citado
em mais de 400 de artigos publicados30,31.
Com o uso frequente deste sistema de classificação surgiu a questão
sobre se as crianças permaneceriam no mesmo nível do GMFCS ao longo dos
anos. Palisano e colaboradores32 demonstraram evidências da estabilidade
do GMFCS ao avaliar 610 crianças de todos os níveis em intervalos de 6
meses ou 12 meses e constatar que 73% das crianças permaneceram no
mesmo nível inicial nas avaliações subseqüentes. Os resultados também in-
dicam que a estabilidade não é afetada se a classificação é feita por diferen-
tes avaliadores.
Entretanto, em crianças menores de dois anos a classificação da fun-
ção motora pode ser difícil e menos precisa, já que seu repertório motor
pode ser relativamente escasso no que diz respeito às habilidades abrangidas
pelo GMFCS, o que pode acarretar uma eventual necessidade de reclassificação
para outro nível no futuro33.
Quando se iniciou a elaboracao do GMFCS, o conhecimento sobre o
desenvolvimento motor dos adolescentes com PC era limitado. Um estudo
longitudinal prospectivo sobre qualidade de vida e mobilidade dos adoles-
centes providenciou dados para se criar uma nova faixa etária dos 12 aos 18
anos na classificação. Além da ampliação das faixas etárias, foi possível uma
revisão da versão do GMFCS a fim de incluir conceitos da Classificação Inter-
nacional de Funcionalidade da Organização Mundial de Saúde incentivando
os seus usuários a estarem atentos ao impacto de fatores ambientais e pes-
soais sobre a expressão da função motora do indivíduo com Paralisia Cere-
bral3. O nível motor observado aos 12 anos de idade é altamente preditivo da
função motora nas faixas posteriores34, sendo que a maioria dos adolescen-
tes continua capaz de utilizar os mesmos meios de mobilidade que usavam
quando mais novos, mas pode escolher outras formas de locomoção depen-
dendo de sua motivação, presença de barreiras arquitetônicas, contexto so-
cial, entre outros3.
De posse de um sistema de classificação válido e estável e de uma
forma de quantificar a função motora grossa foi possível desenvolver percentis
de referência de função motora. Os percentis são ferramentas úteis para os
terapeutas compreenderem a mudança na função motora grossa de uma
criança quando comparada com crianças de mesma idade e nível motor. Para
verificar o desempenho motor da criança, basta encontrar nas Tabelas de
2.1 a 2.5, a correspondente ao nível do GMFCS, varrer toda a linha que mais
se aproxima da idade desta criança, e encontrar o número que está mais
próximo da pontuação da GMFM-66 obtida. O cabeçalho da coluna corres-
pondente informa o percentil da criança. Este número que varia de 3 a 97, é
o percentual de crianças da amostra normativa que é esperado que a criança
supere. Por exemplo: uma criança que está no percentil 97 significa que,
para a sua idade e nível da GMFCS, sua habilidade motora supera 97% do
total de crianças avaliadas e é superada por 3% do total de crianças avalia-
das. O percentil 50 é a tendência média da população. Ao contrário da pon-
tuação do GMFM-66 que mede a habilidade motora, os percentis indicam
apenas a relativa habilidade em comparação com outras crianças da mesma
idade e GMFCS35.

116
Capítulo 5 GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa

Tabela 2.1 Percentis GMFM-66 por idade - GMFCS Nível I36

Percentil
Idade
3 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 97
2 anos 0 mes 44,2 46,2 49,1 51,1 52,6 53,9 55,1 56,2 57,2 58,1 59,1 60,0 61,0 62,0 63,0 64,1 65,3 66,7 68,4 71,0 72,6
3 mes 45,0 47,5 50,0 52,0 53,6 54,9 56,1 57,2 58,2 59,2 60,1 61,1 62,0 63,0 64,0 65,1 66,4 67,8 69,6 72,1 73,8
6 mes 46,3 48,4 51,5 53,5 55,1 56,5 57,7 58,8 59,8 60,8 61,8 62,8 63,8 64,8 65,8 66,9 68,2 69,6 71,4 74,0 75,9
9 mes 47,6 49,7 52,9 55,0 56,6 58,0 59,3 60,4 61,5 62,5 63,5 64,5 65,5 66,5 67,6 68,7 70,0 71,4 73,2 75,9 77,6
3 anos 0 mes 48,9 51,0 54,3 56,5 58,1 59,6 60,8 62,0 63,1 64,1 65,1 66,1 67,1 68,2 69,3 70,4 71,7 73,2 75,1 77,7 79,5
3 mes 50,1 52,4 55,7 57,9 59,6 61,1 62,4 63,5 64,7 65,7 66,7 67,8 68,8 69,9 71,0 72,2 73,5 75,0 76,8 79,6 81,3
6 mes 51,4 53,7 57,1 59,4 61,1 62,6 63,9 65,1 66,2 67,3 68,4 69,4 70,4 71,5 72,6 73,8 75,2 76,7 78,6 81,3 83,1
9 mes 52,6 55,0 58,5 60,8 62,6 64,1 65,4 66,6 67,8 68,9 69,9 71,0 72,0 73,1 74,3 75,5 76,8 78,4 80,3 83,0 84,8
4 anos 0 mes 53,8 56,2 59,8 62,1 64,0 65,5 66,9 68,1 69,3 70,4 71,5 72,5 73,6 74,7 75,9 77,1 784 80,0 81,9 84,7 86,5
2 mes 55,0 57,4 61,1 63,5 65,3 66,9 68,3 69,5 70,7 71,8 72,9 74,0 75,1 76,2 77,4 78,6 80,0 81,5 83,5 86,3 88,1
6 mes 56,1 58,6 62,3 64,8 66,6 68,2 69,6 70,9 72,1 73,2 74,3 75,4 76,5 77,6 78,8 80,1 81,4 83,0 85,0 87,8 89,6
9 mes 57,1 59,7 63,5 66,0 67,9 69,5 70,9 72,2 73,4 74,5 75,6 76,7 77,9 79,0 80,2 81,4 82,8 84,4 86,3 89,2 91,0
5 anos 0 mes 58,1 60,8 64,6 67,1 69,0 70,6 72,1 73,4 74,6 75,7 76,9 78,0 79,1 80,2 81,4 82,7 84,1 85,6 87,6 90,4 92,3
3 mes 59,1 61,7 65,6 68,1 70,1 71,7 73,1 74,4 75,7 76,8 78,0 79,1 80,2 81,3 82,5 83,8 85,2 86,8 88,7 91,6 93,4
6 mes 59,9 62,6 66,5 69,1 71,0 72,7 74,1 75,4 76,6 77,8 78,9 80,1 81,2 82,3 83,5 84,8 86,1 87,7 89,7 92,5 94,3
9 mes 60,6 63,4 67,3 69,9 71,9 73,5 75,0 76,3 77,5 78,7 79,8 80,9 82,0 83,2 84,4 85,6 87,0 88,6 90,5 93,3 95,1
6 anos 0 mes 61,3 64,1 68,1 70,7 72,7 74,3 75,8 77,1 78,3 79,5 80,6 81,7 82,8 84,0 85,1 86,4 87,8 89,3 91,3 94,1 95,8
3 mes 61,9 64,7 68,8 71,4 73,4 75,0 76,5 77,8 79,0 80,2 81,3 82,4 83,5 84,7 85,8 87,1 88,4 90,0 91,9 94,7 96,4
6 mes 62,5 65,3 69,4 72,0 74,0 75,7 77,1 78,4 79,7 80,8 82,0 83,1 84,2 85,3 86,5 87,7 89,1 90,6 92,5 95,3 97,0
9 mes 63,1 65,9 70,0 72,7 74,6 76,3 77,8 79,1 80,3 81,5 82,6 83,7 84,8 85,9 87,1 88,3 89,6 91,2 93,1 95,8 97,5
7 anos 0 mes 63,6 66,5 70,6 73,3 75,3 76,9 78,4 79,7 80,9 82,1 83,2 84,3 85,4 86,5 87,7 88,9 90,2 91,7 93,6 96,3 98,0
3 mes 64,1 67,0 71,2 73,8 75,8 77,5 79,0 80,3 81,5 82,6 83,8 84,9 86,0 87,1 88,2 89,4 90,8 92,3 94,1 96,8 98,5
6 mes 64,5 67,5 71,7 74,4 76,4 78,1 79,5 80,8 82,1 83,2 84,3 85,4 86,5 87,6 88,8 90,0 91,3 92,8 94,7 97,3 99,0
9 mes 64,9 67,9 72,2 74,9 76,9 78,6 80,1 81,4 82,6 83,8 84,9 86,0 87,1 88,2 89,3 90,5 91,9 93,4 95,2 97,8 99,5
8 anos 0 mes 65,3 68,4 72,7 75,4 77,5 79,1 80,6 81,9 83,2 84,3 85,4 86,5 87,6 88,7 89,9 91,1 92,4 93,9 95,7 98,3 100
3 mes 65,6 68,7 73,1 75,9 77,9 79,6 81,1 82,4 83,7 84,8 86,0 87,1 88,1 89,3 90,4 91,6 92,9 94,4 96,2 98,8 100
6 mes 65,8 69,0 73,5 76,3 78,4 80,1 81,6 82,9 84,1 85,3 86,4 87,5 88,6 89,7 90,9 92,1 93,4 94,9 96,7 99,3 100
9 mes 66,0 69,3 73,8 76,6 78,7 80,5 82,0 83,3 84,6 85,7 86,9 88,0 89,1 90,2 91,3 92,5 93,8 95,3 97,1 99,7 100
9 anos 0 mes 66,1 69,5 74,1 76,9 79,1 80,8 82,3 83,7 84,9 86,1 87,3 88,4 89,5 90,6 91,7 92,9 94,2 95,7 97,5 100 100
3 mes 66,1 69,6 74,3 77,2 79,4 81,1 82,6 84,0 85,3 86,5 87,6 88,7 89,8 90,9 92,1 93,3 94,6 96,0 97,9 100 100
6 mes 66,1 69,6 74,5 77,4 79,6 81,4 82,9 84,3 85,5 86,7 87,9 89,0 90,1 91,2 92,3 93,5 94,9 96,3 98,1 100 100
9 mes 66,1 69,7 74,6 77,5 79,7 81,5 83,1 84,5 85,8 86,9 88,1 89,2 90,3 91,4 92,6 93,8 95,1 96,6 98,3 100 100
10 anos 0 mes 65,9 69,6 74,6 77,6 79,9 81,7 83,2 84,6 85,9 87,1 88,3 89,4 90,5 91,6 92,7 93,9 95,2 96,7 98,5 100 100
3 mes 65,8 69,6 74,6 77,7 79,9 81,8 83,3 84,7 86,0 87,2 88,4 89,5 90,6 91,7 92,8 94,0 95,3 96,8 98,6 100 100
6 mes 65,6 69,5 74,6 77,7 80,0 81,8 83,4 84,8 86,1 87,3 88,4 89,5 90,7 91,8 92,9 94,1 95,4 96,9 98,6 100 100
9 mes 65,4 69,3 74,6 77,7 80,0 81,8 83,4 84,8 86,1 87,3 88,5 89,6 90,7 91,8 92,9 94,1 95,4 96,9 98,6 100 100
11 anos O mes 65,1 69,2 74,5 77,6 80,0 81,8 83,4 84,8 86,1 87,3 88,5 89,6 90,7 91,8 92,9 94,1 94,5 96,9 98,6 100 100
3 mes 64,9 69,0 74,4 77,6 79,9 81,8 83,4 84,8 86,1 87,3 88,5 89,6 90,7 91,8 92,9 94,1 95,4 96,8 98,6 100 100
6 mes 64,7 68,9 74,4 77,6 79,9 81,8 83,4 84,8 86,1 87,3 88,5 89,6 90,7 91,8 92,9 94,1 95,4 96,8 98,5 100 100
9 mes 64,4 68,7 74,3 77,5 79,9 81,8 83,4 84,8 86,1 87,3 88,5 89,6 90,7 91,8 92,9 94,1 95,3 96,8 98,5 100 100
12 anos 0 mes 64,1 68,5 74,2 77,5 79,8 81,7 83,3 84,8 86,1 87,3 88,4 89,6 90,7 91,8 92,9 94,1 95,3 96,7 98,5 100 100

117
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa Capítulo 5

Tabela 2.2 Percentis GMFM-66 por idade - GMFCS Nível II36

Percentil
Idade
3 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 97
2 anos 0 mes 36,8 37,9 39,7 41,0 42,0 43,0 43,9 44,7 45,5 46,3 47,1 47,9 48,8 49,7 60,7 51,8 53,1 54,7 56,7 60,0 62,2
3 mes 37,5 38,6 40,5 41,8 42,9 43,8 44,7 45,6 46,4 47,2 48,0 48,9 49,7 50,7 51,7 52,8 54,0 55,6 57,6 60,8 63,9
6 mes 38,2 39,4 41,3 42,6 43,7 44,7 45,6 46,4 47,3 48,1 48,9 49,8 50,6 51,6 52,6 53,7 55,0 56,5 58,5 61,6 63,8
9 mes 39,0 40,2 42,1 43,5 44,6 45,6 46,5 47,4 48,2 49,0 49,9 50,7 51,6 52,5 53,5 54,6 55,9 57,4 59,4 62,6 64,6
3 anos 0 mes 39,7 40,9 42,9 44,3 45,5 46,5 47,4 48,3 49,1 50,0 50,8 51,7 52,5 53,5 54,5 55,6 56,9 58,4 60,4 63,4 65,5
3 mes 40,4 41,7 43,7 45,2 46,3 47,4 48,3 49,2 50,1 50,9 51,7 52,6 53,5 54,4 55,5 56,6 57,8 59,3 61,3 64,3 66,4
6 mes 41,2 42,5 44,5 46,0 47,2 48,2 49,2 50,1 51,0 51,8 52,7 53,6 54,5 55,4 56,4 57,5 58,8 60,3 62,2 65,2 67,2
9 mes 41,9 43,2 45,3 46,8 48,0 49,1 50,1 51,0 51,9 52,7 53,6 54,5 55,4 56,3 67,3 58,5 59,7 61,2 63,1 66,1 68,1
4 anos 0 mes 42,5 43,9 46,1 47,6 48,9 50,0 50,9 51,9 52,8 53,6 54,5 55,4 56,3 57,2 58,3 59,4 60,6 62,1 64,0 66,9 68,9
3 mes 43,1 44,6 46,8 48,4 49,6 50,7 51,8 52,7 53,6 54,5 55,4 56,2 57,2 58,1 59,1 60,2 61,5 63,0 64,9 67,7 69,6
6 mes 43,7 45,2 47,5 49,1 50,4 51,5 52,5 53,5 54,4 55,3 56,3 57,1 58,0 58,9 60,0 61,1 62,3 63,8 65,7 68,5 70,4
9 mes 44,2 45,8 48,1 49,8 51,1 52,2 53,3 54,2 55,2 56,1 57,0 57,9 58,8 59,8 60,8 61,9 63,1 64,6 66,5 69,3 71,1
5 anos 0 mes 44,8 46,3 48,8 50,4 51,8 53,0 54,0 55,0 55,9 56,8 57,8 58,7 59,6 60,6 61,6 62,7 63,9 65,4 67,2 70,0 71,9
3 mes 45,3 46,9 49,4 51,1 52,5 53,7 54,8 55,8 56,7 57,6 58,6 59,5 60,4 61,4 62,4 63,5 64,8 66,2 68,1 70,8 72,6
6 mes 45,8 47,5 50,1 51,8 53,2 54,4 55,5 56,5 57,5 58,4 59,4 60,3 61,2 62,2 63,3 64,4 65,6 67,1 68,9 71,7 73,5
9 mes 46,4 48,1 50,7 52,5 54,0 55,2 56,3 57,3 58,3 59,3 60,2 61,1 62,1 63,1 64,1 65,3 66,5 68,0 69,8 72,6 74,4
6 anos 0 mes 46,9 48,7 51,4 53,3 54,7 56,0 57,1 58,2 59,2 60,1 61,1 62,0 63,0 64,0 65,0 66,2 67,4 68,9 70,7 73,5 75,3
3 mes 47,5 49,3 52,1 54,0 55,5 56,8 57,9 59,0 60,0 60,9 61,9 62,9 63,8 64,8 65,9 67,1 68,3 69,8 71,7 74,5 76,3
6 mes 48,1 49,9 52,8 54,7 56,2 57,5 58,7 59,7 60,8 61,8 62,7 63,7 64,7 65,7 66,8 67,9 69,2 70,7 72,6 75,4 77,2
9 mes 48,7 50,5 53,4 55,4 56,9 58,2 59,4 60,5 61,5 62,5 63,6 64,5 65,5 66,5 67,6 68,8 70,1 71,6 73,5 76,4 78,2
7 anos 0 mes 49,2 51,1 54,0 56,0 57,6 58,9 60,1 61,2 62,3 63,3 64,3 65,3 66,3 67,3 68,4 69,6 70,9 72,5 74,4 77,3 79,1
3 mes 49,7 51,7 54,6 56,6 58,2 59,5 60,7 61,9 62,9 64,0 65,0 66,0 67,0 68,1 69,2 70,4 71,7 73,3 75,3 78,2 80,1
6 mes 50,2 52,2 55,1 57,1 58,7 60,1 61,3 62,4 63,5 64,6 65,6 66,6 67,7 68,7 69,9 71,1 72,4 74,0 76,0 79,0 80,9
9 mes 50,7 52,6 55,6 57,6 59,2 60,6 61,8 63,0 64,1 65,1 66,2 67,2 68,2 69,3 70,5 71,7 73,1 74,7 76,8 79,8 81,7
8 anos 0 mes 51,2 53,1 56,1 58,1 59,7 61,1 62,3 63,5 64,6 65,6 66,7 67,7 68,8 69,9 71,1 72,3 73,7 75,4 77,4 80,5 82,5
3 mes 51,6 53,5 56,5 58,5 60,1 61,5 62,7 63,9 65,0 66,1 67,1 68,2 69,3 70,4 71,6 72,9 74,3 76,0 78,1 81,2 83,3
6 mes 52,0 53,9 56,9 58,9 60,5 61,9 63,2 64,3 65,4 66,5 67,6 68,7 69,7 70,9 72,1 73,4 74,8 76,5 78,7 81,9 84,0
9 mes 52,4 54,3 57,3 59,3 60,9 62,3 63,6 64,7 65,9 66,9 68,0 69,1 70,2 71,3 72,6 73,9 75,4 77,1 79,3 82,5 84,7
9 anos 0 mes 52,9 54,7 57,7 59,7 61,3 62,7 64,0 65,1 66,3 67,4 68,4 69,5 70,7 71,8 73,0 74,4 75,9 77,6 79,9 83,2 85,4
3 mes 53,3 55,2 58,1 60,1 61,7 63,1 64,4 66,6 66,7 67,8 68,9 70,0 71,1 72,3 73,5 74,9 76,4 78,2 80,5 83,9 86,2
6 mes 53,7 55,6 58,5 60,5 62,1 63,5 64,8 66,0 67,1 68,2 69,3 70,4 71,6 72,8 74,0 75,4 7&,9 78,8 81,1 84,6 86,9
9 mes 54,1 56,0 58,9 60,9 62,5 63,9 65,2 66,4 67,5 68,6 69,7 70,9 72,0 73,2 74,5 75,9 77,5 79,3 81,7 85,3 87,6
10 anos 0 mes 54,5 56,4 59,2 61,2 62,8 64,2 65,5 66,7 67,9 69,0 70,1 71,3 72,4 73,6 74,9 76,3 77,9 79,8 82,2 85,9 88,3
3 mes 54,9 56,7 59,6 61,6 63,2 64,6 65,9 67,1 68,2 69,4 70,6 71,6 72,8 14,0 75,3 76,8 78,4 80,3 82,7 86,5 88,9
6 mes 55,3 57,1 59,9 61,9 63,5 64,9 66,2 67,4 68,5 69,7 70,8 72,0 73,1 74,4 75,7 77,1 78,8 80,7 83,2 87,0 89,6
9 mes 55,6 57,4 60,2 62,2 63,8 65,2 66,5 67,7 68,9 70,0 71,1 72,3 73,5 74,7 76,1 77,5 79,2 81,1 83,7 87,5 9O,1
11 anos 0 mes 55,9 57,7 60,5 62,4 64,1 65,5 66,7 68,0 69,1 70,3 71.4 72,6 73,8 75,0 76,4 77,9 79,5 81,5 84,1 88,0 90,6
3 mes 56,1 57,9 60,7 62,7 64,3 65,7 67,0 68,2 69,4 70,5 71,7 72,8 74,0 75,3 76,7 78,1 79,8 81,8 84,4 88,4 91,1
6 mes 56,4 58,1 60,9 62,9 64,5 65,9 67,2 68,4 69,6 70,7 71,9 73,1 74,3 75,5 76,9 78,4 80,1 82,1 84,8 88,8 91,5
9 mes 56,6 58,3 61,1 63,1 64,7 66,1 67,4 68,6 69,8 70,9 72,1 73,3 74,5 75,8 77,1 78,6 BO,4 82,4 85,1 89,2 91,9
12 anos 0 mes 56,7 58,5 61,3 63,2 64,8 66,2 67,5 68,7 69,9 71,1 72,2 73,4 74,6 75,9 77,3 78,8 80,5 82,6 85,3 89,4 92,2

118
Capítulo 5 GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa

Tabela 2.3 Percentis GMFM-66 por idade - GMFCS Nível III36

Percentil
Idade
3 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 97
2 anos 0 mes 37,0 38,2 40,0 41,1 42,1 42,8 43,5 44,1 44,7 45,3 45,8 46,4 46,9 47,5 48,1 48,7 49,4 50,2 51,2 52,7 53,6
3 mes 37,1 38,4 40,2 41,3 42,3 43,1 43,8 44,4 45,0 45,6 46,1 46,7 47,2 47,8 48,4 49,1 49,8 50,6 51,6 53,1 54,0
6 mes 37,4 38,6 40,5 41,7 42,6 43,4 44,2 44,8 45,4 46,0 46,6 47,2 47,8 48,3 49,0 49,6 50,4 51,2 52,3 53,8 54,9
9 mes 37,6 38,8 40,7 42,0 43,0 43,8 44,5 45,2 45,9 46,5 47,1 47,7 48,3 48,9 49,5 50,2 50,9 51,8 52,9 54,5 55,5
3 anos 0 mes 37,8 39,1 41,0 42,3 43,3 44,2 44,9 45,6 46,3 46,9 47,5 48,1 48,8 49,4 50,0 50,8 51,5 52,4 53,6 55,2 56,2
3 mes 37,9 39,3 41,3 42,6 43,7 44,5 45,3 46,0 46,7 47,4 48,0 48,6 49,3 49,9 50,6 51,3 52,1 53,0 54,2 55,9 57,0
6 mes 38,1 39,5 41,6 42,9 44,0 44,9 45,7 46,4 47,1 47,8 48,5 49,1 49,8 50,4 51,1 51,9 52,7 53,7 54,9 56,6 57,7
9 mes 38,3 39,7 41,8 43,2 44,3 45,3 46,1 46,8 47,6 48,2 48,9 49,6 50,3 50,9 51,7 52,4 53,3 54,3 55,5 57,3 58,5
4 anos 0 mes 38,5 40,0 42,1 43,6 44,7 45,6 46,5 47,3 48,0 48,7 49,4 50,1 50,8 51,5 52,2 53,0 53,9 54,9 56,2 58,0 59,2
3 mes 38,7 40,2 42,4 43,9 45,0 46,0 46,9 47,7 48,4 49,2 49,9 50,6 51,3 52,0 52,8 53,6 54,5 55,5 56,9 58,8 60,0
6 mes 38,9 40,4 42,7 44,2 45,4 46,4 47,3 48,1 48,9 49,6 50,3 51,1 51,8 52,5 53,3 54,2 55,1 56,2 57,5 59,5 60,8
9 mes 39,2 40,7 43,0 44,5 45,7 46,8 47,7 48,5 49,3 50,1 50,8 51,6 52,3 53,1 53,9 54,8 55,7 56,8 58,2 60,2 61,6
5 anos 0 mes 39,3 40,9 43,3 44,8 46,1 47,1 48,1 48,9 49,7 50,5 51,3 52,0 52,8 53,6 54,4 55,3 56,3 57,5 58,9 61,0 62,3
3 mes 39,5 41,1 43,5 45,1 46,4 47,5 48,4 49,3 50,1 50,9 51,7 52,5 53,3 54,1 54,9 55,8 56,8 58,0 59,5 61,6 63,0
6 mes 39,6 41,3 43,7 45,3 46,6 47,7 48,7 49,6 50,4 51,3 52,1 52,9 53,7 54,5 55,4 56,3 57,3 58,5 60,0 62,2 63,6
9 mes 39,7 41,4 43,9 45,5 46,8 47,9 48,9 49,8 50,7 51,5 52,3 53,1 54,0 54,8 55,7 56,6 57,7 58,9 60,4 62,7 64,1
6 anos 0 mes 39,8 41,4 44,0 45,6 47,0 48,1 49,1 50,0 50,9 51,7 52,6 53,4 54,2 55,1 56,0 56,9 58,0 59,3 60,8 63,1 64,5
3 mes 39,8 41,5 44,0 45,7 47,1 48,2 49,2 50,2 51,0 51,9 52,7 53,6 54,4 55,3 56,2 57,2 58,3 59,5 61,1 63,4 64,9
6 mes 39,8 41,5 44,1 45,8 47,1 48,3 49,3 50,3 51,2 52,0 52,9 53,7 54,6 55,4 56,4 57,3 58,4 59,7 61,3 63,6 65,1
9 mes 39,8 41,5 44,1 45,8 47,2 48,3 49,4 50,3 51,2 52,1 52,9 53,8 54,6 55,5 56,5 57,5 58,6 59,8 61,5 63,8 65,3
7 anos 0 mes 39,8 41,5 44,1 45,8 47,2 48,4 49,4 50,4 51,3 52,1 53,0 53,9 54,7 55,6 56,6 57,6 58,7 60,0 61,6 64,0 65,5
3 mes 39,8 41,5 44,1 45,9 47,2 48,4 49,4 50,4 51,3 52,2 53,1 53,9 54,8 55,7 56,6 57,6 58,8 60,1 61,7 64,1 65,6
6 mes 39,8 41,5 44,1 45,9 47,3 48,4 49,5 50,4 51,4 52,2 53,1 54,0 54,8 55,7 56,7 57,7 58,8 60,1 61,8 64,2 65,7
9 mes 39,8 41,5 44,2 45,9 47,3 48,5 49,5 50,5 51,4 52,3 53,2 54,0 54,9 55,8 56,8 57,8 58,9 60,2 61,9 64,3 65,8
8 anos 0 mes 39,8 41,6 44,2 45,9 47,3 48,5 49,6 50,5 51,5 52,3 53,2 54,1 55,0 55,9 56,8 57,8 59,0 60,3 61,9 64,4 65,9
3 mes 39,8 41,6 44,2 46,0 47,4 48,5 49,6 50,6 51,5 52,4 53,3 54,1 55,0 55,9 56,9 57,9 59,0 60,4 62,0 64,5 66,0
6 mes 39,8 41,6 44,2 46,0 47,4 48,6 49,6 50,6 51,5 52,4 53,3 54,2 55,1 56,0 56,9 58,0 59,1 60,4 62,1 64,5 66,1
9 mes 39,8 31,6 44,2 46,0 47,4 48,6 49,6 50,6 51,6 52,5 53,3 54,2 55,1 56,0 57,0 58,0 59,1 60,5 62,1 64,6 66,2
9 anos 0 mes 39,8 41,5 44,2 46,0 47,4 48,6 49,7 50,6 51,6 52,5 53,4 54,2 55,1 56,0 57,0 58,0 59,2 60,5 62,2 64,6 66,2
3 mes 39,7 41,5 44,2 45,9 47,4 48,6 49,6 50,6 51,6 52,5 53,4 54,2 55,1 56,1 57,0 58,1 59,2 60,5 62,2 64,7 66,2
6 mes 39,6 41,4 44,1 45,9 47,3 48,5 49,6 50,6 51,6 52,5 53,4 54,2 55,1 56,1 57,0 58,1 59,2 60,6 62,2 64,7 66,3
9 mes 39,4 41,2 44,0 45,8 47,2 48,5 49,6 50,6 51,5 52,4 53,3 54,2 55,1 56,0 57,0 58,1 59,2 60,6 62,2 64,7 66,2
10 anos 0 mes 39,2 41,1 43,8 45,7 47,2 48,4 49,5 50,5 51,5 52,4 53,3 54,2 55,1 56,0 57,0 58,0 59,2 60,5 62,2 64,7 66,2
3 mes 39,0 40,9 43,7 45,6 47,1 48,3 49,4 50,4 51,4 52,3 53,2 54,1 55,1 56,0 57,0 58,0 59,2 60,5 62,2 64,6 66,2
6 mes 38,7 40,6 43,5 45,4 46,9 48,2 49,3 50,4 51,4 52,3 53,2 54,1 55,0 56,0 56,9 58,0 59,1 60,5 62,2 64,6 66,1
9 mes 38,4 40,4 43,3 45,3 46,8 48,1 49,2 50,3 51,3 52,2 53,1 54,1 55,0 55,9 56,9 57,9 59,1 60,4 62,1 64,5 66,1
11 anos 0 mes 38,0 40,1 43,1 45,1 46,7 48,0 49,1 50,2 51,2 52,1 53,1 54,0 54,9 55,9 56,8 57,9 59,1 60,4 62,1 64,5 66,0
3 mes 37,6 39,7 42,9 44,9 46,5 47,8 49,0 50,1 51,1 52,0 53,0 53,9 54,8 55,8 56,8 57,8 59,0 60,3 62,0 64,4 65,9
6 mes 37,1 39,4 42,6 44,7 46,3 47,6 48,8 49,9 50,9 51,9 52,8 53,8 54,7 55,7 56,6 57,7 58,9 60,2 61,8 64,2 65,7
9 mes 36,6 38,9 42,3 44,4 46,1 47,4 48,7 49,8 50,8 51,8 52,7 53,6 54,6 55,5 56,5 57,6 58,7 60,1 61,7 64,1 65,6
12 anos 0 mes 36,1 38,5 42,0 44,2 45,8 47,2 48,5 49,6 50,6 51,6 52,6 53,5 54,4 55,4 56,4 57,4 58,6 59,9 61,5 63,9 65,4

119
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa Capítulo 5

Tabela 2.4 Percentis GMFM-66 por idade - GMFCS Nível IV36

Percentil
Idade
3 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 97
2 anos 0 mes 21,2 23,1 25,7 27,4 28,6 29,6 30,4 31,2 31,9 32,6 33,3 33,9 34,6 35,2 35,9 36,6 37,3 38,2 39,3 40,8 41,7
3 mes 21,2 23,2 25,9 27,5 28,7 29,7 30,6 31,4 32,1 32,8 33,5 34,1 34,7 35,4 36,1 36,8 37,6 38,4 39,5 41,0 42,0
6 mes 21,7 23,7 26,5 28,2 29,4 30,5 31,4 32,2 33,0 33,7 34,3 35,0 35,7 36,3 37,0 37,8 38,5 39,5 40,6 42,1 43,1
9 mes 22,1 24,2 27,1 28,8 30,2 31,2 32,2 33,0 33,8 34,5 35,2 35,9 36,6 37,3 38,0 38,7 39,6 40,5 41,6 43,2 44,2
3 anos 0 mes 22,4 24,7 27,7 29,5 30,9 32,0 32,9 33,8 34,6 35,4 36,1 36,8 37,5 38,2 38,9 39,7 40,5 41,5 42,7 44,3 45,4
3 mes 22,8 25,1 28,2 30,1 31,5 32,7 33,7 34,6 35,4 36,2 36,9 37,7 38,4 39,1 39,9 40,7 41,5 42,5 43,7 45,4 465
6 mes 23,2 25,5 28,8 30,7 32,2 33,4 34,4 35,3 36,2 37,0 37,7 38,5 39,2 40,0 40,7 41,5 42,4 43,4 44,6 46,4 47,5
9 mes 23,5 25,9 29,3 31,3 32,8 34,0 35,1 36,0 36,9 37,7 38,5 39,2 40,0 40,7 41,5 42,4 43,3 44,3 45,5 47,3 48,4
4 anos 0 mes 23,8 26,3 29,7 31,8 33,3 34,6 35,7 36,6 37,5 38,3 39,1 39,9 40,7 41,5 42,3 43,1 44,0 45,1 46,3 48,2 49,3
3 mes 24,0 26,7 30,2 32,3 33,8 35,1 36,2 37,2 38,1 38,9 39,8 40,5 41,3 42,1 42,9 43,8 44,7 45,8 47,1 48,9 50,1
6 mes 24,3 27,0 30,6 32,7 34,3 35,6 36,7 37,7 38,6 39,5 40,3 41,1 41,9 42,7 43,5 44,4 45A 46,4 47,8 49,6 50,8
9 mes 24,5 27,3 30,9 33,1 34,7 36,0 37,2 38,2 39,1 40,0 40,8 41,6 42,4 43,3 44,1 45,0 45,9 47,0 48A 50,2 51,4
5 anos 0 mes 24,8 27,5 31,2 33,4 35,1 36,4 37,5 38,6 39,5 40,4 A1,2 42,1 42,9 43,7 44,6 45,5 46,4 47,5 48,9 50,8 52,0
3 mes 25,0 27,8 31,5 33,7 35,4 36,7 37,9 38,9 39,8 40,7 41,6 42,4 43,2 44,1 44,9 45,8 46,8 47,9 49,3 51,2 52,4
6 mes 25,1 27,9 31,7 33,9 35,6 36,9 38,1 39,1 40,1 41,0 41,9 42,7 43,5 44,4 45,2 46,2 47,1 48,3 49,6 51,6 52,8
9 mes 25,3 28,1 31,8 34,1 35,7 37,1 38,3 39,3 40,3 41,2 42,1 42,9 43,7 44,6 45,5 46,4 47,4 48,5 49,9 51,9 53,1
6 anos 0 mes 25,4 28,2 31,9 34,2 35,8 37,2 38,4 39,4 40,4 41,3 42,2 43,0 43,9 44,7 45,6 46,6 47,6 48,7 50,1 52,1 53,3
3 mes 25,5 28,2 32,0 34,2 35,9 37,3 38,4 39,5 40,5 41,4 42,3 43,1 44,0 44,8 45,7 46,7 47,7 48,8 50,2 52,2 53,5
6 mes 25,5 28,3 32,0 34,2 35,9 37,3 38,5 39,5 40,5 41,4 42,3 43,2 44,0 44,9 45,8 46,7 47,8 48,9 50,3 52,4 53,6
9 mes 25,6 28,3 32,0 34,2 35,9 37,3 38,4 39,5 40,5 41,4 42,3 43,2 44,0 44,9 45,8 46,8 47,8 49,0 50,4 52,4 53,7
7 anos 0 mes 25,7 28,3 31,9 34,2 35,8 37,2 38,4 39,5 40,4 41,4 42,3 43,1 44,0 44,9 45,8 46,7 47,8 49,0 50,4 52,5 53,8
3 mes 25,7 28,3 31,9 34,1 35,7 37,1 38,3 39,4 40,3 41,3 42,2 43,0 43,9 44,8 45,7 46,7 47,7 48,9 50,4 52,5 53,8
6 mes 25,7 28,3 31,8 34,0 35,6 37,0 38,2 39,2 40,2 41,1 42,0 42,9 43,8 44,7 45,6 46,6 47,7 48,9 50,4 52,5 53,9
9 mes 25,8 28,2 31,7 33,8 35,5 36,8 38,0 39,1 40,1 41,0 41,9 42,8 43,7 44,6 45,5 46,5 47,6 48,8 50,3 52,5 53,8
8 anos 0 mes 25,8 28,2 31,5 33,7 35,3 36,6 37,8 38,9 39,9 40,8 41,7 42,6 43,5 44,4 45,3 46,3 47,4 48,7 50,2 52,4 53,8
3 mes 25,8 28,1 31,4 33,5 35,1 36,4 37,6 38,7 39,6 40,6 41,5 42,4 43,3 44,2 45,2 46,2 47,3 48,5 50,1 52,4 53,8
6 mes 25,8 28,0 31,2 33,3 34,9 36,2 37,4 38,4 39,4 40,4 41,3 42,2 43,1 44,0 45,0 46,0 47,1 48,4 50,0 52,3 53,7
9 mes 25,8 27,9 31,1 33,1 34,7 36,0 37,1 38,2 39,2 40,1 41,0 41,9 42,9 43,8 44,8 45,8 46,9 48,2 49,9 52,2 53,7
9 anos 0 mes 25,7 27,8 30,9 32,9 34,4 35,7 36,9 37,9 38,9 39,9 40,8 41,7 42,6 43,6 44,5 45,6 46,8 48,1 49,7 52,1 53,7
3 mes 25,7 27,7 30,7 32,7 34,2 35,5 36,6 37,7 38,7 39,6 40,5 41,5 42,4 43,3 44,3 45,4 46,6 47,9 49,6 52,0 53,6
6 mes 25,6 27,6 30,5 32,4 33,9 35,2 36A 37,4 38A 39,3 40,3 41,2 42,1 43,1 44,1 45,2 46,4 47,7 49,4 52,0 53,6
9 mes 25,5 27,4 30,3 32,2 33,7 34,9 36,1 37,1 38,1 39,1 40,0 40,9 41,9 42,8 43,8 44,9 46,1 47,5 49,3 51,9 53,5
10 anos 0 mes 25,4 27,3 30,1 31,9 33,4 34,7 35,8 36,8 37,8 38,8 39,7 40,6 41,6 42,6 43,6 44,7 45,9 47,3 49,1 51,8 53,5
3 mes 25,3 27,1 29,8 31,7 33,1 34,4 35,5 36,6 37,5 38,5 39A 40,4 41,3 42,3 43,3 44,5 45,7 47,1 49,0 51,7 53,4
6 mes 25,2 27,0 29,6 31,4 32,^g 34,1 35,2 36,3 37,3 38,2 39,1 40,1 41,0 42,0 43,1 44,2 45,5 46,9 48,8 51,6 53,4
9 mes 25,1 26,8 29A 31,2 32,6 33,8 35,0 36,0 37,0 37,9 38,5 39,8 40,8 41,8 42,8 44,0 45,3 46,8 48,6 51,5 53,3
11 anos 0 mes 25,0 26,6 292 31,0 32,4 33,6 34,7 35,7 36,7 37,7 38,6 39,6 40,5 41,5 42,6 43,8 45,1 46,6 48,5 51,4 53,3
3 mes 24,9 26,5 29,0 30,8 322 33,4 34,5 35,5 36,5 37,4 38,4 39,3 40,3 41,3 42,4 43,6 44,9 46,5 48A 51,4 53,4
6 mes 24,8 26,4 28,9 30,6 32,0 33,2 34,3 35,3 36,3 37,2 38,2 39,1 40,t 41,2 42,3 43,4 44,8 46,4 48,4 51,4 53,4
9 mes 24,7 26,3 28,7 30,4 31,8 33,0 34,1 35,1 36,1 37,0 38,0 39,0 39,9 41,0 42,1 43,3 44,7 46,3 48,3 51,5 53,5
12 anos 0 mes 24,7 26,2 28,6 30,2 31,6 32,8 33,9 34,9 35,9 36,8 37,8 38,8 39,8 40,8 41,9 43,2 44,6 46,2 48,3 51,5 53.7

120
Capítulo 5 GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa

Tabela 2.5 Percentis GMFM-66 por idade - GMFCS Nível V36

Percentil
Idade
3 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 97
2 anos 0 mes 7,7 9,3 11,9 13,5 14,9 16,0 17,1 18,0 19,0 19,8 20,7 21,6 22,4 23,4 24,3 25,4 26,5 27,9 29,5 32,1 33,7
3 mes 7,8 9,4 11,9 13,6 15,0 16,1 17,2 18,1 19,0 19,9 20,8 21,6 22,5 23,4 24,4 25,4 26,6 27,9 29,6 32,2 33,8
6 mes 8,0 9,7 12,2 13,9 15,3 16,5 17,5 18,5 19,4 20,3 21,2 22,0 22,9 23,8 24,8 25,9 27,0 28,4 30,1 32,6 34,3
9 mes 8,3 10,0 12,5 14,3 15,5 16,8 17,9 18,8 19,8 20,7 21,5 22,4 23,3 24,3 25,2 26,3 27,5 28,8 30,5 33,1 34,8
3 anos 0 mes 8,6 10,3 12,9 14,6 16,0 17,2 18,2 19,2 20,1 21,0 21,9 22,8 23,7 24,7 25,6 26,7 27,9 29,3 31,0 33,6 35,2
3 mes 9,0 10,6 13,2 15,0 16,3 17,5 18,6 19,6 20,5 21,4 22,3 23,2 24,1 25,0 26,Q 27,1 28,3 29,7 31,4 34,0 35,7
6 mes 9,3 11,0 13,6 15,3 16,7 17,9 19,0 19,9 20,9 21,8 22,7 23,6 24,5 25A Z6A 27,5 28,7 30,1 31,8 34,4 36,1
9 mes 9,7 11,4 13,9 15,7 17,1 18,3 19,3 20,3 21,3 22,2 23,1 24,0 24,9 25,8 26,8 27,9 29,1 30,4 32,2 34,8 36,5
4 anos 0 mes 10,0 11,7 14,3 16,1 17,4 18,6 19,7 20,7 21,6 22,5 23,4 24,3 25,2 26,2 27,2 28,2 29,4 30,8 32,6 35,2 36,8
3 mes 10,4 12,1 14,7 16,4 17,8 19,0 20,1 21,1 22,0 22,9 23,8 24,7 25,6 26,5 27,5 28,6 29,8 31,2 32,9 35,5 37,2
6 mes 10,7 12,4 15,0 16,8 18,1 19,3 20,4 21,4 22,3 23,3 24,1 25,0 26,0 26,9 27,9 29,0 30,1 31,5 33,3 35,9 37,6
9 mes 11,0 12,7 15,3 17,1 18,5 19,7 20,7 21,7 22,7 23,6 24,5 25,4 26,3 27,2 28,2 29,3 30,5 31,9 33,6 36,2 37,9
5 anos 0 mes 11,3 13,0 15,6 17,4 18,7 19,9 21,0 22,0 23,0 23,9 24,8 25,7 26,6 27,5 28,5 29,6 30,8 32,2 34,0 36,6 38,3
3 mes 11,5 13,2 15,8 17,6 19,0 20,2 21,3 22,3 23,2 24,2 25,1 26,0 26,9 27,8 28,8 29,9 31,1 32,5 34,3 36,9 38,6
6 mes 11,6 13,3 16,0 17,8 19,2 20,4 21,5 22,5 23,4 24,4 25,3 26,2 27,1 28,1 29,1 30,2 31,4 32,8 34,6 37,2 39,0
9 mes 11,7 13,4 16,1 17,9 19,3 20,5 21,6 22,7 23,6 24,6 25,5 26,4 27,3 28,3 29,3 30,4 31,6 33,1 34,9 37,5 39,3
6 anos 0 mes 11,7 13,5 16,1 18,0 19,4 20,6 21,7 22,8 23,7 24,7 25,6 26,6 27,5 28,5 29,5 30,6 31,9 33,3 35,1 37,8 39,5
3 mes 11,6 13,4 16,1 18,0 19,4 20,7 21,8 22,8 23,8 24,8 25,7 26,7 27,6 28,6 29,6 30,8 32,0 33,5 35,3 38,0 39,8
6 mes 11,5 13,3 16,0 17,9 19,4 20,6 21,8 22,8 23,8 24,8 25,8 26,7 27,7 28,7 29,8 30,9 32,2 33,7 35,5 38,3 40,1
9 mes 11,2 13,0 15,8 17,7 19,3 20,5 21,7 22,8 23,8 24,8 25,8 26,7 27,7 28,8 29,8 31,0 32,3 33,8 35,7 38,5 40,3
7 anos 0 mes 10,9 12,8 15,6 17,6 19,1 20,4 21,6 22,7 23,7 24,7 25,7 26,7 27,7 28,8 29,9 31,1 32,4 33,9 35,9 38,7 40,6
3 mes 10,5 12,4 15,3 17,3 18,9 20,2 21,4 22,5 23,6 24,6 25,7 26,7 27,7 28,8 29,9 31,1 32,4 34,0 38,0 38,9 40,8
6 mes 10,1 12,0 15,0 17,0 18,6 20,0 21,2 22,4 234 24,5 25,5 26,6 27,6 28,7 29,8 31,1 32A 34,0 36,1 39,0 41,0
9 mes 9,6 11,6 14,6 16,7 18,3 19,7 21,0 22,1 23,2 24,3 25,4 26,4 27,5 28,6 29,8 31,0 32,4 34,1 36,1 39,2 41,1
8 anos 0 mes 9,1 11,1 14,2 16,3 18,0 19,4 20,7 21,9 23,0 24,1 25,2 26,2 27,3 28,5 29,7 30,9 32,4 34,0 36,1 39,2 41,3
3 mes 8,5 10,6 13,7 15,9 17,6 19,0 20,4 21,6 22,7 23,8 24,9 26,0 27,1 28,3 29,5 30,8 32,3 34,0 36,1 39,3 41,3
6 mes 8,0 10,1 13,3 15,5 17,2 18,7 20,0 21,2 22,4 23,5 24,7 25,8 26,9 28,1 29,3 30,7 32,1 33,9 36,0 39,3 41,4
9 mes 7,4 9,5 12,8 15,0 16,8 18,3 19,6 20,9 22,1 23,2 24,4 25,5 26,7 27,9 29,1 30,5 32,0 33,7 35,9 39,2 41,3
9 anos 0 mes 6,9 9,0 12,3 14,6 16,4 17,9 19,3 20,5 21,8 22,9 24,1 25,2 26,4 27,6 28,9 30,2 31,8 33,6 35,8 39,1 41,3
3 mes 6,3 8,5 11,9 14,1 15,9 17,5 18,9 20,2 21,4 22,6 23,8 24,9 26,1 27,3 28,6 30,0 31,6 33,4 35,7 39,0 41,2
6 mes 5,7 7,9 11,4 13,7 15,5 17,1 18,6 19,8 21,1 22,3 23,4 24,6 25,8 27,1 28,4 29,8 31,4 33,2 35,5 38,9 41,2
9 mes 5,1 7,4 10,9 13,2 15,1 16,7 18,1 19,5 20,7 21,9 23,1 24,3 25,6 26,8 28,2 29,6 31,2 33,1 35,4 38,9 41,1
10 anos 0 mes 4,63 6,9 10,4 12,8 14,7 16,3 17,7 19,1 20,4 21,6 22,8 24,1 25,3 26,6 27,9 29,4 31,0 32,9 35,3 38,8 41,1
3 mes 4,0 6,3 9,9 12,3 14,2 15,9 17A 18,7 2D,0 21,3 22,5 23,8 25,Q 26,3 27,7 29,2 3Q,8 32,7 35,1 38,7 41,0
6 mes 3,5 5,8 9,4 11,9 13,8 15,5 17,0 18,4 19,7 21,0 22,2 23,5 24,7 26,1 27,4 28,9 30,6 32,6 35,0 38,6 41,0
9 mes 2,9 5,3 9,0 11,5 13,4 15,1 16,6 18,0 19,4 20,6 21,9 23,2 24,5 25,8 27,2 28,7 30,4 32,4 34,8 38,5 40,9
11 anos 0 mes 2,4 4,8 8,5 11,0 13,0 14,7 16,2 17,7 19,0 20,3 21,6 22,9 24,2 25,5 26,9 28,4 30,1 32,1 34,6 38,3 40,7
3 mes 2,0 4,4 8,1 10,6 12,6 14,3 15,9 17,3 18,7 20,0 21,2 22,5 23,8 25,2 26,6 28,2 29,9 31,9 34,4 38,1 40,5
6 mes 1,5 3,9 7,7 10,2 12,2 14,0 15,5 16,9 18,3 19,6 20,9 22,2 23,5 24,9 26,3 27,9 29,6 31,6 34,1 37,9 40,3
9 mes 1,1 3,5 7,3 9,8 11,8 13,6 15,1 16,6 17,9 19,3 20,4 21,9 23,2 24,6 26,0 27,5 29,3 31,3 33,8 37,6 40,1
12 anos 0 mes 0,8 3,3 7,0 9,6 11,6 13,3 14,9 16,3 17,7 19,0 20,4 21,7 23,0 24,4 25,8 27,4 29,1 31,1 33,7 37,4 39,9

121
GMFM e GMFCS – Mensuração e Classificação da Função Motora Grossa Capítulo 5

Importante ressaltar que ainda mais importante do que saber aplicar


estes instrumentos respeitando o rigor de suas estruturas, é saber o que se
está procurando, para então, definir qual ferramenta utilizar e como interpretar
o resultado obtido. Tanto a GMFM quanto o GMFCS e os Percentis não se
propõem a determinar a evolução e prognóstico de indivíduos com Paralisia
Cerebral, uma vez que outras desordens, além da motora, podem influir de
maneira determinante, tão pouco se propõem a “rotular” os pacientes no
sentido de privá-los de oportunidades e investimentos, todas as alterações
motoras desde as mais sutis até as mais comprometedoras devem ser
investigadas e tratadas. O uso destes instrumentos deve ser encorajado para
que se tenha fundamento nas respostas a serem dadas e na escolha de
metas realistas a serem alcançadas durante o tratamento.

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124
CAPÍTULO 6

CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE,


INCAPACIDADE E SAÚDE – CIF NA PARALISIA CEREBRAL

Heloisa Brunow Ventura Di Nubila

A criança e sua funcionalidade: a CIF-CJ (Classificação Internacional


de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – Versão para Crianças e Jovens)

Se o comportamento da criança for melhorado,


nós realmente nos importamos se
ocorreram alterações anatômicas no cérebro?
Se for mais fácil de alimentar e manusear a criança,
não são esses objetivos que valem a pena por si mesmos?
Se os pais sentem que “algo está sendo feito”
e eles são participantes ativos neste “algo”,
isto não é algo que vale a pena?
Se os programas de intervenção precoce evitam
que os pais busquem terapias caras e inefetivas,
às custas do consumo dos bens e do bem-estar da família,
isto não seria razoável?

Ferry, 1986 (cit. por Harris, 1996)

No que se refere à avaliação da funcionalidade, pode-se dizer que


proliferaram escalas criadas para medir a deficiência física e suas conse-
quências. Neste campo, os métodos de medida podem servir para vários
propósitos. Algumas escalas se aplicam a doenças em particular, enquanto
outras têm aplicações mais amplas; algumas avaliam as deficiências (no
nível do corpo), outras têm seu foco sobre a incapacidade ou sobre o am-
biente social. Existem instrumentos de pesquisa, testes de triagem e escalas
de avaliação clínica. Alguns métodos são desenhados para pacientes interna-

125
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF na Paralisia Cerebral Capítulo 6

dos e gravemente enfermos, enquanto outros são criados para pacientes


ambulatoriais com níveis menores de incapacidade.¹
As definições de deficiência e incapacidade, ou funcionalidade, com-
põem um modelo conceitual que tem refletido sobre a evolução das medidas
de funcionalidade física¹.
As medidas começaram com escalas de deficiências precoces (cobrin-
do funções corporais como equilíbrio, habilidades sensoriais e funções moto-
ras). Com a evolução, o foco moveu-se para medidas de incapacidade (auto-
cuidados, mobilidade) e mais tarde moveu-se para a avaliação de
“desvantagens” (cumprimento de papéis sociais, capacidade de trabalho,
atividades domésticas). O histórico do uso de medidas formais de deficiên-
cias físicas mostra que estas começaram com a aplicação de testes diagnós-
ticos e resumos médicos padronizados próprios para pacientes idosos ou
com doenças crônicas¹.
Nos casos de Paralisia Cerebral, os fisioterapeutas voltados para o
cuidado de crianças buscam tradicionalmente, com suas intervenções, modi-
ficar as deficiências (no nível do corpo) resultantes de lesão no Sistema
Nervoso Central (por exemplo: tônus anormal, padrões atípicos de movi-
mento, contraturas articulares) com a esperança de que estas modificações
resultem em melhoras funcionais, isto é, minimizem a sua incapacidade.
Muitas abordagens têm sido dirigidas a tentar modificar tais deficiências, ou
com a intenção de fazer com que a criança adquirisse os marcos do desen-
volvimento motor. É importante saber que não há como fixar objetivos ape-
nas em “normalizar” o tônus muscular e melhorar a “qualidade” do movi-
mento por si só. Ao invés disso, terapeutas voltados para o desenvolvimento
estão sendo orientados a dirigir suas estratégias iniciais de intervenção para
minimizar a incapacidade da criança – o que é mais do que tentar modificar
as deficiências no corpo².
Em um modelo orientado a tarefas, por exemplo, a ênfase deveria
ser sobre a aquisição de habilidades específicas, mais do que sobre au-
mentar a qualidade do movimento. Os objetivos do tratamento devem
então ser buscados para minimizar a incapacidade, com objetivos de um
modelo de neurorreabilitação mais funcional. Segundo Wolery, 1989 (ci-
tado por Harris, 1996), habilidades funcionais para crianças são compor-
tamentos que²:

- são imediatamente úteis;

- ajudam a criança a ser mais independente;

- permitem à criança aprender habilidades mais complexas;

- permitem à criança viver em um ambiente menos restritivo;

- ajudam a criança a ser cuidada mais facilmente pela família ou por


outras pessoas.

Nesta linha, no que diz respeito ao cuidado de crianças com Paralisia


Cerebral, talvez o grande avanço nos últimos 30 anos tenha sido a constata-
ção de que a comunicação é provavelmente a parte mais importante da vida
para a criança, mais até que a mobilidade independente³.

126
Capítulo 6 Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF na Paralisia Cerebral

Assim, seguindo esta evolução, a OMS apoiou a idéia de ter uma


classificação de saúde que apontasse para as questões de funcionalidade,
mais do que para as deficiências no nível do corpo ou a incapacidade como
único foco de interesse, criando um modelo que permite também compreen-
der o contexto em que vivem as pessoas com algum tipo de deficiência. A
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)
foi votada e aprovada em maio de 20014 e a Versão para Crianças e Jovens
(CIF-CJ) foi desenvolvida em resposta à necessidade de uma versão da CIF
que pudesse ser usada universalmente para crianças e jovens nas áreas
social, de saúde e educação5. Entre 2002 e 2005, o Grupo de Trabalho da
OMS para a CIF-CJ, coordenado pelo Prof. Rune Simeonsson da Faculdade de
Psicologia da Educação da Universidade de Chapell Hill na Carolina do Norte
–EUA e pela Dra. Matilde Leonardi do Instituto Neurológico Carlo Besta de
Milão –Itália, realizou uma série de encontros e testes de campo para revisar
os códigos existentes na CIF e identificar novos códigos para descrever as
características de crianças e jovens, até chegar à versão final lançada em
outubro de 20075.
As manifestações de incapacidade e condições de saúde em crianças e
adolescentes são diferentes no que diz respeito à natureza, intensidade e
impacto em relação àquelas observadas nos adultos. Estas diferenças preci-
sam ser consideradas. O conteúdo da classificação deve ser compatível com
as mudanças próprias do desenvolvimento e deve abranger as características
de diferentes grupos etários e dos ambientes correspondentes, documentan-
do aspectos observados em crianças e jovens.
A CIF-CJ expande o conteúdo do volume principal da CIF, pois fornece
informação mais específica e detalhada que permite cobrir de modo mais
completo as funções e estruturas do corpo, atividades e participação,
e ambientes que seriam relevantes para lactentes, pré-escolares, crianças
e adolescentes.
Embora a adição de novos códigos e a modificação de códigos exis-
tentes na CIF-CJ tenham sido feitas pensando especificamente na funciona-
lidade de crianças e jovens, elas também podem ser importantes para o
entendimento de situações de perda de funcionalidade em adultos (por exem-
plo, um adulto que após uma lesão cerebral, necessita reaprender funções
que seriam esperadas como próprias do desenvolvimento na infância) ou em
crianças que se tornaram adultas com um determinado problema permanen-
te de funcionalidade (por exemplo, um adulto com Paralisia Cerebral). As-
sim, os códigos novos ou modificados na CIF-CJ serão incorporados ao pro-
cesso de atualização da CIF.
Como um membro da Família de Classificações Internacionais da
OMS, a CIF-CJ complementa a CID-10, e outras classificações derivadas
e relacionadas, por fornecer um modelo e uma linguagem padrão para a
descrição de saúde e de estados relacionados à saúde em crianças e
jovens.
A classificação está construída sobre o modelo conceitual da CIF4 (fi-
gura 1) e utiliza linguagem e terminologia comuns para registrar problemas
envolvendo funções e estruturas do corpo, limitações de atividade e restri-
ções à participação, e fatores ambientais relevantes, na infância precoce,
infância propriamente dita e adolescência.

127
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF na Paralisia Cerebral Capítulo 6

Estado de Saúde
(distúrbio ou doença)

Funções e
Atividade Participação
Estruturas Corporais

Fatores Fatores
Ambientais Pessoais

Fatores Contextuais

Extraído de: OMS CIF, 2003

Figura 1: Interações entre os componentes da CIF

Propósito da CIF-CJ

A CIF-CJ foi projetada para ser utilizada por educadores, clínicos,


elaboradores de políticas, membros de famílias, usuários e pesquisadores
para documentar as características de saúde e funcionalidade em crianças e
jovens, oferecendo um modelo conceitual e uma linguagem e terminologia
comum para o registro de problemas envolvendo funções e estruturas do
corpo, limitações de atividade e restrições à participação, e fatores ambien-
tais importantes para crianças e jovens. Pode ser usada em diferentes disci-
plinas, setores governamentais e fronteiras nacionais para definir e docu-
mentar a saúde, funcionalidade e desenvolvimento de crianças e jovens,
para fazer avançar serviços, políticas e pesquisa em seu favor.
A CIF-CJ foi desenvolvida para capturar o universo da funcionalidade
em crianças e jovens, de uma maneira sensível para mudanças associadas
com o crescimento e o desenvolvimento, descrevendo estados de funciona-
lidade e saúde em categorias que servem como precursores de funcionalida-
de mais madura.
A partir de uma perspectiva filosófica, foi essencial que uma classifi-
cação definindo a saúde e a funcionalidade de crianças e jovens incorporasse
os direitos humanos fundamentais definidos pela Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito das pessoas com Deficiência ou Incapacidades (ONU,
2007)6.
O fundamento para um modelo de saúde pública foi baseado na pro-
messa de uma abordagem de população para prevenir a incapacidade na
infância. Todo o conteúdo na CIF-CJ está em conformidade com convenções
internacionais e declarações em favor dos direitos das crianças.
A documentação de categorias e códigos na CIF-CJ pode servir como
evidência para assegurar os direitos das crianças e jovens, especialmente as
crianças e jovens mais vulneráveis, ou seja, aqueles com deficiências ou
incapacidades.

128
Capítulo 6 Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF na Paralisia Cerebral

Temas relacionados a crianças e jovens na CIF-CJ

O crescimento e desenvolvimento das crianças foram os temas cen-


trais que guiaram a identificação e adaptação do conteúdo da CIF-CJ, tais
como cognição e linguagem, o modo de brincar, disposição e comportamento
na criança em desenvolvimento, com particular atenção aos quatro assuntos
que se seguem:

1. A criança no contexto da família 2. Atraso no desenvolvimento


Desenvolvimento é um processo dinâmico Em crianças e jovens, existem varia-
pelo qual a criança se move progressivamen- ções na evolução de funções corporais,
te da dependência de outros para todas suas estruturas e a aquisição de habilida-
atividades na infância, para a independên- des associadas com diferenças indivi-
cia e maturidade física, social e psicológica duais no crescimento e desenvolvimen-
na adolescência. Neste processo, a funcio- to. Atrasos no surgimento de funções,
nalidade da criança depende de contínuas estruturas ou capacidades podem não
interações com a família ou com outros cui- ser permanentes, mas refletir um de-
dadores, em um ambiente social restrito. A senvolvimento atrasado. Estes são ma-
funcionalidade de uma criança não pode ser nifestados em cada domínio (por exem-
vista de modo isolado, mas sim no contexto plo, funções cognitivas, funções da fala,
da família. Esta é uma consideração impor- mobilidade e comunicação), são espe-
tante ao fazer julgamentos sobre a funcio- cíficos de cada idade e são influencia-
nalidade da criança em situações de vida. A dos por fatores físicos bem como psi-
influência das interações da família sobre a cológicos no ambiente.Estas variações
funcionalidade da criança é maior nesta fase no surgimento de funções corporais,
do desenvolvimento do que em qualquer estruturas e desempenho de habilida-
outro momento no curso de vida de um in- des esperadas do desenvolvimento de-
divíduo. Além disso, como estas interações finem o conceito de atraso no desen-
modelam a aquisição de várias habilidades volvimento e frequentemente servem
ao longo das primeiras duas décadas de vida, como base para identificar crianças com
o papel deste ambiente físico e social é fun- risco aumentado de apresentar defi-
damental. ciências ou incapacidade.
3. Participação 4. Ambientes
Participação é definida como o “envolvimento A natureza e a complexidade dos am-
em uma situação de vida” por uma pessoa e bientes das crianças mudam dramatica-
representa a perspectiva social da funcio- mente ao longo das transições de está-
nalidade. A natureza e os lugares das situa- gios. Estas mudanças estão associadas
ções de vida de crianças e jovens diferem com o seu progresso em competência e
significantemente daqueles dos adultos. Com independência. Os ambientes podem ser
o desenvolvimento, as situações de vida mu- vistos em termos de uma série de siste-
dam dramaticamente em número e comple- mas sucessivos que as circundam desde
xidade desde o relacionamento com um o mais imediato ao mais distante, cada
cuidador primário e brincadeiras solitárias um diferindo na sua influência como uma
da criança muito pequena até a brincadeira função da idade ou estágio de desenvol-
social, relacionamento com colegas e esco- vimento. A criança pequena é significan-
larização de crianças em idades mais tardi- temente dependente das pessoas no seu
as. Quanto mais nova a criança, mais pro- ambiente imediato. Para crianças mais
vável é que as oportunidades de participar velhas, os ambientes da sua vida coti-
sejam definidas pelos pais, cuidadores ou diana estão estreitamente conectados ao
provedores de serviços. O papel do ambien- lar e à escola, enquanto para jovens,
te da família e outros no ambiente imediato tornam-se gradualmente mais diversifi-
é fundamental para compreender a partici- cados para ambientes no contexto mais
pação, especialmente nas fases mais amplo de comunidade e sociedade. Fa-
precoces.A capacidade de estar envolvida e tores ambientais negativos têm um im-
interagir socialmente se desenvolve nas re- pacto mais forte sobre crianças que so-
lações da criança pequena com outros, tais bre adultos. Assim, esforços de
como pais, irmãos e pares no seu ambiente intervenção e prevenção para promover
imediato. a saúde das crianças e seu bem-estar
têm seu foco na modificação ou melhora
do ambiente físico, social ou psicológi-
co, o que pode envolver apoio social para
a família e educação para cuidadores.

129
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF na Paralisia Cerebral Capítulo 6

Usos da CIF-CJ

A CIF-CJ define componentes de saúde e componentes relacionados à


saúde e bem-estar. Entre crianças e jovens estes componentes incluem fun-
ções mentais de atenção, memória e percepção, bem como atividades envol-
vendo brincar, aprender, vida familiar e educação em diferentes domínios.
Os domínios da CIF-CJ são definidos por dois termos abrangentes. “Funcio-
nalidade” é um termo que contém todas as funções do corpo, atividades e
participação. “Incapacidade” é um termo que engloba deficiências, limita-
ções de atividades e restrições à participação. Fatores ambientais definem
barreiras ou facilitadores à funcionalidade.
A CIF-CJ apresenta um sistema alfanumérico de codificação. As letras
“b” (do inglês, body) para Função Corporal, “s” (do inglês, structure) para
Estruturas Corporais, “d” (de domínio) para Atividades/Participação e “e” (do
inglês, environment) para Fatores Ambientais são seguidas por um código
numérico que inicia com o número do capítulo (um dígito), seguido por um
tópico de segundo nível (dois dígitos), e os tópicos de terceiro e quarto
níveis (um dígito cada). O qualificador universal com valores de 0 = nenhu-
ma deficiência a 4= deficiência completa, é colocado após o ponto decimal
para especificar a intensidade na qual uma função ou atividade difere de um
estado típico ou esperado. Os aspectos negativos dos ambientes são qualifi-
cados em termos de barreiras enquanto valores positivos do qualificador
universal são usados para denotar o papel facilitador dos ambientes.
A informação fornecida pela CIF-CJ pode ser usada em uma varieda-
de de maneiras, incluindo aplicações clínicas, administrativas, de vigilância,
em políticas ou pesquisa. Em cada caso, as classes da CIF-CJ podem ser
usadas para registrar um problema único ou um perfil para definir a saúde
da criança e dificuldades na funcionalidade.

Clínicas Administrativas Vigilância Políticas Pesquisa

Possíveis fornecer um informações padronizar modelo padronizar


usos da sumário dos pertinentes a procedimentos conceitual as
CIF-CJ achados da elegibilidade, de coleta de da CIF-CJ características
avaliação, fornecimento de dados entre usado para de
esclarecendo serviços, instrumentos um foco participantes,
informação reembolso e e ao longo do particular a seleção
diagnóstica acompanhamento. tempo para da política, das medidas
e servindo documentar a por de avaliação
como base prevalência exemplo, e a definição
para de condições, direitos de
intervenções necessidade das desfechos.
planejadas. de projetar crianças à
serviços e educação.
padrão de
utilização de
serviços.

Pais, crianças e jovens devem ser incluídos em todos os usos da CIF-


CJ, sempre que possível. Alterações nos ambientes menos imediatos para
crianças podem tomar a forma de legislação ou políticas nacionais para asse-
gurar o seu acesso aos cuidados de saúde, serviços sociais e educação.

130
Capítulo 6 Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF na Paralisia Cerebral

Classificação e codificação

A CIF-CJ não é um instrumento de avaliação, é sim uma classifica-


ção de Funções Corporais, Estruturas Corporais, Atividades e Participação, e
Fatores Ambientais, expressa em termos neutros. A especificação de códigos
não deve ser baseada em inferência, mas na informação explícita relaciona-
da aos problemas de funcionalidade da criança em domínios relevantes.
A classificação e codificação de dimensões da incapacidade em crian-
ças e jovens é uma atividade complexa que requer consideração de limita-
ções significantes de funções do corpo, estruturas corporais, atividades e
participação no desenvolvimento físico, social e psicológico.
A unidade de classificação na CIF-CJ não é um diagnóstico para uma
criança, mas um perfil da sua funcionalidade, que busca descrever a
natureza e a gravidade das limitações da funcionalidade da criança e identi-
ficar os fatores ambientais que influenciam tal funcionalidade.
A evidência para a codificação pode tomar a forma de medida direta,
observação, entrevista com um respondente e/ou julgamento profissional.
Para Atividades e Participação, uma medida direta pode ser feita com
ampla variedade de instrumentos padronizados e outras medidas que forne-
cem dados específicos para um domínio de interesse. Na busca de instru-
mentos apropriados, o usuário é encorajado a selecionar aqueles que te-
nham a correspondência mais aproximada com aqueles domínios de interesse
e que tenham confiabilidade demonstrada.
Pode-se utilizar descrições qualitativas da criança, baseadas em ob-
servação direta, para acumular evidências em áreas de funcionalidade em
que os instrumentos de avaliação não são disponíveis ou não são apropria-
dos. É importante envolver os respondentes no momento de definir as suas
funcionalidades nos contextos dos seus ambientes, mas com crianças pe-
quenas e com aqueles com habilidades verbais limitadas, o cuidador habitual
pode servir como um respondente por procuração (by proxy). Finalmente, a
evidência para a codificação pode ser baseada sobre o julgamento profissio-
nal e sobre várias fontes de informação, incluindo registros, observação, e
outras formas de contato com o cliente. O crescente interesse na aplicação
da CIF e da CIF-CJ está contribuindo para a identificação de instrumentos
aplicáveis bem como para o desenvolvimento de novas medidas consistentes
com o modelo da CIF-CJ.
A edição em Português foi publicada em 2011 pela EDUSP 7 (Editora
da Universidade de São Paulo), a partir da tradução realizada pelo Centro
Colaborador da OMS para a Família de Classificações Internacionais em Por-
tuguês, com participação da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
da Universidade do Porto e colaboração de profissionais da área de reabilita-
ção e de desenvolvimento infantil, particularmente do setor de Estimulação
Precoce da APAE (Associação de Pais e Amigos de Excepcionais)-São Paulo.
Com a publicação e a adoção da CIF-CJ, devem progressivamente tornar-se
disponíveis manuais de treinamento e cursos.

131
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF na Paralisia Cerebral Capítulo 6

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nalidade, Incapacidade e Saúde – Versão para Crianças e Jovens / Centrro
Colaborador para a Família de Classificações Internacionais em Portu-
guês. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.

132
PARTE III
COMPORTAMENTO MOTOR NA
PARALISIA CEREBRAL

Introdução
Umberto Cesar Corrêa e Carlos Bandeira de Mello Monteiro

É possível afirmar que o movimento é um dos fenômenos mais intri-


gantes do ser humano que a ciência tem buscado compreender, explicar e
prever. Isto, dada a sua importância para a existência humana.
Parece haver certa aceitação de que o movimento tenha tido papel
fundamental na evolução. Talvez isso possa fazer algum sentido quando ana-
lisamos as modificações sofridas pelo homem ao longo das eras com relação
a movimentos de locomoção, manipulação e estabilização como, por exem-
plo, a aquisição da locomoção bípede, de habilidades de utilização de instru-
mentos e da postura ereta.
O movimento constitui-se no principal meio com o qual o ser humano
interage com seu meio ambiente; ele possibilita a comunicação, a expressão
de emoções e da criatividade, o trabalho, o lazer, a alimentação e a aprendiza-
gem sobre todos desses aspectos. Similarmente à Hofman e Harris (2002)1,
poderíamos dizer que a vida é um universo interminável de movimentos; que
eles fazem parte da natureza humana. Pode-se sugerir que, por fazer parte da
natureza humana, é que nos dias de hoje a sua falta tem implicado em proble-
mas de saúde pública mundial como, por exemplo, o sedentarismo.
As contextualizações sobre o movimento humano nos parágrafos pre-
cedentes mostram-no sob diferentes perspectivas e/ou níveis de análise. Na
verdade, trata-se de um fenômeno complexo e, como tal, seu estudo possi-
bilita e/ou necessita de abordagens multidisciplinares. Nesse sentido, uma
área que tem tido significativo desenvolvimento nas últimas décadas é aque-
la denominada de Comportamento Motor.
Um exemplo da característica multidisciplinar da área de Comporta-
mento Motor pode ser observado em sua composição, com pesquisadores e
profissionais de diferentes formações e atuações como, por exemplo, Fisiote-
rapia, Terapia Ocupacional, Engenharia, Educação Física, Medicina, entre ou-
tras (Corrêa, 2008)2. Isso tem implicado na investigação do movimento hu-
mano, além da perspectiva, com a utilização de diferentes metodologias e
tecnologias advindas de áreas como, por exemplo, Neurofisiologia, Neurociência
Cognitiva, Psicologia Experimental, Bioengenharia, entre outras3.

135
Comportamento Motor na Paralisia Cerebral - Introdução PARTE III

Essa área multidisciplinar tem sido desenvolvida sob um pilar consti-


tuído de três perguntas básicas: 1) como movimentos são produzidos e con-
trolados pelo sistema nervoso central? 2) Como isso é afetado pela prática e
experiência? 3) E, em relação a ambos os aspectos, quais são as alterações
e como elas ocorrem no decorrer da vida? Historicamente, as buscas por
respostas a essas perguntas têm ocorrido em três subáreas de acordo com a
denominação dos fenômenos relativos às perguntas, respectivamente: Con-
trole Motor, Aprendizagem Motora e Desenvolvimento Motor.
As delimitações dessas subáreas têm sido sugeridas apenas com fins
didáticos e/ou operacionais, visto que enquanto fenômeno, o controle, a
aprendizagem e o desenvolvimento motor são inter-relacionados, como su-
gere as perguntas apresentadas no parágrafo anterior. De acordo com Tani
(2006)4, pode-se entender que a aprendizagem implica uma melhoria no
controle do movimento e remete-se, também, a uma mudança de comporta-
mento que deve estar devidamente contextualizada num processo mais lon-
go denominado de desenvolvimento. Ulrich e Reeve (2005)5 e Krebs (2008)6
sugerem, respectivamente, que as pesquisas em Comportamento Motor trans-
cendem os limites das subáreas; que Controle, Aprendizagem e Desenvolvi-
mento Motor são interdependentes.
A característica multidisciplinar da área de Comportamento Motor e o
fato de o comportamento motor ser focalizado em diferentes níveis de aná-
lise e metodologias têm possibilitado a proposição de que os conhecimentos
produzidos nessa área mostrem relação/proximidade com os conhecimentos
utilizados na intervenção profissional, nas diferentes áreas cujas preocupa-
ções relacionem-se à promoção, recuperação e melhoria do movimento hu-
mano em termos de sua qualidade e com implicações para a qualidade de
vida (Corrêa, 2008)2.
Dada a característica dinâmica da ciência, as formas como as pergun-
tas na área de Comportamento Motor e suas subáreas são atacadas em
termos de perspectiva e método, têm sido modificadas ao longo da história.
Tais modificações são mostradas, sintetizadas e, também, colocadas em pers-
pectiva por importantes trabalhos ao longo dos anos como, por exemplo:
Abernethy e Sparrow (1992)7, Adams (1987)8, Annett (1985)9, Clark e Oli-
veira (2006)10, Fischman (2007)11, Magill e Hall (1990)12, Newell (1991)13,
Rosenbaum (2005)14, Salmoni, Schmidt e Walter (1984)15, Schmidt (2003)16,
Summers (199217; 199818), Summers e Anson (2009)19, Swinnen (1996)20,
Tani (2005)21, Thomas (2006)22, Turvey e Fonseca (2009)23, Ulrich e Reeve
(2005)5, para citar alguns. Tratam-se de revisões de literatura que trouxe-
ram à tona não somente o estado-da-arte por meio do levantamento do
legado existente em relação à um fenômeno, subárea ou área, mas, tam-
bém, apontamentos de direções a seguir; de tendências futuras. Por exem-
plo, na mais recente delas a área como um todo foi revisada em termos de
modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desa-
fios, tendências e perspectivas (Tani et al., 2010)3.
Tais trabalhos nos ajudam a responder à seguinte pergunta: mas,
afinal, qual é o estado-da-arte em termos de pesquisa na área de Comporta-
mento Motor? Com base nas citadas revisões e, de acordo com a natureza do
presente texto, de uma forma sintética podemos dizer que, em termos de
controle motor, as perguntas relacionadas à como os movimentos são coor-
denados e regulados a partir do sistema nervoso central e periférico e qual
sua influência, têm sido intensamente investigadas em relação à postura, às

136
PARTE III Comportamento Motor na Paralisia Cerebral - Introdução

variáveis usadas pelo sistema nervoso central para controlar os movimentos


voluntários e a como essas variáveis interagem com os reflexos musculares.
Tais investigações têm sido desenvolvidas em linhas relacionadas à
neuroanatomia, robótica, auto-organização e psicologia ecológica.
A relação maturação-experiência continua a permear as pesquisas
em Desenvolvimento Motor, ora via concepção dicotômica e ora integrativa.
As pesquisas podem ser percebidas em diferentes níveis de análise como:
(1) morfológico/fisiológico/bioquímico, cujos focos encontram-se nas pro-
priedades dos músculos, capacidades de termorregulação e cardiovascular,
tamanho e proporções do corpo, estruturas articulares, níveis hormonais;
(2) experiência, ou seja, história de habilidades praticadas e utilizadas,
contextos de aprendizagem e qualidade da instrução; (3) ambiental (físi-
co), que envolve, por exemplo, superfícies de suporte, escala de implementos
relativa ao executante, e condições do tempo; (4) neural (motor, sensori-
al), com variáveis como velocidade de processamento, organização dentro
e entre áreas do sistema nervoso, plasticidade; (5) perceptual, o qual foca-
liza o desenvolvimento do uso ótimo de fontes abundantes de informação
(visual, auditivo, tátil, etc.), e a aprendizagem do uso de input sensorial
para guiar as decisões da ação; (6) cognitivo, com ênfase em habilidades
de linguagem, níveis e estratégia de memória, conhecimentos factual e de
procedimento, e (7) psicológico/Sociológico/cultural, com foco em motiva-
ção, competência percebida, medo, pressão dos pares, valores e gênero
(Ulrich, 2007)24.
E, no tocante à Aprendizagem Motora, a tendência de estudos reme-
te-se à busca por entendimento de processos, mecanismos e fatores relacio-
nados à aprendizagem de habilidades motoras, como: memória e complexi-
dade da tarefa, atenção, processo de aprendizagem, prática, feedback,
modelação e correlatos neurais e doenças3. Parece haver uma tendência de
esses aspectos serem focalizados, principalmente, em relação à auto-apren-
dizagem e à natureza, característica e especificidade da tarefa25.
Obviamente em conformidade com o contexto desse livro, a pergunta
a se fazer é: como ou em que medida as pesquisas em Comportamento
Motor estariam abordando o movimento de pessoas com paralisia cerebral?
Como o leitor pode perceber, as especificidades da resposta a essa pergunta
em termos de controle, aprendizagem e desenvolvimento são focalizadas
nos capítulos que seguem. Contudo, dado o cunho introdutório do presente
tópico e, portanto, sem adentrar ao conteúdo dos demais tópicos, podería-
mos dar os seguintes destaques.
Em termos de publicação, em sua maioria, as pesquisas apresentam-
se em periódicos especializados Médicos ou relacionados à Fisioterapia e à
Terapia Ocupacional como, por exemplo, Developmental Medicine & Child
Neurology, Research in Developmental Disabilities, Physical Therapy,
Developmental Neurorehabilitation, Archives of Clinical Neuropsychology, Acta
Physiologica, Pediatric Physical Therapy, Applied Psychophysiology and
Biofeedback e American Journal of Occupational Therapy.
As publicações, uma vez na área de Comportamento Motor, têm sido
desenvolvidas nas três subáreas. De um modo geral, entretanto, pode-se
sugerir que na maioria das pesquisas o controle motor ou é foco exclusivo ou
está atrelado à aprendizagem e ao desenvolvimento. E, que há, ainda, a
tendência de investigações com o cunho de intervenção (Bolek, 200626; Case-
Smith, 199627; Horn, Warren & Jones, 199528; Wolpaw, 200629).

137
Comportamento Motor na Paralisia Cerebral - Introdução PARTE III

Especificamente em relação ao controle motor, pode-se sugerir a ten-


dência de preocupações voltadas ao entendimento do desempenho em rela-
ção à lateralidade, assimetria e processamento de informações/feedback
(Bishop, 198430; Dellatolas, Filho, Souza, Nunes, Braga, 200531; Kiessling,
Denckla & Carlton, 198332; Neumann, Hinterberger, Kaiser, Leins, Birbaumer
& Kübler, 200433).
Em relação ao desenvolvimento motor, as pesquisas têm procurado,
principalmente, entender o desempenho de crianças por meio de avaliação e
a influência do meio social no desenvolvimento (Bower & McLellan, 199434;
Palisano, Kang, Chiarello, Orlin, Oeffinger & Maggs, 200935; Nunes, Braga,
Rossi, Lawisch, Nunes & Dellatolas, 200836; Van Zelst, Miller, Russo, Murchland
& Crotty, 200637; Williams, Lee & Anderson, 200938).
E, por fim, no tocante ao entendimento da aprendizagem motora, o
tempo de prática, a utilização e a frequência de feedback e o estabelecimen-
to de metas, parecem fazer parte das tendências de pesquisa (Bogdanov,
Pinchuk & Mikhailenok, 199039; Bower & McLellan, 199240; Bower, McLellan,
Arney & Campbell, 199641; Hemayattalab, R. and L.R. Rostami, 201042; Thorpe
& Valvano, 200243; Wolpaw, 200744).

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Comportamento Motor na Paralisia Cerebral - Introdução PARTE III

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140
CAPÍTULO 7

APLICABILIDADE CLÍNICA DOS CONHECIMENTOS DA


APRENDIZAGEM MOTORA NA PARALISIA CEREBRAL

Camila Torriani-Pasin e Carlos Bandeira de Mello Monteiro

1. INTRODUÇÃO

A aplicação de conhecimentos acadêmico-científicos na intervenção é


necessária para consolidar as profissões denominadas de academicamente
orientadas1 e para garantir a elas uma identidade profissional. Todavia, é
importante reconhecer que, especialmente naquelas profissões ainda
incipientes, não se pode esperar a existência de um corpo de conhecimentos
organizado e robusto que respalde os métodos, programas e procedimentos
de intervenção profissional de uma forma abrangente.
A Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, são áreas de
intervenção recentes em comparação às mais tradicionais como a Medicina,
isto implica em uma atuação profissional na qual os conhecimentos adquiridos
pela experiência clínica dos terapeutas ainda ocupe um lugar de destaque
nos procedimentos terapêuticos selecionados pelos profissionais. Assim,
conforme descreve Sackett (2003)2 o estreitamento entre a ciência e a prática
clínica baseados na tríade composta pelo conjunto de evidência científica,
experiência do profissional e a preferência do paciente deve ser o caminho
para a consolidação de uma profissão orientada academicamente.
Por outro lado, apesar de ser recente e incipiente, cabe reconhecer
que a Fisioterapia a Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia como áreas de
conhecimento, demonstraram nessas últimas décadas um avanço acadêmico-
científico acentuado com um expressivo crescimento na sua produção
científica. Nesse sentido, utilizar esses conhecimentos na intervenção
possibilita melhorar a qualidade da prática profissional, elevar o seu
reconhecimento social3 e estreitar os caminhos entre ciência e prática clínica.
No contexto específico da intervenção na Paralisia Cerebral (PC) a
produção de conhecimentos nas diversas disciplinas da saúde que atuam em
áreas correlatas não é suficiente, até o momento, para fornecer respostas,

141
Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral Capítulo 7

subsídios ou insights para as muitas questões clínicas relativas às alterações


no comportamento motor dos pacientes neurológicos, nem tão pouco com
relação ao manejo terapêutico de tais disfunções apresentadas pelos pacientes
na habilidade de planejar, realizar e aprender novas habilidades motoras.

Assim, um olhar para a área de conhecimento denominada de


Comportamento Motor, mais especificamente para a sub-área de
Aprendizagem Motora pode colaborar no sentido de compreender tal fenômeno
nos pacientes com Paralisia Cerebral. Por isso, não resta dúvida sobre a
relevância do conhecimento acadêmico-científico, mas é preciso destacar a
necessidade de senso crítico para não extrapolar os limites na sua valorização
e cair no cientificismo ingênuo3. Analisar os conhecimentos produzidos na
área de Aprendizagem Motora obviamente torna-se útil e um caminho
promissor para os profissionais da reabilitação4, porém transpor os achados
científicos desta área (eminentemente orientada à população sem qualquer
alteração da postura e movimento) para a população de crianças com Paralisia
Cerebral e tecer implicações clínicas terapêuticas é um passo cujo cuidado
deve ser extremo. Sabe-se que a intervenção é um fenômeno muito complexo,
com inúmeros fatores intervenientes e não previsíveis, o que torna crucial
discernir qual conhecimento é útil para quais situações e objetivos. Além
disso, uma alteração neurológica de origem pré, peri ou pós natal pode gerar
o mais variado quadro clínico, tornando os pacientes com PC bastante
diferenciados entre si, o que dificulta, ainda mais, a generalização de resultados
científicos.

Com essas considerações em mente, o objetivo deste texto é procurar


contribuir para uma maior aproximação entre a Aprendizagem Motora e a
intervenção especificamente na PC, ou seja, trazer os conhecimentos
acumulados sobre fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras e
discutir suas possíveis implicações e aplicações para a melhoria da prática
profissional nesta população. Nesse sentido, os conhecimentos produzidos
pela Aprendizagem Motora podem representar importantes subsídios para
uma tomada de decisão mais coerente e consistente acerca dos projetos,
programas e procedimentos de intervenção 1,5-7. No entanto, é preciso
esclarecer que o estudo dos fatores que afetam a aquisição de habilidades
motoras com objetivo de compreender os processos e mecanismos de
aprendizagem resulta em conhecimentos básicos que podem servir
fundamentalmente como hipóteses ou insights para a intervenção, mas não
como prescrição da mesma.

Levac, et al (2009)8 descrevem que os profissionais, instrutores e


terapeutas que trabalham com reabilitação na área de pediatria neurológica
têm experimentado os enormes desafios de tentar fazer uso dos
conhecimentos da Aprendizagem Motora na prática profissional. Tais desafios
ocorrem, pois os princípios e assunções da prática clínica foram generalizados
a partir de estudos em sujeitos sem qualquer alteração da postura e
movimento e, em geral adultos, desempenhando tarefas de laboratório. Mesmo
assim, é possível afirmar que apesar desta enorme lacuna entre a ciência e
a intervenção em crianças e adolescentes com doenças neurológicas, a
Aprendizagem Motora continua sendo uma opção interessante para
fundamentar as intervenções nesta área.

142
Capítulo 7 Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral

2. FATORES QUE AFETAM A AQUISIÇÃO DE HABILIDADES MOTORAS

É amplamente conhecido que as pesquisas em Aprendizagem Motora


são basicamente de dois tipos: a) estudo dos mecanismos e processos
subjacentes à aquisição de habilidades motoras; b) estudo dos fatores que
afetam essa aquisição. Como foi mencionado, os conhecimentos acerca dos
fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras são aqueles mais
próximos da intervenção, visto que esses fatores são os mesmos que são
manipulados pelos profissionais no ensino das habilidades. Podem ser úteis,
portanto, aos profissionais que lidam com movimento humano, seja na
perspectiva da melhora, manutenção ou reabilitação da capacidade das
pessoas de se movimentar3.
Diversos são os fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras,
conforme se observa na Figura 1. Alguns estão presentes antes da prática,
como a instrução verbal, a demonstração e o estabelecimento de metas;
outros durante a prática, como os diferentes tipos de prática - mental e
física; tipos de estrutura de prática - constante e variada, variada por blocos
e aleatória; distribuição da prática - massificada e distribuída; finalmente,
existem os fatores que se fazem presentes após a prática, como o feedback
extrínseco.

Estabelecimento
Metas

Distribição Instrução /
Prática Demonstração

Fatores que
Afetam AM

Tipo de Prática Feedback

Estrutura de
Prática

Figura 1: Ilustração de alguns fatores que afetam a aprendizagem motora (AM) e que
são manipulados durante a intervenção terapêutica em Paralisia Cerebral.

Serão apresentados e discutidos neste capítulo apenas alguns dos


fatores mais estudados e que são, usualmente, os mais manipulados pelos
profissionais durante a intervenção: instrução/demonstração, estrutura de
prática e feedback 8.

143
Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral Capítulo 7

2.1 Demonstração

A demonstração - também conhecida como modelação - pode ser


definida como uma imagem que o aprendiz observa da execução completa
ou parcial de alguém e que pode ser apresentada ao vivo, por vídeo, foto ou
desenho. Além de ilustrar a meta da ação, a demonstração informa sobre o
meio para alcançá-la, ou seja, favorece a compreensão do que e de como
fazer9-12.
O efeito da observação na aprendizagem foi formalizado por
Bandura13,14 na Teoria de Aprendizagem Social. Nessa teoria a aprendizagem
de um dado comportamento não ocorre somente baseada nas experiências
práticas ou na execução de respostas a serem aprendidas, mas também
mediante a observação das respostas de outros indivíduos. A teoria propõe,
basicamente, que uma representação cognitiva do comportamento observa-
do fornece um quadro de referência que pode funcionar como um modelo
interno de ação, tanto para produção como para avaliação de ações
subsequentes. Essa representação que resulta da demonstração, segundo
Annett (1982)15, é composta por imagens (obtidas por intermédio das sen-
sações experimentadas), critérios (modos de funcionamento do sistema) e
esquemas (estruturas generalizáveis).
Assim, a observação de um modelo apropriado durante a prática de
uma habilidade motora pode ser efetiva na medida em que o aprendiz neces-
sita ter uma idéia clara do objetivo a ser atingido, ou seja, a observação do
desempenho de um modelo pode facilitar a aquisição de padrões de respos-
tas16, desde que o sistema visual e perceptual deste sujeito estejam ínte-
gros. Deste modo, cabe certa cautela ao aplicar estes achados aos pacientes
com PC, na medida em que a demonstração poderá ser efetiva caso não haja
comprometimento visual, bem como da interpretação na íntegra das infor-
mações visuais relativas ao modelo e relativas ao próprio corpo do paciente.
Alguns princípios têm sido associados ao uso da demonstração como
estratégia de aprendizagem motora. O primeiro é o da capacidade limitada
de processamento de informação17-19, isto é, as pessoas concentram-se em
apenas uma quantidade pequena de informação ao mesmo tempo. Logo, o
excesso de informação pode ser prejudicial à aprendizagem, em função da
sobrecarga de informações ao aprendiz. Por isso, o princípio da atenção
seletiva também é apresentado, pois é necessário focar no ponto-chave da
habilidade motora que se pretende aprender para facilitar a captação das
informações relevantes ao aprendiz10,17-19.
Assim, diante destes princípios, cabe aos terapeutas avaliarem
quanto à indicação do uso da demonstração quando os sistemas cognitivo,
perceptivo e sensorial do paciente forem íntegros o suficiente para que a
informação obtida por meio da demonstração possa servir de referência para
a elaboração e execução da habilidade por parte do paciente. Caso haja
problemas atencionais associados ao quadro clínico da criança com PC, res-
salta-se o benefício do uso da estratégia de focar a atenção para pontos mais
relevantes da ação, por meio de instrução verbal associada à demonstração.
Os estudos apontam para a tendência sólida dos benefícios relativos à
associação da instrução verbal com a demonstração e salientam que quanto
maior a idade do aprendiz, mais efetiva a combinação da demonstração com
a instrução verbal20-26. Existe, também, uma tendência de adultos e adoles-
centes aproveitarem-se mais da demonstração do que crianças27, o que su-

144
Capítulo 7 Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral

gere que a idade é uma variável importante para que os processos cognitivos
concernentes à demonstração sejam de fato efetivos. Já em relação à com-
paração entre a demonstração e instrução verbal, há uma tendência muito
forte a favor da demonstração.
A seguir, apresentamos algumas sugestões, dicas e reflexões sobre o
uso de demonstração e instrução verbal na prática clínica em PC, baseadas
na análise de resultados de estudos científicos sobre o tema em sujeitos
saudáveis, bem como na experiência clínica em neurologia. Salienta-se, no
entanto, que não foram encontradas pesquisas científicas com instrução/
demonstração em PC.
• No início da aprendizagem de uma habilidade, a demonstração deve
ser focada nos pontos relevantes para a ação. Recomenda-se, en-
tão, não sobrecarregar o aprendiz com muita informação visual12,18
e garantir que o aprendiz tem a capacidade de ver e interpretar os
aspectos críticos da habilidade a ser demonstrada17.
• A instrução verbal pode ser acoplada à demonstração de uma habi-
lidade motora (ver, por exemplo,20,21). Caso a capacidade atencional
do paciente seja muito baixa, a instrução verbal pode ser fornecida
de forma curta e concisa na forma de pista verbal, ou seja, consti-
tuída de uma ou duas palavras17 e, ainda, estar acoplada à demons-
tração. As pistas devem estar relacionadas com os aspectos
específicos e críticos da habilidade e podem orientar a sequência
dos movimentos.
• O terapeuta/profissional deve refletir sobre quem deve ser o mode-
lo para a demonstração, pois não há evidências científicas suficien-
tes para afirmar que a imagem ideal e correta (sem erros) conduz à
melhor e mais precisa representação do movimento28-31. Por isso,
vale a pena explorar a demonstração não somente com o terapeu-
ta/profissional sendo o modelo, mas também, uma pessoa querida
ou fonte de inspiração do paciente, pois há indícios de que o apren-
diz presta mais atenção a uma pessoa que lhe inspira mais motiva-
ção28,31. Pode-se fazer uso, também, de uma foto ou vídeo de outro
paciente mais hábil para a execução da ação, por exemplo, um
colega de escola ou paciente do mesmo centro de reabilitação.
• A demonstração, por meio de vídeo, de uma tentativa realizada
com sucesso pode ser uma boa estratégia terapêutica na aprendi-
zagem de uma habilidade motora. Afinal, quem não gosta de refor-
ço positivo sobre seus êxitos? Estudos têm apontado superioridade
na aprendizagem de habilidades frente à demonstração das tentati-
vas nas quais o aprendiz executou a ação com melhor desempe-
nho32-34.
Em suma, há muito conhecimento científico disponível acerca do for-
necimento de instrução prescritiva em forma de demonstração ao aprendiz.
Em conjunto com a instrução verbal ou isoladamente, a demonstração é um
fator de aprendizagem motora fundamental que, adequadamente fornecida,
pode auxiliar o profissional em sua prática cotidiana com pacientes de PC.

2.2 Estrutura de prática


A prática pode ser definida como um esforço consciente de organiza-
ção, execução, avaliação e modificação das ações motoras a cada tentativa.

145
Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral Capítulo 7

Ela tem sido um dos fatores mais estudados no campo da Aprendizagem


Motora, uma vez que é um aspecto fundamental para a ocorrência de apren-
dizagem e, por isso, encontra-se em muitas definições de aprendizagem
motora. Mas, além de praticar várias vezes, é preciso também valorizar a
qualidade da prática, usando estratégias que melhorem o desempenho, so-
bretudo nos testes de retenção e transferência, momentos em que os níveis
de proficiência são realmente importantes para inferir sobre a aprendiza-
gem3. Essa assunção tem implicado na pergunta sobre qual é a melhor ma-
neira de organizar e estruturar a prática para promover a aprendizagem
efetiva de uma habilidade motora. De forma especial, como estruturar a
prática nas intervenções específicas aos pacientes neurológicos, tais como
os de PC?
A estruturação da prática, especialmente em termos da sua variabili-
dade, tem sido intensamente investigada desde a década de 197035,36 e tem
havido esforços no sentido de relacioná-la à intervenção profissional no que
se refere ao ensino de habilidades motoras37. Quando um profissional como
o fisioterapeuta, por exemplo, realiza uma sessão com um paciente, a práti-
ca de uma ou mais habilidades motoras é, invariavelmente, o foco daquela
sessão e muitas estratégias são selecionadas a fim de proporcioná-la.
Quanto à estrutura, a prática pode ser constante (sem variação) ou
variada. No que se refere à prática variada, esta pode ser do tipo aleatória,
em blocos ou seriada. A Figura 2 visa ilustrar as opções de prática variada
(com proposta de variação do tipo de assento), considerando a prática em
seis sessões, da habilidade motora de passar de sentado para de pé.

Passagem de sentado para em pé


1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª
sessão sessão sessão sessão sessão sessão
Prática - Cadeira com - Cadeira com - Cadeira com - Cadeira com - Tablado - Tablado
em apoio de braço apoio de braço apoio de braço apoio de braço
blocos braço braço
Prática - Cadeira com - Cadeira com - Cadeira com - Cadeira com - Cadeira com - Cadeira com
seriada apoio de braço apoio de braço apoio de braço apoio de braço apoio de braço apoio de braço
- Banco alto - Banco alto - Banco alto - Banco alto - Banco alto - Banco alto
sem apoio de sem apoio de sem apoio de sem apoio de sem apoio de sem apoio de
braço braço braço braço braço braço
- Tablado - Tablado - Tablado - Tablado - Tablado - Tablado
Prática - Tablado - Cadeira com - Banco alto - Cadeira com - Banco alto - Tablado
aleatória - Banco alto apoio de braço sem apoio de apoio de braço sem apoio de - Banco alto
sem apoio de - Tablado braço - Tablado braço sem apoio de
braço - Banco alto - Cadeira com - Cadeira com - Cadeira com braço
- Tablado sem apoio de apoio de braço apoio de braço apoio de braço - Cadeira com
braço - Tablado - Cadeira com apoio de braço
apoio de braço
Figura 2: Ilustração do planejamento do ensino da habilidade motora de passar de
sentado para em pé, considerando variação na constituição física do assento (cadeira,
banco ou tablado de atendimento para fisioterapia), sendo distribuída em seis sessões
de prática variada de forma aleatória, em blocos ou seriada.

Basicamente, as investigações sobre os efeitos de diferentes estrutu-


ras de prática na aprendizagem de habilidades motoras têm manipulado as
práticas: constante (caracterizada por repetição ou por não envolver varia-

146
Capítulo 7 Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral

ções durante a execução de várias tentativas da tarefa de aprendizagem);


variada do tipo aleatória (caracterizada pela variação aleatória de tarefas ou
aspectos da tarefa), variada por blocos (caracterizada pela execução de to-
das as tentativas de uma tarefa, para depois passar para uma outra tarefa)
e seriada (caracterizada pela prática de várias tarefas que são apresentadas
em uma sequência pré-estabelecida, seguindo sempre a mesma ordem).
Nessas investigações uma das teorias que embasa seus resultados é a Teoria
de Esquema de Schmidt (1975) na qual a prática variada-aleatória tem sido
vista como aquela que promove melhor aprendizagem comparativamente a
outras estruturas de prática38.
A especificação do modo de variação na prática motora iniciou-se com
a noção de variabilidade de prática, que pode ser definida como o número de
habilidades diferentes praticadas numa sessão. De acordo com a Teoria de
Esquema (Schmidt, 1975), o aumento no número de variações diferentes de
uma habilidade ao longo da prática deveria implicar em melhor aprendiza-
gem. As primeiras pesquisas sobre o tema mostraram que praticar apenas
uma variação da habilidade foi menos eficaz do que praticar algumas varia-
ções, quando a aprendizagem foi mensurada pelo desempenho em testes de
transferência39-42. No entanto, a literatura recente tem mostrado que, para
melhorar o desempenho na retenção e transferência, a prática constante
deve ser realizada em momentos iniciais do processo, antes que qualquer
variabilidade seja introduzida43-47,12.
A Teoria de Esquema opera com os conceitos de programa motor
generalizado (PMG) e parâmetros de controle do movimento. O PMG é uma
estrutura abstrata responsável pela geração de respostas dentro de uma
categoria de movimentos. A noção de variabilidade de prática está direta-
mente relacionada à variação de parâmetros de movimentos contidos em
um PMG. Assim, faz sentido assumir que depois de adquirir um entendimen-
to do padrão básico de movimento por meio de prática constante, esse pa-
drão então deva ser variado mediante prática variada. Em suma, quanto
mais variada for a prática dos parâmetros, maior a capacidade de adaptação
do aprendiz para transferir o que foi praticado.
No contexto da reabilitação, transferir o que foi praticado em sessões
terapêuticas realizadas em ambiente fechado e previsível torna-se funda-
mental para garantir funcionalidade e independência do paciente nas ativi-
dades e participação social, conforme preconiza a CIF (Classificação Interna-
cional de Funcionalidade e Saúde) 48-51.
Embora a prática constante possa proporcionar vantagens quanto ao
desempenho durante a fase de aquisição da habilidade, principalmente para
habilidades fechadas, muitas repetições da mesma habilidade podem causar
monotonia e falta de engajamento cognitivo, especialmente quando se con-
sidera que pacientes com PC provavelmente necessitarão de acompanha-
mento da reabilitação por períodos prolongados e os profissionais, por con-
seguinte, devem tentar evitar a monotonia para garantir adesão ao tratamento.
A seguir, apresentamos algumas sugestões, dicas e reflexões sobre o
uso da estruturação da prática na intervenção clínica em PC, baseadas na
análise de resultados de estudos científicos sobre o tema em sujeitos saudá-
veis, bem como na experiência clínica em neurologia.
• O terapeuta, professor ou instrutor deve refletir, em primeira ins-
tância, se será indicada a variação da prática, pois quando se tem
um paciente grave, com disfunções nos diversos sistemas tais como

147
Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral Capítulo 7

cognitivo, perceptual, músculo-esquelético, neuromuscular e sen-


sorial, muitas vezes, a prática de uma habilidade somente será pos-
sível se reproduzidas condições similares em cada tentativa, dada a
dificuldade apresentada pelo paciente de lidar com variabilidade.
Assim, dependendo de quão limitadas forem as possibilidades de
realização de habilidades motoras pela criança ou adolescente com
PC, a prática variada tornar-se-á limitada por consequência.
• Recomendamos analisar para pacientes menos acometidos no âm-
bito motor e cognitivo, se talvez a melhor alternativa seja conside-
rar que práticas mistas sejam mais efetivas que práticas extremas
(com alta ou baixa variação). Recomenda-se, portanto, ponderar
sobre qual o momento mais adequado para inserir a variação da
prática. Pesquisadores têm encontrado resultados consistentes em
sujeitos saudáveis a favor de práticas mistas, especialmente favo-
ráveis à prática constante inicialmente, seguida da aleatória52,43-46.
Essa tendência aponta para a mesma direção proposta nos modelos
descritivos dos estágios de aprendizagem motora: prática com pouca
variação no início e mais variação no final. Parece que formar o
padrão básico mediante prática com pouca variação no início do
processo de aprendizagem motora é condição necessária para que
esse padrão seja diversificado/adaptado com mais variação em es-
tágios intermediários e avançados3.
• A variação da prática a ser proposta para crianças e adolescentes
com PC pode levar em consideração as modificações do ambiente,
bem como da demanda da tarefa. Assim, conforme exposto no exem-
plo da Figura 2, a variação da prática proposta de forma aleatória,
em blocos ou seriada pode ser com modificações ambientais que
envolvem, por exemplo, os objetos ou equipamentos utilizados para
desempenhar a função que se pretende treinar. É possível variar no
tamanho, na altura, no tipo de preensão, na densidade do objeto,
entre outras tantas possibilidades. A contextualização do uso do
objeto também pode ser uma forma de variação, por exemplo, para
a função caminhar a prática pode ser variada em relação ao contex-
to em que se pode andar, tais como, andar na grama, na areia,
andar imitando algum personagem famoso, andar como soldado ou
como uma modelo famosa nas passarelas, andar com sapatos, de
meia, ou descalço, com ou sem órtese, enfim o treino que contem-
pla variabilidade de prática pode levar em conta o ambiente e a
demanda da tarefa a fim de garantir variação sem monotonia du-
rante o treinamento.

2.3 Feedback

Em Aprendizagem Motora, o feedback pode ser definido como uma


informação sensorial referente ao estado real do movimento de um indiví-
duo53. Em outras palavras, feedback é toda informação sensorial disponível
como resultado do movimento54.
Durante a aquisição de habilidades motoras, além da prática, é fun-
damental a informação, seja esta advinda de fontes externas (feedback ex-
trínseco - FE) ou do próprio corpo (feedback intrínseco - FI). Assim, o feedback,

148
Capítulo 7 Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral

de forma ampliada pode ser definido como toda informação de retorno sobre
um movimento realizado, transmitida pelo professor/instrutor/terapeuta ou
percebida pelo próprio aprendiz, para auxiliar no processo de aquisição de
habilidades motoras.
Nesse sentido, o FI resulta das informações intrínsecas do sistema
sensorial do indivíduo como resultado do movimento e é consistente com o
conceito de aprendizagem implícita proposto por Gentile (1998)55, o qual é
um fenômeno não consciente que pode sofrer interferência externa do tera-
peuta ou professor a partir das mudanças produzidas no ambiente e na
demanda da tarefa56. O FE, também conhecido como feedback aumentado,
melhorado, artificial, aprimorado ou suplementar, complementa o FI ou, por
vezes, pode substituir a falta de FI, quando o aprendiz apresenta prejuízos
nas estruturas e funções somato-sensoriais. Desta forma, o FE provê base
para a aprendizagem explícita que resulta claramente de direcionamento ou
instruções externas. Por isso, o feedback verbal, as correções táteis ou de-
monstrações podem ser consideradas FE fornecido pelos terapeutas.
O FE apresenta a propriedade de complementar a informação proveni-
ente do FI e está sob controle dos profissionais, que podem fornecê-los em
ocasiões oportunas, ou ainda não fornecê-las, dependendo das metas estipu-
ladas, características da tarefa e nível de experiência e habilidade dos prati-
cantes. O FE é dividido em conhecimento de resultados (CR), quando se for-
necem informações sobre o resultado de seu movimento em relação à meta
ambiental (por exemplo, “você errou o alvo!” ou “muito bom, você conseguiu
finalizar a ação!”) e conhecimento de performance (CP), quando se fornecem
informações sobre o padrão de movimento (por exemplo, “tente levantar mais
o pé!” ou “abra mais a mão no momento de pegar o copo!”)53.
A prática e a informação sobre o erro podem ser consideradas variá-
veis essenciais que modulam a aprendizagem motora57,58. Nos momentos
iniciais da aquisição de uma habilidade motora, o aprendiz tem que lidar com
grande quantidade de incerteza proveniente das demandas do ambiente, da
tarefa e do próprio corpo; nessa fase, ele dificilmente consegue responder
com sucesso a tantas demandas, e as ações são desorganizadas, pouco efi-
cazes e apresentam muitos erros. O feedback recebido ao longo das tentati-
vas práticas pode se constituir um fator essencial no processo cognitivo de
resolver o problema motor, mediante o qual o comportamento vai se tornan-
do cada vez mais consistente e eficiente3.
O FE auxilia o aprendiz a reduzir o desvio entre o que foi planejado e
o que foi executado54. Essa informação adicional sobre o erro tem o potencial
de auxiliar na interpretação das informações naturalmente disponíveis ao
aprendiz, já que age fornecendo uma referência, ou uma checagem confiável
para o praticante, a fim de assegurar que os dados do FI estão sendo corre-
tamente processados. Além disso, o FE também funciona como um impor-
tante agente motivador durante a aprendizagem de habilidades motoras57,59.
Quando o aprendiz de uma habilidade motora é uma criança ou ado-
lescente com PC, o profissional deve analisar a capacidade deste sujeito de
receber FI adequado, processar tais informações e uní-las ao FE obtidos a
partir da execução do movimento, pois quando há prejuízos no sistema
cognitivo, perceptual ou sensorial, a recepção, integração e processamentos
das informações sensoriais disponíveis antes, durante e após um movimento
podem não ser corretas ou não estar presentes dificultando a realização e a
aprendizagem de habilidades motoras.

149
Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral Capítulo 7

O FE pode ser fornecido durante a ocorrência do movimento (concor-


rente), imediatamente após o movimento (imediato), ao final do movimento
(terminal) ou ainda após alguns instantes da execução da ação (atrasado). O
FE pode variar com relação à frequência podendo ser fornecido a cada tenta-
tiva de execução da ação (fornecimento consistente) ou esporadicamente,
sendo fornecido após algumas tentativas realizadas.
As investigações sobre os efeitos do FE na aquisição de habilidades
motoras têm sido realizadas em relação a estes aspectos e algumas informa-
ções serão aqui apresentadas a fim de possibilitar discussão e implicações
para prática profissional.
Em relação à frequência de FE, tem-se verificado que frequências
menores60-65 e os maiores níveis de tolerância de erro66,67 têm obtido melho-
res resultados na aprendizagem. Resultados como esses têm sido explica-
dos, pois as menores frequências e o fornecimento atrasado possibilitam ao
aprendiz a utilização do FI que, por sua vez, possibilita o desenvolvimento da
própria capacidade de detecção e correção de erros. Isso reflete em uma
menor dependência em relação ao FE57.
No entanto, dados recentes parecem sugerir que as crianças respon-
dem de forma diferente à frequência de feedback, pois segundo Sullivan et
al (2008)68 crianças com 100% de frequência de feedback durante a aquisi-
ção de uma habilidade motora desempenharam-se significativamente me-
lhores no teste de retenção quando comparadas às crianças que receberam
menores frequências de feedback. Estes achados são explicados em função
da imaturidade do sistema intrínseco e extrínseco de detecção de informa-
ções internas e externas da criança.
Lee et al (1993)59 em uma extensa revisão sobre feedback apontam
alguns dos indicativos sobre o uso de FE na intervenção: a) pode ser apon-
tado que o efeito do feedback relaciona-se ao esforço cognitivo no uso da
informação sobre o erro, mais do que quando essa informação é usada ape-
nas como um agente motivador; b) parece haver uma tendência clara em
relacionar o FE às estratégias cognitivas de concentração da atenção na ta-
refa a ser aprendida.
Nesse sentido, avaliar a capacidade cognitiva, incluindo atenção e me-
mória dos pacientes com PC parece ser fundamental antes de utilizar o FE como
estratégia terapêutica durante a aprendizagem de uma habilidade motora.
Ainda em relação aos resultados das pesquisas, pode-se dizer que o
CP tem sido mais utilizado, mostrando benefícios para a aprendizagem de
habilidades motoras69. O CP sozinho70 e em conjunto com CR71,72 tem sido
mais efetivo na aprendizagem quando comparado com o CR isoladamente,
em sujeitos saudáveis.
Especificamente em relação à PC, Hemayattalab e Rostami (2010)73
investigaram o efeito da frequência do fornecimento de CR para crianças e
adolescentes com PC em uma tarefa de arremesso. Detectaram que tanto o
grupo que recebeu fornecimento de CR com baixa frequência e o grupo que
não recebeu FE apresentaram melhor aprendizagem da habilidade quando
comparado ao grupo que recebeu 100% de frequência de CR no teste de
retenção realizados após 3 dias da aquisição. E alertam que os pacientes
com PC submetidos à prática de uma habilidade têm a possibilidade de utili-
zar o próprio FI para aprender uma nova habilidade.
A seguir, apresento algumas sugestões, dicas e reflexões sobre o uso
de feedback na intervenção clínica em PC, baseadas na análise de resultados

150
Capítulo 7 Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral

de estudos científicos sobre o tema em sujeitos saudáveis e neurológicos,


bem como na experiência clínica em neurologia.
• O terapeuta deve analisar a capacidade cognitiva (atencional e de
memória) do paciente a fim de decidir sobre o fornecimento de FE
ao paciente, pois pacientes com baixa capacidade cognitiva não
conseguirão fazer uso do feedback para comparar o executado com
o que foi planejado e poder modificar o resultado da ação na próxi-
ma tentativa.
• Pacientes com boa capacidade cognitiva devem ser encorajados a
fazer uso do FI após a realização de cada ação, ou seja, em última
instância o terapeuta deve induzir a percepção e o uso das informa-
ções disponíveis durante e após a execução da ação pelo próprio
paciente para que este não se torne dependente do fornecimento
de FE pelo terapeuta ou profissional que realiza a intervenção56,73.
• Quando o paciente apresenta prejuízos múltiplos no sistema somato-
sensorial, o fornecimento de FE pode ser útil para a aprendizagem
de uma habilidade e, para isso, o fornecimento de FE em baixas
frequências e de forma atrasada ao término da ação tem-se mos-
trado mais efetivo para crianças e adolescentes com PC73.

Considerações Finais:

A utilização dos conhecimentos da área de Aprendizagem Motora nas


intervenções em neurologia pode ser uma importante ferramenta dos
terapeutas, professores e instrutores que trabalham, por exemplo, com as
crianças e adolescentes com PC durante a reabilitação, na medida em que
tais conhecimentos podem fornecer suporte teórico baseado em evidências
às intervenções profissionais usualmente selecionadas baseadas na expe-
riência clínica e no senso comum4.
O embasamento das intervenções nestes achados científicos
pode beneficiar os resultados promovidos em cada sessão, fornecer suporte
para garantir transferência e maior generalização de resultados em situa-
ções cotidianas e funcionais e auxiliar os profissionais na tomada de decisão
em relação à manipulação do ambiente e da seleção da tarefa durante a
atuação com esta população8.
O caminho em busca destas informações científicas que po-
dem solucionar problemas da prática clínica com esta população ainda é
longo, porém muito promissor até que sejam produzidas evidências capazes
de auxiliar na tomada de decisão específica às necessidades de cada pacien-
te. No entanto, é certo que buscar estas evidências na área de conhecimen-
to denominada de Aprendizagem Motora pode ser um dos caminhos a ser
percorrido4,51. Desta forma, até que se construa um corpo de conhecimentos
robusto o suficiente, os profissionais vão lançando mão de outros conheci-
mentos como aqueles adquiridos pela experiência pessoal e profissional que,
mesmo ainda não testados por meio de estudos acadêmico-científicos, mos-
tram-se úteis na solução de problemas no cotidiano da intervenção.

151
Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral Capítulo 7

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Capítulo 7 Aplicabilidade clínica dos conhecimentos da Aprendizagem Motora na Paralisia Cerebral

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156
CAPÍTULO 8

CONTROLE MOTOR E PARALISIA CEREBRAL

Claudia Eunice Neves de Oliveira, Nelson Francisco Annunciato,


Juan Carlos Bonito Gadella

Podemos iniciar este capítulo com a seguinte pergunta: “porque nós


nos movemos?”.
Ainda que pareça óbvio, nunca é demais frisar que nós nos movemos
para solucionar problemas! Quer seja deslocar-se para apanhar um obje-
to, beber um copo d’água para saciar a sede, ir ao toalete, escrever um livro
ou ler estas linhas. Os exemplos são inúmeros e tomaria muito deste capítu-
lo citá-los aqui. Nosso objetivo é descrever os mecanismos neuro-anátomo-
funcionais necessários para o controle motor. Através destes conhecimentos
compreenderemos melhor os distúrbios motores da paralisia cerebral, des-
critos em outros capítulos deste livro.
O sistema nervoso (SN) é um gigante em células, no qual habitam
diversas funções, dentre elas, o controle da motricidade. Ser capaz de reali-
zar um ato motor não é uma mera questão de ter um bom controle motor.
Por isso, precisaremos ter uma visão geral, pelo menos das áreas motoras e
suas correlações com as áreas sensitivas, não esquecendo que as áreas
motoras também se correlacionam com as áreas límbicas e vegetativas.
Imagine: quando uma criança engatinha, ela possivelmente não está pen-
sando no ato de engatinhar, mas sim, em agarrar o brinquedo que está na
sua frente; ou quando ela está com vontade de urinar ela não pensará no ato
de correr até o toalete, ela simplesmente correrá, pois sua bexiga urinária
está enviando um sinal de que “a coisa pode ficar molhada”. As áreas límbicas
e vegetativas não são, em espécie alguma, menos importantes, apenas por
questão de foco, deter-nos-emos, neste trabalho, nas chamadas áreas sen-
sitivo-motoras.
Já existe um amplo conhecimento das conexões neuronais das diver-
sas áreas motoras entre si e das conexões entre as áreas motoras com as
demais áreas do sistema nervoso. Porém, estes conhecimentos ainda não

157
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

são suficientes para explicar todos os nossos comportamentos motores, se-


jam eles, corretos ou inadequados.
Podemos começar dizendo que o sistema nervoso controla, coordena,
integra e é responsável pela homeostase de si próprio e de todos os outros
sistemas do organismo. É um sistema único e indivisível, sendo separado
anatomicamente apenas para finalidades didáticas, onde pode ser dividido
em Sistema Nervoso Central (SNC) que compreende medula espinal e encéfalo
e Sistema Nervoso Periférico (SNP) que compreende os nervos espinais e
encefálicos, gânglios e as terminações nervosas. O SNP transmite informa-
ções sobre as modificações do meio ambiente interno e externo ao SNC, o
qual interpreta e desencadeia as respostas, possibilitando, assim, ao indiví-
duo interagir com o seu meio e determinando-lhe o seu comportamento1.
O tecido nervoso abrange, basicamente, dois tipos celulares: os neu-
rônios e as células da glia. Os neurônios são as células excitáveis capazes
de interagir com o meio no qual se encontram. Respondem aos estímulos
que modificam o potencial elétrico de sua membrana celular e culminam
com a propagação de impulsos, os quais são denominados de impulso ner-
voso ou potencial de ação. Este tem a finalidade de transmitir informações
para outras células excitáveis (outros neurônios, músculos ou tecido glan-
dular). Esta transmissão dinâmica do impulso nervoso entre as células
excitáveis é denominada de sinapse, conceito este estabelecido por Charles
Sherrington em 18872.
Os neurônios podem ser classificados em três tipos: sensitivos, moto-
res e de associação (também conhecidos por interneurônios).
Neurônios sensitivos: também conhecidos por aferentes. Em nossa
espécie estes neurônios são, em sua maioria, pseudo-unipolares, tendo seus
corpos reunidos e formando gânglios localizados fora do SNC (nos glânglios
espirais ou num nervo encefálico). Estes neurônios possuem um prolonga-
mento central que fará sinapse dentro do SNC e um prolongamento periféri-
co formando as terminações nervosas sensitivas ou receptores, os quais são
capazes de captar os diversos estímulos e transformá-los (codificá-los) em
impulso elétrico para ser interpretado (decodificado) pelo SNC1.
Neurônios motores: também conhecidos por eferentes. Eles têm
como função direcionar o impulso nervoso até os órgãos efetores; os neurô-
nios motores que inervam os músculos esqueléticos têm seus corpos celula-
res dentro do SNC e configuram as vias eferentes somáticas, já os neurônios
eferentes que inervam músculos lisos, cardíacos ou glândulas têm seus cor-
pos fora do SNC e configuram as vias eferentes viscerais1.
Neurônios de associação ou interneurônios: possuem seus cor-
pos dentro do SNC e perfazem a maioria dos neurônios deste sistema, como
o próprio nome diz, eles têm a função de associar, ligar e interligar neurônios
à neurônios, podendo ter funções inibitórias ou excitatórias.
Já, as Células da glia são responsáveis pela sustentação dos neurô-
nios, participam do equilíbrio iônico do fluido extracelular, participam da nu-
trição produzindo suporte trófico para os neurônios3, participam do processo
de defesa do tecido nervoso removendo detritos após lesão ou morte neural.
Durante a embriogênese, algumas células da glia funcionam como guia para
a migração dos neurônios e para o crescimento dos seus axônios4. No SNC
as células gliais se dividem em células ependimárias, astrócitos,
oligodendrócitos e micróglia. Já, no SNP, encontram-se as células de Schwann
e a glia satélite. As células da glia estão em íntimo contato com os neurônios,

158
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

principalmente, os oligodendrócitos e as células de Schwann que formam um


envoltório denominado bainha de mielina no SNC e SNP, respectivamente5.
Como uma andorinha só não faz verão, evidentemente, uma célula
sozinha não pode assumir a complexidada de uma função. Durante o desen-
volvimento embriológico as células se aproximam umas das outras forman-
do conexões e surgindo, assim, o que podemos chamar de regiões funcio-
nais. Algumas regiões estão mais relacionadas a motricidade, outras com as
sensibilidades, outras com as emoções e assim por diante.

O fornecimento de informações sensitivas para o controle motor

Sabemos que a seguinte afirmação será bem curiosa para alguns


leitores, porém, explicar-nos-emos logo em seguida: “O sistema nervoso
central não tem idéia do que acontece na periferia!”. Quando analisamos os
estímulos externos como, p.ex., ondas sonoras, ondas de luz, temperatura
etc., logo percebemos que o SN não pode interpretá-los diretamente. Tor-
na-se mister contar com o auxílio de um sistema, o qual possa fazer a
codificação destes estímulos externos em atividade neural. Este sistema
responsável se chama: “sistema sensitivo”, o qual traduz os estímulos
biofísicos (do corpo, como receptores neuromusculares, órgãos
neurotendinosos, receptores das cápsulas articulares, tato, temperatura
etc., e de fora do corpo, como ondas sonoras e de luz, por ex.) em ativida-
de neural, ou seja, atividade eletro-química de um neurônio. Aqui temos,
então, a linguagem compreendida pelo SNC, qual seja, atividade eletro-
química. Com esta última atividade inicia-se uma corrente de deflagrações
em vários neurônios, o que é traduzido como “processamento neuronal”.
Gostaríamos de chamar a atenção para a diferença entre dois termos aqui
utilizados: “atividade neural” e “processamento neuronal”. O primeiro se
refere à atividade eletro-química de UM NEURÔNIO e o segundo termo se
refere ao processamento, o qual envolve UMA REDE de neurônios. Assim,
este processamento é algo mais complexo e envolve não só as trocas de
informações entre neurônios circunvizinhos, mas, também, as trocas de
informações entre distintas e distantes áreas do SN. Este processamento
neuronal tem a finalidade de facultar ao sistema motor informações cruciais
para que este sistema motor possa controlar adequadamente o aparelho
locomotor. Neste ponto, permitir-nos-emos fazer uma análise inversa dos
itens supra-citados, ou seja, pensaremos terapeuticamente. Um objetivo
primordial dos terapeutas é que seus pacientes possam realizar movimen-
tos cada vez mais eficazes sem perder de vista a individualidade de cada
paciente. Assim, deve-se contar com um aparelho locomotor adequado, o
qual é comandado por um sistema motor, o qual recebe os resultados cruciais
dos processamentos neuronais, os quais tomam lugar graças às atividades
neurais, as quais, por sua vez, iniciam-se com a conversão (tradução/codi-
ficação), pelo sistema sensitivo, dos estímulos biofísicos em sinais
eletroquímicos. Destarte, todo trabalho terapêutico tem seu início no siste-
ma sensitivo, o qual é a porta de entrada para o mundo neurológico do
paciente (veja esquema 1)6.
Acreditamos não ser demasiado enfatizar e descrever ainda mais o
papel do sistema sensitivo como contribuinte indispensável para o bom fun-
cionamento motor. Como vimos, os estímulos biofísicos devem ser captados

159
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

Estímulos Sistema Atividade


biofísicos sensitivo neural

Processamentos Sistema Efetores


neuronais motor (Movimento)

Esquema 1 - Dos estímulos à reposta motora

pelos receptores, os quais codificam as informações recebidas na periferia


em atividade neural (impulsos deflagrados pelos receptores). Evidentemen-
te, não faria sentido se estas informações recém-codificas ficassem em nível
periférico, pois, para que elas possam ser processadas, necessitamos do
SNC. Assim, inicia-se, agora, a segunda etapa, qual seja, de transporte
para a parte central do sistema nervoso. Ao chegar ao SNC, estas informa-
ções são decodificas. Acreditamos ser importante frisar que esta “decodifi-
cação” não significa que o córtex cerebral necessite obrigatoriamente estar
envolvido neste processo. Como sabemos inúmeras e importantíssimas in-
formações permanecem abaixo do nível da consciência, como, por exemplo,
as informações proprioceptivas e táteis, as quais chegam ao cerebelo e ou a
formação reticular (ler abaixo as “vias sensitivas”). Este fato é importante
tanto para pacientes comatosos como para pacientes com paralisia cerebral.
Vejamos um exemplo: o prezado leitor deve provelmente estar, neste mo-
mento, sentado. Seu córtex está altamente concentrado em ler este capítu-
lo, analisá-lo cuidadosamente, guardar várias informações etc. Entrementes,
seu córtex não pode dizer com qual tônus muscular a musculatura
paravertebral está sendo controlada. Isto significa que várias informações
proprioceptivas não têm acesso ao córtex e são processadas abaixo do nível
da consciência, como, por exemplo, no cerebelo (ler abaixo “via proprioceptiva
inconsciente”). Assim, este processo de decodificação significa, então, que o
SN, já em níveis subcorticais, “entende” o que está acontecendo na periferia.
A partir disso, este SN pode avaliar e estabelecer prioridades motoras. Ima-
gine o leitor que, enquanto o senhor está sentado lendo este capítulo, o
senhor tem vontade de tomar uma xícara de café e, inadvertidamente, toca
na xícara, a qual está extremamente quente. Seu SN saberá que, por mais
que este capítulo seja interessante, a prioridade é retirar a mão da xícara.
Voltando aos caminhos sensitivos-motores, vamos seguir com outro
processo extremamente importante, qual seja, a integração das distintas
informações, oriundas de distintos canais sensitivos. O SN tem uma fantás-
tica capacidade em integrar várias informações sensitivas, para que ele pos-
sa arquivá-las e recrutá-las nos momentos necessários. Estas duas últimas
fases (arquivar e recrutar) fazem parte do processo de memória. Referimo-

160
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

nos aqui, não somente à memória cognitiva, p.ex. qual o nome de um obje-
to, mas também à memória neuromuscular. Vejam como estas integrações
são importantes: imaginem uma criança cega ou uma criança com paralisia
cerebral. Estas crianças são privadas de informações sensitivas importantes
para o controle motor e terão grande dificuldade para desenvolver os
homúnculos sensitivo e motor (ler adiante “córtex somato-sensitivo”). A va-
riabilidade de informações é primordial para uma adequada integração. Ou
seja, o SN é sedento por variabilidade, haja vista que ele só pode aprender
se houver “algo para comprar”, tem que haver alguma “diferença”! Imagine
o leitor agora, que o senhor fechará todas as janelas da sala, apagará as
luzes e ficará em um breu e completo silêncio. O que farão seus olhos auto-
maticamente? Procurarão por uma fonte de luz e suas orelhas por uma fonte
sonora! O sistema nervoso carece de diferenças e, por isso, um dos objeti-
vos terapêuticos deve ser baseado em fornecer uma variabilidade de infor-
mações para o SN dos pacientes.
A partir desta integração, o SN está apto a preparar a sequência de
movimentos necessários. Imagine o leitor agora, que o senhor está sentindo
sede e que gostaria de beber água. Neste momento, sua intenção cortical
conduzirá a uma série de atividades eletroquímicas e seu sistema pré-motor
se preparará para recrutar os neurônios motores e seus respectivos múscu-
los em uma sequência ordenada e econômica para o organismo. Somente
após uma adequada preparação é que os neurônios motores inferiores loca-
lizados no tronco encefálico e medula espinal podem receber as salvas de
impulsos nervosos e enviá-las aos músculos, os quais podem executar a
ação motora. Só assim, o senhor poderá pegar o copo, levá-lo à boca e
beber a água.

Resumindo:
1. receber estímulos (codificá-los) pelos receptores
2. transportar os impulsos neurais da periferia para o SNC
3. decodificar (O SNC compreende o que ocorreu na periferia)
4. avaliar (O SNC estabelece prioridades)
5. integrar (memória + comparação)
6. preparar os movimentos (planejamento e sequenciamento)
7. executar os movimentos.

CONTROLE DO MOVIMENTO ATRAVÉS DE MECANISMOS DE FEEDBACK


E FEED FORWARD
O ser humano é controlado por receptores! O sistema sensitivo in-
fluencia o sistema motor de duas maneiras concomitantes: (1) por anteci-
pação (Feed forward), ou seja, ANTES que os movimentos tenham sido
realizados, e (2) por retroalimentação (Feedback) informando se os mo-
vimentos intencionados pelo córtex seguiram seus rumos corretos.

FEEDBACK: REATIVO, ADAPTATIVO


Analisemos um exemplo: o leitor está de pé com os olhos fechados e
quer retirar seus óculos com a mão esquerda. Claro que estamos partindo do
princípio de que o leitor esteja usando óculos, inda que sejam óculos de sol.
Há, primeiro, a intenção de retirá-los e, em seguida, há a preparação: o seu
SN se orienta para saber ONDE e COMO estão as distintas partes do corpo,
onde está a mão esquerda, onde está o nariz etc., ou seja, o SN necessita

161
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

saber qual é o PONTO DE PARTIDA dos movimentos, algo pertencente ao


ESQUEMA CORPORAL. Logo em seguida, o SN deve posicionar seu corpo
dentro do ESPAÇO circundante, ou seja, há objetos entre a mão esquerda e
os óculos? O braço pode fazer um caminho direto desde o “ponto de partida”
até os óculos? Esta orientação do corpo dentro do espaço é denominada de
IMAGEM CORPORAL. O somatório dos dois, ou seja, ESQUEMA e IMAGEM
corporal formam juntos o que denominamos de REPRESENTAÇÃO INTERNA.
Posto isso, sigamos com o nosso exemplo: ao tentar retirar os óculos,
sua mão toca a bochecha esquerda. Neste momento, receptores (p.ex., tato
e pressão) informam ao SN que a mão não se encontra onde ela deveria
estar, ou seja, que ocorreu um erro. Estruturas como o próprio córtex, cere-
belo e formação reticular podem COMPARAR a intenção cortical inicial e, em
seguida, ativar mecanismos neuronais para CORRIGIR os movimentos, ou
seja, há uma reprogramação do sistema motor e o leitor moverá, muito
provavelmente, a mão em direção aos óculos sobre o nariz. Esta correção
acontece DEPOIS de, digamos, uma primeira tentativa de chegar aos óculos.
A correção é, então, algo REATIVO, ADAPTATIVO, é uma RETROALI-
MENTAÇÃO7.
Movimento voluntário Córtex

CB + NB + FR ME + TE Saída
Controlador Deflagrador

Comparadores

• CX
• FR
Feed-
• CB Receptores
back
• Tato
• Pressão
• Propioceptores

Esquema 2 - Feed-back

Esquema 2 - Feedback: Esquema simplificado sobre a importância do


Sistema Sensitivo como “fornecedor de informações” para as necessárias
correções de movimentos. Sinais eletro-químicos são deflagrados no Córtex
(movimento voluntário). Estes comandos (intenções corticais) devem ser
controlados pelos Núcleos da Base (NB), Cerebelo (CB) e Formação Reticular
(FR). Após este “controle”, as informações são encaminhadas aos
motoneurônios inferiores do Tronco Encefálico (TE) e da Medula Espinal (ME).
Quando estes últimos neurônios deflagram, os impulsos eletro-químicos são
transportados pelos Nervos (saída) e convertidos em movimento nos múscu-
los. Então, receptores são estimulados por distintas informações, as quais
são transportadas de volta (Feedback) ao Sistema Nervoso Central, onde as
recém chegadas informações da periferia são comparadas (Comparadores)
com as intenções corticais iniciais. Neste caso, o próprio Córtex (CX), o Ce-
rebelo e a Formação Reticular se incubem deste processo.

Feed forward: previamente, proativo, antecipadamente


Vejamos um outro exemplo: o leitor está jogando tênis e o seu adver-
sário bate, com a raquete de tênis, fortemente na bola. O leitor acompanha

162
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

a trajetória inicial da bola e pode, de acordo com suas experiências, prever


onde a bola tocará o chão e para aonde ela se direcionará. Neste momento,
todos os movimentos realizados pelo leitor deverão contribuir para que se
posicione em um lugar adequado da quadra de tênis a fim de poder golpear
a bola de volta para o outro lado da quadra, onde se encontra o outro joga-
dor. Entrementes, o adversário golpeou a bola de tênis com um certo “efei-
to”, de tal sorte que a bola toca o chão no local previsto, mas, infelizmente,
não segue a trajetória “prevista” pelo leitor. Neste momento, o leitor, quem
já estava se posicionando em um determinado lugar da quadra para poder
aguardar ansiosamente a chegada da bola, viu que ela seguiu um outro
caminho. O sistema visual informa imediatamente ao SN de que os movi-
mentos, inda que não concluídos (pois a bola ainda não foi golpeada de volta
para o outro lado da quadra) deverão ser CORRIGIDOS ANTECIPATO-
RIAMENTE. Ou seja, este novo ajuste motor é um somatório entre os dados
do sistema visual (informando para corrigir previamente) e os dados infor-
mados há pouco pelos “controladores” (formação reticular, núcleos da base
e cerebelo). Evidentemente há outros sistemas, os quais fornecem informa-
ções para corrigir e ou adequar os movimentos ANTES que eles estejam, a
primeira vista, concluídos (como foi o exemplo com os óculos, descrito aci-
ma). Estes outros sistema são: o sistema auditivo e o sistema vestibular, o
qual participa conspicuamente junto com outros importantíssimos sistemas
do controle postural7.

Esquema 3 - Feed forward

Esquema 3 - Feed forward: Representação simplificada do papel dos


sistemas, os quais informam antecipadamente o SNC, qual a direção a ser
assumida pelos movimentos. Neste esquema foram citados apenas os siste-
mas visual, auditivo e vestibular por questões de espaço. As informações
oriundas destes TRÊS sistemas são integradas com as informações proveni-
entes dos “controladores” (núcleos da base, cerebelo e formação reticular) e
o resultado final é direcionado aos motoneurônios do tronco encefálico (TE)
e medula espinal (ME).
Evidentemente, estes esquemas foram divididos e simplificados ape-
nas por finalidades didáticas. Várias outras conexões foram omitidas aqui.

163
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

Como os senhores já perceberam, o sistema sensitivo é de extrema


importância para o controle motor, deste modo segue-se mais detalhes
anátomo-funcionais sobre o córtex somato-sensitivo e as vias sensitivas.

CÓRTEX SOMATO-SENSITIVO E SUAS VIAS SENSITIVAS

1. Córtex somato-sensitivo
O córtex cerebral é dividido por diferentes áreas funcionais chamadas
de áreas de Brodmann8. Existem 52 áreas distintas, sendo que as áreas
sensitivas somáticas se dividem em:

1.1 Área sensitiva somática primária (SI):


Áreas 3, 1 e 2 de Brodmann, a qual se localiza no lobo parietal, mais
precisamente, no giro pós-central.

1.2 Área sensitiva de associação:


Áreas 5 e 7 de Brodmann. Esta se localiza no lóbulo parietal superior,
imediatamente atrás da área SI.

1.3 Área sensitiva somática secundária (SII):


Área 40 de Brodmann. Esta se localiza na borda superior do sulco
lateral adjacente à ínsula.

As áreas sensitivas recebem as informações provenientes do tálamo,


trocam e integram as informações entre si, tornam as informações conscien-
tes e as transmitem ao córtex motor para a execução da tarefa motora.
Como já dito, a limitação entre as áreas motoras e sensórias não é tão clara
quanto parece. Abaixo daremos mais esclarecimentos sobre isto.
A área sensitiva somática I é mais extensa e mais delimitada que as
áreas SII e de associação. A maioria das literaturas traz informações mais
detalhadas sobre a área SI, inclusive sobre o homúnculo sensorial, pesquisado
por Penfield e Rasmussen em 19509. Esse homúnculo é baseado na repre-
sentação das diferentes áreas do corpo na área sensitiva somática I do córtex.
O homúnculo sensitiva foi visto durante muito tempo como um mapa que
retrata as regiões do corpo de acordo com as suas importâncias funcionais.
Aparentemente, parece um mapa desproporcionado, porém, retrata-nos que
a área da representação cortical de uma parte do corpo está relacionada à
quantidade de tecido neural que a inerva. Assim, temos uma maior repre-
sentação dos dedos e da boca, que são altamente inervados, do que do
braço e do tronco, apesar destes serem anatomicamente maiores.
Hoje em dia, diz-se que o homúnculo está morto10. Em realidade, o
que se quer dizer é que a representação do mapa sensitiva não é tão estan-
que e imutável como se acreditava, pois, ele é modificável pela experiên-
cia11,12, portanto difere de indivíduo para indivíduo.
Além disso, sabe-se que o um neurônio pode modificar suas ativida-
des de acordo com as atividades dos neurônios circunvizinhos13,14. Formule-
mos de uma outra maneira: um neurônio participa de distintas atividades,
ou seja, diferentes movimentos, adaptando suas frequências eletroquímicas
de acordo com as necessidades do momento. Em realidade, o homúnculo
deveria ser visto como um verdadeiro holograma, no qual o “mesmo ponto”
confere características distintas à imagem, de acordo com o ângulo de ob-

164
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

servação. Destarte caiu por terra a idéia de um homúnculo estático e imutá-


vel e abandonou-se a idéia de uma projeção “ponto a ponto”, pois da mesma
maneira com a qual um estímulo periférico ativa distintas populações neurais
localizadas em diferentes regiões do SNC, assim participa um motoneurônio
superior de distintos movimentos. Isso nos remete ao seguinte pensamento:
“O SNC não conhece músculos, mas tão somente padrões de movimentos!”
Transportando este conhecimento às nossas crianças, podemos pres-
supor que as crianças, as quais são impossibilitadas, por exemplo, de tatear
diferentes objetos, possuam a representação cortical de suas áreas sensori-
ais aquém, quando comparadas a outras crianças sem limitações.
Lesões no córtex SI em humanos geram alterações sensoriais, com
diminuição das sensações do lado contralateral da área atingida em relação
ao homúnculo sensitiva15.

2. VIAS SENSITIVAS

Somente para se fazer entender melhor, as informações que chegam


ao SNC foram captadas na periferia pelos receptores sensoriais.
Fisiologicamente, os receptores se classificam em: a) Exteroceptores:
os quais se localizam na superfície corpórea e mucosa e são ativados por
agentes externos (calor, frio, tato e estímulos nocivos). b) Proprioceptores:
cujas informações podem se tornar consciente ou não e localizam-se nos
músculos, tendões, cápsulas e ligamentos articulares. A propriocepção cons-
ciente se refere àquela em que o indivíduo tem a percepção de seu corpo
sem que necessite da via visual, e a propriocepção inconsciente é aquela
utilizada pelo SNC abaixo do nível da consciência, para regular a atividade
motora. c) Interoceptores: localizam-se nas vísceras e vasos e informam
ao SNC modificações químicas (quimioceptores), de pressão arterial
(baroceptores), modificações do equilíbrio hidroeletrolítico (osmoceptores) e
modificações da sensibilidade orgânica (visceroceptores)16.

O papel dos proprioceptores no controle motor


Dediquemos aqui um pouco mais de atenção aos proprioceptores,
haja vista o papel capital deles no controle motor. Como sabemos, há dois
tipos de neurônios motores para controlar o tônus e a força muscular. Acre-
ditamos ser importante distinguir fisiologicamente o que é tônus e o que é
força muscular. Força significa o recrutamento de unidades motoras, ou
seja, desde o motoneurônio motor inferior albergado na medula espinal ou
no tronco encefálico até o número de fibras motoras recrutadas. Este
motoneurônio é denominado de alfa (α). Tônus, por outro lado, significa a
quantidade de impulsos com a qual as unidades motoras são recrutadas
(somação espacial). Este motoneurônio é denominado de gama (γ)17.
O motoneurônio alfa é estimulado perifericamente pelo alongamento
dos “fusos neuromusculares”, os quais, são conhecidos na literatura pelo
simples nome de “fusos musculares”. Nós optamos pelo termo “fuso
neuromuscular”, haja vista que estas estruturas não são compostas apenas
por fibras musculares denominadas de “fibras intrafusais”, mas, sim, tam-
bém por terminações nervosas, as quais se assemelham a uma espiral e
estão localizadas na região equatorial destes fusos. O alongamento destas
fibras intrafusais eclode no alongamento dos terminais nervosos, o que pro-

165
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

voca, agora, impulsos nervosos, os quais são transmitidos até a medula


espinal (ME) ou tronco encefálico (TE). Ao chegar a ME ou ao TE, estas
informações ativam os motoneurônios Alfa, os quais contraem as “fibras
extrafusais” do mesmo músculo. Assim, temos aqui um dado neuro-anâtomo-
funcional importante, qual seja, o alongamento do fuso neuromuscular leva
a uma contração do mesmo músculo, fato este que pode ser utilizado nas
terapias de músculos hipotônicos.
Seguindo o nosso raciocínio prévio, com a contração das fibras
extrafusais, há um encurtamento no comprimento do músculo. Este processo
leva, agora, ao alongamento de “órgãos neurotendinosos”, os quais são co-
nhecidos classicamente como “órgãos tendinosos de Golgi”. A semelhança do
que vimos nos “fusos neuromusculares”, estes órgãos não são formados ape-
nas por tendões, em particular, fibras colágenas, mas também por termina-
ções nervosas. Além disso, a nomina anatômica corrente tenta evitar os
“epônimos”, ou seja, evitar o nome do autor, o qual descreveu a estrutura.
Desta forma, tomamos a liberdade de utilizar o termo “órgãos neurotendinosos”
formados por fibras colágenas e terminações nervosas. De maneira interes-
sante, a ativação dos órgãos neurotendinosos deflagra impulsos nervosos, os
quais chegam a ME ou ao TE e ativam um interneurônio inibidor. Este, por sua
vez, inibe o motoneurônio alfa, resultando em relaxamento das fibras extrafusais
do mesmo músculo. Desta forma, temos, aqui, outro dado neuro-anátomo-
funcional relevante para condutas terapêuticas, qual seja, a excitação dos
órgãos neurotendinosos inibi o mesmo músculo. Este dado pode ser de gran-
de valia no tratamento de pacientes com hipertônus.
Quando atentamos para o controle central destes motoneurônios,
vemos o seguinte:
a) os motoneurônios gama são controlados, predominantemente,
pela formação reticular (FR). Estes motoneurônios, sob ativação reticular,
levam a contração das fibras intrafusais e, com isso, a um alongamento da
região equatorial do fuso, onde estão os terminais nervosos. O alongamento
dos terminais nervosos deflagra potenciais de ação, os quais deságuam nos
motoneurônios alfa. Esta ativação “alfa” culmina em contração das fibras
extrafusais facilitando o aumento da tensão muscular, algo de suma impor-
tância na preparação do movimento, ou seja, surge um ponto estável como
facilitação de outros pontos móveis. Veja mais abaixo o Princípio de Recru-
tamento de Henneman18. e, mais tarde, os “Ajustes Posturais Antecipatórios
– APAs” na formação reticular.
b) os motoneurônios alfa são controlados, predominantemente,
pelo córtex cerebral. Estes motoneurônios devem ser recrutados, segundo
o “Principio de Recrutamento de Henneman” em uma certa sequência, a
qual foi descrita assim: os neurônios menores (tônicos) são ativados pri-
meiro, o que confere, como vimos acima, uma ESTABILIDADE para o movi-
mento. Após, há um recrutamento misto, ou seja, de neurônios pequenos
(tônicos) e neurônios grandes (fásicos) para dar início a MOBILIDADE e,
finalmente, são recrutados somente os neurônios grandes, os quais dão
continuidade ao movimento, não impedindo que os neurônios pequenos
continuem ativados19.
Como resumo, favor ver a figura 3.3.1 e atentar para os itens seguintes:
• quando há a intenção de um movimento, deve-se formar, inicial-
mente, um ponto estável como facilitação para os futuros pontos
móveis.

166
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

• A formação reticular ativa os motoneurônios gama, principalmen-


te responsáveis pela inervação da musculatura tônica.
• Este motoneurônios gama contraem as fibras intrafusais, determi-
nando um alongamento dos terminais nervosos da região equato-
rial dos fusos neuromusculares.
• Este alongamento dos terminais nervosos deflagra uma atividade
neural, a qual é transmitida para o SNC e termina em um
motoneurônio alfa, o qual, agora, ativa as fibras extrafusais, cau-
sando, antecipatoriamente, um aumento da tensão muscular (ponto
estável).
• Neste momento, a atividade cortical estimula também outros
motoneurônios alfa responsáveis pelos fibras extrafusais e, desta
maneira, produz-se um movimento (ponto móvel).
• O aumento da contração muscular leva ao alongamento dos ten-
dões e, assim, excita os órgãos neurotendinosos. Estes, por sua
vez, enviam informações, as quais chegam a interneurônios
inibidores, os quais inibem, agora, os motoneurônios alfa levando
a um relaxamento do músculo.

Figura 3.3.1.: a) Fuso Neuromuscular, b) Conexões do córtex com os motoneurônios


alfa e da formação reticular com os motoneurônios gama

Evidentemente, esta breve descrição está muito aquém de represen-


tar toda a complexidade deste mecanismo, haja vista que outros interneurônios
inibidores podem inibir os primeiros aqui descritos interneurônios inibidores,
exercendo, então, uma desinibição de acordo com as necessidades.
A idéia principal, a qual gostaríamos de reforçar novamente é a se-
guinte:
• Estabilidade ANTES da mobilidade,
• Postura ANTES do movimento,
• Contração tônica ANTES da fásica.

Daremos aqui continuidade explorando os caminhos traçados pelas


vias sensitivas. Assim, falar-se-á sobre as vias térmicas e dolorosas, mecâ-

167
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

nica e mais detalhadamente sobre as vias proprioceptivas, por ser um ponto


alto dentro da habilitação e reabilitação motora. Certamente, além destas
vias, o sistema nervoso possui áreas e vias específicas para as sensações
especiais, como: visuais, auditivas, vestibulares, olfatórias e gustativas, as
quais são muito complexas e como dito no início deste capítulo, merecem um
estudo mais aprofundado à parte.

2.1 Via sensitiva térmica e dolorosa


As sensações térmica e dolorosa ocorrem através da estimulação de
receptores encontrados superficialmente por toda a pele dos membros, tronco,
face, couro cabeludo e, também, em alguns tecidos internos como o periósteo,
superfícies articulares e mucosas. Porém, para chegar até o SNC, as vias aferentes
dos membros e tronco seguem dois caminhos, o neo-espino-talâmico e o
paleo-espino-talâmico. Já, as sensações térmicas e dolorosas da face se-
guem a via trigemial.
Os receptores térmicos respondem aos estímulos quentes e frios e
os receptores dolorosos respondem aos estímulos mecânicos, térmicos e
químicos que provocam lesão tecidual, sendo, genericamente, classificados
como nociceptores. Exemplificando, a pele aquecida acima de 45ºC transmi-
tirá a sensação de dor e não de calor, pois a partir desta temperatura começa
a ocorrer lesão tecidual17.

2.2 Via sensitiva mecânica


A sensação mecânica compreende, o tato, a pressão e a vibração. O
tato epicrítico e a vibração serão mencionados juntamente com a via
proprioceptiva consciente. Aqui, então, será descrita a via que leva a sensa-
ção de tato e pressão protopática dos membros e tronco, uma vez que as
sensações da cabeça seguem pela via trigeminal.
Seus primeiros neurônios estão localizados nos gânglios espinais, seus
prolongamentos periféricos se ligam aos receptores (corpúsculos de Meissner,
Ruffini e folículos pilosos), e seus prolongamentos centrais fazem sinapse
com os neurônios da coluna posterior da medula. Os axônios da medula
cruzam o plano mediano e infletem-se cranialmente formando o trato
espinotalâmico anterior. Quando atingem o nível pontino, unem-se ao trato
espinotalâmico lateral e formam o lemnisco espinal. Este faz sinapse com os
neurônios do núcleo ventral póstero-lateral do tálamo que emite projeções
para o cortéx somotossensitiva1,17.

2.3 Via sensitiva proprioceptiva dos membros e tronco


A sensação de propriocepção, como dito anteriormente, pode ser cons-
ciente ou inconsciente; por isso, seguem dois caminhos.
a) Via proprioceptiva consciente: Esta via leva, além das infor-
mações proprioceptivas que se tornaram conscientes, as sensações de tato
epicrítico, estereognosia e sensibilidade vibratória. Seus primeiros neurô-
nios se localizam nos gânglios espinais, e seus prolongamentos periféricos
se conectam aos receptores de tato (corpúsculos de Ruffini, Meissner,
folículos pilosos), de vibração (corpúsculo de Paccini) e obviamente aos
proprioceptores (fusos neuromusculares e órgãos neurotendinosos). Seus
prolongamentos centrais fazem sinapse com os neurônios localizados no
bulbo, mais precisamente no núcleo grácil e no núcleo cuneiforme, o axônio
destes neurônios cruza o plano mediano e forma o lemnisco medial que irá

168
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

até o núcleo ventral póstero-lateral do tálamo e, este até o córtex somes-


tésico (ver figura 3.3.2) .

Figura 3.3.2: Representação esquemática da via proprioceptiva consciente, tato epicrítico


e sensibilidade vibratória

b) Via proprioceptiva inconsciente: tem seu primeiro neurônio no


gânglio sensitivo de nervo espinal (antigamente conhecido como gânglio da
raiz dorsal). Seus prolongamentos periféricos se ligam aos receptores (fusos
neuromusculares e órgãos neurotendinosos), seus prolongamentos centrais
podem seguir três caminhos e fazem sipnase com:

• neurônios situados no núcleo dorsal da medula espinal: es-


tes se infletem cranialmente formando o trato espinocerebelar pos-
terior, o qual entra ao cerebelo pelo pedúnculo cerebelar inferior
(ver figura 3.3.3);

• neurônios localizados na base da coluna dorsal e substân-


cia cinzenta intermédia: estes originam axônios que cruzam a
medula, infletem-se cranialmente formando o trato espinocerebelar
anterior, o qual penetra no cerebelo pelo pedúnculo cerebelar su-
perior (ver figura 3.3.3);

169
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

• neurônios do núcleo cuneiforme acessório do bulbo: estes,


emitem axônios que formarão o trato cuneocerebelar, o qual entra
no cerebelo através do pedúnculo cerebelar inferior.

Figura 3.3.3: Via proprioceptiva inconsciente. Tratos espinocerebelar anterior e posterior

Os tratos espinocerebelar anterior e posterior levam informações


proprioceptivas dos membros inferiores e tronco. Já, o trato cuneocerebelar
leva as informações proprioceptivas do tronco alto e dos membros superiores17.

Áreas Motoras

Agora vamos dar continuidade falando das áreas ditas motoras. Elas
compreendem os córtices motores, cerebelo, núcleos da base e formação
reticular.

1. Córtices motores:

1.1 Córtex motor primário


Ocupa a área 4 de Brodmann8, localizada no giro pré-central e é tam-
bém conhecida como área motora primária (M1). Recebe informações pro-
venientes do cerebelo (via tálamo), área pré-motora, área motora suple-
mentar e da área somestésica. Seus axônios originam as fibras do trato
córticoespinal, o qual, para chegar até a medula, passa pela cápsula interna

170
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

e pelo tronco encefálico, onde formam as pirâmides, cruzam para o lado


oposto, controlando portanto, as ações motoras do outro hemi-lado. Alguns
destes axônios também formam as fibras de projeções que atingem os nú-
cleos subcorticais ou as fibras de associação e as fibras comissurais que
cruzam para o outro hemisfério cerebral.
Sua função é controlar os movimentos voluntários. Tem importante
papel na iniciação destes movimentos, determina a quantidade de força ne-
cessária para mover um membro, codifica a direção do movimento, participa
da aprendizagem motora.
O córtex motor primário possui uma representação somatotópica, assim
como o córtex somato-sensitivo, e, em princípio, este homúnculo, também,
parece desproporcionado, mas, isto se explica pelo fato de que os músculos
que realizam os movimentos mais precisos e finos possuem uma maior re-
presentação, como, por exemplo, os músculos da mão e da face.
Como vimos, o homúnculo não deve ser visto como uma represen-
tação estática e unidimensional, mas sim, como um verdadeiro “holograma”.
Ou seja, cada neurônio motor superior NÃO está vinculado a UM SÓ mús-
culo ou movimento mas pode participar de vários programas de movi-
mentos, de acordo com as necessidades e atividades dos neurônios
circunvizinhos.
Lesões na via piramidal geram dificuldade em iniciar um movi-
mentos voluntário, determinando um estado de paralisia do lado contra-
lateral. Inicialmente, esta paralisia é flácida, podendo evoluir para uma
paralisia espástica. A flacidez é a incapacidade de comandar, voluntaria-
mente, um segmento corporal pois o tônus muscular se encontra diminu-
ído e a espasticidade também gera incapacidade de comandar movimen-
tos voluntários, porém, devido ao aumento exacerbado do tônus muscular15.

1.2 Córtex pré-motor


Compreende a área 6 de Brodmann8, localizada na frente a área 4.
Recebe aferências de várias áreas de associação do córtex cerebral e do
cerebelo. Emite projeções para a área motora primária e para estruturas
subcorticais e medula espinal. Algumas de suas vias pertencem ao sistema
descendente medial e outras ao sistema descendente lateral (ler sistemas
descendentes abaixo).
Ao estimular eletricamente esta área, tem-se a contração de uma
musculatura mais ampla, movendo até mais de uma articulação. A estimu-
lação do córtex pré-motor promove, principalmente, a contração dos mús-
culos do tronco e dos músculos proximais dos membros, isto porque a via
córtico-retículo-espinal mantém esta musculatura preparada para que os
músculos das extremidades possam realizar os movimentos mais finos.
Lesões no córtex pré-motor ou na área motora suplementar (leiam
abaixo) podem causar apraxia. Um indivíduo apráxico não consegue plane-
jar um movimento voluntário sequencial como pentear os cabelos ou esco-
var os dentes.

1.3 Área motora suplementar


Também compreende a área 6 de Brodmann8 , porém, está localiza-
da na face medial do giro frontal superior. Recebe conexões do corpo
estriado e da área motora primária. Funcionalmente é responsável pelo
planejamento de sequências de movimentos. Esta área pode ser ativada

171
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

isoladamente se for solicitado a um indivíduo que repita mentalmente a


sequência de um movimento.

Sistemas descendentes:
Ainda que consagradas pelo uso, os termos “sistema piramidal” e
“sistema extra-piramidal”, estes não fornecem uma exata e clara definição
de suas funções, além de que estas definições são “estanques” e, com muita
frequência, de difícil compreensão para a maioria dos estudantes. Assim,
para se adequar a descrição anatômica à função dessas vias, utiliza-se agora
os termos “sistema descendente medial” e “sistema descendente la-
teral”. Em realidade, é fácil compreender o porquê destes termos e as fun-
ções destas vias. Para facilitar a compreensão, comecemos pois com a colu-
na anterior da substância cinzenta da medula espinal. Sabemos que os
motoneurônios inferiores estão posicionados na substância cinzenta de tal
maneira, que os “mediais” inervam os músculos axiais e proximais, en-
quanto que os neurônios mais “laterais” inervam os músculos distais. Ou
seja, temos aqui outra representação do corpo, uma “somatotopia”, assim
como temos o Homúnculo no córtex cerebral, no cerebelo, tálamo e cápsula
interna17.
Bem, as vias descendentes que terminam nos motoneurônios inferiores,
os quais estão localizados mais medialmente na substância cinzenta da medula
espinal, recebem o nome de “vias descendentes mediais” e controlam os mús-
culos axiais e proximais, enquanto isso, as vias descendentes que terminam
nos motoneurônios inferiores posicionados mais lateralmente são denominadas
de “vias descendentes laterais” e controlam os músculos distais dos membros.

Pertencem às vias descendentes mediais:

• trato pontoreticulospinal (via oriunda da formação reticular pontina),


• trato vestíbuloespinal (oriundo dos núcleos vestibulares),
• trato tetospinal (com origem no teto do mesencéfalo),
• trato corticospinal anterior (formado predominantemente por fi-
bras que não cruzam a linha media na decussação das pirâmides).

Pertencem às vias descendentes laterais:

• trato bulboreticulospinal (vias oriundas da formação reticular


bulbar),
• trato corticospinal lateral (formado predominantemente por fibras
que cruzam a linha media na decussação das pirâmides),
• trato rubrospinal (origina-se no núcleo rubro).

2. Cerebelo
O cerebelo é um órgão do encéfalo, que, em sua morfologia, apresen-
ta dois hemisférios cerebelares unidos por uma estrutura ímpar denominada
vermis. Apresenta o córtex cerebelar (substância cinza) que envolve o corpo
medular do cerebelo (substância branca), onde estão localizados os núcleos
do cerebelo que são: núcleo denteado, núcleo fastígio e núcleo interpósito
(formado pelos núcleos globoso e emboliforme)17.
O cerebelo controla, ajusta, coordena e corrige antecipadamente a
execução dos movimentos. É responsável pela realização de movimentos

172
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

rápidos e alternados, pela realização de movimentos sequenciais e pela ma-


nutenção do tônus muscular basal, dentre outras. Sabe-se também, de que
o cerebelo tem funções cognitivas, as quais não nos compete entrar em
detalhes aqui19,20. Abaixo citaremos os sistemas de vias aferentes e eferentes,
relacionados à motricidade. E, para maior compreensão ver figura 3.3.4.

Figura 3.3.4 – Sistema de vias aferentes e eferentes do cerebelo

2.1 Sistema de vias aferentes:


São as vias que chegam ao cerebelo trazendo informações de diver-
sas regiões corporais17.

a) cerebrocerebelar ou pontocerebelar: são fibras provenientes


dos núcleos pontinos que trazem informações do córtex cerebral e
chegam aos hemisférios laterais cerebelares. Sua função é de pla-
nejar e iniciar os movimentos.

b) espinocerebelar: compreende as fibras provenientes da medula


espinal. Estas trazem informações periféricas dos proprioceptores
e informações centrais do trato corticospinal. Chegam ao córtex do
cerebelo na região intermediária dos hemisférios cerebelares e
vermis. Desta forma, o cerebelo pode exercer controle sobre a
contração muscular, tensão capsular e tendínea, posição e veloci-
dade dos movimentos.

c) vestíbulocerebelar: são as fibras provenientes dos núcleos vestibu-


lares que chegam ao cerebelo e retornam aos mesmos núcleos vesti-
bulares. São importantes para a manutenção do equilíbrio estático e da
marcha, do posicionamento da cabeça e dos olhos21.

173
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

2.2 Sistema de vias eferentes:


São as vias de saídas do cerebelo para outras regiões do SNC.

a) região do vermis: desta área as fibras se projetam para os nú-


cleos fastigiais. Após, atingem a formação reticular e núcleos ves-
tibulares, os quais farão sinapse com os neurônios motores inferio-
res. Estes controlam a musculatura axial. Deste modo, regulam a
postura e o equilíbrio.

b) região intermediária dos hemisférios cerebelares: desta zona,


os axônios partem para o núcleo interpósito, em seguida, fazem
conexões com o núcleo rubro e com o tálamo. As conexões com o
núcleo rubro seguem para a medula espinal e as conexões do tálamo
seguem para o córtex cerebral. Portanto, o cerebelo pode ajustar
os neurônios motores que controlam a musculatura proximal dos
membros e controlar o córtex motor.

c) região lateral dos hemisférios cerebelares: desta extensão há


projeções para os núcleos denteados que se conectam ao tálamo e
este enviará informações às áreas motoras corticais. Assim, pode
coordenar os movimentos voluntários. Está mais relacionada com
a musculatura apendicular distal.

Lesões e ou disfunções cerebelares: As lesões e ou disfunções nesta


estrutura geram incoordenação dos movimentos; marcha atáxica (base alargada,
desequilibrada, irregular); tremor intencional (o qual pode apresentar-se no iní-
cio, durante e no final de um movimento voluntário); dismetria (onde o sujeito
não consegue dosar a quantidade necessária de movimentos voluntários para
realizar uma ação motora); decomposição (não consegue realizar movimentos
complexos onde, normalmente, são utilizadas várias articulações e, então, realiza
o movimento em etapas sequenciais das articulações); adiadocosinesia (não con-
segue realizar movimentos rápidos e alternados), dentre outros15.

3. Núcleos da Base
Funcionalmente, os núcleos da base que estão relacionadas à
motricidade, são compostos por estruturas subcorticais, as quais compreen-
dem: núcleo caudado, putâmen, globo pálido, núcleo subtalâmico e substân-
cia negra (ver figura 3.3.5)17.

Figura 3.3.5: Representação esquemática das conexões entre córtex, núcleos da base,
tálamo e medula espinal.

174
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

O núcleo caudado e o putâmen formam o corpo estriado. O núcleo


caudado e o putâmen também são, juntos, chamados de neo-estriado, pois
no seu desenvolvimento embriológico ele provém da mesma estrutura do
telencéfalo, possuindo, assim, células idênticas. Já, o globo pálido se desen-
volveu a partir do diencéfalo, sendo chamado de paleo-estriado e está divi-
dido em segmento interno e externo22.
O núcleo subtalâmico fica, como o nome diz, abaixo do tálamo e a
substância negra fica no mesencéfalo, sendo dividida em zona reticulada e
zona compacta.
Todos estes núcleos processam distintas informações neurais para o
controle da postura, coordenação da motricidade e aprendizagem motora,
principalmente dos movimentos automáticos.

3.1Corpo estriado (putame e núcleo caudado):


Recebe fibras do córtex cerebral, do tálamo e também da parte com-
pacta da substância negra. Emite projeções para o globo pálido e para a parte
reticulada da substância negra. Juntos, têm a função de iniciar os movimentos
sincronizados, como a marcha e medeiam os efeitos da emoção sobre o com-
portamento. O putame e o núcleo caudado estão relacionados à motricidade,
sendo que o núcleo caudado tem a função específica de controlar movimentos
oculares, além de estar relacionado, também, às funções cognitivas17.

3.2 Globo pálido:


Recebe fibras do corpo estriado e do núcleo subtalâmico. Suas fibras
se projetam para os núcleos do tálamo que seguirão para o córtex motor
primário, pré-motor, área motora suplementar e córtex pré-frontal.
Assim, tem função de transformar os movimentos gerados no córtex
cerebral em postura; favorece o tônus muscular do tronco e membros, pre-
parando-os para movimentos voluntários17.

3.3 Núcleo subtalâmico:


Suas vias de entradas provém do globo pálido, córtex motor primário
e pré-motor e, suas eferências se dirigem para o globo pálido e para a parte
reticular da substância negra. Tem importante função na regulação da ativi-
dade somática1,17.

3.4 Substância negra:


É dividida em região compacta e reticulada, as quais utilizam o
neurotransmissor dopamina. A região compacta recebe e envia informações
para o corpo estriado. Já, a região reticulada recebe fibras do corpo estriado,
globo pálido e núcleo subtalâmico e suas eferências se projetam sobre os
núcleos do tálamo e daí, para o córtex cerebral. Deste modo a substância
negra recebe conexões de todos os outros núcleos da base, tornando-se
assim, a principal via de saída dos mesmos.
Lesões nos núcleos da base: Danos nestas regiões geram várias síndro-
mes clínicas, como: balismo (manifesta-se por movimentos voluntários violen-
tos que aparecem após lesões no núcleo subtalâmico); coréia (são movimentos
involuntários rápidos, de grande amplitude, que, geralmente, ocorrem por alte-
rações no equilíbrio funcional entre o putâmem e o globo pálido); atetose (ca-
racteriza-se por movimentos involuntários lentos, como o de um ballet clássico;
geralmente aparecem por lesões na parte externa do globo pálido)15.

175
Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

4. FORMAÇÃO RETICULAR

A formação reticular é uma rede de fibras e corpos de neurônios,


localizados no tronco encefálico. Possui vários núcleos, com distintas fun-
ções, sendo os principais núcleos: locus ceruleus (na ponte), rico em células
noradrenérgicas que secretam norepinefrina; núcleos da rafe (localizados na
linha média ao longo de todo o tronco encefálico), que contém neurônios
ricos em serotonina; substância cinza periaquedutal (localizados em nível
mesencefálico), importante na regulação da dor; área tegmental ventral,
com células ricas em dopamina.
Esta importante estrutura mantém conexões ascendentes com o córtex
cerebral, através da via talâmica; mantém conexões com o diencéfalo, cere-
belo, núcleos vestibulares e com a medula espinal. Recebe aferências do
córtex cerebral, sistema límbico, núcleos vestibulares, cerebelo e medula
espinal13,17.
As conexões ascendentes da FR desempenham um importante papel
no planejamento cortical dos movimentos, haja vista que ela possui um Sis-
tema Ativador Reticular Ascendente (SARA) localizado predominantemente
no mesencéfalo. Como o nome sugere, este sistema ascendente da FR ativa
áreas corticais o que culmina, em condições normais, em deflagar e manter
um tônus cortical necessário para uma adequada percepção sensitiva e, por
fim, nascimento das intenções de movimentos. Como vimos anteriormente,
as percepções sensitivas e sensoriais são quesitos importantes para que as
intenções motoras possam seguir um planejamento adequado.
Devido às suas inúmeras conexões, a formação reticular tem diferen-
tes funções, dentre elas o controle da motricidade, modulando (inibindo ou
ativando) predominantemente os motoneurônios gama da medula espinal
(como vimos no item “O papel dos proprioceptores no controle motor”) e dos
núcleos motores dos nervos encefálicos, neste último caso, para os múscu-
los da região crânio-oro-cervical. O controle espinal acontece através do
trato reticulospinal, o qual controla a motricidade dos músculos axiais e
apendiculares proximais, através da via córtico-reticulospinal; regula o
equilíbrio, o tônus muscular e a postura, através das vias provenientes do
cerebelo. Quando analisamos as vias anatômicas da FR e o controle exercido
por ela, vemos que a FR pontina se destina mais aos músculos axiais e
proximais, enquanto a FR bulbar se ocupa dos músculos apendiculares, mor-
mente dos distais.
Trabalhos recentes23,24 identificaram que alguns núcleos reticulares (nú-
cleo reticular giganto celular, núcleo reticular caudal da ponte e núcleo reticular
rostral da ponte) também são responsáveis pelas Adaptações Posturais
Antecipatórias (Anticipatory postural adjustments – APAs). Estas APAs
são divididas em Adaptações Posturais Antecipatórias Preparatórias
(preparatory anticipatory postural adjustments - “pAPAs”) e Adaptações
Posturais Antecipatórias de Acompanhamento (accompanying anticipatory
postural adjustments – aAPAs). Estes núcleos disparam cargas elétricas de
100 a 300 ms antes do início de um movimento. Como os próprios nomes
definem, o controle postural deverá ser adaptado ANTES do início de um
movimento (pAPAs). Outrossim, outras adaptações posturais necessárias para
estabilização de alguns pontos deverão ocorrer DURANTE o movimento
(pAPAs). Deste modo as APAS integram o compexo mecanismo de feed forward
e feedback, os quais já descrevemos com mais detalhes acima.

176
Capítulo 8 Controle Motor e Paralisia Cerebral

Lesões na formação reticular geram inúmeras patologias, principal-


mente no que diz respeito à motricidade, com alterações nos padrões postu-
rais15,25.

5. NÚCLEOS VESTIBULARES

Estes núcleos estão localizados no tronco encefálico, mais precisa-


mente na medula oblongata (ou simplesmente “bulbo”). São formados pelos
núcleos vestibulares: superior, médio, inferior e lateral. Eles recebem impor-
tantes informações da orelha interna, em particular dos receptores localiza-
dos no sáculo, no utrículo e nas ampolas dos canais semicirculares. Além
disso, eles são fortemente aferentados pelos fusos neuromusculares cervicais
e pelos receptores da cápsulas articulares da coluna cervical. Informações
provenientes dos proprioceptores do corpo em geral e do sistema visual
também atingem estes núcleos. Por último, informações da formação reticular
e do cerebelo têm acesso a eles. Isto nos mostra que eles devem integrar
distintas e cruciais informações para o equilíbrio corpóreo. Suas projeções
para a medula espinal terminam nas áreas mais mediais da medula, tornan-
do-as parte do sistema descendente medial, o qual inerva, como já vimos,
os músculos axiais e proximais. No caso do tracto vestibulospinal temos uma
predominante inervação dos músculos autóctones.
Como em todas as crianças muitas destas intricadas conexões ainda
estão em formação, o prognóstico de uma criança com Paralisia Cerebral é
completamente instável e somente um médico ou terapeuta inexperiente
poderiam dar um prognóstico exato e imutável à família. Não podemos nos
esquecer que os processos plásticos estão presentes a todo momento e uma
recuperação funcional poderá ocorrer mais facilmente, pois os neurônios não
lesados tem a possibilidade de formar novas sinapses e escolher outras vias
para seguir. Estas últimas colocações não têm a pretenção de afirmar que
haja cura para todas as formas de lesões (com ou sem paralisia cerebral),
mas tão somente em reforçar os efeitos positivos que as terapias podem ter
sobre os indivíduos, melhorando suas qualidade de vida.
Como frisamos desde o início deste capítulo, a experiência sensitiva/
sensorial é de fundamental importância para o controle e desenvolvimento
motor. Certamente, quanto mais adequada a estimulação sensitiva (porta de
entrada para o SN), melhor a possibilidade de recuperação funcional da crian-
ça. Deste modo, é importante que o terapeuta consiga perceber quais os
melhores canais sensitivos de cada criança e estimulá-los a fim de que as
áreas motoras possam se fortalecer e a criança possa, assim, agir e interagir
com o meio ambiente da maneira mais eficiente para ela.

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Controle Motor e Paralisia Cerebral Capítulo 8

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178
CAPÍTULO 9
DESENVOLVIMENTO MOTOR E SUAS ALTERAÇÕES
NA PARALISIA CEREBRAL

Silvana Maria Blascovi-Assis

Como já visto nos capítulos anteriores, a Paralisia Cerebral (PC) é


descrita como um grupo de alterações permanentes que afeta o movimento
e a postura, causando limitações diversas que podem ser atribuídas às le-
sões encefálicas não progressivas que ocorrem no encéfalo no período fetal
ou na infância¹. A classificação da PC pode ser dividida em espástica,
discinética ou atáxica, sendo a primeira a forma mais comum. A espasticidade,
definida como uma “desordem motora caracterizada pela hiperexcitabilidade
do reflexo de estiramento com exacerbação dos reflexos profundos e au-
mento do tônus muscular”², afeta diretamente a qualidade da atividade motora
comprometendo a época de manifestação de habilidades básicas. Essa con-
dição faz com que a família da criança com PC busque atendimento especia-
lizado, uma vez que a diferença no comportamento neuromotor se torna
evidenciada pelo atraso na aquisição de marcos motores como o controle de
cabeça, o sentar, engatinhar e andar, bem como por aspectos como simetria,
alinhamento, coordenação e equilíbrio.
O desenvolvimento motor normal, conceituado como o processo de
mudança no comportamento motor, relacionado com a idade do indivíduo e
que inclui mudanças relacionadas à postura e ao movimento³, segue alguns
padrões pré-determinados baseados em estudos que consideram a criança
sem alterações no seu desenvolvimento. Os marcos motores são atingidos
em etapas definidas por escores obtidos em pesquisas, que indicam as mé-
dias de alcance dos mesmos e que são conhecidos pelo senso comum, des-
pertando curiosidades quando se observa uma criança que não apresenta as
habilidades esperadas para cada idade.
As expectativas culturais geram expectativas também nas mães, que
esperam para seus filhos, ansiosa e instintivamente, pelo “sentar” aos seis
meses e pelos “primeiros passos” ao completar um ano. Nem sempre isso
acontece, podendo gerar cobranças de familiares, vizinhos e amigos. Toda-
via, o entendimento do comportamento motor passa pela história do indiví-
duo, a cultura e as práticas às quais está exposto. Os primeiros anos de vida
revelam rápidas mudanças, que são resultado do complexo desenvolvimento
neurológico, influenciado pelos fatores genéticos e ambientais4.

179
Desenvolvimento motor e suas alterações na paralisia cerebral Capítulo 9

Sabe-se que existe variação entre as crianças na idade de aquisição


dessas habilidades, sendo considerado normal esse desvio desde que em
intervalos pequenos e sem a indicação de possíveis diagnósticos clínicos que
possam interferir na manifestação desses comportamentos motores. Essa
diferença pode estar associada às informações genéticas, ao processo de
mielinização do sistema nervoso e à influência do meio ambiente e de diver-
sos subsistemas que influenciam o controle motor4.
A identificação de sinais precoces que possam sugerir possíveis alterações
no desenvolvimento infantil deve ser o foco de programas de follow-up, principal-
mente em crianças pertencentes a grupos de risco5. Alterações do desenvolvi-
mento motor podem ser identificadas por alguns sinais precoces que devem ser
percebidos ao exame neurológico da criança, como o exame dos parâmetros de
crescimento, os reflexos tendinosos, o exame das fontanelas, os reflexos primiti-
vos, as reações posturais e a avaliação do tônus muscular5. As assimetrias de
movimento ou de trofismo entre os membros, manifestações precoces de prefe-
rência lateral por desuso do membro oposto, movimentos involuntários ou ataxias,
também devem ser investigados. Essas alterações devem ser acompanhadas e a
estimulação deve ser prioridade para minimizá-las. O diagnóstico precoce possi-
bilita a estimulação precoce, que pode ser indicada quando as alterações do
desenvolvimento são percebidas por profissionais antes mesmo que essas mani-
festações possam ser percebidas por pessoas leigas. O olhar clínico e a experiên-
cia podem indicar a necessidade de acompanhamento especializado e orientação
familiar para que a criança possa desenvolver-se da melhor maneira possível. Os
cuidados com a criança no dia a dia podem influenciar o seu ritmo de desenvolvi-
mento e as práticas adotadas por familiares e/ou cuidadores vêm sendo estuda-
das e referidas na literatura.
As práticas maternas têm se mostrado fator influente na aquisição do
controle postural para o lactente. Outros fatores como a escolaridade mater-
na e a idade gestacional ao nascimento também influenciam no desenvolvi-
mento motor4.
No caso da criança com Paralisia Cerebral, que caracteristicamente
apresenta um déficit motor em seu desenvolvimento, os padrões de compor-
tamento motor podem apresentar-se bastante alterados em sua qualidade e
época de aparecimento.
Bobath e Bobath chamavam a atenção para as características do desen-
volvimento motor na criança com Paralisia Cerebral: como os movimentos produ-
zidos sob a influência de alterações de tônus, dificuldades no controle inibitório e
coordenação anormal, essas crianças acabam por não desenvolver a memorização
dos modelos de movimento normal. O ajustamento para melhor desempenho
motor deve ser estimulado e para isso, o primeiro passo é a terapia6.

Plasticidade neuronal
De acordo com Piovesana e Gonçalves7 o SNC é extremamente plás-
tico em algumas etapas de seu desenvolvimento, como no período de gesta-
ção. Estudos comprovam que os primeiros meses de vida são permeados por
intensa plasticidade neuronal8,9. Diferentemente, o cérebro maduro, em ida-
de adulta, apresenta plasticidade limitada, porém não totalmente ausente,
principalmente em pacientes que vivenciam atividades de reabilitação7.
Considerando os estudos sobre as teorias de controle motor e reco-
nhecendo a forte influência de outros sistemas além da mielinização10, a
criança com paralisia cerebral pode ter seu desenvolvimento favorecido quando
submetida às terapias que estimulam sua exploração e sua ação integrada
ao meio ambiente, principalmente quando orientadas e manuseadas por pro-
fissionais que tenham competência e conhecimento sobre o desenvolvimen-
to motor. O quanto antes essas crianças puderem ser encaminhadas ao
terapeuta, melhores chances de ganhos apresentarão, dado o fato da ativi-

180
Capítulo 9 Desenvolvimento motor e suas alterações na paralisia cerebral

dade plástica do SNC. O encaminhamento precoce, isto é, ao se detectar


pequenas alterações ou desvios da normalidade no comportamento motor,
nem sempre percebidas aos olhos dos que não conhecem detalhadamente o
desenvolvimento, pode certamente colaborar para um melhor prognóstico
para o desempenho da criança.

Desenvolvimento motor na Paralisia Cerebral


O comportamento motor nos diferentes tipos de PC, vem sendo descrito
considerando as alterações posturais e as variações de tônus6. Entretanto, em-
bora seja conhecido o comprometimento do desenvolvimento das funções mo-
toras, os familiares usualmente desejam receber informações prognósticas so-
bre a gravidade do quadro clínico de seu filho e sobre as possibilidades que o
mesmo tem para alcançar metas de desenvolvimento11. Algumas estimativas
sobre o desenvolvimento e a possibilidade da criança vir a dar seus primeiros
passos por volta dos 5 anos de idade, de acordo com a classificação do tipo de
PC podem ser referidas por alguns autores, porém esses dados não são repre-
sentativos11. Palisano et al12 contribuíram para o conhecimento do desempenho
motor de crianças com PC, ao criarem curvas de evolução do desempenho
motor para as diferentes classificações da PC, baseadas no teste GMFCS. Essa
informação pode, de acordo com os autores, trazer a possibilidade de compara-
ção do desempenho de crianças de mesmo nível de classificação, favorecendo
em conjunto com outras informações, a tomada de decisões12.
Para alguns autores, a avaliação neurofuncional tem se mostrado mais
eficaz na determinação do prognóstico do que o exame neurológico tradicio-
nal. Ainda assim, o diagnóstico precoce merece atenção, uma vez que o
sistema nervoso imaturo pode, especialmente nos casos de prematuridade,
manifestar reações transitórias influenciadas por transtornos cardiorrespira-
tórios ou metabólicos, que podem ser modificadas com o desenvolvimento e
maturação das vias nervosas13.
A espasticidade, foco de atenção nos programas de tratamento da
criança com PC, consiste em um dos fatores ao qual se atribui grande rele-
vância na limitação motora e funcional. Entretanto, alguns autores apontam
a limitação no conhecimento sobre a relação entre esta e as habilidades
motoras. Diversos programas de intervenção utilizam estratégias para a re-
dução da espasticidade, com o pressuposto de que este procedimento pode-
rá levar a maior eficácia para a execução de habilidades motoras14. Alguns
estudos, todavia, não mostram relação significativa entre a espasticidade e o
desempenho motor em atividades de vida diária15. A espasticidade deve ser
tratada como um dos fatores que pode influenciar o movimento, mas medi-
das de interevenção que tratem aspectos isolados, como a aplicação de Toxi-
na Botulínica tipo A, uso de medicação ou cirurgias ortopédicas, devem ser
cuidadosamente estudadas, pois os efeitos podem não ser os esperados na
atividade funcional da criança15-17.

Programas de intervenção
Muitas são as razões para se acreditar que um programa de interven-
ção iniciado nos primeiros meses de vida pode trazer benefícios para o de-
senvolvimento da criança com PC. Além da plasticidade neuronal9, as expe-
riências sensório-motoras trazem grande carga de aprendizado na infância.
A criança com PC, cujos padrões sensório-motores apresentam-se alterados
desde o início, será capaz apenas de utilizá-los caso não tenha oportunida-
des de vivenciar padrões menos anormais. O uso contínuo resulta em hábito,
podendo gerar contraturas e deformidades estruturadas10. O atendimento
precoce previne complicações desse tipo, impedindo ou diminuindo a repeti-
ção de movimentos e posturas anormais. A privação de experiências sensó-

181
Desenvolvimento motor e suas alterações na paralisia cerebral Capítulo 9

rio-motoras pode ainda acentuar padrões de déficits intelectuais em crianças


cujo potencial poderia ser explorado8.
Além disso, a falta de mobilidade decorrente dos impedimentos neu-
rológicos ou biomecânicos afeta outros aspectos do desenvolvimento, como
o crescimento e a nutrição. Uma das hipóteses sobre as alterações de cres-
cimento em crianças com PC pode estar relacionada a fatores nutricionais,
incluindo dieta inadequada, reflexo das dificuldades na motricidade oral e da
deglutição. Outra hipótese, relacionada aos fatores físicos, é resultado da
diminuição do estresse mecânico sobre os ossos, devido à imobilidade ou
falta de descarga de peso. A imobilização diminui a formação óssea, assim
como a ausência de impacto18. A falta de mobilidade ativa, portanto, interfe-
re em diferentes aspectos da vida da criança com PC, como a exploração
ativa do ambiente e o crescimento.

Motivação para a tríade mãe / criança / terapeuta


O trabalho com a família da criança com alterações ou risco para o
desenvolvimento deve ser iniciado tão logo haja a suspeita de uma lesão
encefálica, mesmo que o diagnóstico não tenha sido fechado. A rotina fami-
liar pode ser incrementada com procedimentos que possam favorecer o de-
senvolvimento das habilidades motoras, de linguagem e cognitivas.
Embora nem sempre o encaminhamento da criança com risco seja
feito em tempo ideal, esta idéia deveria ser amplamente divulgada para que
as chances de recuperação pudessem ser maiores. As aquisições motoras
são marcos esperados pela família e pela sociedade. A família deve sentir-se
motivada a colaborar para o alcance desses marcos.
Além da família, a criança e o próprio terapeuta devem buscar moti-
vação para o planejamento e execução de tarefas que estimulem o desen-
volvimento. Buscar estratégias que auxiliem no diagnóstico e estimulação é
dever do fisioterapeuta e dos demais profissionais envolvidos em proces-
sos de habilitação e reabilitação. Orientar, informar, motivar e apoiar a
família também. Os recursos empregados na estimulação devem estar de
acordo com o interesse que a criança possa manifestar durante seu desen-
volvimento. Brinquedos e brincadeiras constituem a melhor forma de co-
municação com a criança. Mesmo com a criança que apresenta quadros
clínicos mais graves, o canal de comunicação pode ser o elemento lúdico.
Sons agradáveis, cores e contrastes, música, tato, entre outros estímulos,
podem favorecer a atividade da criança, seu interesse pelo meio e
consequente exploração.
O brincar pode ser definido como uma atitude subjetiva, na qual se
deve considerar ao mesmo tempo o prazer, a curiosidade, o senso de hu-
mor e a espontaneidade, traduzindo-se por uma ação livre, que não busca
nenhum ganho específico para a criança19. Sant’Anna et al.20 sugerem que
o brincar da criança com PC possa ser avaliado cuidadosamente para que
seja parte do processo de estimulação. Os conceitos teóricos do Modelo
Lúdico proposto por Ferland19 têm como objetivo principal criar estratégias
para estimular, desenvolver e manter a atitude e a habilidade lúdica, bem
como interesses variados no brincar, instigando a curiosidade, a esponta-
neidade, o prazer, o senso de humor, a imaginação e a capacidade de solu-
cionar problemas.
A relação entre a família, especialmente a mãe, e a criança com PC
deve ser permeada de naturalidade. A qualidade de vida familiar pode ser
abalada pelas circunstâncias do nascimento e desenvolvimento de uma crian-
ça que necessita de estimulação e cuidados especiais. A qualidade de vida
(QV) é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a percep-
ção dos indivíduos da sua posição na vida, no contexto da cultura e siste-

182
Capítulo 9 Desenvolvimento motor e suas alterações na paralisia cerebral

mas de valores em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas,


padrões e preocupações. É um conceito amplo de integração da saúde físi-
ca, psicológica, da independência, crenças pessoais e suas relações sociais
e com o meio ambiente21. A análise da QV de mães de crianças com PC tem
sido alvo de estudos cuja preocupação extrapola o desenvolvimento de
habilidades específicas para a criança. Alguns estudos sugerem relação entre
a gravidade do quadro da PC de uma criança e a QV de suas mães, referin-
do pontuação menor para estas quando comparadas a mães de outras crian-
ças22, porém outros não fazem relação direta entre a QV e o desempenho
motor, referindo não haver mudanças significativas mesmo após períodos
de estimulação23.
Todavia, a mãe necessita ser motivada a permanecer em terapia,
buscando progressos ou manutenção de quadros motores mais graves para
seu filho, evitando a progressão de contraturas, deformidades e outras
complicações. Para tanto, a relação estabelecida entre os profissionais e a
família deve ser a mais salutar possível, para que os familiares e cuidado-
res possam sentir-se apoiados e compreendidos em todo o processo de
reabilitação.
O terapeuta que atua na área deve buscar sua motivação em seu
constante aprimoramento, na busca de técnicas e recursos específicos de
sua área que possam trazer benefícios para a criança e a família e ainda
na busca de complementação de conhecimento em outras áreas afins. A
interdisciplinaridade deve fazer parte da formação profissional, ajudando-
o a reconhecer suas limitações e a valorizar os demais membros da equi-
pe, despindo-se de prepotências e mantendo-o humilde para ter seu foco
principal voltado não apenas para as questões voltadas ao desempenho
motor específico, mas para a inclusão em sociedade – escola, trabalho,
família e lazer, incorporando assim seu papel social como membro da
equipe de reabilitação.

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Desenvolvimento motor e suas alterações na paralisia cerebral Capítulo 9

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184
PARTE IV
PROCEDIMENTOS DE TRATAMENTO DA
PARALISIA CEREBRAL

Introdução

Talita Dias da Silva, Luiz Carlos de Abreu, Vitor Engrácia Valenti,


Paulo Rogério Gallo, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

Verifica-se uma evolução na prática e no surgimento de diferentes


procedimentos de tratamento da Paralisia Cerebral. Apesar do crescente
número de possibilidades de intervenção, existe uma forte cobrança direcio-
nada a justificar o respaldo científico e comprobatório da real eficácia dos
procedimentos utilizados. Uma enorme variedade de procedimentos pode
ser usada por profissionais que trabalham com habilitação e reabilitação da
criança com Paralisia Cerebral e, nesta vasta gama de possibilidades, os
profissionais da área da saúde se questionam com relação a qual deles dis-
por em detrimento de outros e, principalmente, qual oferece o maior bene-
fício ao paciente1,2.
A demanda de tratamento com base em evidências e uma razoável pro-
porção entre custo-benefício tem desafiado muitas práticas tradicionais e gera-
do pressão para que sejam mudadas atitudes e se desenvolvam novas habilida-
des1,2 aplicáveis na prática clínica. São necessários requisitos justificáveis para
se organizar um plano de tratamento; a monitorização das respostas do pacien-
te, a previsão dos resultados finais e a extensão, frequência e conteúdo dos
programas de tratamento2.
Ainda que as pesquisas sobre a efetividade dos procedimentos de
tratamento seja, obviamente, um aspecto importante da validação da práti-
ca clínica3, a necessidade de uma mudança no modo como os profissionais
percebem e contextualizam seus programas de tratamento deve ser consi-
derado. Já não se aceita realizar tratamentos sem demonstrar a satisfação
do paciente e os benefícios atingidos.
Apesar da existência de diferentes procedimentos de intervenção na
Paralisia Cerebral, os próximos capítulos apresentam algumas propostas que
podem ser consideradas no momento de organizar um programa de tratamen-

187
Procedimentos de Tratamento da Paralisia Cerebral - Introdução PARTE IV

to. Os procedimentos escolhidos e apresentados não devem ser considerados


como melhores propostas de tratamento mas, provavelmente, são bastante
utilizados no dia a dia de clínicas e centros de reabilitação e merecem apresen-
tação e esclarecimentos.
a) um procedimento interessante e bastante utilizado e indicado é a
FISIOTERAPIA AQUÁTICA, um recurso desenvolvido segundo as bases
científicas da teoria hidrodinâmica e das alterações fisiológicas do corpo em
imersão; em que se destacam o empuxo, a flutuação, a diminuição de zonas
de sustentação, a pressão hidrostática, a refração, a turbulência e a tempe-
ratura3. A imersão em água pode ampliar o tratamento do paciente com
deficiência neurológica, apresentando benefícios terapêuticos, psicológicos e
sociais, esse recurso oferece ao indivíduo com pouca independência em
ambiente seco, a capacidade de mover-se livremente e com confiança, pro-
porcionando, concomitantemente à terapia, uma atividade lúdica bastante
apreciada1.
b) uma possibilidade no tratamento da PC é a utilização da
EQUOTERAPIA, uma estratégia de tratamento físico em que o movimento
do cavalo é usado para melhorar o equilíbrio, postura e desenvolvimento
geral de pessoas com alteração da postura e movimento. É baseado em
teorias atuais de controle motor e desenvolvimento, e princípios
neurofisiológicos de tratamento4.
c) a ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA NEUROMUSCULAR (NMES) é utili-
zada para programas de fortalecimento ou de recuperação do controle mo-
tor. Desta forma, é comum observarmos estes programas sendo executados
no tratamento de pacientes com diferentes deficiências que acometem o
sistema nervoso central (paralisia cerebral, acidente vascular encefálico, trau-
matismos raquimedulares) e em períodos pós-operatórios de alterações or-
topédicas como reconstruções do ligamento cruzado anterior, capsuloplastias
da articulação glenoumeral ou outras cirurgias que produzam um déficit de
controle motor. A estimulação elétrica neurofuncional induz potenciais de
ação no nervo motor, provocando ativação de unidades motoras. Efeitos como
fortalecimento da musculatura estimulada, facilitação do controle motor
voluntário e diminuição da espasticidade têm sido relatados após a aplicação
da NMES5.
d) a técnica de CONTENÇÃO, também conhecida como técnica de
restrição, consiste no treinamento intensivo, prática de repetições funcionais
e restrição do membro superior não-parético durante um determinado tem-
po, as tarefas gerais consistem em atividades do dia a dia, tais como: abrir
e fechar porta, lavar e secar as mãos, alimentação, etc e tarefas adaptadas
como exercícios com graus progressivos de dificuldades, realizados em pe-
quenas etapas.
e) a REALIDADE VIRTUAL como procedimento de intervenção na
Paralisia Cerebral teve um grande crescimento nos últimos anos, principal-
mente pelo surgimento de jogos eletrônicos que viabilizam a movimentação
corporal do praticante. Utilização de jogos virtuais na habilitação e reabilita-
ção é uma realidade que apesar de necessitar muita pesquisa, está inserido
em clínicas, centros de reabilitação e na própria casa do paciente e, desta
forma, merece uma compreensão mais detalhada das possibilidades de in-
tervenção.
f) as ÓRTESES e os acessórios, também fazem parte do que chama-
mos de tecnologia assistiva, ou seja, são recursos que contribuem para pro-

188
PARTE IV Procedimentos de Tratamento da Paralisia Cerebral - Introdução

porcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e


consequentemente promover maior independência e inclusão social6. A órte-
se é um dispositivo que, corretamente aplicado à superfície externa adequa-
da do corpo, possibilita dentre outros benefícios: alívio da dor, prevenção de
deformidades e melhora funcional.
g) Optou-se também em apresentar um fator fundamental para o
tratamento da Paralisia Cerebral que é a utilização dos conhecimentos advindos
da MARCHA do indivíduo com PC como procedimento de reabilitação. Este
conhecimento contribui para; compreensão do mecanismo fisiopatológico
inicial, direcionamento do tratamento, planejamento cirúrgico, prescrição e
adequação de órteses, próteses e auxiliares de marcha, comparação pré e
pós-tratamento em qualquer intervenção7.
Após esta breve apresentação, este capítulo apresenta os procedimen-
tos citados com detalhes e, quando possível, as evidências disponíveis que os
sustentam1.

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Fisiátrica. 1996; 3(2): 23-26.

189
CAPÍTULO 10

FISIOTERAPIA AQUÁTICA NA PARALISIA CEREBRAL

Susi M. S. Fernandes, Etria Rodrigues, Marcelo Prumes

INTRODUÇÃO

Fisioterapia Aquática refere-se à intervenção terapêutica realizada em


piscina aquecida para pacientes com disfunção neuromuscular,
músculoesquelética, cardiopulmonar e tegumentar1. A utilização terapêuti-
ca da água é antiga, de maneira que, inúmeros descritores são utilizados na
definição deste conceito, como, por exemplo, hidroterapia, terapia aquática,
exercícios na água, exercícios aquáticos, hidroginástica, natação dentre ou-
tros2. No entanto, o termo fisioterapia aquática dá ao recurso características
que diferem dos demais termos. Trata-se de um programa terapêutico con-
duzido e elaborado por fisioterapeuta especializado, que associa conheci-
mentos das teorias hidrodinâmicas, dos movimentos do corpo na água e das
alterações fisiológicas durante a imersão para então, compor um programa
de atendimento com finalidade de recuperação3,4.
Deste modo, a compreensão das propriedades físicas da água, da
interferência sobre o movimento e das respostas fisiológicas durante a
imersão, são ferramentas importantes para potencializar a intervenção
fisioterapêutica2,4,5.
A utilização desta terapêutica nas crianças portadoras de Paralisia
Cerebral (PC) vem ganhando popularidade entre fisioterapeutas especializa-
dos em pediatria devido às características físicas do meio como, por exem-
plo, o empuxo. Sua qualidade em reduzir a carga e o impacto na articulação,
diminuir as influências negativas da gravidade sobre o equilíbrio e controle
postural contribuem para melhora da função motora grossa nessa popula-
ção6. Ao mesmo tempo, a água oferece uma resistência, relacionada a ação

191
Fisioterapia aquática na paralisia cerebral Capítulo 10

entre suas moléculas (adesão, coesão, tensão superficial, viscosidade) e pelo


movimento do corpo dentro dela (turbulência e força de arrasto), que pode
ser usada para aumentar a massa muscular, força e capacidade aeróbica6,7.
Outro aspecto relevante refere-se ao controle da espasticidade. A redução
da descarga de peso, proporcionada pelo empuxo, associada à temperatura
da água diminui a sensibilidade do fuso muscular e reduz a atividade das
fibras gama promovendo o relaxamento e diminuição da tensão muscular.
Kesiktas et al8, realizaram estudo no qual 20 pacientes com diferentes graus
de espasticidade foram divididos em dois grupos: controle e experimental.
Esses receberam tratamento para controle da espasticidade. O grupo con-
trole recebeu exercícios passivos duas vezes por dia e baclofen oral por 10
semanas e o grupo experimental recebeu a mesma intervenção associada a
20 minutos de exercícios na água 3 vezes por semana, durante o mesmo
período. O tônus foi avaliado pré e pós intervenção pela escala de Ashworth
e ambos os grupos apresentaram melhora, porém sem diferença estatistica-
mente significativa entre eles. No entanto, o grupo experimental apresentou
redução significativa para dosagem de medicação necessária para controle
da espasticidade.
Todos esses aspectos facilitam o manuseio, permitem a realização de
exercícios funcionais melhorando o controle motor.

FUNDAMENTOS PARA ESCOLHA DA FISIOTERAPIA AQUÁTICA COMO


INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NA PARALISIA CEREBRAL

Vários fatores têm contribuído para uma recente mudança de pers-


pectiva sobre o uso do exercício em crianças com PC6. O primeiro deles
refere-se ao modelo da Classificação Internacional de Funcionalidade, Inca-
pacidade e Saúde(CIF) proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
que substitui o enfoque negativo da deficiência e da incapacidade por uma
perspectiva positiva, considerando as atividades que um indivíduo com alte-
rações de função e/ou da estrutura do corpo pode desempenhar, assim como
sua participação social9.
Kelly e Darrah6, afirmam que a criação da CIF conduziu a uma mu-
dança no foco terapêutico de prevenção aos agravos da doença para uma
potencialização da saúde. Além disso, a teoria de sistemas de controle mo-
tor, explica a aquisição da habilidade motora como um processo dinâmico e
organizado resultante da interação de vários sistemas e de fatores ambien-
tais. Favorece o papel ativo da criança no contexto terapêutico e tem levado
os terapeutas a considerar a influência de vários parâmetros, tais como,
condicionamento físico, força muscular, flexibilidade, aptidão cardiovascular
e aspectos relacionados a habilidade dos movimentos e níveis de participa-
ção das crianças com PC6,7.
Dentro deste contexto a Fisioterapia Aquática ganha destaque.
Becker10 afirma que, atualmente a fisioterapia aquática está bem apoiada
em evidências, tanto científicas quanto clínicas e que o ambiente aquático
oferece uma ampla margem de segurança e adaptabilidade terapêutica.
Estudos de revisão sistemática mostraram evidências fortes para os bene-
fícios da fisioterapia aquática relacionados principalmente a melhora da
dor, função, mobilidade articular, força muscular, equilíbrio e domínio emo-

192
Capítulo 10 Fisioterapia aquática na paralisia cerebral

cional para pacientes com doenças reumáticas, dor lombar crônica e doen-
ças neuromotoras5,7.
Fragala-Pinkham et al7, realizaram estudo com 16 crianças de idade
entre 6-11 anos, de ambos os sexos, com disfunções neuromusculares que
apresentavam marcha com ou sem dispositivos auxiliares de diversas ori-
gens, como, autismo, mielomeningocele e paralisia cerebral entre outras.
Divididos em dois grupos, um realizou programa de exercício no solo e outro
na água. Os dois grupos realizaram programa de exercício aeróbico com
frequência de duas vezes por semana durante 14 semanas com objetivo de
comparar e avaliar a eficácia e segurança do condicionamento cardiovascu-
lar nos diferentes ambientes. Os resultados do estudo revelaram aumento
na condição cardiorrespiratória e nas habilidades motoras, especialmente
para os pacientes com PC no grupo aquático.
No estudo de Kesiktas et al8, tanto o grupo controle quanto o experi-
mental apresentaram aumento estatisticamente significativo nos escores da
Medida de Independência Funcional (MIF), porém no grupo submetido à fi-
sioterapia aquática o escore foi maior.
Muitos são os métodos e técnicas descritas para aplicação em água. O
fisioterapeuta tem autonomia para incorporar as evidências de cada uma
delas ao seu atendimento.
Dentre elas destaca-se o Método Halliwick, que foi desenvolvido por
James McMillian em 1949, na Halliwick School for Girls, em Southgate, Lon-
dres, assim, o método foi batizado com o mesmo nome da escola para me-
ninas deficientes em que o trabalho começou. McMillian, baseado nos princí-
pios científicos da hidrodinâmica e da mecânica corporal, desenvolveu
inicialmente uma atividade recreativa que visava dar independência indivi-
dual na água, para pacientes com incapacidade e treiná-los a nadar, valori-
zando a natureza crítica da água e se adaptando às formas e densidades
alteradas da pessoa deficiente11,12.

CONCEITO HALLIWICK - Bases para intervenção terapêutica

Com o decorrer dos anos, McMillan manteve a sua proposta original e


adicionou novas propostas ao método que desde então têm sido usado por
muitos terapeutas para tratar crianças e adultos com enfermidades neuroló-
gicas, reumatológicas e ortopédicas12.
Uma vez que o método é executado pelo incentivo a movimentação
voluntária do paciente de modo independente, qualquer inabilidade que este
possa ter é desprezada, o que se enfatiza são as suas habilidades, por me-
nores que sejam. Tendo como base as propriedades físicas da água que
facilitam o movimento, o método Halliwick desenvolve a função na água sem
auxílio e trabalha o paciente como um todo13,14. Campion et al12, ressalta o
valor terapêutico das habilidades funcionais presentes nas atividades e jogos
propostos pelo método e compara essa promoção da atividade funcional ao
método terapêutico Pëto.
Elaborado a partir de jogos e atividades divertidas realizadas em gru-
po que despertam interesse das crianças aumentando as probabilidades de
desenvolver as habilidades necessárias. Utiliza as propriedades físicas de
modo que respeita e utiliza as formas e densidades alteradas das pessoas
com deficiência com objetivo de encorajar a participação na água, a movi-

193
Fisioterapia aquática na paralisia cerebral Capítulo 10

mentação independente e por fim, ensinar a nadar12-15. Os participantes tor-


nam-se mentalmente ajustados à água, adquirem habilidades de restaura-
ção do equilíbrio, controle de cabeça e respiração desenvolvendo requisitos
para independência no meio líquido. Por meio de um Programa de 10 pontos,
no qual os pontos correspondem à técnica e as fases tratam do objetivo que
se quer alcançar (Tabela 1)15,16.

Tabela 1: Programa de 10 pontos e as fases do Método Halliwick


Pontos Fases

1. Controle mental Ajuste mental


2. Desprendimento

3. Controle da rotação transversal


4. Controle da rotação sagital
5. Controle da rotação longitudinal Controle do Equilíbrio
6. Controle da rotação combinada
7. Empuxo
8. Equilíbrio em repouso

9. Deslizamento turbulento Facilitação do Movimento


10. Movimentos básicos/Nado simplificado

Um tópico importante no programa é a realização do controle das


rotações em torno dos vários eixos do corpo. O controle das rotações ocorre
a partir do domínio sobre o efeito metacêntrico, definido como a relação
entre a força gravitacional e o empuxo. O centro de gravidade pode ser
entendido como um ponto que representa todos os centros de massa dos
segmentos do corpo que, na posição anatômica, se encontra aproximada-
mente na altura da segunda vértebra sacral. O centro de flutuação, por sua
vez, é definido como o centro de todos os momentos de força aplicados no
corpo e se encontra no meio da região torácica. Alterações na forma, densi-
dade e/ou posicionamento do corpo podem modificar a relação entre as po-
sições do Centro de Gravidade e do Centro de Flutuação, ocasionando movi-
mentos rotacionais12,13.
Esses efeitos rotacionais sobre o corpo em imersão somado ao efeito
da turbulência geram instabilidade constante ao corpo imerso. O paciente
imerso sofrerá esse efeito de acordo com sua densidade e forma 11,12,14.
Por exemplo, um hemiplégico a esquerda, apresenta assimetrias corpo-
rais. Sua densidade será maior do lado hemiplégico, assim como a forma
de apresentação do hemicorpo esquerdo será diferente quando compara-
do ao hemicorpo direito. Ao adotar a posição de flutuação dorsal este terá
tendência a rodar para o lado da sequela (hemiplégico) isso porque o
centro de gravidade e flutuação se distanciaram gerando desequilíbrio e
consequentemente movimentos rotacionais. Do mesmo modo, um paciente
paraplégico sofrerá com os membros inferiores tendendo a afundar en-
quanto o tronco superior sobe. Experimentar os efeitos metacêntricos no
primeiro momento da imersão levará o paciente a uma condição de inse-
gurança pelo medo de afundar. Em contra partida se bem aproveitado
esse efeito pode estimular o equilíbrio e consequente controle do movi-
mento na água.

194
Capítulo 10 Fisioterapia aquática na paralisia cerebral

Vários estudos relacionados a equilíbrio e controle postural refe-


rem à fisioterapia aquática como uma boa forma de intervenção17-21. Con-
ferem ao empuxo e sua capacidade de suporte, o aumento do tempo de
resposta do paciente frente ao risco de queda. Ao mesmo tempo, os estí-
mulos proprioceptivos diminuídos, principalmente, nos músculos
antigravitários e membros inferiores geram um conflito sensorial, que
somados aos desequilíbrios rotacionais e fluxo turbulento, pode estimular
os sistemas envolvidos com o equilíbrio corporal, provocando adaptações
no processamento central destas informações, ajustes motores e corre-
ções posturais17-21.
O uso do conceito, principalmente na exploração terapêutica do
controle das rotações, encontra apoio nas condições de prática do apren-
dizado motor, especificamente, variação da tarefa22 . A flexibilidade na
produção do movimento promovida na abordagem permite treinar a fun-
ção desorganizada, que poderá ser usada em ambiente diferente daque-
le em que foi treinada. Nesse caso o que foi treinado na água poderá ser
mais facilmente reproduzido no solo, e, portanto inserido no dia a dia da
criança 23. Além disso, o ambiente aquático torna-se mais atraente para
crianças que costumam apresentar-se entediadas diante de técnicas de
solo 12,23.

DESENVOLVIMENTO TERAPÊUTICO

Na execução do treinamento pelo Método Halliwick o programa de 10


Pontos deve ser seguido para que o objetivo de independência e nado na
água seja alcançado15,16. No entanto, quando se utiliza o conceito terapêuti-
co, o fisioterapeuta tem autonomia para avaliar as condições do seu paciente
e utilizar a sequência que julgar necessária ao caso.
Uma avaliação minuciosa deve ser realizada antes de colocar o pa-
ciente na água. Considerando os seguintes aspectos:

a) Distribuição da lesão: com objetivo de anotar a forma adotada pelo


corpo, bem como pressupor as densidades. Desse modo, controlar
os efeitos rotacionais e elaborar estratégias terapêuticas que con-
duzam o paciente para o controle do movimento na água.

b) Aspectos relacionados à doença devem ser pesquisados, por exem-


plo, condições cognitivas, de deglutição, de respiração,
neuromusculares e esqueléticas. Além das condições de contra-
indicação para o meio.

c) Relações com água: com objetivo de prever o comportamento e a


iniciativa do paciente em relação ao ambiente. Por exemplo, medo,
insegurança, agrado e prazer. Se o paciente já vivenciou imersão
em piscina também deverá ser pesquisado.

A partir da indicação para Fisioterapia na água o plano de tratamento


deverá ser traçado. Considerando grau de dependência, posição inicial ado-
tada, nível de imersão e estágio inicial do conceito. As posições e pegas
ilustradas na tabela 2 poderão ser adotadas15,16.

195
Fisioterapia aquática na paralisia cerebral Capítulo 10

Tabela 2: Posições do paciente e pegas do terapeuta

Posição do paciente Descrição Pega do terapeuta

Os mmii do paciente Apoio na cervical ou


Sela abduzidos encaixados no escápulas.
tronco do terapeuta.

O paciente em flexão de Braço curto – apoio nos


Cadeira quadris e joelhos. Com cotovelos do paciente.
mmii apoiados ou não no
fundo da piscina.

O paciente com extensão Braço longo – apoio nas


Bastão de quadris e joelhos. mãos do paciente.
Com mmii apoiados ou
não no fundo da piscina Trocânter – apoio

Vale ressaltar que o terapeuta não deve sustentar o paciente ao posi-


cionar as mãos. Permitindo que o paciente experimente os princípios físicos
da água e consiga gradativamente controlá-los. A posição em sela pode ser
um excelente recurso para pacientes com controle cervical e de tronco pre-
cário além de inibir padrões patológicos de membros inferiores. Na posição
de cadeira o paciente encontra-se com um pouco mais de independência
apresentando controle de cervical e tronco superior. À medida que o controle
de tronco apresentar-se melhorado a pega do terapeuta pode ir evoluindo
para braço longo e trocânter, aumentando a exigência de controle do pacien-
te. Em posição de bastão o paciente recebe estímulo extensor, tanto de tron-
co quanto de membros inferiores.
De acordo com as metas estabelecidas na avaliação o fisioterapeuta
poderá lançar mão da sequência desejada estabelecida no método. Alguns
dos principais pontos utilizados no atendimento terapêutico serão apresen-
tados a seguir.

PONTO 1 E 2 - CONTROLE MENTAL E DESPRENDIMENTO – FASE DE


AJUSTE AO AMBIENTE

Por questões didáticas os dois pontos serão discutidos conjuntamente


nesse tópico. Nessa fase os objetivos estão relacionados à adaptação do
paciente ao meio líquido e ao terapeuta, seguido do desprendimento, isto é,
diminuir a dependência de auxílio. Deve ser considerada aqui a questão da
segurança relacionada ao controle respiratório. E, portanto o paciente deve-
rá ser ensinado sobre o contato do seu rosto com água. Neste momento ele
deverá exalar o ar, pelo nariz e/ou pela boca. Esses ensinamentos são passa-
dos ao paciente por meio de brincadeiras, como por exemplo, soprar boli-
nhas na água e mudanças no nível de imersão. Uma condição observada
comumente na prática clínica para os pacientes com dificuldades cognitivas
e/ou tônicas acentuada, principalmente nos músculos da face, é a apnéia
como mecanismo de defesa para não aspirar água. Que vai sendo substitu-
ída gradativamente pelo aprendizado do sopro.
A falta de controle da respiração na água leva o paciente a sensações
desagradáveis, como aspirar água pelo nariz ou pela boca. Essa sensação de
desconforto conduz o paciente a tentar permanecer em extensão da cabeça

196
Capítulo 10 Fisioterapia aquática na paralisia cerebral

como fuga da água. Aspecto que pode ser utilizado terapeuticamente para
estimular a extensão e flexão da coluna cervical.
Independente da posição que o paciente adote na água (sela, cadeira
ou bastão), toda vez que a extensão da cabeça for estimulada haverá ten-
dência de subida dos membros inferiores, pelo efeito metacêntrico. Levando
o paciente para posição de flutuação dorsal. O inverso acontecerá na flexão
da cervical. Essa condição poderá ser explorada pelo terapeuta para estimu-
lar tanto a flexão quanto a extensão de tronco e dos membros inferiores.
Gradualmente o paciente vai conseguindo controlar a posição na água e o
desprendimento do terapeuta.

PONTO 3 – CONTROLE DA ROTAÇÃO TRANSVERSAL (VERTICAL)

Desenvolvimento do controle das rotações realizadas no eixo fronto


transversal. Refere-se aos movimentos realizados no plano sagital, ou seja,
todos os deslocamentos anteriores e posteriores do esqueleto axial e
apendicular. Importante ferramenta terapêutica no controle das rotações é o
comando verbal que varia de acordo com a posição que o paciente está e
aquela que se quer alcançar. Por exemplo, passar de flutuação dorsal para
em pé “leve o queixo na direção do peito”. E da posição em pé para deitado
“leve a cabeça para trás” (Fig 1). As brincadeiras são a melhor forma de
alcançar o objetivo, principalmente para os pacientes com dificuldades de
compreensão, portanto adicionar uma bola a tarefa pode ser uma forma
eficaz para que o paciente alcance o objetivo almejado. O treino desta ativi-
dade colabora com o aprimoramento do controle respiratório do ajuste men-
tal uma vez que o comando para realização desta rotação também depende
da flexão e extensão da cervical. Enquanto na adaptação mental, durante a
flexão e extensão da cabeça o paciente é orientado a controlar o movimento
gerado pelo efeito metacêntrico; no ponto 3 o movimento será permitido.
Deste modo, o paciente aprenderá a utilizar a extensão da cervical para
assumir a posição de flutuação dorsal e a flexão da cervical para voltar à
posição vertical. O treino dessa rotação permite ao paciente treinar a função
motora grossa como deitar e sentar, pegar objetos acima da cabeça, pular
sobre um objeto, subir um degrau de escada entre outros.

a) b) c)
Figura 1: Rotação Transversal: a) Posição inicial; b) Posição intermediária;
c) Posição final

PONTO 4 – CONTROLE DA ROTAÇÃO SAGITAL

O objetivo desta etapa é o controle de toda rotação realizada sobre o


eixo sagito transversal. Refere-se aos movimentos realizados no plano fron-

197
Fisioterapia aquática na paralisia cerebral Capítulo 10

tal, isto é, todos os deslocamentos laterais sem envolver rotações do tronco.


Considerando que o controle da cervical apresenta-se melhorado pela aqui-
sição da flexão e extensão no ponto anterior, nesta etapa será orientado ao
paciente deslocar a cabeça, especificamente o ouvido externo, na direção do
ombro. De tal modo que a alteração do centro de massa conduzirá o tronco
superior do lado da inclinação a afundar e o tronco inferior terá tendência à
flutuação. Supondo que o paciente esteja na posição de bastão (com pés
apoiados no chão), será orientado a inclinar a cabeça para um lado. Haverá
tendência de aumento de apoio/carga do hemicorpo inclinado enquanto o
hemicorpo contralateral terá tendência à flutuação. E os movimentos no
plano frontal serão estimulados, como por exemplo, abdução de membro
superior e inferior.

PONTO 5 – CONTROLE DA ROTAÇÃO LONGITUDINAL (HORIZONTAL)

Nesse ponto o paciente deverá controlar toda rotação realizada sobre


o eixo sagito frontal ou longitudinal. Refere-se aos deslocamentos no plano
transverso, isto é, as rotações de tronco. O paciente poderá realizar essa
rotação em posição de flutuação dorsal como na posição vertical. Para que o
paciente realize o treino na posição de flutuação dorsal este deverá apresen-
tar total controle respiratório, pois será orientado a girar a cabeça levando o
queixo na direção do ombro e girar completando o eixo de 360º (Fig. 2) .
Enquanto o queixo é direcionado para o ombro e este lado do corpo tenderá
a afundar, o hemicorpo contralateral será elevado em flutuação. O movimen-
to iniciado a partir da cabeça e tronco superior estimulará a adução da escá-
pula do lado da rotação e flexão do membro superior a do lado contra lateral
estimulará a abdução da escápula com extensão do membro superior. Os
membros inferiores também reagirão ao desequilíbrio. O lado do movimento
tenderá a extensão enquanto o lado contralateral reagirá com flexão. Esti-
mulando movimentos semelhantes aqueles necessários para marcha.

a) b)

Figura 2: Rotação longitudinal: a) flutuação dorsal girando supino para prono;


b) flutuação dorsal girando prono para supino

198
Capítulo 10 Fisioterapia aquática na paralisia cerebral

Nesta etapa o paciente será estimulado para alcançar o controle de


todas as combinações de rotação. O treino dessa rotação permite ao pacien-
te aprimorar as habilidades alcançadas em etapas anteriores. Nesse mo-
mento, mais independente no meio com domínio das propriedades da água
será capaz de reagir aos desequilíbrios.

A partir dessa aquisição os treinos mais específicos poderão ser


inseridos. Por exemplo, adicionando equipamento de flutuação, para au-
mentar a exigência de força ou de amplitude para um determinado grupo
muscular.

Os demais pontos poderão ser utilizados em condições especiais, a


critério do objetivo terapêutico que se deseja alcançar. Por exemplo, o Ponto
7, controle do empuxo onde o paciente é incentivado a compreender a sus-
tentação da água por meio da imersão. Neste ponto a condição respiratória
do paciente poderá ser explorada através de exercícios associando apnéia e
expiração.

Conhecer o método Halliwick permite ao fisioterapeuta explorar as


etapas de treinamento de acordo com as condições apresentadas pelo seu
paciente. Cada ponto no método é treinado minuciosamente, iniciando
com muitas repetições lentas do movimento da cabeça para que o pacien-
te consiga perceber e controlar as repercussões nos demais segmentos
corporais. Desta maneira, conhecer cada ponto e seu desenvolvimento
permite ao terapeuta escolher o ponto que deseja treinar e traçar o seu
objetivo terapêutico. Para facilitar a avaliação do fisioterapeuta e padroni-
zar a utilização do método a Associação Internacional do Halliwick 16 pro-
põe um modelo de avaliação progressivo, no qual o objetivo de cada pon-
to é traçado. Uma adaptação que inclui objetivo terapêutico é proposta a
seguir (Fig.3). Nesse modelo o fisioterapeuta deverá indicar o ponto que
o seu paciente se encontra e descrever os objetivos terapêuticos que pre-
tende alcançar com o treino de cada ponto. Podendo acompanhar a evolu-
ção clínica do seu paciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Fisioterapia aquática é uma modalidade terapêutica atraente para


as crianças com Paralisia Cerebral. Por facilitar a execução de movimen-
tos que estão limitados no solo proporciona maior segurança e favorece
as iniciativas do paciente. O ambiente dá a terapêutica um caráter
recreacionista tornando o paciente mais participativo e motivado. A apre-
sentação e organização da intervenção reforçam aspectos das habilida-
des desenvolvidas diminuindo as frustrações comuns frente às incapaci-
dades.
Além disso, a independência adquirida no meio permite que o pacien-
te seja capaz de desfrutar das habilidades desenvolvidas em suas atividades
de lazer, por exemplo, frequentar piscinas públicas ou privadas. E desta for-
ma permite uma reabilitação continuada.

199
Fisioterapia aquática na paralisia cerebral Capítulo 10

OBJETIVO
PACIENTE: ATIVIDADE TERAPÊUTICO

Data: Ponto 1
Ajuste Mental

Data: Ponto 2
Desengajamento

Data: Ponto 3
Controle Rotação
Transversal

Data: Ponto 4
Controle da Rotação
Sagital

Data: Ponto 5
Controle da Rotação
Longitudinal

Data: Ponto 6
Controle da Rotação
Combinada

Data: Ponto 7
Empuxo

Data: Ponto 8
Flutuação em
equilíbrio

Data: Ponto 9
Deslizamento
turbulento

Data: Ponto 10
Movimentos básicos/
nado simplificado

Figura 3: Modelo adaptado de ficha de avaliação Halliwick Terapêutico

200
Capítulo 10 Fisioterapia aquática na paralisia cerebral

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Fisioterapia aquática na paralisia cerebral Capítulo 10

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202
CAPÍTULO 11

EQUOTERAPIA NA PARALISIA CEREBRAL

Rebeca de Barros Santos-Rehder

A Paralisia Cerebral aparece frequentemente na reabilitação neuroló-


gica lançando um desafio constante para profissionais de reabilitação, devi-
do à diversidade de manifestações clínicas. O cavalo como instrumento tera-
pêutico vem se mostrando cada vez mais como complemento e um facilitador
terapêutico bastante eficaz nos programas de reabilitação.
Equoterapia significa tratamento com auxílio do cavalo, sobre o qual o
paciente realiza movimentos orientados por terapeutas especializados, apro-
veitando ao máximo os estímulos do cavalo e do ambiente. O paciente mon-
tado responde ativamente aos movimentos do animal, tendo analisadas suas
respostas para que o tratamento seja direcionado de acordo com a finalidade
de cada terapia1.
No Brasil utiliza-se o termo Equoterapia, criado pela Associação Na-
cional de Equoterapia, prefixo do latim Equus, (cavalo, em português). A
Equoterapia é definida como um método terapêutico e educacional que utili-
za o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar, nas áreas de saúde,
educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pes-
soas com deficiência.

1. HISTÓRICO

Durante vários séculos, o cavalo foi retratado na mitologia como auxi-


liar e agente de cura dos seres humanos. No século XIX, investigações cien-
tíficas sobre a utilidade terapêutica da equitação para doenças neurológicas
e outras deficiências começaram a ser realizadas2.

203
Equoterapia na paralisia cerebral Capítulo 11

Constam nos registros que o uso do cavalo para fins terapêuticos data
do período entre 460-377 a.C. escrito por Hipócrates de Loo na Grécia antiga
em seu “Livro Das Dietas”, aconselhava a equitação para regenerar a saúde
e preservar o corpo humano de muitas doenças. Em 1569, Merkurialis da
Itália escreveu “A Arte de Ginástica” citando o cavalo e a equitação. Em 1780
Tissot da França, em seu livro “Medicina e Cirurgia de Ginástica” considerava
a caminhada a cavalo como a marcha mais benéfica. Samuel Theodor Quelmaz
(1697 – 1758), ao escrever “A saúde através da Equitação”, abordou pela
primeira vez o movimento tridimensional do cavalo ao passo3.
O uso do cavalo como terapia foi ainda mais estimulado a partir de
1952, nos Jogos Olímpicos de Helsinque, quando uma atleta com poliomieli-
te, Liz Hartel, ganhou medalha de prata de adestramento equestre4.
Em 1960 centros de equoterapia se desenvolveram em toda a Euro-
pa, Canadá e Estados Unidos. Em 1969, foi criada a Associação Norte Ame-
ricana de Equitação Terapêutica5.
A Equoterapia é utilizada no Brasil desde 1989, hoje se encontra em
todo o território nacional, com mais de 180 centros credenciados na Associa-
ção Nacional de Equoterapia. Em 1997, ocorreu a oficialização da Equoterapia
como método científico pelo Conselho Federal de Medicina, por meio do Pa-
recer de nº 06/97 de 09 de abril de 19974,6.

2. SIMILARIDADES ENTRE CAVALO E HOMEM

O cavalo como um instrumento dinâmico de tratamento, em uma com-


binação de técnicas desenvolvidas para o tratamento de alterações
neurofuncionais, cria uma alternativa eficaz para o tratamento de distúrbios
neurológicos7.
A escolha e manuseio do cavalo são questões de suma importância
quando se trata de equoterapia, sendo o animal a base para os estímulos e a
motivação dos pacientes. Deve ser mantido um cuidado ao cavalo de tera-
pia, que demanda boa alimentação, limpeza adequada e atividade física para
manter bom estado físico do animal.
Não existe uma raça específica para o cavalo de terapia, mas traços
que formarão o cavalo ideal para os atendimentos. O cavalo para a equoterapia
deve ser um animal dócil, sendo preferível trabalhar com animais adultos,
por serem mais mansos, maduros e calmos. Quanto à altura, deve ter cerca
de 1,50 metros, com o objetivo de facilitar a assistência terapêutica ao pa-
ciente e não intimidar em um contato inicial8.
O cavalo deve ter uma boa conformação e aprumos simétricos,
passadas largas, transpistar e não mancar ou tropeçar. Algo indispensá-
vel é a boa índole, resultando em um animal dócil e de fácil manejo.
O cavalo deverá apresentar as três andaduras regulares, que são o
passo, o trote e o galope, além de ser treinado e condicionado ao comando
de voz e gestos realizados pelo terapeuta durante os exercícios com os
pacientes, uma vez que os mesmos durante a sessão podem manifestar
reações inesperadas, como movimentos bruscos, gritos, mordidas, dentre
outros. O cavalo de terapia deve ser acostumado com brinquedos, bolas e
outros objetos lúdicos usados para facilitar alguns exercícios.
O cavalo em andadura ao passo transmite para o paciente uma série
de movimentos sequenciais e simultâneos, que tem como resultado um mo-

204
Capítulo 11 Equoterapia na paralisia cerebral

vimento tridimensional. A oscilação provocada pelo movimento tridimensional


do passo pode produzir no paciente movimentos correspondentes ao da pelve
humana durante a marcha4,9,10.
A harmonia do passo do cavalo é muito similar à do homem. A média
de passos do homem é aproximadamente de 110-120 passos por minuto,
um cavalo de tamanho médio realiza entre 90-110 passos por minuto. As
2700-3300 repetições do passo em uma sessão de 30 minutos, combinado
com alta motivação do paciente, proporcionam o ambiente ideal para a prá-
tica de estratégias de aprendizagem motoras novas, à disposição do pacien-
te para as tarefas funcionais na vida diária6, 8, 11.
Com o deslocamento do cavalo ao passo, o paciente é constantemen-
te submetido a desequilíbrios, que estimulam automaticamente reações de
endireitamento do tronco para manutenção da postura sentada12,13.

3. INDICAÇÕES

A Equoterapia é indicada para um amplo espectro de déficits neuroló-


gicos de diferentes etiologias. Condições comumente tratadas incluem, além
da paralisia cerebral, síndromes diversas, como a síndrome de Down, doen-
ças cerebrovasculares, traumatismo crânio-encefálico, esclerose múltipla,
deformidade espinal, distrofia muscular, deficiência visual e auditiva. Há uma
grande variedade de diagnósticos inespecíficos, como dispraxia, déficits de
integração sensorial, diminuição da coordenação motora grossa, alterações
de equilíbrio, diminuição do planejamento motor, diminuição da relação es-
pacial, a falta de consciência corporal e má postura. Os distúrbios psicológi-
cos abrangem indicação para autismo, esquizofrenia, distúrbios de aprendi-
zagem, déficit de atenção e alterações comportamentais. A indicação da
Equoterapia relativa à idade varia de crianças a partir de 18 meses de idade,
até adultos e idosos1,4,5,8.

4. PRECAUÇÕES E CONTRA INDICAÇÕES

Como outras modalidades de tratamento, há algumas precauções e


contra-indicações. Para pacientes neurológicos, como os pacientes com pa-
ralisia cerebral, o terapeuta deve avaliar a gravidade dos sintomas. Nos ca-
sos de luxação do quadril, a equoterapia pode não ser indicada. A NARHA
(Associação Norte Americana de Equitação Terapêutica) estabeleceu contra-
indicações e precauções para pacientes com alguma das incapacidades ou
comportamentos, como: convulsões incontroláveis, instabilidade vertebral,
incluindo subluxação cervical, fase aguda de processos inflamatórios, agita-
ção moderada e grave que provoque risco de queda, fraturas patológicas,
osteoporose severa, úlceras de pressão ou feridas abertas, hemofilia,
espondilolistese, instabilidade atlantoaxial, coxoartrose, hérnia de disco,
escoliose estrutural acima de 30 graus5,14.
É importante destacar que todo paciente deve ser submetido à ava-
liação médica e fisioterapêutica antes de iniciar o tratamento de
equoterapia.

205
Equoterapia na paralisia cerebral Capítulo 11

5. A EQUIPE DE EQUOTERAPIA

Equoterapia é um termo amplo, referindo-se às várias áreas que


empregam o cavalo por equipes multidisciplinares, com objetivos terapêuticos
variados.
A equipe de equoterapia pode ser composta por médicos, fisiotera-
peutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos,
educadores físicos e instrutores de equitação. A atuação destes profissionais
varia conforme o perfil clínico.

6. ÁREAS DA EQUOTERAPIA

O desenvolvimento da equitação não é o objetivo principal na


equoterapia, mas sim atingir um processo terapêutico que englobe o traba-
lho entre cavalo e paciente na sua totalidade, e visa uma estabilidade sobre
os planos: sensorial e motor, relacional, afetivo e psíquico.

6.1 Hippoterapia
Hippoterapia significa o tratamento com a ajuda de um cavalo, sen-
do a origem da palavra grega hippos que significa cavalo. A Associação
Americana de Hippoterapia (AHA) define hippoterapia como um termo que
refere-se ao uso do movimento do cavalo como uma estratégia por fisiote-
rapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para tratar deficiên-
cias e limitações funcionais em pacientes com disfunção
neuromusculoesquelética. O movimento do cavalo é a estratégia que o
terapeuta utiliza para melhorar a função de um paciente com alteração
neuromotora15.

6.2 Educação / Reeducação


O cavalo continua propiciando benefícios pelo seu movimento
tridimensional e o paciente passa a interagir mais ativamente com o ani-
mal, sendo que nesta fase o cavalo atua como instrumento pedagógico.
Não se consideram apenas as numerosas estimulações e funções
motoras que o andar a cavalo solicita, mas também o componente relacional
que se estabelece entre a pessoa e o animal e que enriquece este tipo de
terapia, tornando-o um agente facilitador para uma intervenção
psicoterapêutica.

6.3 Pré-esportivo
Os pacientes que são bem sucedidos nas demais áreas da equoterapia
muitas vezes progridem para a equitação terapêutica. Nesta área, são mais
independentes e iniciam a equitação, o que propicia a exploração de áreas
desconhecidas com grande sensação de aventura, liberdade e autonomia.
Condução de rédeas e trabalho na sela com estribos são estratégias tera-
pêuticas utilizadas. A ação do profissional de equitação é mais intensa,
necessitando, contudo, da orientação dos profissionais das áreas de saúde
e educação.

206
Capítulo 11 Equoterapia na paralisia cerebral

6.4 Prática Esportiva Paraequestre


Este programa tem como finalidade preparar a pessoa com deficiên-
cia para competições paraequestres com o objetivo de se obter prazer pelo
esporte, estimulando efeitos terapêuticos, melhoria da auto-estima, da au-
toconfiança e da qualidade de vida, inserção social e preparando atletas de
alta performance.
Este programa abre caminho para competições paraequestres como
hipismo adaptado, paraolimpíadas e volteio equestre adaptado.

7. A EQUOTERAPIA APLICADA À PARALISIA CEREBRAL

A equoterapia vem sendo aplicada há mais de 25 anos no tratamento


de crianças com Paralisia Cerebral16,17. Estudos relataram benefícios incluin-
do a melhora da função motora grossa18,19, gasto energético na marcha18,20,
e coordenação postural e do tronco21,22.
Na fase inicial de desenvolvimento infantil o cavalo pode ser um
terapeuta insubstituível. Enquanto a criança está posicionada sobre o
dorso do cavalo o movimento deste mobiliza o tronco da criança forne-
cendo uma sensação agradável de movimento. Essa mobilização desper-
ta a aprendizagem sensório-motora e a curiosidade de movimento na
criança.
A mobilização rítmica de uma criança ou de um adulto desempenhada
pelo cavalo em padrões de movimento em harmonia não pode ser duplicada
por nenhuma outra modalidade de terapia. Por meio de diagonais e sutis
estímulos de movimento de rotação, o cavalo move-se continuamente em
seqüência rítmica e simétrica.
Os efeitos positivos que a equoterapia tem sobre a respiração podem
ser explorados pelo fonoaudiólogo. Funções motoras da boca são ativadas,
além disso, a criança é motivada a estabelecer comunicação e contato com o
cavalo. Estar ao ar livre oferece estímulos olfativos e entradas visuais varia-
das e diferenciadas de ambientes convencionais.

7.1 Mecanismos Neurofisiológicos


Durante a sessão de equoterapia o paciente deve ser devidamen-
te posicionado de maneira a inibir posturas e padrões patológicos, man-
tendo o alinhamento postural adequado para montaria e aproximando o
Centro de Gravidade do paciente ao do cavalo, permitindo assim a me-
lhor transferência dos movimentos gerados pelo passo do animal à pelve
do paciente. Trabalham-se os ajustes do tronco e o equilíbrio, solicitando
respostas de endireitamento do tronco, semelhantes à situação da mar-
cha humana. Ainda pela postura da montaria, ocorre a melhora do tônus
muscular por ser esta uma postura inibitória, mantendo ainda a muscu-
latura em alongamento, mobilização passiva e estimulação vestibular
lenta 8.
O uso de técnicas manuais pressupõe o conhecimento das potenciali-
dades de desenvolvimento neurofisiológico e do modo como estas podem
ser influenciadas. Os conceitos neurofuncionais devem ser integrados no
tratamento. Conseguir a melhor posição inibitória reflexa possível sobre o
cavalo permite o início do treinamento muscular e do padrão de movimento
impresso no paciente8.

207
Equoterapia na paralisia cerebral Capítulo 11

Figura 1: A influência do posicionamento pélvico na postura


Fonte: Strauss, 1995

Figura 2: Posicionamento do quadril em flexão, abdução e rotação externa


durante a montaria. Fonte: Strauss, 1995

Podem-se estimular variações de ativação muscular quando realiza-


das mudanças posturais, ou alternando o cavalo parado, ao passo e poste-
riormente ao trote, utilizando componentes de aceleração e desaceleração
para aquisição de equilíbrio23.
Os benefícios desta terapia se estabelecem pela simultaneidade das
informações sensoriais advindas do cavalo, do ambiente e da interação com
o terapeuta e os exercícios propostos, atuando diretamente no processo de
formação de esquemas corporais e na integração sensorial.
A meta principal da Equoterapia é a estabilidade postural automática
em alinhamento com o centro da gravidade. Através de constantes desequi-
líbrios causados pela marcha, o cavalo desencadeia no paciente diversas
reações de endireitamento postural para a manutenção da postura sentada.
Os ajustes tônicos posturais, somados à estimulação vestibular, facilitam a

208
Capítulo 11 Equoterapia na paralisia cerebral

percepção de simetria corporal, o fortalecimento muscular, alongamento e


alinhamento corporal10,24.

7.2 Posicionamento do paciente


O termo postura refere-se ao alinhamento biomecânico do corpo e a
orientação do corpo em relação ao ambiente. O controle postural requer
percepção (integração das informações sensoriais com o objetivo de analisar
a posição e o movimento do corpo no espaço) e ação (capacidade para pro-
duzir forças capazes de controlar os sistemas de posicionamento do corpo),
para que isso ocorra é necessária uma integração entre os sistemas
musculoesquelético e neural25.
O paciente posicionado corretamente sobre o cavalo recebe a ação do
movimento tridimensional de uma maneira mais apropriada, influenciando
significativamente a estabilidade da cabeça e tronco 26,27.

7.3 Adaptações para equoterapia


Nos pacientes com atraso motor ou déficits de equilíbrio que não sen-
tam de forma independente, o terapeuta deve montar junto com o paciente,
facilitando o posicionamento deste e o controle cervical. A todo momento o
cavalo é guiado por um condutor, que é uma pessoa treinada para manter o
cavalo na velocidade desejada, com segurança e no ritmo desejado pelo
terapeuta.
Rampa e plataforma são utilizadas para a montaria, principalmente
para cadeirantes, pacientes grandes e para facilitar o contato inicial com o
cavalo. O ambiente adequado deve ser composto por piso de areia, terra ou
grama e não ter interferências de fatores que possam assustar o cavalo,
como barulhos e movimento de carros28.
Pacientes com diminuição de sensibilidade na pelve ou nos membros
inferiores não devem montar em sela, mas sim em uma manta bem macia e
espessa para acolchoar bem o dorso do cavalo. Os pacientes com deficiên-
cias físicas variadas deverão ter adaptações específicas para cada quadro
clínico, como rédeas e selas com alças e estribos fechados.

Figuras 3 e 4: Paciente com Paralisia Cerebral do tipo coreoatetóide, mon-


tando com auxílio do terapeuta e rampa. Na sela, utiliza adaptação de rédeas
com alças e estribo fechado

209
Equoterapia na paralisia cerebral Capítulo 11

7.4 Vantagens da equoterapia – uma terapia motivadora


Em uma sessão de equoterapia o terapeuta utiliza o cavalo e seu
movimento, assim como a exploração do ambiente que propõe desafio psi-
cossocial de múltiplos sistemas do corpo em que o paciente realiza ativida-
des específicas com objetivos terapêuticos determinados a serem importan-
tes durante as avaliações pré-intervenção.
Para que ocorra aprendizagem é necessário que haja interação entre
o indivíduo e seu ambiente, sendo que a qualidade dessa interação vai afetar
diretamente a qualidade da aprendizagem. A equoterapia auxilia o paciente
a se organizar em relação ao seu espaço, a desenvolver a seqüencialidade
de seus atos até montar e comandar o cavalo, aprimorar percepções senso-
riais, desenvolver o equilíbrio, a postura, a lateralidade, a motricidade, o
esquema e conscientização corporal e o enriquecimento de seu vocabulário.
A visão de cima do cavalo proporciona ao paciente outra forma de ver
o mundo. Muitas vezes acostumados com uma visão inferiorizada, um
cadeirante passa a ter um novo prisma quando se senta sobre o cavalo. A
cavalo, diferentemente da cadeira de rodas, deficientes físicos e mentais
desfrutam de uma percepção diferenciada e privilegiada do mundo14.
Em outras palavras, as respostas adaptativas do paciente para o am-
biente e os movimentos do cavalo, eventualmente, resultam em melhorias
na função29.

Pacientes em contato com o cavalo, tendo neste um facilitador e motivador


da terapia. Exercícios de mudanças posturais enriquecem e estimulam diver-
sos sistemas, além de serem um grande desafio e uma grande diversão para
as crianças.

210
Capítulo 11 Equoterapia na paralisia cerebral

Opções de tratamento que englobam abordagens e estratégias de


exercícios na equoterapia são: alterar o ritmo do cavalo e direção do passo;
variar as posições sobre o cavalo para enfatizar áreas de pressão e contato;
facilitar as respostas posturais, tais como supino, prono, e a posição
quadrúpede, trocas posturais sobre o cavalo em movimento; fechar os olhos;
alcance para facilitar a rotação do tronco, cruzar a linha média, e alcances
bilaterais a fim de estimular integração e simetria.

8. CONCLUSÃO

A Equoterapia oferece ao terapeuta uma oportunidade única. Os inputs


que o movimento do cavalo proporciona ao paciente são naturais, rítmicos e
ricos em estímulos sensoriais. O terapeuta pode usar o cavalo de muitas
maneiras para criar uma experiência neuromotora desigual a qualquer outra
terapia30.
A equoterapia tem como uma de suas principais metas permitir àquele
que está a cavalo viver em melhores condições neuromotoras, descobrir o
prazer do movimento, relacionar-se com o outro, descobrir autonomia e
independência cada vez maiores, compatíveis com sua deficiência31.
Equoterapia não é apenas uma cavalgada por uma questão de
divertimento, mas um poderoso instrumento de tratamento. Em contraste
com uma configuração de terapia tradicional, a equoterapia oferece uma
oportunidade única para sentar-se sobre uma superfície dinâmica, num
ambiente ao ar livre e divertido, que reforça o interesse do paciente na
terapia e melhora seu estado funcional.
A interação com animais como o cavalo acrescenta fatores psicológicos,
sociais e motivacionais para pessoas com deficiência. Os animais têm um
efeito positivo sobre os indivíduos, oferecendo uma relação de amor
incondicional, aceitação e confiança, sem críticas. Indivíduos respondem a
essa interação com um maior senso de auto-estima, responsabilidade e
autoconfiança. Eles estão motivados e muitas vezes mal podem esperar até
a próxima sessão.
Se os pacientes pudessem escolher entre uma clínica com espaço
limitado ou um espaço aberto ao ar livre com ar fresco, eles provavelmente
escolheriam o exterior. O cenário natural ao ar livre apresenta uma atmosfera
mais relaxante e agradável. A Equoterapia oferece tudo isso.

Pacientes em contato com o cavalo, após sessão de Equoterapia. Os benefícios


emocionais e o carinho com o animal são importantes facilitadores dos
exercícios à cavalo.

211
Equoterapia na paralisia cerebral Capítulo 11

REFERÊNCIAS

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212
Capítulo 11 Equoterapia na paralisia cerebral

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213
CAPÍTULO 12

ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA NEUROMUSCULAR (NMES) E


ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA FUNCIONAL (FES)

Fabio Navarro Cyrillo, Thais Amanda Rodrigues,


Cristiano Schiavinato Baldan, Alessandra Maria Schiavinato,
Alexandre Cavallieri Gomes

Uma das finalidades das correntes elétricas terapêuticas é a estimula-


ção elétrica de músculos.
Esta estimulação pode ser necessária para diversos propósitos, tais
como fortalecimento muscular, recuperação do controle motor após cirur-
gias, treinamento de funções comprometidas e até auxílio para a produção
de funções perdidas por um indivíduo.
Devido ao grande número de possibilidades de utilização das corren-
tes elétricas para estimulação do tecido muscular, existe uma divisão em
dois grandes grupos dos tipos de estimulação que se deseja produzir nos
pacientes.
Esta divisão é composta por estimulação elétrica neuromuscular
(neuromuscular electrical stimulation), comumente referida pela sigla NMES,
e pela estimulação elétrica funcional (functional electrical stimulation), refe-
rida pela sigla FES.
Estes dois tipos de estimulação devem ser utilizados em músculos
que apresentem sua inervação periférica íntegra, já que as correntes elétri-
cas utilizadas para estas formas de estimulação apresentam pulsos elétricos
com valores de duração de pulso (T) em microssegundos (ìs), incapazes de
estimularem músculos desnervados.
A utilização destes tipos de correntes acontece por meio do fluxo de
íons induzido pelas correntes elétricas que produz a despolarização dos
motoneurônios inferiores e, consequente despolarização do sarcolema da
fibra muscular, resultando em uma contração induzida eletricamente seme-

215
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

lhante à contração voluntária. A principal diferença é que a contração induzida


eletricamente produz um recrutamento simultâneo de muitas unidades mo-
toras, causando fadiga com maior rapidez.
A estimulação elétrica neuromuscular (NMES) é utilizada para progra-
mas de fortalecimento ou de recuperação do controle motor. Desta forma, é
comum observarmos estes programas sendo executados no tratamento de pa-
cientes portadores de patologias que acometem o sistema nervoso central, que
perderam alguma capacidade funcional (paralisia cerebral, acidente vascular
encefálico, traumatismos raquimedulares) e em períodos pós-operatórios de
reconstruções do ligamento cruzado anterior, capsuloplastias da articulação
glenoumeral ou outras cirurgias que produzam um déficit de controle motor.
Outras utilizações, e os exemplos mais comuns para este tipo de es-
timulação são: (a) no auxílio a programas de treinamento de força, onde
seja necessário o estímulo mais intenso do tecido muscular, utilizando pe-
sos; (b) uma solicitação maior de um ventre muscular ou uma solicitação
mais específica para reeducação funcional, como exercícios em cadeia cinética
fechada para correção de disfunções fêmuro-patelares, com maior solicita-
ção do músculo vasto medial e dos músculos adutores do quadril.
Os programas de FES são utilizados para aqueles pacientes que
perderam alguma capacidade funcional. Isso é comum em portadores de
paralisia cerebral, acidentes vasculares encefálicos (AVE) ou traumas
raquimedulares (TRM), onde alguns déficits serão permanentes.
Portanto, a diferença fundamental entre os programas de NMES e FES é
o objetivo no tratamento, ou seja, as capacidades dos indivíduos em tratamen-
to determinam um programa de FES ou de NMES. Para indivíduos que têm o
controle da função, mesmo que deficitário, utiliza-se programas de NMES e,
para indivíduos que perderam o controle funcional, programas de FES.

FES NO CONTROLE DA POSTURA DO TRONCO DE PORTADORES DE


PARALISIA CEREBRAL

Crianças portadoras de Paralisia Cerebral (PC) do tipo espástica, geral-


mente apresentam alterações no tronco. Essas alterações influenciam nas di-
versas atividades da vida diária e na qualidade e funcionalidade das posturas.
Uma das funções de grande importância do tronco é proporcionar
estabilidade e mobilidade para a função dos membros superiores, locomoção
e outras atividades1. Alguns autores relatam a importância da aquisição pre-
coce do controle de tronco na postura sentada, pois este controle está dire-
tamente relacionado com o prognóstico de marcha. Ou seja, quanto mais
cedo a criança adquirir controle de tronco sentada, maior a chance de
deambulação e autonomia durante a mesma 2,3.
Além disso, a criança necessita de um bom controle de tronco e equi-
líbrio enquanto sentada, para que possa desempenhar função com seus
membros superiores e, consequentemente, explorar o meio. Caso contrário,
estará privada de interagir com o ambiente, o que pode dificultar ainda mais
seu desenvolvimento4,5.
A criança diparética espástica, por exemplo, adota a postura sentada
tardiamente. Encontra-se na literatura que, frequentemente a adotam com a
base de sustentação alargada, em “W” e/ou “no sacro”4-6. Quando sentadas
em uma cadeira, inclinam-se para frente, apoiando-se com os braços, a fim

216
Capítulo 12 Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES)

de manter o equilíbrio e compensar a força muscular insuficiente dos múscu-


los abdominais, que desta maneira, têm sua ação eliminada6. Além disso,
pôde-se observar, através de estudos realizados, que essas crianças tam-
bém apresentam déficits nos ajustes posturais7. A persistência em posturas
inadequadas pode desencadear deformidades fixas, as quais, por sua vez,
podem interferir em outras posturas8.
Sabe-se que as lesões neurológicas afetam a capacidade do músculo
em gerar força. No caso da criança com PC, o excesso de atividade dos
músculos espásticos tende a inibir os músculos antagonistas, podendo resul-
tar em fraqueza dos dois grupos musculares9. A criança com diparesia
espástica apresenta espasticidade adutora, o que por sua vez, pode resultar
em fraqueza muscular tanto dos adutores, quanto dos abdutores do quadril.
O músculo glúteo médio, além de um potente abdutor do quadril, é um
importante estabilizador da pelve, que auxilia na manutenção da postura1,10.
Os principais músculos envolvidos no equilíbrio corporal em sedestação
são os abdominais, os paravertebrais e a musculatura responsável pela
motricidade da articulação coxofemoral que, ao perderem a sinergia, levam
à instabilidades na postura sentada11.
Assim, se faz necessária uma atenção especial ao tronco e pelve dos
indivíduos com PC diparética espástica, buscando proporcionar aos mesmos,
uma melhor postura e com isso, uma interação e exploração do meio.
A Fisioterapia utiliza-se das correntes elétricas com vários objetivos,
dos quais podem ser citados o controle da espasticidade e o ganho de força
muscular. Considerando-se que estas disfunções são muito frequentes em
pacientes portadores de PC, muitos estudos foram realizados com o intuito
de avaliar a efetividade das correntes elétricas na melhora destes sinais
clínicos12-16.
Os efeitos da estimulação elétrica sobre a musculatura do tronco
foram documentados inicialmente por Kahanovitz (1987)15. Este estudo
mostrou que a estimulação elétrica de baixa frequência aumentou signifi-
cativamente a força isocinética e a resistência do grupo muscular estuda-
do. Steinbok et al, (2007) 14 utilizaram a estimulação elétrica terapêutica
sobre os músculos do abdômen, assim como nos membros inferiores de
pacientes com PC que haviam sido submetidos à rizotomia posterior sele-
tiva. Eles utilizaram a estimulação elétrica a uma intensidade muito baixa,
que não causou contração muscular. O estudo revelou uma grande melho-
ra na média do escore da escala Gross Motor Function Measure (GMFM) no
grupo da eletroestimulação, sem diferença significativa na força dos mús-
culos dos membros inferiores ou no controle da postura sentada entre os
grupos estudo e controle.
Park et al, (2001)13, com o objetivo de avaliar os efeitos da estimula-
ção elétrica sobre o tronco em sedestação de crianças portadoras de PC do
tipo diparética espástica, selecionaram crianças com idade entre 8 e 16 me-
ses. A estimulação elétrica foi realizada na musculatura do abdômen e pos-
teriores do tronco. Foram mensurados os ângulos Cifótico, de Cobb e
Lombossacro antes e após o tratamento, além da utilização da escala GMFM.
Os autores concluíram que a estimulação elétrica trás benefícios para a me-
lhora do controle de tronco na postura sentada de crianças com PC do tipo
diparética espástica13.
Schiavinato e Baldan17 (in press) estudaram o efeito da estimulação
elétrica na melhora do controle do tronco em sedestação, após estimularem

217
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

músculos do tronco e glúteo médio de portadores de paralisia cerebral. O


escore do protocolo de avaliação Sitting Assessment for Children with
Neuromotor Dysfunction (SACND) após o tratamento foi diminuído em am-
bos os grupos, o que equivale à melhora do controle de tronco na postura
sentada, com uma leve acentuação do grupo estudo nos domínios I e IV,
“Tônus Postural” e “Equilíbrio”, respectivamente.
Park et al, (2001)13 e Kahanovitz, (1987)15 sugerem que a estimula-
ção elétrica da musculatura do tronco, trás resultados satisfatórios para a
melhora da postura sentada.
Schiavinato e Baldan17 (in press) concordam com a afirmação acima e
em seu ensaio acrescentaram a estimulação elétrica do músculo glúteo mé-
dio às crianças do grupo estudo, e, visto que essas apresentaram um resul-
tado superior às do grupo controle, pode sugerir uma redução da assimetria
do tronco, devido à um melhor posicionamento da pelve. Cabe ressaltar, que
a posição da pelve interfere na postura e equilíbrio enquanto sentado. Le-
vando-se em consideração que grande parte das crianças estudadas apre-
sentam um mau desenvolvimento da musculatura responsável pelo controle
de tronco e pelve, além de espasticidade adutora dos quadris, tal fato, pode
estar relacionado tanto com o ganho de força muscular do músculo glúteo
médio, quanto com redução da espasticidade adutora dos quadris, pela esti-
mulação do seu antagonista.

Exemplo de aplicação da estimulação elétrica funcional na musculatu-


ra do tronco:

UTILIZAÇÃO DA FES NA MARCHA DE PORTADORES DE PC

O treinamento da marcha em pessoas com seqüelas de paralisia cere-


bral pressupõe o controle da espasticidade, como abordado no tópico 3 des-
te capítulo. Existem diversas técnicas e possibilidades para a redução da
espasticidade, devendo sempre haver consciência para a compreensão de
que nem todos os pacientes poderão se beneficiar destes tratamentos.
A utilização das correntes elétricas com parâmetros capazes de esti-
mular os músculos envolvidos na marcha é observada na fisioterapia neuro-
lógica adulta e pediátrica, sendo possível estimular um músculo isolado ou
grupos musculares de forma simultânea ou alternada, conforme discutido no
tópico 1 deste capítulo. As indicações mais comuns são para pessoas com
seqüelas de acidentes vasculares cerebrais, lesões medulares, traumatismos
crânio encefálicos e paralisia cerebral.

218
Capítulo 12 Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES)

Na paralisia cerebral será possível utilizar este recurso para a estimu-


lação de músculos que possam contribuir para o ortostatismo durante a marcha
e para a movimentação de articulações de acordo com a fase da marcha
desejada. Deve-se ressaltar que a gravidade da espasticidade e as altera-
ções posturais associadas podem ser um obstáculo para a utilização da FES
nestes casos, sendo algumas vezes impossível utilizar este recurso em al-
guns pacientes. Quando houver a possibilidade de controle de tronco e a
espasticidade não produzir uma postura em adução dos membros inferiores,
é possível que a FES possa contribuir de alguma forma para o controle dos
grupos musculares ou músculos isolados envolvidos na marcha.
Os equipamentos capazes de produzir os parâmetros de estimulação
de músculos podem ser utilizados para a produção de FES, sendo necessário
que a organização do espaço e do tratamento não impeçam uma sequência
natural da marcha. Deve-se atentar para os cabos elétricos, fixação dos ele-
trodos, obstáculos e para o controle do comprimentos dos passos e da dura-
ção da fase de balanço da marcha. Qualquer um destes fatores que não rece-
berem a atenção adequada do fisioterapeuta poderá causar interrupções ou
mesmo incidentes durante o treinamento da marcha utilizando-se a FES.
Os eletrodos produzidos para a estimulação da dorsiflexão permitem
um controle mais fácil e rápido sobre muitos dos fatores citados anterior-
mente: os cabos que conectam o aparelho aos eletrodos são curtos, perma-
necem próximos ao corpo e além disso, o aparelho é portátil, não necessi-
tando de uma conexão à rede de energia elétrica. Possuem, ainda, uma
palmilha onde existe um sensor de carga que bloqueia a passagem da cor-
rente elétrica quando pressionado pelo peso do paciente ou permite a passa-
gem da corrente elétrica quando o peso é retirado do sensor. Esta é a relação
mais adequada para a estimulação do músculo tibial anterior durante a mar-
cha já que este músculo deve ser estimulado quando o peso é transferido
para o apoio do pé contralateral e há a necessidade de uma dorsiflexão
imediata no tornozelo que estará na fase de balanço. Muitos equipamentos
têm sido produzidos com elevada tecnologia, sendo constituídos por unida-
des de estimulação muito pequenas, leves, com baterias de longa duração e
utilizando sensores ao redor de nervos, eletrodos implantados e a possibili-
dade de controle manual ou automático para a realização da marcha. As
pessoas com hemiplegia são as maiores beneficiadas destes sistemas, exis-
tindo também a possibilidade de equipamentos com a mesma complexidade
para a marcha de paraplégicos e tetraplégicos.
Esse controle também é possível com os disparadores manuais que
acompanham os estimuladores convencionais, devendo o fisioterapeuta con-
trolar o disparo e a interrupção da estimulação.
Os parâmetros de estimulação merecem a mesma atenção tanto para
aparelhos convencionais quanto para os portáteis. Gorgey e Dudley, (2008)18
realizaram um estudo em que submeteram indivíduos saudáveis a dois dife-
rentes protocolos de estimulação do músculo quadríceps, sendo um grupo
estimulado com duração de pulso de 450 μs, 100 Hz, TON e TOFF de 3 s durante
5 min. No outro grupo foi utilizado 250 μs, 60 Hz, TON de 10 s e TOFF de 20 s.
A avaliação do torque demonstrou que o primeiro grupo foi capaz de produ-
zir um torque 22% maior, e o segundo protocolo sequer permitiu que o
torque fosse mantido pelo tempo total de estimulação. A conclusão apresen-
tada pelos autores destaca que a duração de pulso maior foi mais relevante
para a produção de um torque maior do que o tempo de estimulação, mesmo

219
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

que no primeiro grupo tenha sido utilizada uma frequência mais alta da cor-
rente elétrica. Estes dados auxiliam na tomada de decisão para a estimula-
ção da marcha em pacientes com sequelas da PC porque devemos produzir
contrações muito eficientes neste tipo de paciente, para a produção de uma
resposta motora rápida e com qualidade elevada, evitando-se assim a ne-
cessidade de manutenção de posturas de compensação de desequilíbrios ou
com dependência exagerada de dispositivos auxiliares da marcha.
Nos casos em que a sequela observada no paciente gera uma fraque-
za do músculo quadríceps, não permitindo a manutenção adequada da pos-
tura para a marcha, a utilização da FES pode ser bastante útil e de fácil
utilização.
Em um estudo de caso, Daichman et al, (2003)19 avaliaram os efeitos de
um programa de estimulação elétrica no quadríceps de uma criança com PC e
observaram uma melhora na capacidade de realizar tarefas como subir esca-
das, aumento no torque extensor do joelho e redução da espasticidade nos
flexores de joelho. No membro contralateral não houve nenhuma alteração no
torque extensor e houve um aumento na espasticidade flexora. Os autores
consideraram que o programa deveria ser recomendado para mais crianças
com este quadro, já que é um programa para utilização doméstica do recurso.
Para este grupo muscular, o posicionamento de eletrodos mais utiliza-
do na nossa prática clínica é a colocação de um dos eletrodos sobre o ponto
motor do músculo reto da coxa e outro no ponto motor do músculo vasto
medial. Caso a necessidade principal do paciente seja a manutenção da ex-
tensão do joelho, deve-se utilizar uma amplitude suficiente para a manuten-
ção desta postura, com estimulação contínua durante todo o treinamento da
marcha ou da manutenção da postura ortostática. Deve-se ressaltar, como
apontado por Ferreira et al, (2008)20 que não há consenso na literatura sobre
o posicionamento dos eletrodos no músculo quadríceps.
Al-Abdulwahab e Al-Khatrawi, (2009)21 realizaram um estudo para
avaliar a influência da estimulação elétrica nos abdutores de quadril de crianças
com PC e, a influência desta estimulação no tônus dos músculos adutores e
na qualidade da marcha, avaliada por um sistema tridimensional de análise
de movimento. Foram constituídos três diferentes grupos, sendo um consti-
tuído por 21 crianças com quadro de diplegia com marcha, que receberam
estimulação no músculo glúteo médio, outro grupo com 10 crianças diplégicas
com marcha sem estimulação elétrica e um último grupo com 21 crianças
sem nenhuma alteração neurológica. O grupo submetido à estimulação elé-
trica participou de três diferentes protocolos, sendo o primeiro constituído
por uma estimulação muscular do glúteo médio, bilateralmente, e a interfe-
rência desta estimulação na marcha, sem nenhum treino ou adaptação. O
segundo protocolo teve o objetivo de verificar o efeito da estimulação no
músculo glúteo médio durante e após um treinamento de 15 minutos, três
vezes ao dia, durante uma semana. O terceiro protocolo foi igual ao primeiro
para que fossem identificadas possíveis alterações na marcha após a adap-
tação. Apesar da complexidade dos protocolos e das análises os autores
utilizaram um estimulador convencional de 2 canais, com 20 Hz de frequên-
cia, 50 microseg. de duração de pulso e amplitude no limiar de tolerância,
dentro da faixa de estimulação motora. Os resultados apontaram que este
treinamento melhorou a qualidade da marcha, o ritmo e duração dos ciclos,
bem como uma menor influência dos músculos adutores na marcha. Deve-se
destacar que este grupo muscular estimulado e analisado neste estudo não

220
Capítulo 12 Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES)

era alvo das pesquisas envolvendo pacientes com sequelas de PC e estimu-


lação elétrica.
O fisioterapeuta não deve desconsiderar a necessidade de um posi-
cionamento de eletrodos adequado para que a estimulação possa produzir
os efeitos esperados. O ponto motor deve ser o alvo de um dos eletrodos
enquanto o outro eletrodo deve ser posicionado no ventre muscular, sem
contato com o tendão do músculo glúteo médio.
Um estudo que enfocou os músculos gastrocnêmio e sóleo foi conduzi-
do por Ho et al, (2006)22 e estes avaliaram os efeitos da estimulação elétrica
na macha de 13 crianças com PC e seis crianças sem alterações neurológicas.
A análise apontou que houve alteração na capacidade de produção de impulso
para a fase de balanço da marcha com a utilização da estimulação elétrica
desses músculos, não havendo alteração no padrão postural e nem na rigidez
observada neste grupo muscular. Assim, há indícios de que, se a marcha se
apresentar alterada por um déficit da produção de força nos músculos flexores
plantares, a estimulação elétrica é uma opção para o tratamento.
A dorsiflexão é uma função frequentemente debilitada nas sequelas
de paralisia cerebral e pode ser estimulada através da utilização de correntes
elétricas. Um estudo conduzido por Nunes et al, (2008)23 em que dez pacien-
tes foram submetidos a um protocolo de 30 min de estimulação elétrica,
uma ou duas vezes por semana, de acordo com a frequencia de atendimen-
tos na fisioterapia. A estimulação elétrica foi aplicada durante sete semanas
com 50 Hz de frequência, 250 μs de duração de pulso, TON de 5 s e TOFF de 10
s e amplitude no nível motor tolerável. Foram avaliados a postura bípede,
marcha, salto e corrida antes do início da estimulação, ao término do proto-
colo de estimulação e oito semanas após o final da estimulação elétrica.
Houve aumentos significativos na força muscular, nas funções motoras gros-
seiras e na amplitude de movimento passiva da dorsiflexão de tornozelo em
ambos os grupos, assim como na dorsiflexão ativa no primeiro grupo. Ne-
nhuma diferença significativa foi encontrada entre os grupos. Os autores
observaram que as melhoras obtidas na amplitude de movimento, força
muscular e funções motoras grosseiras demonstram que o uso da estimula-
ção elétrica foi eficaz nos dois grupos, não tendo sido encontradas diferen-
ças significativas entre os mesmos.
Segundo nossa experiência clínica, os eletrodos devem ser muito
bem posicionados para que esta estimulação seja adequada e a resposta
produzida seja compatível com um padrão de marcha fisiológica e
biomecanicamente adequado. Um dos eletrodos deve ser posicionado so-
bre o ponto motor do músculo tibial anterior, com o cuidado de não atingir
o músculo gastrocnêmio. Desta forma, deve-se aproximar o eletrodo o má-
ximo possível da tíbia, evitando-se assim uma reposta em flexão plantar,
muito comum em pessoas com espasticidade extensora nos membros infe-
riores. O outro eletrodo deve ser posicionado imediatamente abaixo da
cabeça da fíbula, sendo este o local mais superficial do trajeto do nervo
fibular comum. Da mesma forma que o outro eletrodo, deve existir muito
cuidado para que este eletrodo não esteja posicionado sobre parte do ven-
tre do músculo gastrocnêmio.
Ainda que muitos benefícios possam ser produzidos pela utilização da
estimulação elétrica, seja estimulando a funcionalidade ou aumentando a for-
ça muscular, alguns autores não observaram em seus estudos benefícios que
justifiquem a utilização deste recurso, de acordo com os seus protocolos.

221
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

Postans e Granat, (2005)24 com a utilização de sistemas de análise


tridimensional da marcha para a verificação das intervenções da estimulação
elétrica funcional na marcha de oito crianças com paralisia cerebral dispástica
ou hemiplégica. Todas as crianças apresentavam espasticidade e deambulavam.
Ao término do estudo os autores concluíram que a estimulação proposta por
eles não foi capaz de alterar o padrão da marcha significativamente.
Uma revisão realizada por Seifart et al, (2009)25 também apresenta resul-
tados que devem ser considerados pelos fisioterapeutas. A conclusão dos autores
é clara e objetiva: há a necessidade de maior rigor no delineamento de estudos
que objetivem estudar a ação das correntes elétricas na marcha de pessoas com
sequelas de paralisia cerebral. A descrição adequada da forma de utilização com
os parâmetros, posicionamento de eletrodos, formas de avaliação da marcha,
comprometimento motor dos indivíduos incluídos, entre outros, deve ser feita de
forma detalhada e cuidadosa para que outros estudos possam ser feitos reprodu-
zindo as mesmas condições, além de permitirem a aplicação clínica.
Deve-se sempre levar em consideração os comprometimentos moto-
res de cada indivíduo a ser submetido à estimulação elétrica, seja funcional ou
para ganho de força. Não se deve acreditar que uma única forma de estimula-
ção pode produzir os mesmos efeitos em diferentes indivíduos, mesmo que as
características aparentes das alterações motoras sejam semelhantes. O fisio-
terapeuta deve utilizar muito tempo de sua primeira terapia com estes recur-
sos para identificar o posicionamento mais correto para os eletrodos, buscan-
do o ponto motor com muita atenção, além de utilizar eletrodos com tamanho
adequado para cada músculo a ser estimulado. A mesma atenção deve ser
dedicada à determinação dos parâmetros de estimulação, já que frequências
maiores podem causar fadiga precoce, assim como tempos de duração de
pulso próximos a 300 microssegundos podem evocar respostas intensas e
eficientes para o treinamento da marcha ou de grupos musculares isolados.
Além disso, as alterações de sensibilidade também devem ser consi-
deradas antes da utilização deste recurso já que a estimulação elétrica pode
causar desconfortos severos em regiões que tenham hiperestesia, fazendo
com que o indivíduo não aceite nenhuma outra forma de aplicações de cor-
rentes elétricas posteriormente.
Em nossa prática clínica observamos que alguns pacientes apresen-
tam respostas excelentes à estimulação elétrica, sobretudo quando a esti-
mulação é utilizada no músculo quadríceps e no tibial anterior, conforme
descrito anteriormente.

Exemplo de aplicação da estimulação elétrica funcional nos treinos


funcionais:

Estimulação dos dorsiflexores do tornozelo e glúteo

222
Capítulo 12 Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES)

Subida de degrau

Estimulação dos Extensores de Punho

ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA NEUROMUSCULAR (NMES) PARA O


TRATAMENTO DA ESPASTICIDADE EM CRIANÇAS PORTADORAS DE PC

A espasticidade é um dos sinais clínicos mais comuns encontrados em


portadores de PC26,27. Resulta de alterações do controle neural sobre a fun-
ção motora dos músculos, que passam a apresentar aumento velocidade-
dependente do tônus28,29. Esta alteração do tônus promove grande dificulda-
de à realização de atividades diárias. Torna-se muito difícil alimentar-se,
locomover-se, vestir-se e banhar-se. Além disso, a manutenção de posicio-
namentos inadequados das articulações gera deformidades permanentes,
além de submeter o paciente a um quadro álgico importante, na maioria das
vezes26,27.
Existe uma série de recursos terapêuticos que são empregados nes-
tes casos26-35. A fisioterapia adota técnicas específicas para o controle da
espasticidade, utilizando conceitos da neurofisiologia para a realização de

223
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

exercícios terapêuticos em solo36,37 e bola38, hidrocinesioterapia39 e treina-


mentos funcionais40,41. A crioterapia há tempos tem sido um dos recursos
utilizados no programa de reabilitação42.
A estimulação elétrica neuromuscular (NMES) tem sido utilizada em
inúmeras situações clínicas42-44. Servem-se de seus benefícios os portadores
de inúmeras condições patológicas do aparelho locomotor, como pacientes
que apresentem distúrbios posturais45,46, diminuição de força em decorrência
de traumas, imobilizações, processos degenerativos e recuperação pós-ci-
rúrgica47, alterações da marcha, portadores de deformidades e disfunções
neurológicas motoras48,49 .
Existem duas formas de abordagem para a utilização das correntes
elétricas com o objetivo de controlar a espasticidade.
A primeira delas refere-se à utilização dos conceitos de inibição recí-
proca. É sabido que ao se recrutar as fibras do músculo agonista, há inibição
do músculo antagonista. Este fato é o que permite que os movimentos pos-
sam ocorrer de forma adequada (harmônica). Sendo assim, muitos clínicos
têm utilizado a NMES como ferramenta responsável por disparar a contração
dos músculos antagonistas ao músculo espástico, a fim de que se possa,
pela inibição recíproca, minimizar o tônus do mesmo. Desta forma, trabalhos
funcionais com o uso de exercícios e órteses, pós-controle da espasticidade,
podem alcançar melhores objetivos.
Como citado anteriormente, as correntes elétricas utilizadas para este
fim, apresentam tempos de duração de pulso relativamente baixos, o que
promove uma oferta limitada de carga elétrica aos tecidos, incapaz de gerar
grandes complicações, mas suficiente para eliciar a contração muscular visí-
vel e, por que não dizer, quando requerido, funcional. Vale lembrar que a
carga elétrica oferecida aos tecidos é o produto da amplitude da corrente e
do tempo de duração. Alguns autores afirmam que a interação entre a cor-
rente elétrica e os tecidos é amplamente influenciada pelos parâmetros dos
pulsos elétricos e da própria corrente.

PARÂMETROS DA ESTIMULAÇÃO

Os estimuladores elétricos disponíveis no mercado apresentam dife-


rentes correntes elétricas que podem ser utilizadas para o controle da
espasticidade. Embora muitos fisioterapeutas acreditem que somente a cor-
rente FES deve ser usada para este tipo de abordagem, afirmamos que além
dela pode-se lançar mão de outras correntes como a Corrente Russa e a
Corrente Interferencial. Há algum tempo, a corrente Farádica também foi
usada com este objetivo, no entanto, por tratar-se de uma corrente polariza-
da e apresentar tempo de duração relativamente alto (em torno de 1 ms),
torna-se desconfortável e extremamente perigosa no que concernem os ris-
cos de lesão cutânea, já que é sabido que sob os eletrodos de correntes
polarizadas há alterações importantes do pH (que se torna ácido sob o ânodo
e básico sob o cátodo), do volume de líquidos e da concentração protéica no
interstíticio.
Sendo assim, cabe ressaltar que todo clínico deve observar se o
estimulador elétrico a ser utilizado apresenta controles dos parâmetros fun-
damentais à estimulação neuromuscular, como o tempo de disparo dos bursts
e seus intervalos (encontrados como TON/TOFF, ciclo On/ciclo Off), graduação

224
Capítulo 12 Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES)

da oferta de carga elétrica (encontrados como rampa de subida, rampa de


descida e tempo de sustentação), frequência de emissão dos pulsos (FES) e
dos bursts (corrente russa e interferencial), tempo de duração dos pulsos ou
bursts, tempo de estimulação durante uma terapia e, obviamente, o controle
da amplitude (erroneamente chamada de intensidade).
Cada um dos parâmetros citados acima é muito importante para o
sucesso da terapia. Abaixo, temos uma melhor abordagem sobre cada um
deles.

TON/TOFF OU CICLO ON/CICLO OFF

Considerando-se que a corrente elétrica está sendo usada com o ob-


jetivo de promover a contração muscular dos antagonistas do espástico a
fim de inibir a contração do mesmo, sempre que houver a emissão da cor-
rente elétrica, haverá também a contração do músculo que está sendo esti-
mulado. Desta forma, o parâmetro TON ou ciclo On definirá qual será o tempo
de contração do músculo, enquanto o TOFF ou ciclo Off definirá qual será o
tempo de repouso do mesmo. Pode-se entender que estes parâmetros defi-
nem o tempo de cada repetição da contração dentro de uma série do exercí-
cio proposto.
Nunes, Quevedo e Magdalon (2008) utilizaram a razão TON/TOFF de 5 s/
10 s para investigar os efeitos da NMES sobre o fortalecimento do m. tibial
anterior, a amplitude de movimento passiva do tornozelo e a função motora
grossa de crianças hemiparéticas espásticas e concluíram que o uso deste
recurso é um importante coadjuvante no tratamento fisioterapêutico destas
crianças.

RAMPAS DE SUBIDA E DESCIDA E TEMPO DE SUSTENTAÇÃO

A espasticidade é velocidade-dependente. Se o músculo espástico for


alongado brusca ou repentinamente, apresentará uma exacerbação do tônus,
piorando o quadro. Sendo assim, o clínico deve lembrar que ao promover
uma contração muscular eletricamente induzida num paciente espástico, o
aumento da carga elétrica oferecida ao mesmo deverá ser gradativo e lento,
para se evitar este tipo de resposta. A nossa experiência clínica sugere que
a rampa de subida deve ser da ordem de 4 a 5 s, no mínimo.

FREQUÊNCIA DE PULSOS OU DOS BURSTS

Há duas considerações importantíssimas a serem realizadas acerca


da frequência de emissão dos pulsos ou dos bursts.
Está bem definido pela literatura que correntes que apresentem fre-
quência inferiores à 20 Hz (aproximadamente) promoverão contrações mus-
culares clônicas, pois a taxa de repetição da emissão dos potenciais de ação
é insuficiente para manter um músculo contraído.
Em contrapartida, frequências muito altas, da ordem de 80-100 Hz ou
mais, ocasionam o surgimento precoce da fadiga.

225
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

Desta forma, fica indicado para estes casos que se utilize frequências
entre 20 e 60 Hz.
Há ainda autores que afirmam haver uma relação entre a frequência
utilizada e o tipo de fibra muscular a ser recrutada. Segundo estes autores,
dentro da “janela” de frequência útil (20-60 Hz), valores mais próximos aos
basais seriam mais específicos às fibras do tipo I, enquanto frequências mais
altas recrutariam mais fibras do tipo 2. Considerando esta afirmação, torna-
se viável conhecer a composição do músculo a ser tratado, para definir-se
qual seria a melhor frequência.

TEMPO DE DURAÇÃO DA TERAPIA

Muitos clínicos se perguntam qual seria o tempo adequado para a rea-


lização da NMES. Essa dúvida é pertinente, afinal é um dos parâmetros clíni-
cos a ser definido. No entanto, é importante que se considere que todo traba-
lho muscular exige energia, de forma que a primeira atitude que deve ser
tomada é a avaliação das condições gerais do músculo a ser estimulado. Nor-
malmente, um paciente que apresenta espasticidade, apresenta diminuição
do trofismo muscular. Além disso, a falta de controle motor e de utilização dos
grupos musculares envolvidos com a área acometida, impõem à estes grupos
a condição de fadigarem-se mais precocemente que o convencional.
Sendo assim, sugerimos que seja feita a estimulação elétrica pelo
tempo que for possível ao paciente, respeitando-se os níveis de fadiga, ou
seja, a partir do momento que o paciente referir dificuldade para manter a
contratilidade muscular, diminuição da capacidade de gerar força, apresen-
tar clônus e/ou queixar-se de mialgia, deve-se encerrar o procedimento.
Pesquisadores que apresentaram resultados positivos em seus ensai-
os clínicos usaram tempos de tratamento da ordem de 15 a 30 min por
sessão23,50.

AMPLITUDE

A amplitude de um pulso elétrico refere-se à “altura” deste pulso num


plano cartesiano amplitude x duração de pulso. Quanto maior for a amplitu-
de, maior será a carga elétrica oferecida ao músculo. Desta forma, deve-se
buscar oferecer uma quantidade de carga suficiente para promover-se uma
contração muscular capaz de vencer a hipertonia do músculo espástico. Des-
ta forma, evitam-se maiores desconfortos ao paciente e pode-se obter os
resultados esperados do tratamento.

ELETRODOS

Considerando-se o uso das correntes FES, Russa ou Interferencial


para a NMES, deve-se optar por eletrodos autoadesivos, que apresentam
grande praticidade para o uso clínico, uma vez que não precisam de meios
de interface entre si e a pele, além apresentarem ótima fixação. Outra pos-
sibilidade é o uso de eletrodos de borracha siliconada, impregnada em car-
bono (é necessária a utilização de gel condutor de corrente elétrica entre

226
Capítulo 12 Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES)

este tipo de eletrodo e a pele do paciente, além de fitas adesivas para ser
feita a estabilização dos eletrodos sobre os pontos motores).
A segunda forma de abordagem para a utilização das correntes elétri-
cas com o objetivo de controlar a espasticidade embasa-se na supressão do
estoque energético do músculo espástico, de forma que independente das
alterações do controle motor que são responsáveis pela promoção da
espasticidade, o músculo acometido não terá subsídios energéticos para man-
ter o tônus elevado. Esta forma de abordagem é bastante “deselegante”,
uma vez que serão utilizados parâmetros voltados para a promoção da fadi-
ga, no menor tempo possível, o que gera uma estimulação extremamente
desconfortável.
Normalmente, lança-se mão deste tipo de aplicação quando a
espasticidade é severa e a tentativa de controlá-la pela inibição recíproca é
frustrada. No entanto, levando-se em conta as especificidades do paciente
portador de PC, talvez seja prudente abortar esta técnica.

CONTRA-INDICAÇÕES E CUIDADOS PARA O USO DA NMES

• Doença ou lesão de placa motora ou neurônio motor inferior impe-


dindo o potencial de ação no músculo ou fibra nervosa;
• Déficit sensorial devido o risco de lesões cutâneas e/ou distúrbios
cognitivo que possam atrapalhar a compreensão e colaboração do
indivíduo com relação a aplicação da NMES;
• Feridas abertas, Irritações Cutâneas, Infecções, Neoplasias, para
não agravar essas condições devido o efeito circulatório da NMES;
• Aplicações sob região torácica devido o funcionamento dos órgãos
vitais internos, assim como portadores de marcapasso cardíacos
ou indivíduos com história de disritmia cardíaca;
• Em útero gravídico ou região lombar ou perineal durante a gravi-
dez, risco de provocar contrações uterinas;
• Em locais de distúrbios vasculares periféricos devido o risco de
embolia e sob tecido adiposo com nível alto de estimulação provo-
cando reações autônomas.

EVIDÊNCIA CIENTÍFICA E ATUALIZAÇÃO

Atualmente com estudos utilizando a EENM na paralisia cerebral pode-


mos identificar os seus respectivos efeitos clínicos, como: redução da rigidez
e espasticidade, redução da co-ativação (co-contração) da musculatura anta-
gonista, aumento da amplitude de movimento, fortalecimento muscular para
aumentar o recrutamento de fibras musculares e aumentar o tempo de movi-
mento coordenado51. Porém a aplicação destas técnicas na população com PC
torna-se dificultada pelo fato de muitos dos resultados serem casos ou estu-
dos não controlados e, portanto, não poderem ser aplicáveis a esta população
em geral. Por outro lado, no entanto, podemos observar que alguns estudos
nos trazem resultados que demonstram razões para ficarmos otimista com o
valor terapêutico da estimulação elétrica na paralisia cerebral.
Recentemente alguns estudos têm mostrado o efeito da aplicação da
EENM para uso de membros superiores, destacando por meio deste a dimi-

227
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

nuição da espasticidade e o aumento da função manual. Assim, quando ava-


liado o uso da EENM e da órtese, os autores buscaram investigar se o au-
mento da função manual ocorria devido ao efeito da EENM ou pelo uso de
órteses ou por uma combinação dos dois métodos. Para este estudo foram
avaliados 24 indivíduos com hemiplegia espástica, a estimulação elétrica
fora aplicada nos músculos extensores de cotovelo, punho e dedos, utilizan-
do duração de pulso de 200ms e amplitude de 30-40 mA, com 2 sessões de
30 minutos de duração diário por 6 meses. Ao final do estudo notou-se que
o uso combinado da estimulação elétrica e da órtese representam um méto-
do rápido e efetivo, que de acordo com os autores não só a amplitude de
movimento de punho e dedos melhorou, mas também a velocidade dos mo-
vimentos, com os pacientes mostrando melhor controle sobre a extremidade
de membros superiores, diminuindo desta forma a necessidade de procedi-
mentos cirúrgicos. Esta melhora manteve-se por 2 meses após o final do
tratamento52..
Barbosa & Mancini, (2008)53 avaliaram o efeito terapêutico da estimu-
lação elétrica superficial de extensores de punho ou flexores e extensores de
punho na função manual de 2 crianças com paralisia cerebral. Os autores
citam que houve ganhos significantes na performance da função manual em
ambas as crianças, principalmente com a estimulação combinada de flexores
e extensores de punho, porém a performance diminuiu após a retirada da
intervenção.
Em outro estudo recente foi avaliado o uso da EENM em membros
inferiores comparando com o exercício voluntário para o aumento de força
muscular em crianças com paralisia cerebral - diparéticas espasticas, utili-
zando como parâmetros para o grupo da estimulação elétrica: duração de
pulso entre 5 – 200 ms, amplitude de 20 mA e freqüência de 50 Hz com
baixas repetições e 50% da contração isométrica voluntária máxima, aplica-
do no músculo Quadríceps e Tríceps Sural. Já o grupo praticante do exercício
voluntário realizavam 1 série de 15 repetições da contração isométrica vo-
luntária máxima. Ambos os grupos participaram do programa de tratamento
durante 12 semanas. Desta forma o treino de forças nos indivíduos com PC
sugeriu que o uso da estimulação elétrica pode ser mais eficaz do que o
exercício voluntário para a produção do ganho de força, sendo este o primei-
ro estudo a mostrar quantitativamente o ganho de força com o uso da EENM
na PC54.
Posteriormente, em outro estudo, o autor comparou os efeitos da
EENM de baixa intensidade do músculo Quadríceps femoral em crianças com
paralisia cerebral de duas formas: recondicionamento de treinamento em
longo prazo do músculo versus assistida em tempo real durante o movimen-
to. Foram avaliadas cinco crianças, utilizando estimulação de superfície. Os
autores concluíram que em crianças com paralisia cerebral, a estimulação
elétrica é mais benéfica na formação em longo prazo do que quando usado
como um movimento assistido em tempo real. Embora a força muscular não
fora afetada, atributos mais centralmente, como a co-contração são melho-
radas55.
Kang et al, (2007)56 avaliou o efeito da EENM adjuvante a toxina
botulínica tipo A em crianças com paralisia cerebral diparéticas espásticas.
Foram avaliadas 18 crianças com deformidade de pé eqüino tratadas com
aplicação da toxina botulínica tipo A. A amostra do estudo foi dividida em
dois grupos, sendo o primeiro com 7 crianças que receberam EENM após a

228
Capítulo 12 Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES)

aplicação do botox e o segundo grupo composto por 11 crianças que foram


atribuídos somente com o tratamento da toxina botulínica. Os autores con-
cluíram ao final do estudo que o tratamento adjuvante da EENM por um
curto período após a aplicação da injeção de toxina botulínica tipo A mos-
trou melhora rápida da amplitude de movimento e manutenção da melhora
da marcha.
Por sua vez quando avaliado o efeito da FES dos músculos dorsiflexores
e quadríceps femoral em 14 crianças com paralisia cerebral divididas em
dois grupos, sendo o primeiro grupo submetido a 2 semanas de EENM segui-
das de 8 semana do uso da FES diariamente para analise da marcha, já o
segundo grupo permaneceu em atendimento fisioterapeutico convencional.
Ao final do estudo foi observado que a aplicação da FES em crianças com
paralisia cerebral, que recebe um suporte adequado, pode ser uma opção de
tratamento prático para melhorar a cinemática da marcha57.
Em uma revisão da literatura foi observado que as vantagens da téc-
nica de Estimulação elétrica superficial são: não requerer cirurgia e poder
ser aplicado em casa pelo paciente ou cuidador. As desvantagens da estimu-
lação elétrica superficial são: altos níveis de carga (100 mA para 0.2 ms)
frequentemente usados, resultando em dor pelo nociceptores cutâneos se-
rem estimulados; freqüentes estimulações de músculo não segmentado ou
seja relativamente não seletivos, podendo não estimular todos os músculos
que se destina, especialmente músculos profundos; a assistência ao pacien-
te pode ser necessário colocar e retirar os equipamentos, e colocação preci-
sa de eletrodos sobre pontos motores para atingir repetível respostas
motoras51.
Além disso, foram levantados importantes fatores para o sistema de
estimulação elétrica na paralisia cerebral: não deve ter equipamentos exter-
nos volumosos; mecanismos mais compactos e de leve peso; o paciente
necessita de uma forma fácil de ligar o sistema, dando uma sensação de
segurança de estar no controle, assim como ser capaz de parar a estimula-
ção rapidamente se necessário51.
Desta forma, para uma aplicação bem sucedida de estimulação elétri-
ca funcional como uma terapia de reabilitação é necessário de programas
versáteis e de aparelhos portáteis, até então poucos sistemas podem ser
encontrados. Em um estudo foi apresentado o sistema Compex Motion, como
um dos equipamentos mais avançados para o desenvolvimento do sistema
de estimulação elétrica. De acordo com o autor o estimulador Compex Motion
foi criado para servir como um aparelho para diversas aplicações que reque-
rem estimulação transcutanea (superficial). As principais características do
sistema são: portabilidade; cada unidade tem quatro canais de saídas de
estimulação, podendo ser combinados para formar uma unidade múltipla
com maior número de canais de estimulação; a duração de pulso, amplitude
e frequência são independentemente controladas e podem ser alteradas du-
rante a estimulação em tempo real; os canais de estimulação são separados
galvanicamente; o aparelho possui uma bateria recarregável, portanto a
duração total da estimulação é limitada a aproximadamente 8 horas de esti-
mulação contínua; o estimulador pode ser conectado e controlado com qual-
quer sensor externo, sistema sensorial (biofeedback) ou equipamento de
laboratório. O sensor de biofeedback contêm três eletrodos de superfície
usados para medir a atividade eletromiográfica voluntária de um músculo
em tempo real58,59.

229
Estimulação elétrica neuromuscular (NMES) e estimulação elétrica funcional (FES) Capítulo 12

O sistema do aparelho Compex Motion permiti que profissionais apli-


quem a FES para um número de pacientes que requerem únicos e diferentes
protocolos de estimulação, através de um cartão chip inserido no aparelho,
para assim conter todas as informações relevantes e necessárias para exe-
cutar o protocolo de estimulação, tais como os parâmetros de estimulação,
sequencia de estimulação, processamento de sinal que precisa ser realizado
com os sinais dos sensores, sendo que ao trocar o cartão chip a função do
estimulador pode ser alterado para fornecer uma função ou tratamento dife-
rente58-60.
Desta forma a autora cita que o estimulador Compex Motion é um
sistema não-invasivo e pode ser facilmente aplicado em pacientes de dife-
rentes estágios de recuperação e reabilitação. O sistema Compex Motion é
especialmente adequado para os tratamentos de reabilitação que são admi-
nistrados durante a reabilitação precoce, além disso, pode também ser apli-
cado como um sistema de prótese nas atividades de vida diária58-59.
Mais recentemente e como futuras direções no estudo da estimulação
elétrica na paralisia cerebral a Fundação Alfred Mann está atualmente a de-
senvolver a Estimulação elétrica funcional Battery-Powered Microstimulator
(FEBPM) para atender a necessidades. Este microestimulator de próxima
geração é alimentado por uma bateria de lítio-ion recarregável dentro de
cada um dos dispositivos implantáveis, e recebe comandos de uma unidade
remota de controle mestre por freqüência de rádio sem fio de comunicação.
O sistema foi concebido para proporcionar estimulação sincronizado por vá-
rios dispositivos, permitindo coordenação da função. O implante do disposi-
tivo é de aproximadamente 3,6 milímetros de diâmetro e 27,5 milímetros de
comprimento, e é implantado através de um procedimento minimamente
invasivo. O carregamento do implante de bateria ocorre em uma intermiten-
te base usando um sistema não-invasivo, que é capaz de carregar vários
dispositivos simultaneamente. De acordo com o artigo espera-se que este
dispositivo permita um desempenho superior ao paciente51.
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233
CAPÍTULO 13

TERAPIA POR CONTENSÃO INDUZIDA

Rodrigo Deamo Assis

1. INTRODUÇÃO

A Terapia por Contensão Induzida “Constraint-induced Movement


Therapy” é uma terapêutica de origem norte-americana, que se baseia na
aquisição de padrões motores para o membro superior de pacientes acome-
tidos por uma lesão encefálica adquirida, através da associação de um trei-
namento intensivo de duas semanas consecutivas com o uso de uma luva no
membro superior não-afetado durante 90% do dia1.
Esta terapêutica vem sendo utilizada amplamente no processo de rea-
bilitação de pacientes com lesões encefálicas adquiridas, dentre elas pode-
se destacar a paralisia cerebral, por ser uma terapêutica padronizada. A
princípio será elucidado como ocorre o tratamento para pacientes adultos, e,
em seguida distutir-se-á as diferenças entre o protocolo utilizado para a
população adulta e para a população infantil .

2. HISTÓRICO E A SUPERAÇÃO DA TEORIA DO DESUSO

A Terapia por Contensão Induzida (TCI) é uma terapêutica que visa à


recuperação sensório-motora do membro superior parético do paciente atra-
vés da superação da teoria do desuso “learned nonuse”, na qual incentiva o
paciente a utilizar o membro superior afetado, através do uso de uma
contensão no membro superior não-afetado (que pode ser uma tipóia ou
luva), estimulando-o a realizar o uso ativo do membro superior parético,
sendo que esta terapêutica é um dos poucos tratamentos com resultados

235
Terapia por Contensão Induzida Capítulo 13

baseados em evidências, com segurança e sem efeitos adversos significati-


vos para o paciente2-9.
A TCI, desenvolvida pelo Dr. Edward Taub, é uma intervenção tera-
pêutica utilizada inicialmente para o tratamento do membro superior parético
em pacientes com déficit funcional associado a um acidente vascular
encefálico (AVE) e baseia-se na combinação de um programa de treina-
mento intensivo associado à contensão do membro superior não-afetado,
evitando o desuso10-12.
O estudo desta técnica teve início em 1940, e Taub começou a estu-
dar o efeito de lesões unilaterais do trato piramidal em primatas1,13-16. Taub e
colaboradores perceberam que os primatas desistiam de usar o membro su-
perior afetado após algumas tentativas e começavam a desenvolver técnicas
compensatórias com o membro superior não-afetado, este evento recebeu a
denominação de teoria do desuso15,17,18. Nos estudos experimentais foi reali-
zada uma rizotomia dorsal para um dos membros superiores, que resultou
na desaferentação e perda sensorial do mesmo, os primatas desaferentados
nunca mais utilizavam o membro superior após a cirurgia, a não ser quando
eram forçados a usá-lo, por causa da contensão no membro superior não-
afetado, e caso esta contensão fosse mantida de uma a duas semanas con-
secutivas, levava a uma mudança permanente na habilidade do uso do membro
superior desaferentado, revertendo o quadro motor da teoria do desuso 19-22.
A existência da teoria do desuso em pacientes com sequelas motoras
de uma lesão encefálica adquirida está associada a desordens sensoriais e
heminegligência, que acarretará ao paciente uma diminuição da atividade
motora do membro superior parético causando, simultaneamente: (A) ten-
tativas motoras sem sucesso, devido a uma dor ou incoordenação, levando o
paciente a possuir uma habilidade mascarada do movimento; (B) um com-
portamento compensatório com o membro superior não-afetado, ocasionan-
do uma atrofia muscular no membro superior parético por desuso; e (C)
uma contração das zonas de representação cortical, porém através da TCI a
teoria do desuso poderá ser revertida18,20, ilustrado na Figura 1.

Figura 1: Esquematização da teoria do desuso


Dificuldade p ara Contração d as zo nas
r ealização do Menos de
movime nto movimento representação
cortical

Diminuição
da
ativid ade
AVE, Tentati vas motoras se m Supr essão comportamental TEORIA
motora
PC, e DO
suce sso, devido a dor ou
TCE incoo rdenaçã o motora ha bilidade mascarada DESUSO

Comportame nto Fraque za


comp ensatório Reforço p ositivo muscular

Legenda: AVE: acidente vascular encefálico, PC: paralisia cerebral, TCE: traumatismo crânio encefálico.

236
Capítulo 13 Terapia por Contensão Induzida

O primeiro estudo clínico da TCI foi em 1989, onde foram


observados os efeitos terapêuticos em 25 pacientes adultos que fizeram
uso da contensão por duas semanas consecutivas durante 90% do dia e
na década de 90 23 , Dr. Taub adicionou ao protocolo a quantidade de seis
horas diárias de prática supervisionada19.
O ensaio clínico “Extremity Constraint-induced Movement Therapy
Evaluation” (EXCITE) é a pesquisa de maior relevância na TCI2,24,25 , pois
foi um estudo randomizado que explorou o uso da TCI para avaliar a
melhora da função do membro superior parético em pacientes com AVE
crônico, com o intuito principal de determinar se esta técnica melhoraria
a capacidade funcional desses pacientes quando comparada ao tratamento
convencional. O resultado deste ensaio clínico confirmou o benefício do
uso da TCI, com uma redução significativa da incapacidade funcional do
membro superior parético que foi mensurado pelas avaliações: “Wolf
Motor Function Test” e “Motor Activity Log”. O benefício motor estendeu
até um ano após a intervenção terapêutica, independente de outros fatores
como idade, sexo e déficit funcional prévio do membro superior afetado
e este estudo teve como benefícios: a padronização da prática das tarefas
adaptadas, comprovação da eficácia da TCI em relação à reabilitação
convencional e compreensão do seu conceito fisiopatológico e hoje há
estudos que comprovam a sua eficácia em pacientes hemiparéticos com
paralisia cerebral26-38.

3. DESCRIÇÃO DO PROTOCOLO DA TCI

O protocolo de atividades e de execução da TCI ocorre de modo


estruturado e padronizado, sugerindo que a técnica seja executada do mesmo
modo em todos os pacientes em qualquer lugar do mundo.
É importante salientar que para a técnica seja caracterizada como TCI
é obrigatório a presença das seguintes características: (A) treinamento
intensivo, (B) uso de contensão, (C) utilização do treino das tarefas adaptadas,
e (D) do pacote de transferência.
OBS: A descrição do protocolo, a seguir, foi traduzida para o português
do “Manual de treinamento da TCI” elaborado pela Universidade do Alabama,
sob a orientação e permissão do Dr. Taub.

3.1. Duração do tratamento


Atualmente utiliza-se o protocolo de duas semanas consecutivas com
três horas diárias de prática de supervisionada, onde os pacientes são
classificados conforme o quadro abaixo.
Para se quantificar a amplitude de movimento da articulação a ser
testado o movimento deve ser iniciado a partir da mesma em repouso, não
obrigatoriamente da posição neutra.

237
Terapia por Contensão Induzida Capítulo 13

Quadro 1: Classificação dos pacientes

Ombro Cotovelo Punho Dedos Polegar

Grade 2 Flexão, Extensão Extensão Extensão de to- Extensão ou ab-


abdução > 45º > 20º com > 20º das as articula- dução do polegar
flexão de ções > 10º > 10º
90º

Grade 3 Flexão, Extensão Extensão Extensão de to- Extensão ou ab-


abdução > 45º > 20º com > 10º das as articula- dução do polega
flexão de ções, de pelo > 10º
90º menos 2 dedos,
> 10º

Grade 4 Flexão, Extensão Extensão Extensão de, no Extensão ou ab-


abdução > 45º > 20º com > 10º mínimo 2 dedos, dução do polegar
flexão de > 0º e < 10º > 10º
90º

3.2. Uso da contensão


Pode-se ser utilizada tanto uma tipóia como uma luva, sendo que a
diferença entre as duas é que com o uso da luva o paciente mantém as suas
reações de equilíbrio e proteção, porém em estudos controlados foi observa-
do diferenças entre o uso da luva ou da tipóia.
É importante ressaltarmos que o uso da contensão serve para lem-
brar o paciente que o mesmo deverá utilizar o membro superior afetado o
máximo possível no ambiente fora da clínica, e somente retirá-la em situa-
ções do cotidiano (higiene pessoal, alimentação e descanso) e em momentos
que envolvam um risco a saúde o paciente.

3.3. Treino das tarefas adaptadas


O treino das tarefas adaptadas (TTA) “shaping procedures”, é um
método de treinamento que conduz a um aprendizado motor, onde o objeti-
vo motor ou comportamental é alcançado dentro de pequenos passos, seja
através de sucessivas aproximações ou onde a tarefa torna-se gradualmente
mais difícil (de acordo com a capacidade motora do paciente).
As atividades do TTA têm o efeito de aperfeiçoar a prática das tarefas
adaptativas dentro de um formato sistemático, estandardizado e quantificável;
sendo visto como uma melhora da prática da reabilitação física.
Todas as atividades do TTA possuem quatro características:

• Feedback: conhecimento especifico dos resultados do paciente dentro


das tarefas.

• Treinamento – coaching: sugestões verbais específicas para aumentar


o desempenho motor do paciente.

• Modelamento – modeling: quando o terapeuta demonstra a tarefa


com o propósito de aumentar a performance do paciente.

• Encorajamento – encouragement: motivação verbal ao paciente (ex.


muito bem, não desista).

238
Capítulo 13 Terapia por Contensão Induzida

O critério de seleção do tratamento para cada paciente deve seguir os


seguintes critérios: (A) movimentos específicos das articulações em que há o
maior déficit, (B) movimento das articulações onde o terapeuta acredita ha-
ver o maior potencial de ganho, (C) preferência do paciente entre as ativida-
des para aquelas mais utilizadas em sua vida diária e (D) as atividades tor-
nam-se mais difíceis quando o paciente alcança um desempenho constante
dentro da mesma tarefa, caso não haja ganho motor a atividade deverá
continuar a mesma.
A seguir serão elucidadas algumas das atividades utilizadas no TTA.

A) ARGOLA:

Descrição da atividade: são utilizadas argolas plásticas e um tubo. O


paciente deve colocar as argolas no tubo que pode ser segurado pelo tera-
peuta ou colocado na mesa.

Progressão:
• O tubo pode ser movido para mais longe para aumentar a extensão
do cotovelo.
• O tubo pode ser colocado em um local mais alto para aumentar a
flexão de cotovelo.
• O tubo pode ser movido para o lado mais afetado para aumentar a
abdução horizontal do ombro.

Variações do feedback:
• Número de argolas colocadas no tubo com tempo livre
• Tempo pré-estabelecido para colocar as argolas no tubo.

Movimentos enfatizados:
• Pinça.
• Extensão de pulso.
• Extensão de cotovelo
• Flexão de ombro

B) BLOCOS EM CIMA DA CAIXA:

Descrição da atividade: são utilizados blocos e uma caixa. O paciente


é instruído a colocar os blocos em cima da caixa.

Progressão:
• A caixa pode ser movida mais distante para realizar extensão do
cotovelo.
• Pode-se utilizar blocos grandes ou pequenos.

Variações do feedback:
• Número de blocos colocados na caixa com tempo livre
• Tempo pré-estabelecido para colocar os blocos na caixa.
Movimentos enfatizados:

239
Terapia por Contensão Induzida Capítulo 13

• Pinça
• Extensão de punho
• Extensão de cotovelo
• Flexão de ombro

C) VIRANDO DOMINÓS:

Descrição da atividade: é utilizado um jogo de dominó. As peças são


colocadas em frente do paciente e o mesmo é instruído a pegar e virar as
peças utilizando a prono/supinação. Para que o movimento ocorra perfeita-
mente é permitido que o paciente descanse o antebraço na mesa durante a
execução da tarefa.

Progressão:
• Colocar as peças mais distantes
• Usar peças maiores ou menores
• Colocar as peças dentro de uma caixa

Variações do feedback:
• Número de peças com tempo livre
• Tempo pré-estabelecido para virar as peças

Movimentos enfatizados:
• Pinça lateral
• Extensão de punho
• Prono/supinação
• Flexão de ombro (se realizado dentro da caixa)

4. Treino das tarefas gerais


O treino das tarefas gerais (TTP) “task practice”, constituem as ativi-
dades referentes ao dia a dia do paciente e tem como objetivo promover o
aumento do uso do membro superior durante atividades funcionais.
As atividades são realizadas continuamente durante 15 à 30 minutos,
após a seleção da atividade, a mesma deve ser realizada durante toda a
intervenção e somente será substituída caso seja desagradável ao paciente
ou não se torne muito fácil para o mesmo.
Possuem as mesmas características da prática de tarefas adaptadas:
feedback, treinamento, modelamento e encorajamento e durante as ativida-
des bimanuais o terapeuta deve auxiliar o paciente.
Alguns exemplos da TTP:

A) ARRUMANDO A MESA:

Descrição da atividade: o paciente fica em pé e de frente para a mesa


e os seguintes itens devem ser colocados no meio da mesa: 4 copos, 4
pratos, 4 apoio de pratos e 4 guardanapos desenrolados. O paciente é ins-
truído a arrumar a mesa para uma refeição e os guardanapos devem ser
dobrados ao meio e ao meio novamente.
Progressão:

240
Capítulo 13 Terapia por Contensão Induzida

• O peso do prato pode ser mudado, do leve para o mais pesado


• O número de itens pode variar
• Podem-se acrescentar novos itens, ex: colher, garfo, ou sofisticar a
mesa, ex: prato de salada
• Podem-se usar anéis de guardanapo para aumentar a dificuldade

Feedback:
• Aumentar o número de itens e manter o tempo
• Delimitar a posição final dos objetos para colocação da mesa

B) CORTANDO O ALIMENTO:

Descrição da atividade: o paciente senta em frente a mesa com uma


faca e uma comida de simulação. O paciente é instruído a cortar a comida
(pode ser em fatias ou pedaços) e depois despreza as peças em container.

Progressão:

• A comida pode ser estabilizada pelo terapeuta ou por uma mesa de


pregos
• Os pacientes mais acometidos devem iniciar a atividade com ali-
mentos mais macios
• O garfo pode ser fixado a mão do paciente com auxilio de um velcro
• Recomenda-se que se utilize uma torta ou queijo

Feedback:
• Número de fatias com tempo estabelecido
• Aumentar a força preênsil através de alimentos mais resistentes

5. Pacote de transferência
O pacote de transferência “transfer package” constitui em técnicas
comportamentais utilizadas no protocolo da TCI para aumentar a utilização
do membro superior afetado fora do ambiente clínico, sendo constituído das
seguintes atividades: contrato comportamental, prática domiciliar, tarefa de
casa, diário do paciente e pela avaliação “Motor Activily Log”.

A) Contrato Comportamental

• O contrato comportamental (CC) visa aumentar a aderência do pa-


ciente com a filosofia da TCI além do laboratório.
• O objetivo é fazer com que o paciente utilize o braço afetado duran-
te 90% do dia.
• Deve ser introduzido ao paciente ao final da terapia no primeiro dia
de tratamento.
• É realizado no primeiro dia de tratamento e refeito no primeiro dia
da segunda semana do tratamento.
• Este diário deve ser feito de forma separada para os dias da sema-
na e para o final de semana.

241
Terapia por Contensão Induzida Capítulo 13

• As atividades listadas no CC são distribuídas em três categorias:


(A) uso somente do braço afetado, (B) uso de ambos os braços e
(C) uso somente do braço não-afetado.
• Deve ser enfatizado ao paciente que o uso do braço afetado fora do
laboratório é tão importante quanto o uso do mesmo dentro do
laboratório.
• É importante usar o máximo o braço afetado, porém segurança
vem em primeiro lugar.
• O terapeuta deve sempre indagar o paciente se o mesmo está res-
peitando o CC.
• Algumas atividades do CC podem necessitar de auxilio de um
cuidador, portanto um novo item deve ser adicionado ao CC: ativi-
dades realizadas com auxilio de um cuidador. O cuidador também
deverá ter um CC.
• O CC é um acordo formal entre o terapeuta e o paciente e deve ser
levado a sério.

B) Prática Domiciliar

• O propósito da Prática Domiciliar (PD) é o de fazer o paciente utili-


zar o braço afetado enquanto estiver fora do laboratório.
• A PD é utilizada nas seguintes situações: (A) quando o diário do
participante sugere que o mesmo encontra-se inativo por longos
períodos, e (B) quando o paciente terminou o protocolo de trata-
mento e as PDs são utilizadas para manutenção.
• As PDs são as TTA e, ou TTG.
• Uma variedade de PD deve ser exposta ao paciente e o mesmo
deve escolher quais serão mais fáceis de serem realizadas em casa.

C) Tarefas de Casa “Home Skill Assignment”

• A tarefa de casa (TC) é um processo de transferência usado para


encorajar o uso do braço afetado durante as atividades de vida
diária fora do laboratório.
• A TC é aplicada no início de cada dia do tratamento começando no
segundo dia de tratamento.
• A TC pode eliminar o uso da PD.
• O terapeuta não deve demandar várias TC e PD para o paciente, a
fim de evitar uma fadiga.
• A TC não é aplicada no primeiro dia de tratamento, pois o primeiro
dia é para o paciente se focar ao CC.
• A TC pode mudar diariamente.
• No dia seguinte o terapeuta e o paciente revêem o desempenho da
TC.

A seguir são listados alguns exemplos de TC que podem ser realiza-


das no banheiro. A TC pode ser elaborada segundo as necessidades do
paciente.

242
Capítulo 13 Terapia por Contensão Induzida

Banheiro
• Usar o sabonete
• Usar a toalha para se secar
• Retirar a toalha do gancho
• Usar a descarga
• Levantar e abaixar a tampa do vaso sanitário
• Desenrolar o papel higiênico
• Aplicar uma loção no corpo
• Usar lenço de papel
• Abrir o creme dental
• Escovar os dentes
• Aplicar o creme dental na escova
• Abrir e fechar o chuveiro
• Abrir e fechar o Box

D) Diário

• Os objetivos do diário são: (1) monitorar a aderência do paciente


ao protocolo da TCI fora da clínica, (2) aumentar a consciência do
paciente para o uso do braço afetado e (3) prover ao paciente e
terapeuta oportunidades de se criarem soluções para as atividades
fora do laboratório.
• O diário deve ser feito pelo paciente após a saída da clínica até o
retorno do mesmo no dia seguinte.
• É realizado um diário para os dias da semana e outro para o final de
semana.
• O paciente é instruído a escrever no diário todas as atividades que
foram realizadas por ele fora do laboratório.
• O tempo aproximado para a realização de cada atividade deve ser
marcado.
• O terapeuta deve indagar ao paciente se as atividades realizadas
foram realizadas com sucesso, com ou sem auxílio e com ou sem a
luva.

E) Avaliação “Motor Activity Log”

• A avaliação “Motor activty Log” (MAL) é um questionário estruturado


que visa examinar a quantidade e qualidade do uso do braço afeta-
do fora do laboratório.
• Possui duas escalas: quantidade de uso “amount scale” que quantifica
a freqüência do uso do braço afetado e qualidade de uso “how well
scale” que quantifica o quão bom está a função deste braço.
• Deve ser respondido pelo paciente.
• A pontuação de cada pergunta varia de zero até cinco pontos, po-
dendo existir pontuação com 0.5.
• A escala de quantidade é administrada no primeiro e último dia de
tratamento e a escala de qualidade do movimento é administrada
diariamente.
• Para o calculo da pontuação deve-se somar todas as perguntas e
dividir pelo número de perguntas perguntadas, que irá produzir um
escore de zero até cinco pontos.

243
Terapia por Contensão Induzida Capítulo 13

6. TERAPIA POR CONTENSÃO INDUZIDA NA POPULAÇÃO INFANTIL

Em relação ao protocolo da TCI na população infantil ainda há muita


discordância entre os estudos publicados, principalmente em relação à: a
idade que o paciente deve ter para iniciar o tratamento, uso da contensão e
intensidade do tratamento26-31,33.
Antes de iniciarmos a nossa discussão é importante lembrarmos a
principal diferença entre o paciente adulto e infantil: o engrama corporal,
isto é, a vivência ou memória do movimento de como era executado de
forma correta antes da lesão neurológica, deste modo concluímos que a
criança com paralisia cerebral não possui o seu engrama corporal formado e
por isso a TCI terá algumas modificações, entretanto o sistema nervoso
imaturo possui maior plasticidade15,32,35.

6.1 Contensão
Para evitar o uso do membro superior não afetado, a criança estará
utilizando um gesso que se estende desde o braço para as pontas dos dedos.
Este gesso é feito de um material leve e de fibra de vidro, bivalvular, desen-
volvido de forma que possa ser removido. Um inconveniente é que o gesso
deve que ser mantido longe da água, tornando os banhos inconvenientes27,37.
O gesso é aberto apenas uma vez por semana, ao final da primeira
semana, para verificar a integridade da pele com auxílio de uma tesoura27.

6.2 Treino das Tarefas Adaptadas


O TTA é selecionado considerando-se 1) a família e os objetivos da
criança, 2) as propriedades intrínsecas de uma atividade motivadora, 3) pro-
moção da independência pela aquisição de idade adequado de auto-ajuda, e
4) os movimentos que os terapeutas acreditam que têm o maior potencial de
melhoria27,36,38.
É realizado no âmbito da execução explícita (por exemplo, a pintura
de dedo, estourando bolhas de sabão com um dedo, batendo uma fileira de
bolas sequencialmente com um martelo de brinquedo). O feedback é imedia-
to, mas ele ainda está na forma de sorrisos, abraços, outros gestos de apoio,
aplausos e palavras de aprovação. As crianças, muitas vezes, se esforçam
em uma tarefa designada, mas logo que a criança fica entediada ou desaten-
ta, a tarefa é alterada. No entanto, se uma criança simplesmente se recusa
a tentar porque a tarefa é difícil, o terapeuta qualificado tem de decidir se é
melhor convencer a criança a tentar ou se é melhor mudar as tarefas. As
atividades são geralmente em forma de alcançar, agarrar, segurar, manipular
um objeto inclinando-se para colocar peso em um braço e fazendo gestos
com as mãos. Em crianças acima de oito anos de idade o TTA pode ser o
mesmo que aplicado na população adulta.

6.3 Pacote de transferência


A necessidade de transferir os ganhos terapêuticos da clínica para a
situação do mundo real é óbvia27,34,36,38. Tal como acontece com os adultos
muitas vezes há uma diferença muito grande entre o que uma criança com
uma deficiência motora pode fazer quando solicitado e o que eles realmente
fazem espontaneamente na situação de vida. Com as crianças, como aconte-
ce com os adultos, há um número de técnicas para preencher essa lacuna: a
realização do uso das tarefas de casa para a criança; alistamento da coope-

244
Capítulo 13 Terapia por Contensão Induzida

ração dos pais através do uso de um diário (a formação dos pais para admi-
nistrar alguns dos procedimentos terapêuticos é fundamental); prestação de
atribuições de tarefas a serem realizadas pela criança nos finais de semana
e; uso de uma versão pediátrica da avaliação MAL que se chama “Pedicatric
Motor Activity Log” (PMAL), onde os pais devem responder as questões.

7. CONCLUSÃO

A TCI não é claramente uma resposta completa ao déficit motor en-


volvendo acometimento motor assimétrico do membro superior na paralisia
cerebral. No entanto, os estudos demonstram que a função motora pode ser
melhorada substancialmente na maioria dos casos em crianças de oito me-
ses a oito anos de idade. A melhoria é maior do que em adultos após aciden-
te vascular cerebral, pois está claro que há maior plasticidade do sistema
nervoso central.

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Capítulo 13 Terapia por Contensão Induzida

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247
CAPÍTULO 14

REALIDADE VIRTUAL NA PARALISIA CEREBRAL


Definição, tipos e possibilidades de intervenção

Talita Dias da Silva, Carlos Bandeira de Mello Monteiro,


Ana Grasielle Dionísio Corrêa, Angelica Castilho Alonso,
Júlia Maria D’Andréa Greve

1. INTRODUÇÃO

O principal problema musculoesquelético na Paralisia Cerebral (PC) é


o alinhamento do corpo, seu sistema neuromuscular tem uma capacidade
alterada de coordenar vários músculos em sinergias posturais, resultando
em problemas no sequenciamento, tempo de ativação de respostas postu-
rais e no ajuste postural imposto pelas exigências ambientais1. A falta de
relação correta entre os segmentos do corpo repercute na dificuldade de
posicionamento do corpo com relação ao centro de gravidade e da base de
suporte, impedindo a criação e realização de estratégias para movimentos
adequados2,3.
No entanto, devido às dificuldades motoras e sensoriais é fundamen-
tal para a pessoa com Paralisia Cerebral a prática de atividade física com
determinada adaptação ou diferenciações, sendo que uma possibilidade de
viabilizar estas atividades ocorre por meio de tecnologias de apoio - dentre
elas destacam-se os ambientes de Realidade Virtual (RV)4-9.
O potencial para uso da RV como programa de intervenção em crian-
ças com PC tem uma perspectiva nova e eficaz para melhorar a auto-compe-
tência e desempenho motor10. Segundo Monge Pereira (2012)1 a introdução
da RV na reabilitação de crianças e adolescentes com PC é uma ferramenta
nova de tratamento com múltiplos objetivos funcionais.
Entendemos por RV a tecnologia computadorizada que proporciona
feedback sensorial artificial em um formato que o usuário obtém experiên-
cias semelhantes a atividades e eventos que acontecem na vida real11,12,

249
Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção Capítulo 14

além de proporcionar aprendizagem motora nas três dimensões do espaço,


correspondente ao movimento que se realiza no mundo real11.
De acordo com Azuma (1997)13, a RV é uma técnica avançada de
interface homem-máquina, onde o usuário pode navegar e interagir em um
ambiente sintético tridimensional gerado por computador. O objetivo dessa
tecnologia é recriar ao máximo a sensação de realidade para uma pessoa,
levando-a a adotar a interação como uma de suas realidades temporais.
Em ambientes de RV os canais multisensoriais (visão, audição, tato e
etc.) podem ser ampliados em intensidade, no tempo e no espaço. Isso
ocorre com auxílio de dispositivos tecnológicos como capacetes de visualiza-
ção, luvas eletrônicas e Joysticks que permitem ao usuário navegar dentro
de um mundo virtual e interagir com objetos virtuais13,14. Desta forma, o
usuário pode explorar e manipular mundos virtuais imaginários como se es-
tivesse fazendo parte dele.
Nos últimos anos, verifica-se um interesse crescente desta tecnologia
como incentivo à prática de atividade física, assim como é bastante utilizada
como ferramenta de intervenção em programas de reabilitação motora e
cognitiva em diferentes deficiências6-9. A vantagem da RV é que oferece opor-
tunidades a deficientes de vivenciar diversas situações e de maneira indivi-
dualizada. Este novo paradigma de intervenção apoiada por tecnologias pode
ser utilizado como uma forma de intervenção física, cognitiva ou psicológica
que se baseiam no uso de jogos e ambientes virtuais para viabilizar função a
diferentes deficiências15,16.
A RV oferece uma série de vantagens em relação aos métodos con-
vencionais, para possibilitar a participação de deficientes16:
• Representações visuais, auditivas e cinestésicas que motivam o par-
ticipante e tornam a atividade mais empolgante;
• Feedback imediato e medidas objetivas dos movimentos, como, por
exemplo, velocidade dos membros, amplitude de movimento, taxas
de acerto e/ou erro, pontuações em jogos, entre outros16. Além
disso proporciona estimulação multissensorial, o que é de extrema
importância na reabilitação dos indivíduos com PC acarretando tam-
bém em benefícios para o desenvolvimento motor e cognitivo1;
• Armazenamento dos dados coletados no computador, no qual ocor-
re a simulação e possibilidade de disponibilizá-los na Internet, para
acesso remoto;
• Graduação da complexidade das tarefas de forma a aumentar ou
diminuir a carga cognitiva;
• Realização de atividades domiciliares não-assistidas, a fim de dimi-
nuir a dependência pelo apoio de outros;
• A interatividade proporciona diversão durante a prática de ativi-
dade física, esporte e reabilitação motora das capacidades fun-
cionais 17,18;
• Estímulo às funções cognitivas básicas, tais como atenção, concen-
tração, memória, planejamento, cálculo, entre outras atividades que
se relacionam àquelas realizadas durante os jogos19;
• Podem ser utilizados com pessoas de diferentes gêneros, etnias e
faixas etárias, sendo facilmente empregados em contextos de in-
tervenção escolar, hospitalar, ambulatorial, domiciliar e outros.
• A repetição melhora a aprendizagem de habilidades motoras e fun-
cionais, já que a plasticidade é dependente da prática20.

250
Capítulo 14 Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção

A estratégia de adotar jogos para a prática da atividade física, o es-


porte e possibilitar a prática para crianças com PC visa incentivar e realizar
uma determinada ação funcional específica enquanto se diverte17,18.
Com aplicação na maioria das áreas do conhecimento, senão em to-
das, e com um grande investimento das indústrias na produção de hardware,
software e dispositivos especiais, a realidade virtual experimenta um desen-
volvimento acelerado nos últimos anos e indica perspectivas bastante pro-
missoras para os diversos segmentos vinculados com o movimento21.
Rand et al. (2004)22 citam que os avanços tecnológicos continuam
influenciando as práticas regulares de movimentos e enfatizam que ocasio-
nalmente são criadas novas ferramentas para intervenção. A utilização da
realidade virtual como instrumento de intervenção nas deficiências é uma
dessas novas ferramentas, onde as mudanças se direcionaram para uma
participação diferenciada em vários esportes, além de ser descrita como
uma prática inovadora e que permite a inclusão e realização de atos funcio-
nais para diferentes deficientes23. Além de favorecer a melhora do desempe-
nho físico, os jogos também apresentam um espaço de desenvolvimento
cognitivo por meio da estimulação de funções cognitivas básicas, tais como
atenção, concentração, memória, planejamento, cálculo, entre outras ativi-
dades que guardam relação àquelas realizadas diariamente19.
A aplicação dos conhecimentos da RV no campo da reabilitação pediá-
trica está em fase inicial, os poucos trabalhos existentes têm demonstrado o
potencial da RV para melhorar a mobilidade, habilidades cognitivas, qualida-
de de vida e oportunidades de vida social10,23,24. Com certeza muito deve ser
realizado e pesquisado para efetivar-se como uma possibilidade comprovada
de intervenção.

2. HISTÓRIA DA REALIDADE VIRTUAL

A RV surgiu com o desenvolvimento de simuladores de vôos para a


força aérea norte-americana, logo após a Segunda Guerra Mundial. Em se-
guida a indústria do entretenimento se tornou a maior propagadora e pro-
motora de desenvolvimento de tecnologia nesta área.
O primeiro lançamento da indústria de entretenimento foi o Sensorama,
patenteado em 1962 por Morton Heilign. Este simulador era uma espécie de
cabine que combinava filmes 3D, som estéreo, vibrações mecânicas, aromas
e ar movimentado por ventiladores, num passeio simulado de motocicletas a
fim de proporcionar sensações multisensoriais ao usuário. Embora não tenha
tido sucesso comercial, foi precursor da imersão do usuário num ambiente
sintético25.
No mesmo período, a Philco desenvolveu o head-mounted display
(HDM), composto por duas câmeras e um capacete com monitores que per-
mitiam ao usuário a sensação de imersão26,27. Tal dispositivo possibilitou que
os primeiros trabalhos científicos sobre Realidade Virtual fossem produzidos.
Em 1965, Ivan Sutherland marcou o início da computação gráfica ao
apresentar à comunidade científica a possibilidade de desenhar diretamente
na tela do computador por meio de uma caneta óptica. Sutherland também
desenvolveu o primeiro vídeo-capacete funcional para gráficos de computa-
dor, que permitia ao usuário observar os diferentes lados de um cubo ao
mover a cabeça28.

251
Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção Capítulo 14

Os vídeogames surgem no final da década de 70, propondo uma nova


possibilidade de interação homem-máquina. Inicialmente, o hábito de jogar
e de interagir com os jogos eletrônicos era por meio do fliperama, onde
havia os grandes jogos eletrônicos do tipo arcade e as máquinas de pinball,
que misturavam destreza manual e sorte, e que existem até hoje. Anos mais
tarde, nomes como Atari®, Odissey®, Intellivision® surgem para fixar de vez
a cultura dos jogos eletrônicos como prática de lazer.
Em particular, a indústria de entretenimento vem contribuindo signifi-
cativamente para o desenvolvimento de novos métodos, técnicas e disposi-
tivos de RV6. A indústria de videogames, por exemplo, tem contribuído com
melhorias dos recursos interativos, sonoros e gráficos, que são cada vez
mais incorporados aos demais projetos de RV.
Paralelamente à Sutherland, Myron Krueger desenvolveu a Realidade
Artificial por meio da combinação de computadores e sistemas de vídeo. Em
1975 apresentou o Videoplace, um sistema de vídeo capaz de capturar a
imagem dos participantes e projetá-la na tela, permitindo a interação entre
eles, com atualização das projeções. Tal sistema ficou conhecido como Rea-
lidade Virtual de Projeção28.
Em 1982 o VCASS (Visually Coupled Airbone Systems Simulator), tam-
bém conhecido como “super cockpit”, era apresentado à força aérea ameri-
cana. Este sistema usava computadores e vídeo-capacetes para recriar o
ambiente 3D de uma cabine de avião, permitindo aos pilotos voar e lutar
com 6 graus de liberdade sem decolar verdadeiramente.
Em 1984, Michael MacGreevy começou a trabalhar no projeto VIVED
(Virtual Visual Environmental Display), no qual os sistemas de áudio e vídeo
foram montados sobre uma máscara de mergulho com dois visores de cristal
líquido e pequenos altofalantes acoplados. Em 1985 Scott Fisher adicionou a
esse projeto luvas de dados, reconhecimento de voz, síntese de som e dis-
positivos de feedback tátil. Neste mesmo ano, a VLP Research lançou a
DataGlove, uma luva de dados capaz de captar a inclinação e os movimentos
dos dedos das mãos.
Em 1986, a NASA possuía um ambiente virtual com diferentes formas
de imersão. Tal iniciativa possibilitou viabilizar a comercialização desse tipo
de tecnologia, reduzindo o preço de aquisição e desenvolvimento de novas
tecnologias.

3. FUNDAMENTOS DE REALIDADE VIRTUAL

A RV permite que o usuário visualize os ambientes virtuais, manipule


os elementos existentes no cenário e se movimente dentro do espaço
tridimensional. O ambiente tridimensional é totalmente gerado por computa-
dor, de modo que as imagens podem ser visualizadas a partir de diferentes
perspectivas.
Para propiciar esta sensação de presença, os sistemas de RV inte-
gram sofisticados dispositivos, os quais podem ser aplicados em ferramen-
tas das mais diversas áreas, contribuindo para a análise e manipulação de
representações virtuais24. Na computação, os jogos podem ser caracteriza-
dos por aplicações baseadas em computação gráfica, cujo objetivo é prover
entretenimento, ou seja, experimentação em um ambiente interativo. Exis-
tem várias plataformas possíveis para um jogo eletrônico, tais como os com-

252
Capítulo 14 Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção

putadores, os consoles (popularmente conhecidos como videogames), os


miniconsoles (handhelds) e os dispositivos móveis (aparelhos celulares, Palms,
etc). Cada uma dessas plataformas tem as suas próprias características de
poder de processamento principal e de vídeo, capacidade das memórias e
dispositivos de entrada/saída e até mesmo sistemas operacionais9.
Pelo fato de transportar os elementos virtuais ao mundo real, a RV
permite uma interação segura e agradável. Pode-se interagir com os ele-
mentos virtuais de forma natural, por meio das mãos ou pequenos controles,
eliminando dispositivos tecnológicos complexos e tornando a interação mais
atrativa e motivadora29. Esta característica da RV traz vantagens às pessoas
com deficiência, eliminando muitas vezes a necessidade do uso de adapta-
ções nos equipamentos19.
Shih et al. (2011)30, baseados em diferentes publicações, citam que
uma grande parte da literatura relacionada mostrou que o uso de simples
ações comportamentais, como movimentos das mãos (empurrar ou balan-
çar), movimento dos dedos (pegar), giro da cabeça, mudança de postura em
pé- em conexão com detectores correspondente (ou seja, switches ou
sensores) - e programas de tecnologia assistiva, é capaz de ajudar as pes-
soas com deficiência a alcançar uma forma de interação positiva com o meio
ambiente.
Segundo Machado (2011)31 e Corrêa e Nunes (2009)32, a RV também
pode ser considerada como a junção de três fatores:
• Interação: o ambiente deve reagir de acordo com a interação do
usuário;
• Envolvimento: grau de engajamento do usuário em uma determi-
nada aplicação;
• Imersão: sensação de estar dentro de um ambiente virtual, varia
de acordo com o dispositivo tecnológico utilizado.
A “interação” do usuário com o ambiente virtual é um dos fatores
mais importantes em ambientes de RV, pois está relacionada à capacidade
do computador para detectar as ações do usuário e, a partir delas, reagir
instantaneamente, modificando os aspectos da aplicação. A possibilidade de
interagir com o ambiente virtual tridimensional em tempo real, de modo que
as cenas sejam alteradas como respostas aos comandos do usuário, é uma
característica dominante nos videogames atuais. Esta característica torna a
interação mais rica, propiciando um maior engajamento do usuário na expe-
riência31. As pessoas ficam cativadas ao ver uma boa simulação e ver as
cenas mudarem em resposta aos seus comandos, que é a característica mais
marcante nos videogames33.
Interações com alterações no ambiente virtual ocorrem quando o usuá-
rio entra no cenário das aplicações e o modifica por meio da manipulação
direta de seus elementos, ou seja, o usuário aciona funções, como, por exem-
plo, translação e rotação dos elementos virtuais. Algumas práticas adotadas
para aumentar ainda mais o realismo virtual são a texturização de objetos e
a inserção de sons ambientais e específicos34.
O “envolvimento” é um fator que se preocupa com a motivação do
usuário em relação ao uso do sistema, até porque a RV é o uso de alta
tecnologia para convencer o usuário de que ele está em outra realidade,
promovendo completamente o seu envolvimento24. A ideia de envolvimento,
por sua vez, está ligada ao grau de motivação para o engajamento de uma
pessoa em determinada atividade. O envolvimento pode ser passivo, como

253
Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção Capítulo 14

assistir televisão, ou ativo, como participar de um jogo, a RV tem potencial


para os dois tipos de envolvimento ao permitir a exploração de um ambiente
virtual e propiciar a interação do usuário com o mundo virtual dinâmico33.
Já a “imersão” está relacionada ao sentimento de “fazer parte” do am-
biente. Neste caso, o software para realidade virtual é visualizador e construtor
de um mundo virtual que pode estar apenas na tela do computador, mas que,
se acoplado a dispositivos específicos (capacetes de visualização, sensores de
movimento, controles reativos, sons, etc), permitem ao usuário a imersão no
ambiente virtual por meio de diferentes canais sensoriais35. Os sistemas de
Realidade Virtual diferenciam-se conforme os níveis de imersão com o usuário,
classificando-se em imersiva, semi-imersiva e não-imersiva35. Esta classificação
varia de acordo com a sensação de presença do usuário dentro do ambiente
virtual. A seguir, cada uma destas classificações são apresentadas.

3.1 - Tipos de Sistemas de Realidade Virtual


3.1.1- Realidade Imersiva: o usuário é estimulado sensorialmente
por meio de dispositivos tecnológicos, como por exemplo, capacetes de vi-
sualização (Head Mounted Displays - HMD), luvas eletrônicas (DataGlove) e/
ou super telas de projeção (Automatic Virtual Environment - CAVE). Estes
dispositivos são capazes de inserir totalmente o usuário num ambiente
tridimensional sintetizado por computador35,36. Um exemplo é a utilização de
“CAVE” (caverna) que é composta por seis lados de projeção controlados por
computadores conectados em rede produzindo projeções nas paredes, teto
e piso. Dentro de uma CAVE, o usuário move a cabeça para os lados, para
cima e para baixo, podendo assim visualizar todo o cenário virtual como se
estivesse fazendo parte dele. Neste sistema, o ambiente pode ser visualiza-
do sem o uso de um capacete, entretanto o grau de imersão pode ser com-
prometido. Normalmente, a projeção é melhor visualizada por meio do uso
de um capacete e imagens estereoscópicas com som especial que aumen-
tam o realismo do cenário virtual e melhoram as condições de imersão. A
estereoscopia propicia a noção de profundidade e pode ser gerada por meio
de imagens específicas para cada olho (esquerdo e direito)36. Além da visão
estereoscópica, a imersão pode, em alguns casos, ser melhorada com outros
recursos multisensoriais como reação de tato e força, sensação de calor e
frio, temperatura, textura etc.

3.1.2- Realidade Semi-Imersiva: é utilizada para definir as aplica-


ções que podem ser visualizadas por meio de dispositivos mais simples como
monitores de vídeo com óculos polarizados31. Tais ambientes não proporcio-
nam imersão total, pois o usuário observa o mundo virtual ao mesmo tempo
em que observa o mundo real que circunda este dispositivo de visualização.
Isso impede que o usuário se sinta completamente imerso dentro do am-
biente virtual, já que o dispositivo não é capaz de isolá-lo das influências
externas que ocorrem ao seu redor.

3.1.3- Realidade Não-Imersiva: faz referência ao uso de dispositi-


vos convencionais como monitores de computador, jogos eletrônicos na tele-
visão ou projetores, nos quais a sensação de presença do usuário está no
mundo real e não no virtual.

254
Capítulo 14 Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção

4. SISTEMAS DE REALIDADE VIRTUAL UTILIZADOS EM


REABILITAÇÃO

4.1- Utilização de realidade virtual na Paralisia Cerebral


Atualmente verifica-se um crescente desenvolvimento de possibilida-
des para se utilizar os conhecimentos advindos da Realidade Virtual com
pessoas com deficiência.
Monge Pereira, et al. (2012)1 realizaram uma extensa revisão sobre
tipos de RV utilizados atualmente em neurorreabilitação, alguns exemplos
serão apresentados a seguir:
- IREX® (Interactive Rehabilitation and Exercise Systems, Gesture Tek).
Sistema Imersivo de RV, que integra a imagem do paciente em um cenário
virtual, viabiliza visualizar a si mesmo, se mover e interagir com objetos
virtuais em tempo real. Permite desenhar programas de exercícios interativos
para as articulações individuais, movimentos combinados ou funcionais de
todo o corpo1,37,38.
- Mandala Gesture Xtreme® (Vivid Group). Sistema imersivo de RV
baseado no movimento do usuário, que se traduz em experiências virtuais.
Permite o movimento ativo livre do usuário, sem a necessidade de dispositi-
vos adicionais1,39-41.
- CAVE® (Fakespace). Quarto com chão e três paredes (uma frontal e
duas laterais) nas superfícies dos quais se projetam imagens 3D em alta
resolução, criando a ilusão de estar dentro do ambiente virtual. Sistema,
imersivo equipado com um dispositivo capaz de medir o controle postural
reativo, registrando o movimento do corpo1,42,43.
- BNAVE® (Balance Near Automatic Virtual Environment). Sistema
imersivo com imagens estereoscópicas, que é projetada sobre o ambiente
virtual em torno do campo de visão do paciente, que está posicionado em
uma plataforma de força no centro da sala virtual. Os dados registrados pelo
BNAVE são o movimento da cabeça, o centro de pressão do pé e os sinais
eletromiográficos1,44.
- HEAD MOUNTED DISPLAYS® (HMD): é o padrão ouro dos sistemas
imersivos, pois fornece imagens com maior resolução, por causa de sua pro-
ximidade com os olhos. Consiste em um dispositivo monocular ou binocular e
pelo fato de estar acoplado à cabeça do usuário, este pode seguir seus movi-
mentos, conseguindo assim, que se sinta integrado aos ambientes criados
pelo computador1,45.
- SISTEMAS HÁPTICOS: São aqueles que usam robôs para gerar
interação entre usuário e Realidade Virtual. NJIT-ARSN®, GENTLE-S ®, MIT-
Manus ®, PneuWREX ®, RTGERS MASTER II-ND® e DATA GLOVES ®, propor-
cionam efeitos sensoriais para sentir a forma, textura e tamanho duran-
te as atividades dos membros superiores em ambientes virtuais.
LOKOMAT ® (Hocoma) e CAREN System ® (Motek) são sistemas projetados
para facilitar o treinamento de marcha, e ambos podem ser integrados
com RV apresentando cenários virtuais de marcha em uma tela em fren-
te ao sujeito 1,20,46-48.

4.2- Exergames
Provavelmente, as possibilidades de utilização, com baixo custo, de
tecnologias de percepção e atuação foram os principais motivos do surgi-
mento de uma nova forma de jogo denominado “Exergames”, um termo

255
Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção Capítulo 14

relativamente novo usado para descrever o vídeo interativo ou jogos eletrô-


nicos que caracterizam o movimento do jogador, tal como ocorreria na “vida
real”, no qual o indivíduo realiza uma participação ativa com o jogo, inclusive
por meio de exercícios. Essa possibilidade de mistura entre exercício físico
com jogo é o grande diferencial do “Exergames”, permitindo que a fascina-
ção pelos games seja tão aproveitada quanto a prática do exercício físico5.
Os jogos e tarefas propiciadas pelos consoles eletrônicos são projetados
para serem divertidos e cativantes, com partituras e diversos recursos
motivacionais para incentivar o usuário a melhorar o seu desempenho (me-
dalhas em jogo, comentários incentivadores, playback de vídeo, bônus, músi-
ca, etc).
Abaixo são descritos alguns videogames de baixo custo (de sétima
geração) mais utilizados na atualidade:

• Nintendo ® Wii: Dentre as diversas possibilidades atuais de


videogames o mais vendido até o momento foi o Nintendo Wii. Perani
e Bressan (2007)49 fazem um breve histórico do Nintendo Wii citan-
do que é o quinto console doméstico apresentado pela Nintendo,
inclusive enfatizam que sua proposta de interatividade foi inovado-
ra e proporcionou uma evolução de novas possibilidades de jogos
na história dos videogames. Enquanto fabricantes fizeram inova-
ções em seus sistemas de geração gráfica, melhorando as velocida-
des de processador, a Nintendo criou um sistema que mudou a
essência de como os videogames são jogados49.
O que diferenciou o console da Nintendo Wii dos demais videogames
é um controle remoto sem fio, denominado Wii Remote17. O Wii Remote,
também conhecido como Wiimote, é um controle remoto conectado ao con-
sole do videogame por comunicação via Bluetooth, ou seja, sem fio, que
possui três acelerômetros responsáveis por interpretar os movimentos tridi-
mensionais (eixos x, y e z). O controle possui uma sensor infravermelho em
sua ponta, ou seja, um sensor capaz de capturar e rastrear fontes de radia-
ção infravermelha.
Ao movimentar o controle, os movimentos do jogador são captados e
transmitidos por uma barra de sensores (posicionada sobre a televisão). Ao
apontar o controle para a tela, a barra de sensores pode triangular e inferir
sua posição e alinhamento, possibilitando desenhar um cursor na tela. Fun-
ciona como uma espécie de “mouse aéreo”. Além disso, o Wii Remote possui
um sistema de vibração e um pequeno altofalante capaz de emitir sons de
uma maneira mais simples e mais próximos ao jogador.
Assim, os movimentos físicos do usuário são refletidos na projeção,
de modo que os movimentos virtuais sejam semelhantes àqueles empreen-
didos no plano material, como se o personagem, do lado de “dentro” do
jogo, tivesse as mesmas reações ou ações parecidas com as da pessoa que
está portando o Wii Remote.

• PlayStation®Move: este console da Sony é uma combinação entre o


sistema do PlayStation®3, a camera PlayStation®Eye e o controle de
movimento PlayStation®Move. A câmera PlayStation®Eye capta o
movimento realizado pelo jogador com precisão e o traduz para o
jogo imediatamente. Esta câmera apresenta alta acurácia na captu-
ra da posição dos jogadores, monitorando o posicionamento da parte

256
Capítulo 14 Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção

superior do corpo e dos braços; possui zoom para aproximar ou


distanciar a imagem; permite aos jogadores criar um “avatar” de si
mesmos em jogos. O controle de movimento PlayStation®Move é
composto por um avançado sistema de sensores de movimento,
uma esfera que muda de cores dinamicamente e permite à câmera
captar sua posição no espaço. Além disso, possui um sistema de
feedback vibratório e um botão de interface de fácil manejo. Este
controle possui bateria de lítio que pode ser recarregada via USB no
próprio console, além de permitir a utilização da tecnologia Bluetooth
para jogos sem fio e a utilização de até quatro controles ao mesmo
tempo. O PlayStation®Move permite ainda, a atualização de jogos
do PlayStation®3 via internet50.

• XBOX®360 Kinect: é um console desenvolvido pela Microsoft em


parceria com a empresa Prime Sense cujas interfaces de áudio e
vídeo permitem que os jogos ofereçam imagens com qualidade de
TV de alta definição e som Surround. O XBOX®360 possui um siste-
ma de shaders, o qual permite diversos efeitos especiais durante o
jogo, como reflexo de imagens e simular pequenos detalhes no cor-
po que aumentam o realismo virtual sem sobrecarregar o aparelho.
Este exergame pode ser jogado com controles sem fios ou ser joga-
do por um novo sistema, o Kinetic. Este novo sistema, também
conhecido como Project Natal, tem cerca de 23 cm de comprimento
horizontal e possui duas câmeras: uma RGB (Red, Green, Blue) e
outra infravermelha (IR). A câmera RGB faz o reconhecimento facial
perfeito do jogador que está em frente do console. A câmera
infravermelha, por sua vez, é responsável pelo reconhecimento do
movimento e da profundidade. Além das duas câmeras, o kinetic
possui sensor de profundidade, que permite o que o ambiente ao
redor do jogador seja escaneado tridimensionalmente; microfone
embutido, que, além de captar as vozes mais próximas e conseguir
diferenciar os ruídos externos de modo que o barulho ao fundo, não
atrapalhe o andamento do jogo; também é capaz de detectar vozes
de várias pessoas em uma sala; com processador e software pró-
prios, é capaz de detectar 48 pontos de articulação do corpo huma-
no, ou seja, possui uma precisão sem precedentes. Além disso,
outras vantagens do Kinetic é que ele consegue estreitar o espaço
livre para o jogo, adequando o espaço virtual ao espaço físico, em
que o jogador consegue interagir com os personagens por comando
de voz ou falar com os personagens do jogo.

4.3 - Pesquisas com Realidade Virtual na Paralisia Cerebral


Monge Pereira, et al. (2012)1 afirmam que existe evidência científica
com força de recomendação aceitável para o uso de sistemas de RV no trata-
mento de crianças com PC. Embora a literatura revele que quanto maior a
imersão, as experiências se tornam mais realistas e, portanto, há um maior
envolvimento do paciente com a terapia, não é possível estabelecer uma rela-
ção direta nos resultados. No entanto, os sistemas para os quais existe uma
força máxima de recomendação são altamente imersivos proporcionando um
forte compromisso dos participantes com a intervenção. Reid (2002)41 apresen-
ta no seu trabalho, também realizado com crianças com PC, um alto grau de

257
Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção Capítulo 14

motivação, interesse, prazer e oportunidade para o engajamento em jogo, per-


mitindo acesso a experiências que seriam restritas a eles em um ambiente real.
Woollacott & Shumway-Cook (2005)2, afirmam que a eficiência da
recuperação do equilíbrio pode ser melhorada em crianças com PC, indicada
tanto por uma redução total do caminho do centro de pressão, utilizado
durante a recuperação do equilíbrio, quanto no tempo para reestabilizar o
equilíbrio após o treino. Mudanças nas características da resposta muscular
que contribuem para uma melhor recuperação incluem reduções no tempo
de início de contração, a organização de melhor resposta muscular e redução
da co-contração dos agonistas/antagonistas.
Adamovich, et al. (2009)20, citam que a tecnologia de RV pode ser
uma ferramenta ideal para a criação de terapias que visam os mecanismos
de neuroplasticidade do sistema nervoso, permitindo a prática em massa e
oferecendo treinamento em ambientes complexos que são, por vezes, im-
praticáveis ou impossíveis de criar no mundo real. Os ambientes virtuais
podem manipular a especificidade e a frequência de feedback auditivo e
visual, e podem fornecer algoritmos adaptativos de aprendizagem e ativida-
des de reabilitação seriadas, que podem ser objetivamente e sistematica-
mente manipulados para criar paradigmas de aprendizagem motora indivi-
dualizadas.
Monteiro, et al. (2011)51 ao avaliarem crianças com PC em uma tarefa
com aprendizagem motora no Nintendo Wii®, concluem que o ambiente vir-
tual mostrou-se um bom instrumento de aprendizagem, pois com a repeti-
ção da tarefa foi observada a melhora do desempenho, mesmo com modifi-
cações no ambiente de jogo. Outra pesquisa realizada por Monteiro et al.
(2010)52 onde avaliaram a aprendizagem motora em crianças com PC em
tarefa de labirinto no computador, também demonstra aprendizagem e ca-
pacidade de adaptação à tarefa.
Outros pontos fortes da tecnologia de RV, incluem a capacidade da RV
de adaptar o ambiente virtual de forma relativamente fácil para satisfazer as
necessidades de uma habilidade física do usuário; as crianças brincam em
um ambiente seguro, prevenindo lesões; feedback de desempenho em tem-
po real; treinamento motivacional independente e capacidade de aumentar
a complexidade das tarefas. Apesar das promessas de RV em reabilitação,
muitos dos atuais sistemas de realidade virtual têm várias limitações, por
exemplo: os custos elevados, falta de reconhecimento do indivíduo cadeirante
e necessidade de adaptação dos jogos e dispositivos interativos, o que difi-
culta a implementação na prática clínica10. Além disso, a natureza interdisci-
plinar da pesquisa em reabilitação também apresenta desafios. O design de
interfaces para acomodar pessoas com deficiência no movimento requer
habilidades que abrangem ortopedia, neurociência, engenharia biomédica,
ciência da computação e disciplinas de reabilitação múltiplas20.
Um ambiente simulado interativo disponível por meio de RV pode
oferecer às crianças com PC, uma oportunidade para praticar e experimentar
novas habilidades/movimentos sem o risco de lesões. Este, por sua vez pode
levar a uma melhora no desempenho motor, mas talvez ainda mais impor-
tante, uma sensação de controle pessoal ou auto-suficiência10.
Mais estudos estão emergindo para testar a eficácia da RV em reabi-
litação, no entanto, a eficácia destes estudos ainda não atingiu níveis mais
elevados de evidência, encontrados em larga escala em estudos controlados
randomizados. A extensão em que a formação repetitiva oferece benefícios

258
Capítulo 14 Realidade Virtual Na Paralisia Cerebral - Definição, tipos e possibilidades de intervenção

neurais e funcionais, além do fator de novidade, bem como a capacidade de


integrar esta forma de terapia em um ambiente clínico permanece desco-
nhecida. Além disso, todo o potencial da RV só surgirá depois de obter uma
compreensão completa de como o sistema sensorial e várias manipulações
táteis em RV afetam os processos neurais. Estas questões devem ser o foco
central das investigações futuras20.

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262
CAPÍTULO 15
INDICAÇÃO E MEDIDAS PARA O USO DE
ÓRTESES E ACESSÓRIOS

Sandra Cardozo Martins

A Paralisia Cerebral é definida como uma desordem da postura e do


movimento, persistente e frequentemente mutável, secundária à lesão do
encéfalo em desenvolvimento, ou seja, desde a fase embrionária até os dois
anos de vida extra-uterina1,2. Basicamente, o que caracteriza clinicamente a
paralisia cerebral, é a persistência de reflexos primários, a alteração do tônus
muscular e o atraso ou a impossibilidade nas aquisições motoras3. Essas
características refletem em uma desordem motora levando a uma diminui-
ção da capacidade funcional normal, privando a criança de explorar o seu
corpo e o meio em que vive de modo adequado.
Além da característica fundamental da paralisia cerebral que é o défi-
cit motor, outras alterações podem estar associadas, como o déficit visual,
auditivo, sensorial, intelectual, entre outros que podem interferir no proces-
so de reabilitação ou diretamente na prescrição de equipamentos e adapta-
ções para o uso diário e que devem ser cuidadosamente avaliados.
A equipe interdisciplinar, composta por várias especialidades da parte
médica e terapêutica, é de extrema importância para a criança, avaliando as
suas capacidades e estimulando todo o seu potencial, para que, desta forma,
possa ser incluída na sociedade com carinho e respeito, e, principalmente,
com qualidade de vida.
Para auxiliar o paciente no seu dia a dia, contribuindo para um melhor
desempenho motor, o fisioterapeuta conta com diversas órteses e acessórios
que são indicados no momento propício, dependendo do nível de função
motora da criança, no intuito de aumentar a capacidade funcional e superar
suas dificuldades. As órteses e os acessórios, também descritos aqui como
equipamentos, fazem parte do que chamamos de tecnologia assistiva, ou

263
Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios Capítulo 15

seja, são recursos que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades


funcionais de pessoas com deficiência e consequentemente promover maior
independência e inclusão social4. A tecnologia assistiva pode ser definida
como qualquer item, peça ou produto, pronto para usar, adaptado ou sob
medida, que seja utilizado para manter ou melhorar as capacidades funcio-
nais dos indivíduos5.
Os equipamentos, descritos mais adiante, são indicados individual-
mente de acordo com o quadro clínico e distúrbios associados ao déficit
motor apresentado pelo paciente. Ou seja, duas crianças com paralisia cere-
bral que se enquadram no mesmo nível de comprometimento motor, não
necessariamente vão possuir a mesma indicação de uma órtese ou de um
acessório, pois podem ter distúrbios associados distintos ou graus diferentes
de alteração na postura e no tônus muscular.
Para a correta indicação dos equipamentos, é necessário no exame
físico, avaliar a criança em todas as posturas observando suas habilidades e
dificuldades, avaliar o grau de fraqueza muscular, a existência ou não de en-
curtamentos musculares, o equilíbrio como um todo, avaliar a atividade refle-
xa, o tônus muscular, o nível motor, entre outros fatores que constam na
avaliação fisioterapêutica de rotina. Quanto ao tônus muscular e o nível motor
no qual a criança se classifica, abaixo são descritas as escalas mais utilizadas.
O tônus é examinado pela movimentação passiva dos segmentos de um
membro, testando-se a resistência que os músculos oferecem ao estiramento
passivo. Classificamos o grau do tônus muscular utilizando a escala de Ashworth
modificada, que gradua a espasticidade numa escala de 0 a 4, onde 0 o tônus é
normal e 4 encontra-se rigidez em flexão ou extensão na parte afetada. O grau
de espasticidade reflete diretamente sobre o desempenho funcional do paciente
e o risco de uma deformidade deve ser avaliado para garantir um bom alinha-
mento articular durante o uso de um equipamento6,7.
Em relação ao nível motor, a escala utilizada é o GMFCS (Gross Motor
Function Classification System) que determina o nível do comprometimento
motor de acordo com a idade da criança. Sendo assim, o foco está em deter-
minar qual nível melhor representa as habilidades presentes na criança e as
limitações na função motora8. São cinco níveis, onde o nível I inclui crianças
com pouca limitação funcional na deambulação comunitária e o nível V inclui
as crianças cuja mobilidade independente é bastante limitada e são total-
mente dependentes para locomoção em meios externos9.
As diferenças entre os níveis de função motora são baseadas em limita-
ções funcionais, na necessidade de tecnologia assistiva, incluindo meios auxili-
ares para mobilidade como andadores, muletas e/ou cadeira de rodas ou outros
equipamentos abaixo relacionados. Assim, uma criança classificada no nível
motor V possui importantes limitações motoras que a impedem de controlar
voluntariamente seus movimentos e restringem a habilidade de manter postu-
ras antigravitárias da cabeça e do tronco, necessitando sempre da assistência
de um adulto8. Nesse caso, a indicação do uso de órteses e acessórios, se fazem
extremamente necessárias, para compensar as limitações funcionais.

ÓRTESES

A palavra Órtese originou-se do grego orthósis que significa “tornar


correto”. Uma órtese é um aparelho ou dispositivo ortopédico utilizado para

264
Capítulo 15 Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios

fornecer apoio, alinhar, evitar ou corrigir deformidades não estruturadas de


uma parte do corpo ou para melhorar a função de partes móveis do cor-
po10,11. Sendo assim, as órteses são indicadas para auxiliar a função do pa-
ciente, promovendo estabilidade do membro afetado e posicionamento arti-
cular adequado.
Uma órtese não corrige deformidades instaladas, mas o seu uso é de
fundamental importância após a cirurgia ortopédica. As órteses devem ser
leves, resistentes, confortáveis e para uma adaptação anatômica mais ade-
quada, determinados tipos geralmente são confeccionados após molde de
gesso. A seguir, estão relacionadas às órteses mais indicadas para os pa-
cientes com paralisia cerebral.

- Goteira Suropodálica
A goteira suropodálica é confeccionada em polipropileno, sob molde
gessado para melhor adaptação anatômica. O polipropileno é um
termoplástico, que tem como vantagem a possibilidade de molde quando
aquecido, o que permite ajustes às órteses confeccionadas com este mate-
rial, além de demonstrar leveza, resistência e plasticidade11.
Sua utilização é na prevenção de deformidades do tornozelo e do pé,
mantendo a articulação do tornozelo em posição neutra evitando, principal-
mente, a deformidade mais comum na paralisia cerebral, que é o equino12.
No ortostatismo e durante a marcha, sua utilização deve ser feita preferen-
cialmente com calçado, mas pode ser utilizada com solado antiderrapante.
Essa órtese é contra-indicada quando o paciente apresentar deformi-
dades estruturadas nos pés que o impeça de utilizá-la.
Existem dois tipos de goteiras suropodálicas, a rígida ou fixa (Figura
1) e a articulada ou móvel (Figura 2).
A goteira rígida é indicada quando houver limitação da amplitude nor-
mal do movimento de dorsiflexão do tornozelo, melhorando a postura do pé
equino e alinhando a articulação13. O posicionamento do pé deve ser ade-
quado evitando a saída do calcanhar do aparelho o que provocaria pontos de
pressão. A vantagem desta órtese se dá pelo controle das deformidades de
apoio como o equino, o varo e o valgo dos pés. Como desvantagem, bloqueia
o impulso do pé na marcha14.

Figura 1: Goteira Suropodálica Fixa

265
Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios Capítulo 15

A goteira articulada é indicada quando não houver restrições da am-


plitude de movimento de dorsiflexão do tornozelo. Geralmente é confeccio-
nada com bloqueio à flexão plantar, ou pode não possuir bloqueios, perma-
necendo nesse caso com dorsiflexão e flexão plantar livres. Sua vantagem é
favorecer maior rolamento da tíbia em relação ao tálus e como desvantagem
pode ocorrer o aumento da flexão de joelhos resultando na marcha em aga-
chamento ou “crouch”13,15. Esta órtese possibilita uma marcha mais próxima
do normal, por permitir maior atividade dinâmica dos tornozelos e trazer
vantagens funcionais em diversas posições3.

Figura 2: Goteira Suropodálica Articulada

Tanto na goteira fixa como na articulada, é possível a utilização de


tiras no tornozelo para melhorar o suporte e o posicionamento dos pés com
tendência ao varo ou valgo, conhecidas como tiras antivaro e antivalgo.
Na paralisia cerebral do tipo coreoatetose ou distonia, a movimenta-
ção involuntária pode dificultar o uso das goteiras suropodálicas, o que ne-
cessita observar seus reais objetivos e a aceitação do paciente.

- Órtese de Reação ao Solo


A órtese de reação ao solo (Figura 3) permite a flexão plantar e blo-
queia a flexão dorsal do tornozelo em 90º. Este bloqueio impede o avanço
anterior da tíbia na fase de apoio inicial do pé, forçando a extensão do joe-
lho. Há poucos artigos na literatura atual sobre a órtese de reação ao solo,
mas, com base nos existentes e na prática clínica, quando indicada para
evitar a marcha em flexão exagerada dos joelhos – “crouch”, auxilia o pa-
ciente na melhora do padrão de marcha com a extensão dos joelhos na fase
de apoio16,17.
A contra-indicação para o uso desta órtese é a presença de deformi-
dades em flexão dos joelhos ou nos pés.

Figura 3: Órtese de Reação ao Solo

266
Capítulo 15 Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios

- Goteira de Lona
Também conhecida como tala de lona, tem como objetivo posicionar
os membros inferiores ou superiores em extensão prevenindo a instalação
de deformidades em flexão, tanto dos joelhos como dos cotovelos. Pode ser
utilizada até 20º de flexão das articulações. A tala de lona é indicada nos
casos de pós-operatório imediato, uso noturno evitando flexão excessiva dos
joelhos e cotovelos, para auxiliar no alinhamento dos membros e na descar-
ga de peso durante a realização da terapia ou uso domiciliar. Quando a indi-
cação do uso da goteira de lona for ortostatismo, é imprescindível que seja
utilizada por cima das goteiras suropodálicas. Esta órtese é confeccionada
sob medida utilizando-se de materiais como lona, velcro e barbatanas de
duralumínio (Figura 4).

Figura 4: Talas de Lona bilateral


- Sling
O sling é um elástico utilizado com o objetivo de melhorar o padrão de
marcha das crianças portadoras de paralisia cerebral, buscando um melhor
alinhamento dos membros inferiores e propriocepção. Esse elástico melhora o
padrão de rotação interna dos quadris permitindo melhora da base de susten-
tação, melhor descarga de peso nos membros inferiores e apoio dos pés.
Possui um cinto fixado com velcro no quadril do paciente e desce em
rotação até o encaixe do elástico nos pés. Se o paciente fizer uso das gotei-
ras suropodálicas, estas devem ser também utilizadas. Abaixo, observamos
na figura 5, o padrão postural de um paciente com paralisia cerebral do tipo
diparesia espástica sem a utilização do sling e na figura 6, o mesmo paciente
fazendo uso do sling para alinhamento dos membros inferiores.

Figura 5: padrão postural de uma Figura 6: uso do sling corrigindo a


criança diparética espástica postura de rotação interna dos quadris

267
Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios Capítulo 15

- Órteses de Membros Superiores


As órteses de membros superiores, também são de fundamental im-
portância para a criança com paralisia cerebral, utilizadas no intuito de esta-
bilizar um segmento mantendo-o em posição anatômica e funcional, com
punho de 20º a 30º em extensão, dedos semifletidos e polegar em abdução.
Basicamente, são divididas em funcionais e de posicionamento. A órtese
funcional auxilia o paciente durante um movimento estabilizando algumas
estruturas e permitindo mobilidade de outras no intuito de facilitar a função
do paciente, e, a de posicionamento, favorece o alinhamento da articulação
na posição de repouso, sem permitir função, evitando encurtamentos mus-
culares ou deformidades articulares.
Existem diversos tipos de órteses para os membros superiores que
atendem a necessidade individual do paciente. Cabe ao terapeuta ocupacio-
nal avaliar, indicar e orientar o paciente e/ou familiar sobre os benefícios e
forma de utilização. Para a confecção dessas órteses, alguns materiais são
utilizados como o neoprene, a lona, o termoplástico, entre outros que são
órteses encontradas para a venda em tamanhos já estabelecidos. Para con-
feccionar a órtese sob medida, geralmente o terapeuta ocupacional utiliza o
termoplástico de baixa temperatura, para modelagem e adaptação à neces-
sidade específica do paciente.
A contra-indicação para o uso das órteses de membros superiores é a
presença de deformidades já instaladas ou importante espasticidade no
membro, ficando inviável a utilização da órtese por não acomodação articu-
lar adequada.

ACESSÓRIOS

Além das órteses descritas até agora, existem uma série de acessóri-
os específicos para o dia a dia, tão importante quanto, que vai desde o
auxílio para manter um bom alinhamento deitado e sentado até aparatos
para permanecer em pé e andar.
Os acessórios proporcionam uma série de experiências motoras em
várias posições, e os seus diferentes tipos, permitem a criança se manter em
diversas posturas durante o dia e participar mais ativamente de atividades
sociais e educacionais7.
É importante ressaltar, que tanto as órteses quanto os acessórios, são
prescritos pelo fisioterapeuta no momento adequado, após uma avaliação
criteriosa já citada e o teste do equipamento. Os equipamentos prescritos
para uso domiciliar, são também utilizados em terapia como facilitadores
para determinadas posturas, o que é de extrema importância para os pais
entenderem seus reais objetivos terapêuticos e vivenciarem a forma correta
de utilização.
A vivência dos pais é imprescindível, uma vez que o custo desses
equipamentos é elevado, e o seu objetivo é auxiliar o paciente na realização
de atividades diárias, diminuindo suas dificuldades e potencializando suas
capacidades, e não ser uma inconveniência para sua família ou para ele
próprio. Os pais devem estar cientes do propósito de sua utilização, bem
como suas vantagens e desvantagens.
O uso dos equipamentos adequados auxilia para o sucesso no proces-
so terapêutico, ou seja, eles complementam a terapia e os exercícios domi-

268
Capítulo 15 Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios

ciliares, nunca os substituem. Os equipamentos devem ser utilizados respei-


tando a forma correta de colocá-los e retirá-los, o tempo para mantê-los, o
risco de áreas de pressão, a higiene para conservação e a orientação quanto
ao seu uso, em casa, na escola ou qualquer outro local que o paciente fre-
quente. Cabe ao fisioterapeuta acompanhar o uso e avaliá-los, pois com o
crescimento da criança ou a mudança do quadro motor, podem necessitar de
ajustes ou novas prescrições.
Abaixo, seguem os acessórios mais indicados para os pacientes com
paralisia cerebral.

- Calça de Posicionamento
A calça de posicionamento é um acessório de baixo custo, confeccio-
nada pela própria família, utilizando-se de uma calça jeans preenchida com
retalhos de tecido e flocos de espuma, para posicionar adequadamente a
criança e favorecer melhor alinhamento do tronco e função dos membros
superiores. Pode ser utilizada com a criança em decúbito dorsal, ventral,
lateral ou sentada. É importante orientar a pessoa que irá confeccioná-la a
retirar os botões ou zíper da calça evitando o contato com a criança (Figura
7). Para manter a higiene, sempre que necessário, retirar o enchimento e
lavar a calça normalmente.

Figura 7: Calça de Posicionamento

- Parapodium
O parapodium (Figura 8) é um equipamento confeccionado em ma-
deira, sob medida, com altura regulável e apoios também reguláveis para
permitir um bom alinhamento do paciente ajustando-os na altura do tronco,
quadril e joelhos. Os apoios são revestidos em EVA e fixados no paciente
com velcro. Este aparelho possui uma mesa utilizada no momento da ali-
mentação e exploração de brinquedos, que favorece o apoio dos membros
superiores facilitando os músculos anteriores e posteriores do tronco a tra-
balharem simultaneamente18. Para sua utilização recomenda-se o uso das
goteiras suropodálicas para melhor alinhamento dos pés e descarga de peso,
e, se necessário, talas de lona para adequada extensão dos joelhos.

Figura 8: Parapodium

269
Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios Capítulo 15

O parapodium é indicado para o ortostatismo com o objetivo de


vivenciar a postura na fase de pré-deambulação, favorecer a melhora do
controle cervical e do tronco, manter o trofismo muscular, melhorar a des-
carga de peso e propriocepção evitando contraturas ou deformidades em
membros inferiores, além de permitir todos os benefícios fisiológicos da po-
sição como a prevenção da osteopenia e a facilitação do esvaziamento vesical
e intestinal19.
Outra vantagem do parapodium é possuir rodas giratórias permitindo
que a criança seja deslocada em locais planos e se beneficie com os estímu-
los vestibulares.

- Cadeira de Posicionamento
A cadeira de posicionamento é confeccionada em madeira, sob medi-
da e auxilia o paciente a permanecer sentado com postura adequada. Algu-
mas adaptações podem ser importantes para determinados pacientes, prin-
cipalmente no caso de movimentação involuntária, como apoio de cabeça ou
de tronco, cinto pélvico evitando extensão do quadril, cinto torácico, assento
anatômico promovendo alinhamento dos membros inferiores e apoio ade-
quado dos pés para maior estabilidade e segurança.
Uma mesa é acoplada a cadeira permitindo à criança se alimentar ou
brincar. O recorte da mesa favorece a acomodação do tronco e o apoio dos
membros superiores. A correta postura sentada permite à criança maior
atenção e participação das atividades, contribuindo para o seu processo de
aprendizagem. Mantendo uma postura alinhada e equilibrada a criança sen-
te-se mais segura, o que proporciona maior autonomia e interação seja em
casa ou na escola. A figura 9 exemplifica uma cadeira de posicionamento do
tipo “cadeirão” com rodas giratórias, o que permite melhor contato olho a
olho e fácil transporte. A figura 10 mostra a cadeira de posicionamento de
chão, ideal para ambiente escolar permitindo ao paciente ficar na mesma
altura que as outras crianças facilitando a interação.

Figura 9: Cadeira de Figura 10: Cadeira e mesa


Posicionamento em madeira

- Andador
Os andadores são utilizados para pacientes que estão iniciando a
marcha. O seu objetivo é proporcionar maior segurança e estabilidade no
início do treino de deambulação. Há vários tipos de andadores, específicos
para cada caso, como por exemplo, o andador triangular com rodas anterior

270
Capítulo 15 Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios

(Figura 11) e posterior (Figura 12), andador recíproco (Figura 13) e andador
adaptado (Figura 14).
A vantagem do andador é auxiliar o paciente durante a marcha,
proporcionando segurança, estabilidade e independência. São relativamente
leves e facilmente ajustáveis. Como desvantagem, não pode ser utilizado em
escadas, é de difícil passagem em portas de pequenos ambientes e, apesar
de todos os modelos serem dobráveis, mantêm um volume grande para
transportá-lo.
Independente do tipo de andador utilizado é importante manter um
ajuste correto quanto à altura do paciente e a forma do deslocamento, para
manter uma marcha adequada, evitando compensações corporais ou possíveis
dores articulares. Observar e corrigir quando houver excessiva elevação dos
ombros, flexão dos cotovelos e desvios de punho.

Figura 11: Figura 12:


Andador Anterior Andador Posterior

Figura 13: Figura 14:


Andador Recíproco Andador Adaptado

O andador anterior permite que o paciente o empurre, o que favorece


a inclinação anterior do tronco e a flexão do quadril e joelhos. A postura
fletida pode comprometer o alinhamento articular e pode fazer com que a
criança perca o equilíbrio e caia. O andador posterior é puxado pela criança,
o que favorece a extensão do tronco e das articulações, influenciando na
melhora do padrão de marcha e alinhamento corporal.
Pesquisas mostram as vantagens do andador posterior em relação ao
anterior, principalmente no que se refere à melhora da postura e do padrão
de marcha. Um estudo realizado por Logan20 mostrou que usando o andador
posterior o paciente possui maior controle sobre a marcha, distribui melhor
o peso nos membros inferiores, aumenta o comprimento do passo, a veloci-
dade da marcha, e o gasto energético é menor comparado ao uso do andador
anterior.

271
Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios Capítulo 15

Para o andador anterior pode ser adaptado um apoio de antebraço ou


até mesmo axilar, beneficiando os pacientes com maior comprometimento
da estabilidade do tronco e pelve e na função de membros superiores.
O andador recíproco é utilizado para pacientes com déficit de equilí-
brio, que necessitam de suporte externo para deambulação. Geralmente é
indicado para pacientes adolescentes ou adultos. As ponteiras de borracha
obrigam o paciente a levantar o andador e deslocá-lo à frente, o que exige a
permanência da postura em pé com bom controle de tronco e pelve, além de
boa função dos membros superiores.
O andador adaptado é indicado para o paciente que apresenta quadro
motor grave, que o impede de adquirir marcha com pouco auxílio ou inde-
pendente, geralmente quadros associados à movimentação involuntária, pro-
porcionando menor transferência de peso na troca de passos. Possui apoios
de tronco e quadril para suporte e alinhamento postural, cavalo para abdução
dos membros inferiores, manopla para apoio das mãos e, se necessário,
apoio de cabeça.
Independente da indicação do andador, o teste deste acessório é fun-
damental para verificar o tipo que melhor se adapta ao paciente, garantindo
postura e função adequadas.

- Muletas Canadenses
As muletas canadenses (Figura 15) são feitas em alumínio e constitu-
ídas de uma haste vertical, uma braçadeira para o antebraço e um pegador,
além da ponteira de borracha. É de fácil ajuste tanto na altura da muleta
quanto da braçadeira. São utilizadas bilateralmente como suporte na
deambulação para aumentar a base de sustentação, melhorar a estabilidade
lateral e permitir que os membros superiores transfiram o peso corporal
para o solo.

Figura 15: Muleta Canadense bilateral

272
Capítulo 15 Indicação e medidas para o uso de órteses e acessórios

As muletas canadenses possuem algumas vantagens como: são ajus-


tadas facilmente, permitem atividades funcionais como subir e descer esca-
das e a braçadeira para o antebraço permite o uso das mãos sem que a
muleta se solte. A utilização correta é posicioná-la à aproximadamente 5 cm
lateralmente e 15 cm anteriormente ao pé. Ajustar a sua altura permitindo
20º de flexão dos cotovelos, manoplas na altura dos quadris e a braçadeira
à aproximadamente 4 cm do cotovelo21.
A indicação para o uso desse acessório é feita ao paciente que apre-
senta bom controle de tronco e consiga coordenar membros inferiores com
membros superiores. São prescritas geralmente após treino de marcha com
andador, e por envolver maior gasto energético, o paciente deve demonstrar
boa performance sem riscos de quedas.

- Cadeira de Rodas
A cadeira de rodas é indicada aos pacientes com prognóstico limitado
para a deambulação ou quando o comprometimento motor impossibilita a
marcha para longas distâncias, sendo a cadeira utilizada nesse trajeto.
No mercado, existem disponíveis, diversas marcas e modelos de ca-
deira de rodas. Cada uma delas oferece diferentes recursos e possibilidades
de adaptação. Assim, a indicação da cadeira mais adequada, deverá ser feita
por profissional capacitado após avaliação do paciente. Depois de adquiri-la,
são necessárias adaptações para melhor posicionamento, conforto e segu-
rança além de proporcionar maior funcionalidade ao paciente. A adaptação
nada mais é do que modificar o equipamento, deixando-o de acordo com as
necessidades individuais de cada pessoa seja, por exemplo, na colocação de
um assento e encosto anatômicos ou na fixação de cintos como o pélvico e o
torácico para suporte.

Como vimos, existe no mercado uma série de recursos tecnológicos,


cada qual com sua finalidade, o que permite ao paciente com paralisia cere-
bral beneficiar-se desses recursos diariamente, garantindo maior indepen-
dência e condições de participar mais ativamente de atividades sociais e
educacionais interagindo com sua família e amigos.
Assim como os terapeutas envolvidos com a reabilitação, a família
deve estar engajada no sentido de estender as orientações dadas para o
ambiente domiciliar, realizando manuseios adequados nas atividades de vida
diária e estimulando o seu filho (a) a utilizar constantemente os equipamen-
tos a ele (a) destinado, ampliando suas habilidades funcionais.
Os recursos tecnológicos fazem parte do processo de reabilitação,
assim como as técnicas fisioterapêuticas utilizadas e nunca as substituem. A
união destas condutas, incluindo a participação familiar, garante o sucesso
terapêutico, atingindo o objetivo principal esperado pela equipe que é pro-
porcionar aos pacientes, qualidade de vida e inclusão social.

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15. Calais-Germain B. Anatomia para o movimento. São Paulo: Manole;1991.
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17. Lucareli PRG, Lima MO, Lucarelli JGA, Fernanda PS. Mudanças na
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18. Souza, AMC. A criança especial: Temas Médicos, Educativos e Sociais.
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19. Narumia LC, Ozu MHU, Galvão MCS. Fisioterapia na Paralisia Cerebral.
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20. Logan L, Hinkley KB, Ciccone CD. Anterior versus posterior walkers: a
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21. Schmitz TJ, O’Sullivan SB. Fisioterapia: Avaliação e Tratamento. 2º Ed.
São Paulo: Manole, 1993.

274
CAPÍTULO 16
Análise e prognóstico da marcha

Sandra Regina Alouche

A locomoção é fundamental para o ótimo desenvolvimento da crian-


ça. A habilidade para explorar e interagir com o ambiente permite o ganho
de diferentes experiências e é, portanto, um ponto chave do ponto de
vista psicosocial, pois facilita a interação social e a participação em espor-
tes e jogos.
A marcha bípede é um meio natural de deslocamento do corpo huma-
no e consiste em uma atividade complexa que requer integridade anatômica
e a função normal do sistema nervoso e musculoesquelético. A maior parte
das crianças desenvolve uma marcha independente dos 11 aos 15 meses de
idade e vários são os fatores que determinam esta aquisição. Dentre eles
podemos citar o fator neurológico, que depende da mielinização em curso do
Sistema Nervoso Central; fatores biomecânicos, que influenciam esta aquisi-
ção pelas mudanças contínuas na estrutura músculo-esquelética da criança
em função do período de crescimento; fatores ambientais, determinados
pelas oportunidades para andar, manuseio, uso de fraldas; e também deter-
minado pelo aprendizado motor.

DESENVOLVIMENTO DA MARCHA MADURA

Sob o ponto de vista observacional, apesar de a sequência normal de


desenvolvimento da criança até a aquisição da marcha ser bem conhecida, é
necessário compreender como a marcha das crianças se diferencia da dos
adultos e quando as crianças atingem o padrão maduro de marcha.
A marcha independente envolve a conquista do equilíbrio dinâmico
que depende de ajustes da postura e do movimento associados ao ritmo e
coordenação. Assim que as crianças adquirem a marcha independente, há
uma imaturidade deste equilíbrio dinâmico, evidenciado pela abdução exces-
siva das coxas para aumentar a superfície de apoio e a posição dos braços
em abdução para servir como contrapeso1.

275
Análise e prognóstico da marcha Capítulo 16

Diversas estratégias de equilíbrio podem ser adotadas e seguem dois


princípios funcionais: a escolha de um referencial estável, o que implica na
estabilização de um segmento corporal a partir do qual o equilíbrio é organi-
zado e o controle progressivo dos graus de liberdade das diferentes articula-
ções do corpo. A estabilização de um segmento corporal permite um melhor
controle do centro de gravidade e conseqüentemente uma melhor utilização
da informação visual e vestibular para o controle da postura. Manter uma
estratégia “em bloco” com o bloqueio das articulações facilitaria o controle
dos graus de liberdade envolvidos na atividade1. Desenvolve-se inicialmente
a estabilização da pelve como um pré-requisito para o início da caminhada
independente do movimento dos membros inferiores. A seguir, é necessária
a estabilização da cabeça no espaço. Há inicialmente uma diminuição da
mobilidade tronco-cabeça até que as crianças sejam capazes de estabilizar a
cabeça no plano frontal, como ocorre com os adultos1.
O controle da marcha é altamente desafiador. Durante a marcha ocor-
re o contato de apenas um pé com o solo, sendo que dois terços da massa
corporal estão localizados no segmento superior do corpo. Durante esta
atividade tanto o centro de massa do corpo quanto a base de suporte estão
em movimento, o que torna necessário um sistema de controle continua-
mente ativo. O formato anatômico das superfícies ósseas também são po-
tenciais geradores de instabilidade. Além disso, é necessário que o indivíduo
controle também as demandas da tarefa e de ambientes pouco previsíveis.
Alterações que afetem qualquer nível deste controle complexo, como os que
acontecem na paralisia cerebral, levam a distúrbios da marcha. Uma avalia-
ção clínica implica no conhecimento da função normal da marcha.
Para o estudo e análise da marcha, um ciclo é utilizado como referen-
cial. Define-se ciclo de marcha como o intervalo de tempo entre o contato de
um pé até o contato sucessivo do mesmo pé no solo. O ciclo da marcha pode
ser dividido em fase de apoio e fase de balanço. Na marcha madura, a fase
de apoio dura aproximadamente 62% do ciclo da marcha e a fase de balan-
ço, os demais 38% e uma sequência regular de eventos ocorre.
Os eventos compreendidos na fase de apoio são: o contato inicial (do
instante inicial até 2% do intervalo do ciclo da marcha), resposta à carga (de
2 a 10% do intervalo do ciclo da marcha), o apoio médio (de 10 a 30% do
intervalo do ciclo da marcha), o apoio terminal (de 30 a 50% do intervalo do
ciclo da marcha) e o pré-balanço (50 a 60% do intervalo do ciclo da marcha).
Já na fase de balanço os principais eventos são: o balanço inicial (60 a 73%
do intervalo do ciclo da marcha), o balanço médio (73 a 87% do intervalo do
ciclo da marcha) e o balanço terminal (87 a 100% do intervalo do ciclo da
marcha)2.
Embora o reconhecimento do contato inicial seja relativamente fácil,
existe alguma controvérsia relativa às definições do apoio médio e do balan-
ço médio3. Embora estas sub-fases sejam normalmente avaliadas como um
evento no tempo, a divisão temporal apresentada anteriormente2 considera
tais sub-fases em um intervalo de tempo. Outras definições temporais,
cinemáticas ou cinéticas são então propostas. Temporalmente, o apoio mé-
dio pode ser considerado como 50% do intervalo de tempo entre o contato
inicial e a retirada do apoio do solo (início do balanço inicial) e o balanço
médio como 50% do período do início do balanço inicial até o próximo conta-
to inicial. Do ponto de vista cinemático, o balanço médio pode ser considera-
do o instante em que o maléolo medial do membro em balanço passa pelo

276
Capítulo 16 Análise e prognóstico da marcha

maléolo medial do membro em apoio; o inverso ocorreria para a fase de


apoio. Do ponto de vista cinético, considera-se o instante em que a força de
reação ao solo é vertical no plano sagital. Há uma positiva e moderada cor-
relação entre as medidas temporal, cinemática e cinética avaliadas em labo-
ratório avaliando trinta crianças sadias, o que sugere que o uso desta defini-
ção temporal alternativa possa ser clinicamente útil3.
A sequência de eventos descrita é apresentada na figura 1.

Figura 1. Eventos da marcha madura (Baseado em Perry, 2005(2)).

A análise cinemática mede a amplitude de movimento dinâmica de


uma articulação ou segmento. As amplitudes de movimento articulares dos
membros inferiores no plano sagital são as mais frequentemente descritas
na literatura de análise de marcha. Os movimentos do tronco e dos membros
superiores são menos descritos, provavelmente por serem vistos como “pas-
sageiros” durante a atividade, cujo movimento é uma consequência dos des-
locamentos dos membros inferiores2.
Durante um ciclo de marcha, o tornozelo movimenta-se através de
quatro arcos de movimento no plano sagital. Os primeiros três arcos de
movimento ocorrem na fase de apoio (flexão, extensão e flexão), e o último
arco de movimento acontece na fase de balanço (extensão). Da mesma for-
ma, o joelho movimenta-se por quatro arcos de movimento no plano sagital,
sendo estes alternados entre flexão e extensão. Na fase de apoio acontece
flexão de joelho no contato inicial, extensão no apoio médio até a metade do
apoio terminal, a partir do qual se inicia novamente a flexão, que é mantida
durante a fase de pré-balanço. O movimento do joelho na fase de balanço
inicia-se com flexão na fase de balanço inicial, que é mantida durante a fase
de balanço médio, e no balanço final muda para extensão completando as-
sim um ciclo de marcha. Por último, o movimento do quadril no plano sagital
durante um ciclo de marcha inicia-se com flexão no contato inicial e resposta
à carga, passa para extensão no apoio médio e atinge o máximo desta am-
plitude na metade da fase de pré-balanço quando volta a diminuir até o final
desta mesma fase. Durante a fase de balanço acontece o movimento de
flexão do quadril novamente, o qual atinge sua maior amplitude no balanço
terminal, que é mantida até um novo ciclo de marcha2 (Figura 2).

277
Análise e prognóstico da marcha Capítulo 16

Figura 2. Movimentos das articulações do tornozelo, joelho e quadril durante


um ciclo da marcha normal.

Os parâmetros têmporo-espaciais da marcha incluem a velocidade,


o comprimento da passada, o comprimento do passo, a largura do passo e a
cadência. A velocidade da marcha é calculada pela relação entre a distância
percorrida em um determinado período de tempo. O comprimento da passada
é a distância do contato inicial de um pé até o contato inicial sucessivo deste
mesmo pé, o qual equivale a soma do comprimento do passo esquerdo e o
comprimento do passo direito. A cadência corresponde ao número de passos
dados em um período de tempo. Os valores de normalidade esperados em
diferentes idades estão descritos no quadro 1.

278
Capítulo 16 Análise e prognóstico da marcha

Quadro 1: Parâmetros têmporo-espaciais da marcha esperados em diferentes


idades4,5
1 ano 3 anos 4 anos Adulto

Comprimento da
Passada (m) 0,43 0,67 0,96 1,29

Cadência (passos/min) 176 150 140 100-115


Velocidade (m/min) 0,36 0,72 1,14 1,21

Quando a marcha de uma criança de um ano é comparada a de um


adulto, muitas diferenças são evidentes. A frequência do passo da criança é
maior e o balanço recíproco dos membros superiores com os membros infe-
riores é ausente. O joelho se mantém fletido durante a fase de apoio e o
tornozelo mantém-se em flexão plantar durante o contato inicial. Há uma
diminuída dorsiflexão durante o balanço (relativo pé caído)5. A marcha
digitígrada é característica do desenvolvimento da locomoção normal e é
necessário o primeiro ano de prática de locomoção para que a criança adqui-
ra a marcha plantígrada. Essa transição se deve, principalmente, ao aumen-
to de força nos membros inferiores que permite a propulsão e o aumento da
flexão do joelho durante o balanço. Após este período, a não aquisição da
marcha com apoio plantar pode significar algum dano neurológico1. Durante
o balanço a flexão do quadril, a inclinação pélvica e a abdução do quadril
estão aumentadas. A rotação da pelve, da articulação do quadril e do joelho
também está aumentada. O quadril se mantém rodado externamente duran-
te o ciclo da marcha. A duração do apoio único é reduzida como uma indica-
ção da instabilidade do membro6.
Aos dois anos há um nítido amadurecimento: a inclinação pélvica e a
abdução do quadril diminuem. O joelho vai para a flexão após o contato
inicial, mas estende antes da retirada no contato. O contato do calcâneo
aparece no contato inicial e há dorsiflexão durante o balanço. O balanço
recíproco dos membros superiores já aparece em três quartos das crianças.
O processo de maturação do sistema nervoso leva a estabilização da
marcha até os 3,5 e 4 anos de idade. Após este período, as características
antropométricas explicam a maioria das mudanças observadas que são en-
contradas nos parâmetros têmporo-espaciais5. A marcha aos sete anos se
aproxima da dos adultos com mínimas diferenças. Comparada aos adultos a
cadência é maior, a velocidade é menor e a rotação pélvica e do quadril está
um pouco aumentada. A abdução do quadril é levemente maior6.
De acordo com Sutherland5, os cinco determinantes da marcha ma-
dura são:
1. A duração do apoio simples: Passa de 32% no primeiro ano para 38%
aos sete anos, acompanhada de uma redução de sua variabilidade;
2. A velocidade da marcha: O crescimento é mais acentuado até os
três anos, mas a variabilidade não muda com a idade como a
observada na duração do apoio simples;
3. A cadência: Tende a diminuir com a idade, bem como sua variabi-
lidade.
4. O comprimento do passo: Aumenta rapidamente até os dois anos
e meio e depois em menor velocidade. As crianças usam gradual-
mente mais amplitude de movimento de flexão do quadril e fazem

279
Análise e prognóstico da marcha Capítulo 16

passos mais longos. O aumento do comprimento do passo aumen-


ta a porcentagem do ciclo gasto em apoio simples;
5. Base de Suporte: Definida operacionalmente como a razão en-
tre o comprimento entre as espinhas ilíacas ântero-superiores
e a distância entre os centros das articulações dos tornozelos.
Essa razão aumenta linearmente (refletindo uma diminuição
da base) até os quatro anos, mas pode ser confundida até esta
idade pelo uso de fraldas.

CLASSIFICAÇÃO DA MARCHA NA PARALISIA CEREBRAL

A variabilidade de apresentações clínicas na Paralisia Cerebral gera a


necessidade do desenvolvimento de sistemas de classificação de marcha
para auxílio no diagnóstico, tratamento e comunicação entre clínicos e pes-
quisadores. Uma classificação de marcha refere-se “a um sistema que per-
mite a alocação dos padrões de marcha em grupos que podem ser diferen-
ciados de outros, baseado em uma série de variáveis determinadas”7. Tais
classificações são baseadas nos dados obtidos a partir da análise laboratorial
de marcha, na qual as variáveis cinemáticas são registradas por um conjunto
de câmeras que permite a reconstrução em três dimensões dos segmentos
corporais para posterior análise. Outras classificações são baseadas na aná-
lise observacional e/ou clínica da marcha.
A partir da análise cinemática o Índice de Normalidade ou Gillette Gait
Index é proposto8,9. Por ele é possível determinar um valor numérico resul-
tante da análise cinemática, que fornece uma informação útil sobre o nível
de alteração de marcha de um sujeito. O Índice de Normalidade não é diag-
nóstico nem identifica uma causa para o desvio, mas permite que o clínico
tenha uma avaliação quantitativa da alteração presente em uma marcha,
podendo ser utilizada para vários graus de limitação. Por este índice, quanto
maior o valor, maior é o desvio comparado à marcha típica10. Por meio do
Índice de Normalidade estudos conseguiram diferenciar graus crescentes de
desvio de marcha em diferentes populações, sejam elas, indivíduos sadios,
indivíduos com marcha digitígrada idiopática, hemiplégicos, diplégicos,
quadriplégicos e aqueles com marcha dependente8.
Outra medida mais recentemente proposta realizada por meio de va-
riáveis cinemáticas é o Índice de Desvio de Marcha 11 . Nove variáveis
cinemáticas da pelve, do quadril, do joelho, do tornozelo e a progressão do
pé são utilizadas para a medida, onde cada membro inferior é considerado
independentemente. A partir de uma análise de reconhecimento de padrão,
um escore de 100 ou mais indica ausência de patologia da marcha. Cada 10
pontos de queda abaixo de 100 correspondem a um desvio padrão longe da
média obtida com a marcha típica. Um apêndice é disponibilizado eletronica-
mente para o seu uso11. A capacidade do Índice de Desvio de Marcha em
distinguir entre diferentes níveis do Sistema de Classificação da Função Mo-
tora Grossa foi determinada12 com uma amostra de 184 crianças com Para-
lisia Cerebral capazes de deambular, demonstrando a validade da medida.
A análise de marcha tridimensional instrumentada é considerada o
“padrão-ouro” para a avaliação de pacientes com paralisia cerebral. No en-
tanto, o acesso a esta tecnologia não é universal e escores visuais simplifica-
dos permitem uma avaliação quantitativa quando alternativas não estão dis-
poníveis13.

280
Capítulo 16 Análise e prognóstico da marcha

O Edinburgh Visual Gait Score fornece um sistema de pontuação tabu-


lado, no qual 17 observações são feitas em seis níveis anatômicos, sejam eles,
tronco, pelve, quadril, joelho, tornozelo e pé nos planos sagital, frontal e trans-
verso. O escore utiliza uma escala ordinal de três pontos (de 0 = normal até
2 = desvio acentuado), o que leva a um escore total de 34 pontos. O escore
oferece uma boa reprodutibilidade intra e inter-observadores experientes13,
mas de moderada e fraca entre observadores inexperientes14. O formulário de
registro do Edinburgh Visual Gait Score é apresentado no quadro 2.
Quadro 2: Formulário para registro do Edinburgh Visual Gait Score13
Fase de Apoio
Flexão Normal Extensão
Pé 2 1 0 1 2
1. Contato Contato Contato Contato dos
Inicial Calcâneo Plantar Dedos
2. Elevação do Sem contato Atraso Normal Precoce Nenhum
calcâneo antepé contato
3. Máxima Excessiva Dorsiflexão Dorsiflexão Dorsiflexão Acentuada
dorsiflexão dorsiflexão aumentada normal reduzida plantiflexão
(>40º df) (26-40º df) (5-25º df) (10º pl-4º df) (>10º pl)
4. Retropé Valgo severo Valgo Neutro/valgo Varo suave Varo
Varo/valgo moderado suave severo
5. Rotação do Rot Externa Rot Externa Rot Externa Rot Interna Rot Int severa
pé severa (>40º) moderada entre 0-20º moderada (>25º)
(21-40º) (1-25º)
Joelho
8. Progressão Externa, Externa Neutra, patela Interna Interna, patela
ângulo joelho patela linha média visível
9. Pico extensão Flexão severa Flexão moderada Normal Hiperextensão Hiperextensão
no apoio (>25º) (16-25º) (0-15º flexão) moderada severa (>10º)
(1-10º)
Quadril
12.Pico extensão Flexão severa Flexão moderada Normal Moderada Hiperextensão
no apoio (>15º) (1-15º) (0-20º ext) hiperextensão severa (>35º)
(21-35º)
Pelve
14. Obliquidade Acentuada Moderada Normal Moderada Acentuada
no apoio para baixo para baixo (0-5º para para cima para cima
médio (>10º) (1-10º) cima) (6-15º) (>15º)
15. Rotação Retração Moderada Normal Protração Protração
apoio médio acentuada retração (5º retr-10º moderada acentuada
(>15º) (6-15º) protração) (11-20º) (>20º)
Tronco
16. Pico sagital Acentuado Inclinação Ereto Moderada N/A
para frente moderada inclinação
para frente para trás
17. Inclinação Acentuada Moderada Normal Reduzida N/A
lateral
Fase de Balanço

6. “Clearance“ Passos altos Completo Reduzido Nenhum
7. Máxima Excessiva Dorsiflexão Dorsiflexão Flexão plantar Plantiflexão
dorsiflexão dorsiflexão aumentada normal moderada acentuada
(>30º) (16-30º) (15º df - 5ºpl) (6-20º pl) (>20º)
Joelho
10. Balanço Flexão severa Flexão Normal Moderada Hiper extensão
terminal (>30º) moderada (5-15º) hiperextensão severa
(16-30º) (4º fl-10º ext) (>10º ext)
11. Pico de Excessiva Aumento Flexão Moderadamente Severamente
flexão flexão > 85º) moderado normal reduzida reduzida
(71-85º) (50-70º) (35-49º) (<35º)
Quadril
13. Pico de Excessiva Flexão aumentada Flexão normal Flexão reduzida Severamente
flexão flexão (>60º) (46-60º) (25-45º) (10-24º) reduzida (<10º)

281
Análise e prognóstico da marcha Capítulo 16

O Gillette Functional Assessment Questionaire (FAQ) é uma escala de


10 níveis, obtida por relato dos pais e/ou cuidadores que engloba uma
variedade de habilidades de marcha em crianças que não deambulam até as
que são capazes de deambular em diferentes ambientes. A escala apresenta
uma boa confiabilidade intra e inter examinadores. A validade da medida foi
demonstrada pela correlação com medidas cinemáticas e com outras medidas
funcionais10. Desta forma, a escala é capaz de fornecer informações confiáveis
sobre a funcionalidade da criança em nível comunitário, o que não é possível
pelas medidas laboratoriais. Os níveis 3-4 da escala revelam a capacidade de
deambulação em terapia. O nível 5 é consistente com a marcha domiciliar, e
o nível 6 para uma marcha comunitária limitada. O nível 7 demonstra a
capacidade para marcha comunitária independente sem desníveis e os níveis
8-9 para níveis mais avançados de marcha em terrenos diferenciados. O
nível 10 é consistente com a habilidade de marcha típica, sem qualquer
incapacidade10. O formulário para utilização do FAQ esta apresentado no
Quadro 3.

Quadro 3: Functional Assessment Questionaire (FAQ)10.

Escolha uma das alternativas abaixo que descreva a habilidade da


sua criança em andar (com o uso de qualquer dispositivo de auxílio)

1. Não é capaz de dar passos


2. Pode dar alguns passos com auxílio de outra pessoa. Não sustenta seu
peso completamente; não anda rotineiramente.
3. Anda como exercício nas terapias e por distâncias curtas. Geral-
mente precisa de assistência de outra pessoa.
4. Capaz de andar em casa, de forma lenta. Não usa a marcha em
casa como forma preferencial de locomoção (anda principalmente
na terapia)
5. Anda de 15-50 pés (4,5 -15 metros) apenas dentro de casa e na
escola (anda por distâncias domiciliares)
6. Anda mais do que 15-50 pés fora de casa, mas geralmente usa
cadeira de rodas ou andador para distâncias comunitárias ou locais
congestionados
7. Anda fora de casa por distâncias comunitárias, mas apenas em su-
perfícies planas (não é capaz de frear, subir escadas ou andar em
terrenos irregulares sem assistência de outra pessoa)
8. Anda fora de casa por distâncias comunitárias, é capaz de frear e
andar em terrenos irregulares, mas geralmente requer assistência
ou supervisão para segurança
9. Anda fora de casa por distâncias comunitárias, é facilmente capaz
de frear e andar em terrenos irregulares, mas tem dificuldade ou
requer mínima assistência para correr, subir escadas, rampas
10. Anda, corre e escala em terrenos regulares e irregulares sem difi-
culdade ou assistência

A Functional Mobility Scale (FMS) foi desenvolvida para classificar a


mobilidade funcional em crianças, levando em consideração a variedade de
suportes auxiliares à marcha que podem ser utilizados e a distância percor-

282
Capítulo 16 Análise e prognóstico da marcha

rida15. Esta escala foi construída considerando-se os constructos preconiza-


dos pela Organização Mundial de Saúde com a Classificação Internacional de
Funcionalidade e procura abranger tanto a marcha auto-iniciada quanto a
mobilidade passiva e assistida em cadeira de rodas. A escala avalia a habili-
dade da marcha em três específicas distâncias: 5, 50 e 500 metros. A idade
alvo das crianças a serem avaliadas pela escala é 6 anos; idade que, de
acordo com os autores, a criança já apresenta maturidade óssea e quando
as cirurgias são frequentemente programadas (Quadro 4).

Quadro 4: Escala de Mobilidade Funcional (FMS)15


1. Usa cadeira de rodas ou carrinho: Pode ficar em pé para transferências e pode dar
alguns passos com suporte de outra pessoa ou usando um andador
2. Usa andador sem auxílio de outra pessoa
3. Usa duas muletas sem auxílio de outra pessoa
4. Usa uma muleta ou duas bengalas sem auxílio de outra pessoa
5. Independente em terrenos planos: não requer dispositivo de auxílio ou de outras
pessoas. Caso use paredes, mobiliários e outros apoios como suporte, use o nível
4 como descrição apropriada.
6. Independente para qualquer superfície: não usa qualquer dispositivo de auxílio ou
precisa de ajuda de outra pessoa para andar, correr, subir escadas.
Distância de deslocamento Classificação (1-6)
Andar 5 metros (isto é, no quarto ou uma sala)
Andar 50 metros (isto é, na escola ou parque de diversão)
Andar 500 metros(isto é, no shopping ou na rua)

A validade da Escala de Mobilidade Funcional foi testada em uma coorte


de 310 crianças com paralisia cerebral, verificando-se excelente validade
com outros instrumentos de medida e sensibilidade para detectar diferenças
entre populações de crianças com diferentes níveis de independência
funcional15. Foi demonstrada a confiabilidade inter-examinador da escala em
uma amostra de 118 crianças com paralisia cerebral16, mostrando-se confiável
para que os clínicos avaliem a mobilidade nesta população.
Apesar de várias formas de classificação da marcha em crianças com
paralisia cerebral terem sido desenvolvidas, uma revisão sistemática7 analisou
a qualidade de construção dos instrumentos de avaliação e as propriedades
psicométricas de 18 escalas de avaliação. Foram incluídos instrumentos que
classificavam a alteração ou desvio de marcha e depois alocavam as variáveis
em categorias ou grupos. As variáveis estudadas poderiam ser cinemáticas,
têmporo-espaciais ou eletromiográficas. Esta revisão mostra que as
classificações que são usadas com propósitos diagnósticos e facilitar a
comunicação e a decisão clínica têm uma qualidade metodológica baixa, pouco
válida ou reprodutível e sugere que novos estudos e instrumentos sejam
desenvolvidos para esta finalidade.

PROGNÓSTICO DE MARCHA NA PARALISIA CEREBRAL

Promover, restaurar ou melhorar a habilidade de andar em crianças


com paralisia cerebral é o objetivo mais comum da reabilitação nesta
população. A capacidade de marcha está claramente relacionada ao tipo e

283
Análise e prognóstico da marcha Capítulo 16

severidade da deficiência neurológica, mas não é, necessariamente, o seu


determinante. Como é claramente demonstrado pelos conceitos introduzidos
pela Classificação Internacional de Funcionalidade da Organização Mundial
de Saúde, a deficiência pode ser positiva ou negativamente afetada por fatores
pessoais (emocionais, comportamentais, motivacionais) e por fatores
contextuais (sociais, culturais, ambientais)17.
Apesar de não haver um consenso na literatura, os principais fatores
que parecem influenciar a capacidade de marcha de crianças com paralisia
cerebral são: a presença de reflexos primitivos e reações posturais, o tipo de
paralisia cerebral, os padrões motores grosseiros presentes nas crianças em
relação à faixa etária, além de outros fatores como a presença de alterações
mentais e visuais, convulsões18.
Em um estudo populacional retrospectivo, o prognóstico da marcha
foi avaliado em uma coorte de 5366 crianças com paralisia cerebral19. Os
autores determinaram as funções motoras grossas mais importantes na idade
de 2 anos que são capazes de predizer a marcha independente aos 7 anos.
Os principais resultados estão descritos na tabela 1. A tabela, por exemplo,
mostra que se a criança rola, mas não senta aos 2 anos, há uma probabilidade
de 4% de ela ter marcha independente aos 7 anos e de 68% de não deambular.
Ainda, nesta população, se a criança levanta aos 2 anos, ela tem uma chance
de 32% de deambular com suporte e 23% de não deambular aos 7 anos.

Tabela 1: Probabilidade de andar aos 7 anos, de acordo com funções motoras


grossas presentes aos 2 anos19

Deambular aos
7 anos Probabilidade, %

Rola, mas Senta, mas


N=5366 Não rola Levanta
não senta não levanta
Marcha
Independente 6 1 4 11 28

Marcha
independente
instável 4 1 3 8 16

Marcha com
suporte 17 5 20 31 32

Não marcha 64 78 68 47 23

Morte 8 15 5 2 2

Em estudo que analisou uma coorte de 9012 crianças por meio de


uma colaboração européia20, verificou-se que a habilidade para a marcha
está significativamente correlacionada aos tipos de paralisia cerebral, bem
como ao nível intelectual, à presença de epilepsia e a deficiência visual e
auditiva severa. A distribuição da habilidade para andar nesta população de
acordo com tais fatores está descrita na Tabela 2.

284
Capítulo 16 Análise e prognóstico da marcha

Tabela 2: Distribuição da habilidade de andar em uma coorte de 9012 pessoas


com paralisia cerebral, em %20
Marcha Marcha com Incapaz
Variável
Independente suporte de andar
Tipo de PC
- Espástica Unilateral 90 6 3
- Espástica Bilateral 36 21 43
- Discinética 17 24 59
- Atáxica 74 16 10
Coeficiente Intelectual (QI)
- < 85 76 16 8
- < 50 16 12 71
Epilepsia
- Ativa 27 13 60
Deficiência Visual
- Não severa 59 18 23
- Severa 12 9 79
Deficiência Auditiva
- Não severa 54 17 29
- Severa 29 17 54

A manutenção da capacidade de marcha na idade adulta também


merece destaque. São descritos casos de pessoas com paralisia cerebral que
perdem sua capacidade principalmente em duas fases: quando jovens (por
volta dos 25 anos de idade) ou tardiamente (depois dos 45 anos). A principal
razão para isso é o fato de que, quando crianças, essas pessoas adquirem
padrões compensatórios para andar, o que pode levar à deterioração da
articulação e dor tardias18. Outro fator para a perda de marcha é o desequi-
líbrio entre as capacidades fisiológicas (energéticas, psicológicas) e a de-
manda da tarefa com o avançar da idade.
Apesar da escassez de evidências sobre a capacidade da reabilitação
em melhorar o prognóstico da marcha em crianças com paralisia cerebral, o
treinamento específico da tarefa tem demonstrado efeitos positivos na me-
lhora da velocidade da marcha e gasto energético em várias populações com
desordens neurológicas e na própria paralisia cerebral17.

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285
Análise e prognóstico da marcha Capítulo 16

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286
PARTE V
ABORDAGENS DE TRATAMENTO DA
PARALISIA CEREBRAL

Introdução

Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Claudio Leone,


Talita Dias da Silva, Vitor Engrácia Valenti,
Dafne Herrero, Luiz Carlos de Abreu

Os diferentes profissionais que trabalham com a Paralisia Cerebral,


sejam: fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo,
musicoterapeuta, pedagogo, professor de educação física dentre outros, têm
sempre dúvidas e, desta forma, perguntas sobre como intervir adequada-
mente e, principalmente, ter o conhecimento da validade e da fundamenta-
ção dos procedimentos que podem ser utilizados durante a intervenção. Es-
ses questionamentos levam o profissional, principalmente o recém formado,
a procurar diferentes propostas de tratamento que tem como intenção suge-
rir, mesmo que subjetivamente, um programa de tratamento eficaz. Segun-
do Papavasiliou (2009)1 os objetivos das intervenções na Paralisia Cerebral
são: (a) minimizar o desenvolvimento de problemas secundários (contratura
e deformidades) por meio de alongamento muscular adequado e aumento
de amplitude de movimento ativa, (b) fortalecer grupos musculares, (c)
melhorar a mobilidade e a aquisição de habilidades motoras funcionais, (d)
promover a independência funcional em casa, na escola e na comunidade.
Ou seja, os objetivos parecem bem claros, mas como atingir esses
objetivos de forma eficaz continua sendo uma incógnita. Na tentativa de
organizar programas de tratamento para propiciar a melhora do paciente, os
profissionais se perguntam: onde encontrar respostas para as dúvidas exis-
tentes sobre como intervir na Paralisia Cerebral? Principalmente, sobre como
tratar com fundamentação esta população.
Ao analisar a formação de profissionais da reabilitação neurológica
descobre-se que a grande maioria, principalmente fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais e fonoaudiólogos procura suas respostas em cursos de forma-
ção em determinada abordagem de tratamento2,3. Por sinal, verifica-se que
existem diferentes abordagens que foram desenvolvidas para o atendimento
do indivíduo com Paralisa Cerebral e têm por finalidade apresentar uma idéia
e filosofia com demonstração de sua qualidade e diferencial para com as

289
Abordagens de Tratamento da Paralisia Cerebral - Introdução PARTE V

outras, geralmente de acordo com critérios que foram se modificando com


base em vivências dos profissionais responsáveis pelo desenvolvimento da
abordagem, ou por profissionais que são responsáveis por manter a conti-
nuidade do conhecimento1,2,3.
As pesquisas relacionadas às abordagens de tratamento na Paralisia
Cerebral apresentam diferentes posicionamentos. Existem trabalhos que são
direcionados para comprovar a eficácia das abordagens de tratamento na
Paralisia Cerebral (Butler e Darrah, 20014; Knox e Evans, 20025; Elisson et
al., 20056; Velickovi e Perat, 20057; Charles et al., 20068 e Ju et al., 20109),
outros que realizam comparação entre diferentes abordagens de tratamento
(Fetters e Kluzik, 199610; Odman e Oberg 200511; Bar-Haim et al., 200612;
Law et al., 200713 e Bar-Haim et al., 201014), e trabalhos que questionam a
utilização de abordagens específicas para o tratamento da Paralisia Cerebral
(MacLennan et al., 200215; Parkes et al., 200216; Rosenbaum, 200317; Carr e
Shepherd, 200618; Damiano, 200619; Anttila et al., 200820, Papavasiliou, 20091
e Weisleder, 201021).
Uma das críticas sobre as diferentes abordagens de tratamento é en-
contrar um fluxo de informações entre os conhecimentos obtidos, infeliz-
mente são poucos os relatos que demonstram uma relação entre as diferen-
tes abordagens existentes2,3. Tradicionalmente, tanto cursos rápidos como
de um semestre, assim como a literatura relacionada ao tratamento de pa-
cientes com disfunção neurológica, têm sido divididos em unidades classifi-
cadas de acordo com uma técnica, frequentemente a inter-relação e integra-
ção entre as abordagens não são exploradas2,3.
A pouca troca de conhecimento entre as diferentes abordagens exis-
tentes acaba causando dificuldades na formação e no aprendizado geral do
profissional. O profissional entrará em contato com idéias diferentes, que
apresentam as mais diversas filosofias, e receberá informações antagônicas,
as quais, no entanto, são voltadas para o atendimento do mesmo paciente.
Como resultado dessa falta de inter-relação entre as abordagens, quando
uma falha, a solução clínica do problema é impedida, senão interrompida,
pois existe pouca integração entre teorias e métodos obtidos no processo de
aprendizagem do terapeuta1,2,3.
Dessa forma, para a formação do profissional que trabalha com PC e
possibilitando a ampliação de conhecimentos é importante que o terapeuta
conheça e compreenda a filosofia e o pensamento de diferentes aborda-
gens, para utilizá-las, sempre que necessário, durante seu atendimento.
Vários terapeutas optam por aderir estritamente a uma determinada abor-
dagem, seguindo e interpretando os pensamentos e a visão original com
rigidez, é a chamada “atitude purista”2,3,18. É uma questão de crescente
preocupação que as intervenções em reabilitação continuam a variar am-
plamente e dependendo, em grande parte, da preferencia do terapeuta,
sem qualquer consideração por atualidades científicas18. Carr e Shepherd
(2006)18 citam que o conhecimento da história e do conteúdo de diferentes
procedimentos e abordagens na reabilitação é importante, pois nos faz
refletir sobre mudanças e desenvolvimento da prática clínica, mas enfatiza
que a prática deve responder e se adaptar a novos dados científicos e
conhecimentos emergentes.
Por outro lado, deve-se considerar que muitos terapeutas, quando se
tornam mais experientes, iniciam o estudo de diferentes abordagens de tra-
tamento. Provavelmente essa variabilidade de conhecimento propicia que o

290
PARTE V Abordagens de Tratamento da Paralisia Cerebral - Introdução

terapeuta seja capaz de escolher entre um vasto armamento quando depa-


rar com um paciente que apresente um sintoma neurológico complexo. A
prática de muitos terapeutas experientes reflete seus conhecimentos e inter-
pretações individuais de diferentes métodos de tratamento22.
A idéia de um tratamento eclético ou multimodal, onde o terapeuta
seleciona aspectos de diferentes conceitos de tratamento que lhe parecem
mais apropriados para com a necessidade do paciente, parece ser o futuro
da reabilitação2,3,23, principalmente se unir o conhecimento prático de abor-
dagens existentes com resultados e modernidade de pesquisas baseadas em
evidências. Seguindo essa idéia, o terapeuta estará representando sua pro-
fissão, e não apenas uma abordagem que segue regras pré-estabelecidas.
Na história da investigação científica sempre houve tentativas (geral-
mente sem sucesso) para integrar métodos novos e antigos, Abernethy e
Sparrow (1992)24 apresentam com conhecimento as possibilidades e dificul-
dades nas tentativas de reconciliação entre diferentes paradigmas que ape-
sar de concorrentes foram desenvolvidos com o mesmo propósito.
Os trabalhos de Umphred (1991)2; Levitt, (1995)23; Edwards, (1996)22,
Stokes, (1998)3 e principalmente de Carr e Shepherd (2006)18, Weisleder ,
(2010)21 e MacLennan et al.,(2002)15 direcionam para que a solução por meio
da união do conhecimento de abordagens existentes e as atualidades científi-
cas devem ser feitos na prática clínica, onde o terapeuta utilizará orientações
prescritas que são baseadas em evidências disponíveis, tentando unir esses
conhecimentos com conceitos habitualmente utilizados, cada terapeuta preci-
sa aceitar a responsabilidade de usar evidências (ou pelo menos cientifica-
mente aceitável) e métodos de intervenção que mesmo se opondo a conceitos
já estabelecidos por diferentes abordagens possibilitem o melhor para o pa-
ciente. Os pacientes têm o direito de fazer parte de um ambiente de reabilita-
ção que utilize modernidades e descobertas propiciadas pela ciência.
Surge, então, outra questão: Como identificar o que uma abordagem
oferece de melhor se comparada com outra? Ou melhor, como saber com
qual paciente devemos utilizar conhecimentos de determinada abordagem?
Essa pergunta também não tem uma resposta precisa, pois muitas
abordagens se opõem nas idéias apresentadas perante determinado caso, e
o terapeuta não sabe qual será a melhor opção a seguir. Apesar dos estudos
comparando o efeito de diferentes conceitos no atendimento da Paralisia
Cerebral, nenhum estudo foi capaz de demonstrar evidências de que um
conceito oferece benefício substancial se comparado com outro conceito22.
Se o terapeuta não tem subsídios para identificar qual abordagem
será mais benéfica para seu paciente, como definirá que filosofia deve seguir
e em que momento deve utilizar determinado conhecimento? É preciso en-
contrar e definir uma maneira de comparar as diferentes abordagens exis-
tentes para permitir que se identifique qual o melhor procedimento terapêu-
tico para cada paciente. No entanto, dificuldades em definir uma metodologia
específica de tratamento, a falta de uma forma multifatorial e confiável de
mensurar resultados e a multiplicidade de variáveis envolvidas no processo
de tratamento são problemas para demonstrar uma evolução significativa
dos diferentes conceitos de tratamento na paralisia cerebral3.
Conforme podemos observar, existem várias dificuldades para definir
qual a abordagem mais apropriada no tratamento da Paralisia Cerebral. Atual-
mente, é difícil quantificar os benefícios obtidos e é também inviável compa-
rar filosofias apresentadas por abordagens diferenciadas, pois: demonstrar

291
Abordagens de Tratamento da Paralisia Cerebral - Introdução PARTE V

similaridades e diferenças entre os diferentes conceitos não é tão simples, e


existem diferenciações semânticas. Novas palavras são criadas por alguns
autores para descrever aspectos do seu trabalho, enquanto outros usam
diferentes palavras para descrever fenômenos similares22.
Dessa forma, o grande desafio para os terapeutas envolvidos em ha-
bilitação e reabilitação dos indivíduos com paralisia cerebral é desenvolver
um conceito de tratamento, no qual os métodos selecionados estão ligados à
compreensão e comprovação científica e baseados em verificações práticas3.
Os terapeutas desejam soluções e teorias de tratamento que sejam confiáveis,
válidas e constantes3.
Apesar das dificuldades de comprovar a efetividade a utilização dos
conhecimentos práticos advindos de abordagens de tratamento da Paralisia
Cerebral ainda é a solução mais utilizada para a continuidade da formação e
especialização de muitos terapeutas. Por este motivo a intenção deste capí-
tulo não é de propor e definir as melhores abordagens de tratamento da
paralisia cerebral, mas viabilizar uma oportunidade de reconhecer e com-
preender as bases teóricas de diferentes abordagens utilizadas, para que
cada profissional selecione os conhecimentos existentes em cada aborda-
gem e utilize aquela que, segundo sua avaliação, propiciará maior benefício
ao seu paciente.

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PARTE V Abordagens de Tratamento da Paralisia Cerebral - Introdução

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293
CAPÍTULO 17

TRATAMENTO NEUROEVOLUTIVO - CONCEITO BOBATH

Cláudia Alcântara de Torre

I – REVISÃO HISTÓRICA DO CONCEITO BOBATH - ARTIGOS


MRS. BOBATH

O Conceito Bobath foi desenvolvido pelo casal Mrs. Berta Bobath e Dr.
Karel Bobath. Berta nasceu em 1907 na Alemanha e cresceu em Berlim.
Formou-se em instrutora de ginástica e dança em 1926, profissão que exer-
ceu até 1933. Em 1938 foi para Londres onde se casou com Dr. Karel Bobath
em 1941 e começou a estudar Fisioterapia. Em 1943, tratou do pintor Simon
Ewes, o que deu início ao desenvolvimento deste novo conceito de tratamen-
to para a época. Sua observação aguçada e manuseio sensível levaram-na a
entender como poderia mudar a espasticidade, até então considerada inalte-
rável. Karel Bobath nasceu na Alemanha embora fosse de origem tcheca,
fez medicina em Berlim, graduou-se em 1932. Mudou-se para Londres em
1939 e exerceu a especialidade de pediatria. Dividiu com Berta o interesse
em entender os problemas neurológicos e como a terapia atuava nos indiví-
duos com distúrbios neurológicos. Dr. Karel Bobath pesquisou a literatura e
estabeleceu uma base teórica para os resultados clínicos de sua esposa.
Juntos eles formularam uma filosofia inovadora. Eles morreram em 19911.
Em abril de 1963, Mrs. Bobath escreveu um artigo com o título: “Prin-
cípios de Tratamento e Planejamento em Paralisia Cerebral” onde ela referia
que em qualquer tipo de tratamento para criança com paralisia cerebral o
objetivo final é dar a maior independência possível e preparar para a vida
adulta. O tratamento pode ajudar a desenvolver as potencialidades e organizá-
las, o que é mais fácil nas crianças mais jovens, antes que a espasticidade ou
atetose tenham se tornado grave, que as contraturas tenham ocorrido e
antes que a criança tenha aprendido a usar e depender dos padrões anor-
mais de desenvolvimento. Sendo, entretanto, surpreendente que as crianças
mais velhas também melhoram ao serem ajudadas a reorganizar seus pa-
drões motores. Mrs. Bobath reforça também que na paralisia cerebral lida-

295
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

mos com distúrbio na coordenação da ação muscular da postura e do movi-


mento e com força e distribuição de tônus anormais. A criança deveria ser
preparada para os movimentos de mais habilidades promovendo tônus mus-
cular mais normal e mecanismo reflexo postural associado aos principais
movimentos que a criança normal adquire na infância2.
Em agosto de 1963, Mrs. Bobath escreveu um artigo intitulado “Tra-
tamento Neuro-evolutivo da Paralisia Cerebral” onde ela destacava que vá-
rias das técnicas usadas para o tratamento possuíam similaridades. Ela res-
saltou que muitos estavam verificando novos problemas e encontrando novas
técnicas para ajudar estas crianças, admitindo que todos ainda sabiam muito
pouco e que havia ainda um grande desafio pela frente. Baseada nestas
constatações ela fez uma revisão da situação da época a fim de propiciar
uma cooperação amigável. Destacou então os seguintes princípios básicos
de tratamento: necessidade de um treinamento de padrões mais do que
treinamento muscular, necessidade de levar em consideração e quando pos-
sível seguir a seqüência de desenvolvimento normal, necessidade de medi-
das ortopédicas e cirúrgicas em conjunto no tratamento, a importância de
orientação dos pais e manuseio em casa, educação e desenvolvimento inte-
lectual ajudando a criança a um ajuste satisfatório nos aspectos emocional e
social. Ela escolheu o título da sua palestra “Tratamento Neuroevolutivo”
porque no tratamento ela estava considerando lidar com dois fatores: inter-
rupção ou atraso no desenvolvimento com a retenção de comportamento
motor primitivo e comportamento motor anormal. Estes aspectos deveriam
ser analisados em cada criança e o tratamento deveria inibir a atividade
reflexa anormal e avançar para um comportamento motor mais adiantado
como no exemplo por ela citado, utilizando padrões posturais simétricos,
atividades como rolar ou apoiar-se sobre os antebraços, rotação entre cintu-
ra escapular e pélvica, transferências de peso, reações de proteção, levan-
tar-se e ficar em pé com abdução, transições posturais de seqüências do
desenvolvimento obtidas através de facilitações. Os vários estágios do de-
senvolvimento não deveriam ser separados e nem esperar que um estágio
fique perfeito para depois avançar para o próximo uma vez que no desenvol-
vimento normal existe a sobreposição de atividades mais avançadas en-
quanto outras ainda estão em aprendizado3.
Em 1967, Mrs. Bobath escreveu o artigo “O Tratamento precoce da
Paralisia Cerebral” (“The Very Early Treatment of Cerebral Palsy”) – O trata-
mento precoce da criança com paralisia cerebral onde são explicadas as
razões para que o tratamento se iniciasse tão cedo quanto os 9 meses de
idade: plasticidade do cérebro infantil, a importância do aprendizado sensó-
rio-motor, tendo já conhecimento de que o aprendizado dos movimentos é
inteiramente dependente da experiência sensorial que não só inicia mas
também guia a eferência motora. Dando à criança, nos estágios iniciais,
grande variedade de estimulação sensorial e ajudando-a a se controlar e
adaptar de uma maneira mais normal para o movimento auxiliará a prevenir
o atraso mental secundário. O tratamento precoce possibilita a orientação da
mãe e então a criança recebe mais tratamento quando o manuseio tem con-
tinuidade em casa. Neste artigo Mrs. Bobath ressalta os objetivos do trata-
mento: desenvolver reações posturais normais e tônus postural contra a
gravidade para suportar e controlar os movimentos; contrapor ao desenvol-
vimento de reações posturais anormais e tônus postural anormal; dar à criança
através de manuseios e o brincar padrões funcionais que a criança usará

296
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

mais tarde para alimentar-se, vestir-se, lavar-se e auto-cuidado e também


prevenir o desenvolvimento de contraturas e deformidades4.
Em 1969, Mrs. Bobath escreveu o artigo: “O tratamento dos distúr-
bios neuromusculares através da melhora dos padrões de coordenação” (“The
Treatment of Neuromuscular Disorders by Improving Patterns of Co-
ordination”) onde ela destaca que o paciente com espasticidade apresenta
padrões anormais de ação muscular. No paciente com flacidez há uma falta
de atividade reflexa postural e desta forma o tônus postural é baixo. Em
muitos casos há a mistura de espasticidade e flacidez em diferentes partes
do corpo. O tratamento desta forma é primeiramente direcionado para mu-
dar e melhorar a coordenação em preparação para a atividade funcional
inibindo padrões anormais e facilitando uma grande variedade de mais pa-
drões normais os quais são necessários para habilidades funcionais. A inte-
ração equilibrada das reações posturais estático-cinéticas na pessoa sem
anormalidades faz com que o suporte de peso com mobilidade seja possível.
Controle postural é dinâmico e envolve uma grande variedade de padrões de
movimentos bem coordenados e mudanças de tônus. Reações posturais es-
tão ativas durante e antes dos movimentos serem executados. Por exemplo,
antes de nos levantarmos nós colocamos nossos pés automaticamente em-
baixo da cadeira e nos inclinamos para frente e antes de dar um passo nós
temos que transferir nosso peso para a outra perna. Reações posturais nor-
mais nos dão controle de cabeça e habilidade para manter e restaurar o
alinhamento normal da cabeça e corpo e vice-versa como também do corpo
em relação aos membros (reações de endireitamento). Os padrões motores
das reações posturais normais se desenvolvem gradualmente na criança
durante os primeiros anos de vida. Toda a atividade voluntária e de habilida-
de funcional com seus padrões seletivos e complexos de coordenação são
derivados e executados sobre background de padrões de reações posturais
automáticas. Dor, medo da dor e falta de equilíbrio com medo de cair pode
levar a espasmo muscular de proteção que se espalha em excessivos graus
de cocontração para fixação das articulações a fim de evitar a dor. Estes
padrões são freqüentemente encontrados nos pacientes espásticos princi-
palmente com sinergias de flexão protetora de massa. Isto interfere com o
funcionamento dos antagonistas reduzindo sua força de contração e limitan-
do as amplitudes articulares. Foi concluído ser desnecessário e indesejável o
uso de posturas estáticas de inibição reflexa as quais o terapeuta passiva-
mente revertia os padrões anormais e controlava e mantinha cada parte do
corpo. Isto tornava impossíveis os movimentos ativos e mais normais e não
permitia ao paciente ganhar seu próprio controle sobre as reações anormais.
Tratamento então se tornou mais ativo e dinâmico. O terapeuta pode, mu-
dando somente parte dos padrões anormais nos seus pontos principais, re-
duzir a espasticidade através do corpo todo e guiar os movimentos ativos do
paciente. Estes pontos são chamados “pontos chaves de controle”. Os princi-
pais pontos chaves de controle são proximais (coluna, cintura escapular e
pélvica). Como terapeutas nós temos que capacitar o paciente a ter expe-
riências das sensações normais de movimentos funcionais para aprender
como os fazer. Foi considerado também neste mesmo trabalho que a aparen-
te fraqueza dos músculos pode não ser uma fraqueza real e sim relativa à
oposição dos antagonistas espásticos. A adequada estimulação sensorial pode
fazer com que estes músculos aparentemente fracos possam contrair mais
efetivamente. É muito importante planejar o tratamento numa boa avaliação

297
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

verificando tônus postural e suas modificações de acordo com padrões de


postura e movimento e as habilidades e falta de habilidades funcionais. O
plano de tratamento deve conter se deve ser promovida a diminuição, au-
mento ou estabilização do tônus postural, quais padrões posturais e movi-
mentos devem ser inibidos ou facilitados e para quais habilidades funcionais
o paciente deve ser preparado. Qualquer que seja a técnica escolhida para
tratar o paciente esta deve ser testada no paciente e na mesma sessão
verificada seu efeito que poderá ser observado nas mudanças do tônus pos-
tural do paciente, padrões motores e uso funcional numa resposta contínua
ao manuseio feito pelo terapeuta5.
Em 1970, Berta Bobath e Nancie Finnie fizeram um questionário a fim
de verificar o entendimento dos pais sobre as condições dos seus filhos com
paralisia cerebral e também sobre a continuidade do tratamento em casa.
Este trabalho reforçou a necessidade de explicações claras e precisas, com
termos apropriados à compreensão dos pais e mais detalhamento sobre a
continuidade do trabalho em casa. A comunicação entre os pais e a equipe
deve ser próxima e contínua6.
Em 1971, em palestra proferida intitulada: “Desenvolvimento Motor,
seu Efeito no Desenvolvimento Geral, e Aplicação para o Tratamento da Pa-
ralisia Cerebral” (“Motor Development, its Effect on General Development,
and Application to the Treatment of Cerebral Palsy”), Mrs. Bobath mostrou a
necessidade do conhecimento do desenvolvimento típico da criança para o
diagnóstico, avaliação, tratamento e da forma como lidar com a criança com
deficiência, especialmente a criança com paralisia cerebral. Considerando o
que o movimento significa para o aprendizado afirmou: aprendizado é ba-
seado numa experiência sensório-motora e começa com movimentos do cor-
po e mãos da criança quando ela descobre a ela mesma, sua face, corpo,
joelhos e pés. Mrs. Bobath aborda também a interação da linguagem, fala e
movimento baseada nos trabalhos de Luria e considera que quando a criança
fala, ela conversa em voz alta com ela mesma, reforçando suas atividades
no brincar com sua fala e sua fala com o movimento. A criança com deficiên-
cia física que não pode se tornar independente do suporte e manuseio da
mãe permanece dependente também emocionalmente e talvez até intelectu-
almente. Se a criança não aprende a pensar por si mesma o desenvolvimen-
to da sua personalidade fica restrito. Frustração na criança atetóide ou na
espástica pode levar a problemas comportamentais os quais podem afetar
adversamente a própria família. Uma criança pode somente lembrar e usar o
que teve experiência anteriormente. A criança com paralisia cerebral, desta
forma, tem duas maiores desvantagens: equipamento normal insuficiente
com o qual pode desenvolver habilidades funcionais e falta de experiência
sensório-motora normal a qual forme uma base para a evolução de seu
desenvolvimento para que possa se adaptar às demandas do ambiente. A
cooperação entre todos os membros da equipe é essencial. No tratamento,
nosso conhecimento do desenvolvimento motor normal deveria ser pensado
em termos de “desenvolvimento da coordenação” do controle postural con-
tra a gravidade. Nós precisamos encontrar o que a criança pode e o que a
criança não pode fazer, devemos saber o que ela seria capaz de fazer de
acordo com a sua idade ou em qualquer estágio do tratamento. Mas, tam-
bém precisamos saber o que interfere com qualquer atividade, o que faz
com que esta seja anormal ou impossível e então trabalhar contra a patolo-
gia agindo em oposição a estes padrões7.

298
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

As reavaliações são necessárias, pois, o tratamento tem que ser


modificado se a criança não melhora ou deteriora como também se a criança
melhora para alcançar metas mais avançadas. Somente as técnicas que
contemplam as necessidades específicas de cada criança individualmente,
em qualquer estágio do tratamento, deveriam ser selecionadas e principal-
mente saber como usá-las. “ Manuseando a criança pela periferia, influenci-
amos o sistema nervoso central.” Somente as técnicas que trazem benefício
imediato no tônus e na movimentação ativa deveriam ser usadas e não usar
uma mesma técnica por semanas ou meses esperando que possa vir a fazer
efeito. Neste caso, a técnica pode não ser adequada para aquela criança ou
para o seu estágio de desenvolvimento. O problema da paralisia cerebral é
de ação muscular de coordenação anormal, sendo que nos espásticos apre-
senta pouca variedade de padrões motores e no paciente atetóide apresenta
movimentos desorganizados com falta de estabilidade. O terapeuta controla
e guia a resposta motora da criança através do impulso sensorial, mas, vai
gradualmente retirando sua ajuda à medida que a criança aprende a contro-
lar seus movimentos sem ajuda. Dessa maneira a criança é preparada para
habilidades funcionais como andar, vestir-se, alimentar-se, escrever etc. fa-
vorecendo padrões motores para estas atividades. O tratamento não visa
copiar o desenvolvimento normal da criança, ou seja, seguir toda a seqüên-
cia normal do desenvolvimento, pois, isto levaria muito tempo mesmo para
obter alguns dos marcos. Outro engano é querer trabalhar uma atividade
depois da outra, tentando deixá-la perfeita antes de passar para a próxima:
por exemplo concentrar-se por longo tempo no controle de cabeça ou rolar
ou atividades em prono, arrastar ou sentar. Isto não é um tratamento “evo-
lutivo,” porque a criança típica faz muitas atividades diversas, todas ao mes-
mo tempo. Ela fica em pé com ajuda aos seis meses embora ainda não tenha
equilíbrio sentado, mas, pode usar as mãos para se apoiar sentada7.
Em 1971, Mrs. Bobath, numa de suas palestras intitulada: O Mecanismo
Reflexo Postural Normal e seu desvio nas Crianças com Paralisia Cerebral abor-
da como a lesão do cérebro imaturo interfere com o crescimento e desenvolvi-
mento do bebê. Reflete também como certos distúrbios perceptuais e sensori-
ais podem ser decorrência da falta de experiência. A interação com o ambiente
e com a mãe fica prejudicada e estas são razões importantes para o diagnóstico
e tratamento precoce. O mecanismo reflexo postural normal dá ao homem três
fatores fundamentais, necessários para o desempenho de qualquer atividade:
tônus postural normal, graus variados de inervação recíproca (necessário para
a fixação das partes proximais e regulação da interação dos músculos para um
movimento suave distal) e padrões normais de coordenação comum ao ser
humano como levantar-se, andar, correr etc. Isto reflete a postura como algo
dinâmico e em constante mudança. Postura e movimento são de fato inseparáveis,
postura e ajustamento postural seguindo os movimentos como uma sombra. O
mecanismo reflexo postural consiste de dois tipos de reações automáticas: rea-
ções de endireitamento e de equilíbrio. Em condições anormais, a lesão libera
um mecanismo reflexo postural anormal que resulta em hipertonia, inervação
recíproca anormal e padrões de coordenação muscular anormais. Esta seria a
natureza da incapacidade da criança com paralisia cerebral8.

II - COMENTÁRIOS SOBRE A REVISÃO HISTÓRICA


Como observamos na revisão destes artigos, Mrs. Bobath analisou
aspectos da criança com paralisia cerebral que nos dias de hoje também

299
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

julgamos importantes e são focos da nossa visão de tratamento visando


mais qualidade de movimento com função para as atividades do dia a dia,
com ênfase também nos aspectos sensoriais, cognitivos e sociais.
Conclusão dos aspectos históricos e dos esclarecimentos relacionados
à neurociência atual: as torres de sustentação do Conceito Bobath conti-
nuam a ser válidas quando se avalia e trata a paralisia cerebral, conforme
podemos observar nos comentários seguintes.
A seguir, serão feitos comentários sobre os artigos relatados de acordo
com a neurociência atual e nossa prática clínica na utilização do Conceito Bobath.
Desde seus primeiros artigos, em 1963, Mrs. Bobath já ressaltava
que o objetivo final do tratamento era dar maior independência possível para
a criança, visando às habilidades da vida diária e auto-ajuda, e preparando
para a vida adulta. Continuamos hoje com estes objetivos que permanecem
atuais. Já naquela época considerou de suma importância a orientação dos
pais e seguimento em casa levando em consideração aspectos do desenvol-
vimento intelectual, emocional e social e, além disso, preocupou-se com a
comprovação da eficiência das orientações e compreensão dos pais em rela-
ção às condições de seus filhos, realizando uma pesquisa junto aos pais, a
qual trouxe mais subsídios para relação com a família. Continuamos a traba-
lhar com a integração dos pais ao tratamento bem como com a equipe con-
forme preconizou Mrs. Bobath, cuidando para que esta seja eficiente. Ainda
hoje observamos que este aspecto é extremamente importante, mas, que
nem sempre é alcançado.
Com relação ao desenvolvimento motor normal, Mrs. Bobath
enfatizou sua importância como um guia para o tratamento, sendo estes
ajustados de acordo com cada caso. Questionamento dos alunos em for-
mação do Conceito Bobath é se podemos colocar em pé uma criança que
nem adquiriu controle de cabeça ou tronco. Lembrando a explicação de
Mrs. Bobath que colocou que as aquisições do desenvolvimento motor
não ocorrem uma após a outra e sim aparecem numa interface onde
uma atividade emerge enquanto outra está se aperfeiçoando e expan-
dindo. Portanto por que não poderíamos colocar uma criança de um,
dois, três anos e até mais velha em pé? Não encontramos justificativa
para não se colocar em pé desde que o alinhamento biomecânico seja
mantido. É necessário enfatizar também que algumas aquisições do de-
senvolvimento motor nem sempre são alcançadas e, portanto não pode-
mos esperar que elas aconteçam para darmos sequência para a facilita-
ção de posturas mais altas.
Desde seus artigos de 1967, Mrs Bobath ressaltava a importância
da experiência sensorial adequada para iniciar e guiar o movimento e
como sua ausência podia comprometer o desenvolvimento mental, sen-
do esta uma das suas justificativas para preconizar o tratamento preco-
ce utilizando os manuseios e o brincar e depois os padrões a serem
utilizados para alimentar-se, vestir-se etc.. Desde aquela época já utili-
zava a verificação da eficiência da técnica utilizada na mesma sessão
esperando que os padrões motores se modificassem ao final da sessão,
tornando-se menos alterados. Hoje chamamos este procedimento de “pré
e pós- teste”.
No início da década de 70, Mrs. Bobath mostrou a importância de
avaliarmos o que a criança pode e o que não pode fazer e o que interfere
com a atividade ou a impossibilita para então ajustarmos a técnica de

300
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

acordo com cada caso de acordo com uma avaliação inicial e continuada.
Em alguns aspectos, podemos hoje entender melhor o funcionamento do
sistema nervoso e dessa forma organizar as estratégias de forma um
pouco diferente, mas continuamos a não desejar que padrões de postura
e movimento, que estejam afastados do típico, com hipertonia, hipotonia
ou flutuação de tônus, movimentos sem função, ou posturas estáticas que
acarretem deformidades estejam presentes e sim tentar que estas sejam
modificadas. Atualmente, usamos mais a participação e motivação da crian-
ça? Sim, porém Mrs. Bobath já havia falado e escrito sobre a importância
das atividades funcionais como vestir, comer, brincar etc.
Considerava que o Mecanismo Reflexo Postural Normal era neces-
sário a qualquer atividade e que a alteração neste mecanismo refletia na
natureza da incapacidade da criança com paralisia cerebral. O grande ponto
de questionamento parece ser o forte enfoque que os Bobath davam ao
mecanismo reflexo postural normal. Porém, quando tratamos hoje, à luz
dos conhecimentos atuais, sabemos que para o controle postural normal e
também do movimento, há a contribuição de vários fatores além do siste-
ma neuromuscular como o sistema musculoesquelético, sensorial,
perceptual, cognitivo, ambiente, motivação e emoção. Então, sabemos
que outros fatores podem contribuir para o controle de cabeça como, por
exemplo, além do mecanismo reflexo postural (que envolve o sistema de
reações de retificação e equilíbrio inseridos no mecanismo reflexo postu-
ral) a motivação adequada para que a criança levante a cabeça para olhar
e participar de uma atividade, estimulando estas reações conforme suge-
riu Mrs. Bobath. O tratamento sobre este prisma passou a enfocar mais
diretamente os aspectos sensoriais, perceptuais, cognitivos, emocionais,
sociais e ambientais. Passou-se a utilizar também os princípios de apren-
dizado motor e controle motor, conforme entendemos atualmente que é
mais amplo que somente a ação do mecanismo reflexo postural. Mrs.
Bobath também ressaltou que as atividades anormais e atípicas deveriam
ser suprimidas, mas não ao custo da não participação da criança na vida
diária o que temos também concordado nos dias de hoje.
Mrs. Bobath desde os primórdios dos seus escritos ressaltou a
importância de medidas ortopédicas e cirúrgicas em conjunto com o tra-
tamento pelo Conceito Bobath. É ainda de suma importância que se enfatize
a necessidade de comunicação com a equipe ortopédica uma vez que os
encurtamentos musculares e suas repercussões no sistema ósteo-articu-
lar são insidiosos, freqüentes, mesmo com a criança em tratamento e
acarretam limitações nos vários sistemas do corpo com repercussão na
sua participação social.

III - PRINCÍPIOS E EMBASAMENTO DO TRATAMENTO NEUROEVO-


LUTIVO - CONCEITO BOBATH DE ACORDO COM A NEUROCIÊNCIA
ATUAL
Nos últimos anos vimos acompanhando alguns questionamentos a
respeito do Conceito Bobath, como por exemplo, seu embasamento científi-
co e as diferenças de enfoque existente entre diferentes regiões ao redor do
mundo, mais precisamente Inglaterra e Estados Unidos. Outro aspecto im-
portante que vem sendo discutido são as atualizações teóricas e práticas do
Conceito Bobath baseados na Neurociência atual.

301
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

Para abordar este assunto, escolhemos destacar alguns pontos de


artigos de alguns profissionais representativos do Conceito Bobath.
Margareth Mayston9 em 2005 publicou um artigo onde enfocava a
visão atualizada do Reino Unido sobre o Conceito Bobath. Sendo ela membro
do comitê científico do Centro Bobath de Londres e também pesquisadora na
área acadêmica, é uma pessoa abalizada para tratar deste assunto. Suas
principais considerações vêm a seguir. Mudanças no conhecimento da ciência
são reconhecidas como a teoria do Controle Motor e a teoria Reflexo-Hierár-
quica passou a não ser a base para o tratamento Bobath sendo que o próprio
casal Bobath reconheceu que haviam supervalorizado os reflexos. Atual-
mente é utilizado o modelo de Processamento de Informações que considera
quatro importantes estágios na organização das atividades dirigidas a me-
tas: motivação, planejamento, execução e apreciação.
É importante ainda salientar a importância da utilização de conceitos
do aprendizado motor. Para que o aprendizado e reaprendizado ocorram há
necessidade de oportunidades para a prática.10
O Conceito Bobath continua a ser baseado na neurofisiologia- SNC é
modificável-plasticidade. A Neurofisiologia básica para a coordenação efici-
ente envolve tônus normal, todos os graus de inervação recíproca e possibi-
lidade de todos os padrões de movimento. O termo Inibição não está sendo
usado para descrever técnicas de redução de tônus. Músculos espásticos
não são hiperativos quando os movimentos voluntários são ativados, mas,
são geralmente fracos ou inapropriadamente ativos. Os músculos hipertônicos
apresentam um componente neural e não neural. Portanto o alongamento do
músculo e dos tecidos vai atuar também sobre o componente não neural
(elasticidade, viscosidade e plasticidade do músculo) levando a maior efi-
ciência, diminuindo a espasticidade ou outra anormalidade. Os manuseios
são os primeiros passos e devem ativar o paciente e estes foram adaptados
e expandidos. A relação entre tônus e padrões de postura e movimento na
atividade diária, manuseio dinâmico em direção ao mais normal, preparação
específica para função específica e atividade mais normal para o cliente con-
tinuam a ser diretrizes para a abordagem Bobath. Abertura para outras es-
tratégias: contenção induzida, esteira, fortalecimento muscular, órtese, ges-
so, resistência muscular (não para todos), estimulação elétrica etc. Equipe
interdisciplinar para atuação no tratamento. Minimizar contraturas e defor-
midades visando qualidade de vida no adulto. A avaliação deve visar à ob-
servação, análise das habilidades e inabilidades, formação de hipóteses, so-
lução de problemas e interpretação destes achados. Portanto continua sendo
individualizada. O trabalho com as famílias continua a ser importante para
que entendam sua participação, restrição e conseqüência para o futuro. Qua-
lidade é importante, mas, não a custo da função9.
Howle 11 em 2005 expôs sobre o enfoque dos Estados Unidos sobre o
Conceito Bobath onde verificamos algumas diferenças de terminologia e ên-
fase de alguns aspectos da abordagem em relação à explanação realizada
por Mayston9.
Howle11 considerou importante definir os princípios da intervenção para
demonstrar sua eficiência. Considerou que os Bobath ensinaram sobre relações
entre neuropatologia e os seus efeitos nas estruturas do corpo e função e que
ainda é o centro da abordagem Bobath, mas, coloca que os avanços mostram o
impacto do ambiente e das pessoas no processo de aprendizado motor e inclui
diretamente as metas e funções do cliente. As bases conceituais do

302
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

NDT(Neurodevelopmental Treatment) têm sido atualizadas e estão de acordo


com a CIF (Classificação Internacional da Função): a patologia do SNC prejudi-
ca a coordenação das posturas e movimentos e produz interações atípicas com
outros sistemas do corpo e direta ou indiretamente repercute nas habilidades
funcionais que limitam o indivíduo. Terapeutas do Tratamento Neuroevolutivo
analisam os sistemas de forças e déficits, atividades funcionais, limitações e
habilidades de participação e restrição que são relevantes para as metas do
cliente, formulam programa de estratégias- hipóteses de déficits que interfe-
rem na funcionalidade e usam o manuseio terapêutico com outras estratégias
em atividades que são significativas para o cliente. Segundo Howle11 as mudan-
ças no pensamento envolvem Sistema interativo baseado nos sistemas dinâmi-
cos - ênfase na influência de todos os sistemas do corpo na organização e
controle do movimento com a tarefa específica que organiza os componentes
sensoriais e motores do contexto ˆ cada sistema é independente e interfere um
no outro. As sinergias motoras são fundamentais para o movimento típico – os
indivíduos descobrem suas sinergias preferenciais de acordo com as caracterís-
ticas físicas e do ambiente. Indivíduos com neuropatologia têm padrões de
movimento limitados e com pouca variação ˆ ineficiência. Problemas no tônus,
postura, balance e movimento são igualmente importantes na produção de
sinergias atípicas. Tônus anormal não é mais considerado impedimento neural
dominante que leva ao movimento anormal ˆ anormalidade do tônus é somen-
te um contribuidor para as posturas e movimentos atípicos e ineficientes. Os
marcos motores não são usados como base para o tratamento. Variáveis que
inibem ou suportam o desenvolvimento dos marcos motores incluem força,
componente muscular, controle postural, percepção, interesse e motivação,
morfologia do corpo e experiência em ambientes específicos. A autora reco-
menda avaliar as mudanças com dados objetivos como o GMFM e outros. O pré-
teste e pós-teste (avaliar a postura ou função no início e no final de um período)
que podem ser realizados em uma única sessão ou em uma semana, por exem-
plo, são utilizados a fim de avaliar o benefício do tratamento. Manuseios são
alguns dos conceitos do Bobath que continuam sendo importantes como uma
chave na estratégia de intervenção facilitação/inibição associado ao aprendiza-
do e controle motor. É ressaltada a importância da relação entre déficits, fun-
ções e participação nos papéis da vida. Mrs. Bobath desenvolveu e ensinou o
processo de solução de problemas que compreendia a pessoa como um todo
verificando o que a criança fazia e hipotetizando os porquês. Atualmente conti-
nua-se a identificar as habilidades funcionais e suas limitações. Analisar e priorizar
a eficiência da postura e movimento nas funções, formulando hipóteses e tra-
çando metas de tratamento e estratégias de intervenção de acordo com as
necessidades individuais com metas de longo prazo visando à inclusão. Bobath
identificou feedback das informações sensoriais e sua importância no tratamen-
to. Atualmente o Tratamento Neuroevolutivo reconhece que as informações
sensoriais estão ligadas ao comportamento motor de diferentes maneiras: atra-
vés da ativação dos sistemas sensoriais antecipando as necessidades posturais
(feedforward) e de movimento, feedback durante e depois do movimento, mo-
dulando-o de acordo com a necessidade e mudanças da tarefa11.
“O Conceito Bobath contemporâneo é uma abordagem de solução de
problemas para avaliação e tratamento de indivíduos com distúrbios da fun-
ção, movimento e controle postural devido a uma lesão do sistema nervoso
central e pode ser aplicado a indivíduos de todas as idades e todos os graus
de incapacidade física e funcional”12.

303
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

A teoria que suporta o Conceito Bobath considera uma abordagem do


controle motor que compreende não somente aspectos importantes do indi-
víduo, mas também como ele interage no mundo a sua volta. A habilidade do
indivíduo para se adaptar plasticamente e aprender através de novos desa-
fios, capacitando-o a refinar seu comportamento motor, é a base para a
potencial recuperação após uma lesão. A teoria do aprendizado motor provê
princípios que guiam e asseguram as modificações fisiológicas que suportam
refinamentos em movimento para mudar o desempenho funcional com o
passar do tempo13. A abordagem dos sistemas do controle motor provê
fundamentos para o embasamento teórico atual do Conceito Bobath. A teo-
ria dos sistemas é baseada nos trabalhos de Bernstein que mostrou a impor-
tância das forças internas e externas atuando no corpo a fim de entender o
controle neural do movimento. Considerou que muitos sistemas atuam de
forma integrada e cooperativa para controlar o movimento com o devido
ajuste dos graus de liberdade existente nas articulações. Shumway-Cook e
Woollacott 14 expandiram a teoria de sistemas de Bernstein para a aborda-
gem dos sistemas, enfatizando como Mrs. Bobath, que o comportamento
motor humano é baseado numa contínua interação entre o indivíduo, a tare-
fa e o ambiente.
É a teoria da abordagem dos sistemas que provê fundamentos para
os princípios de avaliação e tratamento compreendidos dentro do Conceito
Bobath atual15. A teoria dos sistemas dinâmicos propõe que os movimentos
e as mudanças nos padrões de movimento gerado por vários sistemas são
organizados pela interação de múltiplos componentes de sistemas coopera-
tivos como peso do corpo, força muscular, configuração articular, suporte
postural, humor, atenção, condições ambientais (como inércia e gravidade),
padrões de desencadeamento da descarga neural16.
A participação ativa do ser em desenvolvimento (bebê, criança, adul-
to ou idoso) é essencial para a ocorrência do processo de aquisição de uma
habilidade motora. Motivação é o motor propulsor e a tarefa constitui a razão
para que mudanças ocorram na aquisição e refinamento de habilidades mo-
toras17.
O Conceito Bobath considera que o controle motor é baseado no
sistema nervoso funcionando de forma hierárquica e paralela distributiva
com processamento em múltiplos níveis entre muitos sistemas e subsistemas15.
A compreensão da neuroplasticidade e principalmente da plasticidade
cortical dão subsídios para entender o processo de ação da aplicação do
Conceito Bobath no tratamento dos distúrbios decorrentes de uma lesão
neurológica. O Conceito Bobath explora o potencial para reorganização cortical
através da seleção de impulsos aferentes para otimizar as representações
internas e influenciar o controle de movimento. O treino motor seletivo,
manipulação da tarefa, ambiente ou aspectos do indivíduo como parte de um
movimento de reeducação também objetiva mudanças plásticas15.
A plasticidade muscular também se apresenta em vários aspectos como
arquitetura, expressão gênica, distribuição do tipo de fibra, número e distri-
buição de unidades motoras alfa, número de sarcômeros, cadeia pesada de
miosina, comprimento de fibra, distribuição mitocondrial comprimento do
tendão, densidade capilar e massa muscular têm potencial para mudança de
acordo com o estímulo apropriado. Com o aumento da demanda há mudança
de tipo de fibra e aumento de tamanho da fibra e número de mitocôndrias e
aumento da densidade capilar levando a hipertrofia. Enquanto a demanda

304
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

reduzida ou desuso gera perda muscular devido à diminuição de síntese


protéica18,19,20,21. Inatividade em posição de encurtamento resulta em aumento
de tecido conectivo, aumento de enrijecimento e resistência ao alongamento
passivo22. O fenótipo da fibra muscular é direcionado pela atividade neural e
fatores mecânicos, uma combinação de alongamento e atividade23. Músculos
imobilizados em uma posição encurtada apresentam perda de sarcômeros24.
As lesões neurológicas e as mudanças neuroplásticas resultantes têm
um impacto significativo nas demandas direcionadas sobre o músculo. Nos
primeiros estágios já se apresenta falta de habilidade para alcançar um co-
mando voluntário levando o músculo a permanecer numa posição de inati-
vidade e imobilidade. Este processo tende a gerar contratura com atrofia
muscular25.
Portanto, nossa intervenção terapêutica deve considerar todos estes
aspectos músculos-esqueléticos incluindo tecido conjuntivo, visando à mobi-
lização, evitando as posturas de encurtamento que conduzem às contraturas,
fazendo com que o movimento ativo ocorra através da facilitação seja ma-
nual, ou manipulação do ambiente (inclui base de suporte, incidência da
força da gravidade) ou da tarefa.
O aprendizado motor compõe princípios teóricos substanciais que
embasam o Conceito Bobath. Aprendizado motor refere-se a mudanças per-
manentes no desempenho motor do indivíduo como resultado da prática ou
intervenção26. Para a atuação dentro deste enfoque de tratamento os princí-
pios do aprendizado motor oferecem subsídios para que o terapeuta saiba
melhor escolher a tarefa adequada, o ambiente mais apropriado, a freqüên-
cia a ser executada e também como avaliar se a intervenção ou orientação
contribui para alterações neuroplásticas de longa duração para a melhora do
aprendizado motor do indivíduo.
Aspectos importantes do aprendizado motor a serem ressaltados são
a participação ativa, prática e metas funcionais27,28.
(vide cap. Aplicabilidade clínica da aprendizagem motora)
Os princípios do aprendizado motor devem ser considerados para to-
dos os pacientes para que estes sejam envolvidos em encontrar soluções
para seus problemas motores. É importante que o indivíduo faça escolhas
para solucionar suas tarefas motoras, observe e corrija seus erros e possa
transferir suas soluções para tarefas semelhantes. Para tanto ele tem que
ser apresentado a oportunidades que se ajustem às suas necessidades mo-
toras, físicas, cognitivas, sensoriais, perceptuais, idade cronológica e confi-
guração ambiental.
A lesão do neurônio motor superior pode apresentar de redução da
atividade motora (fraqueza, perda de destreza, fatigabilidade) como tam-
bém aumento (espasticidade, clônus, reações associadas)29,30. Característi-
cas adaptativas e condições biomecânicas devido a alterações no sistema
neural, muscular e tecido conectivo devem ser conhecidas e consideradas,
pois, vão influenciar de forma relevante nas aquisições de habilidades moto-
ras bem como nas restrições, o que pode trazer como conseqüência futura
imobilidade e presença de dor.
A hipertonia é uma combinação de falta de inibição (mudanças neurais)
reorganização plástica e mudanças mecânicas15. Espasticidade é o componen-
te neural da hipertonia e é dependente da velocidade o que significa que um
estiramento mais rápido do músculo gera maior resistência31. A resistência
associada com a espasticidade faz com que o movimento se torne mais difícil

305
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

fazendo com que o músculo permaneça em posição encurtada levando a mais


hipertonia e encurtamento adaptativo24. Em uma definição mais atual da
espasticidade esta é vista como um controle sensório motor desordenado re-
sultante de uma lesão do neurônio motor superior apresentando-se como
ativação involuntária dos músculos de forma intermitente ou sustentada32.
Estes aspectos devem ser considerados para planejar e conduzir o tratamento
visando intervir na manifestação destes sinais através de técnicas como utili-
zação dos pontos chaves para facilitar os movimentos de melhor qualidade,
estimulação sensorial que atue sobre a hipertonia ou hipotonia. Terapeutas
podem conseguir redução de tônus através de várias formas como mobiliza-
ção de músculos e articulações rígidas, alongamento muscular, prática de pa-
drões de movimento mais normais e tarefas funcionais mais eficientes33. Su-
porte de peso pode influenciar o tônus somente se o paciente for capaz de se
adaptar e mudar ativamente o alinhamento muscular15.
O Conceito Bobath envolve o paciente todo incluindo os comporta-
mentos sensoriais, perceptuais e adaptativos como também seus problemas
motores15. É essencial que o terapeuta conheça o movimento humano típico
para que o facilite no indivíduo com disfunção neuromotora buscando explo-
rar ao máximo seu potencial.
A avaliação é individualizada e o tratamento é planejado de acordo
com esta análise que vai além de seus aspectos motores.
Os sistemas sensoriais provem informações essenciais sobre os meios
interno e externo no qual o movimento hábil é baseado e refinado. Na tera-
pia visamos que o paciente possa aproveitar suas referências sensoriais para
melhor controlar o movimento como também para o controle postural.

Resumindo:
Devido aos avanços nos campos da Neurociência, biomecânica e apren-
dizado motor, o Conceito Bobath apresenta hoje muitos aspectos que muda-
ram e muitos que continuam os mesmos. Segundo Mayston34.

Os aspectos que permanecem os mesmos:


• É uma abordagem analítica e de solução de problemas
• Compreensão de tônus, padrões de movimento e controle postu-
ral que estão inseridos no desempenho das tarefas funcionais
• A idéia de que é possível modificar a maneira como a tarefa é
executada através do manuseio e ativação para torná-la mais efi-
ciente, efetiva e bem sucedida para o indivíduo
• Encorajar a participação ativa do indivíduo
• A aplicação do movimento com prática dentro da função

Os aspectos que mudaram:


• Mudanças no entendimento do tônus em relação aos aspectos neural
e não -neural
• A compreensão de que a espasticidade conforme a definição de
Lance31: “É uma desordem motora caracterizada por um aumento
do reflexo de estiramento tônico (tônus muscular), dependente da
velocidade, com resposta exagerada no tendão, resultado da
hiperexcitabilidade do reflexo de estiramento, sendo um compo-
nente da Síndrome do Neurônio Motor Superior”. É raramente o
maior tipo de desordem do movimento do paciente

306
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

• Grande abertura para uso de outras modalidades e recursos os


quais irão complementar o Conceito Bobath tais como treino de
marcha em esteira, prática estruturada, uso de órteses e fortale-
cimento muscular34.

Dentre os recursos complementares há também o TheraTogs que é


uma veste que pode ser ajustada com velcros elásticos sobre os múscu-
los, externamente, cujos princípios de ação são fundamentados no Trata-
mento Neuroevolutivo- Conceito Bobath, na teoria de Sahrmann de equi-
líbrio muscular e também nos princípios atuais de Aprendizado Motor e
plasticidade neural. Este promove impulso táctil, compressão para supor-
te postural, melhorando consciência corporal e alinhamento dentre outros
benefícios 35.
Cabe aos terapeutas do Conceito Bobath dar seguimento à difícil tare-
fa de comprovação da eficácia deste Conceito de tratamento como aos de-
mais métodos de tratamento que se propõe a atender os distúrbios
neuromotores. No caso da paralisia cerebral, onde encontramos muitas va-
riáveis de alterações neurológicas no que tange ao tipo de alteração do mo-
vimento, diferentes causas e épocas da lesão durante a gestação e período
peri-natal natal em que ocorreu a lesão, extensão e gravidade da lesão e
ainda aspectos como família, tratamentos anteriores já recebidos, aspectos
relacionados à cognição e emoção e tantos outros, encontramos dificuldade
em equacionar estudos clínicos que satisfaçam todos os requisitos de meto-
dologia apropriada com grupos controle e amostra suficiente. Mas, a nossa
experiência tem demonstrado sua eficiência ao longo destas décadas de tra-
balho. Knox36 estudou a avaliação dos efeitos funcionais da terapia Bobath
durante um curso Bobath em crianças com paralisia cerebral, utilizando o
GMFM (Gross Motor Function Measure) como instrumento de avaliação e
PEDI (Pediatric Evaluation of Disability Inventory). Foi comparado o período
anterior e posterior à intervenção e foi observada significativa melhora nas
pontuações tanto no GMFM como no PEDI. Alcântara de Torre e Gusman37
avaliaram a melhora motora nos pacientes tratados durante um curso Bobath,
comparando-os a um grupo controle que recebia tratamento tradicional por
fisioterapeutas não treinados no Conceito Bobath. O estudo foi controlado e
pareado considerando-se o mesmo número de horas de atendimento
fisioterapêutico e idade, nível do GMFCS (Gross Motor Function Classification
System), pontuação inicial do GMFM e qualidade de tônus semelhantes. Foi
utilizado o GMFM como instrumento de avaliação. Os resultados mostraram
melhora significativa para o grupo tratado durante o curso Bobath.

IV – AVALIAÇÃO E TRATAMENTO
Considerando todo o material das bases do conceito Bobath acima
exposto mostraremos a seguir alguns exemplos de tratamento onde procu-
raremos correlacionar estas bases teóricas atualizadas com a nossa prática
clínica. Uma parte essencial do tratamento é a avaliação que irá prover os
dados necessários para o planejamento e execução do tratamento.

Avaliação
O que queremos descobrir com a avaliação clínica? Como esta crian-
ça se relaciona com o meio ambiente, com as pessoas, se faz entender, se

307
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

compreende, movimenta-se com um objetivo, posturas e atividades que é


capaz de realizar sem ajuda, informações sensoriais, aspectos positivos
que a criança já adquiriu e que precisam ser mantidos e aspectos de riscos
que necessitam maior atenção como encurtamentos musculares, déficit vi-
sual e outros. Verificar a necessidade de encaminhamento para outros pro-
fissionais38. Verificar quais são as deficiências analisando a integridade
funcional e estrutural e as possíveis deficiências. Traçar as metas iniciais e
qual o programa para atingi-las. Verificar as necessidades de equipamento
e prover parâmetros concretos e objetivos para avaliação inicial que indica-
rá as prioridades a serem atendidas como também nas avaliações subse-
qüentes que mostrarão a evolução do paciente. Para isso é importante uti-
lizarmos avaliações quantitativas como o GMFM, PEDI, goniometria, avaliação
de força muscular e outros. Documentar com fotos e vídeos nas mesmas
condições de posicionamento as avaliações e reavaliações.
As deficiências que a criança apresentar devem ser analisadas se
são primárias ou secundárias.
Deficiências primárias podem ocorrer num único sistema ou em vá-
rios como neuromuscular e musculoesquelético. As deficiências primárias
do sistema neuromuscular podem ser de sinais de excesso de estímulo
excitatório descendente como a espasticidade, ativação muscular alterada,
co-ativação excessiva e ineficiente, sinergias musculares estereotipadas,
execução motora prejudicada com deficiência na modulação e na escala de
força, alteração no seqüenciamento e timing ou sobreposição excessiva de
contração no mesmo membro ou em mais de um membro e sinais de falta
de estímulos excitatórios descendentes como fraqueza – geração de força
insuficiente, controle postural antecipatório ineficiente, hipocinesia e perda
de movimentos fracionados ou dissociados. Deficiências primárias na PC
podem incluir: problemas em detectar, registrar, modular e organizar as
informações sensoriais, problemas em selecionar, ativar, seqüenciar e exe-
cutar sinergias de movimentos coordenados e problemas em regular as
estratégias posturais antecipatórias. Problemas em produzir níveis apro-
priados de co-ativação e na produção de força. Nas patologias do SNC as
deficiências primárias ocorrem geralmente nos sistemas neuromuscular,
musculoesquelético e sensorial16.
Deficiências secundárias: não resultam diretamente da
fisiopatologia original e geralmente se desenvolvem com o tempo. Os efei-
tos da lesão cerebral interagindo com outros sistemas do corpo e ambiente
influenciam o desenvolvimento das deficiências secundárias levando a inte-
rações atípicas. Contribui com problemas adicionais como físico, cognitivo
ou emocional que afeta a habilidade da pessoa para lidar com as deficiên-
cias primárias como padrão de ativação limitado devido à falta de prática
em múltiplos contextos falta de atenção em tarefas motoras múltiplas
devido a prejuízos no sistema cognitivo. Dor muscular ou articular devido à
falta de alinhamento. Problemas nas articulações e partes moles e deficiên-
cias esqueléticas como alterações no acetábulo e anteversão do colo do
fêmur16. É importante avaliarmos as deficiências globais ex: neuromotor,
musculoesquelético, sensorial, comunicação, respiratório, nutrição, cardio-
vascular, gastrointestinal, social e emocional dentro da abordagem da Clas-
sificação Internacional da Função (CIF) que analisa o indivíduo em todos os
seus sistemas e sua inter-relação e as conseqüências no próprio indivíduo e
sua participação no ambiente.

308
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

A avaliação pode ter início pela entrevista com os pais ou respon-


sáveis pela criança. Nesta entrevista a criança não necessita estar pre-
sente. Neste momento são levantados os dados pessoais da criança e dos
pais, os profissionais que atendem a criança, as atividades as quais parti-
cipa. Durante a entrevista é colhida a história incluindo os dados da ges-
tação, intercorrências, dados da criança ao nascimento, período pós-na-
tal, marcos de desenvolvimento motor, investigações realizadas como
exames visuais, auditivos, ressonância magnética, tomografias e outros.
Deve ser verificado também se a criança necessita ou necessitou de son-
da naso-gástrica, se fez vídeodeglutograma, se usa gastrostomia, se fez
alguma cirurgia ortopédica ou outra intervenção ortopédica como toxina
botulínica, gesso, órteses etc. Devemos inquirir também se possui radio-
grafias de quadril e coluna, e se fez algum outro tipo de cirurgia ou inves-
tigação. É necessário também investigar sobre a saúde geral da criança
como a freqüência de infecções respiratórias e de ouvido, se apresenta
asma ou crises convulsivas, com que freqüência e se usa medicamentos,
se apresenta refluxo, aspiração e constipação. Devemos perguntar sobre
os equipamentos que possui e que faz uso como andador, bengalas, ca-
deira de rodas adaptadas, cadeira, parapodium, banheira etc. Questionar
sobre o uso de equipamento para comunicação, ortopédicos e de terapia
como tablado, bola, rolo e banco por exemplo. Verificar se algum destes
equipamentos é utilizado na escola.
Após os dados estarem coletados na entrevista iniciamos a observa-
ção do paciente. A avaliação observacional deve ser desde o instante em
que vemos o paciente quando já devemos dar atenção à postura em que se
encontra seja no colo, num tablado, no chão, numa cadeira, em pé ou se
locomovendo. Já então devemos observar sua coordenação dos movimen-
tos, olhar, respostas auditivas, inter - relação com o acompanhante e com
o examinador.
Demonstrar ao paciente que ele está sendo esperado e tratá-lo com
o máximo de atenção, pois, a avaliação pode gerar muita ansiedade por
parte do paciente e da família. O ambiente deve possuir brinquedos ou
objetos apropriados à idade do paciente.
Antes de solicitarmos que seja despido ou que o faça sozinho, de-
pendendo da sua idade e habilidade, devemos iniciar o processo de aproxi-
mação com a criança visando ganhar sua confiança e assim evitando que se
sinta amedrontada e com isso acarrete choro, aumento de tônus, não cola-
boração e outros aspectos que podem prejudicar a avaliação.
Observar qual ou quais são as posições preferências da criança e
como entra e sai de uma postura ou quanto de auxílio necessita, se trans-
fere o peso mais para um hemicorpo ou se utiliza mais um hemicorpo do
que o outro. Criar situações que estimulem seu deslocamento através de
brincadeiras.
Tendo alcançado este contato favorável, se a criança apresenta apa-
rente condições de conseguir retirar parte da sua roupa de forma indepen-
dente podemos solicitar que faça esta tarefa, do contrário, o terapeuta
deverá auxiliar e desta maneira já irá observando suas limitações motoras,
cognitivas e comportamentais.

309
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

Após a criança estar com a roupa de baixo pode ser solicitado à


criança que se deite em supino ou que seja colocada caso não seja capaz
de fazer sem ajuda. Não é necessário que sigamos uma ordem seqüencial
em relação às posturas a serem avaliadas e nem tão pouco que iniciemos
a avaliação prática pela posição supina. Entretanto é importante que veri-
fiquemos qual é seu comportamento motor em todas as posições princi-
pais: supino, prono, puxado para sentar vindo de supino, sentado, gato,
ajoelhado, semi ajoelhado e em pé com apoio e sem apoio se houver esta
possibilidade. Devemos então observar qual a postura que se coloca em
relação aos membros, tronco e cabeça no que tange ao alinhamento
biomecânico, se fica simétrico ou assimétrico, os movimentos que conse-
gue realizar espontaneamente ou após solicitação, as transferências de
peso que é capaz de executar. A qualidade destes movimentos deve ser
observada como velocidade, direção, fluência e acurácia. Devemos anali-
sar se existe predomínio de ação de um grupo muscular ou vários grupos
predominantes. Neste aspecto, mais freqüente são o predomínio dos gru-
pos dos adutores, flexores de quadril e joelho, flexores plantares. Este
predomínio sobre seus antagonistas pode ser unilateral ou bilateral. De-
vemos sempre ter em mente que os músculos vencedores ou dominantes
vão arrastar outros com sua hiperatividade fazendo com que outros gru-
pos musculares se encurtem e outros se enfraqueçam por não encontra-
rem condições de efetuar uma contração muscular apropriada como é o
caso dos músculos que ficam hiperalongados devido aos seus antagonis-
tas encurtados. Portando, dependendo da idade da criança e do estágio
de encurtamentos musculares que apresente podemos prever que modifi-
cações músculo- esqueléticas ainda irão ocorrer. Para isso, nossa avalia-
ção inicial e reavaliações contínuas deverão obter informações da dinâmi-
ca que anima o jogo de forças musculares para podermos intervir de forma
adequada e verificar se já existem encurtamentos musculares que sejam
irredutíveis ou redutíveis.

Em todas as posições devemos verificar se a criança é capaz de


mudar de posição de forma independente ou se precisa de ajuda e buscar
descobrir o que a impede de executar a ação solicitada. Lembrando que
para isso também precisamos considerar os aspectos sensoriais e
cognitivos.

Em cada posição devemos observar o tônus postural, as habilida-


des e inabilidades oferecendo brinquedos ou outros objetos que possam
ser de interesse para que demonstre suas capacidades. Além da obser-
vação nas posturas estáticas é importante também verificarmos as mu-
danças posturais que é capaz de executar como no solo se é capaz de
rolar, pivotear ou arrastar, se passa do chão para sentado, para quatro
pontos, para em pé, se passa de sentado para em pé etc. Se fica em pé
independente ou dependente e marcha independente ou dependente. O
exame também deve verificar as condições das amplitudes de movimen-
to e encurtamentos musculares incluindo teste de Thomas, abdução do
quadril em flexão e em extensão, rotação interna e rotação externa,
ângulo poplíteo, contraturas em flexão de joelho, recurvatum, flexão
dorsal com flexão e com extensão de joelho, comprimento dos membros
e encurtamento do músculo reto femoral.

310
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

Nas atividades da vida diária deve ser verificada a função dos mem-
bros superiores, atividades e brinquedos favoritos, posição de dormir e pos-
síveis dificuldades, respiração, alerta, alimentação e comunicação.
As avaliações específicas devem ser realizadas pelo profissional da área
como o fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo. Baseado nos
principais problemas encontrados devem ser traçadas as principais metas de
tratamento. Ao final da avaliação devemos informar à mãe os achados da
avaliação tomando o cuidado de não deixar a família muito ansiosa, mas es-
clarecendo sobre a necessidade do tratamento especializado. Iniciar algumas
orientações básicas já na avaliação, pois, a família vem geralmente com a
expectativa de orientação.

Tratamento
O terapeuta através de seus manuseios e orientação da tarefa pro-
posta promove o aumento ou diminuição da atividade de alguns grupos
musculares de forma simultânea, buscando facilitar o movimento com fun-
ção e/ou estabilidade da postura quando esta for necessária. Isto suben-
tende que se está interferindo nas sinapses excitatórias e inibitórias. Como
sabemos algumas vias sinápticas não são utilizadas adequadamente, uma
vez que a criança apresenta limitação na sua função motora por exemplo.
Buscamos então através do nosso manuseio e da nossa proposta de ativi-
dade favorecer que estas vias que são pouco ou nada utilizadas pelo pa-
ciente possam ser ativadas. Sabemos também que a repetição do percur-
so tornará mais fortes estas “pontes” sinápticas e então os ganhos poderão
ser mantidos. Esta atividade afetará também as propriedades visco elás-
ticas dos músculos e a condição biomecânica das articulações envolvidas.
Sem uma boa condição de comprimento da fibra muscular e bom posicio-
namento das articulações não será possível a adequada, ou, melhor exe-
cução do movimento de acordo com as condições de cada paciente. Natu-
ralmente, como foi enfatizado anteriormente as atividades propostas devem
estar de acordo com as características e anseios do paciente para que o
aprendizado motor se estabeleça. Considerando que a Lesão do Neurônio
Superior pode acarretar além da espasticidade também a fraqueza entre
outros sinais, nossa ênfase na abordagem do tratamento também deve
ser no sentido de fortalecer os músculos, de forma gradual, sempre con-
siderando o alinhamento biomecânico. Para isso podemos utilizar eleva-
ção dos segmentos corpóreos contra a gravidade, segurar um brinquedo
mais pesado e colocá-lo acima, suportar o seu próprio peso em posições
que exijam ação muscular etc.
Para propiciar e prolongar o adequado posicionamento osteo-articular
e muscular necessitamos orientar o uso de recursos que facilitem este obje-
tivo, como órteses, estabilizadores para a postura em pé, cadeiras adapta-
das, aparelhos de lona que mantenham as articulações do joelho e cotovelo
em extensão, faixas elásticas que favoreçam a contenção de um segmento
ou vários ou que facilitem a ativação muscular de determinada região e
outros recursos similares. Todos estes recursos só devem ser introduzidos
após contato com os outros profissionais que atendem o paciente.
Serão, a seguir, mostrados tratamentos de duas crianças como exem-
plos da aplicação do Conceito Bobath.

311
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

Tratamento de uma criança hemiparética de nove meses de idade


nas figuras 1 a 6:

Fig.1 Observar o que a criança está fazendo de positivo e o que ela deveria estar fazendo
e não é capaz. Esta é uma criança hemiparética com forte tendência a manter a mão
direita fechada e não é capaz de pegar um brinquedo com esta mão.

Fig.2 Observar a criança em diferentes posições. Em pé, observamos que não transfere
adequadamente o peso para o membro inferior direito e também apresenta tendência à
flexão plantar acentuada como é comum nesta idade em paciente hemiparético.

312
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

Fig. 3 Tratamento e orientação alongando e promovendo a ação com o braço afetado

Fig.4 Alongando a lateral do tronco e musculatura da cintura escapular como redondo


maior e grande dorsal

Preparando o braço afetado promovendo mobilidade e alongamento


muscular, dissociando as cinturas pélvica e escapular.

313
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

Fig. 5 Dar suporte de peso no braço afetado para promover estímulo táctil e proprioceptivo
do membro superior direito estendido e a mão aberta o que também auxilia o
alongamento dos flexores do cotovelo, do punho e dos dedos.

Fig. 6 Facilitando o brincar usando as duas mãos e alongando a musculatura do tronco e


cintura escapular ao mesmo tempo promovendo a dissociação do quadril. Para uma boa
ação muscular que permita amplitude de movimento nos últimos graus como neste
exemplo para a flexão do ombro direito, há necessidade de fixar o segmento abaixo para
que tenha boa estabilidade como é mostrado com o antebraço da terapeuta sobre o
quadril direito.
Facilitar o ficar em pé e uso da mão afetada. Esta atividade pode ocorrer de forma
dinâmica através do sentar sobre a perna da terapeuta e o levantar-se girando para
lateral, mobilizando a articulação coxofemoral. O estímulo sensorial da mão afetada pode
ser aumentado com a força do membro sendo direcionada para a parede e depois
brincando com o objeto que está na altura da sua visão.

Neste segundo tratamento, mostramos a orientação e partici-


pação da mãe. No início do tratamento precisamos orientar de for-
ma prática, sobre algumas atividades que poderão ser realizadas no
dia a dia de uma maneira lúdica e prazerosa e alguns manuseios
onde podemos utilizar os instrumentos bola e rolo. Figs 7 a 16

314
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

Fig. 7 Esta é uma criança com tônus de base hipotônico, mas com presença de
espasticidade principalmente em adutores de quadril, mas, também nos flexores de
quadril e flexores de joelhos. Apresenta também espasticidade em membros superiores,
principalmente o direito. Tronco com pouca retificação e tendência a sentar-se sobre o
sacro. Primeiramente analisamos suas necessidades e depois iniciamos a orientação à
mãe com o posicionamento do quadril e membros inferiores visando à abdução do quadril
e o apoio sobre as tuberosidades isquiáticas.

Fig. 8 As primeiras sessões de tratamento podem ser mais difíceis para a criança uma
vez que ela não nos conhece e pode não estar habituada a ser tão movida para posições
que podem ser um pouco novas e até mesmo trazer algum incômodo. Sugerimos nestas
situações que a mãe esteja ao lado para transmitir-lhe confiança e aos poucos ela possa
também confiar em nós. Nesta atividade estamos promovendo a rotação de tronco e o
apoio dos membros superiores no colo da mãe, mantendo a abdução do quadril.

315
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

Fig. 9 Abdução de membros inferiores e apoio das mãos usando ponto-chave cotovelo.

Fig. 11 Estimulando um trabalho ativo e


funcional dos braços e da musculatura
Fig.10 Brincando de bola com a mãe, do tronco. A terapeuta facilita o ajuste
usando as duas mãos e mantendo a do alinhamento do tronco para que a
abdução das pernas. Está sendo visa- musculatura extensora possa ser ativa-
do nesta atividade o uso das duas da mais adequadamente.
mãos, alinhamento na linha média e
movimento dos membros superiores
para frente refletindo na abdução das
escápulas o que é um movimento apro-
priado para permitir mais mobilidade
da cintura escapular. Alongando a mus-
culatura lombar e flexionando o qua-
dril corrigindo a postura cifótica da lom-
bar. Esta postura favorece também o
alongamento do músculo grande dorsal
e redondo maior.

316
Capítulo 17 Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath

Fig. 12 Estimulando a ativação dos músculos extensores do tronco e da cintura escapular


ao mesmo tempo que impedimos a adução do quadril. A visualização do brinquedo pro-
move a motivação que é um importante componente do controle motor. Apoio das mãos
abertas gera feedback sensorial e influencia a adequação do tônus.

Fig. 13 Alongando musculatura lateral do tronco e imprimindo a rotação do mesmo e


dissociação do quadril

Fig. 14 e Fig. 15 Facilitando a retificação do tronco.

Fig. 16 Em pé com extensão de um quadril e atividade funcional motivadora

317
Tratamento Neuroevolutivo - Conceito de Bobath Capítulo 17

V - CONCLUSÃO

O termo Conceito Bobath deve continuar a ser utilizado? A minha


resposta a esta pergunta é sim.
As idéias humanas mudam rapidamente, pois são interpretações que
fazemos acerca do mundo que observamos. Essa é a natureza da Ciência,
pois o conhecimento científico são nossas interpretações acerca desse mun-
do. E nessas interpretações há uma peça fundamental entre os dados (base
empírica) e as conclusões (verdade científica): o cérebro do cientista, seu
mundo subjetivo. Todo conhecimento científico é aceito como verdadeiro,
mas não uma verdade no sentido que se tem na Religião. A verdade na
Religião é algo definitivo, imutável, válido para além da existência humana.
Na Ciência, a verdade é relativa. Hoje algumas podem ser tidas como verda-
deiras, mas no futuro essas verdades podem ser substituídas39.
Portanto, o Conceito Bobath teve seu embasamento nos conhecimen-
tos da época em que foi criado, e que vem se modificando a medida que
novos conhecimentos vêm surgindo. Esta modificação não foi radical como
pudemos perceber neste trabalho, mas acrescentando e se adaptando aos
esclarecimentos que foram melhor direcionando nossa prática clínica. Retirar
o termo Conceito Bobath desta abordagem de tratamento seria a meu ver,
negar todos os aspectos que se mantém até os dias de hoje como sendo de
autoria deste casal o qual nos referimos.

Agradecimentos
À Sonia Gusman, Coordenadora Instrutora Sênior do Conceito Bobath,
por ter me porporcionado a oportunidade de melhor conhecer o Conceito
Bobath através de sua rica base teórica, ampla experiência prática, num
trabalho em conjunto que muito me ensinou.
À Maria Terezinha B. Golineleo, Coordenadora Instrutora Sênior do
Conceito Bobath, que gentilmente dividiu comigo artigos antigos e recentes
relacionados ao Conceito Bobath.
Agradeço novamente a Sonia Gusman e a Tereza Golineleo pela leitu-
ra e contribuições neste manuscrito como também as colegas Simone Sanches,
Gabriela Marasca, Ariane Ferro Francese e Ana Paula Toledo Aragão.
À Pessia Grywac Meyerhof, Instrutora Sênior do Conceito Bobath, e
todos os membros da Reabilitação Especializada e Centro de Apoio Terapêu-
tico pela possibilidade de um trabalho em equipe e trocas constantes dentro
do enfoque Bobath.

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320
CAPÍTULO 18

INTEGRAÇÃO SENSORIAL NA PARALISIA CEREBRAL

Zodja Graciani e Aline Rodrigues Bueno Momo

Integração Sensorial é uma abordagem que relaciona a habilidade


inata do ser humano em organizar e interpretar as informações sensoriais
recebidas e responder adequadamente com o processo de aprendizagem e
desenvolvimento1-3.
A influência da neurobiologia, da neuropsicologia e das teorias de
aprendizagem e comportamento justifica os instrumentos de avaliação e a
metodologia utilizada por Anne Jean Ayres para o tratamento de crianças
com desordens do processamento sensorial, também, em crianças com pa-
ralisia cerebral.
Curiosamente, a doutora Jean Ayres na década de 50 ao observar
limitações na intervenção motora realizada em alguns casos de paralisia ce-
rebral, iniciou uma linha de raciocínio sob a perspectiva de que algumas
dificuldades motoras pudessem ter uma origem não somente no controle
motor, mas também no sensorial4-6.
Ao explorar a hipótese, Ayres iniciou os estudos com crianças com
dificuldades escolares diagnosticadas, na época, com lesão cerebral mínima
(disfunção cerebral mínima). Sob a perspectiva de que distúrbios de apren-
dizagem refletissem desvios na função neural, Ayres desenvolveu um mode-
lo teórico para guiar a intervenção clínica, com intuito de reorganizar a fun-
ção neural, e assim favorecer a aprendizagem1,3,6.
Ressalta-se que Ayres não retomou a questão inicial sobre integração
sensorial em crianças com paralisia cerebral, uma vez que concentrou as
pesquisas e a prática em crianças com dificuldades de aprendizagem, sem
comprometimentos neuromotores. Outros autores como Blanche, Botticelli e
Hallway, anos mais tarde, descreveram possíveis desordens sensoriais pre-
sentes nos diversos quadros de paralisia cerebral5. Atualmente, a terapia de
integração sensorial é utilizada como metodologia aplicável, também, no
tratamento da criança com quadros neuromotores, o que amplia as possibi-
lidades de intervenção.

321
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

O MODELO TEÓRICO

Aprendizagem como função cerebral é o conceito teórico do qual Ayres


partiu para construir a teoria2,3. Uma vez que distinguimos a aprendizagem
como resultado de recepção, condução e interpretação neural, segue-se o
raciocínio de que um distúrbio de aprendizagem é resultado de algum desvio
na função do sistema nervoso central.
Nossos canais de entrada são os receptores proximais que captam
sensações táteis, proprioceptivas, vestibulares, auditivas, visuais, gustativas
e olfativas. Essas sensações ao serem captadas pelos receptores são
conduzidas em forma de impulso até o córtex sensorial, onde essas sensa-
ções, agora impulsos, são interpretados a fim de provocar reações e respos-
tas. Nosso canal de ação pelo qual somos capazes de responder é o aparelho
motor. Para tanto, o córtex motor recebe a interpretação das sensações cap-
tadas e produz uma resposta, ou seja, emite um comportamento. Para que
esse comportamento seja organizado, ocorre um planejamento da ação, seja
ela motora ou cognitiva7.
Assim, Ayres focou os estudos na tentativa de explicar como as sen-
sações corpóreas influenciam, modificam e provocam o planejamento motor,
a organização do comportamento e o consequente impacto na aprendizagem
e no desempenho escolar1-3,8.
Num mundo sensorial, várias emissões são captadas, interpretadas
e organizadas para que possamos elaborar um comportamento que permi-
ta a realização de ações e atividades rotineiras, determinando não somente
nosso comportamento motor, mas nossa capacidade em formar conceitos e
aprender.
Presente desde o nascimento, a integração sensorial propicia que o
bebê responda adequadamente a estímulos presentes no meio ambiente.
Gradativamente, constrói e refina condutas que com o passar dos anos ga-
rantirão habilidades cada vez mais complexas e, consequentes desempe-
nhos ocupacionais mais refinados e compostos.
Sabe-se que esse processo não ocorre da mesma forma na criança
com paralisia cerebral, já que esta deve desenvolver padrões de movimen-
tos que permitam as demandas de tarefas funcionais de acordo com o com-
prometimento apresentado. É comum e previsível que não seja capaz de
responder adequadamente as demandas do ambientes e assim, resgatam
experiências mal sucedidas e comportamentos pouco adaptativos ou
ineficientes. Outro aspecto, é que a privação de experiências sensório-moto-
ras decorrentes de limitações de movimento e dificuldades em vivenciar cer-
tas posturas e posições, pode influenciar o processo de integração sensorial.
Igualmente, atenta-se que o distúrbio de processamento sensorial
decorre da mesma lesão e provocam as desordens de movimento. Neste caso,
a criança capta, interpreta e organiza a informação sensorial, porém falha no
que diz respeito ao planejamento motor para responder adequadamente. A
partir destes conceitos, Blanche e Nakasuji diferenciam os transtornos senso-
riais em crianças com paralisia cerebral em primários e secundários, sendo os
primários decorrentes da lesão e os secundários da privação de experiências4.

Distúrbios de Processamento Sensorial


Fundamentadas nos resultados coletados ao longo de décadas, as
disfunções de integração sensorial foram classificadas por Ayres em distúr-

322
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

bios de modulação e de discriminação. Desordem, Perturbação ou Distúrbio


de Processamento Sensorial - DPS (Sensory Processesing Desorder) é a nova
terminologia proposta por Miller para identificar as alterações comportamen-
tais resultantes do desequilíbrio no processamento das informações sensori-
ais recebidas do ambiente e do próprio corpo.1,2,9
Os distúrbios de processamento sensorial são classificados em três
tipos distintos: distúrbio de modulação sensorial, distúrbio de discriminação
sensorial e distúrbios motores com base sensorial. Cada um desses tipos
possuem subtipos que se diferenciam pela reação ao estímulo sensorial ou
comportamentos resultantes conforme visto na fig. 1.

DISTÚRBIO DE PROCESSAMENTO SENSORIAL


(DPS)

Distúrbio de Distúrbio de Distúrbio motor


modulação discriminação/ de base
sensorial percepção sensorial
(DMS) sensorial (DDS) (DMBS)

Hipo RS Hiper RS BS Desordem Dispra-


postural xia

Hipo RS = hiporresponsividade sensorial


Hiper RS = hiperresponsivo sensorial
BS = busca sensação
Proposto por Miller; Cemark; Lane;
Anzalone; Koomar (2007)

Figura 1: Classificação nosológica dos Distúrbios de Processamento Senso-


rial (traduzida de Miller; Cemark, Lane, Anzalone, Koomar, 2007)9

1. DISTÚRBIO DE MODULAÇÃO SENSORIAL - DMS

Quando frente a um estímulo sensorial, a criança responde atipicamente


emitindo uma resposta inadequada a natureza, intensidade, frequência, du-
ração ou grau da sensação contextual, dizemos que ela apresenta um distúr-
bio de modulação sensorial, pois não há um equilíbrio entre a sensação rece-
bida e comportamento emitido. Miller propôs as seguintes subclassificações9:

Subtipo 1: Hiperresponsivo
Nestes casos, as crianças respondem mais intensamente a determi-
nado estímulo do que outras na mesma situação. Comportamentos de
irritabilidade, recusa, ansiedade, choro, incômodo, desconforto ou agressi-
vidade são comuns e dificultam a interação da criança com o ambiente e
atividade10.
Frente a sensação tátil, por exemplo, a criança apresenta um descon-
forto tão intenso que a conduta é de fuga ou recusa1,2,8. Essa resposta de
defensividade tátil pode aparecer durante a alimentação, quando a criança

323
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

recusa-se a comer diversos alimentos com consistênci-


as e texturas, as quais responde aversivamente. A crian-
ça parece não conseguir regular a entrada sensorial e
mantém-se ansiosa ou irritada durante a realização de
atividades cotidianas.
Nestes casos, as crianças respondem mais in-
tensamente a determinado estímulo do que outras na
mesma situação. Comportamentos de irritabilidade,
recusa, ansiedade, choro, incômodo, desconforto ou
agressividade são comuns e dificultam a interação da criança com o ambien-
te e atividade10.
Emprega-se a expressão “insegurança gravitacional” quando a hiper-
resposta frente a sensações vestibulares e proprioceptivas é observada em
situações de movimento, que promovam o desequilíbrio ou deslocamento do
corpo1,2,8,10. As crianças com esse perfil podem recusar a participar de ativi-
dades em grupos ou mesmo individuais que utilizem brinquedos como balan-
ço, gangorra, escorregador, gira-gira.
Na criança com paralisia cerebral estas manifestações são comuns,
mas geralmente relacionam-se a alteração de tônus, fraqueza e consequen-
temente instabilidade para adquirir posições antigravitácionárias. A insegu-
rança, nesse caso, não deve ser interpretada como resultado de um mal
processamento sensorial, mas pode ser intensificada caso ela apresente res-
postas exacerbadas frente a estímulos vestibulares e proprioceptivos4.
São comuns comportamentos excessivos de cautela, de birra e
irritabilidade quando são obrigadas a, andar de elevador ou escada rolante,
ou participar de brincadeiras com bola, bicicleta, cama elástica e trampolim.
Quando a reação exacerbada ao movimento vem acompanhada de rea-
ções neurovegetativas como sudorese, enjôo, náusea, taquicardia identifica-
mos como resposta aversiva ao movimento ou intolerância ao movimento1,2,8,10.
A criança freqüentemente apresenta os comportamentos de irritabilidade cons-
tante, choro perseverante, impulsividade e agressividade como resultado da
aversão a uma ou várias informações sensoriais combinadas.
Quanto menor a criança, menor a capacidade de expressar adequada-
mente desconforto e menos habilidade para escapar da situação desconfortante
ela possui, portanto mais intensos e freqüentes são comportamentos
hiperresponsivos, na tentativa de controlar a entrada sensorial.

Subtipo 2: Hiporresponsivo
Nesta classificação, as crianças tendem a responder menos a determi-
nados estímulos que outras crianças na mesma situação, resultando em com-
portamentos de alienação, passividade, isolamento, lentidão e distração.
Crianças hiporresponsivas parecem não notar modificações ambien-
tais e não orientam a atitude para novos estímulos. A resposta a uma infor-
mação sensorial é lentificada se comparadas as demais no mesmo contexto.
Algumas situações sugerem que o estímulo deva estar presente por mais
tempo e em maior quantidade para que se torne relevante para então motivá-
la a engajar-se em novas atividades1,2,8,10.
Nos quadros de ataxia e hipotonia, lentidão de resposta, alienação e
passividade são comuns, em parte como conseqüência do comprometimento
motor e em parte como resultado de uma hiporresponsividade sensorial geral.

324
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

Enquanto a criança hiperresponsiva tende a responder com maior


intensidade, a criança hiporresponsiva tende a emitir respostas com menos
frequência que as demais crianças, considerando-as em situações seme-
lhantes.
A criança pode apresentar-se hiporresponsiva a vários sistemas sen-
soriais ao mesmo tempo, dificultando a emissão de um comportamento fun-
cional. Nesse caso, a criança tende ao isolamento social, inabilidade para
interagir em grupos, retração emocional e incapacidades específicas que di-
ficultam no processo de aprendizagem, como déficit na concentração e na
atenção, distração constante e dificuldades em acompanhar o ritmo da sala8,10.

Subtipo 3: Busca sensorial


Para compreender a criança de bus-
ca sensorial analisam-se dois comportamen-
tos emitidos. Primeiramente, nota-se que a
criança necessita de informações sensoriais
extras para interagir com o ambiente, regu-
lar o estado de alerta e controlar as entra-
das sensoriais; posteriormente observa-se
que ao conseguir as informações sensoriais
que procurava, o comportamento é intenso,
desorganizado, excitado.
Assim como a criança hiperres-
ponsiva, a criança de busca sensorial, tam-
bém, emite comportamentos intensos e ex-
cessivos, porém, tratam-se de comportamentos de aproximação, busca e
procura e não de esquiva, fuga ou recusa como no caso das primeiras8,10.
A criança parece estar em constante movimento, sempre a procura
de estímulos intensos. A inquietude da criança apresenta-se em situações
diversas e por vezes é no movimento que ela encontra possibilidades de
permanecer atenta ao contexto8.
Na paralisia cerebral essa busca sensorial é frequentemente observa-
da em crianças com quadros leve a moderado.
Na escola, a criança pode, por exemplo, não conseguir manter-se
sentada e necessita tamborilar os dedos, mastigar algo, ouvir ou cantarolar
melodias, levantar-se da cadeira ou sentar-se sobre os pés, manipular obje-
tos entre os dedos ou nas mãos, balançar-se na carteira ou modificar cons-
tantemente de posição para conseguir manter sua atenção na aula8,10.

2. DISTÚRBIO DE DISCRIMINAÇÃO SENSORIAL - DDS

Os distúrbios de discriminação dizem respeito a dificuldade em inter-


pretar as qualidades dos estímulos ou perceber as singularidades de cada
estímulo, diferenças e semelhanças. Compreende-se como desordens
perceptivas1,2,8.
Apesar de receberem a informação sensorial, as crianças com DDS,
não são capazes de responder adequadamente a estes, uma vez que não
conseguem precisar a localização e origem do estímulo. Podem apresentar

325
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

graus diferentes de dificuldades nas diversas mo-


dalidades sensoriais, sendo mais comuns para os
sistemas tátil, visual e auditivo9.
A incapacidade de discriminar sensações au-
ditivas pode dificultar a orientação por meio de
comandos verbais, a diferenciação de sons, a aqui-
sição da linguagem, a participação em atividades
em grupos que envolvam exposição de idéias e
apreciar música ou tocar um instrumento.
Se presente no sistema visual, a criança
pode apresentar dificuldades com pareamento de
cores, formas e posteriormente na escrita para identificar sequenciamentos
e produzir palavras e textos, orientar-se espacialmente, antecipar situações,
organizar-se.
Na paralisia cerebral, observa-se dificuldades em tarefas dependen-
tes da discriminação visual, como identificação de símbolos, construção de
frases através de imagens e aquisição de conceitos.
Para o sistema vestibular ou proprioceptivo a criança pode desequili-
brar-se facilmente por não conseguir identificar variações de postura e mo-
vimento do corpo, bem como variações de solo (altura, obstáculos, estabili-
dade) e orientação espacial.
Quando presente no sistema tátil, a criança pode ter dificuldade em explo-
rar e manusear objetos, identificar texturas, escolher as próprias roupas e utensí-
lios de higiene pessoal, fazer escolhas alimentares e perceber gostos pessoais.
A dificuldade em identificar cheiros e sabores e diferenciá-los pode
fazer com que a criança não tenha preferências alimentares, ou simplesmen-
te não consiga escolher. Ao detectar cheiros desagradáveis, pode ser incapaz
de afastar-se dele por não conseguir identificar de onde o cheiro emana.
Os distúrbios de discriminação podem estar presentes para mais de
uma modalidade sensorial concomitante, e geralmente afetam a linguagem,
a integração bilateral e o sequenciamento motor1-3,6,8,10.

3. DISTÚRBIO MOTOR COM BASE SENSORIAL - DMBS

Desordens motoras com base sensorial representam a dificuldade em


integrar as informações do próprio corpo e posicionar-se ou movimentar-se
de maneira eficiente no ambiente. Segundo Ayres (1979)3, o processamento
das informações táteis,
proprioceptivas e vestibula-
res é fundamental para o de-
senvolvimento motor. Se es-
sas informações não forem
integradas, a criança pode
apresentar respostas moto-
ras ineficientes.
Os distúrbios motores
com base sensorial foram
subdivididos em desordens
posturais e no planejamento
motor, também nomeado de

326
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

dispraxia. Apesar de diferenciados em dois subtipos, podem estar presentes


concomitantemente.9
Distúrbio postural diz respeito a dificuldade em estabilizar o corpo
durante o movimento ou retificar a postura quando solicitado pelo movimen-
to. A criança com essa perturbação pode ser incapaz de manter alinhamento
durante atividades como leitura e escrita. Geralmente, apresentam tônus
postural baixo, desequilíbrios, reações de proteção empobrecidas e dificul-
dades na integração motora bilateral9.
Dispraxia ou distúrbio no planejamento motor diz respeito a dificulda-
des em idealizar, iniciar, organizar e executar ações em situações novas ou
não usuais. A criança dispráxica parece não saber como realizar uma nova
ação ou resolver um novo problema1,3,5,6,8,10,11.
Esta classificação na criança com Paralisia Cerebral (PC) pode gerar
conflitos já que a dificuldade motora é inerente ao quadro. Contudo, ela rece-
berá essa denominação quando apresentar dificuldades na idealização, plane-
jamento e organização de tarefas pouco dependentes do controle motor.
O termo dispraxia é frequentemente utilizado para identificar dificul-
dades com planejamento e sequenciamento de etapas. Pode ocorrer nos
aspectos motor, verbal, cognitivo e oral. Assim, a criança pode não ser capaz
de sequenciar movimentos, sons, articular palavras, produzir sons, idéias,
construção simbólica, e tem dificuldades em executar tarefas sobre coman-
do verbal1,8,10.
Os comportamentos observáveis mais comuns são as repetições de res-
postas conhecidas, preferência por atividades usuais, falta de variabilidade de
movimento, reação de culpa e insegurança, falta de controle da situação e
incapacidade para seguir o ritmo dos colegas, desinteresse por brincadeiras ou
atividades com crianças de mesma idade, frustrações e labilidade emocional.

AVALIAÇÃO DA INTEGRAÇÃO SENSORIAL NA PARALISIA CEREBRAL

É fato que a presença do DPS em crianças com PC ganhou apoio empírico


de diversas linhas de tratamento nos últimos dez anos. Uma das teorias de
controle e aprendizagem motora afirma que movimento e sensações estão
relacionados e que, portanto, não devem ser abordados separadamente12.
Igualmente, reconhecem que crianças com PC podem apresentar alte-
rações sensoriais e motoras. Vale lembrar, que a identificação pode ser ques-
tionada já que o tônus, o controle postural e a interação com o ambientes
estão alterados
nas duas condi-
ções. Os déficits
sensoriais podem
se sobrepor ao
quadro neuromo-
tor, restringindo
as possibilidades
de exploração do
ambiente, intera-
ção social e parti-
cipação efetiva.
Nesse momento,

327
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

os instrumentos de avaliação norteiam para um diagnóstico adequado e


preciso.
Como sugestão e para facilitar a investigação, Blanche e Nakasuji apon-
tam, que deve-se suspeitar de transtornos sensoriais quando a criança respon-
de de maneira atípica as intervenções direcionadas as dificuldades neuromoto-
ras, sendo essencial avaliar mais detalhadamente o processamento sensorial4.
Outros comportamentos, como medo e ansiedade excessivos diante
de situações, irritabilidade, passividade e desorganização motora não justifi-
cados pelo comprometimento motor dão indícios que esta criança poderá
beneficiar-se com a terapia de integração sensorial.
A observação de comportamentos permite a compreensão dos meca-
nismos neurossensoriais que resultaram esta conduta1,6,11,13,14. Deste modo,
testes que mensuram as resultantes do processamento são fundamentais,
uma vez que na prática clínica não é possível observar diretamente os meca-
nismos neurossensoriais do processamento sensorial.
Alguns instrumentos comumente utilizados para identificar desordens
no processamento sensorial ou mesmo para traçar o perfil sensorial da criança
estão relacionados com comportamentos observáveis, dentre eles o Sensory
Integration and Práxis Test – SIPT11, Observations based on sensory integration
theory13, Sensory Profile15, DeGangi Berk Test of Sensory Integration16, Test
of Sensory Function in Infats17. Muitos desses comportamentos observáveis
dependem da integridade da função motora para serem executados adequa-
damente, tornando esses instrumentos pouco sensíveis para avaliar crianças
com desordens neuromotoras.
A medida que o instrumento consegue relacionar observáveis menos
dependentes da integridade da função motora, como reações emocionais
frente a sensação, desorganizações motoras não justificadas pelo compro-
metimento motor ou intensidades diferenciadas de respostas frente a sensa-
ções cotidianas, podemos considerá-lo mais aplicável em crianças com PC.
Os roteiros e listas de observação são bons exemplos de instrumen-
tos aplicáveis ou mesmo direcionados para crianças com PC. A Lista de Ob-
servação: Processamento Sensorial na Criança com PC5 é um questionário
dirigido para guiar o processo de observação clínica, e apesar de não tratar-
se de um questionário percentil ou com esco-
res randomizados, aponta uma correlação en-
tre respostas afirmativas e um maior risco de
desordens de processamento sensorial. O mes-
mo ocorre com o Roteiro para Identificação de
Distúrbio de Registro e Modulação4 que podem
indicar déficits de processamento sensorial em
crianças com paralisia cerebral e com a Lista
de Observação: Distúrbio de Movimento em
Crianças com Disfunções de Integração Sen-
sorial18.
Como exemplo, destacam-se as seguintes questões contidas em ro-
teiros de observação aplicáveis em crianças com PC que quando respondidas
afirmativamente (presença do comportamento) sugerem desordens no pro-
cessamento sensorial.

• Se opõe a ser segurada ou tocada quando está despida? 4,5

• Evita ser tocado (inclusive na boca)?4,5

328
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

• Não percebe quando a roupa está torcida no corpo?4,5


• Parece não notar quando seu rosto ou mãos estão sujos?4,18
• Falha em localizar ou responder ao estímulo tátil quando este está
fora de seu campo de visão?4,5
• Gosta de vibração (vibração manual)?4,5
• Não percebe ou não reage quando é movida no espaço?4
• Morde ou lambe objetos não comestíveis (roupas, brinquedos...)?5
• Expressa medo/ansiedade quando colocada na bola grande de te-
rapia?4
• Reage exageradamente quando é movida no espaço?4

A tabela 1 apresenta os observáveis sugestivos de desordens no pro-


cessamento sensorial. Ressalta-se que são comportamentos atípicos nos di-
ferentes quadros de PC não justificados pelo comprometimento motor.4

Tabela 1: Comportamentos observados nos DPS de acordo com os quadros


neuromotores (modificado e traduzido de Blanche e Nakasuji, 2001)
DPS que pode ser Comportamentos
Classificação mascarado pelo déficit observados
motor

Hemiplegia Mal processamento tátil e Desorganização não justi-


proprioceptivo que podem ficada pelo comprometi-
contribuir para uma dis- mento motor;
praxia mais grave. Percepção corporal com-
Dormência sensorial prometida;
Defensividade sensorial Integração motora bilateral
Relação visuo espacial al- comprometida;
terada Aversão a determinados
estímulos, principalmente
táteis;

Quadriplegia espástica Mal registro sensorial dos Falta de atenção e motiva-


leve-moderada sistemas vestibular e pro- ção;
prioceptivo; Percepção corporal com-
Dormência sensorial; prometida;
Modulação sensorial altera- Passividade a determinados
da; estímulos;
Hiperresposta ao estímulo Aversão a estímulos táteis.
tátil Necessidade de estímulos
Pobre discriminação tátil vestibulares e propriocep-
tivos intensos;

Diplegia espástica Mal processamento Vesti- Falta de atenção e motiva-


bular e proprioceptivo ção;
Insegurança gravitacional Percepção corporal com-
Resposta diminuída ao es- prometida;
tímulo vestibular linear e Passividade a determinados
proprioceptivos estímulos;
Mal processamento tátil Aversão a estímulos táteis.
Pobre discriminação tátil Necessidade de estímulos
Percepção visual alterada vestibulares e propriocep-
tivos intensos;

329
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

DPS que pode ser Comportamentos


Classificação mascarado pelo déficit observados
motor

Hipotonia Modulação sensorial altera- Aversão a diversos estímu-


da. los, principalmente proprio-
Hiperresposta multisenso- ceptivos.
rial. Irritabilidade durante ma-
nuseios.

Ataxia Mal registro sensorial. Passividade;


Lentidão de respostas aos Resiste a situações não ha-
estímulos vestibulares e bituais;
proprioceptivos. Ansiedade e medo exage-
Dificuldade em modular rados
estímulos vestibulares. Percepção corporal altera-
da;
Dispraxia e desorganização
geral não justificados.

Atetose Mal processamento Desorganização motora


vestibular e propriocepti- amenizada por estímulos
vo propriceptivos intensos.
Mal processamento tátil. Aversão a determinados
Dificuldade em modular estímulos.
estímulos sensoriais. Irritabilidade.

A TERAPIA DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL

A terapia de integração sensorial contém princípios que estabelecem


uma estimulação sensorial organizada, agenciada por meio de brincadeiras,
jogos e atividades lúdicas. Solicita-se a participação efetiva da criança, para
promover a organização do comportamento e a emissão de respostas ade-
quadas ao contexto, facilitando o sucesso na execução da tarefa.
Compreende-se por estimulação sensorial adequada, a oferta de estí-
mulos ajustados a necessidade da criança e a demanda da tarefa. A partici-
pação efetiva da criança influencia, e ocorre pela escolha e modificação da
atividade, indicação dos equipamentos e recursos que deseja utilizar, reve-
lando a capacidade de processamento sensorial e busca interna.
O papel do terapeuta é de graduar as atividades, promovendo a quan-
tidade de desafios de forma a desencadear respostas adequadas ou adapta-
tivas. Uma resposta adaptativa pode ser compreendida como a habilidade
em manter o controle postural, planejar uma ação, conservar a atenção e o
nível de alerta correspondentes a finalização apropriada da tarefa.
O ambiente além de ser aconchegante e seguro, deve propiciar que a
criança se aproprie dele e desperte a curiosidade para brincar, criar, planejar
e solucionar problemas, através de atividades lúdicas, jogos e brincadeiras.
Para tanto, a sala deve conter recursos que incentivem a busca de
estímulos e enriqueça o repertório de atividades, promova desafios e motive
a criança a participar efetivamente. Sugere-se como equipamentos básicos:
aparelhos suspensos usados para ofertar sensações vestibulares e
proprioceptivas, recursos para estimulação tátil com texturas, consistências
e formatos diferenciados, além de recursos que promovam a estimulação
auditiva, visual, olfativa e gustativa, que apesar de não serem destacados
originalmente, são muito utilizados na terapia de integração sensorial.

330
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

Segundo Ayres, a mágica da terapia está em provocar desafios na


medida certa, e cabe ao terapeuta gerenciá-la para que a influência sensori-
al, inerente ao ambiente e as atividades, crie oportunidades de planejamen-
to e execução. A vigilância constante e a criatividade contemplam os princí-
pios da abordagem e garantem que o ambiente e as tarefas estejam de
acordo com as habilidades e necessidades da criança.

A TERAPIA DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL COMO ABORDAGEM NA PC

Partindo da premissa de que a percepção sensorial de estímulos am-


bientais e integração de informações sensório motoras são vitais para a
maturação neuromotora normal, transtornos sensoriais tem importante im-
pacto funcional, prejudicando ainda mais o desempenho motor.
Adverte-se que as necessidades individuais das crianças direcionam
os objetivos da intervenção que podem ocorrer em três contextos: na clíni-
ca, no domicilio e na escola.
Por conta da dinâmica da Integração Sensorial, não foi estabelecido
protocolo de tratamento ou diretrizes que direcionem passo a passo como o
terapeuta deve prosseguir a terapia. Em contrapartida, alguns princípios e
cuidados garantem que a terapia torne-se organizada e auxilie o processo de
reabilitação da criança com paralisia cerebral1-3, 6, 8, 10,14.

1. A terapia é um processo dinâmico que envolve a participação


efetiva da criança
Segundo Ayres, toda criança possui motivação interna, que justifica a
predileção ou atração por atividades que exigem uma organização neurossen-
sorial. A criança indica quais atividades deseja experimentar ou quais brinque-
dos deseja explorar, mesmo que através de um olhar ou intenção comunicati-
va, sem necessariamente manipular ou direcionar-se ao objeto ou ação.

2. Os estímulos sensoriais são controlados para eliciar uma resposta


adaptativa
Ayres define resposta adaptativa como uma ação apropriada na qual
a criança responde com sucesso a uma demanda ambiental. O terapeuta
deve estruturar a terapia, mantendo o equilíbrio entre a necessidade e liber-
dade de escolha, controlando as entradas sensoriais para ajustá-las de for-
ma a desafiar sem sobrecarregar ou frustrar. Na criança com PC pode ser
dificultoso identificar inicialmente a quantidade de controle dessas sensa-
ções, uma vez que em algumas situações é necessário que a brincadeira
passiva motive a necessidade individual. Porém, cabe ao terapeuta orques-
trar o equilíbrio entre a demanda sensorial e a necessidade da criança, ajus-
tando o desafio na medida certa que elicie a resposta adaptativa.

3. A graduação de desafios permite a consolidação e


amadurecimento de comportamentos
Comportamentos complexos e amadurecidos dependem da conso-
lidação de condutas mais primitivas, devido a fusão de funções previa-
mente aprendidas. O terapeuta deve propor desafios que aprimorem a
capacidade da criança de resolução de problemas, aumentando gradati-
vamente a demanda sensorial e a complexidade da tarefa. Geralmente,

331
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

modificar uma atividade ao invés de substitui-la é o mais apropriado, por-


tanto inserir ou retirar estímulos orientando-os pode facilitar o engaja-
mento da criança. Lembrando que, algumas atividades demandam res-
postas simplificadas, outras requerem seqüenciamento de etapas,
coordenação temporal e habilidades motoras.
Na criança com PC é importante observar quando a graduação de
desafios está direcionada para um planejamento motor, diferenciando a ca-
pacidade de iniciar, criar, organizar, seqüenciar e não somente de executar o
movimento, que pode estar prejudicado pelo distúrbio neuromotor e não
devido ao processamento sensorial.

4. O ambiente terapêutico proporciona suporte emocional


e variabilidade de oferta sensorial
O ambiente terapêutico contempla uma sala com equipamentos
suspensos e recursos que possibilitem uma
grande variabilidade de oferta sensorial
(tátil, vestibular, proprioceptivo, auditivo,
visual, olfativo e gustativo). A criança não
pode correr perigo, pois a confiança no am-
biente permite que ela assuma desafios
com segurança. Alguns equipamentos e po-
sicionamentos podem ser adaptados a
crianças com dificuldades neuromotoras, vi-
sando garantir a integridade física.
O ambiente terapêutico compõe-se
de interações com o meio físico e com o
terapeuta, assim, cabe ao terapeuta pro-
mover suporte físico, emocional e
motivacional que desperte a confiança da
criança.

5. As atividades sensoriais tem componentes lúdicos e significativos


O engajamento da criança no processo terapêutico é determinante na
terapia de integração sensorial, permitindo que esta intensifique a capacida-
de de planejamento geral. As atividades sensoriais facilitam a resolução de
problemas, aumentam ou diminuem o nível de alerta e atenção, assim como
interferem no tônus muscular e na consciência corporal, por meio de estímu-
los direcionados para uma ação, geralmente lúdica.
A atenção constante do terapeuta permite garantir o sucesso na rea-
lização da tarefa. Pequenos desafios quando executados com sucesso, ge-
ram satisfação e prazer que recompensam e estimulam a criança a buscar
novos e mais complexas metas. O estímulo sem significado, aplicado sem
demanda de uma ação complexa não proporciona desafios nem garantem
possibilidades de sucesso.
Independente do quadro motor apresentado pela criança, o terapeuta
deve elaborar a terapia de acordo com comportamentos emitidos, principais
habilidades e dificuldades motoras específicas. Além disso, deve identificar
como a criança lida com as diferentes sensações sensoriais vindas do am-
biente e, claramente definir quais estímulos são aversivos, prazerosos ou
incentivadores. Nesse instante, ele passa a considerar o quadro motor e as
dificuldades geradas pela lesão do sistema nervoso central.

332
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

O comprometimento motor e as principais habilidades da criança


com PC determinam as diferentes formas de atuação da integração sen-
sorial. As crianças com quadros leves a moderados de quadriparesia,
hemiparesia e diparesia espástica e as com componente atáxico e atetóide
leves beneficiam-se com programas exclusivos de I.S. sem a necessidade
da associação de outras abordagens. Já nos quadros graves, a interven-
ção é complementar já que os equipamentos fornecerão um incremento
de sensações que podem facilitar um melhor controle postural e planeja-
mento.
A terapia de integração sensorial na clínica pode, também, ser uma
estratégia auxiliar quando em combinação com outras abordagens desenvol-
vidas para o tratamento de transtornos neuromotores, como o conceito
neuroevolutivo por exemplo.5,6,14
Assim, dentro de contextos, brincadeiras lúdicas e com a participação
efetiva da criança, a terapia de IS fornece oportunidades de receber infor-
mações sensoriais de maneira organizada e intensificada que podem minimi-
zar problemas de processamento e assim facilitar o melhor planejamento e
controle motor.
Estabelece-se como objetivos gerais para as crianças com quadros
neuromotores leves a moderados:

• Melhorar percepção corporal;


• Adequar reações posturais ao nível de complexidade da tarefa;
• Aperfeiçoar planejamento motor (automático);
• Adequar integração motora bilateral;
• Aprimorar coordenação motora fina de acordo com a idade;
• Melhorar níveis de atenção e concentração;
• Diminuição de estresse e nível de alerta

Quanto aos objetivos específicos, estes são determinados individual-


mente já que dependem do comportamento e necessidades de cada criança.
Para exemplificar estabelece-se:

• Melhorar discriminação sensorial, geralmente tátil, visual e vesti-


bular;
• Minimizar repostas aversivas a estímulos sensoriais, comumente
os táteis, vestibulares, proprioceptivos e/ou auditivos;
• Diminuir agitação psicomotora;
• Atenuar comportamentos passivos, pouca iniciativa e criatividade;
• Aumentar o repertório de experiências sensoriais;

A seguir, sugere-se atividades sensoriais para os diferentes quadros


de paralisia cerebral. Vale lembrar que, a simples utilização do estímulo ou
atividade sem a utilização de todos os princípios do método de Integração
Sensorial desqualifica a terapia.

CIRCUITO DE PLANEJAMENTO MOTOR

Atividade: A criança percorre o circuito, buscando “alimentos” para


os “animais” e depois deve alimentar os respectivos animais.

333
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

Material: Dois ou mais painéis


com figuras de animais, banquinhos
de alturas diferentes, argolas ou dis-
cos, fichas com desenhos de alimen-
tos para animais.
Preparação e segurança:
Coloque os painéis com as figuras de
animais colados na parede em altu-
ras diferentes. Espalhe os alimentos
pela sala e monte caminhos com
pequenos obstáculos. Peça auxílio da
criança para montar o circuito, de
forma que ela alcance as figuras para
alimentá-las. Cuidado com a estabilidade dos banquinhos e cuide para
que o ambiente não ofereça risco de queda. Sugere-se tarefas no plano
vertical para requisitar maior controle postural.
Indicação: Quadriparesia espástica leve, hemiparesia e diparesia
espásticas leves ou moderadas. Quadriparesia atetóide, atáxica e hipotônica
leves a moderadas.
Informações sensoriais: Planejamento motor com base sensorial
(visão, propriocepção, tato e vestibular)
Funções facilitadas: Planejamento motor, sequenciamento, parea-
mento, integração motora bilateral, força e destreza global e reações postu-
rais. Imitação, representação e jogo simbólico

LANÇANDO ARGOLAS SOBRE A PLATAFORMA

Atividade: Enquanto a criança balança-se na plataforma, encoraje-a


a assumir diferentes posturas. Quando a criança estiver em decúbito ventral,
ofereça argolas para que ela atire-as em
pinos ou sobre almofadas.
Material: Equipamentos
suspensos (plataforma ou rede), argolas
grandes e pesadas, pinos ou almofadas
para servir de alvo.
Preparação e segurança: Colo-
que colchonetes ao redor do equipamen-
to, Certifique-se que a criança esteja es-
tável e confortável, com membros
superiores livres para executar movimen-
tos.
Indicação: Quadriparesia
espástica leve, hemiparesia e diparesia
espásticas leves ou moderadas. Quadriparesia atetóide, atáxica e hipotô-
nica leves.
Informações sensoriais: Planejamento motor com base sensorial (vi-
são vestibular), Modulação vestibular, proprioceptiva e Discriminação Visual
Funções facilitadas: Planejamento motor, controle extensor, orien-
tação visuo-espacial, consciência corporal, força e destreza manual, movi-
mentação bilateral.

334
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

BALANÇO COM POSICIONAMENTO DE SEGURANÇA

Atividade: Permita a oferta de informações vestibulares (látero-late-


ral, antero-posterior e rotacional) co-
locando a criança posicionada no ba-
lanço, deixando próximo aos pés
objetos que possam ser tocados e aci-
onados com os pés.
Material: Equipamento
suspenso (plataforma), pneu e obje-
tos de causa-efeito (luz e som).
Preparação e segurança:
Coloque colchonetes ao redor da pla-
taforma, Certifique-se que a criança
esteja estável, confortável e
posicionada em decúbito dorsal com
maior padrão flexor apoiada no pneu.
Membros inferiores livres para tocar os objetos de causa e efeito.
Indicação: Quadriparesia espástica, atetóide, hipotônica, quadros
moderados a graves
Informações sensoriais: Modulação vestibular, proprioceptiva, vi-
sual e auditiva
Funções facilitadas: Organização motora, consciência corporal,
movimentação global, equilíbrio entre nível de alerta e atenção.

ROLANDO E DERRUBANDO COISAS

Atividade: quando a criança estiver no solo incentive o rolar em


busca de objetos pesados e motive-a
a atira-los em alvos localizados em di-
ferentes planos.
Material: colchonetes ou ma-
lha de elastano, objetos pesados (sa-
cos de areias, pinos de madeira ou
bolas pequenas), um alvo.
Preparação e segurança: cer-
tifique-se que o plano não contenha
objetos que possam machuca-la e que
os brinquedos permitam a preensão
precisa. Estenda a malha e posicione
os alvos e objetos em locais estratégi-
cos que incentivem a movimentação e
gradualmente dificultem a tarefa.
Indicação: quadriparesia es-
pástica leve a moderada, hemiparesia espástica e quadriparesia atáxica.
Informações sensoriais: Planejamento motor com base sensorial
(visão vestibular e propriocepção), discriminação proprioceptiva e visual.
Funções facilitadas: planejamento motor, reações posturais, força
e destreza global.

335
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

COLHENDO FRUTAS

Atividade: A brincadeira de re-


tirar figuras fixadas em um painel pode
ser incrementada, posicionando o pai-
nel no plano vertical a uma distância de
1 metro da criança. Incentive que a
criança utilize da malha ou corda para
movimentar-se em direção ao painel.
Material: corda ou malha de
elastano, painel de lona com figuras
destacáveis, estrutura fixa.
Preparação e segurança: cer-
tifique-se que solo permita o
deslizamento da cadeira de rodas. Fixe
a ponta da corda ou malha numa estru-
tura fixa, mantendo uma distancia de pelo menos um metro da extremidade
oposta. Prenda um painel de lona e velcro no plano vertical ao alcance da
criança.
Indicação: quadriparesia espástica leve a moderada, diparesia
espástica moderada ou grave, quadriparesias atáxica e atetoide moderada a
grave
Informações sensoriais: modulação proprioceptiva e tátil, discri-
minação visual.
Funções facilitadas: planejamento motor, força e destreza manual,
estabilidade proximal, consciência corporal e reações posturais.

FAZENDO MILKSHAKE

Atividade: Incremente a brincadeira


de casinha, oferecendo à criança a oportuni-
dade de utilizar objetos que vibrem e de con-
sistências e texturas diversas. Por exemplo,
fazer suco, bolo ou gelatina misturando os
ingredientes com o mixer.
Material: bancos de apoio, mixer,
água, suco em pó e copos de diferentes ta-
manhos.
Preparação e segurança: de pre-
ferência por mixer movidos a pilha. Mante-
nha supervisão constante durante a ativida-
de e verifique se a criança não possui alergia
a corantes. Posicione o mixer de maneira que a criança ajoelhe-se para
manipulá-lo.
Indicação: diparesia e hemiparesia espasticas leve e moderada e
quadriparesia atáxica leve
Informações sensoriais: modulação e discriminação proprioceptiva
e modulação tátil.
Funções facilitadas: planejamento motor, reações posturais, força
e destreza global, nível de alerta, representação e jogo simbólico.

336
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

BOLA NA BOCA DO PALHAÇO

Atividade: Alimentar o palha-


ço, jogando bolas na boca; jogar bolas
em alvos.
Material: Painéis de figuras ou
cestos com orifícios grandes, bolas de
diferentes tamanhos e pesos. Banco de
posicionamento.
Preparação e segurança: inicialmente auxilie a criança a posicio-
nar-se em pé com estabilidade. Se necessário utilize os bancos de posiciona-
mento e mantenha uma distância que permita a criança colocar as bolas nos
orifícios. Gradue a complexidade da tarefa aumentando a distância entre o
painel e a criança, oferecendo bolas de diferentes pesos e tamanhos criando
pequenos desafios.
Indicação: Hemiparesia e diparesia espásticas, quadriparesias ataxicas
e atetoides leves
Informações sensoriais: Planejamento motor com base sensorial
(propriocepção, tato e visão).
Funções facilitadas: planejamento motor, reações posturais, força
e destreza global. Planejamento cognitivo e jogo simbólico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da Terapia de Integração Sensorial ter sido desenvolvida para


crianças com distúrbios de aprendizagem e desenvolvimento, a aplicabilida-
de em crianças com paralisia cerebral é justificada quando há sinais sugesti-
vos de distúrbio de processamento sensorial.
Observações clínicas e listas de verificação são utilizadas para com-
preender o perfil sensorial da criança com PC, bem como identificar possí-
veis desordens do processamento sensorial, uma vez que destacam compor-
tamentos menos dependentes da integridade da função motora.
A terapia de integração sensorial, método para tratar distúrbios de
processamento sensorial, é aplicável a crianças com quadros leves a mode-
rados de quadriparesia, hemiparesia, diparesia espástica e as com compo-
nente atáxico e atetóide. Em crianças com quadros graves, a terapia torna-
se complementar quando associada a outras abordagens específicas para
tratar transtornos neuromotores.
Ao estabelecer o programa de atividades sensoriais em crianças com
PC, o terapeuta deve considerar aspectos inerentes ao quadro neuromotor, e
consequente falha e lentidão das reações posturais e planejamento motor que
podem dificultar a utilização dos equipamentos suspensos, deixando-as mais
vulneráveis a quedas. Salienta-se que durante a terapia de integração senso-
rial, torna-se mais dificultoso e por vezes inapropriado manter o controle de
posturas e posições bem como inibir reações inapropriadas ou reflexos.
Quanto aos cuidados, o terapeuta deve estar atento a comportamen-
tos de desorganização e instabilidade emocional ao utilizar-se da terapia de
integração sensorial com crianças com quadros neuromotores. A hiper-esti-
mulação passiva pode desorganizar ainda mais o comportamento da criança,
deixando-a em alerta extremo ou agitação.

337
Integração Sensorial na Paralisia Cerebral Capítulo 18

No que diz respeito a organização da rotina diária da criança, adapta-


ções no domicilio podem ser necessárias, e assim, a prescrição de estraté-
gias sensoriais facilita a realização das atividades de vida diária.
Um programa de nutrição sensorial diária complementa o tratamento
clínico, enriquecendo o repertório de experiências sensoriais e garantindo
que a criança receba adequadamente ao longo do dia sensações agradáveis
e incentivadoras, com intuito de reduzir ações defensivas, agitação e
irritabilidade e garantir bem estar, atenção e controle emocional.
O programa de atividades sensoriais para realização diária ou nutri-
ção sensorial é individualizado e deve ser prescrito por um terapeuta ocupa-
cional com formação do método de Integração Sensorial, garantindo que a
correta análise das atividades compreenda os componentes sensoriais, emo-
cionais e funcionais para o bom desempenho ocupacional da criança tanto
em suas atividades de vida diária como de lazer e estudo.

REFERÊNCIAS

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338
Capítulo 18 Integração Sensorial na Paralisia Cerebral

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18. Exner C. Development of Hand Function in Occupational Therapy for
Children. Pratt P, Allen A. St. Louis, MI:CV Mosmy Company, 1989.
P.235-259

339
CAPÍTULO 19
EDUCAÇÃO CONDUTIVA – PETÖ

Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva,


Vitor Engrácia Valenti, Luiz Carlos de Abreu

A abordagem de Petö é bastante interessante e recebe atenção em


diferentes partes do mundo inclusive por meio de diferentes trabalhos
científicos 1-6, também conhecida como Educação Condutiva (EC), foi
desenvolvida por. András Petö, que nasceu em 11 de setembro de 1893, em
Szombathely, Hungria. Após se graduar em medicina, continuou seus estudos
no “Medical University” em Viena, Áustria. Em 1922, trabalhava no “Institute
of the Motor Disordered” em Semmering, Áustria, quando começou a propor
novos caminhos para a habilitação e reabilitação das disfunções motoras. Em
1938, retornou à Hungria com a intenção de desenvolver sua própria
abordagem de tratamento7-9.
Em 1945, montou, provisoriamente, seu instituto num subsolo, em
Budapeste, Hungria. Mas, somente em 1950, mudou-se para um
estabelecimento oficial, o qual se tornou o Instituto Petö. András Petö dirigiu
o instituto até sua morte em 19677,8.
A Educação Condutiva é baseada na idéia de que apesar da disfunção,
o sistema nervoso central ainda tem a capacidade de formar novas conexões
nervosas, sendo que esta habilidade pode ser mobilizada com a ajuda de um
direcionamento adequado por um processo de ativação do aprendizado7,8.
Para a EC, a disfunção ocorre devido à perda da cooperação entre as
funções do Sistema Nervoso Central (SNC) e é observada como um problema
de aprendizagem e não orgânico. A EC analisa a Paralisia Cerebral como um
desafio educacional, onde se deve ter como base a integração de diferentes
funções: cognitivas, motoras e sensoriais, utilizando-se de estímulos
direcionados para todas essas áreas. A EC “é um processo educacional e de
aprendizagem da disfunção motora, sua essência está no complexo
desenvolvimento da personalidade7 do paciente, baseado em um processo
de aprendizado ativo8.

341
Educação Condutiva – Petö Capítulo 19

A meta principal não é de desenvolver ou melhorar a função motora


especificamente, mas o desenvolvimento integrado da criança, o que levará,
indiretamente, à melhora da função10. Essa proposta de atendimento satisfaz
todos os requerimentos físicos, mentais e sociais para desenvolver a criança
por completo, “não somente para melhorar sintomas, mas a personalidade
toda”10,11.
Tem como característica uma combinação de terapia e programa
pedagógico para crianças com paralisia cerebral12,13. Os principais elementos
da educação condutiva são3,4,14,15: (1) aprendizagem orientada para a tarefa
no âmbito de programas altamente estruturados, (2) facilitar ações por meio
de aprendizado (3) integração de habilidades manuais no contexto das
atividades de vida diária e (4) organização de grupos de crianças orientadas
para a facilitar a aprendizagem e aumentar a participação social.
O conceito da EC é o de oferecer informações éticas, emocionais e
educacionais, as quais não podem ser separadas, mas, ao contrário, devem
ser processadas com uma inter-relação; caso contrário, não se consegue
integrar todas as necessidades da criança16,17. De acordo com a EC, não se
deve tentar modificar diretamente certa inabilidade, mas integrar e coordenar
várias funções.
Nesta abordagem, enfatiza-se a utilização de um sistema unificado e
uma unidade integrada, sendo difícil e desaconselhado discutir questões
separadamente, pois todos os fatores interferenciais estão interligados, e
pontos de vista particulares são válidos apenas num contexto total10. Se
tentar isolar a principal característica da EC, deve-se realçar que esta
característica é justamente a de nunca separar os detalhes, pois se negligenciar
alguma coisa a integridade sofrerá10,11.
Dessa forma, o aprendizado é centralizado na solução de tarefas
coordenadamente18,19. As crianças serão ensinadas e estimuladas a solucionar
tarefas por meio da motivação e do sentimento de que serão capazes de
atingir o sucesso, independente da forma individual de participação20,21. A
meta final é auxiliar as crianças com disfunção a integrarem-se no grupo e,
consequentemente, na sociedade, ensinando-as a levar uma vida
independente7,8.

ESCLARECENDO CONCEITOS DA EDUCAÇÃO CONDUTIVA

O conceito da EC é o de educar a criança que apresenta “disfunção” a


se tornar “ortofuncional”. Para a compreensão da EC, faz-se necessário o
esclarecimento de certas palavras utilizadas.
Ortofuncional: “é a capacidade que envolve a personalidade como
um todo e habilita um indivíduo a satisfazer as demandas biológicas e
sociais”10,11. Uma pessoa ortofuncional é caracterizada por uma capacidade
geral para adaptar-se e aprender, o que a torna capaz de ajustar-se em sua
vida, levando em consideração o seu meio ambiente natural e social10.
Disfunção: é a perda da ortofunção, uma incapacidade para satisfazer
e cumprir todas as demandas requeridas em um determinado período da
vida, que não podem ser substituídas por uma prótese ou outro aplicativo10,11.
Dessa forma, quando a criança não é ortofuncional, é incapaz de
realizar adaptações esperadas, pois sua capacidade adaptativa, de diferentes
formas, está diminuída ou completamente abolida. Devido a essa

342
Capítulo 19 Educação Condutiva – Petö

circunstância, a criança apresentará dificuldades no aprendizado e


necessitará de profissionais especializados em disfunção10,11. A EC considera
que sintomas de disfunção são apenas secundários, o problema primário é
a persistente deterioração ou completa perda da capacidade geral de
aprendizado e adaptação.
Essas adaptações diferem, grandemente, primeiro com a idade e depois
de acordo com a tradição. Conforme a idade, existem certas necessidades
gerais que variam, dependendo das condições históricas e locais8. Para uma
criança ortofuncional, existem diversas possibilidades de solucionar os
problemas, pois ela tem um alto nível de capacidade para alterar a forma de
realizar uma tarefa, dado que inúmeras habilidades estão presentes para
serem selecionadas e usadas7,8.
Já, crianças com disfunção, não podem satisfazer alguns requerimentos
necessários e apropriados para sua idade, mas podem tornar-se ortofuncionais
se provermos alguma forma de compensação.
Para a EC, as crianças com disfunção usualmente apresentam uma
considerável capacidade residual, sendo que as demandas e atividades
presentes diariamente na vida ainda podem ser satisfeitas (...), fazendo-se
possível sua integração na sociedade 10,11. Com métodos educacionais
apropriados, essa capacidade residual pode ser mobilizada e usada, mesmo
nos casos de disfunções mais severas.
A EC estabelece que toda disfunção impossibilita o processo de
desenvolvimento adaptativo da criança, sendo necessária uma educação para
se atingir uma ortofunção, o que é possível por meio do reconhecimento e
aceitação de todas as demandas biológicas e sociais normais e relevantes
para a idade, usando formas educacionais adequadas e encontrando métodos
ortofuncionais convenientes para o estado de desenvolvimento, então, a
atividade estará integrada com a regulação cerebral e o estado de
desenvolvimento. Sendo esta a única forma de mobilizar a capacidade
residual10. Para resumir, a Educação Condutiva, simplesmente, ensina pessoas
a serem ortofuncionais11.

PROPOSTA

A primeira proposta da EC é estimular o processo de desenvolvimento


que não poderia vir espontaneamente e proporcionar mais individualidade à
criança com disfunção 22,23 . Esse processo resultará em um nível de
ajustamento, permitindo que a criança adquira função, possibilitando sua
contribuição como membro da sociedade. Para isso, requer o desenvolvimento
da linguagem, atenção e diversas funções cognitivas10,20,21.
O programa de EC inclui tudo que caracteriza uma vida diária saudável
para a criança, desde alimentação, higiene, brincadeira e aprendizado, com
especial atenção aos cuidados pessoais, função voluntária e motivação.

FATORES QUE COMPÕEM A EDUCAÇÃO CONDUTIVA

A EC tem como principal característica um trabalho integrado, onde


não se deve considerar os detalhes isoladamente. Mas, para uma melhor
compreensão, a seguir apresentam-se os principais fatores que constituem a

343
Educação Condutiva – Petö Capítulo 19

base teórica desta abordagem. É importante esclarecer que esta divisão tem
um caráter apenas didático10.

Na EC temos os seguintes fatores:


1) Condutor.
2) Aprendizado motor.
3) Horário diário.
4) Série de tarefas.
5) Manutenção da atenção.
6) Facilitação.
7) Formação de grupos.

A seguir, apresenta-se uma explicação simplificada dos fatores


indicados:

1. Condutor
O termo Educação Condutiva é difícil de ser compreendido, mas
pode-se dizer que significa: educação por meio de um condutor. O
condutor é o responsável por todos os ensinamentos oferecidos à criança;
estimula o máximo, em todos os aspectos, seu grupo, por meio de
atividades dirigidas e propostas de horários livres. Outro papel importante
do condutor é comunicar as necessidades para o convívio social, para
que a criança crie resposta educacional concreta por meio de suas
aquisições 10 .
Essas funções do condutor, por um lado, impõem-lhe grande
responsabilidade e, por outro lado, favorecem o contato entre o condutor e
seu grupo, o que causa uma união e trabalho em conjunto para atingir os
objetivos: estabelecer uma colaboração no grupo é uma importante meta e
um pré-requisito para o condutor, pois será capaz de administrar os problemas
que surgirão10. Mas, não é somente o condutor e seu grupo que formam um
time, tem que haver colaboração entre todos os condutores e grupos do
instituto.
A EC cita que tem como base o sistema educacional das escolas
normais, onde, nos primeiros anos, encontramos um professor para cada
sala de aula, sendo este responsável por diferentes matérias. A EC afirma
que é curioso como este aspecto é negligenciado quando se fala em crianças
com disfunção motora; é usual observarmos que a criança com disfunção
recebe o atendimento de vários profissionais, terapeutas ocupacionais,
fisioterapeutas, médicos, fonoaudiólogos, psicólogos e outros, algumas vezes
atingindo 10-12 pessoas10,11.
O envolvimento de tantos profissionais, muitas vezes, ao mesmo
tempo, é analisado como um obstáculo na habilitação ou reabilitação da
disfunção. Na esperança de que na disfunção devemos ensinar como aplicar
na prática o conhecimento que adquirem em séries de tarefas, é compreensível
que isso deve apoiar-se na mesma pessoa10.
Nesta abordagem, o condutor tem que analisar e colocar efetivamente
todo o sistema necessário para a vida. O condutor é um generalista12,13,22,
recebe informações necessárias para trabalhar com o deficiente por meio do
conhecimento da medicina, educação, fisioterapia, psicologia e outras áreas10.
Em cada grupo, há três ou quatro condutores (alguns ainda
estudantes), que trabalham harmoniosamente, condutores substituem uns

344
Capítulo 19 Educação Condutiva – Petö

aos outros, na metade do dia, e passam as informações necessárias


verbalmente e por escrito10.

2. Aprendizado motor
O Movimento é considerado como uma contribuição no aprendizado
da criança; o condutor, todo tempo, estimulará explorações ativas do mundo
por meio de movimento. É importante que essa exploração seja recompensada
para a criança, pois a criança que explorar o mundo com sucesso desenvolverá
um saudável e positivo conceito próprio.
A EC argumenta que, ao invés de receber atendimento fisioterapêutico,
ou seja, estar em contato com um terapeuta específico que direcionará os
exercícios e movimentos, as crianças devem aprender a praticar exercícios
sem um terapeuta especializado, mas sim por meio de atividades propostas
pelo condutor.
A Educação Condutiva não prioriza a modificação do quadro motor,
como muitas outras abordagens, mas sim o aprendizado de operações
coordenadas por meio da integração de diferentes funções7,8.

3. Horário diário
Para a realização das atividades motoras, sensitivas e cognitivas, a EC
apresenta um programa de horário diário, ou seja, desde o momento em que
a criança acorda ela terá que executar, junto com o condutor, um plano pré-
estabelecido. O programa inclui desde levantar, vestir-se, ir ao banheiro,
alimentar-se, até propostas direcionadas, sendo as tarefas executadas pela
própria criança, da forma como ela é capaz de realizá-las. As crianças se
ajudam, assim como o condutor está, a todo momento, oferecendo orientações
e o suporte necessários7,8,10.
A seguir, apresenta-se um exemplo da seqüência de tarefas:
- acordar® trocar-se® banheiro,
- café da manhã® tarefas no chão,
- preparar-se para o lanche da manhã® lanche,
- tarefas em pé e andando,
- preparar-se para o almoço® almoço,
- tarefa educacional,
- preparar-se para o lanche da tarde® lanche,
- outra tarefa no chão,
- preparar-se para jantar® jantar,
- preparar-se para dormir® dormir.

Esse é um exemplo de tarefas diárias, as quais não são regras rígidas,


mas se encaixam em um programa semanal. Dependendo do nível do grupo,
as exigências podem ser maiores ou menores, sempre com o
acompanhamento do condutor.

4. Série de tarefas
As tarefas têm um significado importante no horário diário; toda
atividade proposta tem uma função educativa e biológica10.
Para uma pessoa ortofuncional, segundo Petö, tarefas como sentar-
se, ficar em pé e movimentar-se são fáceis; no entanto, para uma criança
disfuncional, mesmo metas fáceis se tornam difíceis e até impossíveis, pois
ela apresenta dificuldades até mesmo para se manter parada11.

345
Educação Condutiva – Petö Capítulo 19

Para o condutor construir uma tarefa, é essencial que ele observe o


que o grupo realmente pode executar e, dessa forma, adapte a tarefa ao
nível do grupo, considerando as diferenças individuais para que todo o grupo
atinja a tarefa proposta.
A ação (atividade) serve10:

• para desenvolver um hábito, sem o qual uma tarefa mais ampla e


complicada não poderá ser realizada.
• para alcançar uma proposta momentânea como, por exemplo, pegar
um objeto ou empurrar alguma coisa. Apreender ações parciais e
mais simples, variando conforme a disfunção, levando à
compreensão de metas futuras.

Dessa forma, uma tarefa progride através de semanas e meses com


metas separadas de acordo com as necessidades biológicas e sociais. Cada
dia as tarefas proporcionam a satisfação do grupo e desenvolvem-se
progressivamente. Nesse processo, as tarefas são o caminho para as
atividades ortofuncionais e, ao utilizá-las no horário diário, obtém-se o
resultado de performance e compreensão da tarefa dada.
O condutor deve fazer o que pode para colocar a criança em ação,
oferecendo, sempre, elementos ortofuncionais.
Na construção das tarefas, deve-se estar atento à meta apresentada
e ao modo como o resultado será propício para o desenvolvimento biológico
e social9,10. O condutor deve estar atento para:

• definição das tarefas,


• preparação do plano para a realização,
• desenvolvimento do plano,
• checagem dos resultados.

5. Manutenção da atenção9,10
Na EC, as atividades propostas têm um caráter biológico e/ou social,
sempre oferecendo uma grande variedade de estímulos, os quais são sempre
modificados, o que facilita a manutenção da atenção.
Para o condutor, o fato de alguém perder a atenção é um importante
sinal indicador de que a criança não compreendeu a tarefa ou os elementos
essenciais para sua execução. Quanto antes o condutor perceber a desatenção,
mais fácil será decidir as atitudes que deverá tomar.

6. Facilitação9
Para a EC, o conceito de facilitação tem uma conotação educacional e
não fisiológica. Facilitação reúne todas as condições necessárias para que
uma pessoa com disfunção seja capaz de cumprir uma atividade por meio
dos seus próprios esforços10.
Para utilizar a facilitação, a EC se baseia nos princípios da biomecânica,
que incluem: força da gravidade, mecânica motora, inter-relação no
organismo, e o sinergismo dos reflexos10. O importante é que a facilitação é
usada para o aprendizado consciente.
Para a EC, não é necessária a utilização de instrumentos e
equipamentos auxiliares especiais, pois tem como principio que não é o meio
ambiente que deve ser modificado e adequado, mas a pessoa com desordem

346
Capítulo 19 Educação Condutiva – Petö

motora que deve ser ensinada a adaptar-se com sucesso ao seu meio
ambiente7,8,9.
Mas, se necessário, pode-se utilizar um mobiliário ou equipamento,
como o encosto de uma cadeira, que pode facilitar os movimentos de uma
criança ao levantar, ou de uma argola para andar etc. Mas, é importante
salientar que o uso de equipamentos não deve tornar a criança escrava da
facilitação.
Um fato interessante é que as cadeiras utilizadas na EC têm seu encosto
como se fosse um espaldar, que as crianças podem utilizar como facilitador
de vários movimentos, seja no ortostatismo ou na marcha. Existem, também,
bancos de diferentes tamanhos para auxiliar no posicionamento e no subir e
ou descer da cama. Muitos outros equipamentos podem facilitar ações,
inclusive utensílios domésticos como canecas, jarras etc10.
Existem outras duas formas de facilitar7,8,10,11:
• o relacionamento interpessoal, seja do condutor com o grupo, assim
como dos membros do grupo entre si, incentivando e auxiliando
para facilitar a tarefa do outro.
• a intenção rítmica, ou seja, incentivar determinada tarefa, por meio
de sons, seja contando os números ou batendo palmas, algo que
auxilie na execução da tarefa proposta, sendo que cada grupo cria
seu ritmo favorito para as atividades.

7. Formação de grupos8,9
Na EC, a formação de grupo é responsável pelo relacionamento
interpessoal. Todas as atividades diárias são planejadas e organizadas para
serem desenvolvidas em grupo. Os grupos não são fixos, podem ser mudados
e também não são homogêneos: não se leva em consideração o sexo, a
idade ou o comprometimento motor, nem mesmo o tempo em que está
realizando a EC. Não que sejam proibidos grupos homogêneos, pois, em
alguns momentos, como fator de motivação, estimula-se a formação de grupos
por idade e comprometimento motor.
Mas sempre se dá preferência para a formação de grupos heterogêneos,
pois a EC se baseia, primeiramente, nas considerações educativas e metas a
serem alcançadas, e não na natureza da disfunção e/ou nas diferenças que
existam entre os membros do grupo. O grupo sendo heterogêneo garante
que haverá crianças que representam uma polia de força para outras que
ainda estão em um nível inferior de desenvolvimento7,8.
Apesar dos membros de um grupo aprenderem tarefas semelhantes,
os caminhos e padrões de solução são sempre diferentes, o que incentiva o
desenvolvimento de uma criança com disfunção.
Crianças com idade e sexo diferentes podem dormir separadas,
mas estarão no mesmo grupo nas atividades diárias. Mesmo assim, dá-
se preferência para que o grupo permaneça o maior tempo possível
junto.
A uniformidade do grupo não depende do nível dos membros, mas de
dois outros fatores10:
• um deles é o ritmo que o grupo estabelece, e esse ritmo será
responsável pela execução das tarefas.
• outro é como o grupo é estruturado, sendo que essa estrutura não
se desenvolve espontaneamente, mas é planejada e organizada
pelo condutor para resolver as várias tarefas.

347
Educação Condutiva – Petö Capítulo 19

Um fator importante na uniformidade do grupo é descentralizar o


trabalho do condutor, para promover a unidade e organização do grupo e a
educação do indivíduo com disfunção. Todos os membros são auxiliares do
condutor e devem dividir as tarefas.
O grupo forma a única condição interpessoal possível para a EC. Todos
os fatos explicados implicam a presença de um condutor que organiza e
direciona a função10.

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348
Capítulo 19 Educação Condutiva – Petö

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349
CAPÍTULO 20
MANUSEIO E ADEQUAÇÃO DE ATIVIDADES FUNCIONAIS (MAAF)

Carlos Bandeira de Mello Monteiro,


Vitor Engrácia Valenti, Luiz Carlos de Abreu,
Dafne Herrero, Talita Dias da Silva

A - INTRODUÇÃO DA ABORDAGEM MAAF

Ao ler o texto de Abernethy e Sparrow1 “The rise and fall of dominant


paradigms (1992)” citando Kuhn (19622 e 19703) verifica-se a importância
da existência de diferentes paradigmas para a efetiva consolidação de deter-
minada área de conhecimento. Kuhn considera paradigma como uma descri-
ção de um conceito particular, problemas relevantes, com associação de ter-
mos e teorias e suas visões do mundo e realidade. O texto, por sinal citado
e comentado por vários autores4-6, apresenta com clareza fatores que in-
fluenciam na ascensão e queda de diferentes paradigmas, surgimento de
novos paradigmas e sua importância para os profissionais da área, assim
como apresenta quatro estágios da ciência:

1 Pré-Ciência:
É o período do desenvolvimento precoce da pesquisas em um deter-
minado campo, onde o campo está encontrando seus pés e demarcando o
sujeito e planos de ação. É o período no qual nenhum paradigma individual
ou proposição de teoria é suficientemente forte para ser bem aceita e garan-
tir processo de pesquisa.

2 Ciência Normal:
É o momento em que ocorre uma maturação daquele campo e um
maior conhecimento dos diferentes paradigmas, na realidade é o surgi-
mento de um paradigma que tem poder suficiente de explanação e respal-
do de conhecimento que atrai a aderência de outros campos científicos, a
ênfase é o trabalho empírico se sobressair em articulações que justifiquem
uma teoria dominante. Consiste no cientista resolver seu problema, antes
mesmo de produzir conceitos avançados naquele campo.

351
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

3 Crises de Paradigmas:
É o momento onde um paradigma não consegue solucionar e explicar
dados, assim como estabelecer fatos de um campo. Onde as explicações se
tornam insatisfatórias, principalmente devido ao surgimento de dados
confrontantes. Caracteriza-se pela modificação ou surgimento de outros
paradigmas.

4 Ciência Revolucionária:
Consiste no período de batalha entre paradigmas e o surgimento de
um novo paradigma que direcionará o futuro normal das atividades da ciên-
cia daquele campo.
Ora, considerando; (a) as abordagens de tratamento da Paralisia Ce-
rebral como sendo diferentes paradigmas e supondo que a reabilitação por
meio da utilização de conhecimentos advindos das filosofias, idéias e concei-
tos oferecidos por essas abordagens, assim como (b) considerando a dificul-
dade em realizar pesquisas com Paralisia Cerebral, quando se utiliza os pré-
requisitos oferecidos pelas fundamentações dessas abordagens, tomo a
liberdade (consciente de cometer erro) de sugerir que o respaldo científico
das abordagens de tratamento da Paralisia Cerebral (PC) ainda está no pe-
ríodo de pré-ciência, onde as abordagens são bem aceitas no momento da
intervenção, provavelmente por falta de opção, mas nenhuma é suficiente-
mente forte para ser bem aceita e garantir o processo de pesquisa. Neste
momento de pré-ciência é bastante comum o surgimento de diferentes
paradigmas, os quais tentam se sobrepor uns aos outros e de alguma forma
ser aceito e participar de direcionamentos futuros no campo de pesquisa1.
No entanto, qual o momento de desenvolver um novo paradigma: o
fisioterapeuta que trabalha com Paralisia Cerebral começa a organizar seu
pensamento e discernir entre o que é mais adequado ou não para a melho-
ra de seus pacientes. Após identificar um raciocínio que seja justificável,
baseado em evidências e, de preferência, com comprovação científica, es-
tas idéias em conjunto contemplam uma nova forma de raciocinar perante
o paciente. Com certeza, este raciocínio tem como base outros tratamen-
tos, mas ao identificar um diferencial para as propostas oferecidas, surge
uma nova abordagem1.
Conforme apresentado anteriormente, pode-se afirmar que a com-
provação científica ainda está distante de sustentar a formação de uma abor-
dagem de tratamento na Paralisia Cerebral, mas provavelmente idéias que
ofereçam uma forma diferenciada de raciocinar perante o paciente e propicie
novos direcionamentos para intervenção clínica, seja interessante para a
formação do fisioterapeuta.
Baseado nessas últimas colocações, todos os profissionais estão à
procura ou se apropriam do diferenciado que possibilite o desenvolvimento
do inusitado e de preferência com algum respaldo teórico. Foi durante uma
disciplina do doutorado realizada na Universidade de São Paulo que obtive
conhecimentos sobre Aprendizagem Motora. A disciplina foi ministrada pela
Profa. Dra. Andréa Michele Freudenheim, membro do Laboratório de Com-
portamento Motor (LACOM)7, um dos grupos de maior consideração na área
de comportamento motor humano. Durante as aulas, percebi que a forma-
ção do Fisioterapeuta e, desta forma, a aplicabilidade clínica tem como base
o desenvolvimento e controle motor, mas pouco se correlaciona com apren-
dizagem motora.

352
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

Ao verificar os avanços nos estudos sobre aprendizagem motora e


que esses conhecimentos podem de alguma forma auxiliar o fisioterapeuta
na organização de sua intervenção clínica, surgiu a idéia de desenvolver uma
abordagem de tratamento que tenha como base a utilização dos conheci-
mentos da aprendizagem motora no tratamento da PC. É importante escla-
recer que não existe um respaldo científico adequado para comprovar a in-
tervenção por meio dos conhecimentos advindos da aprendizagem motora e
também não é pretensão da abordagem MAAF especular com justificativas
que a utilização dos conhecimentos de aprendizagem sejam mais efetivos
que os conhecimentos propiciados pelo controle ou desenvolvimento motor.
A intenção da abordagem MAAF é somente de oferecer para o fisioterapeuta
conhecimentos atuais de aprendizagem motora e como eles podem ser utili-
zados na organização de um programa terapêutico no tratamento da Parali-
sia Cerebral, mas sempre esclarecendo, considerando e respeitando a subje-
tividade dos respaldos existentes.
Para a organização de uma abordagem pode se apoiar em teórica
indutiva, onde o pesquisador inicia com um conjunto de fatos e, então, tenta
encontrar uma estrutura conceitual ao redor da qual possa organizá-los e
explicá-los8. O indutismo tem como princípio que a observação, neutra e
imparcial, é a unidade a partir da qual se constrói uma teoria científica, uma
vez apresentados os dados adquiridos da observação e da experiência, pode-
se, sob certas condições, generalizar afirmações singulares para afirmações
universais8,9. No entanto, a abordagem MAAF surge de uma formulação ba-
seada na inferência, onde integra fatos existentes e responde por evidências
que se relacionem com o conteúdo da abordagem8, a abordagem MAAF pres-
ta-se a formulação de hipóteses estáveis na forma de afirmações e utiliza o
máximo de conhecimentos existentes no campo de atuação, por meio de
hipóteses que direcione resultados e que forneça maior apoio à abordagem.

ORGANIZAÇÃO DA ABORDAGEM MAAF

Em realidade a abordagem fisioterápica MAAF (manuseio e adequa-


ção de atividades funcionais) foi desenvolvida e organizada com intenção de
propiciar ao fisioterapeuta a possibilidade de utilizar, no tratamento da Pa-
ralisia Cerebral, a interação de três atualidades fundamentais para organiza-
ção da proposta terapêutica, são elas: 1 - uma linguagem comum para me-
lhorar e efetivar comunicações entre fisioterapeutas que trabalham com as
consequências de condições ou estados de saúde da pessoa com Paralisia
Cerebral com base na CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde)10,11; 2 - Justificativas científicas que possam direcio-
nar a organização do tratamento fisioterápico na Paralisia Cerebral com a
Prática Baseada em Evidências (PBE)12 e 3 - principalmente, conhecimentos
advindos da aprendizagem motora e que podem fundamentar o tratamento
fisioterápico na Paralisia Cerebral.
A seguir detalhar-se-á a utilização destas três atualidades pela abor-
dagem MAAF:

1. Utilização da CIF:
Aprovada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2001 e
traduzida para o português em 2003 a CIF tem como objetivos específi-

353
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

cos10,11; a) proporcionar uma base científica para a compreensão e o estudo


da saúde e de suas condições, de seus determinantes e efeitos; b) estabele-
ce uma linguagem comum para a descrição da saúde e dos estados relacio-
nados para melhorar a comunicação entre diferentes usuários, profissionais
de saúde e pesquisadores10,11. A utilização da CIF é incorporada e utilizada
em diversos setores da saúde por equipes multidisciplinares12-14, pela fisiote-
rapia15-19 e na Paralisia Cerebral20-23 Desta forma, a abordagem de tratamento
MAAF optou em utilizar a linguagem comum proposta pela CIF para funda-
mentar a prática do fisioterapeuta no tratamento da Paralisia Cerebral. E,
propõe, a organização do tratamento em duas partes:
Parte I- funcionalidade e incapacidade: nesta parte verifica-se a par-
ticipação do fisioterapeuta nas alterações das funções e estruturas corporais
da Paralisia Cerebral, diretamente relacionadas às estruturas do sistema
nervoso e principalmente estruturas relacionadas ao movimento. Conside-
rar-se-ão funções corporais: as funções fisiológicas dos sistemas do corpo e,
estruturas corporais: as partes anatômicas do corpo, tais como órgãos, mem-
bros e seus componentes10,11.
Considerando-se a parte de funcionalidade e incapacidade o MAAF
enfatiza a capacitação de atividades funcionais e o desempenho na participa-
ção com foco diretamente relacionado com a mobilidade, onde se propicia a
funcionalidade nas mudanças, manutenções e transferências das posições
básicas do corpo, principalmente no andar, mover e deslocar-se. A CIF pro-
põe, como definição de atividade: a execução de uma tarefa ou ação por um
indivíduo e como definição de participação: o envolvimento em uma situação
de vida diária. O nome MAAF (Manuseio e Adequação de Atividades Funcio-
nais) surge justamente pelo foco da fisioterapia na capacitação de atividades
funcionais de mobilidade, propiciando a execução de uma tarefa de forma
efetiva. Neste momento, é importante enfatizar que apesar do foco na capa-
citação de atividades da mobilidade, a abordagem MAAF também considera
e direciona o tratamento para as alterações nas estruturas e funções corpo-
rais, assim como na viabilização de um melhor desempenho para uma efeti-
va participação social.
Parte II- fatores contextuais10,11, neste momento o MAAF verifica os
fatores contextuais propostos pela CIF e que podem ser facilitadores ou
obstáculos para a funcionalidade da pessoa com Paralisia Cerebral, a abor-
dagem MAAF sugere a organização de um programa fisioterápico direcionado
para a melhora na mobilidade considerando as dificuldades do paciente na
limitação da atividade ou restrição na participação.

2. Prática baseada em evidências (PBE):


O fisioterapeuta enfrenta inúmeros desafios em sua prática profissio-
nal e precisa se desenvolver, do ponto de vista científico e metodológico,
para que a utilização da PBE em seu cotidiano profissional seja possível e
útil, sempre com objetivo de proporcionar o máximo ao paciente, por meio
da melhor e mais bem fundamentada prática clínica24-27.
A PBE é definida como a integração do conhecimento do especialista
clínico (experiência clínica) com a melhor evidência disponível e as necessida-
des do paciente28. A experiência clínica é a habilidade de usar a capacidade de
julgamento do profissional e sua experiência para identificar o estado de saú-
de e o diagnóstico de um determinado paciente, avaliando os riscos e benefí-
cios de uma intervenção29. Desta forma é importante não só consumir a litera-

354
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

tura disponibilizada, mas também levar esta informação para a prática clíni-
ca28. Após as observações apresentadas, a abordagem MAAF surgiu e utiliza
quatro passos para a PBE12,30,31: a transformação das necessidades clínicas em
questões respondíveis; localização da melhor evidência para responder estas
questões; verificação crítica da validade e importância da evidência; integra-
ção da verificação com a experiência clínica e necessidade do paciente.

3. Aprendizagem motora:
Este é o maior diferencial da abordagem MAAF, onde por meio dos
conhecimentos advindos da aprendizagem motora procura-se organizar o
tratamento fisioterápico na Paralisia Cerebral. Tani (2005)32 cita que aprendi-
zagem motora procura estudar processos e mecanismos envolvidos na aqui-
sição de habilidades motoras e os fatores que a influenciam, ou seja, como a
pessoa se torna eficiente na execução de movimentos para alcançar uma
meta desejada, com a prática e experiência. Carr e Shepherd (2006)4 e Bar-
Haim et al (2010)33, citam que uma das mudanças no tratamento neurológi-
co está nos avanços e utilização dos conhecimentos da aprendizagem moto-
ra no tratamento de alterações neurológicas.
Como a aprendizagem está diretamente relacionada com habilidade
motora é fundamental esclarecer que segundo Gallahue e Ozmun (2005)8
habilidades motoras podem ser definidas como tarefas com finalidade espe-
cífica a ser atingida, que exigem movimentação voluntária, ou como padrão
motor fundamental realizado com precisão, exatidão e controle. A precisão é
enfatizada e o movimento é limitado, como no lançamento de uma bola em
direção a um alvo8. Outra definição bastante utilizada é a apresentada por
Guthrie (1952)34 citado por Schmidt (1993)35, na qual habilidade consiste na
capacidade adquirida de atingir um resultado final com um máximo de certe-
za e um mínimo dispêndio de energia, ou de tempo e energia. Uma habilida-
de motora é uma habilidade para a qual o principal determinante do sucesso
é a qualidade do movimento que o executante produz36.

ABORDAGEM MAAF - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DAS HABILIDADES


MOTORAS

A abordagem MAAF apresenta propostas de utilização das classifi-


cações de habilidades motoras 8,35-39 como sugestão de um modelo multidi-
mensional para o tratamento da Paralisia Cerebral onde teremos, segundo
Gallahue (2002)8,39 quatro maneiras de classificar as habilidades de movi-
mento que ganharam popularidade ao longo dos anos, a saber: (1) os
aspectos musculares, (2) os aspectos temporais, (3) os aspectos do meio
ambiente, e (4) os aspectos intencionais. Devido as alterações motoras
na Paralisia Cerebral terem uma influencia significativa de aspectos rela-
cionados ao tônus muscular e influenciado pelo estado de atenção da criança
na abordagem MAAF incluiu-se também uma proposta de habilidade mo-
tora considerando-se (5) aspectos de atenção. Os quais serão explicados
a seguir:

1. Aspectos musculares:
Não há uma delineação clara entre coordenação motora grossa e coor-
denação motora fina, todavia os movimentos frequentemente são classifica-

355
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

dos como um ou outro. Um movimento de coordenação motora grossa envol-


ve o movimento dos grandes grupos musculares do corpo8,37,38. A maioria das
habilidades esportivas é classificada como movimentos de coordenação moto-
ra grossa, com exceção talvez do tiro ao alvo, arco e flecha, e alguns outros.
Um movimento de coordenação motora fina envolve movimentos de limitadas
partes do corpo no desempenho de movimentos35,36. Considerando-se ativida-
des diárias, os movimentos manipulativos de costurar, escrever e digitar ge-
ralmente são considerados movimentos de coordenação motora fina. Para a
organização das habilidades motoras analisando fatores de sinergia de movi-
mentos durante a realização de tarefas motoras grossas ou finas deve-se
considerar três aspectos; global, segmentar e específico.

1.1 Global:
No aspecto global considera-se movimentos generalizados, dos gran-
des músculos do corpo, correlacionados com coordenação motora grossa.
Geralmente as atividades que requerem transferência (rolar, sentar e levan-
tar) e locomoção (arrastar, engatinhar e andar) são consideradas habilida-
des motoras globais8. Mesmo que necessite do auxílio das extremidades,
tanto de membros superiores como inferiores, se enfatiza a utilização dos
grupos musculares mais proximais.

1.2 Segmentar:
No aspecto segmentar considera-se movimentos de um segmento do
corpo37,38, pode ser do tronco, mas geralmente o aspecto segmentar é repre-
sentado pelos membros superiores e inferiores, considerando-se braços, ante-
braços, pernas e coxas. Os pés e as mãos podem participar, mas não de uma
forma específica. São representados pelas atividades que requerem movi-
mentos de extremidades sem muita precisão como por exemplo: jogar, ba-
ter, chutar e empurrar.

1.3 Específico:
No aspecto específico consideram-se movimentos com grande especi-
ficidade8,35,36, diretamente relacionados à coordenação motora fina, onde gru-
pos musculares distais devem realizar tarefas refinadas, com vários detalhes.
São representados pelas atividades que requerem precisão8,39, como por exem-
plo: pegar, escrever, encaixar, pintar (utilização das mãos), colocar o pé em
cima de uma bola, direcionar o pé para um objeto (utilização dos pés).

2. Aspectos temporais:
Na forma temporal de classificação das habilidades motoras conside-
ra-se o tempo de realização da atividade e, principalmente, quantas repeti-
ções de um mesmo movimento devem ser utilizadas para cumprir determi-
nada proposta funcional8,38,39. Neste contexto, observa-se até que ponto o
movimento é um processo contínuo do comportamento, em oposição a uma
ação breve, bem definida35. Para o aspecto temporal, além da importância do
tempo está o número de repetições do mesmo ato motor, para tanto deve-se
considerar três aspectos: Discreto, seriado e contínuo.

2.1 Discretos:
Movimento discreto tem começo e fim definido, onde se realiza um
ato motor específico uma única vez e frequentemente muito breve em dura-

356
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

ção36, mas com tempo suficiente para finalizar uma tarefa. A característica
principal é começo e final reconhecível, onde não ocorre a repetição imediata
de um movimento8,36,38. As habilidades discretas são importantes no contex-
to de várias atividades funcionais seja em chutar, arremessar um objeto,
levantar e sentar, sempre algo que esteja relacionado a executar somente
um ato motor.

2.2 Seriado:
Algumas vezes as habilidades discretas são colocadas em série para
formar ações mais complexas, essa sequência de habilidades são denomina-
das como seriadas, sugerindo que a ordem dos elementos é, de alguma
forma, crucial para o êxito da performance36. Movimento seriado envolve a
realização de um único e discreto movimento várias vezes, numa rápida
sequência; sem intervalo entre as repetições8,35,39 (Pular corda e pular repe-
tidas vezes em um só pé são exemplos bastante citados)8,39. Outra possibili-
dade de habilidade seriada ocorre em uma combinação de movimentos dis-
cretos diferentes, mas que unidos criam uma ação maior, única, como se
fosse verdadeiramente discreto desde o início; é o caso de uma série de
ginástica ou o ato de trocar a marcha do carro juntamente com pisar na
embreagem e no acelerador. Durante a aprendizagem de habilidades seria-
das, as pessoas se concentram nos elementos distintos da tarefa, posterior-
mente, após considerável prática, elas são capazes de combinar os elemen-
tos para formar uma sequência unificada36.

2.3 Contínuos:
São movimentos repetidos por um tempo mais longo, onde determi-
nado movimento se repete sucessivamente para viabilizar a função. Uma
habilidade organizada de maneira que a ação se desdobra sem um início e
um fim identificável, de forma contínua e repetitiva36(correr, nadar e andar
de bicicleta são os exemplos mais clássicos).

3. Aspectos do meio ambiente:


Na forma ambiental de classificação das habilidades motoras conside-
ra-se a interação tarefa e ambiente, onde a previsibilidade do movimento é
que define o tipo de tarefa8,35,36,39. Neste sistema, o termo ambiente se refere
especificamente ao objeto sobre o qual a pessoa está agindo ou as caracte-
rísticas do contexto no qual a pessoa realiza a habilidade38. Por exemplo, se
uma pessoa estiver batendo uma bola, o componente crítico do ambiente
será a bola, por outro lado para uma habilidade de andar, as condições am-
bientais críticas são a superfície onde serão realizados os passos e as carac-
terísticas do contexto ambiental onde a pessoa deverá andar38. Para tanto
considera-se três aspectos8,38,39: aberto, fechado e misto.

3.1 Aberta:
É uma habilidade motora realizada num ambiente onde as condições
estão em constantes mudanças, é uma habilidade desempenhada em um am-
biente não estável, onde o objeto ou o contexto varia durante o desempenho da
habilidade38. Para realizar com sucesso uma habilidade dessas, o participante
deve agir de acordo com a ação do objeto ou das características de alteração do
ambiente38, as habilidades podem variar de forma temporal (prever quando um
sinal a ser respondido acontecerá ou predizer o curso de tempo de uma sequên-

357
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

cia de eventos)36 ou de forma espacial (prever o que acontecerá antes do sinal


ser apresentado)36. Essas condições requerem que o indivíduo faça alterações
ou ajustes nos movimentos constantemente para realizar uma função de acor-
do com a tarefa proposta. Necessita-se de muita variabilidade e flexibilidade36,39
na realização de uma tarefa aberta, pois são executadas em um ambiente
constantemente mutável, dificultando o planejamento do movimento, uma ca-
racterística interessante de habilidade motora aberta é pouca possibilidade de
antecipação do movimento36. São habilidades executadas em um ambiente que
é imprevisível, não possibilita que o indivíduo utilize o mesmo padrão de movi-
mento, obrigando a adaptação dos movimentos em resposta às propriedades
dinâmicas do ambiente. A maioria das atividades e jogos em grupo ou dupla
exigem habilidades abertas. Barela et al (2008)40 citam que de forma geral,
qualquer explicação sobre controle e coordenação de movimentos deve utilizar
um estilo de organização em que os muito graus de liberdade do sistema seja
ao mesmo tempo dominados e apresentem flexibilidade e versatilidade frente
às mudanças impostas pelas variações do contexto em que os movimentos são
realizados.
Como o ambiente é o grande diferencial, Magill (2000)38 cita que o
andar pode ser considerado uma habilidade aberta ou fechada, ou seja, o
aspecto de distinção está na situação na qual o andar é executado, quando o
andar é realizado em um ambiente vazio, sem interferências que ajam sobre
o indivíduo é considerada uma habilidade fechada, no entanto ao andar em
um ambiente cheio de obstáculos e imprevisível será uma habilidade aberta.
Gallahue (2002)39 cita como exemplo a criança que participa de um jogo
típico de pega-pega que exige corrida e movimentos súbitos em diversas
direções, nunca utiliza exatamente os mesmos padrões de movimento du-
rante o jogo. A criança precisa adaptar-se às demandas da atividade por
meio de uma variedade de movimentos similares, mas diferentes.

3.2 Fechada:
É aquela realizada num ambiente estável ou previsível onde a pessoa
determina quando a ação vai começar e acabar, tem controle sobre todos os
aspectos envolvidos na atividade8,36,39. Para essas habilidades o objeto sobre o
qual se age não muda durante o desempenho da Habilidade, em realidade o
objeto espera pela ação do indivíduo. As surpresas são praticamente inexistentes,
sendo que o ambiente é de total controle do indivíduo, exemplos são; o salto
vertical, salto a distância, tiro ao alvo8, nesses casos o indivíduo depende dele
mesmo sem qualquer interferência do ambiente. Se um terapeuta solicitar que
o paciente pegue um objeto parado no chão, será uma habilidade fechada, pois
o objeto não se desloca durante o intervalo da decisão do paciente em pegar,
até a execução do ato motor. Solicitar que o paciente ande em um quarto ou
sala também é habilidade fechada, pois o contexto ambiental não terá mudan-
ças durante a execução da função. Para as habilidades fechadas o paciente
poderá iniciar a ação quando estiver pronto, e realizar a tarefa de acordo com
sua vontade8,36,39. Schmidt e Wrisberg (2010)36, definem habilidades fechadas
como habilidade executada em um ambiente que é previsível ou estacionário
permitindo que o executante planeje seus movimentos antecipadamente.

3.3 Tarefa mista:


Schmidt e Wrisberg (2010)36 citam que o sistema de classificação de
habilidades motoras aberta e fechada enfatiza a previsibilidade das deman-

358
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

das ambientais colocadas sobre o executante. Neste caso para as habilida-


des que se situam mais próximas do extremo “fechado” de um contínuo (ex:
golfe, boliche, tricotar) o ambiente é estável e o executante pode avaliar
com antecedência, organizar os movimentos sem sentir-se pressionado pelo
tempo e executar a ação sem qualquer necessidade de ajustes repentinos36.
Por outro lado, para habilidades que estão mais próximas do extremo “aber-
to” do contínuo (ex, futebol, jogo de tênis e basquetebol) os executantes
devem ser capazes de “ler” o ambiente para ajustar o movimento, geral-
mente em uma pequena quantidade de tempo36. No entanto, o que fazer
com habilidades que se localizam no meio deste contínuo, entre os extremos
aberto (imprevisível) e fechado (previsível)? Schmidt e Wrisberg (2010)36 e
Schmidt (1993)35 citam a palavra semiprevisível para estes tipos de habilida-
des motoras. Neste caso, para facilitar a aplicabilidade clínica do conheci-
mento, optou-se em propor uma possibilidade de habilidade motora mista,
para a qual a tarefa necessita de um controle do ambiente, mas com possi-
bilidade de interferências externas, ou seja o indivíduo depende de suas
habilidades mas de alguns fatores que podem ser modificados no ambiente.
Um exemplo bastante claro considerando os esportes são as competições de
corrida e natação, onde o indivíduo só depende da sua capacidade, mas
precisa estar atento ao concorrente que pode apresentar surpresas em um
determinado momento.

4. Aspectos intencionais:
As habilidades de movimento podem ser classificadas com base em
sua intenção, ou seja se a criança tiver a intenção de manter uma postura,
ou de se deslocar no espaço, ou ainda de realizar um ato onde requer a
utilização de extremidades para realizar uma função. A intenção está relacio-
nada à necessidade interação-tarefa e ambiente do movimento, neste consi-
dera-se os três aspectos a seguir; Estável, móvel e manipulativa.

4.1 Habilidade estável:


São habilidades nas quais a orientação corporal de alguém estabelece
como tarefa manter uma orientação estável8,36,39, o ato de assumir ou man-
tém uma posição específica como por exemplo se manter sentado, ficar em
pé, se equilibrar em uma trave.

4.2 Habilidade de mobilidade:


A mobilidade é um aspecto importante no tratamento da Paralisia
Cerebral41-43, neste caso a orientação corporal está relacionada com movi-
mentos, que podem ser gerados com duas intenções, a primeira tem como
característica transportar o corpo de uma postura para outra como por exem-
plo; rolar, levantar, ajoelhar e sentar. Ou seja são habilidades de mobilidade
mas na categoria de “transferência”. A segunda mobilidade é de “Locomo-
ção”, onde o indivíduo tem a intenção de transportar o corpo de um ponto a
outro, como arrastar, engatinhar, andar e correr.

4.3 Habilidade de Manipulação:


São habilidades que envolvem dar força a um objeto ou receber força
do mesmo, arremessar, pegar, chutar e lançar constituem habilidades
manipulativas comuns39. A quantidade de manipulação da extremidade su-
perior envolvida na tarefa pode variar desde uma manipulação relativamen-

359
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

te simples, que não tem um componente de acuidade significativo, até tare-


fas mais complexas que podem exigir mais velocidade e acuidade37.

5. Aspectos de atenção:
É uma classificação nova nas habilidades motoras, a palavra aten-
ção e sua influência nas habilidades motoras é de pouco conhecimento37,
mas conforme apresentado por Bottcher (2010) 44 e Bottcher et al (2010)45
na prática clínica de tratamento da criança com Paralisia Cerebral se ob-
serva bastante a influência da atenção sobre o Tônus muscular e como
consequência sobre a funcionalidade, por isso optou-se em incluir este
aspecto na abordagem MAAF, mas sempre considerando a falta de
referências.A inclusão dos aspectos de atenção na classificação de habili-
dades motoras deve ser considerada uma proposta inicial, Shumway-Cook
e Woollacott (2003) 37 citam que a utilização do conceito de demanda
atentiva é bastante novo, provavelmente estejam envolvidos processos
cognitivos em um sentido bastante amplo considerando-se atenção, moti-
vação e aspectos emocionais que são subjacentes ao estabelecimento de
uma intenção ou objetivo. Os indicadores de processos de atenção in-
cluem o reconhecimento de padrões complexos ambientais e a resposta
produzida pelo indivíduo37. Esses fatores dificultam muito para identificar
qual é o tipo de habilidade motora que o indivíduo executa, principalmen-
te por ter uma representatividade individual de significado e momento.
Como o fator a se analisar é a atenção, que é relacionada com intenção e
objetivo, mais do que a tarefa propriamente dita, deve-se levar em consi-
deração a representação da tarefa para aquela criança naquele momento.
Para tanto, dividir-se-á as habilidades motoras de atenção em: habilida-
des de alta demanda - caracteriza-se por alta demanda na atenção, quan-
do a criança precisa de muita atenção na realização da tarefa, deve-se
levar em consideração a representação da tarefa para a criança; baixa
demanda - são tarefas que não requerem muita atenção, geralmente as
atividades posturais, sem movimento como se manter sentada ou deitada
propiciam baixa demanda de atenção. E simplesmente por motivos didáti-
cos optou-se em inserir a possibilidade de média demanda de atenção.
Mais do que a postura ou a atividade, é sempre importante considerar a
intenção da tarefa e tentar identificar se a atividade proposta representa
para aquele determinado indivíduo uma habilidade de alta, média ou bai-
xa demanda.

ABORDAGEM MAAF - PROPOSTA DE UTILIZAÇÃO PRÁTICA DAS


HABILIDADES MOTORAS

Na vida cotidiana executamos uma variedade imensa de tarefas fun-


cionais que exigem movimentos. A natureza da tarefa que está sendo execu-
tada determina, em parte, o tipo de movimentos necessários, a compreen-
são do controle que o movimento exige e o conhecimento de como as tarefas
regulam ou restringem o movimento. A recuperação da função após as alte-
rações no sistema nervoso central que ocorre com a Paralisia Cerebral re-
quer que o paciente desenvolva padrões de movimentos que cumpram as
demandas de tarefas funcionais. Assim, as estratégias terapêuticas que aju-
dam os pacientes a aprender ou reaprender as tarefas funcionais são essen-

360
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

ciais para maximizar a recuperação e execução de independência funcio-


nal4,37. A proposta da abordagem MAAF é apresentar como idéia que possa
ser utilizada na prática clínica, no momento de organizar o programa tera-
pêutico, por meio da utilização das classificações das habilidades motoras.
Para tanto, a abordagem MAAF sugere a utilização de uma taxonomia multi-
dimensional.
O ato de criar e desenvolver taxonomias (ciência que lida com a des-
crição, identificação e classificação dos organismos ou palavras) parece im-
portante para o profissional de reabilitação38. Além de a taxonomia fornecer
as bases para o profissional poder avaliar os problemas de desempenho, ela
se apresenta como uma ferramenta valiosa na seleção das atividades funcio-
nais adequadas para ajudar pessoas a superarem suas deficiências38. Esse é
um aspecto importante da taxonomia, pois enfatiza a complementaridade do
processo de reabilitação. É importante avaliar as deficiências de habilida-
des46,47, mas a eficácia de qualquer programa de reabilitação depende da
implementação de atividades adequadas para atingir metas funcionais para
o paciente48-52.
Gallahue (2002)39 cita que os esquemas multidimensionais para a
classificação de movimento nos permitem visualizar uma habilidade de
movimento em três ou mais dimensões. Não se limitam apenas a esque-
mas bidimensionais como as propostas de Gentile 2000 53 e Gallahue
(2002) 39, mas podem ser visualizados, dependendo do objetivo, de três,
quatro e mesmo cinco dimensões. Apesar da dificuldade de retratar visu-
almente, do ponto de vista conceptual, é possível observar o fenômeno de
movimento de todas as cinco dimensões. Isto é, a habilidade de movi-
mento realizada no mundo real pode ser observada sob seus aspectos
musculares (global, segmentar ou específico), temporal (discreto, seriado
ou contínuo), do meio ambiente (aberto, fechado ou misto), intencional
(estável, móvel ou manipulativo) e de atenção (alta, média ou baixa de-
manda). Para tanto a seguir está uma proposta taxonômica multidimen-
sional das habilidades motoras proposta pela abordagem MAAF para ser
usada na prática clínica do fisioterapeuta (tabela 1).

Tabela 1: Proposta multidimensional das habilidades motoras utilizada na


abordagem MAAF
Habilidades motoras

1 - Muscular 2 - Temporal 3 - Ambiental 4 -Intencional 5 - Atenção

Global Discreto Aberto Estável Alta demanda


Segmentar Seriado Fechado Móvel Média demanda

Específico Contínuo Misto Manipulativa Baixa demanda

Adaptando o exemplo de Gallahue (2002)39, a seguir há um exemplo


de utilização das habilidades motoras proposto pela abordagem MAAF: uma
criança ao chutar uma bola em um alvo fixo realiza uma habilidade segmen-
tar (sob o aspecto muscular), discreta (sob o aspecto temporal), fechada
(sob o aspecto ambiental), manipulativa (sob o aspecto intencional) e obser-
vando o aspecto de “atenção” (sempre se considera a situação da tarefa), se
chutar a bola no alvo for uma competição mesmo que entre terapeuta e

361
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

paciente provavelmente será de alta demanda, se for somente uma brinca-


deira, sem qualquer aumento de atenção, é considerada uma habilidade de
baixa demanda.
Embora pareça uma tarefa difícil, visualizar o movimento sob todas as
cinco dimensões torna-se, na verdade, um processo que a abordagem MAAF
incentiva, sendo que o envolvimento com este raciocínio, diariamente, propi-
ciará agilidade no momento da prática clínica. Ao identificar os aspectos
multidimensionais da habilidade que será sugerida para o paciente, conside-
rando o indivíduo e o ambiente, o fisioterapeuta organizará um programa
terapêutico utilizando as cinco dimensões, viabilizando um tratamento que
poderá facilitar a situação ensino-aprendizagem. A interação entre os requi-
sitos da tarefa, a biologia do indivíduo, e as condições do meio ambiente de
aprendizagem, são diretamente relacionadas com as cinco dimensões de
habilidades motoras e podem ser consideradas no momento de organizar a
terapia39. Para a abordagem MAAF, toda vez que um terapeuta abordar o
ensino de uma habilidade de movimento deve imaginar uma lista como a
seguir (adaptada da proposta de Gallahue 20058 e 200239).

* Quais são os requisitos da tarefa de movimento que quero propor


ao paciente?
- Trata-se de uma habilidade de coordenação motora grossa ou fina?
- É um movimento discreto, seriado ou contínuo?
- É uma habilidade estável, móvel ou manipulativa?

* Quais as condições do meio ambiente e a demanda que o paciente


necessita para a execução da habilidade proposta?
- ambiente aberto, fechado ou misto
- demanda alta, média ou baixa?

Apesar da importância do conhecimento multidimensional das habili-


dades motoras, não existe uma proposta efetiva ou justificável de como
organizar a terapia. Magill (2000)38 cita que no processo de seleção de ativi-
dades o terapeuta pode começar selecionando atividades relacionadas ao
aspecto da taxonomia na qual a pessoa não tem capacidade, de imediato, de
atender as exigências da habilidade. Em seguida, o terapeuta pode desen-
volver um programa de reabilitação trabalhando os aspectos selecionados.
Cada aspecto fornece então, um guia para selecionar as atividades adequa-
das a fim de ajudar o paciente a superar suas deficiências e atingir sistema-
ticamente a meta funcional da terapia38. A abordagem MAAF utiliza os conhe-
cimentos da aprendizagem motora, mas não propõe nenhuma regra de como
organizar a prática clínica, apesar de ser interessante a sugestão de iniciar
pelo aspecto com maior dificuldade, por outro lado Magill (2000)38 cita que
pode ser bastante frustrante para o paciente e para o terapeuta executar
habilidades que enfatizem a dificuldade do paciente.
Até o presente momento a abordagem MAAF não identificou ou pro-
pôs qualquer tipo de avaliação direcionada para as habilidades motoras ou
protocolos de tratamento. Considerando as diferenças individuais relaciona-
das com a Paralisia Cerebral será difícil propor um raciocínio que possa ser
transferido para diferentes pacientes, pois existem diferenças bastante cla-
ras nas capacidades e desempenhos individuais do paciente com Paralisia
Cerebral.

362
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

A abordagem MAAF enfatiza que o terapeuta deve conhecer e analisar


os aspectos de cada habilidade motora que irá propor ao paciente, com este
conhecimento e considerando a dificuldade existente, conseguirá organizar o
programa terapêutico de acordo com a necessidade individual do paciente.
Mesmo não propondo um protocolo de tratamento, abaixo estão três suges-
tões, ainda em desenvolvimento, mas que podem ajudar a organizar o pro-
grama terapêutico:
1 - Leve em consideração o meio ambiente: habilidades motoras fe-
chadas e de baixa demanda, provavelmente serão mais efetivas na execução
da tarefa proposta para pacientes com Paralisia Cerebral, por outro lado, no
dia a dia, o paciente terá que ter desempenho em habilidades motoras aber-
tas e de alta demanda. Mesmo que durante a capacitação de uma habilidade,
o paciente tenha mais dificuldades e cometa mais erros54,55 é importante
propor atividades abertas e de alta demanda.
2 - Mesmo sem uma comprovação efetiva de como organizar uma
terapia efetiva, a necessidade do paciente com Paralisia Cerebral ter a vivên-
cia dos diferentes aspectos de habilidade motora em diferentes contextos4,56
é um fator que deve ser considerado, propor na terapia atividades que de
alguma forma propicie a realização de todas as possibilidades de habilidades
motoras pode ser um início de raciocínio lógico.
3 - Tente desenvolver um programa terapêutico que considere as habi-
lidades motoras, mas a proposta da tarefa deve ser o mais funcional possí-
vel30, organize metas de aprendizagem que possam ser transferidas para o dia
a dia do paciente. Metas atingíveis, realistas e desafiadoras36,57 favorecem a
participação do indivíduo e, provavelmente, beneficiam o aprendizado.

Outros fatores considerados pela abordagem MAAF:


A abordagem MAAF com base na aprendizagem motora enfatiza, tam-
bém, os fatores que influenciam na prática5,8,37-39 e sua evidência no trata-
mento da Paralisia Cerebral, onde três fatores são aplicados: 1 - Feedback
(de conhecimento de resultado e performance): que pode ser definido como
informações que o indivíduo recebe durante ou após a execução de um mo-
vimento, permitindo avaliar se o movimento alcançou o objetivo almeja-
do8,38,39; 2 - Estabelecimento de metas (de curto ou longo prazo; performan-
ce ou resultado; específica ou geral); 3 - Orientação (por demonstração,
verbal ou física). Por último, verifica-se a aplicabilidade das estruturas da
prática, como por exemplo: prática compacta e distribuída; aleatória e blo-
queada; prática do todo e parte e suas influências na aprendizagem motora
da Paralisia Cerebral.
Conclusão: a abordagem MAAF é uma proposta fisioterápica de trata-
mento da Paralisia Cerebral que usa como linguagem, nominas da CIF e,
para organizar o tratamento, utiliza a experiência clínica com a melhor evi-
dência disponível e as necessidades do paciente. Tem como principal objeti-
vo proporcionar funcionalidade na mobilidade, por meio do conhecimento da
aprendizagem motora, com foco na classificação das habilidades funcionais,
estruturas e fatores que influenciam na prática.

363
Capítulo 20 Manuseio e Adequação de Atividades Funcionais (MAAF)

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366
CAPÍTULO 21
KABAT - FACILITAÇÃO NEUROMUSCULAR PROPRIOCEPTIVA

Cristina dos Santos Cardoso de Sá

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) ocorre em eta-


pas e reflete as aquisições motoras, sensoriais e cognitivas de uma criança.
Este pode ser modificado em decorrência de lesões pré, peri e pós-natais,
repercutindo em dificuldades nas aquisições motoras, sensoriais e cognitivas,
como é observado nas crianças com encefalopatia crônica da infância, popu-
larmente conhecida como paralisia cerebral (PC)1.
Em capítulos anteriores, menciona-se que crianças com PC apresen-
tam deficiências nas aquisições motoras podendo ou não apresentar defi-
ciências sensoriais e/ou cognitivas associadas entretanto, as dificuldades nas
aquisições decorrentes da lesão podem ser amenizadas, pois o SNC é uma
estrutura plástica e responsiva a estimulação ambiental, mesmo após lesão.
Desse modo, devemos buscar a estimulação apropriada visando proporcio-
nar a reorganização desse sistema2.
A intervenção fisioterapêutica nestas crianças tem por objetivo obter
o máximo controle motor buscando o maior grau de independência.
Nas décadas de 1950 e 1960, emergiram novas teorias do comporta-
mento neuromotor que redefiniram as características clínicas dos pacientes
com PC e possibilitou a orientação de estratégias de tratamento com base
nos princípios do desenvolvimento e aprendizado motor. Neste período o
médico Herman Kabat auxiliado pelas fisioterapeutas Margareth Knott e
Dorothy Voos introduziram a facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP)
na abordagem terapêutica de crianças com transtornos de movimento de-
corrente da PC. Esta abordagem empregando os padrões diagonais de movi-
mento alterava posturas habituais das crianças com PC e introduzia padrões
de movimentos mais funcionais3,4.

367
Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva Capítulo 21

PRINCÍPIOS DO MÉTODO FACILITAÇÃO NEUROMUSCULAR


PROPRIOCETIVA

O método de facilitação neuromuscular proprioceptiva foi desenvolvi-


do com base nos conceitos fisiológicos de recrutamento máximo de unidades
motoras, atividade reflexa, somação temporal e espacial, irradiação, indução
sucessiva e inervação recíproca para promover ou precipitar o movimento
por meio de estímulos proprioceptivos, táteis, visuais e auditivos, e possibi-
litar maior grau de excitação central sobre os motoneurônios e favorecer a
atividade voluntária dos músculos fracos e/ou paréticos.
O método preconiza a combinação de movimentos, que relaciona
padrões de sinergia muscular e uso de reflexos posturais e reações de
endireitamento originando padrões de movimentos funcionais5-7.
Os procedimentos básicos da facilitação são ferramentas para auxiliar
o indivíduo a atingir a função motora e sua independência nas atividades
funcionais e de vida diária. Estes podem ser usados no tratamento de indiví-
duos com diversos diagnósticos, contudo em determinadas situações algu-
mas adaptações são necessárias7. No caso de indivíduos com PC pode-se
empregar os procedimentos facilitadores do método associado a atividades
lúdicas2,8,9.
A seguir há a descrição dos procedimentos facilitadores do método. Vale
ressaltar que pode ocorrer sobreposição dos efeitos a partir dos estímulos apli-
cados aos padrões diagonais de movimento. Um exemplo desta sobreposição é
a resistência necessária para tornar o reflexo de estiramento efetivo.

Posição corporal e biomecânica


A posição do fisioterapeuta na realização dos padrões de movimento
da facilitação neuromuscular proprioceptiva é fundamental, uma vez que o
controle do paciente é mais efetivo quando o fisioterapeuta está em alinha-
mento com o movimento a ser realizado. O posicionamento do fisioterapeuta
além de indicar a direção da movimentação, auxilia a resistí-la.
O fisioterapeuta posiciona-se em linha com o movimento estimulado.
Para tal, este deverá manter os ombros e os quadris voltados para a direção
do movimento, ou seja, na diagonal do movimento. Caso, o fisioterapeuta
não consiga manter o alinhamento corporal na posição correta, os seus mem-
bros superiores devem estar alinhados com o movimento pretendido.
O paciente deve manter os segmentos corpóreos alinhados, indepen-
dente da sua posição, já que os padrões diagonais podem ser realizados em
diversas posições e não apenas no decúbito dorsal ou posição de supino.

Contato manual
O contato manual do fisioterapeuta tem por objetivo guiar o movi-
mento por meio do toque e da pressão e aumentar a força muscular. Por
meio do contato manual é estabelecida a comunicação entre o fisioterapeuta
e o paciente. Este contato estimula receptores táteis e de pressão fornecen-
do orientação espacial e direção do movimento ao paciente.
O fisioterapeuta realiza o contato lumbrical que é mais efetivo para
facilitar o movimento, já que permite maior controle da movimentação e
resistência à rotação. É realizado na porção distal das extremidades superio-
res e inferiores e sempre nas faces laterais, superfícies neutras, que possibi-
litam a execução de padrão flexor ou extensor.

368
Capítulo 21 Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva

Comando verbal
O comando verbal ou estímulo verbal objetiva informar ao indivíduo o
que fazer e quando fazer. Deve ser simples e preciso, e a intensidade da voz
do fisioterapeuta depende do objetivo a ser atingido, ou seja, maior contra-
ção muscular, relaxamento, feedback positivo.
O comando verbal divide-se em três partes: a) preparação, b) ação e
c) correção.
A sincronia do comando verbal é fundamental quando o reflexo de
estiramento é aplicado. O estímulo verbal dever ser fornecido imediatamen-
te antes do reflexo de estiramento, visando coordenar a tentativa voluntária
do indivíduo com a resposta reflexa10.
Uma das primeiras perguntas que surgem por parte dos fisioterapeu-
tas ao empregar a FNP em crianças é em relação ao comando verbal, uma
vez que a compreensão por parte da criança está comprometida ou não
totalmente desenvolvida. O que fazer, então? Nestes casos enfatizam-se os
demais procedimentos facilitadores do método.

Visão
A informação visual auxilia no controle e na correção da movimenta-
ção, o que é importante nos casos em que a sensação proprioceptiva não é
eficiente. Permite ainda a ativação da musculatura do pescoço e tronco, faci-
litando a irradiação, quando o indivíduo acompanha com os olhos a movi-
mentação do membro superior (MS).
O contato visual entre o fisioterapeuta e o paciente é uma outra via de
comunicação garantindo a interação entre as duas partes.
No caso de indivíduos com PC e comprometimento visual total, deve-
se enfatizar os demais procedimentos facilitadores do método. A maior ati-
vação da musculatura do pescoço e tronco, a partir da movimentação do MS
pode ser conseguida enfatizando-se o estímulo auditivo, já que a informação
visual não está disponível. Em casos de crianças ou adolescentes com PC e
visão subnormal, pode-se adequar o ambiente para que os mesmos consi-
gam responder à estimulação visual. Nestes casos pode-se associar a execu-
ção dos padrões diagonais de movimento solicitando ao indivíduo que se
direcione ao estímulo luminoso, o que possibilitará maior ativação da muscu-
latura do pescoço e tronco.

Tração e aproximação
Os receptores articulares podem ser estimulados por meio da tração
e da aproximação e auxiliar na promoção do movimento e na estabilidade.
Segundo Voos, et al.11, a tração é o alongamento de um segmento
corpóreo, por exemplo, do membro superior, que estimula os receptores
articulares, além de desencadear o reflexo de estiramento, pois reforça o
alongamento muscular. A tração tem por objetivos: (1) facilitar a movimen-
tação, principalmente a antigravitacional, a tração geralmente está associa-
da aos padrões de flexão dos membros superiores e inferiores; (2) adicionar
alongamento; (3) resistir o movimento.
A aproximação é a compressão (coaptação) das superfícies articula-
res. Segundo Voos et al11 as contrações musculares seguidas de aproxima-
ção são resultantes da estimulação dos receptores articulares. A aproxima-
ção tem o objetivo: (1) estabilização articular; (2) facilitar a descarga de
peso e a contração da musculatura antigravitária; (3) resistir algum compo-
nente da movimentação.

369
Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva Capítulo 21

Reflexo de estiramento
O estiramento muscular ocorre quando o músculo é alongamento.
Desse modo, os fusos musculares são estimulados e informam ao sistema
nervoso central a mudança de comprimento do músculo e em conseqüência
o músculo que foi alongado contrai (circuito do reflexo de estiramento – nível
medular). Se o estiramento for eficiente os músculos da mesma articulação
e os demais músculos da sinergia serão estimulados.
O estiramento muscular que desencadeia o reflexo de estiramento
como mencionado acima tem por objetivo: (1) facilitar o início do movimen-
to; (2) aumentar a amplitude do movimento; (3) aumentar a força muscu-
lar; (4) direcionar o movimento; (5) prevenir ou reduzir a fadiga muscular.
O estiramento pode ser fornecido ao músculo alongado no início do
arco de movimento uma única vez ou repetidas vezes, pode ainda ser ofere-
cido durante o arco de movimento a fim de reforçar a contração muscular.
Um aspecto importante ao aplicar esse estímulo, é que a contração gerada
pelo estiramento deve ser acompanhada de resistência, pois do contrário o
estímulo de estiramento terá um caráter inibitório e não uma demanda
facilitatória da movimentação12.

Resistência
A resistência é o estímulo para facilitar a contração muscular. O uso
deste estímulo visa facilitar a contração do músculo, aumentar a força mus-
cular e o controle motor.
Na FNP a resistência é manual, e é dosada de acordo com as condi-
ções do paciente e com o objetivo da atividade, isto é, intenção do movimen-
to ou estabilização. A partir do objetivo a ser alcançado, a resistência asso-
ciada às técnicas específicas pode provocar contrações isométricas, isotônicas
concêntricas ou excêntricas.

Irradiação
A resistência aplicada apropriadamente resultará em irradiação, que
consiste na deflagração da resposta ao estímulo, que pode ser observada
pela contração de músculos sinérgicos em padrões específicos (facilitação)
ou por relaxamento muscular (inibição). A resposta aumenta à medida que o
estímulo aumenta em intensidade ou em duração13.
A maior quantidade de resistência aplicada implica em maior ex-
tensão da resposta muscular, e que depende da posição do paciente. Um
exemplo de irradiação pode ser observado quando o padrão de extensão,
adução e rotação medial de MS é realizado com uma maior quantidade de
resistência manual na posição de supino. Nesta condição observa-se am-
pliação da resposta para os membros inferiores; no membro inferior (MI)
contralateral ao MS ocorre flexão de quadril, e no ipsilateral ocorre à ex-
tensão do quadril.

Padrões de facilitação
Segundo Kabat14, o movimento funcional normal é composto por pa-
drões de movimento em massa dos membros e dos músculos sinérgicos do
tronco. A combinação da movimentação em cada padrão diagonal de movi-
mento preconizado pelo método FNP relaciona-se as atividades do dia a dia
e atividades esportivas.

370
Capítulo 21 Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva

Os padrões diagonais da FNP combinam movimentos nos três planos


de movimento. A denominação dos padrões segue a posição final do movi-
mento realizado pela articulação proximal do segmento corpóreo, respeitan-
do a sequência da movimentação ocorrendo nos seguintes planos: sagital
(flexão ou extensão), frontal (abdução ou adução) e transversal (rotação
medial ou lareral), o exemplo de um padrão de movimento é o de flexão,
adução e rotação lateral de MI. Caso a articulação intermediária do segmen-
to corpóreo em questão termine em uma posição diferente da inicial, o nome
do movimento realizado por esta é acrescentado ao padrão, por exemplo,
flexão, adução, rotação lateral com flexão de joelho.

Sincronização do movimento
Refere-se à seqüência da movimentação. O movimento coordenado
depende da sincronia desta seqüência. Ao realizar os padrões diagonais de
movimento, uma das ferramentas da FNP, a sequência da movimentação é
de distal para proximal.

Técnicas específicas
As técnicas específicas do método FNP têm por objetivo promover a
funcionalidade do indivíduo. Essas técnicas são associadas aos padrões
diagonais de movimento de acordo com a necessidade de cada indivíduo.

Facilitação neuromuscular proprioceptiva e os tipos de


paralisia cerebral
Para definir qual o padrão diagonal de movimento entre os vários
existentes no método FNP, deve-se escolher o mais adequado a cada tipo de
PC ao realizar uma avaliação minuciosa da criança. A partir dessa avaliação
identificam-se as fases do desenvolvimento que estão deficitárias.
Uma dica é usar a posição da criança como partida para buscar a
posição de chegada, ou seja, entender em qual padrão de movimento a
criança está posicionada, e a partir disso qual padrão de movimento
pode ser empregado para tirar a criança dessa posição fornecendo fun-
ção a ela.
No caso de uma criança apresentar o RTCA (Reflexo Tônico Cervical
Assimétrico), que corresponde ao padrão diagonal de extensão, abdução e
rotação medial de MS, pode-se a partir dessa posição realizar o padrão diagonal
de flexão, adução e rotação lateral de MS, ou ainda realizar uma variação
desse padrão básico associando a flexão de cotovelo (flexão, adução, rotação
lateral com flexão e cotovelo). Ao empregar este padrão, estimula a criança a
realizar atividades que cruzem a linha média, como por exemplo, levar a mão
à boca, rolar, pegar objeto acima da cabeça.
Lembre-se que o padrão de RTCA, que corresponde a extensão, ab-
dução e rotação medial de MS estimula a extensão e rotação de tronco. No
caso da criança apresentar o RTL (Reflexo Tônico Labiríntico), que corres-
ponde a este mesmo padrão só que bilateral (QUE CORRESPONDE AO PA-
DRÃO DE FLEXÃO DO BRAÇO E DO ANTEBRAÇO E MÃOS FECHADAS), situa-
ção em que a extensão de tronco é estimulada.
No caso das crianças com PC deve-se utilizar o repertório que ela
possui com o intuito de desenvolver o movimento. Para tanto, observá-la e
identificar o seu comportamento é fundamental, para entender o seu quadro
e conseguir traçar uma abordagem terapêutica adequada.

371
Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva Capítulo 21

Para atingirmos a funcionalidade das crianças com PC, há duas


formas: Primeiramente, utiliza-se o repertório motor que a mesma pos-
sui, ou seja, a via disponível, o que permitirá induzir a movimentação,
evocar a memorização do padrão de movimento induzido e o engrama
com a repetição. Posteriormente, aumenta-se e direciona-se a demanda
de estimulação sobre este padrão de movimentos que foi induzido pre-
viamente.
Uma vez atingida a sequência da movimentação, a preocupação é o
ganho de amplitude de movimento, força e resistência muscular, coorde-
nação e controle motor em cada habilidade motora básica atingida. Para
tal, empregamos as técnicas específicas nos padrões diagonais de movi-
mento dos membros superiores, membros inferiores, cabeça e pescoço,
tronco e cinturas escapular e pélvica. Além disso, pode-se estimular as
progressões em prono e supino, ou seja, atividades funcionais, nas quais
a criança aprende a mover-se para uma posição, ou ainda mover-se de
uma posição para outra, estabilizar-se na posição e combinar mobilidade
e estabilidade.

PC espástico
O emprego da FNP nos indivíduos com PC espástica tem por objetivo
modular o tônus muscular (hipertonia), corrigir os desvios posturais, au-
mentar a amplitude de movimento, modular os reflexos primários (ou primi-
tivos) e sinergias e aumentar a força muscular.
As técnicas específicas da FNP mais empregadas neste tipo de PC
a fim de atingir os objetivos descritos acima, encontram-se listadas no
quadro 1.
Quadro 1: Técnicas específicas da FNP e seus objetivos

Técnicas específicas da FNP Objetivo das técnicas


Iniciação rítmica Facilitar o movimento
Ensinar o movimento
Melhora a coordenação e a sensação do movi-
mento
Normalizar o ritmo do movimento
Relaxamento
Estiramento repetido no início do arco Facilitar o início do movimento
de movimento Aumentar a amplitude de movimento e a força
muscular
Prevenir ou reduzir a fadiga
Guiar o movimento na direção desejada
Combinação de isotônicos Aumentar o controle do movimento
Melhorar a coordenação
Aumentar a amplitude ativa do movimento e a
força muscular
Treinar o controle excêntrico
Estabilização reversa Aumentar a estabilidade e o equilíbrio
Aumentar a força muscular
Estabilização rítmica Aumentar as amplitudes passiva e ativa de
movimento
Aumentar a força muscular, estabilidade e equi-
líbrio
Contrai-relaxa15 Aumentar a amplitude passiva de movimento
Mantém-relaxa15 Aumentar a amplitude passiva de movimento

372
Capítulo 21 Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva

PC discinético
O uso da FNP nos discinéticos, principalmente os atetóides e coreo-
atetóides, tem por objetivo aumentar a estabilidade, a mobilidade funcional
e a coordenação dos movimentos. As técnicas específicas da FNP emprega-
das neste tipo de PC para atingir tais objetivos são: iniciação rítmica,
estiramento repetido, combinação de isotônicos, estabilização rítmica e
reversa16 (Quadro 1). Além destas, pode-se aplicar a sincronização para ên-
fase e réplica.

PC atáxico
No caso de atáxicos o uso da FNP tem por objetivo aumentar a esta-
bilidade e a coordenação dos movimentos. As técnicas específicas da FNP
empregadas neste tipo de PC para atingir tais objetivos são: iniciação rítmica
e réplica, estiramento repetido, combinação de isotônicos, estabilização
reversa (quadro 1) e inversão lenta (inversão dinâmica), cujo objetivo é
aumentar a amplitude ativa de movimento, força muscular e desenvolver
coordenação.

PC hipotônico
Neste tipo de PC o uso da FNP objetiva aumentar o tônus e a força
muscular. As técnicas específicas da FNP mais empregadas nos hipotônicos,
visando atingir os objetivos descritos anteriormente são: estiramento repe-
tido, combinação de isotônicos, sincronização para ênfase, estabilização
reversa e inversão lenta (reversão dinâmica).

EXEMPLOS DO USO DE PADRÕES DIAGONAIS E SUAS IMPLICAÇÕES


FUNCIONAIS NO INDIVÍDUO COM PC

Flexão – abdução-rotação lateral de membro superior (MS)


O padrão de flexão, abdução e rotação lateral de MS associado ao
padrão extensor de cabeça à direita ou esquerda estimulam o rolar.
Se este mesmo padrão for realizado bilateralmente a partir da posi-
ção sentada sem apoio dos pés, a extensão de tronco é estimulada. Se os
pés estiverem apoiados, é possível estimular a adoção da posição em pé.

Extensão – adução - rotação medial de MS


O padrão de extensão, adução e rotação lateral de MS associado ao
padrão flexor de cabeça à esquerda ou direita estimula a aquisição da posi-
ção sentada.
Se este padrão for realizado bilateralmente associado à flexão de cabeça
a partir do decúbito dorsal permite que a criança assuma a posição sentada. Caso
seja realizado na posição ajoelhada estimula o sentar sobre os calcanhares.
Este padrão estimulado isoladamente em decúbito dorsal e/ou na
posição sentada permite estimular o alcance de objetos que estão no chão, e
ainda estimula a atividade de calçar o sapato e meia.

Flexão – adução – rotação lateral de MS


O padrão de flexão, adução e rotação lateral de MS realizado à direita
e associado ao padrão de flexão de cabeça para a esquerda estimula o rolar
da criança.

373
Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva Capítulo 21

Este padrão de MS pode ser realizado na posição de gatas (quatro


apoios) o que permite que a criança realize o alcance de objetos cruzando a
linha média, e treine o equilíbrio em três apoios e a estimule a mobilidade de
rotação da coluna cervical.
Esse padrão de MS realizado isoladamente permite estimular ativida-
des que cruzem a linha média, em decúbito dorsal e/ou na posição sentada,
nessa última posição a rotação de tronco é enfatizada.

Extensão – abdução – rotação medial de MS


O padrão de extensão, abdução e rotação medial de MS realizado à
direita e associado ao padrão de flexão de cabeça para a direita estimula a
aquisição da posição sentada.
Se a criança estiver em decúbito dorsal e este mesmo padrão for
realizado bilateralmente associando a flexão de cabeça também há estimula-
ção da posição sentada. Este padrão realizado bilateralmente permite o ali-
nhamento na posição sentada por meio da estimulação da musculatura
extensora de tronco, o ganho de força muscular para a manipulação de mu-
letas canadenses e ainda realizar a propulsão da cadeira de rodas.

Padrões de cinturas escapular e pélvica


Os padrões de escápula e pelve são fundamentais para a movimenta-
ção e estabilidade das extremidades, do pescoço e do tronco. Esses padrões
podem ser realizados isoladamente no decúbito lateral, na posição sentada,
na posição de quatro apoios (gato) e na posição em pé, ou de forma combi-
nada no decúbito lateral e na posição de quatro apoios.
Os padrões de escápula (antero-elevação, póstero-depressão, antero-
depressão e póstero-elevação) têm por finalidade: (1) ganhar mobilidade e
estabilidade da escápula, (2) estimular a musculatura do tronco, (3) estimu-
lar atividades funcionais, (4) facilitar a mobilidade e a estabilidade do MS.
Os padrões de pelve (ântero-elevação, póstero-depressão, ântero-
depressão e póstero-elevação) têm por objetivo: (1) ganhar mobilidade e
estabilidade da pelve, (2) estimular a musculatura de tronco, (3) estimular
atividades funcionais, (4) estimular a mobilidade e a estabilidade do MI.

Padrões recíprocos-simétricos da escápula e pelve


Os padrões de ântero-elevação da escápula e póstero-depressão da
pelve realizados simultaneamente, estimulam o alongamento completo da
musculatura do tronco, estimulam rotação em sentidos opostos e estimulam
em maior amplitude a movimentação da cintura escapular e pélvica e do
tronco durante a marcha. Já os padrões de póstero-depressão da escápula e
ântero-elevação da pelve estimulam a contração da musculatura de tronco,
estimulam a rotação em sentidos opostos e também estimulam a movimen-
tação desses segmentos durante a marcha.
Crianças com escoliose beneficiam-se desses padrões recíprocos si-
métricos de escápula e pelve, ganhando-se simultaneamente alongamento e
força muscular. Vale ressaltar que há resposta do hemicorpo contralateral a
realização do movimento.

Flexão - adução – rotação lateral com flexão de joelho - MI


O padrão de flexão, adução e rotação lateral com flexão de joelho
realizado em decúbito dorsal estimula o rolar, e estimula a fase de oscilação

374
Capítulo 21 Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva

da marcha, na qual há a tríplice flexão das articulações do MI. Na posição de


quatro apoios estimula o engatinhar e permite o treino do equilíbrio em três
apoios.
Este padrão pode ser realizado em pé estimulando a fase de oscilação
da marcha no MI que está realizando a movimentação, e no contralateral a
estimulação da fase de apoio unilateral. Pode ser feito na escada, visando à
estimulação do subir escada.

Extensão – adução - rotação lateral do MI


O padrão de extensão, adução, rotação lateral de MI estimula a fase
de apoio do calcanhar da marcha, assim como a atividade de descer escada.
É fundamental a aquisição desse para as crianças com PC, pois as mesmas
tem dificuldade no controle excêntrico do movimento e na descarga de peso
sobre o MI comprometido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reabilitação se apóia no objetivo de mudar a resposta de uma crian-


ça com lesão cerebral para uma resposta semelhante à de uma criança nor-
mal, baseado na capacidade que aquela tem de adquirir novas respostas à
estimulação17.
O método de facilitação neuromuscular proprioceptiva é uma ferra-
menta que pode ser empregada visando a aquisição de habilidades funcio-
nais e o incremento do controle motor nas atividades funcionais estáticas e
dinâmicas. Partindo-se do princípio que facilitação refere-se a uma capacida-
de aumentada em iniciar uma resposta motora por meio do aumento da
atividade neuronal, e de um potencial sináptico alterado18.

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Kabat – Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva Capítulo 21

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376
PARTE VI
INTERVENÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Mário Lúcio Uchôa Andrade, Carlos Bandeira de Mello Monteiro,


Talita Dias da Silva, Denise Cardoso Ribeiro

Segundo a Secretaria de Políticas de Saúde (2002)1, em 1990 o Brasil


assinou, ao lado de mais de 160 países, a “Declaração Mundial sobre a So-
brevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança”, durante o Encon-
tro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado na sede das Nações Unidas,
em Nova Iorque. Nessa reunião os líderes mundiais se comprometeram a
trabalhar em favor da saúde e dos direitos das crianças, e a erradicar as
doenças que têm causado a morte de milhões de crianças a cada ano, decla-
rando assim assumir um “compromisso conjunto e fazer um veemente apelo
universal: dar a cada criança um futuro melhor”. Novas políticas públicas
foram construídas e os investimentos foram ampliados para promover a or-
ganização da atenção básica nos municípios, definindo os Programas de Agen-
tes Comunitários de Saúde (PACS) e Saúde da Família (PSF), como estraté-
gias prioritárias capazes de resgatar o vínculo de co-responsabilidade entre
os serviços e a população, favorecendo, não só a cura e a prevenção de
doenças, mas também a valorização do papel das pessoas, das famílias e da
comunidade na melhoria de suas condições de saúde e de vida, na perspec-
tiva da promoção da saúde1.
Para tanto, o Ministério da Saúde tem promovido a capacitação de
profissionais multidisciplinares, da rede do Sistema Único de Saúde (SUS),
nos níveis de atendimento da assistência básica e de média e alta complexi-
dades, sempre priorizando a humanização da atenção, além de estabelecer
importantes parcerias com diversos organismos nacionais – governamentais
e não-governamentais - instituições internacionais e a sociedade civil orga-
nizada1.
Com base no direcionamento que o Ministério da Saúde propõe para a
formação de equipes multidisciplinares em relação ao Sistema Único de Saú-
de, verifica-se que o trabalho multidisciplinar é cada vez mais valorizado,

379
Intervenção Multidisciplinar - Introdução PARTE VI

pois a integralidade do conhecimento implica na ampliação dos referenciais


com que cada profissional de saúde trabalha na construção de seu repertório
de compreensão e ação e, ao mesmo tempo, verifica-se o reconhecimento
da limitação da ação uniprofissional para dar conta das necessidades de
saúde de indivíduos e populações2. É interessante enfatizar que a ação inte-
gral implica mudanças nas relações de poder entre profissionais de saúde
(para que efetivamente constituam uma equipe multiprofissional), e entre
profissionais de saúde e usuários (para que se amplie efetivamente sua au-
tonomia). Essa compreensão coloca o trabalho interdisciplinar e multiprofis-
sional como necessidade fundamental e uma estratégia mais exequível e
desejável do que a tentativa de criar superprofissionais de saúde. A forma-
ção de um grupo de profissionais competentes para o atendimento a toda e
qualquer necessidade dos usuários, provavelmente, é a solução esperada2.
Concordando com as colocações de Heilborn (2004)3, no livro “Antro-
pologia e Ética”, deve-se esclarecer que as formas de produção do conheci-
mento obedecem a premissas que podem se alimentar de contribuições vin-
das de outras áreas, mesmo não existindo uma mistura ideal, um equilíbrio
perfeito entre as premissas vindas de uma área e de outra. Nos projetos
específicos de pesquisa na área da saúde, tendem a prevalecer premissas
oriundas de uma determinada disciplina, ou de um campo disciplinar. Os
enfoques se alimentam de contribuições e de temas oriundos das outras
disciplinas, mas eles guardam em si as marcas da sua história, da formação,
da construção das suas regras de pensamento. Evidentemente, quando se
trabalha com temas relacionados ao campo da saúde, que envolve uma quan-
tidade de profissionais com formações muito diversas, como médicos,
terapeutas, professores, agentes promotores da saúde, assistentes sociais e
planejadores de políticas públicas, é preciso estar atento a essas múltiplas
formulações, o que constitui a importância do uso da palavra multidisciplinar
e os benefícios de seus pensamentos e atuações para o indivíduo.
Inclusive para reforçar a importância do trabalho multidisciplinar a
Organização das Nações Unidas (ONU), tendo como um dos objetivos me-
lhorar a comunicação e estabelecer uma linguagem comum para a descrição
da saúde e dos estados relacionados à saúde entre os diferentes profissio-
nais, desenvolveu a International Classification of Functioning, Disability and
Health (ICF), traduzida para o português em 2003 como “Classificação Inter-
nacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)”4, que vem sendo
incorporada e utilizada em diversos setores da saúde e equipes multidiscipli-
nares5.
Farias e Buchalla (2005)5, citam que, na área clínica, a CIF se propõe
a servir de modelo de atendimento multidisciplinar, devendo servir para as
várias equipes e os vários recursos de que dispõem os serviços, tais como
médico, psicólogo, terapeuta, assistente social etc. Sua utilização e incentivo
ao trabalho multidisciplinar, para com diferentes doenças, ficam bastante
evidentes em diferentes publicações, tais como no câncer (Brach et al., 2004)6,
depressão (Cieza et al., 2004)7, doenças do coração (Cieza et al. 2004)8,
diabetes (Ruof et al., 2004)9, artrites (Dreinhofer et al., 2004)10, nas altera-
ções neurológicas, como acidente vascular encefálico (Geyh et al., 200411) e
Paralisia Cerebral (PC) (Battaglia et al 200412, Papavasiliou, 200913, Cury et
al., 200614, HAAK et al., 200915).
Mesterman et al. (2010)16, apresentam trabalho incentivando pesqui-
sas multidisciplinares na PC, inclusive deve-se enfatizar, que além da CIF,

380
PARTE VI Intervenção Multidisciplinar - Introdução

existem diferentes protocolos (Rosenbaun et al., 200917), propostas de clas-


sificação (Wood e Rosenbaum, 200018; Palisano et al., 200619; Morris e Bartlett,
200420; Cans, 200021) e avaliações (Mancini, 200522; Mancini et al., 200223;
Squires et al., 199524; Battaglia et al., 200412; Henderson e Sugden, 200725,
Piper e Darrah 199426, Folio e Fewell, 200027) que são utilizados na PC e tem
como função possibilitar uma maior comunicação multidisciplinar.
Por sinal, o trabalho de reabilitação em alterações neurológicas preci-
sa ser analisado com a maior abrangência possível e ser fornecido por uma
equipe multidisciplinar experiente28-30. O’Shea (2008)31, cita que a abrangên-
cia e o gerenciamento adequado de uma equipe multidisciplinar é um fator
importante para o sucesso do programa de reabilitação. Segundo Tsai et al.
(2002)28, os pais devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar
que poderá informar adequadamente e, tão cedo quanto possível, as dificul-
dades que seus filhos encontrarão no futuro, considerando todos os trata-
mentos possíveis, recursos que estão disponíveis e os potenciais resultados
funcionais. O trabalho de Brasileiro et al (2009)31, apresenta dados que de-
monstram a satisfação de pais de indivíduos com PC ao serem acompanha-
dos por uma equipe multidisciplinar de saúde e que, provavelmente, este
acompanhamento seja mais importante em locais que não tenham um siste-
ma de políticas públicas efetivo.
Outra proposta com resultados satisfatórios, utilizando uma interven-
ção multidisciplinar, é a reabilitação por meio de uma abordagem centrada
na família32. Esta abordagem enfatiza o envolvimento dos pais na tomada de
decisões, colaboração e parceria com esclarecimento e aceitação das esco-
lhas da família. Alguns centros de reabilitação aceitaram essa prática, con-
centrando-se em permitir à criança e aos pais identificar seus problemas e
priorizar suas necessidades, para estabelecer metas relevantes e realizá-
veis. Utilizando um modelo Integrativo de cuidados do paciente, os profissio-
nais de saúde e os prestadores de serviços, criam um abrangente plano de
cuidados que refletem prioridades, preferências e necessidades de cada pa-
ciente33.
Diament e Cypel (2005)34, citam que indivíduos com PC, independen-
te da idade, devem ser tratados por uma equipe que se propõe, como obje-
tivo, reduzir as incapacidades psicomotoras e colocar o paciente em condi-
ções de se integrar na vida comunitária. No entanto uma equipe numerosa,
constituída por neurologista infantil, ortopedista, pediatra, fisioterapeuta,
fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, professores especializados
etc, deve cuidar do paciente durante muitos anos, senão durante toda a
vida. Deduz-se daí a enorme dificuldade de atender esses objetivos em pa-
íses como o Brasil, em que a assistência médica gratuita é fornecida apenas
em parte para uma grande parcela da população34, diferente do que ocorre
em países com melhores condições sociais, onde o tratamento por meio de
uma intervenção realizada por equipe multidisciplinar oferece todo aconse-
lhamento e suporte necessário, gratuitamente, em centros especializados de
reabilitação35, ou em parceria entre escolas que oferecem atendimento ao
indivíduo com PC e recebem, se necessário, suporte de equipe móvel de
reabilitação36.
Considerando o custo de tratamento multidisciplinar na PC um dado
interessante é verificado ao analisar trabalhos que investigam a necessidade
e importância de equipe multidisciplinar no tratamento de adultos e idosos
com PC37. Nieuwenhuijsen et al. (2009)38, mencionam que ocorre uma re-

381
Intervenção Multidisciplinar - Introdução PARTE VI

cente conscientização sobre a necessidade para cuidados ao longo da vida


das pessoas com PC e que o paciente com PC encontra dificuldades no trata-
mento multidisciplinar quando se torna adulto, principalmente devido ao custo
e a falta de coordenação do atendimento multidisciplinar oferecido ao indiví-
duo quando envelhece. Algumas complicações devem ser consideradas e
investigadas por grupos multidisciplinares no envelhecimento de indivíduos
com PC, sendo fundamental: 1) rever as compreensões atuais dos processos
fisiológicos que podem contribuir para perda de função e envelhecimento
prematuro na PC; 2) avaliar as intervenções de tratamento atual consideran-
do resultados em longo prazo; 3) identificar tecnologias de ponta em reabi-
litação, para ajudar a prevenir ou tratar os efeitos do envelhecimento em
pessoas com PC e, principalmente, 4) identificar estratégias para garantir
que os indivíduos com PC recebam tratamentos baseados em evidencias na
transição do atendimento multidisciplinar oferecido na pediatria para os ser-
viços de cuidados do adulto38,39.
Considerando a importância do atendimento multidisciplinar na PC, é
provável que, quanto mais diversificado o ambiente de reabilitação e os fato-
res que influenciam nas intervenções utilizadas, maior a instauração de inte-
gralidade na prática da saúde. Para atingir um ambiente de reabilitação,
cada vez mais adequado, é fundamental o conhecimento das possibilidades
de intervenção advinda de diferentes disciplinas, esta é justamente a inten-
ção deste capítulo: oferecer a cada profissional uma oportunidade de adentrar
na conceituação e intervenção de diferentes profissionais que, por meio do
seu conhecimento, tem como objetivo comum propiciar o melhor para o
indivíduo com Paralisia Cerebral.

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382
PARTE VI Intervenção Multidisciplinar - Introdução

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Intervenção Multidisciplinar - Introdução PARTE VI

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384
CAPÍTULO 22

FONOAUDIOLOGIA E MOTRICIDADE ORAL:


SISTEMA SENSÓRIO–MOTOR E EMOCIONAL E SUA
INTERFACE COM A COMUNICAÇÃO

Celia Torres de Oliveira

INTRODUÇÃO

Como já foi descrito em capítulos anteriores, a paralisia cerebral (PC)


é uma lesão que acomete um cérebro imaturo, levando, primariamente, a
uma disfunção motora que acarreta problemas de postura e de movimento,
podendo trazer alterações funcionais também para o desenvolvimento da
alimentação, da respiração, da fala e linguagem1.
Muitos profissionais operam no sistema sensório-motor oral (SSMO),
que é vital e inerente ao seu campo de atuação, vinculando-o ao desenvolvi-
mento sequencial da fala e linguagem, preconizando uma intervenção volta-
da às consequências da patologia, e não às suas causas primárias. No entan-
to, todo sujeito é ímpar, ainda que dentro de um padrão típico ou não de
desenvolvimento; portanto, deve ser olhado dentro de um espectro mais
amplo.
É necessário frisar que, embora a PC se caracterize como uma desor-
dem que restringe a atividade funcional, não significa que todos os movimen-
tos do corpo fiquem limitados apenas aos reflexos. Isso porque o sistema
nervoso é multifacetado e, ao desempenhar uma função emocional, psicológi-
ca, perceptual, cognitiva ou física1, opera de forma integrada e paralela2-4.
Nesta perspectiva, vale então refletir sobre a PC e sua disfunção mo-
tora. Um forte trancamento de mandíbula durante a alimentação, por exem-
plo, indicando uma recusa, associado ou não à extensão de cabeça e tronco,
não pode ser lido apenas como decorrente do padrão patológico desencade-
ado pela lesão. Devemos, antes, observá-lo e interpretá-lo dentro de um
contexto significativo, de modo que possa ser entendido como uma comuni-

385
Fonoaudiologia e Motricidade Oral Capítulo 22

cação do paciente de algo que lhe está muito desconfortável, como uma
disfunção do refluxo gastroesofágico.
Para elucidar a questão, faz-se necessário observar com maior caute-
la os movimentos e as posturas de um indivíduo com PC, revendo-os, a fim
de procurar seu nexo causal e agregá-lo a uma uma linguagem não verbal.
Como exposto na literatura, trata-se de uma linguagem inata que precisa ser
considerada, em especial no caso dos sujeitos que apresentam outros com-
prometimentos associados, como gastrointestinal, pulmonar, cardíaco,
cognitivo, de processamento sensorial, visual, auditivo, psíquico ou emocio-
nal, entre outros1,2.
A neuropsicologia e a neurociência referem que toda sensação leva a
uma emoção, o que gera um movimento. Nessa vinculação da emoção ao sen-
sório-motor há uma sinalização da interposição com o sistema límbico35, que
deve ser observada, interpretada e respeitada na construção da comunicação.
Sabemos que a sucção é a primeira função sensório-motora oral pre-
sente no vínculo mãe-bebê, estando muitas vezes comprometida na PC; ou
seja, esse vínculo emocional depende das experiências sensório-motoras,
sendo determinante na construção da subjetividade e da linguagem5. Diante
disso, é preciso ampliar a visão sobre a motricidade oral (MO), de modo a
contemplar a inter-relação entre o orgânico e o psíquico. Trata-se de uma
ruptura de um paradigma linear, transpondo a MO de um ato estritamente
motor para um comportamento motor oral, como explicitado na neurociência
e na psicanálise.
Abordamos neste capítulo, justamente, essa visão a respeito do sen-
sório–motor oral e suas implicações no âmbito da fonoaudiologia e da MO,
em sua interface com o constructo da comunicação no desenvolvimento da
criança com PC.

1 SISTEMA SENSÓRIO-MOTOR ORAL E O ASPECTO EMOCIONAL

A motricidade oral (MO) advém do input sensorial para a execução


motora, o qual passa por vários processos. A sensação da MO é algo
indiscriminado que leva a uma percepção para a identificação do estímulo6, e
está associada à emoção de gostar, de querer ou de luta e fuga quando esse
estímulo parece nocivo; consequentemente, nossas sensações sofrem
processamentos. Um deles se refere à informação desse input sensorial, que
depende do fechamento do sistema límbico-emoção/memória 4 , sendo
discriminativo e protetivo7,8 consolidando uma base para a percepção e a
cognição do indivíduo2,4 e, assim, finalizando uma programação e execução
motora dessa sensação4.

1.1 Aquisição e desenvolvimento


Ao nascer, o SSMO opera de forma bem primitiva nas funções orais,
obedecendo a níveis inferiores na organização hierárquica do sistema nervo-
so (SN)2,4, como meio de preservação da vida. Por meio dos reflexos respon-
sáveis pela coordenação das funções de alimentação, deglutição e respira-
ção, leva a comportamentos primitivos de aceitação ou de proteção, se
necessário.
Para corroborar a questão acima, estudos ultrassonográficos – 4D
mostram movimentos de fuga em fetos com apenas sete semanas, quando

386
Capítulo 22 Fonoaudiologia e Motricidade Oral

aplicados estímulos sensório-tatéis na região peri-oral; com onze semanas,


já respondem aproximando a cabeça e os membros superiores, e também
com abertura de mandíbula e deglutição9,10.
Os sistemas sensoriais gustativo e de tato são os primeiros a se de-
senvolverem no útero11,12. O disco de Merckel e Pancini, responsável pelo
tato e pela pressão sobre a pele e mucosa oral6, surge na quarta semana. Na
quinta e sexta semanas aparecem os XII pares cranianos que regulam a
boca, a língua e a faringe. Os botões gustativos aparecem na sétima sema-
na, amadurecendo na décima segunda13. É nesta época que ocorre a primei-
ra resposta motora faríngea à deglutição, iniciando a excreção e reabsorção
do líquido amniótico para maturação do tracto gastrointestinal14.
O gustativo é ativado pela ingestão de alimento por parte da mãe
que, por meio do líquido amniótico, chega ao bebê; e o olfato, pelo leite
materno. Associados, propiciarão a percepção do sabor15,16.
Assim sendo, a vida intrauterina possui um valor primário no que se
refere às aquisições das funções orais. E talvez alterações na MO possam
estar relacionadas a esse período de desenvolvimento das habilidades
aerodigestivas, como relatou Averdson (apud Miller)13.

1.2 Aprendizagem - período crítico


Na vida pós-natal, a fase oral é caracterizada como um período de
exploração quali-quantitativo do mundo, pois tanto a mão como a boca apre-
sentam numerosos receptores sensoriais e todos os sistemas se integram e
interagem – gustativo, olfativo, auditivo, visão e o sistema somatossensorial.
Esse jogo pode estar comprometido na PC, o que prejudicará o desenvolvi-
mento da discriminação entre dois pontos – toque, pressão, sabor, tempera-
tura, esteriognosia oral17 – e, portanto, também a percepção e cognição,
podendo dificultar o futuro controle motor oral e, consequentemente, a fala
e linguagem.
Assim, além do olfato e da gustação, também estão diretamente liga-
dos à aceitabilidade e ao paladar do alimento4,15-17 os demais sistemas senso-
riais: (a) o somatossensorial – tato, propriocepção, dor e sensação térmica –
, envolvido no tônus e nas posturas, conscientes ou não, na localização e
discriminação das formas, texturas, dos tamanhos, da pressão, vibração,
bem como na discriminação dos estímulos irritantes; (b) o vestibular, com o
equilíbrio coordenando o movimento da cabeça, olhos, tônus do pescoço,
membros do corpo; (c) o visual, que guia o movimento para a fase oral da
alimentação e provém o reconhecimento espaço-temporal – “o quê?” e
“onde?”; (d) o auditivo, diretamente envolvido na alça fonológica e também
no controle motor oral na localização e identificação auditiva (intero/
exteroceptiva).
Todos esses sistemas periféricos atuam no processamento sensorial –
na recepção, percepção-memória, modulação, integração e organização nas
habilidades motora global, fina e oral – sendo imprescindível conhecê-los
para a elaboração de estratégias de tratamento da MO1,4,7,8,12.

1.3 Processamento sensorial: consolidação da aprendizagem da MO


e suas alterações
As informações sensoriais fomentam o controle de feedback-ativo,
envolvido na regulação e adaptação da execução do movimento e na repeti-
ção deste; e promovem o feedforward-reativo, que antecipa a programação

387
Fonoaudiologia e Motricidade Oral Capítulo 22

do movimento integrando-se aos estados internos do sujeito, quais se-


jam: regulatório, emocional e autonômico1,4, envolvidos também no contex-
to de alimentação ou comunicação.
Consequentemente, as alterações no processamento sensorial oral e/
ou faríngeo podem influenciar a alimentação, tornando-a desconfortável e
desagradável. Os indivíduos com PC que apresentam-se hipersensitivos ou
hiperreativos, intensificam o tônus postural e padrões de reflexos7,8,12 frente
ao alimento ou por anteciparem o contexto da alimentação, o que pode ser
potencializado nos casos com déficit visual.
Já os quadros defensivos ou aversivos apresentam uma alteração no
processamento sensorial do olfato, gustação e/ou tato7,8, que pode ser
potencializada por questões gástricas, neurológicas, respiratórias e na via
área (VA)12. Nesses casos, o alimento é interpretado como algo ameaçador,
sendo necessária a defesa por meio de comportamentos emocionais primiti-
vos, como: extensão, tapa, medo, raiva, grito, náusea, vômito ou recusa,
com trancamento da mandíbula; ou, quando possível, com verbalizações
sem contexto, demonstrando sinal de luta e fuga.
Nos hipossensitivos ou hiporreativos há alteração da alimentação cau-
sando prejuízo à vida por dificuldade no alerta sensorial7,8,12. Na prática, esses
pacientes colocam quantidades ou pedaços grandes na boca, podem engolir
sem triturar ou não perceber resíduos ou escape faríngeo antes da deglutição.
Isso também ocorre com líquidos, alimentos pastosos e com a própria saliva,
favorecendo a penetração laríngea e podendo levar a uma qualidade vocal úmida,
sem clareamento do material; pode levar também à aspiração traqueal.
Alterações na base sensorial para alimentação podem ser decorrentes
de paralisia ou disfunção dos nervos cranianos I, V, VII, IX e X, levando à
grande dificuldade ou impossibilidade na ativação dos receptores do nariz,
da boca e da faringe ou à incoordenação de grupos musculares envolvidos
na alimentação e deglutição17, que deixam de proteger a penetração na
nasofaringe, orofaringe ou na hipofaringe.
No tratamento, além de objetivar a causa primária da disfunção, deve-
se atuar em outras vias, pois o processamento é multimodal, integrado,
paralelo e adaptável, e a aprendizagem-memória apresenta várias classifica-
ções e subdivisões em modalidades temporal e de natureza4,18. Logo, o tera-
peuta, por meio da fala, pode conscientizar seus pacientes sobre esses com-
portamentos frente à tarefa, auxiliando na consciência da sensação,
favorecendo que outras vias modulem essa disfunção.
Sabemos da importância do trabalho com o input sensorial – postura,
consistência, volume, temperatura, utensílio, tempo, local, pressão, aparên-
cia, olfato, sabor entre outros19-21 – mas podemos utilizar como recurso a
bandagem – Kinesio taping, que propicia ótimos resultados quando atua na
causa primária. A desvantagem deste recurso é a possibilidade de causar
náusea, cefaléia, desconforto, provocar bolhas como processo alérgico, quando
colocado na região de pescoço e tronco; na face, a orientação é para que
seja utilizado por curto período de tempo22.

2 COMPORTAMENTO MOTOR DA ALIMENTAÇÃO

No início, o comportamento motor alimentar é dependente da tríade


dos reflexos orais – sucção, deglutição e respiração (SDR) - que necessita de

388
Capítulo 22 Fonoaudiologia e Motricidade Oral

um timing e coordenação entre eles para sustentar a vida e a nutrição oral12,13.


Por maturação, integração e diferenciação dos reflexos há a separação na
tríade, surgindo o sugar ativo, sorver, mascar e triturar. A alimentação man-
tém conotação com fatores nutricionais, relacionais, emocionais, ambientais
e culturais, não sendo, portanto, ligada apenas a um ato motor.
A literatura afirma que, para a execução da alimentação e deglutição,
são necessárias: uma dinâmica sensório-motora oral; habilidade de deglutição
adequada; saúde cardiopulmonar; integridade gastrointestinal e dos siste-
mas nervoso central, autonômico e musculoesquelético11,12,13. São também
necessários os nervos cranianos V, VII, IX, X, XI e XII, os da alça cervical, o
centro gerador de ritmo, o “centro da deglutição” no tronco cerebral, o cere-
belo, o núcleo da base e o córtex cerebral11,23-25.

2.1 A biomecânica da tríade da alimentação


Os reflexos orais – de busca, sucção, deglutição faríngea e respiração
– juntamente com a apnéia no início da deglutição e expiração para limpeza
no final desta, por meio de um sistema de bombas de lábios, velofaríngeo,
laríngeo e cricofaríngeo, com movimentos rítmicos sequenciais e sincroniza-
dos, direcionam o alimento através das cavidades oral, faríngea, esofágica
até o estômago e intestino11,26.
Nesse percurso, se algo desorganizar ou causar estranhamento, de-
sencadeará reflexos protetivos, como a tosse efetiva, o nauseante, o vômi-
to e a resposta de mordida fásica (trancamento da mandíbula)7,8,11, além
do espirro. Na clínica, o indivíduo com PC pode apresentar uma mordida
tônica, que muitas vezes leva a cortes nos lábios, bochechas ou nos dedos
ou fissuras nos dentes, necessitando de intervenção no input sensorial des-
tes enquanto se inibe a mordida.
Apesar de a literatura enfatizar a deglutição em apenas três fases –
oral (preparatória e transporte), faríngea e esofágica – é hipotetizada
mais uma fase: a pré-oral (antecipatória) – feedfoward: os sentidos ante-
cipam a chegada do alimento, o que é de grande valor ao processamento
sensorial 27.
A etapa faríngea é a de maior complexidade, apresentando rotas cru-
zadas para as funções de respiração e alimentação. Sua sequência sensório-
motora necessita da integridade das estruturas e do sistema neuromotor,
precisão na coordenação e no timing de grupos musculares das cavidades
oral, faríngea, laríngea e do esôfago, não permitindo a penetração de qual-
quer material nas VAs e respiratórias11,12.
A sucção não-nutritiva conforta, organiza, acalma, dá ritmo e é cultu-
ral. Pesquisas fomentam seu valor durante a alimentação por tubos7,10,26.
Porém, na clínica, notamos sua desvantagem quando o bebê completa seis
meses de idade, por criar vínculo (permanência do objeto); prejudicar as
vocalizações e a conformidade da arcada; propiciar respiração mista e alte-
rar os pontos articulatórios da futura fala. Portanto, seu uso deve ser restrito
nessa etapa, sendo recomendado apenas no período de sono ou para acal-
mar o infante, e retirado após um ano.

2.2 Alterações na dinâmica da alimentação e deglutição


Os bebês com desvio de padrão ou com PC muito responsivos exacer-
bam os reflexos protetivos – nauseante, vômito, mordida –, prejudicando a
alimentação. Naqueles de baixa responsividade, a tosse e o gag podem não

389
Fonoaudiologia e Motricidade Oral Capítulo 22

ser elicitados ou não ser efetivos, levando a maior risco de penetrações e


aspirações silentes ou não, o que é nocivo ao pulmão.
Já no caso daqueles bebês com baixo peso ou pré-termos com pouco
tecido adiposo nas bochechas e corpóreo ou com dificuldade no selamento
dos lábios, encontramos prejuízo no sistema de bombas e na estabilidade,
prejudicando a dinâmica da alimentação e deglutição.
Na clínica notamos que alguns bebês parecem se proteger com uma
flexão abrupta da cabeça, ou girando e/ou estendendo o pescoço e a cabeça
lateralmente durante a deglutição, na tentativa de facilitá-la ou de evitar
estases ou aspirações por dificuldade na fase faríngea.
Os problemas cardiorrespiratórios, a imaturidade e o prejuízo neuro-
lógico levam ao cansaço e à fadiga frente a algum esforço, ou dificultam o
ritmo, causando alteração no sincronismo da tríade SDR por ser esta habili-
dade bastante rítmica e exaustiva. Por exemplo, nas mamadas de recém-
nascidos (RN) típicos, é possível observar bolhas de suor nas têmporas.
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)12 exacerba a tosse, os
vômitos, causando, em algumas situações, até ardor nas narinas, acarretan-
do ou não os seguintes comportamentos: posturas extensoras para alívio do
ácido gástrico nas VAs; desabamento do tônus do pescoço para frente ou
lateral, atribuído à síndrome de Sandifer; recusa do alimento com fechamen-
to da mandíbula; tentativa de isolamento do ambiente, com o paciente fe-
chando os olhos ou adormecendo.
Nesses casos, a intervenção oral deve enfatizar posturas e manobras
durante a alimentação, buscando-se uma adequação da quantidade, da con-
sistência de alimentos, bem como no ritmo de oferecimento e utensílios,
para favorecer a SDR, além da intervenção médica para a DRGE7,18,19,26.
Porém, nos comportamentos defensivos e/ou aversivos, potencializados
ou não pelo sistema nervoso, é preciso observar os sinais corporais e ter
ciência da mecânica envolvida para propiciar a melhor estratégia durante a
alimentação. É imprescindível, então, avaliar a causa orgânica, solicitando
investigação e/ou intervenção médica. As causas desses comportamentos
podem ser: gastrointestinais, como alergia alimentar e/ou constipação; e/ou
emocionais/ psíquicas, em função do estresse.

2.3 Aprendizagem: consolidação ativa ou reativa

Sendo a MO um comportamento, há uma troca de afeto, de sinto-


nia entre os envolvidos na situação de alimentação. E, se alguém nessa
relação está desorganizado, o outro automaticamente se desorganiza tam-
bém, levando a uma falha de comunicação. Além disso, as crianças apren-
dem o que lhes é ensinado, e assimilam o comportamento da mãe e/ou
cuidador, copiando (neurônios espelhos) e repetindo (sistema de recom-
pensa)28.
Na clínica, durante a função de alimentação, é frequente observar-
mos mães com grandes dificuldades para alimentarem seus filhos, enquanto
estes mostram necessidades em suprirem sua carência (fome), não conse-
guindo fazê-lo, porém, de forma positiva, prazerosa, devido a seus padrões
corporais atipicos. E, ainda, todos a volta desses pacientes tentam ajudar
numa situação de caos, o que poderá acarretar uma angústia ou depressão
das mães e/ou dos filhos e/ou atingir a relação dos pais.

390
Capítulo 22 Fonoaudiologia e Motricidade Oral

Sendo assim, diante de crianças com dificuldades no comportamento


alimentar, devemos identificar qual é o problema principal e objetivá-lo, in-
tervindo na aquisição da habilidade oral ou na consolidação de percepções
alteradas, o que é fundamental no processo de habilitar ou reabilitar.
As dificuldades de alimentação por processamento sensorial podem
ser influenciadas por questões faríngeas, gastrintestinais, respiratórias, VA,
emocionais ou culturais, que se associam ao sistema sensorial, tornando os
pacientes reativos à alimentação. O processamento do sabor aversivo é
uma memória associativa, com consolidação rápida, de longo tempo e muito
forte, sendo um sério problema na DRGE e nas aspirações devido às expe-
riências desagradáveis durante ou após a ingestão29.
Assim, além da intervenção fonoaudiológica, às vezes é fundamental
a indicação de uma intervenção psicanalítica especializada na relação mãe e
bebê5, para consolidar a base psíquica desse paciente.

3. DESENVOLVIMENTO DA MO

A MO também é dependente de uma programação e execução motora


da cadeia musculoesquelética – output motor nas funções orais –, necessi-
tando da estabilidade da mandíbula como pré-requisito no refinamento dos
movimentos dos lábios e da língua7,10. Assim, as funções orais exigem esta-
bilidade das áreas proximais do corpo, que promove a mobilidade das extre-
midades e está relacionada à busca pela manutenção contra a gravidade.
Qualquer movimento ou postura corporal atípica levará a um desalinhamento
biomecânico que modificará a performance do movimento oral, tornando
esta desordem característica do desenvolvimento dos indivíduos com PC.

3.1 Alinhamento biomecânico, cadeia muscular e performance oral


Na coordenação musculoesquelética da face, o músculo suprahióide
trabalha em contração dos flexores entre si, com a ação antagonista dos
músculos capitais do pescoço, fixando o osso hióide e propiciando a estabili-
dade da mandíbula, bochechas e o vedamento labial30. O equilíbrio muscular
entre os suprahióideos e infrahióideos aproxima o queixo e o esterno; para
tanto, é preciso que ocorra um alinhamento entre crânio e escápula, estabi-
lizando o pescoço e a mandíbula, o que é fundamental para a estabilidade da
laringe, envolvida na respiração e fonação1,11,30.
A caixa torácica é imbricada aos músculos do pescoço e das extremi-
dades, sendo subdividida pelo diafragma em tórax e abdomen. Necessita de
distanciamento, mobilidade e diminuição do ritmo respiratório no percurso
do seu desenvolvimento pela ativação de todos os músculos imbricados aci-
ma, abaixo e nos limites do gradil costal, possibilitando o aumento vertical e
tridimensional, imprescíndivel à biomecânica respiratória para fonação e
deglutição, que podem ser bastante comprometidas na PC1,11,30,31.
Logo, a atuação fonoaudiológica deve visar não apenas os orgãos
fonoarticulatórios (OFA), cabeça, pescoço e escápula, mas também a pélvis,
o gradil costal e os membros, importantíssimos para a tríade SDR e fonação.

3.2 Estabilidade e mobilidade


Estabilidade provém do equilíbrio estático ou dinâmico do corpo, que
não é fixo e muda de acordo com a tarefa, a biomecânica e o ambiente.

391
Fonoaudiologia e Motricidade Oral Capítulo 22

Mobilidade diz respeito à execução de um ato motor que pode ser eficiente
ou não, dependendo da possibilidade de o sujeito atingir um equilíbrio da
estabilidade na região mais próxima ao movimento2. Por conseguinte, a es-
tabilidade propicia atenção, concentração e segurança, que permitem atuar,
movimentar, dissociar, sair de um ponto a outro, resolver problemas e diver-
sificar essa resolução32. Deste modo, orgânico e emocional interagem no
controle motor.
Podemos citar aqui o padrão flexor inato dos RN típicos, que promove
uma base para a estabilidade postural externa inicial, favorecendo a aproxi-
mação das estruturas ósseas para um controle das funções orais na coorde-
nação SDR7,8. O holding materno, com o bebê sendo seguro nos braços da
mãe para mamar, fornece controle aos segmentos contra a gravidade e gera
uma organização emocional.
A estabilidade externa vivenciada nos primórdios do desenvolvimento
típico gerará uma base para a futura estabilidade interna ou postural do
bebê, que advém do equilíbrio da contração muscular em interação com ele
próprio e com o ambiente; assim, é possível o desenvolvimento da motricidade
global, fina e oral7,8 .
Diante disto, a intervenção motora oral na PC deve enfatizar recursos
para aquisção da estabilidade global, de modo a se beneficiar a mobilidade
oral por meio do alinhamento biomecânico – estável e dinâmico –, com um
desempenho harmonioso e menor gasto energético1,8. E ainda, estar aberta
a discussões no caso com a equipe interdisciplinar, geralmente composta de
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais entre outros, para viabilizar ou não
a estabilidade assistida, como o uso de estabilizadores, orteses, theratogs,
faixas abdominais etc., durante a terapia fonoaudiológica, que podem in-
fluenciar as habilidades oral e faríngea. Importante destacar que é impres-
cindível solicitar o consentimento dos pais para tais intervenções.

3.3 Os planos de desenvolvimento


A motricidade universal é descrita em três planos de movimentos –
sagital, frontal e transverso –, os quais são verificados na aquisição do contro-
le motor global, fino e oral contra a gravidade, culminando no refinamento.
Assim, o bebê típico move-se, inicialmente, no plano sagital –movi-
mentos de flexão e extensão. Pela maturação e sua exploração do ambiente,
atinge um equilíbrio entre os músculos flexores e extensores, adquirindo o
plano frontal – movimento de abdução e adução. E pela integração do plano
sagital com o frontal, entra o plano transverso – movimento em diagonal e
circular. O bebê vai aperfeiçoando esses movimentos ao longo do desenvol-
vimento, até a idade adulta jovem8,32-34.
O fonoaudiólogo deve ter ciência desses marcos no desenvolvimento
que podem ocorrer fora dessa sequência, possivelmente sem equilíbrio entre
as musculaturas. O SN se adapta e compensa, é dependente de componen-
tes maturacionais, do código genético, feedback, emoção e feedfoward,
advindos de experiências positivas ou não, registradas na memória; ou seja,
de trocas entre seus meios proprioceptivo, interoceptivo e exteroceptivo2,4.

3.4 Marcos sequenciais do desenvolvimento da MO


No bebê típico os reflexos orais estão potentes até os 3-4 meses de
vida, sendo dependentes da homeostase e do estado de consciência – ritmo
do sono e vigília4,11. É fundamental, por parte do clínico, a ciência desse

392
Capítulo 22 Fonoaudiologia e Motricidade Oral

mecanismo ao avaliar ou intervir, visto que o sono é reparador e essencial


para a consolidação do aprendizado.
Aos 4-5 meses de idade, os bebês típicos são compelidos a iniciarem
a atuação nas habilidades de sugar e deglutir, que começam então a se
separar. A exploração oral passa a ser generalizada, posteriorizando o gag
(nauseante), que atua ao longo vida7,19.
No desenvolvimento atípico, nesta fase pode-se observar o início da
incoordenação e alteração no timing da tríade SDR pela instabilidade postu-
ral e ação voluntária, favorecendo o aparecimento de engasgos, tosses e
vômito, expulsando o material penetrado nas vias aéreas ou aspirações
traqueais silentes ou não, podendo acarretar depleção nutricional, danos aos
pulmões e ao SNC, trancamento da mandíbula (fásica/tonica) ou inércia oral,
como recusa ou aversão alimentar12,13.
Aos seis meses, os bebês são exploradores das habilidades de olho-
mão-boca- alcance, iniciando a consciência sensorial tornando-a discriminativa
pela diversidade – tamanho, forma, textura, temperatura, sabores, consis-
tência, local8,19. Na clínica, nesta etapa são utilizadas estratégias sensoriais
durante a intervenção com brinquedos e alimentos diversificados, para pro-
mover e aguçar sistemas e subsistemas de maneira prazerosa.
Aos nove meses, os bebês se tornam mais interativos, iniciando
gestos imitativos conscientes motores e de comunicação (beijo, aceno,
caretas). Na clínica, muitas vezes, pelo fato de o PC não apresentar ex-
pressão facial (apático), o que é decorrente de alterações do nervo facial
ou outros, não há estímulo nesse sentido. Por severa dificuldade alimen-
tar, terapeutas e família não exploram esses comportamentos de imitação
gestual, importantes na comunicação e interação, tornando essas crian-
ças frustradas por terem potencial cognitivo, mas serem repetidamente
impedidas de atuar motoramente.

3.5 Aprendizagem da MO e o controle da saliva


A saliva tem função de misturar e facilitar o transporte do alimento ao
estômago, sendo gradual e variável nos marcos de desenvolvimento motor
global, fino, nos nascimentos dos dentes e em respiradores bucais. É direta-
mente dependente e integrada ao alinhamento biomecânico e seu controle é
automático7,19.
Na PC, muitas vezes, a saliva está presente por impossibilidade de
degluti-la, de modo que o paciente necessita de um trabalho interventivo
no nexo causal descrito anteriormente. Sua deglutição também pode estar
prejudicada por medicamentos. Sendo assim, verbalizações como: “engo-
le a saliva”, “está babando”, “está molhando tudo”, “nossa, que feio babar
assim”... não são eficientes e apenas frustram o paciente, levando à baixa
estima ou até a usar essa dificuldade de deglutir saliva para chamar a
atenção futuramente.
Na clínica, nos casos importantes de sialorréia, como de aspiração
silente de saliva, diminuindo a qualidade de vida, três tipos de intervenções
podem ser eficientes: (a) aplicação de botox nas glândulas salivares: de
efeito rápido, em média quatro meses, exige a intensificação do trabalho
oral neste período, para a aquisição desse controle sem causar danos aos
pulmões; (b) uso de medicamentos, embora alguns apresentem desvanta-
gens, como efeitos colaterais; (c) intervenção cirúrgica nas glândulas saliva-
res, caracterizada como mais invasiva que as anteriores.

393
Fonoaudiologia e Motricidade Oral Capítulo 22

Todas têm o seu valor, mas cada uma deve ser bem discutida e indicada
pelo otorrinolaringologista experiente nesses casos, além de bem esclareci-
da aos pais em relação aos prós e contras.

3.6 Adaptações e compensações nos planos de desenvolvimento


Os indivíduos com PC param no plano sagital para mover todo o cor-
po32. Há predomínio dos movimentos de extensão e flexão, inclusive de lín-
gua e mandíbula, o que provoca compensações, fixações, alterações nas
habilidades orais, como sorver, mastigar, falar e se comunicar, e/ou deformi-
dades32,33. Em outras palavras, eles se fixam ou se adaptam nesse plano
para vencer a gravidade e explorar o mundo.
Os padrões de movimentos atípicos podem ser notados na postura
extensora, de modo que esses pacientes não conseguem desenvolver equi-
líbrio do controle flexor, podendo apresentar um limiar baixo para elicitar os
reflexos protetivos. Assim, mantêm cabeça, postura oral e todo o corpo em
extensão, desalinhando as cinturas escapular, pélvica e membros; além dis-
so, a mandíbula permanece protraída e há retração da língua, ambas só
movimentando-se no plano sagital nas funções de alimentação e comunica-
ção. Quando sentados, pode imperar nesses pacientes o padrão flexor, evi-
denciando a elevação da cintura escapular e tronco fletido, prejudicando as
habilidades orais por não conseguirem vencer a gravidade12,33.
Quando há predomínio da postura assimétrica, o reflexo impera, e a
cabeça gira para o lado oposto, dificultando a coordenação olho-mão na
finalização motora na região oral, podendo conduzir à assimetria da mandí-
bula e língua, danificando a articulação temporomandibular (ATM) e também
impossibilitando a exploração oral. Isso pode prejudicar ou não a percepção
e/ou a cognição, levando a frustações e comportamentos indesejados7,12,33.
Na postura flopy ou na PC hipotônico, quando na posição sentada, a
cabeça apóia-se na cintura escapular, há pouca força abdominal, a boca per-
manece aberta e protuída ou fechada, fixando-se para vencer a gravidade. Há
também prejuízo na força muscular e na expressão facial, podendo o paciente
parecer alheio ao ambiente, ainda que, às vezes, esteja cognitivamente aler-
ta, ou mesmo entrar em uma forte extensão, para expressar algo quando
muito motivado. Todos esses aspectos interferem na aquisão da MO, pois o
timing do movimento mostra um limiar alto para ser elicitado7,11,33.
A flutuação do tônus dificulta a graduação do movimento, acarretan-
do dificuldade para atingir a estabilidade interna da mandíbula e o refina-
mento dos movimentos orais, o que pode levar à abertura ou ao fechamento
abrupto dessa estrutura.
Podemos dizer, então, que todas as adaptações e compesações ne-
cessárias aos indivíduos com PC acarretam uma dificuldade no timing do
movimento para as respostas motoras orais e habilidades de alimentação e
comunicação7,12,33. Isso indica que a intervenção, principalmente no caso de
bebês atípicos, demanda conhecimento profundo do desenvolvimento sen-
sório e motor global, fino e oral, para atenuar as compensações e futuras
deformidades.

3.7 Estruturas ósseas e suas possíveis deformidades


Sabemos que o osso sofre modelação desde intra-útero e durante toda a
vida22, e que um dos principais fatores para isso são as forças aplicáveis de
trações e compressões para mudar essa arquitetura.

394
Capítulo 22 Fonoaudiologia e Motricidade Oral

Tal fato é muito importante na intervenção fonoaudiológica, pois a


conformidade óssea da face e da caixa torácica pode ser alterada quando os
indivíduos com PC se movimentam no plano sagital ou nos planos
subsequentes, sem equilíbrio entre eles, fazendo uso de padrões compensa-
tórios nas habilidades motoras de alimentação ou fala.
Na clínica, infelizmente, ainda observamos crianças com PC, com con-
formidade da face bastante primitiva, semelhante ao recém-nascido, o que
poderia ser minimizado pela adequação da função oral.
O pouco de crescimento da mandíbula vem do pouco ou nenhum uso
da tração e compressão das estruturas orais durante a alimentação. Os lábi-
os não centralizados advêm do desequilíbrio entre as pressões negativa e
positiva durante a sucção do leite. A criança trabalhará apenas com a língua
no plano sagital para deglutir, e esse movimento induzirá à deformidade na
arcada dentária (mordida aberta). Caso não seja utilizado o mascar, haverá
pouco crescimento dos dentes e alterações da maxila e da ATM. Com o pre-
domínio do padrão extensor, a mandíbula e os lábios ficarão abertos e
hipofuncionantes, o que trará prejuízo à conformidade óssea do palato duro
e no padrão respiratório, impedindo a expansão inspiratória.
Na PC, sua biomecânica desorganizada, como mencionado ante-
riormente, conduzirá a um padrão de respiração alterado (misto ou oral)*,
acarretando deformidades na arcada dentária, elevação e pouca mobili-
dade da caixa torácica por posturas atípicas. As deformidades ósseas no
gradil costal alteram a qualidade vocal da criança, comprometendo a co-
municação e a qualidade de vida por pouca ventilação pulmonar, além dos
riscos de aspirações12,32,33.
Portanto, torna-se fundamental atuar visando à prevenção de defor-
midades das estruturas orais desses pacientes.

4 CONSTRUCTO DA ALIMENTAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Em 2004, Oliveira35 citou a hipótese de MacNeilage a respeito da rela-


ção entre alimentação e fala, qual seja: funções motoras de alimentação são
a base do mecanismo neural motor da futura fala, advindo de movimento
rítmico da mandíbula e respiratório. Entretanto, essa é uma base para a
oralidade, o que não significa comunicação e sim possibilidades de futuro
controle e contatos articulatórios das estruturas orais, que serão refinadas e
contextualizadas pelo vínculo estabelecido entre criança e mãe, ou cuidador,
também com o meio.
O desenvolvimento da coordenação do controle motor oral – inte-
gração, diferenciação e refinamento –, que vai do bebê ao adulto jovem34,
é ordenado e agregado a uma tendência fonêmica da língua materna que
advém do balbucio universal dos sons, com uma interrelação dos movi-
mentos rítmicos da mandíbula e respiratótios, alinhamento biomecânico e
interação afetiva 36,37, mas com um timing diferente do utilizado nas fun-
ções alimentares8 .

* A respiração nasal, além de filtrar e aquecer o ar que vai para os pulmões, exerce
pressão na cavidade nasal, modelando-a, guiando o crescimento da maxila e ameni-
zando o aspecto atrésico ou ogival.

395
Fonoaudiologia e Motricidade Oral Capítulo 22

Assim, podemos dizer que os bebês chegam ao mundo desprovidos


de percepções sobre “gostar e querer” na alimentação15 e “o que e onde”
na línguagem4, expressando-se por meio de reflexos orais e choro. Que-
rem ser supridos e acolhidos nas suas necessidades, não sabem atuar,
mas dão dicas expressivas valiosas, o que deve ser respeitado e/ou
conscientizado32.
Os bebês se desenvolvem por meio da atenção e sustentação do foco
central, pelo balbucio, criando arquivos mnemônicos, formando léxico se-
mântico, fonológico, práxico e prosódia35. Resolvem o problema com o al-
cance espaço-temporal, localizam, reconhecem e discriminam faces, sons,
animais, objetos, fatos, entre outros. Apontam, depois falam fragmentos de
palavras, por meio de imitações práxicas e fonológicas, com movimentos
articulatórios da fala do adulto34, que precisam de contextualização para
favorecer palavras-frases e posterior formulação de frases mais complexas.
Nos jogos simbólicos entre mãe e bebê e/ou cuidador, essas aquisições,
aprendizado e rebusca menmônica fluem de forma intrínseca, pela matura-
ção do sistema sensório-motor, da cognição e aspecto linguístico, e extrínseca
– auditiva, visual e perceptual34 –, sendo consolidadas, na sua formação,
com a análise afetiva36.
Portanto, os indivíduos com PC necessitam de uma intervenção em
que possam ser atuantes e favorecidos em todos esses processos. Necessi-
tam de um olhar para suas expressões ainda não verbais, como as faciais e
corporais, de um tempo maior para processar, programar e/ou executar uma
função, principalmente a de comunicação, que demanda complexos
processamentos.
Para se expressar, as pessoas com PC necessitam dispor de uma inten-
ção comunicativa, mas como apresentam uma desordem motora, muitos têm
dificuldade em programar (dispraxia) e/ou executar movimentos
pneumofonoarticulatórios (disartria)36. Assim, é comum as pessoas do entor-
no responderem por eles, sem considerar suas necessidades. Com isso, ficam
anulados, podendo se tornar apáticos, estressados ou deseorganizados, por
serem impedidos de se comunicar. Não há timing para se expressarem, o que
os leva a permanecerem muitas vezes paralisados frente à cena. Esse tipo de
situação pode levar a um gap ainda maior no processo psíquico e/ou cognitivo.
É imprescindivel, pois, olhar para a menor expressão do paciente com
PC, seja esta gestual, facial, movimentos corporais atípicos ou fragmentos
de palavras, procurando contextualizá-la. Trata-se, apenas, de um sujeito
com distúrbio motor, que tem carências e necessidades a serem supridas,
independente de suas deficiências. Aproveitando sua oralidade, ainda que
mínima, colocando palavras em seu discurso no timing correto, ou seja,
nomeando e contextualizando sua própria expressão com feedback auditivo,
e, quando necessário, complementando-a com a comunicação suplementar
ou alternativa, oferecemos oportunidades para que se torne um sujeito atu-
ante, expressivo e, portanto, comunicante.
Além disso, vale ressaltar que os terapeutas “detentores do saber-
técnico” têm de ter critérios na forma de orientar as mães sobre o cuida-
do com seus bebês5 . A família pode apresentar diferenças culturais em
relação aos terapeutas, o que exige cautela durante todo o tratamento. É
preciso, pois, considerar os três sistemas constitutivos – psíquico, orgâ-
nico e cultural – na adequação do desenvolvimento da alimentação e co-
municação da criança PC.

396
Capítulo 22 Fonoaudiologia e Motricidade Oral

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cérebro é plástico e adaptável. Sendo assim, não podemos, na clí-


nica, nos limitar às lesões apresentadas por nossos pacientes.
O papel do terapeuta é intervir e aproveitar ao máximo os picos críti-
cos de desenvolvimento, sempre respeitando a idade cronológica da criança
PC. Quando a família, por alguma dificuldade emocional em lidar com a si-
tuação, rotula o indivíduo com PC de deficiente, não viabiliza seu crescimen-
to, o que prejudica a constituição desse sujeito por ser a sua base emocional
constituída pela projeção dos pais. Como consequência, muitas vezes, rece-
bemos na clínica pacientes com potencial maior do que vêm apresentando
no cotidiano familiar.
No trabalho interventivo, além do conhecimento sobre “o quê”, “onde”
e “como” otimizar a aquisição, a aprendizagem-memória e o refinamento da
MO pela rebusca mnemônica e plasticidade neural, é importante ter base
fundamentada não só no sistema sensório-motor oral - MO, mas em todos os
sistemas e subsistemas que trabalham de forma multifacetada paralela e
que se somam. Ao usar feedback e/ou feedfoward externo para intervir nas
alças internas, potencializamos novas conexões, quantas forem permitidas.
Não podemos superar todas as dificuldades apresentadas pelos PCs,
mas os terapeutas e a família devem se colocar como desafiadores desse
constructo, não se limitando, mas confiando e acreditando em sua constitui-
ção como sujeitos e na plasticidade ao longo de toda a vida.

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399
CAPÍTULO 23

COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR E ALTERNATIVA:


O DISCURSO ALÉM DA FALA

Helena Maria Soares Panhan

“As palavras são pequenas formas no maravilhoso caos


que é o mundo.
Mas são formas. Formas que focalizam e circundam idéias,
que afiam os pensamentos, que conseguem pintar
aquarelas de percepção”.

Diane Ackerman1

Nestes 25 anos de convivência com crianças, adolescentes e adultos


com paralisia cerebral, ao acompanhar tantas histórias singulares marcadas
pelo comprometimento da produção oral, uma questão sempre esteve pre-
sente: Como propor uma prática clínica fonoaudiológica não baseada na fala?
E mais, o que entendemos por Fala e Linguagem?
Para compreender os caminhos desta fala tão particular, intensamen-
te presente nos sons desarticulados, na atividade reflexa, nos gestos, nos
sorrisos, choramingos, no olhar... fica a questão do quanto há para ser dito e
que por mais significados emprestados a tantas tentativas de comunicação,
quanto ainda ficou por dizer.
Se nos detivermos apenas na definição de Paralisia Cerebral: lesão
cerebral não progressiva ocorrida na primeira infância, causando alteração,
desordem, desequilíbrio na postura e no movimento2,3, estaremos nos aten-
do apenas aos sintomas que afetam o corpo.

1 Words are small shapes in the gorgeous chaos of the world. But they are shapes.
They bring the world into focus. They corral ideas. They hone thoughts. They paint
watercolors of perception. Diane Ackerman

401
Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala Capítulo 23

Tradicionalmente a Fonoaudiologia consagrou no tratamento da Para-


lisia Cerebral abordagens reconhecidamente eficientes na Motricidade Oral,
que elegem o aspecto motor como ação terapêutica na adequação do siste-
ma sensório motor oral e habilitação da movimentação dos órgãos
fonoarticulatórios.
Frazão (1996)4 em sua dissertação de mestrado expõe uma questão
inquietante ao afirmar que “o fato de a paralisia cerebral ser uma patologia
cuja lesão principal incide sobre a área cortical motora, e ainda a forte in-
fluência, tanto da visão médica quanto das abordagens fisioterápicas de tra-
tamento determinam, pelo menos em parte, uma terapia fonoaudiológica
marcada pela ênfase no aspecto motor e pelo silenciamento no tocante a
linguagem, que é vista como decorrência natural das conquistas motoras.”
A linguagem, se entendida apenas como fala/comunicação ficaria atre-
lada a conquista da produção oral no sentido orgânico de precisão de movi-
mentos articulatórios. No entanto a aquisição da linguagem e a constituição
psíquica desta criança sobrepujam o que afeta desenvolvimento motor, por-
tanto temos que considerar perspectivas que favoreçam as conquistas, des-
cobertas e aquisições, que ultrapassem os impedimentos ditados pela lesão.
A grande questão no entendimento deste particular processo de de-
senvolvimento parece ser: Como a criança desprovida do movimento - no
corpo e na produção das palavras - atualiza/realiza suas aquisições? Ou
ainda, e aqui faço um viés para a Fonoaudiologia: Que ações terapêuticas
revelariam a Linguagem que irrefutavelmente atravessa o impedimento mar-
cado no corpo/estrutura mesmo na ausência da fala?
Vamos então pensar sobre o desenvolvimento destas crianças; refle-
tir sobre os conceitos de Linguagem, Língua e Comunicação para, a partir
deste ponto, delinear um método clínico que usa a Comunicação Suplemen-
tar e Alternativa como técnica fonoaudiológica.

LUGAR DO SUJEITO: NA LINGUAGEM, LÍNGUA, COMUNICAÇÃO E FALA

Para pensar o desenvolvimento de Linguagem em sujeitos com Para-


lisia Cerebral, precisamos inicialmente ter claros conceitos fundamentais não
equacionáveis, ou seja, que não podem ser tomados como sinônimos já que
pertencem a domínios diferentes: Linguagem, Língua, Fala e Comunicação.
Para melhor circunscrever as questões terminológicas, as definições
propostas por Spinelli (1996)5 mostram a importância em se diferenciar es-
tes termos e refletir sobre suas relações, considerando a “linguagem como
inclassificável, indomável, inobservável a não ser indiretamente com bases
nas propriedades da língua e da fala”. Ao retomar estas definições, Spinelli
(1996)5 considera como características da linguagem a criatividade, a au-
sência de sentidos colados aos significantes, a possibilidade de se distanciar
do literal e de se criar novos e surpreendentes sentidos, e conclui dizendo
que falar da linguagem é falar do que é essencial, do que é constitutivo do
ser humano. Sobre a fala o mesmo autor a define como atos motores marca-
dos pela fonologia, gramática e prosódia, traços da língua.
Neste universo particular da Paralisia Cerebral, redefinir-se-á a fala,
pois mesmo com alteração nos movimentos articulatórios, alteração na
produção encadeada dos fonemas, na melodia prosódica, ainda assim é
regida pelo funcionamento da língua. Tendo em conta a fala (oral ou não),

402
Capítulo 23 Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala

vemos que quando há escuta frente ao som “desarticulado”, um gesto


impreciso, no apontar um sinal gráfico “imprevisível”, o dito gera no
interlocutor o movimento de atribuição de sentido e vira fala. Aos movi-
mentos traduzidos como fala, serão atribuídos sentidos não literais, não
unívocos e não definitivos.
Já a Comunicação é entendida como interlocução. Para tanto o sujeito
com Paralisia Cerebral é colocado na posição de interlocutor e a ele passo a
palavra. Atrelado ao ato de “passar a palavra” assume-se querer escutar e
ter o que escutar independente do comprometimento motor, ou cognitivo
que venha a interferir. Neste momento, o interlocutor está afetado pelos
sentidos dos movimentos/dizeres. Portanto a palavra resultante da apreen-
são de um sentido dito em uma vocalização desarticulada, um gesto, em um
apontar de um sinal gráfico ao ser interpretado já está vinculado ao discurso
e aos seus interlocutores e garante a interação

O que acontece com uma criança PC

“Emito sons, mas não consigo pronunciar a palavra”.


Sá6, (1999)

Na relação com os sujeitos portadores de Paralisia Cerebral, escuta-


mos a fala em retalhos, nos movimentos do corpo, nos olhares insistentes. A
fala se manifesta em inúmeras tentativas que querem dizer tanto, interpre-
tada parcialmente nas nuances dos sons desarticulados apoiados no contex-
to. Insistimos em trazer para a língua qualquer som, qualquer gesto.
Observar a comunicação particular destas crianças com seus pais nos
traz evidências de que a interação é soberana e constituinte do ser. E mais,
observar os pais na relação com seus filhos apontam dois processos que se
repetem e alternam. Um deles, que frequentemente nos surpreende, é a
intimidade na tradução destes movimentos/dizeres, onde, por exemplo, uma
simples emissão de um som combinada com um movimento ganha significa-
dos precisos e partilhados. E o outro, onde as interpretações se mostram
incompletas ou excessivas, e o significado trazido pelo adulto, não ganha
sentido, não é partilhado pela criança.
No reconhecimento destes processos que fazem parte da aquisição
de linguagem de qualquer criança, já que a criança que ainda não fala é
interpretada pelo outro está imersa na linguagem. Fica evidente o momen-
to do desenvolvimento onde a criança agora “falante” se desprende e na
atualização da língua e na interação teceria hipóteses e interpretações de
seus desejos.
Reily (2004)7 ao discutir a questão de quando a fala não evolui da
forma esperada nem no tempo previsto nos lembra que: “No bailado coorde-
nado do sujeitamento à linguagem, em que o adulto guia o filho pelos mean-
dros do sistema linguístico, os movimentos de troca ficam truncados, as
respostam não fluem e, com o tempo, o adulto passa a determinar pela
criança, escolher por ela, pensar por ela, cada vez mais.”
Refletir sobre o desenvolvimento destas crianças cujo prognóstico
restrito da produção articulatória está marcado pela lesão neurológica insti-
ga os fonoaudiólogos, terapeutas da linguagem ao seguinte questionamen-

403
Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala Capítulo 23

to: esperar pela fala até quando? Qual a razão para tanta resistência na
indicação da Comunicação Alternativa?
No caso dos pais, possivelmente a crença de que a Comunicação Al-
ternativa inibiria a aquisição fala “oral” seja um dos mais fortes motivos de
resistência, sustentado pelo legítimo desejo de ouvir seu filho falar.
Se trouxermos para o universo dos terapeutas, particularmente dos
Fonoaudiólogos, conhecedores do desenvolvimento de linguagem e dos com-
plexos mecanismos motores que envolvem a articulação, frente a uma lesão
neurológica, me apoio em Pastorello (2008)8 quando afirma que “É preciso
que deixemos de lado algumas verdades provisórias, encarar nossa ignorân-
cia para tentar enxergar o novo e edificar novos saberes.”
A Comunicação Suplementar e Alternativa que há vinte anos poderia
causar estranheza, hoje é uma área de conhecimento reconhecida como
uma técnica terapêutica estruturante no desenvolvimento de linguagem e
atualização da fala, fundamentada pela clínica e pesquisa.
A Organização Mundial de Saúde, através da CIF (Classificação Interna-
cional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde) nos componentes Atividade e
Participação e Fatores Ambientais contempla a Comunicação Suplementar Al-
ternativa respectivamente nos domínios Comunicação, prevendo desde a pro-
dução de mensagens não verbais até o uso de sinais e símbolos gráficos de
comunicação e em Produtos e Tecnologia identifica recursos desenvolvidos es-
pecialmente para a comunicação9. A CIF promete ser uma poderosa ferramenta
para alavancar pesquisas na área de Comunicação Suplementar Alternativa.

O QUE É A COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR E ALTERNATIVA (CSA)

Definição
Na literatura recorro a uma das definições mais citadas nas publica-
ções nacionais e internacionais, não particularmente pela fundamentação
teórica adotada, mas porque remete a legitimidade da área e pede reconhe-
cimento da própria Fonoaudiologia.
A clássica definição adotada pelo comitê da American Speech and
Hearing Association (ASHA)-(1991)10 afirma que:

“CSA é uma área de prática clínica, de pesquisa e educacional para


fonoaudiólogos que visa compensar e facilitar, temporária, ou perma-
nentemente, padrões de prejuízo e inabilidade de indivíduos com se-
veras desordens expressivas e/ou desordens na compreensão de lin-
guagem. A CSA pode ser necessária para indivíduos que demonstrem
prejuízos nos modos de comunicação gestual, oral e/ou escrita” (p. 8)
(...) “Um sistema de CSA é definido como um grupo de componentes
integrados, incluindo símbolos, auxílios, estratégias e técnicas usadas
por indivíduos para aumentar a comunicação” (p. 10).

A ASHA (2004)11 destaca que uma das diretrizes da CSA é considerar


a comunicação como essencial à vida humana, a ser exercida na sua maior
amplitude possível e que, portanto, clínicos e pesquisadores, precisam con-
siderar a CSA em um contexto social em que o papel principal seja melhorar

404
Capítulo 23 Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala

os níveis de participação ativa em eventos que sejam relevantes e interes-


santes para o indivíduo. A ASHA (2004)11 considera que o sistema de comu-
nicação deva ser flexível em conteúdo e complexidade, ao acompanhar as
necessidades, capacidades e identidade dos diferentes ambientes e ouvin-
tes, respeitando as questões culturais e linguísticas, promovendo uma abor-
dagem multimodal. A mesma ASHA12 em 2005 determina que cabe ao profis-
sional em CSA integrar perspectivas, conhecimento e habilidades da equipe
e das pessoas envolvidas, especialmente os próprios usuários de CSA e suas
famílias no desenvolvimento funcional e significativo de objetivos e metas.
A partir das colocações acima podemos ver a amplitude de ações e
componentes envolvidos na área de CSA e a necessidade de determinar
fundamentos para a compreensão do sujeito que usa CSA contemplando a
complexidade dos fatores envolvidos.
A Comunicação Suplementar e Alternativa aqui tem a Linguagem
como objeto da ação clínica/terapêutica e concerne parte da técnica clínica
fonoaudiológica que pretende “materializar a fala” além da produção
articulatória oral sonora, na interlocução de um sujeito psíquico singular
interpretante/interpretado “aprisionado” pela interdição da produção
articulatória oral.
A CSA reúne um conjunto de instrumentos que permitam a “fala” não
oralizada, a “fala” dita no “apontar” dos sinais gráficos, inclui e interpreta os
sons, gestos e olhares. Na estrutura física agrupa material gráfico, entre
eles, conjuntos de sinais gráficos como PCS (Picture Communication Symbols),
BLISS (Blyssymbols), PIC (Pictogram Ideogram Communication); desenhos,
fotos, palavra escrita, alfabeto, recursos de baixa e alta tecnologia e ainda
compreende uma série de estratégias na elaboração e acesso aos símbolos
dispostos em pranchas de comunicação.
A clínica/terapêutica a que me refiro está sustentada por um método
que assume os sinais gráficos denominados símbolos na CSA como signifi-
cantes opacos a serem interpretados no funcionamento discursivo.

Sistemas de Símbolos Gráficos da CSA


A Comunicação Suplementar e Alternativa conta com um grande nú-
mero de sistemas gráficos, ou seja, conjuntos de elementos gráfico-visuais,
classificados em pictográficos e ideográficos, considerando respectivamente
imagens bidimensionais mais ou menos próximas da representação visual
real, agrupados em categorias sintáticas e semânticas. Vamos descrever
brevemente os sistemas de comunicação mais utilizados no Brasil.
O Blissymbols - Sistema Bliss de Comunicação - foi concebido origi-
nalmente como uma língua escrita internacional baseada na pictografia chi-
nesa na criação de um “esperanto gráfico” capaz de romper a barreira da
língua, dissipar desentendimentos entre os povos e promover uma lingua-
gem universal. Mesmo não obtendo êxito em seu objetivo inicial, o material
foi recuperado na década de 70 no Canadá, utilizado como um sistema de
comunicação para crianças com paralisia cerebral13.
O Sistema Bliss utiliza principalmente símbolos ideográficos baseados
em ideogramas da escrita chinesa, considerado uma forma de escrita
logográfica composta por 100 elementos gráficos básicos, números, pontua-
ção e outros; que são combinados semanticamente para a construção de

405
Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala Capítulo 23

novos símbolos. Os símbolos são organizados sintaticamente nas pranchas


de comunicação, tendo cada grupo sintático uma cor específica.
O PIC - Pictogram Ideogram Communication - foi criado no Canadá
em 1980 e compreende originalmente um conjunto de 400 desenhos de
silhuetas em branco com fundo preto. O sistema foi criado inicialmente para
reduzir dificuldades de discriminação e percepção visual de figura fundo13.
O PCS - Picture Communication Symbols - consiste em um conjunto
de desenhos pictográficos lineares, desenvolvido nos EUA em 1981. A dispo-
sição dos símbolos em uma prancha de comunicação segue a mesma divisão
sintática e cores proposta pelo sistema Bliss. O PCS é amplamente utilizado
em diferentes línguas e países13.
No Brasil o PCS é o sistema mais difundido e é utilizado por muitos
grupos de profissionais possivelmente pela disponibilidade de software em
Português facilitando a reprodução dos símbolos.
A escolha de um sistema de Comunicação a ser adotado na prática
clínica fica sem dúvida atrelada à disponibilidade e acesso e reprodução dos
símbolos tanto por uma questão prática na produção, continuidade em am-
bientes escolares e ou troca de terapeutas e comunicação entre os usuários
por partilharem os mesmos símbolos. Mas, mais importante, a decisão em
eleger um conjunto de símbolos está apoiada em fundamentação teórica que
sustentada pela assunção de que não há supremacia do código sobre a di-
mensão constitutiva da linguagem. A forma visual do elemento gráfico ou
iconicidade não lhe confere o significado14.
Vasconcellos15 (1999) afirma que os chamados sistemas gráfico-vi-
suais não são língua e não se articulam como sistema, mas que quando
submetidos ao jogo da língua, podem vir a significar, movimentados pelo
funcionamento da língua. Dos símbolos dos sistemas de comunicação asse-
gura não serem instrumentos de representação do mundo, não sendo, por-
tanto, signos portadores de um sentido único e fixo.
Na prática os “sistemas” de comunicação alternativa são um inventá-
rio de significantes gráficos que só adquirem sentido quando articulados no
funcionamento da língua, em um discurso. Os sinais gráficos de uma pran-
cha de comunicação são polissêmicos e ganham sentido nas infinitas possibi-
lidades interpretativas.

QUESTÕES DE TÉCNICA2:
PRANCHAS DE COMUNICAÇÃO E ESCOLHA DOS SÍMBOLOS

Pranchas de Comunicação
As pranchas de comunicação são superfícies físicas (em papel ou
informatizadas) que recebem os sinais gráficos. A disposição dos sinais grá-
ficos, no caso dos Sistemas Bliss e PCS, guarda uma organização sintática
onde são dispostos da esquerda para a direita na ordem da língua escrita: as
pessoas em amarelo, verbos em verde, substantivos em laranja, adjetivos e
advérbios em azul. Os símbolos rosa (expressões sociais e pequenas ora-
ções) e símbolos brancos (outros, que incluem datas, números, alfabeto)

2 A técnica, aqui vista segundo proposto por Cunha (1997)16 como ação que resulta do
método clínico, complementada pela idéia de que nunca possa ser compreendida ou
aplicada, se desconhecidos seus fundamentos teóricos.

406
Capítulo 23 Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala

são dispostos livremente na prancha. É importante observar que a organiza-


ção dos elementos em uma prancha de comunicação não é determinante na
ação discursiva. Não se espera que a “fala” no apontar um símbolo gráfico
seja sintaticamente organizada. A disposição é meramente um fator de or-
ganização visual para que se possa localizar e recorrer a um símbolo.

Figura 1: Exemplos de Prancha Bliss e PCS

Escolha dos Símbolos Gráficos: Vocabulário


As pranchas de comunicação são singulares e carregam símbolos,
tamanho e disposição concebida dentro do espaço terapêutico. A construção
de uma prancha atende ao universo discursivo particular do sujeito.
Vasconcellos (1999)15 afirma ainda que “A decisão por um ou outro
símbolo gráfico decorre de sua articulação a um texto que acontece na situa-
ção terapêutica, ou então ele é introduzido a partir de um texto familiar ou
escolar, que funciona como disparador do que será movimentado no espaço
clínico. Neste caso não há propriamente eleição prévia e ou aleatória de um
conjunto de símbolos”.

407
Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala Capítulo 23

Na escolha dos símbolos podemos combinar símbolos de sistemas


como o PCS, com fotos, recortes de revistas, personagens, embalagens,
logos de escolas, restaurantes, etc. Em síntese imagens significativas, que
possam ser apropriadas e a elas atribuídas significados que sejam recupera-
das como fala.

Questões de Técnica: aspectos motores na comunicação

Na paralisia cerebral devemos levar em conta as interferências moto-


ras na concepção e organização de um sistema gráfico de comunicação. Já
que os símbolos estarão dispostos em uma superfície física (informatizada ou
não) temos que considerar as formas de acesso visual e motor aos símbolos.
O comprometimento motor inerente à patologia demanda um tra-
balho multidisciplinar, onde a adequação postural e escolha da melhor
forma de indicar um símbolo gráfico exigem um planejamento clínico que
determine o movimento que permitirá o acesso confiável e repetidas ve-
zes verificando a possível presença de atividade reflexa, alteração de tônus,
fadiga, entre outros.
A indicação de um determinado símbolo prevê basicamente duas es-
tratégias: acesso direto ou indireto. No acesso direto ou o próprio corpo
(mão, pé) ou um instrumento (ponteiras, luz, mouse) são utilizados para
apontar um determinado símbolo gráfico. No acesso indireto é utilizada a
varredura que pode ser realizada por um programa de computador (varre-
dura automática), ou por uma pessoa (varredura manual), que consiste em
um processo de esquadrinhamento matricial, por grupo ou linear dos “sím-
bolos gráficos” presentes em uma prancha de comunicação.
Atualmente por mais grave que seja a deficiência motora, pratica-
mente sempre poderemos encontrar a forma de ter acesso aos sinais esco-
lhidos para a comunicação17. A postura e determinação da forma de acesso
são componentes relevantes na estruturação e disposição dos símbolos ten-
do em vista que a limitação motora não seja um impedimento do trabalho
em Comunicação Alternativa.

Questões de Técnica: Tecnologia Assistiva e a CSA

A tecnologia vem ocupando um lugar crescente no atendimento clíni-


co em diferentes áreas em distúrbios neuromotores. Especificamente em
Comunicação Suplementar e Alternativa muitos são os recursos que são in-
corporados na área de Tecnologia Assistiva.
A CORDE 17 - Comitê de Ajudas Técnicas - define a Tecnologia
Assistiva como: “uma área do conhecimento, de característica interdisci-
plinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práti-
cas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à
atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou
mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade
de vida e inclusão social.”
Na classificação por objetivos funcionais proposta pela CORDE18, des-
tacamos dois grupos de interesse particular neste capítulo. Primeiro a CSA
definida como destinada a atender pessoas sem fala ou escrita funcional ou
em defasagem entre sua necessidade comunicativa e sua habilidade em fa-
lar e/ou escrever. Em segundo, recursos de acessibilidade ao computador

408
Capítulo 23 Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala

definido como um conjunto de hardware e software especialmente idealiza-


do para tornar o computador acessível, para que possa ser utilizado por
pessoas com privações sensoriais e motoras.
Os recursos abaixo relacionados podem ser classificados como de baixa,
easy ou alta tecnologia: Pranchas de comunicação em papel, construídas
com símbolos gráficos (BLISS, PCS e outros), letras ou palavras escritas,
vocalizadores (pranchas com produção de voz), softwares específicos para a
CSA, teclados modificados, teclados virtuais, mouses especiais e acionado-
res diversos, softwares de reconhecimento de voz, monitores sensíveis ao
toque, órtese para digitação, ponteiras de cabeça, ponteiros de luz, a síntese
de voz, softwares leitores de texto entre outros.
As decisões em Tecnologia Assistiva dentro do espaço clínico/terapêu-
tico devem ter como princípio básico atravessar o impedimento orgânico e
viabilizar a comunicação. Cabe ao terapeuta analisar a indicação e acompa-
nhar a evolução na utilização destes recursos atendendo aos objetivos clíni-
cos e ganhos funcionais na comunicação.

Questões de Método: Processos terapêuticos


Foram destacadas algumas cenas e procedimentos terapêuticos para
ilustrar o método clínico que rege a atuação em Comunicação Alternativa.
Nos momentos 1 e 2, são recuperadas cenas clínicas de um criança
com Paralisia Cerebral atetóide de 5 anos e aponto o “bailado” recorrente na
interação com crianças que não falam, aprisionadas em um mundo mediado
por uma dualidade, assujeitado a uma pergunta que insiste em voltar: as
perguntas que terminam com a excludente questão: SIM ou NÃO?
Nos momentos 3 e 4 conta-se sobre os caminhos de “H.”, uma adoles-
cente com Paralisia Cerebral, que só aos 15 anos foi apresentada à Comuni-
cação Alternativa.

Momento 1:
Observando a interação entre mãe e filho, V., PC atetóide cadeirante
de 4 anos em atendimento durante a segunda sessão :

mãe – Você quer ver um livro? sim ou não?


V. titubeia, olha atentamente para os livros, olha para o aparelho de
som....olha para o armário de brinquedos.......não responde.
mãe – Você quer ouvir música? sim ou não?
V. repete os olhares... ( não na mesma sequência)
mãe (entusiasmada) – Há, já sei, você quer brincar com os carrinhos!
sim ou não?
V. concorda com um meneio de cabeça. (não muito convencido)...diz
um sim com o sorriso vago.
Nós 3, mãe, terapeuta e criança, brincamos com os carrinhos. V. pa-
recia entretido na atividade.

Leitura da Cena clínica: possíveis interpretações na terapia de lin-


guagem. As inferências a seguir não aconteceram, são apenas um ensaio
das infinitas possibilidades nas respostas de V. para que possamos tecer um
raciocínio clínico.

mãe – Você quer ver um livro? sim ou não?

409
Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala Capítulo 23

A criança titubeia, olha atentamente para os livros, olha para o apare-


lho de som....olha para o armário de brinquedos.......não responde
Possibilidades de interpretação para a indecisão e longo tempo de
resposta: hummm, não sei, se for aquele livro da última vez eu não
gostei muito, mas tem um livro lá na sala de espera, aquele na segun-
da prateleira, não lembro o nome, tem um na escola que é pareci-
do....
(mãe interrompe com a pergunta seguinte) – Você quer ouvir músi-
ca? sim ou não?
A criança repete os olhares... (não na mesma sequência)
Possibilidades de interpretação: ouvir música? mas e o livro? não sei...
(mãe interrompe com a afirmação seguinte)
– Há, já sei, (mãe entusiasmada) você quer brincar com os carrinhos!
sim ou não?
– A criança concorda (não muito convencida)...diz um sim com um
sorriso vago.
Possibilidades de interpretação: ... sim, não era exatamente o que eu
queria, mas gosto de carrinhos.

Questões terapêuticas:
O recorte anterior foi feito para pensarmos o seguinte:
O que acontece em uma interação mediada apenas pelo sim e não?
Que tempo damos para a resposta de quem não fala?

Proposta terapêutica:
Momento2:
A Terapeuta separa símbolos que se referem ao universo de ativida-
des:
T - O que você quer fazer?
Apresento em símbolos soltos, que são colocados um a um sobre a
mesa: MASSINHA, MÚSICA, LIVRO, CARRINHOS, OUTRO.
T. - Você pode escolher mais de uma coisa, mas me mostre o que
você quer primeiro. Silêncio. Espero.
V. Lentamente, com grande dificuldade motora pega o símbolo LI-
VRO.
T. Vamos ler um livro. Agora vou pegar os livros para você escolher.
V. Escolhe um livro.
T. Coloco sobre a mesa o livro escolhido e a seguinte prancha (fig. X)

Figura 2: Exemplo de prancha temática.

410
Capítulo 23 Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala

Discussão da Cena Clínica:


A palavra dita no apontar do símbolo gráfico
Neste recorte observamos ações terapêuticas que primeiro permitem
que V. possa apontar/dizer ao recorrer ao significante gráfico para falar o que
escolheu, e em questões teóricas alcançar a língua para iniciar o discurso.
Na apresentação de uma prancha temática que acompanha a leitura
conferimos a V. a possibilidade de interromper e argumentar, interagir e agir
discursivamente durante o decorrer da leitura do livro.

Momento 3:
“H.” 15 anos, Paralisia Cerebral espática.
Processo terapêutico que marca a questão da escolha dos símbolos.
Na primeira terapia, estavam presentes, “H.”, sua mãe e sua irmã de 12
anos.
Explico o que é CSA, pego alguns símbolos, conversamos e digo a elas
quantas vezes “H.” tinha coisas a dizer e não tinha como. Na sessão seguinte
mãe e irmã (iniciativa da irmã) me entregam as seguintes listas. A irmã tinha
preparado em casa, a mãe rapidamente elabora uma na sala de espera.

Lista da irmã Lista da mãe

Eu quero me olhar no espelho Quero água


Eu quero (ou não) comer Estou com fome
Me dá um pouco da sua comida? Estou com dor (lugar)
Eu quero trocar de fralda Quero ir ao banheiro
Eu quero beber suco ,ou água, ou leite Quero que troquem minha fralda
Não quero este penteado Não gostei deste programa de
Só quero “chuquinhas” (cor) televisão
Não quero esta roupa Quero que comprem pra
Eu quero dormir mim
Me deixa em paz Quero deitar
Eu quero (ou não) escutar música Quero sentar
Não gostei deste filme, desenho, ou canal Quero ir passear
Não estou confortável nesta posição Não briguem com
Não estou conseguindo ver a TV Concordo com a opinião de
Quero ir à cozinha, sala
Quero ir ao quarto do pai, irmã, irmão
Quero (ou não) quero ir ao parque, cinema
Estou com dor
A culpa foi da minha irmã, irmão
Eu quero que vá embora da sala

Discussão da Cena clínica:


SELEÇÃO DOS SÍMBOLOS: apropriação dos sentidos
As sugestões de “falas” perdidas, sugeridas pela irmã e mãe de “H.”
com certeza desenharam uma configuração inicial para a compreensão do
universo discursivo de “H.” Mas ainda assim é durante a terapia de linguagem
que os símbolos são apresentados em texto e contexto e são apropriados ou
não por “H.” Após 11 meses de atendimento sua prancha de comunicação
tinha a configuração abaixo. “H.” foi construindo durante quase 1 ano uma
prancha de uma adolescente muito interessada pelas pessoas da família,
que controlava cada aniversário, festas e presentes, apaixonada por sua
cachorrinha, vaidosa, mas ainda tímida na expressão de seus desejos.

411
Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala Capítulo 23

Figura 4: Lista e organização dos símbolos da prancha de “H.” originalmente


em PCS.
PRANCHA DE H.
Adjetivos Expressões
Pessoas Verbos Substantivos Outros
Advérbios Sociais

EU IR DESENHO TV CURIOSA VIRE A NATAL


PÁGINA

MAMÃE TELEFONAR PISCINA TRISTE EU QUERO ANIVERSÁRIO

PAPAI VER PARQUE SACO CHEIO NÃO QUERO CALENDÁRIO

IRMÃ COMPRAR CINEMA PREGUIÇA NÃO SEI

CACHORRA BRIGAR COMIDA DE ZANGADA NÃO


CACHORRO

PRIMA VIAJAR PARQUE ENGRAÇADO PERGUNTA

AVÓ OLHAR NO COZINHA FELIZ


ESPELHO

PRIMO PENTEAR SALA CALOR

PARAR BANHEIRO FRIO

SAIR ROUPAS

Página 2 CUIDAR FRALDA


Família

PRIMOS (7) ESCOLHER TV

TIOS (4) DAR DOR

TIAS (5) COMIDA/


BEBIDA

FILHOTE

CASA

PRESENTE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste espaço paramos para pensar e repensar nos “porquês” e como


agir frente a uma patologia que carrega a especificidade de dificultar ou
impedir a oralidade interferindo diretamente na interação e desenvolvimento
de linguagem destas crianças. Tantos profissionais envolvidos, tantas pro-
postas terapêuticas, inúmeros estudos. A paralisia cerebral marca o corpo e
compromete a fala. Falamos de crianças em desenvolvimento enlaçadas no
desafio de alcançar posturas e movimentos que o corpo não quer deixar. Ao
recuperar conceitos e redefinir a fala vemos que a CSA tem como proposta
terapêutica permitir o discurso além da fala articulada e sonora. Retomando
a citação inicial1 reitero que: já que as palavras são formas, podemos esco-
lher a forma pictográfica para tomar o lugar do som e deixar que se revelem
linguagem e sujeito nas aquarelas construídas no discurso.

412
Capítulo 23 Comunicação Suplementar e Alternativa: O Discurso Além da Fala

REFERÊNCIAS

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1995.
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São Paulo: Manole; 1989.
3. Glilroy J. Neurologia básica. Rio de Janeiro: Revinter; 2005.
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mestrado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
1996.
5. Spinelli M. Pensando a Linguagem. In: O Falar da Linguagem. São Pau-
lo: Lovise; 1996. p. 17-22.
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7. Reily L. Escola inclusive: linguagem e mediação. São Paulo: Papirus
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diologia e Linguagem Oral - Os Práticos do Diálogo. São Paulo: Editora
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11. American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). Roles and
Responsibilities of Speech-Language Pathologists With Respect to
Augmentative and Alternative Communication: Technical Report. ASHA
Supplement. 2004;24:1-17.
12. American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). Roles and
responsibilities of speech-language pathologists with respect to
alternative communication: Position statement. ASHA Supplement.
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Clínica fonoaudiológica. In Pastorello LM, Rocha ACO. Fonoaudiologia e
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16. Cunha MC. Fonoaudiologia e Psicanálise: a fronteira como território.
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17. Soro-Camats E. Uso de ajudas técnicas para comunicação, o jogo, a
mobilidade e o controle do meio: uma abordagem habilitadora. In:
Almirall CB, Soro-Camats E, Bultó CR. Sistemas de sinais e ajudas téc-
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aplicações. São Paulo: Editora Santos; 2003. p. 23-42.
18. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Comitê de Ajudas Técnicas (CORDE). ATA VII reunião do comitê de aju-
das técnicas - CAT. Brasília, DF; 2007.

413
CAPÍTULO 24

A INFLUÊNCIA DA MUSICOTERAPIA NA REABILITAÇÃO DA


CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL

Maristela Pires da Cruz Smith

RESUMO

Este capítulo aborda a Musicoterapia como ciência em desenvolvi-


mento, situando-a entre as disciplinas características da contemporaneida-
de, em que se busca a inter-relação entre as diferentes formas de atuar com
o paciente infantil portador de paralisia cerebral. Para tanto, faz-se necessá-
rio esclarecer a visão do musicoterapeuta na utilização de elementos sonoro-
musicais, vocais e instrumentais para finalidades terapêuticas e não somen-
te recreativas. Procedimentos metodológicos são apresentados no sentido
de que o ‘Plano de Ação Musicoterápica’ deva ser voltado a cada pessoa ou
grupo tendo como suporte teórico, autores como Smith (2009)1 Benenzon
(1985)2, Bruscia (2000)3 e Nascimento (2009)4 completando com referên-
cias de trabalhos científicos na área. A leitura da expressão do paciente,
dentro de uma visão integrativa, abre caminhos de escolhas de técnicas
musicoterápicas específicas adequadas a cada um, em particular, já que se
entende que a música vista como ‘som em toda sua extensão’ é inerente a
todo ser humano. Diante das dificuldades da criança portadora de paralisia
cerebral a musicoterapia disponibiliza estratégias terapêuticas que são capa-
zes de nela desenvolver potenciais sonoro-musicais e despertá-la para um
universo sonoro-musical rico, através do qual perceberá ser capaz de nele
agir e conseguir transformar e transformar-se.

INTRODUÇÃO

A Musicoterapia é uma ciência em evolução, que busca o estudo da


relação existente entre o som e o cérebro e o comportamento humano,
por meio da aplicação de técnicas específicas, que utilizam o som e a

415
A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral Capítulo 24

música - componentes do homem - como objetos de estudo. Por ser uma


disciplina híbrida, na troca com outras formas de terapias integrativas,
tem uma enorme abrangência de atuação e, portanto, necessita delimi-
tar-se segundo os objetivos que são prescritos no início de um tratamen-
to. O hibridismo da musicoterapia significa uma transformação nas estru-
turas disciplinares anteriores 5.
A musicoterapia tem dois grandes campos de atuação: prevenção e
tratamento. No primeiro caso, o foco é voltado ao autoconhecimento sonoro-
musical, isto é, às capacidades musicais componentes das pessoas e que,
por meio de propostas e intervenções conduzem-nas a um estado de melho-
ra; são as técnicas empregadas para mobilizar e manter a saúde mental,
física e emocional, no controle do grau de estresse e, consequentemente, no
aumento das defesas do sistema imunológico. Já, no campo do tratamento,
recuperação ou reabilitação, sem rechaçar os fatores mencionados anterior-
mente e onde este capítulo tem ênfase, seguem-se procedimentos
metodológicos musicoterápicos, cujo conteúdo interno sonoro-musical, atra-
vés de coleta de dados específicos e de outros critérios, é transformado no
principal instrumento, a saber, a história sonoro-musical do paciente.
Em termos de formas de atuação, a musicoterapia apresenta-se como
receptiva ou interativa, entendendo-se as devidas nuances entre esses dois
polos; na receptiva, a técnica característica tem base em escutas musicais,
cujo fundamental interesse clínico é, inicialmente, desenvolver no paciente a
sua capacidade de “escuta”, ou seja, de vivenciar o processamento mental
da audição planejada para ele, ou improvisada conforme suas manifestações
momentâneas e história pregressa. Em outras palavras, para ouvir há que se
ter um aparato auricular preservado, de modo que, fisiologicamente, o som
penetre no cérebro por um caminho neurológico; para escutar, há que se ter
a atenção voltada ao som concentrado, com intenção de levar a percepção
auditiva àquilo que deseja ouvir. Tanto na musicoterapia preventiva, quanto
na curativa, as formas e suas mesclas devem ser utilizadas por um
musicoterapeuta; o que vai determinar a escolha mais adequada é justa-
mente a história sonoro-musical do paciente – instrumento dinâmico de tra-
balho -, bem como observações diretas feitas durante as sessões, ao longo
de todo o processo musicoterapêutico; em alguns casos, testes objetivos,
adaptados às necessidades do paciente, bem como testes projetivo-sonoros,
são aplicados.
A musicoterapia nasceu como carreira na década de 50, nos Estados
Unidos, mais especificamente nas cidades de Kansas e Michigan - pioneiras
na abertura de cursos da área – e chegou ao Brasil, por intermédio do pro-
fessor argentino Rolando Omar Benenzon – médico psiquiatra, musicista e
musicólogo -, quase vinte anos depois, em Curitiba (Paraná) e Rio de Janei-
ro. O primeiro curso de graduação aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, de
1971 a 1975, sob a sua supervisão. De lá para cá a profissão do
musicoterapeuta vem tendo grande aceitação nos meios científico e artísti-
co, embora num ritmo lento ocupado pela mídia.
Podemos definir musicoterapia em poucas palavras, ou seja, como o
‘uso de elementos sonoro-musicais no tratamento ou prevenção do ser hu-
mano, para lograr uma melhor qualidade de vida através da comunicação
não-verbal’6. Assim, há três pilares que sustentam a musicoterapia interativa:
o corpo, a voz e instrumentos musicais; o corpo no espaço, como instrumen-
to capaz de abrir possibilidades de interação e expressividade; a voz como

416
Capítulo 24 A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral

expressão da música interna, por meio de sons vocais ou melodias, palavras


cantadas ou simplesmente sons silábicos ou explorações bucais, propiciando
desbloqueios e; instrumentos musicais de diversas fontes, ou melhor, de
quaisquer fontes que permitam a emissão sonora: instrumentos naturais,
ambientais, acústicos, confeccionados ou comercializados, de diversos nai-
pes e procedências.

Lòpez (1997)7 afirma que:

“O corpo produz imagens estimuladas pela música e se comunica com ela;


diferentes elementos são mobilizados. O efeito da música sobre o corpo é de
sensibilização; ele responde concretamente e de uma maneira viva e partici-
pante; ele não se fecha em si mesmo, mas se comunica e se entrega. Não se
pode compreender a música sem a experiência da mobilização corporal”.

Sons externos e sons internos compõem todo ser e o caracterizam


como pessoa única. Nesta modalidade, a interação entre terapeuta e pacien-
te se dá na ação musical. Desta maneira, os recursos utilizáveis em
musicoterapia também se apresentam extremamente complexos e seu ge-
renciamento será feito pelo musicoterapeuta com base no seu ISO (Identi-
dade Sonoro-Musical), termo cunhado por Altshüler (1943)8 e adaptado à
musicoterapia por Benenzon (1985)2 para fundamentar o som característico
do paciente (Iso Gestáltico), do grupo (Iso Grupal) e de toda a sociedade
(Iso Universal).
O princípio de ISO utilizado por Benenzon é reconhecido como o prin-
cipio do igual, estabelecendo a correspondência entre sons e estados de
ânimo9,10. Segundo as autoras, “Nesse campo, entretanto, as investigações
se complicam um pouco mais, pois, normalmente, as respostas emocionais
são mais difíceis de serem observadas e mensuradas objetivamente”. Con-
clui-se que, este ponto é um dos desafios que o musicoterapeuta enfrenta,
mas, também, conclui-se que, sem ele nossa busca de ‘resgatar o Iso’ do
paciente seria quase impossível, pelo menos, dentro dessa filosofia.
A música é inerente ao ser humano, isto é, nascemos com a música,
melhor ainda, somos música. Todo esse potencial energético está à disposi-
ção para ser utilizado e, por ele, ser ampliado a serviço do homem. Entretan-
to, há que saber fazê-lo, pois, o som pode surtir efeitos negativos, isto é,
que não sejam adequados às pessoas que dele se utilizam sem critérios
definidos e em doses exageradas11.
O musicoterapeuta tem uma formação universitária12 e estuda alguns
“o quês”, “porquês” “para quês” e “comos” na aplicação desses sons, na
certeza de que ainda há muito o que aprender e muito a se descobrir.

MÚSICA NA TERAPIA E MÚSICA COMO TERAPIA

Nossa tendência, ao analisarmos o termo “musicoterapia” seria situ-


armos a música em si, artisticamente, dentro da musicoterapia, já que a
música é a “ferramenta” principal do trabalho de um musicoterapeuta. En-
tretanto, até a música constituir-se há elementos sonoros a percorrerem um
longo caminho e esses parâmetros são fundamentais no trabalho do
musicoterapeuta. Torna-se relevante, então, discutir sobre o que é música

417
A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral Capítulo 24

para o musicoterapeuta, uma vez que não é o mesmo para um músico, ou


para um educador musical, ou mesmo para um musicólogo. Podemos dizer
que optamos por um canal de entendimento musical a partir do silêncio do
paciente, que significa muito numa leitura musicoterapêutica. Música para o
musicoterapeuta é tudo aquilo que é expresso, ou manifestado, que tem
intenção clínica de ser música, ou seja, dentro da infinidade de participações
sonoras, corporais, vocais e instrumentais, existem aquelas que têm uma
significação maior para cada um de nós e que, portanto, passam a ser rele-
vantes; um arranhar no tambor, um assobio, um trovão ou um leão rugindo,
um trecho das Bachianas de Villa-Lobos, ou o ruído de um motor de avião
são valorizados e manipulados pelo terapeuta, que irá transformar esses
sons, simples demais, por serem isolados, em músicas significantes, ou em
mensagens não-verbais de alta beleza e significância. Estamos nos referindo
ao contexto, ao conjunto de sons e ritmos que forma uma rede sonora,
diante da qual as respostas do paciente poderão ser mais prontas. A estética
sonoro-musical, muitas vezes, constitui a música do paciente portador de
paralisia cerebral, na resposta demonstrativa diante de um estímulo que
desencadeie um simples sorriso. O movimento gera som. Atos simples de-
sencadeiam condutas terapêuticas simples, mas extremamente profundas e
que exigem estudos investigativos de alta importância.
Sabemos o quanto os terapeutas, professores e pais utilizam-se da
música para estimular os seus pequenos, no dia a dia do trabalho ou da
rotina familiar. Nos reportamos à música usada como recurso complementar,
o que facilita enormemente a abertura de canais comunicativos. Esta é a
música na terapia a qual se refere Bruscia (2000)3, quando afirma:

Na música como terapia, a música é o foco da terapia e de qual o contexto que


facilita esse foco... e serve como agente primário para intervenção, interação e
mudança terapêuticas, enquanto a relação entre o cliente e o terapeuta e a
utilização de outras artes ou outras modalidades terapêuticas fornecem o con-
texto que facilitam o foco. Inversamente, na música na terapia, o foco recai
sobre a relação pessoal entre cliente e terapeuta ou em outras modalidades de
experiências que não as musicais, enquanto que a música fornece o contexto ou
pano de fundo que facilita o foco. Assim, quando utilizada como terapia, a músi-
ca está em primeiro plano e a relação e as outras modalidades são pano de
fundo; quando utilizada na terapia, a música é o pano de fundo, enquanto a
relação e as outras modalidades ficam em primeiro plano.

Bruscia (2000)3 prefere atribuir o termo “experiência musical” do que


“música”, para definir a musicoterapia. Segundo ele as implicações são sutis,
mas fazem a diferença, porque “a idéia principal subjacente às terapias ex-
perimentais é que o cliente estabelece contato, trabalha e resolve as várias
questões terapêuticas diretamente através do meio”.

MUSICOTERAPIA NA PARALISIA CEREBRAL

Trabalhos científicos demonstram que o som e a música como experi-


mentação e exploração possuem uma forte influência sobre o nível de ten-
são, perturbação, hipersensibilidade e afetividade de muitas crianças com
paralisia cerebral. Podemos citar trabalhos apontados por Schneider (1993)13,
de Bruner (1952)14, Cass (1951)15, Frampton y Rowell (1938)16 e Reeves

418
Capítulo 24 A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral

(1952)17, que assinalam ser a música uma das atividades que mais auxiliam
a efetuar a relaxação que se necessitam para iniciar ou dar continuidade a
objetivos fisioterápicos, de modo geral. A música ajuda a atrair a atenção e
a aumentar o nível de concentração17, pode servir como agente para reduzir
ao mínimo os efeitos dos estímulos indesejáveis do ambiente18, e no alívio
emocional de pacientes com paralisia cerebral14. Doll (1961)19 revela que o
escutar música em grupo traz um sentimento de pertença e estimula as
relações interpessoais positivas.
Um dos efeitos benéficos do uso da música como terapia sobre o
controle motor é que a dança para os espásticos às vezes podem dominar
inconscientemente as pautas de movimento que em fisioterapia poderia le-
var meses de esforços19. O trabalho coadjuvante demonstra isso com vee-
mência. Boylle (1954)20 já afirmava sobre a possibilidade do controle de
movimento (braços e dedos) dessas crianças, quando submetidas a proces-
so musicoterapêutico, quando o instrumento de maior uso é o piano. O
canto é outro recurso de muita valia; em alguns centros terapêuticos do
mundo o canto faz parte de programas de foniatria em crianças com parali-
sia cerebral. Os sons na terapia da fala podem ser aprendidos muito mais
rápido e com muito mais vontade se praticados com tons19.
Barcellos (1992)21 cita a importância dos acalantos e das cantigas de
roda serem utilizadas pelas mães ou cuidadores e ressalta-se sua relevância
também, no trabalho com crianças com paralisia cerebral, como uma das
ótimas estratégias em musicoterapia. Diz ela:

“Os acalantos fazem parte do ninar que, sem dúvida, é uma forma de a mãe dar
continência ao seu bebê. Já as cantigas de roda exercem um importante papel
na elaboração de aspectos do desenvolvimento uma vez que as crianças podem
assumir diferentes papéis dentro do jogo [da vida]”.

A musicoterapia, no trabalho com pacientes com déficits neurológi-


cos, nos quais se inclui a criança com paralisia cerebral, faz parte de uma
equipe multi e interdisciplinar. A reabilitação física, vem se tornando uma
especialização para todas essas áreas cujos profissionais, além de suas gra-
duações, adquirem conhecimentos específicos que visam o aperfeiçoamento
de técnicas para o atendimento de pacientes que delas necessitam22. Nasci-
mento (ibid, 2009)22 lembra a importância de se levantar prioridades tera-
pêuticas para se estabelecer planos completos de assistência individual em
pacientes portadores de paralisia cerebral. Expressão motora e estimulação
cognitiva são disponibilizadas na reabilitação global e nas avaliações da evo-
lução do tratamento.
Smith (2009) 1, citando Benenzon (1985) 2 no trabalho Avaliação
Diagnóstica em Musicoterapia, afirma que, de forma geral, a música pode,
segundo o ritmo:

Incrementar ou diminuir a energia muscular, acelerar o ritmo respiratório ou


alterar sua regularidade, produzir efeito marcado ou variável na pulsação, na
pressão sanguínea e na função endócrina, diminuir o impacto dos estímulos sen-
soriais, reduzir ou retardar a fadiga, incrementando o endurecimento muscular,
aumentar a atividade voluntária, provocar mudanças nos traçados elétricos do
organismo, produzir mudanças no metabolismo e na biossíntese de vários pro-
cesso enzimáticos, desenvolver a capacidade de ‘escuta’ e a capacidade de con-
tato inter e intrapessoal, iniciar pelo anal de comunicação mais disponível e abrir

419
A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral Capítulo 24

novos canais, desenvolver a capacidade de ampliação da comunicação não-ver-


bal, sensibilizar sonoro-corporalmente, equilibrar o grau de auto-estima, modifi-
car ou manter a auto-imagem positiva, levar à conscientização de limites (direi-
tos e deveres), vivenciar níveis de liderança, levar à compreensão de si mesmo
– aceitação, confiança, apreço, autenticidade, honestidade, em suma, ao auto-
conhecimento -, trabalhar a exteriorização dos próprios sentimentos, trabalhar
a expressão como um todo, a partir do silêncio, trabalhar as partes do corpo e a
independência entre elas e manter a motivação (p.193).

O ritmo, “propicia estímulo e atividade” e sabemos o quanto é impor-


tante para uma criança com paralisia cerebral perceber e imitar a acentua-
ção e a modulação de uma música e da linguagem que a compõe7. Quando
uma música é sugerida pelo paciente, o musicoterapueta sempre que possí-
vel, dá o suporte melódico cantando e/ou tocando junto23.
Intervir musicoterapeuticamente significa ser e estar presente no
processo em andamento, cujos agentes são o terapeuta e a música, como
decorrência de uma observação aguçada do comportamento do indivíduo
para propiciar uma mudança que lhe dê mais suporte bio-psico-físico como
um todo; significa alterar o curso dos eventos3. Pensar nessas interven-
ções quer dizer conhecer o paciente e, para tanto, há que haver empatia
e naturalidade e uma boa dose de conhecimento e de intuição por parte
do terapeuta. As intervenções em musicoterapia podem ser de diversas
maneiras: corporais, vocais, expressivas, gestuais, acústicas, instrumen-
tais e outras mais que se fizer necessárias, no instante em que são senti-
das e percebidas as reações do sujeito. Barcellos (1992)21 cita as seguin-
tes principais formas de intervenções verbais, faladas ou cantadas usando
os verbos: 1) interrogar; 2) informar; 3) confirmar; 4) clarificar; 5) reca-
pitular; 6) assinalar; 7) interpretar; 8) indicar e 9) sugerir completando
que há outras intervenções que podem ocorrer durante o processo
musicoterapêutico.
Em realidade, a proposta sugere que a intervenção musicoterapêutica
possa estar alinhada aos objetivos comuns da equipe multidisciplinar22. Em
suma, trabalhar em musicoterapia quer dizer intervir musicoterapeuticamente,
pois, sem intervenções decorrem encontros agradáveis musicais, de integra-
ção e de prazer. Ter intenção clínica é mais do que cantar, tocar ou dançar
junto; é saber chegar ao objetivo final de um processo com a certeza de que
os objetivos prescritos no início do trabalho foram alcançados.
O trabalho coadjuvante do musicoterapeuta com o fisioterapeuta tor-
na-se extremamente viável na medida em que ambos e toda a equipe têm os
mesmos objetivos e um complementa o outro3.
Levar uma criança com paralisia cerebral a expressar-se corporal-
mente produz um enorme esforço por parte da mesma, no sentido de
superar-se e de aumentar a imagem que tem de si. Os entraves são
grandes e as dificuldades em movimentar-se acarretam dependência dos
familiares ou cuidadores. Tendo conhecimento de que o paciente possui
seu próprio instrumental insuficiente para mover-se como a criança nor-
mal o faz, o terapeuta desenvolve uma capacidade de observar e admirar
as diferenças, proporcionando momentos de raro prazer para ambos, quan-
do as expressões se manifestam. Sabemos que outras inabilidades são
próprias em outros fatores do desenvolvimento, como na fala, na audi-
ção, na percepção e na socialização. Mas, conviver significa viver com e
não só aceitar, mas incrementar as manifestações não padronizadas para

420
Capítulo 24 A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral

que a linguagem terapêutica se estabeleça com respeito e dignidade. O


belo é uma questão de olhar.
As técnicas em musicoterapia são chamadas de receptivas ou ativas
(ou interativas). Estas últimas, muito aplicadas em pacientes com paralisia
cerebral, referem-se à produção sonora do paciente, que é transformado em
material criativo. Em crianças com paralisia cerebral muitas delas são bem-
vindas, tais como: recriações, improvisações, contos de histórias, composi-
ções de canções, confecções de pinturas e modelagens, montagens de ma-
teriais para exposições, como máscaras, criações de gestos e movimentos
com o corpo nas danças da época, vocalizações de sílabas, montagens de
pequenas peças teatrais, construções de instrumentos com materiais
recicláveis e até formações de grupos musicais ou duos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS MUSICOTERÁPICOS NO


ATENDIMENTO AO INDIVÍDUO COM PARALISIA CEREBRAL

De acordo com Smith (2003; 2009)6,13, a musicoterapia apresenta-se


em etapas de atuação, a saber:

• Musicodiagnóstica: coleta de dados para montagem da história pes-


soal, clínica e sonoro-musical do indivíduo. Entre os instrumentos
metodológicos podemos citar testes sonoro-musicais, entrevistas e
observações diretas;
• Desenvolvimento: plano de elaboração das sessões propriamente
ditas PAM (Plano de Ação Musicoterápica), a partir dos sintomas
apresentados e baseando-se nas informações obtidas;
• Conclusiva: em que se prescreve a alta musicoterápica, isto é, após
terem sido alcançados os objetivos prioritários, traçados no plano
de tratamento.

O musicodiagnóstico é a avaliação inicial do nível funcional do pacien-


te que, gradativamente, vai esclarecendo quais as razões do núcleo do pro-
blema. A visão integrativa proporciona uma leitura global, gestáltica, da pes-
soa em si mas, em pessoas especiais, portadoras de deficiências, há que se
focar um planejamento direto nos pontos que mais precisam ser desenvolvi-
dos e, para tanto, um diagnóstico elucidativo por parte do médico responsá-
vel ajuda muito na elaboração do plano. Um encaminhamento completo e
descritivo do médico facilita a clínica musicoterápica, uma vez que as identi-
ficações dos pontos nevrálgicos permitirão maior acerto no traçado dos ob-
jetivos a seguir. Leinig (2009)24 refere que o paralisado cerebral apresenta,
em especial, um débil controle motor, desatenção, hiperatividade, irritabilidade
e desinibição. Segundo a autora, estes indivíduos sofrem de uma deteriora-
ção neuromotora e perturbações do funcionamento psicológico e de controle
motor. O tratamento musicoterápico terá muito mais respostas quanto mais
cedo essas crianças forem encaminhadas. E, sobre este ponto, a mesma
autora comenta que:
“Se o diagnóstico for feito o mais cedo possível, e também tomadas todas as
providências para a recuperação, menores serão as dificuldades. Algumas crian-
ças não conseguem se recuperar, de onde se conclui, então, que o tratamento
está na dependência da precocidade de sua realização”.

421
A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral Capítulo 24

Nascimento (2009)22 cita a necessidade de um programa individual de


terapia. Concordamos com este ponto, pois, se cada ser humano possui em si
um complexo de sons e ritmos que o identificam e o caracterizam enquanto
pessoa musical, cada estimulação, mesmo que em série, refletirá respostas nos
pacientes de maneiras diferentes, com reações tanto físicas quanto emocionais
distintas. E é este um dos maiores trunfos do musicoterapeuta: descobrir quais
as reais necessidades de cada um dos seus pacientes – qual o ISO do paciente
- e intervir, com técnicas musicoterápicas adequadas, obtendo respostas indivi-
duais. Em outras palavras, embora haja procedimentos sistemáticos na área
não há criações iguais, manifestações sonoro-musicais freqüentemente seme-
lhantes e nem respostas que tenham o mesmo valor, forma, dimensão, aspecto
ou quantidade que outros pacientes.
De forma geral, um paciente com paralisia cerebral será beneficiado
pela musicoterapia nos seguintes aspectos:

• Motor: facilitando movimentações livres ou combinadas e inibindo


reflexos posturais inadequados;
• Físico: estimulando a conscientização do corpo como um todo no
espaço e a independência de cada uma de suas partes;
• Linguagem: explorando sons bucais e vocais, com palavras canta-
das, fonemas ou sílabas, criando diálogos não-verbais;
• Criatividade: expressando livremente todo e qualquer som em toda
a sua extensão, por meio de recriações ou composições;
• Integração: desenvolvendo a socialização, as relações intra e inter-
pessoais;
• Comunicação: ampliando o universo sonoro e podendo encontrar
formas diferentes dos padrões tradicionais;
• Social: estimulando a relação com outras crianças, como resultado
da elevação do grau de auto-estima e conseqüente aumento do
grau de auto-imagem;
• Cognitivo: desenvolvendo a atenção focada, iniciada com a capaci-
dade de escuta em vários níveis;
• Emocional: possibilitando a expressão livre e essa expressão ser
aceita e valorizada, transformada e ressignificada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O som transpõe barreiras intransponíveis e é capaz de influenciar o


homem de forma a beneficiá-lo suprindo necessidades.
Concordamos com Chagas (2008)5, quando discute a questão da
Musicoterapia como ciência híbrida, situada entre a era moderna e a contem-
porânea e do quanto isso se torna um desafio na sociedade. Cita a autora:

“Compreender a Musicoterapia enredada na atualidade, nos espaços híbridos de


natureza e sociedade, confere a esta discussão mais do que um viés apenas
epistemológico. Insere-a no âmbito político, entendendo que o conhecimento é
possível a partir do momento em que o tomamos em ação’” (Latour, 2000).

É, realmente, desafiante, optar-se por uma carreira em construção,


como a Musicoterapia. Sabemos o quanto foi difícil, em épocas remotas, a

422
Capítulo 24 A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral

aceitação desta nova modalidade de disciplina por parte do corpo científico


contemporâneo. Entretanto, exatamente por ser contemporâneo, permitiu a
entrada de musicoterapeutas nos maiores centros clínicos de todo o país e,
hoje, busca pela inserção do trabalho de um musicoterapeuta em sua equi-
pe. A interdisciplinaridade, característica deste novo século, entende que ser
humano é tornar o ser humanizável. O som em toda sua extensão e a músi-
ca, já vista como produto final do processo musicoterápico, constituem a
formação do indivíduo desde a sua vida intra-uterina, pois sabemos que o
feto já responde a estímulos externos sonoro-rítmicos, vocais e instrumen-
tais, desde a 21º semana de gestação. Temos ao nosso dispor o conteúdo
interno que impressiona cada ser e, com ele, podemos trabalhar com objeti-
vos terapêuticos. É isso o que a musicoterapia faz.
O ‘Plano de Ação Musicoterápica’ sempre é voltado para cada pessoa
ou grupo de pessoas e, no caso da criança portadora de paralisia cerebral, às
suas necessidades e deficiências, na tentativa de desenvolver seu próprio
potencial energético e, a partir daí, toda sua identidade sonoro-musical
readequando, readaptando e transformando-a, para que sua qualidade de
vida seja a mais positiva possível. Trabalhar com essas crianças significa
oferecer a elas a oportunidade de manifestar e expressar o que elas já têm
e, assim, apenas aceitá-las como pessoas musicais.
Optamos pela proposta de Gabriela Wagner (2009)25, musicoterapeuta
argentina, a respeito da Musicoterapia Integrativa, uma proposta terapêuti-
ca fundamentada a partir de uma hipótese que contempla a realidade
psiconeuroimunoendócrina da experiência musical e dos processos predomi-
nantemente não-verbais sonoro-musicais, intra e interpessoais envolvidos.
Segundo a autora:

A complexidade das necessidades dessa população requer uma abordagem in-


terdisciplinar, na qual o musicoterapeuta atue junto a médicos clínicos, neurolo-
gistas, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, arte-terapeutas,
mestre e professores em oficinas e espaços de recreação. Sem dúvida, o ser
humano é sempre mais do que uma dessas disciplinas, ou seja, de especializa-
ções nas quais nos formamos. Mas é a partir desta especificidade que tentamos
otimizar nossa contribuição ao seu bem-estar, à melhoria de sua qualidade de
vida, à sua habilitação ou reabilitação.

O musicoterapeuta pode e deve ser uma peça importante na engre-


nagem constituída pelo corpo de cuidadores da criança portadora de parali-
sia cerebral, pois ela permite um novo olhar de todas as pessoas envolvidas
e, principalmente, do paciente, que passa a se perceber mais amplamente
como pessoa e, melhor, como pessoa capaz, pois, criar por meio da música
quer dizer exprimir o que tem dentro de si mesma. Desenvolver o potencial
criativo interno é uma questão de oportunidade.

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Paulo: Memnon, 2009.
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Janeiro: Enelivros, 2000.

423
A Influência da Musicoterapia na Reabilitação da Criança com Paralisia Cerebral Capítulo 24

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traduzido de Maria Helena Rockenbach. In: Nascimento M. Musicoterapia
e a Reabilitação do Paciente Neurológico. São Paulo: Memnon, 2009,
p.306-333.

424
CAPÍTULO 25
ARTES PLÁSTICAS PARA ALUNOS COM PARALISIA CEREBRAL:
DIVAGAÇÕES DE UMA PROFESSORA DE ARTE

Lucia Helena Reily

Os primeiros passos independentes, as primeiras palavras, a conquis-


ta da escrita, as primeiras pedaladas na bicicleta – esses, entre muitos ou-
tros momentos, marcam para a família a evolução e crescente autonomia da
criança. Atestam sua normalidade e, assim, são esperados, às vezes com
bastante ansiedade. O início do desenho figurativo (o primeiro sol ou a pri-
meira figura humana) também é um evento comemorado. Significa que a
criança está no caminho “certo”.
Assim como a conquista de cada etapa é celebrada, a perspectiva de
a criança não conseguir atingir o marco esperado pode ser motivo de angús-
tia para pais de crianças portadoras de deficiência.
Certa vez, uma mãe de uma menina de seis anos, portadora de para-
lisia cerebral do tipo atetóide, conversou comigo sobre os desenhos de sua
filha. Eu era a professora de Artes Plásticas de Laís (nome fictício), traba-
lhando, na época, numa escola especial em São Paulo. Apesar de sua inteli-
gência, os desenhos eram rabiscos desordenados. Para essa mãe, que espe-
rava figuras, casinhas, sol, bichos, os desenhos pareciam contradizer a
inteligência da criança. Conversamos, então sobre evolução gráfica infantil,
o momento no qual a menina se encontrava no seu processo pessoal e como
problemas de motricidade afetam a evolução gráfica. Durante o diálogo,
baseada em experiências anteriores com crianças como ela, assegurei-lhe
que sua filha atingiria o desenho figurativo em seu próprio tempo. Enquanto
isso, seria importante valorizar os aspectos gráficos que ela conseguia exe-
cutar, a riqueza das cores escolhidas, o interesse em ocupar todo o espaço
disponível. Essa criança mostrava um grande prazer na manipulação dos
materiais e ainda não parecia estar preocupada em elaborar figuras reco-
nhecíveis para o outro.
De onde vinha minha certeza de que ela seria, um dia, capaz de
realizar desenhos pictográficos? Da minha experiência com outras crianças
com quadro motor semelhante ao dela e da familiaridade que eu tinha com

425
Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte Capítulo 25

os estudos que traçam parâmetros do desenho na infância1,2,3. Como profes-


sora de artes plásticas de alunos com paralisia cerebral numa escola espe-
cial, fui aprendendo a aceitar o tempo de evolução mais lento destes alunos.
E, como aquela mãe, aprendi a enfrentar a ansiedade de perceber o quanto
era incompatível a produção artística rudimentar de uma criança que se
mostrava inteligente em outras áreas da escolaridade. Questões como essa
me mobilizaram a realizar uma pesquisa longitudinal de mestrado sobre a
conquista do desenho figurativo em pré-escolares que apresentavam quadro
moderado de paralisia cerebral com capacidade cognitiva preservada4.
Em resumo, percebi que não bastava promover situações estimulan-
tes de aprendizagem; era preciso considerar o quadro neuromotor da crian-
ça para que ela pudesse participar plenamente e de forma apropriada da
atividade realizada. As alterações de tônus, presentes na criança com para-
lisia cerebral, afetarão a motricidade manual, já que se fazem presentes
durante toda a atividade. Quando a criança está fazendo algo que exige
motricidade fina, ocorrem mudanças de tônus que afetam sua grafia. Em
linguagem menos técnica, isso quer dizer que ocorrem prejuízos na manipu-
lação de objetos, impossibilitando uma preensão adequada, afetando a força
e a coordenação dos movimentos. A mão é um mecanismo complexo, assim
tanto a alteração do tônus como as possíveis perdas de sensibilidade e
propriocepção prejudicam a coordenação manual necessária para desenhar,
pintar, realizar colagens e modelagem.
Os parâmetros de desenho que servem de diretrizes de desenvolvi-
mento para os professores de arte muitas vezes são incompatíveis com a
produção da criança com paralisia cerebral, cuja motricidade de membros
superiores se encontra prejudicada pela ação de movimentos involuntários.
Pode ocorrer atraso no aparecimento de noções de representação visual. Ou,
às vezes a criança pode simplesmente se frustrar com os resultados gráficos
que não correspondem à sua intenção; desmotivada, passa a empenhar-se
pouco na atividade de desenho.
Nenhuma criança com paralisia cerebral é igual a outra. Pela diversi-
dade das etiologias que compõem a paralisia cerebral, pelas inúmeras possi-
bilidades de localização da lesão nas áreas cerebrais, pelo tipo e extensão da
lesão (difusa, afetando grandes áreas do cérebro, ou localizada, com lesão
em uma região delimitada), as sequelas podem manifestar-se em graus va-
riados de comprometimento dos movimentos. A paralisia cerebral também
pode estar associada a distúrbios nas áreas da visão, audição, sensibilidade
tátil e proprioceptiva5. Às vezes ocorre comprometimento de áreas cognitivas
e possibilidade de epilepsia de natureza muito variada.
Além disso, o significado da atividade do desenho é particular e o
grau de empenho que a criança está disposta a fazer por um desempenho
que ela pode não considerar como satisfatório também pode afetar os
resultados.
A natureza do quadro quanto ao tônus (espasticidade, atetose, distonia,
ataxia, hipotonia) bem como a interferência dos reflexos patológicos incidem
diretamente na qualidade da grafia, daí a necessidade de trabalhar com pro-
fissionais da área de saúde para assegurar um bom posicionamento da criança
em cadeira adequada às suas necessidades, com mesa apropriada para o
desenvolvimento das atividades plásticas. Do mesmo modo, quando se tra-
balha em equipe multidisciplinar, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas
especializados no atendimento de crianças e jovens com distúrbios

426
Capítulo 25 Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte

neuromotores poderão orientar sobre a inclinação da mesa e sobre as possi-


bilidades de preensão de instrumentos gráficos ou pincéis. Assim como as
garatujas da criança pequena, o desenho da criança com paralisia cerebral
reflete as possibilidades de movimentação manual, para além da sua inten-
ção figurativa.
No caso da Laís, no início do processo de alfabetização, seus relatos
verbais que acompanhavam o ato de desenhar eram bastante sofisticados,
incongruentes com os traços que rabiscava; sua temática, muito distante do
desenho típico dos primeiros desenhos figurativos. Nunca falava de casa,
sol, pessoas, animais. Mas, um dia, a criança desenhou sua mãe. De fato, a
imagem era nítida – mesmo que realizada com muita incoordenação nos
traços. Tinha uma cabeça e duas pernas: na cabeça, olhos, e boca, cabelos.
Até os braços estavam representados. Na reunião de pais, tive oportunidade
de mostrar esse desenho à mãe da menina. Ao reconhecer o avanço da filha
e ao constatar o tema tratado no primeiro desenho figurativo, ela se emoci-
onou e disse: “Você disse que ela ia conseguir e ela conseguiu”.
À medida que foi se desenvolvendo, Laís não conseguiu superar ple-
namente os impedimentos motores que afetavam sua grafia. Quando crian-
ça, poucos de seus trabalhos eram figurativos, mas, quando queria, elabora-
va figuras com significado representativo, mesmo que difíceis de reconhecer
devido à incoordenação dos traçados.
O desenho figurativo é uma conquista, mas não é a única maneira de
desenhar. É possível aprender a apreciar os outros valores gráficos desses
trabalhos: as cores, o ritmo, a repetição de grafias, a disposição de formas,
que expressam a realização pessoal que a arte favorece, e nisso Laís busca-
va seu sentido de realização.

Figura 1: Criança em atividade de pintura a dedo

O trabalho em arte se articula entre a mudança de paradigmas sobre


a plasticidade dos grafismos e a aceitação e promoção de uma nova dimen-
são estética de traços incoordenados e a facilitação do desenho por meio de
cuidados na escolha de instrumentos adequados para as possibilidades de
coordenação e preensão de cada participante da aula de artes, bem como no
manejo do posicionamento durante a atividade. Utilizar elementos que fun-
cionam como relevos no espaço também auxilia na elaboração representati-
va e auxilia na estruturação visual.

427
Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte Capítulo 25

Figura 2: Jovem produzindo vaso de flores em técnica mista

A despeito da idéia presente entre leigos de que o trabalho artístico


exige altas habilidades visomotoras e talento inato na realização de dese-
nhos figurativos, pessoas com deficiências também podem criar imagens
esteticamente interessantes e de forte impacto gráfico. O problema é que os
padrões estéticos que valorizam a representação realista são tão arraigados
entre nós, que pessoas com paralisia cerebral e outros quadros neurológicos
que comprometem a coordenação motora manual não têm oportunidade de
mostrar os fascinantes esquemas de cores e traços que emergem como re-
sultado de movimentos do corpo.
No filme “King Gimp”, traduzido como “Rei Coragem”6, ganhador do
Oscar de melhor documentário em 1999, Dan Keplinger, jovem artista com
quadro atetóide de paralisia cerebral, mostra as barreiras que teve que trans-
por para se formar com Bacharel em Artes. Além de recursos de mobilidade
(uma cadeira de rodas motorizada) e adaptações para trabalhar com pincel e
tinta a óleo (pintava com uma ponteira de cabeça), também precisou con-
vencer professores a permitir que ele mostrasse do que era capaz. Na sua
trajetória na escola e universidade inclusiva, Dan enfrentou diversas barrei-
ras, mas também encontrou professores que conseguiram reconhecer os
seus direitos. Um professor chegou a vivenciar a pintura com a ponteira de
cabeça para sentir diretamente esta singular experiência plástica.
Dan Keplinger realiza pinturas figurativas, muitas delas retratando
sua própria corporeidade. No entanto, muitas pessoas que apresentam grande
interferência de reflexos patológicos na sua grafia têm uma produção artís-
tica primordialmente não-figurativa, a não ser que utilizem parceiros ou fer-
ramentas da informática. Nestes casos, o objetivo do fazer artístico não será
o de representar o mundo de forma pictograficamente realista, mas sim o de
manifestar a marca pessoal. Entende-se que a escolha dos materiais, dos
instrumentos e das cores também pode ser uma forma de permitir, num
outro nível, a representação de ideias e sentimentos.

Figura 3: Jovem pintando no cavalete

428
Capítulo 25 Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte

Pesquisas sobre desenho em paralisia cerebral


É grande a lacuna na literatura quanto a dados de pesquisa sobre o
desempenho artístico e a evolução gráfica de crianças com paralisia cerebral
especificamente ou deficiência física em geral. Geradas no campo da psicolo-
gia, as pesquisas de desenho de crianças com deficiência enfocam primordi-
almente o desenho como diagnóstico ou como instrumento de projeção, pau-
tando-se sempre na comparação com uma linha evolutiva estabelecida na
literatura para crianças sem distúrbios neuromotores, cognitivos ou sensori-
ais. Nessa vertente, por exemplo, Abercrombie, et al. (1968)7 realizou algu-
mas pesquisas demonstrando maior tendência a movimentos simétricos e
não dissociados nos desenhos de crianças com paralisia cerebral, mas não
estudou o desenho como expressão livre e sim o desenho dirigido.
Outros trabalhos8,9 apontam para a necessidade de cautela na inter-
pretação da manifestação psicológica no desenho e evidenciam a importân-
cia do papel da neuromotricidade na qualidade dos trabalhos das crianças.
Ao discorrer sobre a expressão da deficiência por meio do desenho, o pri-
meiro faz uma importante ressalva sobre a leitura dos desenhos de qualquer
criança deficiente: nem sempre há manifestação explícita da auto-imagem
na figura desenhada; geralmente suas dificuldades estão expressas de for-
ma difusa. Confirmando este ponto de vista, Johnson e Greenberg (1978)10,
num trabalho com 32 pacientes com poliomielitis, concluíram que os dese-
nhos revelam menos mecanismos projetivos do que aspectos qualitativos
que parecem estar determinando os resultados clínicos e de pesquisas sobre
o desenho de figura humana.
Profissionais que atuaram diretamente na área de distúrbios
neuromotores ou pesquisaram a produção de desenhos de crianças deficien-
tes, portadoras de distúrbios neuromotores propõem, direta ou indiretamen-
te alguns princípios teórico-práticos, resumidos a seguir.
Uhlin (1979)11 descreve o desenho de pessoas com distúrbios neuro-
lógicos e lesão cerebral (sem destaque para a paralisia cerebral). Interessa-
do no desenho como instrumento de diagnóstico, propôs critérios de avalia-
ção do desenho para determinar níveis de disfunção neurológica:

1. Assimetria na projeção da imagem corporal


2. Distorção e rotação da forma
3. Figuras redesenhadas e apagadas (perseveração)
4. Síntese fraca das partes
5. Linhas muito calcadas
6. Conjuntos primitivos.

Refere-se principalmente a desenhos figurativos, o que talvez não se


aplique a crianças com desempenho pré-figurativo ou exploratório no dese-
nho. Baseado em sua experiência pessoal, identificou linhas irregulares e
erráticas, incoordenadas, as formas mal fechadas e a dismetria como carac-
terística da grafia da criança com paralisia cerebral. No desenho da figura
humana, o autor afirma ocorrer assimetria, às vezes bastante acentuada.
Um lado da figura pode encontrar-se completamente desintegrada, possivel-
mente por distúrbios perceptuais, causados por lesão cerebral no hemisfério
oposto. Distúrbios táteis e visuais podem ser responsáveis por dificuldades
de percepção de figura-fundo e, como resultado, a criança produz desenhos
fragmentados e padrões desorganizados. Estudando o efeito do desenho

429
Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte Capítulo 25

com giz branco sobre fundo escuro, obteve resultados muito mais integrados
do que os desenhos que essas mesmas crianças produziam sobre fundo
branco. Sugere que se utilizem materiais amplos, de natureza tátil com crian-
ças com o diagnóstico de paralisia cerebral.
Outro estudo8 acentua o papel fundamental do movimento no desen-
volvimento da imagem corporal. Crianças com paralisia cerebral, cujo movi-
mento é prejudicado, desenham figuras humanas que refletem um conceito
corporal imaturo, deficiente e muitas vezes distorcido. Os distúrbios sensori-
ais que podem acompanhar quadros de paralisia cerebral, alterando a recep-
ção de informações sensoriais, podem enfatizar ainda mais o desenvolvi-
mento dessa imagem corporal distorcida. Para ele, à medida que a relação
com o ambiente encontra-se limitada pela impossibilidade de locomoção,
manipulação e exploração do material, a relação da criança com o ambiente
será restrita e sua percepção do meio se distorcerá. Isso se reflete em:
função gestáltica pobre, perseveração e persistência no pensamento concre-
to; imagem corporal pobre; dificuldade em copiar formas geométricas.
Um dos poucos estudos pioneiros específicos voltados à questão do
desenvolvimento gráfico da criança portadora de paralisia cerebral foi realiza-
do por Krampen (1985)12. Ele estudou os desenhos de 59 crianças deficientes,
entre seis e doze anos, a maioria com paralisia cerebral do tipo espástico, sem
comprometimento mental. Os resultados, por um lado, confirmaram que o
desenvolvimento gráfico é mais lento nesse grupo de crianças, mas, por ou-
tro, demonstrou que as crianças deficientes apresentavam os grafemas espe-
rados, da mesma forma que o grupo controle, ainda que tenha havido signifi-
cativa diferença no desenho dos grafemas da terceira classe (os grafemas
simétricos). Conforme o pesquisador, isso pode ser resultado do esquema
corporal assimétrico dessas crianças fisicamente afetadas.

Pesquisas em contexto natural


Em se tratando de arte, os estudos mencionados acima oferecem
alguns parâmetros interessantes, embora possam se mostrar insatisfatórios,
por tratar-se de estudos empíricos da abordagem quantitativa, geralmente
realizados em contextos artificiais. Não são capazes de discutir o desenho da
criança com deficiência no âmbito social, onde ele de fato acontece, como
destaca Silva (1998)13, não contribuem para nortear o professor de artes
sobre o ensino na realidade atual.
Em anos recentes, alguns pesquisadores no Brasil começaram a olhar
para as propostas de artes plásticas dirigidas para alunos com deficiência de
maneira mais contextualizada. Destacamos a tese de doutorado de Lopes
(2005)14 do Rio de Janeiro e as dissertações de mestrado realizadas no Ins-
tituto de Artes da Unicamp por Pitombo (2007)15 e Somera (2005)16. O pro-
jeto realizado por Lopes (2005)14 no Rio de Janeiro desenvolveu uma oficina
inclusiva denominada de Photos & Graphias voltada para jovens e adultos
com o objetivo de promover a interação entre alunos de uma escola especial
do Rio de Janeiro (participaram seis alunos com paralisia cerebral entre 15 e
24 anos de idade) e um grupo heterogêneo de uma escola regular (alunos
entre 15 e 21 anos). Segundo a autora, a ideia era “motivar diferentes for-
mas de interação, diálogo, auxílio mútuo e aprendizado em parcerias”14.
Entre as muitas contribuições que esta tese traz para o professor de
artes que atua com alunos com deficiência, destaco a ideia que a autora
apresenta da atividade colaborativa. A pessoa com limitação motora às ve-

430
Capítulo 25 Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte

zes tomava decisões expressivas sobre o enquadramento na câmera digital,


enquanto a colega mantinha a estabilidade necessária para tirar a fotografia.
A autora registra uma imagem em que as duas trabalham juntas:

Uma das alunas segura a câmera, ação que não pode ser realizada
por sua parceira devido à limitação motora. Enquanto isso, ambas
compartilham o olhar pelo visor da câmera digital. Podem dialogar,
negociar sentidos e, juntas, observar a cena recortada pela câmera,
escolher o melhor enquadramento, pesquisar diferentes ângulos, le-
vantar opções, enfim, objetivamente vivenciar a experiência de auto-
ria coletiva de uma imagem. O recurso da câmera digital foi um im-
portante meio tecnológico que viabilizou a conquista desta autonomia
compartilhada pelos alunos da oficina, além de estimular uma outra
forma de interação entre eles mediada pela câmera.14

O conceito de trabalhar com a colaboração de colegas que respeitem


a autoria da pessoa que apresenta limitações, mas que é capaz de tomar
decisões estéticas, representa uma mudança de paradigma em termos de
ensino, sendo coerente com a arte contemporânea. Nesta perspectiva, me-
nor ênfase recai sobre a produção pessoal do grafismo (ou neste caso, de
segurar a máquina e acionar o disparador para tirar a fotografia). O que
importa primordialmente é a decisão estética, a intencionalidade.
Outra vertente trabalhada pela pesquisadora está relacionada com o
modo como os participantes, com a ajuda dos professores, se tornaram mais
ativos na busca de adaptações dos instrumentos para que eles não necessi-
tassem depender tanto de outras pessoas. Dois exemplos são destacados.
Um aluno que apresentava muitos movimentos involuntários foi orientado a
inverter a máquina de ponta-cabeça, e usar a mesma mão para segurar e
disparar a foto. No outro exemplo, foi utilizada uma câmera adaptada com
alças. Vale notar que não foram apenas os deficientes que se interessaram
em explorar as possibilidades deste modelo adaptado.

A partir da simples adaptação sugerida pelo fotógrafo, Rui pesquisou


uma forma de movimentar somente a mão e o braço esquerdos, que
são menos comprometidos motoramente, para a realização da foto-
grafia. Com este simples ato de virar a câmera ao contrário, Rui pas-
sou a conquistar o domínio no manuseio independente da câmera
fotográfica.14

A introdução de um novo modelo de câmera, com adaptação de duas


alças laterais de plástico, trouxe mais um recurso a ser explorado
pelos alunos e professores. A maioria quis experimentar a nova câmera
e ela foi bastante importante, especialmente para um dos alunos da
escola especial. Através desta câmera, o aluno Paulo descobriu e ex-
plorou uma outra forma de vivenciar o ato fotográfico. Pela primeira
vez, encontrou a adaptação necessária para, sozinho, segurar a câmera,
utilizando o apoio das duas alças laterais. Elas funcionaram como o
recurso que faltava para o apoio de suas mãos, e com isso Paulo não
precisaria mais de auxílio para segurar a câmera. Para este aluno, o
domínio sobre o simples ato de conseguir segurar o objeto, poder
olhar pelo visor e acionar o botão conforme seu desejo, simbolizou

431
Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte Capítulo 25

uma nova e importante conquista. Essa câmera, bastante simples,


funcionou como a mediação técnica necessária para este aluno con-
quistar mais autonomia em relação ao desenvolvimento de sua capa-
cidade expressiva pela linguagem fotográfica, o que repercutiu positi-
vamente em seu comportamento e estimulou seu desenvolvimento
nas outras formas de linguagem oral e escrita.14

Muitas vezes a pessoa que apresenta paralisia cerebral tem um pa-


drão de preensão primitivo para a idade. Ou seja, utiliza uma preensão palmar
ou cilíndrica, que não lhe permite visualizar bem a ponta do lápis, nem exe-
cutar traçados finos ou realizar movimentos precisos como os exigidos para
tirar fotografias. Por irregularidade na força muscular, ou por alteração de
tônus, não consegue manter o instrumento com preensão fina, o que resulta
em fadiga. Utiliza-se, então de preensão em chave, que, se por um lado
possibilita melhor apoio, por outro não permite desenho de pequenos traços
controlados, já que a criança não pode movimentar e flexionar as articula-
ções dos dedos – movimenta apenas o punho. Daí a necessidade de recorrer
a orientação de profissionais capacitados, o que não é difícil numa instituição
especializada. Já no contexto inclusivo, terapeutas ocupacionais geralmente
não se encontram disponíveis durante a realização das atividades.
A tese comentada anteriormente mostra o movimento de saída da
instituição especializada em busca de interação com alunos de escolas regu-
lares. A dissertação de Pitombo (2007)15, por sua vez, teve intenção de mos-
trar o cenário atual de ensino de Artes Plásticas para públicos especiais, que
está muito mudado desde os anos 1980 quando os saberes do ensino de arte
para crianças com deficiência se constituíam geralmente nas escolas espe-
ciais. Ele desenvolveu sua pesquisa numa escola especial, num museu que
promove acessibilidade aos espaços e às obras e também numa associação
que funciona como uma escola de artes plásticas para públicos especiais. O
pesquisador é professor de artes plásticas e ele próprio possui baixa visão,
então se encontra num lugar privilegiado para discutir o ambiente cultural de
São Paulo, e o que tem sido oferecido nos últimos anos para pessoas com
deficiência. Não estudou especificamente a paralisia cerebral, mas há alunos
com paralisia cerebral nos ambientes percorridos e investigados.
É possível deduzir um panorama muito interessante a partir do relato
desenhado pelo autor, que mostra que à medida que as escolas especiais vão
sendo obrigadas a se adaptar ao novo paradigma da inclusão, acontece um
movimento de atenção à diversidade nos centros culturais e nos museus. É
interessante perceber que de um lado as ofertas de espaços e novos proje-
tos abertos para o público especial se ampliam, tanto no âmbito público
quanto no privado. De outro, constata-se que as iniciativas são bastante
frágeis, vulneráveis a mudanças na gerência ou à migração dos líderes e
professores de arte para outros espaços.
A própria trajetória do autor já atesta a riqueza das oportunidades
que vão sendo ofertadas para o trabalho em arte com públicos especiais.
Segundo seu depoimento no texto, ele começou trabalhando com ações de
Arte na FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor)- Atual Fundação
CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente)-, na Divisão
de Carentes e Abandonados. Depois, participou do projeto “A turma faz Arte/
Enturmando” para pessoas de baixa renda, iniciativa da Secretaria do Menor.
Como pintor, participou das exposições “Artes sem Limites” e “Artes sem

432
Capítulo 25 Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte

Barreiras” do Very Special Arts – Brasil. Teve contato com várias instituições
especializadas, como a Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente
Visual – Laramara; a Divisão de Educação e Reabilitação de Deficientes da
Áudio-Comunicação – Derdic; a Associação para Valorização e Promoção de
Excepcionais – Avape e a Estação Especial da Lapa, entre outras. Trabalhou
durante uma época na Associação Rodrigo Mendes. Atuou também num pro-
grama da Secretaria de Estado da Cultura chamado “Talentos Especiais”.
Como artista, expôs numa coletiva de obras de artistas com deficiência, a
“DIVERSIDARTE”, em 2003. Também participou do projeto “Prática Artística
para todos” no Museu de Arte Moderna em São Paulo, atuando com pessoas
com paralisia cerebral e outros distúrbios neuromotores. Este projeto se
enraizou e gerou o projeto “Igual Diferente”, recebendo públicos de várias
instituições especializadas da região.
Preocupado com a formação dos profissionais, sua pesquisa foi capaz
de mostrar que os profissionais na grande maioria construíram seus conhe-
cimentos sobre a atuação artística do deficiente na interação com os alunos,
não em cursos de formação. Reconhecem a necessidade de aprofundar seus
conhecimentos e buscam literatura de apoio, mas poucos citam publicações
que circulam sobre o tema Arte e Deficiência, o que mostra a relevância de
divulgar em círculos abrangentes os conhecimentos angariados na prática de
oficinas que já acontecem há muitos anos.
A contribuição de Somera (2007)16 traça um cenário ainda mais am-
plo ao pesquisar grupos de atuação nas artes (música, artes plásticas, teatro
e dança) compostos por integrantes adultos deficientes (deficiência visual,
física e surdez). A autora buscou

estudar a diversidade de processos pelos quais esses grupos de arte


compostos por pessoas com deficiência se reconhecem como grupo,
ao esboçar uma perspectiva de autonomia que lhes possibilita torna-
rem-se sujeitos, por meio do discurso da arte.16

Seu trabalho se fundamenta na sociologia da arte. A autora confirma,


por meio de dados discursivos, o que muitos outros trabalhos mostraram:
que “os fazeres em Arte e Deficiência [acontecem] numa perspectiva instru-
mental, ou seja, utiliza-se a arte como meio para outra finalidade, ou numa
dimensão de aprendizado ou terapêutica.”16 Como mostrou Pitombo (2007)15,
há muita descontinuidade nas iniciativas. Às vezes, quando se trata de pes-
quisa ligada à universidade, o término da atividade do pesquisador pode
significar o fim da proposta, mas outras vezes, há incentivo à continuidade,
e o grupo ganha fôlego próprio para continuar os encontros.
A pesquisadora mostrou que o engajamento político é um fator de
consolidação dos grupos e que grupos dependentes de instituições assistenciais
se mostravam menos autônomos. A autora conclui que a respeito dos discur-
sos engajados, os seus entrevistados não se vêem como artistas. Oferece
três explicações para esse dado: 1) a incompatibilidade entre beleza e defi-
ciência no imaginário popular; 2) a falta de aprimoramento técnico e 3) a
formação em artes que a família e a escola não foram capazes de prover. A
autora afirma:

De fato, estes artistas com deficiência estão incluídos em um meio


cultural. São artistas porque têm este reconhecimento de seus pares,

433
Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte Capítulo 25

porém, o são em um subcampo: o das atividades artísticas para ações


inclusivas. São a representação da arte e da cultura neste subcampo,
e carregam consigo esta função: de utilizar a arte como meio para se
fazer propagar outras mensagens, como a da inclusão social da pes-
soa com deficiência ou a de demonstrar as suas capacidades no am-
biente artístico.16

O estudo mostrou também que os integrantes dos grupos que são


pessoas com deficiência não têm na sua grande maioria formação superior,
enquanto os líderes dos grupos são pessoas sem deficiência com formação
superior. Este dado sugere que as condições sociais fazem marcas profun-
das, associadas à deficiência; geram barreiras sociais difíceis de transpor, ao
menos durante o percurso escolar dos integrantes deficientes.
Ainda assim, a arte desenvolvida nos grupos exerce um papel impor-
tante na vida dos deficientes, conclui a autora, mostrando a relevância das
oportunidades artísticas para as pessoas com deficiência, seja na infância ou
na vida adulta. Reforça que o ensino de arte não acontece num vácuo, mas
na sociedade, onde ocorrem embates por espaço e poder, o que pode expli-
car parcialmente o desaparecimento de iniciativas importantes que mereci-
am ser continuadas.

E é aí que o papel dos grupos torna-se muito relevante. É através


deles que são fornecidas ferramentas essenciais de acessibilidade,
como: as intermediações entre o sujeito e a arte, o espaço para a
militância política, a oportunidade de sentir-se artista, ou mesmo con-
dições materiais. Todavia, suas possibilidades de atuação também são
limitadas pelas condições exteriores: políticas de financiamento pú-
blico, premiações, demandas pela produção, etc. Ainda assim, os gru-
pos são os responsáveis por transformar a arte, de algo eventual – o
que foi para a maioria dos integrantes, para quem a atividade artísti-
ca não era uma opção prioritária – em uma rotina, uma possibilidade
de construção de um sujeito social.16

Palavras de conclusão
Para concluir, voltamos à sala de aula, onde o professor se pergunta:
O que é especial no ensino de arte para alunos com paralisia cerebral? Como
resposta, destacamos: o posicionamento, o manejo, o grau de ajuda e inter-
venção, a comunicação suplementar e alternativa, a leitura da sua produção.
Quando o aluno apresenta necessidades motoras complexas, é preciso auxiliá-
lo; posicionar-se diretamente a sua frente, sentado num banco para intera-
gir numa posição em que o profissional está com o olhar no mesmo nível (ou
abaixo), para não provocar retração de cabeça, entre outros cuidados.
O tempo de reposta pode ser mais lento, então é preciso esperar até
que o aluno indique sua resposta. É muito forte o impulso de fazer pelo
aluno, diante da incoordenação que ele apresenta. É importante inibir este
impulso e garantir sua possibilidade de opção para cores, dosagem, localiza-
ção dos traços na folha.
Atuar como professor ou professora de artes plásticas na área da
deficiência neuromotora requer um trabalho integrado com outras áreas de
conhecimento17; terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas podem ajudar o
profissional de artes saber como se posicionar para melhorar o contato vi-

434
Capítulo 25 Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte

sual, diminuir a interferência de reflexos patológicos e promover a preensão


dos instrumentos com a maior autonomia possível. Fonoaudiólogos podem
explicar sobre o interessantíssimo sistema de comunicação por grafias, le-
tras ou figuras.
A respeito da natureza descoordenada dos desenhos de crianças com
paralisia cerebral, se cuidarmos de mudar nossa atitude frente à produção
expressiva da criança e do adolescente com paralisia cerebral, sem buscar
comparações baseadas em parâmetros do desenho da criança, poderemos
promover um espaço de acolhimento para um desenho singular que também
tem interessantes qualidades gráficas
Para além de cuidados com acessibilidade, comunicação suplementar
e alternativa e adaptação de instrumentos para a atuação plástica, a valori-
zação da marca e da expressão pessoal de cadeirantes, sem autonomia de
locomoção, sem fala compreensível, sem destreza manual, demanda um
processo de mudança de concepções estéticas. O desfrute é distinto do es-
perado, mas o resultado também pode ser saboroso.

REFERÊNCIAS

1. Cox M. The child’s point of view. London: Harvester Press; 1991.


2. Kellogg R. Analyzing children’s art. Palo Alto, California: Mayfield
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ca de pré-escolares portadores de paralisia cerebral. [dissertação]. Cam-
pinas: Universidade de São Paulo; 1990.
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Julio Duarte. São Paulo: Manole; 1980.
6. Rei Coragem. Roteiro e direção: Keplinger D. E.U.A. 1 filme 60 minutos,
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11. Uhlin DM. Art for exceptional children. Dubuque, Iowa: Wm. C. Brown
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12. Krampen M. Grapheme development in handicapped children‘s drawings.
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13. Silva SMC. Condições sociais da constituição do desenho infantil. Psicol
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14. Lopes AER de C. Olhares compartilhados: o ato fotográfico como expe-
riência alteritária e dialógica. [tese]. Rio de Janeiro (RJ) Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro; 2005.

435
Artes Plásticas para alunos com paralisia cerebral: divagações de uma professora de arte Capítulo 25

15. Pitombo P. Prática artística para todos: as artes plásticas no cenário da


inclusão social na cidade de São Paulo. [dissertação]. Campinas (SP)
Universidade Estadual de Campinas; 2007.
16. Somera N. O artista com deficiência no Brasil: arte, inclusão social e
campo artístico [dissertação]. Campinas (SP) Universidade Estadual de
Campinas; 2007.
17. Andrade MLU. Fisioterapia e o trabalho fonoaudiológico em linguagem e
comunicação na paralisia cerebral. In: Limongi S (editor). Paralisia Ce-
rebral: processos terapêuticos em linguagem e cognição. São Paulo:
Pró-fono; 2000.

436
CAPÍTULO 26

ATIVIDADE FÍSICA ADAPTADA NA PARALISIA CEREBRAL

Roberto Gimenez, Alessandro de Freitas

A discussão do processo de intervenção sobre qualquer população


portadora de deficiência implica numa prévia observância da evolução da
concepção científica e social de deficiência. Desse modo, independente da
patologia em questão, presume-se a necessidade de revisitar paradigmas
que prevaleceram sobre a deficiência ao longo da história. Esta tem sido
uma postura adotada por alguns pesquisadores da área1-3.
Durante a idade antiga e grande parte da idade média, prevaleceu o
paradigma teológico. A visão prevalecente era de que o problema da defi-
ciência oriundo da providência divina, ou ainda, de que esses indivíduos
corresponderiam à própria maldição. Obviamente, a intervenção evidencia-
da junto a esses indivíduos acabava sendo coerente com esta visão. Ao se
considerar que o problema correspondia ao “mal”, frequentemente se levava
esses indivíduos a sacrifícios, punições físicas ou, até mesmo a óbito. Em
meados do período medieval não foi verificada mudança substancial desta
concepção. Neste período, ainda prevaleceram práticas ortodoxas como as
sangrias, o uso de purgantes e a sessões de exorcismo.
No âmbito da Idade Moderna, diante de alguns avanços por parte da
ciência, principalmente no que diz respeito ao entendimento do corpo huma-
no, a pessoa com deficiência passou a ser vista por meio de um prisma
biológico. Desse modo, frequentemente relações entre estrutura e função
passaram a servir de explicações para os comportamentos observáveis que
se diferenciavam de alguma forma de um padrão de normalidade. Mais es-
pecificamente, configurar-se-ia o que pode ser chamado de paradigma cien-
tífico de deficiência. Inexoravelmente, a partir desse período, as explicações
sobre pessoas com deficiência passaram a receber um crivo científico,
embasado, sobretudo, numa visão biológica ou médica do homem.
Esta concepção adentrou a idade contemporânea, é não seria errado
dizer que, ela permeia em grande parte a intervenção prevalecente no âmbi-
to da reabilitação de populações com deficiência. Um exemplo disto corres-

437
Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral Capítulo 26

ponde aos livros didáticos orientados à intervenção com populações porta-


doras de deficiência. Em grande parte, estes trabalhos priorizam a caracteri-
zação da etiologia das diferentes deficiências, bem como, se orientam por
apresentar meios de diagnóstico e prognóstico para o problema.
Principalmente a partir da segunda metade do século XX e início do
século XXI, novos ideais de homem, sociedade e ciência, passaram a influen-
ciar as concepções sobre deficiência. Metateorias da ciência procurando en-
tender a complexidade4,5 passaram a imperar neste entendimento. A partir
desta concepção o indivíduo com deficiência deixa de ser visto como alguém
que apresenta um problema numa estrutura ou função em particular, mas
como uma entidade complexa que necessita do olhar investigativo de dife-
rentes áreas do conhecimento. Uma das implicações desta visão seria para o
âmbito da organização da intervenção que estaria configurada por diferentes
profissionais, cada qual na sua especialidade, porém orientados a criar con-
dições mais favoráveis de adaptação deste indivíduo na sociedade6,2. Funda-
mentalmente, esses profissionais constituiriam equipes multidisciplinares ou
multiprofissionais cuja sinergia na forma de atuação constitui elemento crucial
para o sucesso do trabalho da equipe.
Desta perspectiva, também deriva uma visão de intervenção não orien-
tada especificamente pelo ideal da normalização, prevalecente até meados
da década de 70, mas pela idéia de que o indivíduo com deficiência corres-
ponde a um processo de desenvolvimento diferente e único e a de que cabe
ao processo de intervenção ajudá-lo a construir caminhos alternativos para
assegurar a sua adaptação no ambiente.
Em meio a essa discussão, expressões como diferença se sobrepõe à
idéia de deficiência, e também tomam vulto termos como plasticidade, capa-
cidade de adaptação e compensação.
Em especial, no que diz respeito aos indivíduos com paralisia cere-
bral, evidenciam-se muitas dificuldades para o acesso desses grupos à prá-
tica de atividades físicas. Essas dificuldades seriam decorrentes de limita-
ções físicas típicas do problema que resultam em falta de atitude e motivação
para as atividades. Esses indivíduos alegam ainda, falta de energia, a exis-
tência de ferimentos específicos de algumas práticas, medo quanto ao de-
senvolvimento de complicações para os seus problemas, bem como, falta de
conhecimento sobre as diferentes atividades7,8. Contudo, o olhar imediato
para as dificuldades, típico do paradigma biológico ou científico, grande par-
te das vezes, ofusca a visão da inerente capacidade de adaptação desses
indivíduos.
Existem vários trabalhos na literatura destacando essa capacidade de
adaptação, própria de indivíduos com deficiência, especialmente no controle
motor das pessoas com paralisia cerebral. Dentre eles, Van der Weel, et al
(1996)9 sugerem mecanismos adaptativos na tarefa motora de rebater de
indivíduos com paralisia cerebral com hemiplegia espástica. Esses autores
identificaram uma latência na execução do lado do corpo afetado quando
comparado ao preservado. Essa particularidade foi atribuída a uma adapta-
ção que visa a aumentar a possibilidade de serem bem sucedidos na execu-
ção da tarefa, por meio de um tempo extra criado por este recurso. Outro
estudo10 compararou o padrão de andar sobre uma esteira de indivíduos
hemiplégicos por paralisia cerebral espástica com o de indivíduos normais
em diferentes velocidades. Os resultados indicaram que os indivíduos com
paralisia cerebral atingiram desempenhos satisfatórios, mas por meios dife-

438
Capítulo 26 Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral

rentes dos demais indivíduos. Para a realização desta tarefa, eles andaram
com o centro de gravidade mais baixo, aumentaram a variabilidade entre os
membros afetados e diminuíram a variabilidade nos membros não afetados.
Outra constatação foi a de que a maioria desses indivíduos optou por uma
frequência de passadas associada a um menor gasto energético.
Essas estratégias adaptativas na locomoção estariam associadas so-
bretudo à preservação das condições de segurança na realização da tarefa
motora de andar11 e não seriam específicas de populações com paralisia
cerebral, mas comuns a grupos de idosos, pessoas com deficiência visual e
com síndrome de Down3. Tais constatações têm provocado debate em torno
de quais mecanismos, de fato, guiariam os processos de controle motor das
pessoas com deficiência. Gimenez & Manoel3 utilizam a tríade segurança,
conforto e economia para explicar os possíveis mecanismos envolvidos no
controle motor humano. Para esses autores, o sistema de controle motor
opera por meio de uma interação dinâmica entre esses três parâmetros,
sempre numa relação ecológica com o ambiente. Não somente nos casos de
indivíduos com paralisia cerebral, mas também em outras populações com
deficiência, evidencia-se que o sistema de controle motor parece privilegiar
a preservação da segurança, e num segundo momento as condições de con-
forto e economia de energia. Em outras palavras, uma vez, atendidas as
condições de segurança na execução da tarefa motora, é provável que esse
sistema busca assegurar a qualidade por meio de uma execução confortável
e econômica.
Vale ressaltar que, em se tratando de populações com paralisia cere-
bral, esses recursos adaptativos manifestam-se predominantemente diante
da possibilidade de participação em programas de atividade física12,13. É jus-
tamente por esta razão que se sugere que esses indivíduos devam ser sub-
metidos precocemente a tais programas11.
Ao se reconhecer a imensa capacidade de adaptação desses indiví-
duos diante de suas restrições, pressupõe-se uma tendência para a valoriza-
ção de programas de intervenção orientados para criar possibilidades de
adaptação. A concepção oriunda do paradigma da complexidade que permeia
a visão de deficiência e que considera o ser humano como ativo em relação
ao ambiente, e não passivo em relação a ele, sugere uma prática orientada
para o processo de capacitação desse indivíduo e não meramente de reabi-
litação do mesmo. Reconhecidamente, as formas de intervenção convencio-
nais ainda apresentam forte tendência de reabilitação, uma vez que sempre
buscam minimizar problemas ou dificuldades típicas da deficiência à luz do
ideal de um dito “indivíduo normal”. Em essência, ao invés de se procurar
minimizar uma função prejudicada, pauta-se a intervenção pela ampliação
do potencial do indivíduo.
Desse modo, durante os programas de intervenção, os profissionais
deveriam criar mais condições para que os indivíduos solucionassem proble-
mas motores, aos invés de já apresentarem uma proposta motora estereoti-
pada que seja reproduzida por ele. Essa idéia resgata a oposição entre os
conceitos de ação e movimento14. Enquanto os movimentos corresponde-
riam a formas ou meios específicos de realização da tarefa motora, as ações
caracterizar-se-iam pelos fins ou intenções da tarefa motora. Como exem-
plo, teríamos no andar uma forma específica de movimento, ao passo que,
como ação poderia ser destacada a locomoção. Assim, seria esperado que os
diferentes profissionais que realizam trabalhos de intervenção sobre indiví-

439
Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral Capítulo 26

duos com paralisia cerebral almejassem mais ações do que movimentos es-
tereotipados15.
Essa visão de complexidade nos remete a pensar no processo de
intervenção sobre pessoas com paralisia cerebral relativizado em três níveis
distintos: (a) intervenção orientada à tarefa; (b) intervenção orientada ao
processo e (c) intervenção orientada à função.
Mais especificamente os dois primeiros níveis correspondem a propo-
sições de Gimenez & Gomes (2010)16.

(a) intervenção orientada à tarefa: ocorre quando o objetivo do pro-


grama de intervenção ou atividade está voltado para o aprimora-
mento das habilidades motoras do aluno ou grupo. Assim, poder-
se-ia dizer que este tipo de intervenção quando o profissional
apresenta como foco a realização da tarefa motora do aluno, rea-
lizada de forma pontual ou específica. Por exemplo, quando se
pretende que um aprimoramento de habilidades motoras como
andar, correr e saltar, configura-se o que pode ser denominado
por intervenção orientada à tarefa.

(b) Intervenção orientada ao processo: ocorre quando o objetivo do


programa de intervenção ou atividade está voltado para o apri-
moramento de capacidades físicas ou motoras do aluno o grupo.
Neste caso o foco não estaria especificamente na habilidade a ser
aprendida, mas nos mecanismos subjacentes ou que proporcio-
nam suporte à sua execução. Por exemplo, tomando como base a
habilidade motora de andar, esse tipo de intervenção ocorreria
por meio da estimulação ou aprimoramento das capacidades do
equilíbrio, coordenação, força, etc.

(c) Intervenção orientada à função: ocorre quando o objetivo do pro-


grama de intervenção ou atividade está voltado prioritariamente
para o aprimoramento das funções motoras do aluno ou grupo,
independentemente do meio ou movimento realizado por ele.
Assim, ao invés de se almejar o aprimoramento da habilidade
motora específica de andar, pauta-se por uma visão geral de lo-
comoção. Neste tipo de intervenção o foco está nas ações moto-
ras do indivíduo e não especificamente nos seus movimentos.
Pensando na função locomoção, seria possível que o sujeito rea-
lizasse essa ação por meio do andar, do rastejar, do correr, do
saltar, etc.

Fundamentalmente, um olhar para esses diferentes níveis de inter-


venção amplia o espectro de possibilidades de atuação profissional da edu-
cação física, bem como, cria maiores possibilidades de relação com outras
áreas no atendimento do indivíduo com paralisia cerebral.
Aliada a esta discussão, cabe destacar as concepções de corpo, e as
possíveis relações do indivíduo com o seu meio social e cultural. A descoberta
dos encontros do corpo relacionalmente às demais esferas sociais e vitais
entre os seres humanos podem ser considerados processos de auto-organiza-
ção, desde planos que consideram a biofísica até a mais complexa compreen-

440
Capítulo 26 Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral

são as esferas societais17. Os indicadores que poderão apontar o desenvolvi-


mento, nem sempre serão expressos por uma linguagem formal, padrão e
sistemáticas, mas sim pelo movimento, pela ação e seus significados.
Meneghetti18, por exemplo, argumenta que a (re)significação de cor-
po, compreende a individualidade corporal como um todo e que em sua
constituição de integralidade revela o quanto nos apresentamos inteiros às
propostas de assumir, respeitar, e aceitar as possibilidades as que nos são
apresentadas.
É interessante então observar a importância que uma nova concepção
de corpo apresentada na dinâmica do entendimento das necessidades de
movimento que todo ser humano possui em relação ao mundo. Estes movi-
mentos tornam-se independentes das funções motoras, pois buscam exata-
mente ir na contramão das concepções formais de execução, de tarefa, de
resultados e/ou performance obtida. Porém, em nenhum momento deve-se
desprezar a integralidade revelada por suas ações e as possibilidades assu-
midas durante sua prática. Nesta perspectiva, todo movimento sempre esta-
rá provido de algumas intenções e assim o programa de atividade física para
pessoas com paralisia cerebral deve compreender quais os significados de
cada ação corporal, para compreender o ser em movimento e suas potencia-
lidades.
Trabalhar evidenciando potencialidades não é sinônimo de aproveitar
os “movimentos que sobraram”, e sim movimentos remanescentes. A partir
desta visão, toda ação motora replicará em via dupla de significados: A ótica
de quem planeja e a ótica de quem as executa.
Num sentido mais amplo essa visão de complexidade, impõe restri-
ções na forma de pensar e se discutir a atividade física para as pessoas com
paralisia cerebral. Ela também pressupõe uma série de considerações para a
sua prática, observando sempre as características dos grupos de pratican-
tes, os motivos pelas quais as pessoas procuram a atividade, às especificida-
des e características de cada Indivíduo19 podendo ser os interesses de ordem
terapêutica/ortopédica, estética ou motivacional. Um tanto mais interessan-
te seria passar a discutir a atividade física como possibilidades para todas as
pessoas em uma perspectiva mais inclusiva20.
Isso não seria possível se não considerar uma sociedade em que des-
cobertas decorrentes do avanço da ciência, principalmente as que se relacio-
nam com a saúde, têm resultados em favor de uma prática de atividade
física profilática e/ou na discussão de hábitos que possam influenciar na
saúde e bem estar do ser humano.
Essa observação aponta, inexoravelmente, para a necessidade de se
compreender o ser humano como indivíduo único, dentro de uma multiplici-
dade e diversidade humana21-25. Diante desta premissa, caberia não apenas
entendê-lo do ponto de vista etiológico, cujo pressuposto é o de que o en-
tendimento da lesão ou transtorno já facilitaria o desenvolvimento das ativi-
dades, mas sim, compreender, a priori, o ser humano para então perceber e
relacioná-lo com a influência da atividade física em suas necessidades deter-
minadas biologicamente.
Esta visão ímpar pautada na complexidade do comportamento huma-
no converge, inevitavelmente, para a organização de equipes multidiscipli-
nares na intervenção junto a pessoas com deficiência. A negação do ponto
de vista exclusivo de um único profissional implica numa configuração multi-
profissional de trabalho2

441
Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral Capítulo 26

Influenciados pela mídia que desperta os interesses de vida saudável,


vida funcional e social26 é possível apontar a importância dos trabalhos exis-
tentes e da necessidade do estreitamento das equipes multidisciplinares que
desenvolvem seus projetos e programas associando atividades que contem-
plem essa demanda27.
Desse modo, vale destacar que os programas de atividade física orien-
tados a indivíduos com paralisia cerebral levem em consideração fatores
como a prática da atividade física em diferentes contextos e a associação
entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada.
Reconhecidamente, os programas de atividade física adaptada ainda
sofrem influências de variáveis exploratórias e especificas como a oferta de
instituições ou ONGs, e o número ou classe funcional que o praticante ou
pretendente a esta prática se adapte. Vale considerar que o acesso a este
tipo de prática ainda é considerado restrito, levando em consideração o nu-
mero de pessoas com paralisia cerebral em nosso país e o numero de adep-
tos a atividade física e/ou desportiva.
É possível destacar alguns exemplos e propostas para a prática já
consolidada de novas possibilidades ou de vivências para esta população,
quais sejam: a natação, o polybat, a bocha, o futebol, o atletismo, a recrea-
ção, a dança, o halterofilismo, tênis de mesa28.

Natação
Muito se discute sobre as atividades físicas que envolvem o meio li-
quido como parte do processo terapêutico29, social, recreativo e funcional
para pessoas com deficiência.
A água se manifesta como ambiente facilitador do processo adaptativo,
envolvendo várias possibilidades de deslocamento e resolução de problemas
que podem ser apresentados durante uma sessão de atividade física. Esse
fato coincide com um relaxamento natural em atividades no meio líquido,
proporcionando maior mobilidade articular, estresse biomecânico menor e
resistência geradora de estabilidade para determinados movimentos promo-
vidos pela água30,31.
As atividades adaptadas realizadas no meio liquido podem ser aplica-
das de forma individualizada (observando as especificidades, a proposta
pedagógica, o desenvolvimento das capacidades físicas e motoras, bem como,
a possibilidade de realização de exercícios coordenativos) e de forma coleti-
va (enfocando trabalhos com desafios em grupos, recreação, influências das
restrições aplicadas a tarefa e possibilidades motoras coletivas).
São inúmeros os benefícios que esta atividade pode propiciar, poden-
do apontar alguns como: aumento da capacidade cardiorrespiratória, melho-
ra do desenvolvimento da coordenação motora grossa, melhora nos papeis
sociais nos relacionamentos e facilitação para o processo da autonomia32.

Futebol
Mais conhecido entre pessoas com paralisia cerebral como “futebol de
sete”, esta modalidade desportiva apresenta-se como uma possibilidade
motora de intervenção em programas que buscam a integração de seus par-
ticipantes em ambientes coletivos e que visam grande trabalho de resistên-
cia muscular e atividades sociais.
Apesar destes benefícios, estudos têm apontado para uma preocupa-
ção com riscos de lesões em articulações (principalmente no joelho) que

442
Capítulo 26 Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral

devem ser levadas em consideração pelo estado sedentário que alguns pra-
ticantes apresentam, relacionados principalmente com a intensidade da ati-
vidade33.
O formato esportivo da modalidade permite apenas que pessoas com
o menor comprometimento proveniente da paralisia cerebral participem do
esporte e apenas um jogador de classe mais afetado tome parte. Outro
ponto interessante a se relatar, que quando se observa apenas aspectos
isolados de determinadas tarefas, deficiências ou modalidades, restringe-se
as possibilidades de adeptos à modalidade. Ex: Neste formato, as popula-
ções cadeirantes não poderiam participar da prática.
Assim, a opção de permitir a pratica por um maior número de pessoas
nos remete a pensar em propostas mais educativas que envolvam o futebol
e a pessoa com paralisia cerebral. Escolas, clubes, academias e ONGs podem
reestruturar seus objetivos tendo em vista a busca da melhora de seus pra-
ticantes durante as próprias sessões. Essas atividades devem transcender
os limites técnicos da observação e do movimento passando a ser significa-
tiva para as pessoas que as praticam34.

Bocha
Considerado um esporte em significativo crescimento para prati-
cantes com paralisia cerebral, essa modalidade pode ser praticada indivi-
dualmente, em duplas ou em equipes. Os materiais são compostos por
seis bolas azuis, seis bolas vermelhas e uma bola branca, em uma quadra
especialmente marcada de superfície plana e lisa. Seu objetivo principal é
aproximar o maior número de bolas na bola alvo. Esta prática corporal
pode ser vista como uma proposta desportiva e competitiva, terapêutica
ou mesmo como atividade de lazer. Esta modalidade requer planejamento
dos participantes, solução de problemas, estratégias e movimentos que
são adaptados (adequados) de acordo com as possibilidades de partição
do competidor. A facilidade de adaptação de recursos tecnológicos e ma-
teriais simples como rampas, calhas ou capacetes com ponteiras têm faci-
litado a participação de pessoas com paralisia cerebral mais severa28. Esta
possibilidade permite um debate em torno do trabalho interventivo no
que tange às habilidades motoras básicas (locomoção, estabilização e
manipulação). As inúmeras possibilidades de arremessar a bola, deslocar
as cadeiras faz com que os praticantes estejam o tempo todo diante de
soluções motoras que transcendam as esferas do jogo formal propria-
mente dito35. Fundamentalmente esta representa uma modalidade fértil
para o desenvolvimento da capacidade motora do controle de força, es-
sencial a qualquer ser humano, e principalmente aos indivíduos com para-
lisia cerebral.
Outro fator importante para o uso da bocha em programas de inter-
venção é o material utilizado. O jogo de bolas de bocha é de material impor-
tado e de difícil aquisição, porém, recursos alternativos viabilizam esta pra-
tica com bolas confeccionadas com meia ou outros materiais que necessitem
que qualquer enchimento. Vale ressaltar que a disposição e a criatividade
também faz-se necessário neste processo.

Polybat
Ainda que na modalidade da Bocha, seja possível incluir um número
considerável de pessoas, o polybat nasceu da necessidade de possibilitar

443
Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral Capítulo 26

que pessoas que ainda não possuem o perfil motor para a pratica da bocha
e que também não conseguiriam jogar tênis de mesa convencional pudes-
sem usufruir da prática de uma modalidade esportiva. Trata-se de uma
atividade de rebater e que qualquer pessoa que consiga segurar uma ra-
quete e movimentar membros superiores estará apta a realizar36. A mesa é
adaptada para que a bola de jogo não saia desta mesa.
São apontados vários benefícios aos praticantes desta modalidade
que variam desde melhora do controle postural em pé e em cadeira de ro-
das; até uma melhora no alcance das laterais da mesa; melhora do controle
de membros superiores; melhora do controle de força, controle motor fino,
concentração entre outros37-40.
Apesar de ser uma atividade relativamente recente no Brasil, deve-se
considerar que tanto como meio esportivo, como na condição de lazer devem
ser estimulados como novas possibilidades de execução de movimentos.

Dança
Não raro observar-se que após a contemporaneidade, pessoas com
deficiência participam de aulas, ensaios, apresentações e, por muitas ve-
zes, de processos terapêuticos que envolvem a dança. O pressuposto de
que é preciso ser habilidoso ou possuir afinidades com a arte não se sus-
tenta mais e as possibilidades para pessoas com deficiência em prol da
prática dessa modalidade tornaram-se maiores. Porém, em se tratando de
pessoas com paralisia cerebral, invariavelmente, prevalece um quadro no
qual a dança é muito mais terapêutica do que prática corporal adaptada.
A dança para pessoas com deficiência deixou de ser considerada ape-
nas por uma questão estética ou movimento técnico, mas ela se consolida
como uma linguagem apropriada e praticada pelas inúmeras possibilidades
corporais41. Desse modo, faz-se necessário a observação da dança como lin-
guagem não verbal, como possibilidade educacional e de melhor compreen-
são para os relacionamentos interpessoais42.
As experiências motoras aliadas à liberdade de expressar-se, criativi-
dade, de diferentes possibilidades de atingir o mesmo objetivo sem ao me-
nos ter uma cobrança técnica de um movimento estereotipado, tem feito da
dança um estimulo importante aos indivíduos com paralisia cerebral. Em
linhas gerais essa modalidade pode proporcionar aumento da consciência
corporal e da comunicação com o mundo41.
De fato, as potencialidades motoras ficam evidentes quando podemos nos
movimentar. Pessoas com paralisia cerebral que utilizam cadeira de rodas podem
participar de programas de dança utilizando princípios da Dança em Cadeira de
Rodas. Esta modalidade, por sua vez, nasce com o pressuposto da integração
entre pessoas por meio da dança, podendo ser competitiva ou artística43, 44.
A melhora na coordenação motora, socialização, ritmo, percepção
sensorial e de uma série de atividades da vida diária são perceptíveis em
pessoas que são submetidas a este tipo de programa45.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo teve o intuito de destacar a necessidade de se


adotar uma visão sobre a intervenção nas pessoas com paralisia cerebral

444
Capítulo 26 Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral

sintonizada com a visão de complexidade. Esta concepção implica necessa-


riamente num olhar sobre a totalidade deste indivíduo, destacando as inú-
meras estratégias motoras que o indivíduo apresenta na busca de assegu-
rar o processo de interação com o ambiente. Vale destacar que esta visão
também pode contribuir consideravelmente para o estabelecimento de uma
relação diferente entre os membros de uma equipe de intervenção multi-
disciplinar.

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Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral Capítulo 26

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Capítulo 26 Atividade Física Adaptada na Paralisia Cerebral

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447
CAPÍTULO 27

ATUAÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL NA PARALISIA CEREBRAL

Renata Cristina Bertolozzi Varela, Barbara Martins

Apresentar a clínica da Terapia Ocupacional (TO) na Paralisia Cerebral


(PC) é discorrer sobre um tema amplo, que pode ser analisado com base em
diferentes concepções que caracterizam os métodos e modelos de atuação
da profissão e as práticas nos diversos contextos institucionais em que os
profissionais estão inseridos. Este capítulo foi construído, portanto, utilizan-
do-se como eixo central o instrumento atividades, baseando-se em pesquisa
bibliográfica - principalmente de terapeutas ocupacionais brasileiros - bem
como na formação e experiência clínica das autoras.

1. A TERAPIA OCUPACIONAL E SEU INSTRUMENTO:


AS ATIVIDADES

A TO, no âmbito das intervenções multidisciplinares, é uma profissão


que reúne tecnologias direcionadas para a emancipação e autonomia de pes-
soas que - em função de problemáticas físicas, sensoriais, mentais, psicoló-
gicas e/ou sociais - apresentam dificuldades na inserção e participação na
vida social. Estrutura-se como um campo de conhecimento e de intervenção
em saúde, educação e na esfera social, tendo as atividades como elemento
centralizador e orientador na construção complexa e contextualizada do pro-
cesso terapêutico1.
Em relação às atividades, analisando algumas idéias precursoras da
profissão, é possível considerar que foram utilizadas como recurso de cuida-
do e assistência a pessoas doentes, em diferentes momentos da história,
como na antiguidade e no período greco-romano2. Em meados do século
XIX e início do XX, com o surgimento da medicina hospitalar e a valorização
do saber médico, referências históricas validam o uso terapêutico das ativi-
dades – as ocupações – como técnica desenvolvida para o tratamento de
pacientes institucionalizados2,3.

449
Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral Capítulo 27

A fundação da TO como categoria profissional da área da saúde ocor-


reu nos Estados Unidos, na década de 1920, devido ao aumento dos
traumatizados de guerra. No Brasil, a profissão se constitui na década de
1960, sob a influência do Movimento Internacional de Reabilitação, em um
período que se caracterizou pela importância do reconhecimento científico
nas várias práticas de saúde e pela crescente especialização no campo da
ciência. Por esta razão, as práticas profissionais surgiram divididas por áreas
de atuação – disfunção mental ou física – sendo que nesta, os terapeutas
tornaram-se especialistas no tratamento de certas lesões, utilizando exercí-
cios físicos como atividades, e precisavam estar habilitados para lidar com
adaptações, próteses e outros recursos que readaptassem os indivíduos às
atividades de vida diária4.
Em contrapartida a este modelo de prática na área das disfunções
físicas, começam a surgir, na década de 1980, questionamentos sobre o uso
das atividades, que muitas vezes eram reduzidas a exercícios repetitivos e
não correspondiam às necessidades cotidianas dos pacientes. Este período
foi caracterizado por um forte movimento de questionamento crítico, na área
da saúde, do papel dos técnicos nas instituições e pela organização das pes-
soas com deficiência que reivindicavam por direitos e oportunidades4.
A partir do debate dessas idéias, novos conceitos e propostas come-
çam a ser construídos na assistência em TO, enfocando não somente o corpo
deficiente e as funções comprometidas, mas também a vida cotidiana,
dimensionada por aspectos afetivos, relacionais, materiais, habitacionais,
produtivos e culturais4.
Nas práticas referenciadas no Método Terapia Ocupacional Dinâmica
que tem as atividades definidas como instrumento e a vida cotidiana como
núcleo central na orientação para sua clínica, um diagnóstico situacional
deve ser realizado para serem detectadas as necessidades e os desejos dos
sujeitos atendidos para direcionar o tratamento. Esse diagnóstico é feito com
base na observação do terapeuta sobre como, por que e quando o sujeito
realiza atividades, como ele se refere a si próprio, aos outros e ao que ele
produz, a história de vida que ele relata e também aquela coletada através
do contato feito com outras pessoas que com ele se relacionam, como os
familiares, os amigos e outros profissionais; tudo isso feito com a intenção
de descrever e analisar suas condições físicas, sociais e emocionais2,5.
Com base no diagnóstico situacional, o terapeuta ocupacional utiliza
as atividades como instrumento para criar novos significados nas ações e
relações vividas no cotidiano6. Neste método, as atividades são definidas
como o terceiro termo de uma relação que o terapeuta estabelece com o
sujeito que necessita de TO, e por isso precisam ser sempre consideradas no
plural, uma vez que uma atividade específica, como pintar, brincar ou fazer
um lanche, pode desencadear inúmeras outras atividades de ensino, coope-
ração, observação, informação e diálogo2,5 que ocorrem na dinâmica da rela-
ção entre o paciente, o terapeuta e as atividades.

2. AS ATIVIDADES E A ESPECIFICIDADE DA PARALISIA CEREBRAL

Para apresentar a atuação da TO na PC, é importante considerar que


a caracterização de um sujeito como alvo de uma intervenção em TO não é
somente o seu diagnóstico e a problemática de exclusão social, mas sim a

450
Capítulo 27 Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral

influência desta condição no seu dia a dia, de maneira que o indivíduo vivencia
uma exclusão que é “pessoal, antes de ser social”2. A proposição de uma
intervenção que valorize a saúde mental do sujeito atendido e que tenha a
vida cotidiana como objeto e a inclusão social como objetivo, configura uma
prática a ser realizada em todas as áreas de atuação, independente da espe-
cificidade de uma condição de saúde.
Tomando como exemplo uma criança de sete anos com PC, pergunta-
se: Quais as atividades típicas desta faixa etária em determinado contexto
sócio-cultural? Em geral, espera-se que esta criança brinque sozinha e em
grupos, frequente a escola e tenha independência para realizar as atividades
de vida diária. O conhecimento destas realidades faz com que o terapeuta
tenha dados para direcionar sua intervenção e perguntar: E a criança com PC,
o que ela faz? As atividades do seu cotidiano são semelhantes às das crianças
de sua faixa etária no contexto em que está inserida? Se não, por quê? O que
a impede de realizar? Quais recursos poderiam lhe auxiliar?
A resposta a estes questionamentos dependerá, entre outros elemen-
tos, de uma formação profissional que contemple o conhecimento de sinto-
mas e características específicas da PC e a avaliação de componentes de
desempenho7, como as habilidades cognitivas, sensoriais, perceptivas, mo-
toras, práxicas, emocionais e sociais relacionadas às atividades em questão.
Além disso, incluem-se os procedimentos que possam promover os cuida-
dos que esta condição de saúde demanda, favorecer o aprendizado de habi-
lidades e o desempenho nas atividades, como as técnicas propostas pelo
Método Neuroevolutivo Bobath, pela Integração Sensorial, por Brunnstrom,
Beziérs e as teorias sobre o desenvolvimento cognitivo8.
Blanche (2000)9 identifica que a PC pode ter como conseqüência difi-
culdades inerentes ao próprio diagnóstico ou estabelecidas pela relação com
o ambiente. No que diz respeito ao diagnóstico, o sujeito com PC pode apre-
sentar restrições em relação:
a) ao movimento, que lhe impede, entre outros elementos, de desen-
volver sua coordenação visual e motora, acessar ou explorar ativamente o
ambiente, expressar sua espontaneidade e motivação na realização de ativi-
dades;
b) ao processamento sensorial, que interferem, por exemplo, na mo-
dulação dos estímulos sensoriais, na manutenção da atenção, na escolha dos
diferentes materiais e atividades;
c) às capacidades cognitivas, que podem determinar a maneira como
o sujeito interpreta os estímulos do ambiente e estabelece relações.
Em relação ao ambiente, o sujeito pode vivenciar restrições físicas -
como a falta de materiais adaptados, que favoreçam sua participação nas
atividades e as barreiras arquitetônicas, que dificultam sua circulação pelas
ruas e edificações públicas - e sociais - como a dificuldade nas relações
interpessoais, em função de concepções e valores construídos acerca da
deficiência, que podem resultar em superproteção ou preconceito, configu-
rando as barreiras atitudinais.
Os fatores inerentes ao diagnóstico, somados aos ambientais, contri-
buem para que o sujeito com PC vivencie uma condição de dependência e
falta de autonomia e, consequentemente, apresente dificuldades na estrutu-
ração de uma vida cotidiana composta por atividades pertinentes à sua faixa
etária e ao seu contexto de vida. Dessa forma, a identificação destes fatores
se torna fundamental para a construção do projeto terapêutico.

451
Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral Capítulo 27

Neste processo de investigação do desempenho do paciente nas ativi-


dades e da escolha do repertório técnico a ser utilizado, quando o contexto
institucional ou familiar demanda a adoção de medidas de evolução, diver-
sos instrumentos de avaliação, padronizados ou não-padronizados, são utili-
zados na TO, sendo que é necessário haver uma congruência entre o que
motivou a procura por este profissional, os métodos utilizados para coleta de
dados, a intervenção propriamente dita e os resultados alcançados10.

3. O USO DAS ATIVIDADES NA ATUAÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL


NA PARALISIA CEREBRAL: UMA ILUSTRAÇÃO

Com base nas referências teóricas anteriormente apresentadas, a ilus-


tração da prática será abordada a partir da exploração de recortes de um
caso fictício, elaborado com base em diferentes situações vividas pelas auto-
ras, considerando como o raciocínio clínico da TO em relação ao uso das
atividades foi sendo construído durante o processo e enfatizando, em qua-
dros conceituais, alguns temas consagrados na literatura da profissão.

Márcia foi encaminhada para a TO quando tinha 8 anos, por indicação


de sua fisioterapeuta, que identificava a necessidade de desenvolver estra-
tégias para melhorar seu desempenho em atividades cotidianas. No primeiro
encontro com a terapeuta ocupacional, veio com seus pais e demonstrou ser
uma menina curiosa e comunicativa, participando da conversa realizada so-
bre suas atividades e os motivos do encaminhamento e fazendo perguntas
sobre o que observava na sala da terapeuta.
Frequentava uma escola regular particular próxima à sua residência no
período da manhã e estava cursando o 2º ano do Ensino Fundamental. No
período da tarde, sua rotina era organizada em função das terapias e, em casa,
costumava ficar no sofá da sala assistindo televisão ou sentada em sua cadeira
de rodas ouvindo música e conversando com sua mãe, enquanto esta fazia os
serviços domésticos. Ela era filha única e aos finais de semana, geralmente saía
para passear com a família, na igreja, no shopping ou na casa de parentes.
As primeiras atividades realizadas em terapia partiram do seu reper-
tório de interesses, contemplando música e jogos usando os personagens de
seu programa favorito. Desta maneira, Márcia foi gradualmente se envolven-
do com a proposição da terapeuta, de se encontrar para fazer atividades,
trazendo idéias e sugestões do que gostaria de brincar (Quadro 1).

Quadro 1 – O Brincar na Terapia Ocupacional

Brincar não se refere somente às brincadeiras tradicionais e ao uso de


jogos e brinquedos, mas também à composição de espaço e tempo na
qual acontecem atividades que possibilitam o sujeito estabelecer, de ma-
neira criativa, o contato com a sua realidade interna e externa11. Para
Takatori (2005)11, o brincar propicia o contato com a singularidade da
criança, com aquilo que ela é, incluindo suas limitações, e isso é essencial
para direcionar as ações de um processo terapêutico preocupado em aten-
der suas necessidades. O brincar vem sendo utilizado pelos terapeutas
ocupacionais baseando-se em concepções filosóficas diferentes11. O brin-
car pode ser um meio utilizado para favorecer a interação da criança na
terapia, desenvolver funções sensoriais, motoras ou cognitivas adquirin-

452
Capítulo 27 Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral

do habilidades e competências necessárias para uma vida produtiva no


futuro. Sob outra perspectiva, o brincar, ao ser considerado como uma
atividade essencial na infância, e associado à qualidade de vida, não é
somente um recurso terapêutico, mas também um objetivo a ser alcança-
do, uma maneira de abordar a criança em sua globalidade. Segundo Blanche
(2000)9, ao utilizar o brincar como uma recreação com um fim em si
mesmo, o terapeuta ocupacional deve observar e favorecer algumas ca-
racterísticas inerentes à atividade lúdica, como a espontaneidade, a moti-
vação intrínseca, a diversão, a suspensão da realidade, o senso de con-
trole sobre o ambiente. O terapeuta precisa estar atento à escolha dos
materiais utilizados, à adequação do ambiente físico e à mediação da
interação com outras crianças. Além disso, o estímulo à recreação fora do
ambiente terapêutico, também precisa ser contemplado, a partir, por exem-
plo, de orientações realizadas com os familiares, cuidadores e parceiros
de brincadeira9.

Márcia demonstrou gostar muito de brincar de bonecas, represen-


tando situações da vida cotidiana, assumindo o papel de mãe que cuida da
filha, fazendo comidinha, dando banho, trocando a roupa. As facilitações
proporcionadas pela terapeuta, para manter a postura e manusear os brin-
quedos, lhe permitiam explorar ao máximo o prazer que sentia durante as
brincadeiras.
Em decorrência de uma anóxia durante o parto, Márcia apresentou
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, caracterizando um quadro
de PC do tipo diparesia espática, com maior comprometimento dos mem-
bros inferiores 12. A partir da observação de como participava das brinca-
deiras, principalmente quando eram realizadas fora de sua cadeira de
rodas, no chão ou no mobiliário existente na sala da terapeuta, foi possí-
vel constatar que ela apresentava um controle de tronco deficitário e
mantinha-se na posição sentada através de leve extensão cervical, fixa-
ção de cintura escapular e aumento de tônus flexor em membros superio-
res. As técnicas de alongamento e relaxamento muscular, somadas à ade-
quação do posicionamento para brincar de forma a garantir apoio e
estabilidade no tronco com maior liberação dos membros superiores para
manipular objetos e brinquedos, passaram a ser inseridas nas atividades
sempre que necessário. Algumas destas técnicas foram ensinadas aos
cuidadores para favorecer o brincar em outros ambientes, bem como a
sugestão de aquisição de novos brinquedos.
Márcia apresentava dificuldade em coordenar a visão e o movimento,
se orientar no espaço e focar visualmente alguns objetos e imagens. Com
base nestas observações, a terapeuta realizou uma reunião com a oftalmolo-
gista que lhe acompanhava, para discutir as adaptações que eram necessá-
rias em seus materiais. A compreensão de que ela tinha uma baixa visão
cortical direcionou a escolha das características das imagens e objetos que
deveriam ser-lhe oferecidos.
Quando completou 10 anos de idade, as dificuldades no processo de
leitura e escrita eram identificadas por Márcia, sua família e sua professora
como principais entraves no processo de inclusão escolar (Quadro 2). Por-
tanto, após experimentação de diferentes materiais e estratégias em tera-
pia, foi realizada orientação para a professora em relação aos materiais pe-
dagógicos a serem utilizados (Figura 1).

453
Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral Capítulo 27

Figura 1: Adaptações do material pedagógico

Márcia tinha dificuldade de reco-


nhecer figuras com muitos detalhes
e fontes de letra com tamanhos re-
duzidos. A professora foi orienta-
da a imprimir as lições utilizando
fonte de texto maior e selecionar
figuras coloridas e com poucos detalhes.
Para substituir a escrita manual, foi indicada a confecção de uma caixa
que continha quantidades repetidas de todas as letras do alfabeto, im-
pressas em fonte ampliada, e organizadas em ordem alfabética. Desta
forma, ela podia formar palavras, escolhendo as letras na caixa e colando
no papel.

Quadro 2 – A Terapia Ocupacional e os processos de Inclusão Escolar

Dados do censo escolar (2006)13 apontam para um número crescente de


matricula de alunos com deficiência nas escolas regulares, respaldando-se
nas prerrogativas da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
14
. Os terapeutas ocupacionais têm sido chamados a compor as equipes que
prestam assessoria ao processo de inclusão escolar desses alunos, valori-
zando uma ação que auxilie na construção do movimento de inclusão, em
que a escola deve estar apta a receber todos os alunos, em oposição à
perspectiva de integração, em que o aluno precisa ser preparado para ser
inserido15. A partir dessa compreensão, para Rocha et al (2003)15 o traba-
lho do terapeuta ocupacional consiste em desenvolver estratégias de supe-
ração das dificuldades explicitas - modificando o ambiente e eliminando
barreiras arquitetônicas, capacitando educadores, adaptando equipamen-
tos, mobiliários e material pedagógico - e implícitas – incentivando e pro-
porcionando o diálogo entre todos os atores envolvidos neste processo
(equipe escolar, familiares, comunidade) revelando, debatendo e
ressignificando os sentimentos e preconceitos relacionados a deficiência.

A partir da adaptação dos materiais pedagógicos, Márcia passou a


direcionar, gradualmente, maior atenção às figuras, letras e objetos, de-
monstrar interesse pelo aprendizado da leitura e escrita e maior satisfação
ao realizar suas tarefas escolares. Com base nestas conquistas, a terapeuta
iniciou a adaptação de um teclado para que ela pudesse realizar o treino da
escrita de palavras, utilizando o computador como recurso alternativo à es-
crita manual.
No contexto terapêutico, o teclado era usado em diferentes ativida-
des como escrever histórias, fazer convite de aniversário e cartões para a
família, utilizar jogos da internet. A terapeuta realizou, ainda, orientação
à professora sobre como utilizá-lo em sala de aula, adaptando também o
mobiliário escolar (Figura 2). As adaptações dos materiais, do computa-
dor e do mobiliário compõem a prática da TO na área de Tecnologia Assistiva
(Quadro 3).

454
Capítulo 27 Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral

Figura 2: Adaptações para uso do computador

Para favorecer a visualização, este teclado foi escolhido por apresentar


letras ampliadas e coloridas, que auxiliam na atenção visual. As letras
dispostas em ordem alfabética facilitam a memoriza-
ção da posição das teclas e orientam a visão. A utiliza-
ção da mesa com recorte em “U” favoreceu o encaixe
da cadeira de rodas e apoio do antebraço, oferecendo
referência tátil e proprioceptiva, que lhe auxiliavam na
estabilidade do tronco, na organização espacial e no
desempenho da função de digitação.A aproximação do
teclado usando um plano inclinado também favoreceu
a distância necessária ao campo visual de Márcia.

Quadro 3 - Tecnologia Assistiva e Terapia Ocupacional

De acordo com a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Por-


tadora de Deficiência (2007)16, Tecnologia Assistiva é uma área do conhe-
cimento de característica interdisciplinar, que engloba produtos, metodo-
logias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a
funcionalidade relacionada à atividade e participação de pessoas com de-
ficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua independên-
cia, autonomia, qualidade de vida e inclusão social. Os auxílios para a vida
diária e prática, os recursos de comunicação suplementar e alternativa e
de acessibilidade ao computador, os sistemas de controle de ambiente, os
projetos arquitetônicos para acessibilidade, os dispositivos para adequa-
ção postural e mobilidade, os auxílios para cegos, pessoas com visão
subnormal, pessoas com surdez ou déficit auditivo, as adaptações em
veículos, as órteses e as próteses são categorias da Tecnologia Assistiva
17
, considerando a integração dos equipamentos nos diferentes ambien-
tes, como a casa, a escola e a comunidade. As práticas com Tecnologia
Assistiva envolvem profissionais de diferentes áreas, como educadores,
engenheiros, arquitetos, designers, terapeutas ocupacionais,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e psicólogos17. Pelosi
(2008)18 aponta o estreito relacionamento entre TO e tecnologia desde o
surgimento da profissão, quando os terapeutas utilizavam recursos
artesanais e adaptações simples para auxiliar a inclusão dos indivíduos na
sociedade. Mello (1997)19 atribui ao terapeuta ocupacional um papel im-
portante nas equipes que atuam com Tecnologia Assitiva, em especial na
prescrição de equipamentos e adaptações, com base na análise da ativi-
dade a ser realizada, na avaliação do ambiente e das características físi-
cas e funcionais do usuário. Varela (2010)20, ao fazer considerações sobre
a prática do terapeuta ocupacional em Tecnologia Assistiva, aponta a ne-
cessidade de enfocar não somente os componentes de desempenho e
funcionalidade na esfera do indivíduo, mas também os fatores subjetivos
que envolvem a relação do indivíduo com o recurso, incluindo a articula-
ção com os contextos político, econômico, urbano, educacional e de saú-
de. Além disso, propõe que a indicação dos recursos seja feita sempre
em parceria com o usuário e sua família, abrindo espaço para implementar
soluções que sejam concebidas conforme os modos de agir já em funcio-
namento na vida cotidiana, garantindo sua continuidade e resgatando as
práticas, a criatividade e a experiência de todos os envolvidos.

455
Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral Capítulo 27

Com a resolução de muitas questões referentes à inclusão de Márcia


na escola, novos elementos passaram a ser priorizados no projeto terapêu-
tico, pois ela já estava com 12 anos e suas relações mais significativas eram
restritas aos adultos que cuidavam dela, em casa e na escola. Nesta fase,
Márcia passou a referir que não queria receber a visita dos colegas de classe
em sua casa, e contava que ficava sozinha durante o recreio, além de não
aceitar participar dos eventos sociais, como ir ao cinema e aos aniversários.
A necessidade de observar como ela interagia com as pessoas e de
favorecer o seu relacionamento interpessoal, levou a terapeuta a convidá-la
a também participar de um grupo de atividades (Quadro 4), composto por
outras pessoas de sua faixa-etária, com e sem deficiência. As atividades
realizadas pelo grupo incluíam saídas externas, fazer compras de materiais
de artesanato, visitar a casa dos colegas do grupo, ir ao shopping e a expo-
sições artísticas (Figura 3), entre outros.

Figura 3: Atividades em grupos

Nos primeiros encontros com o grupo, Már-


cia quase não se dirigia aos participantes,
conversando principalmente com as
terapeutas sobre assuntos particulares. As
terapeutas lhe auxiliavam a direcionar a aten-
ção ao que o outro estava dizendo e aos
assuntos que eram suscitados pelo grupo du-
rante a realização de atividades. Com o pas-
sar do tempo, Márcia passou a demonstrar
satisfação ao se identificar com as outras
pessoas, perceber que alguns de seus interesses eram semelhantes, como
gostar da mesma banda de música, assim como algumas dificuldades en-
frentadas no dia a dia, como sentir que algumas colegas da escola não
gostavam de ficar ao seu lado e frustrar-se por não conseguir realizar algu-
mas atividades que estes realizavam. A proposta de que cada participante
ensinasse uma atividade que soubesse fazer, definiu um espaço onde Már-
cia pode sentir-se valorizada ao compartilhar suas habilidades com o gru-
po, desenvolvendo maior auto-estima e segurança. Com a aproximação da
festa de final de ano e da realização de um amigo secreto, ela sugeriu que
o grupo confeccionasse embalagens para os presentes, atividade que apren-
deu fazer na terapia individual.

Quadro 4 – Grupos e a Terapia Ocupacional

De acordo com Aoki (2009)21 os terapeutas ocupacionais vêm constituin-


do e discutindo as práticas de uso de grupos a partir de diferentes campos
de saberes. Em geral, na prática, os terapeutas ocupacionais têm coorde-
nado grupos, em que as atividades são os temas geradores, e objetivam
identificar e favorecer a relação de cada um dos integrantes com a ativi-
dade proposta, bem como as relações interpessoais suscitadas a cada
encontro. Os grupos são identificados na literatura como espaços de so-
cialização, convivência, pertencimento, de validação do conhecimento e
dos fazeres e de ampliação do repertório de experiências dos seus inte-
grantes.

456
Capítulo 27 Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral

A terapeuta observava que Márcia apresentava habilidades na reali-


zação de atividades em terapia que não eram vivenciadas nas atividades
com a família, que muitas vezes lhe oferecia mais auxílio do que realmente
necessitava. Márcia referia que queria fazer as atividades sozinha, mas que
estava acostumada com a forma como as coisas eram feitas na sua casa e
não sabia como fazer diferente. Além disso, tinha a percepção de que preci-
sava de um tempo maior para executar determinadas tarefas e que a corre-
ria do dia a dia atrapalhava. Queixava-se que em algumas situações sentia-
se constrangida em receber ajuda, como ao ter que ir ao banheiro da escola
com auxílio de funcionárias, sendo que muitas vezes preferia esperar para
usar o banheiro de casa.
Algumas atividades realizadas em terapia foram planejadas para con-
templar a participação de seus pais. Márcia fez um lanche para servir à sua
mãe nas vésperas de seu aniversário e elaborou um jogo para brincar com
seu pai. Nestes encontros, Márcia foi colocada no comando da atividade e
seus pais puderam observar e valorizar suas conquistas, refletindo sobre a
importância de lhe permitir ter mais autonomia e independência,
redimensionar o tempo para as tarefas e graduar o auxílio oferecido, fazen-
do as atividades “com” e não “por” ela, oferecendo apoio físico quando ne-
cessário ou somente supervisão.
A terapeuta realizou uma visita domiciliar para orientar os cuidadores
sobre a necessidade de implementar mudanças no ambiente e de como a
menina poderia realizar e se responsabilizar por algumas tarefas, como ali-
mentar-se, passar manteiga no pão, colocar suco no copo, separar as com-
pras do supermercado, entre outras (Figura 4). Todas essas atividades fo-
ram vivenciadas em terapia, Márcia pôde experimentar fazer sozinha e a
terapeuta avaliar as condições necessárias para nortear as orientações.

Figura 4: Adaptações para atividades da vida diária

Márcia ficava em pé e trocava passos,


mas necessitava apoiar-se com os mem-
bros superiores, pois mantinha leve
flexão de joelhos e rotação interna das
pernas, que dificultavam a alternância de
descarga de peso nos membros inferio-
res. A colocação de uma barra de apoio
em frente ao vaso sanitário lhe auxiliou
a se deslocar no banheiro, se impulsionar para passar de sentada para em pé e lhe
dar estabilidade para passar da posição em pé para sentar. Quando estava em pé,
fazia apoio alternado com uma das mãos, liberando a outra para manusear as peças
de vestuário. A experiência com esta adaptação no ambiente domiciliar lhe capacitou
a necessitar somente de supervisão para usar o banheiro da escola, onde também foi
orientada a colocação de uma barra de apoio. Em decorrência da instabilidade do
tronco, ela constantemente deixava cair comida para fora do prato pois inclinava a
colher quando esta se aproximava da boca. A utilização de um prato fundo lhe ajudou
a ter referencia e apoio para não derrubar a comida, e a elevação do prato com um
suporte sob o mesmo diminuía a distância deste até a boca, reduzindo a amplitude de
movimento requerida.

457
Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral Capítulo 27

Márcia começou a frequentar uma escola de capoeira, a partir da


sugestão de um dos participantes do grupo de atividades e solicitou à tera-
peuta que indicasse modificações em sua cadeira de rodas para ter mais
independência para a locomoção durante as aulas, solicitando ajuda para
conversar sobre esta necessidade com seus pais. A terapeuta auxiliou Márcia
e sua família na escolha de uma nova cadeira de rodas (Figura 5).

Figura 5 – Cadeira de rodas

A partir da análise das características da aula de capoeira


e da avaliação motora de Márcia, a cadeira de rodas es-
colhida possuía as seguintes características:

• Estrutura em monobloco, para lhe garantir maior


estabilidade.
• Rodas de fibra de carbono e com pequena
cambagem, para facilitar a propulsão.
• Encosto baixo, para favorecer a mobilidade dos mem-
bros superiores para tocar a roda.
• Assento anatômico, para melhorar posicionamento
do quadril e membros inferiores.
• Rodas anti-tombo, para evitar quedas da cadeira para
trás.
• Cinto pélvico para segurança e cinto em formato camiseta para apoio an-
terior do tronco.

Com esta cadeira, Márcia também foi estimulada a se deslocar com mais inde-
pendência durante as terapias individuais e em grupo, adquirindo maior con-
fiança para se movimentar sozinha entre os ambientes de sua casa e da escola.

Por fim, a ampliação da rede de convívio social acrescentou mais


uma necessidade na vida de Márcia. Ela queria ter condições de usar o telefone
para ligar para seus colegas e, portanto, a terapeuta iniciou um treinamento
para que ela pudesse utilizar o aparelho (Figura 6).

Figura 6 – Treinamento para uso do telefone

Márcia ainda não sabia reconhecer todos os números, mas


conseguia memorizar e verbalizar a sequência dos núme-
ros de telefone de seus familiares mais próximos. A tera-
peuta confeccionou um modelo do teclado do telefone com
números em EVA coloridos, facilitando sua visualização e
memorização da posição das teclas. Márcia passou a as-
sociar os números com a cor e a posição e, em seguida,
foram colocados pequenos pedaços de EVA nas teclas de
seu telefone, com a mesma cor do modelo, de maneira
que ela passou a utilizá-lo sem auxílio. Foi feita também uma agenda com
os números escritos com a mesma cor do modelo e das teclas do telefone.
Com o tempo, essas adaptações favoreceram o aprendizado dos núme-
ros, de maneira que Márcia passou a utilizá-los como referência para tele-
fonar.

458
Capítulo 27 Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral

Neste momento do processo terapêutico, terapeuta e Márcia avaliaram


que ela precisava de mais tempo para se dedicar aos estudos e ao relaciona-
mento com os novos amigos, do grupo de atividades e da capoeira, e por isso
definiram que a terapeuta passaria a lhe acompanhar somente no grupo, do
qual Márcia não queria ainda se desligar, realizando encontros individuais caso
houvesse necessidade. A finalização das terapias individuais representou para
Márcia uma conquista de maior protagonismo e independência na vida cotidiana
e foi celebrada com mais uma atividade: organizar um álbum contendo todas as
fotos que ela foi incentivada a tirar durante as terapias, registrando os aconte-
cimentos que foram considerados mais importantes e significativos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na relação com o sujeito e as atividades, o terapeuta busca uma


postura ativa5, acolhendo as dificuldades apresentadas, as incertezas e des-
cobertas em uma relação sustentada pelo afeto e confiança.
As atividades realizadas no contexto terapêutico são diversificadas,
em função das necessidades e interesses que são singulares para cada sujei-
to. A avaliação dos aspectos que interferem no fazer é feita durante todo o
processo, a partir da observação de como o sujeito realiza as atividades. O
terapeuta utiliza a técnica de análise de atividades, compartilhando dinami-
camente este procedimento com o paciente e, por este motivo, quanto maior
for o seu conhecimento e experiência com a atividade que está sendo pro-
posta, maior será sua capacidade de adaptá-la5, orientar sobre como fazê-
la, propor modificações nos materiais e no ambiente e utilizar as técnicas
que atuem sobre os fatores inerentes ao diagnóstico. Nos casos em que as
limitações físicas são muito significativas, o terapeuta irá proporcionar a ex-
periência de fazer atividades, mesmo que sejam realizadas com auxílio.
É necessário que o setting da TO propicie o fazer e o registro que
incentive a construção de narrativas sobre o que é mais significativo neste
fazer2,5. Além disso, precisa estar aberto para receber o sujeito como ele
pode estar - com seu jeito de ser – e seja um lugar de ir e vir, de passagem,
mas que o incentive a partir2,5. É um espaço ampliado, que não se restringe
à sala de terapia, mas que, em função da dinâmica da relação triádica, con-
sidera outros ambientes - como o domicílio, a loja de materiais, a escola - e
as relações estabelecidas - com a família, os colegas, os demais membros da
equipe médica, educacional e terapêutica.
As diversas experiências vividas na relação com a terapeuta, as ativi-
dades e/ou o grupo – brincar, conversar, se locomover, estudar, telefonar,
escolher, planejar, gostar ou não gostar, testar, exercitar, começar e acabar,
precisar, ajudar, compartilhar, conseguir fazer, fazer com, entre inúmeras
outras - são representantes da realidade concreta, que quando adquirem
significados para o sujeito - atendendo a desejos e expectativas e suprindo
necessidades – inserem novas marcas no seu psiquismo22. A partir destas
vivências, na dinâmica estabelecida na realidade interna e externa do sujei-
to, é que se torna possível construir novas ações e relações em sua vida
cotidiana.

459
Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral Capítulo 27

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460
Capítulo 27 Atuação da Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral

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461
CAPÍTULO 28

ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA JUNTO AO PACIENTE COM


PARALISIA CEREBRAL

Patricia Pimentel Gomes, Camila da Veiga Prade

“O trabalho com o paciente portador de paralisia cerebral exige


abordagem e orientação do grupo familiar que possibilite
a criação de um terreno fértil e estimulante para o
paciente desenvolver seus potenciais”
(autor desconhecido).

Em razão da precária situação da área de Saúde no Brasil, principal-


mente em relação aos cuidados dispensados às gestantes e aos recém-nas-
cidos, estima-se que a incidência de crianças com paralisia cerebral (PC) no
país é bastante elevada1.
A chegada da criança com PC numa família pressupõe a alteração do
todo, um dinamismo com consequentes necessidades de reestruturação
ambiental já que todo o aspecto psicológico da família se transforma. As
reações emocionais à existência desta criança irão depender, entre outras
coisas, da maneira como a notícia foi dada aos pais e do tipo de informação
que lhes foi fornecida e isso terá forte influência na aceitação ou não da
criança deficiente pelo seu núcleo familiar. A presença de um membro com
deficiência na família é algo bastante complexo porque envolve a necessida-
de de constantes mudanças, além da redefinição de papéis2.
Os pais vivenciam um conflito emocional que envolve as imagens do
filho ideal desejado e do filho real nascido. Assim, alguns mecanismos po-
dem surgir como defesa psíquica para a angústia desses pais frente à nova
realidade e eles podem reagir negando a importância da situação, projetan-
do a culpa da deficiência em terceiros (geralmente o cônjuge ou profissionais
de saúde), com atitudes de rejeição (o que reforçará sentimentos de insegu-
rança e dependência, além do empobrecimento do auto-conceito e a prefe-
rência pelo isolamento social) ou superproteger a criança. Os pais podem
ainda apresentar sentimentos de medo, revolta, frustração, entre outros2.

463
Atuação da psicologia junto ao paciente com paralisia cerebral Capítulo 28

O desejo de ter um filho como possibilidade de auto-realização femi-


nina, a ansiedade em relação à perfeição do concepto (principalmente nas
gestações de alto risco) e a ambiguidade na relação mulher-mãe e mulher-
mulher somadas às cobranças sociais baseadas na figura da “boa mãe” in-
tensificam a insegurança que mães de crianças normais têm no seu papel de
mulher-mãe e exacerbam o sentimento de incapacidade nas mulheres-mães
de crianças com deficiência3.
A integração ou incorporação da criança com PC na família envolve o
estabelecimento de vínculos. Para isso é necessário um processo de ajusta-
mento, sendo vital a cooperação entre os pais e equipe de Reabilitação que
atuará junto dessa criança auxiliando-a no desenvolvimento máximo de suas
potencialidades.
Cabe lembrar que a habilidade de integrar-se está diretamente ligada
às relações afetivas primárias e à sensação de segurança proporcionada a
qualquer criança por seu ambiente familiar4.
Crianças com PC apresentam uma deficiência quanto à sua consciên-
cia do próprio corpo e isto ocorre em função do distúrbio não progressivo
que ocorre no desenvolvimento encefálico fetal ou na infância. Como conse-
qüência, há distorções da noção de espaço e dificuldade de adaptação da
criança no mundo2.
As vivências e sensações corporais facilitam o desenvolvimento do con-
ceito do eu. Como a criança com PC tem essas experiências comprometidas e
as vivências limitadas, seu auto-conceito muitas vezes se torna alterado.
A conquista da autonomia corporal na criança com PC depende da sua
potencialidade motora que associada a outros possíveis déficits pode acarre-
tar prejuízos na exploração do meio e na interação social (em maior ou
menor grau) com consequências emocionais determinantes para o desenvol-
vimento global dessa criança5.
São frequentes os sentimentos de insatisfação, insegurança, ansie-
dade, depressão, as condutas regressivas, baixa tolerância à frustração,
agressividade e dificuldade de adaptação social, entre outros. No entanto,
não se deve esquecer que as crianças com PC têm as mesmas necessida-
des que qualquer outra criança e por isso necessitam ser consideradas em
sua individualidade e amadas/valorizadas como pessoas participantes do
grupo familiar2.
As crianças com PC não têm as mesmas condições de vivenciar expe-
riências exploratórias que servem de impulso para o seu desenvolvimento.
Dessa forma, é de extrema importância que a família atue como uma exten-
são da criança favorecendo-lhe maiores condições de participar do meio e
isso exigirá maior dedicação e disponibilidade por parte dos seus pais.
Assim, os pais têm papel fundamental no processo de desenvolvi-
mento cognitivo e social da criança com PC, já que a mesma tem seu desen-
volvimento comprometido e isso limita suas experiências e processos adap-
tativos. Pais são importantes mediadores entre a criança e o mundo exterior,
já que a relação afetiva estabelecida é um fator facilitador de aprendizagem.
Como a criança com PC poderá ser dependente dos pais por longo
período possivelmente existirá um apego exagerado entre eles, com com-
portamento superprotetor tornando a inserção dessa criança no mundo algo
lento e gradual. Isso deverá gerar insegurança e dificultar o rompimento do
vínculo mãe-criança com uma consequente falta de iniciativa em comporta-
mentos futuros. Assim, é importante oferecer à criança um ambiente ade-

464
Capítulo 28 Atuação da psicologia junto ao paciente com paralisia cerebral

quado e estimulador para o seu desenvolvimento, sendo também o processo


de Reabilitação uma possibilidade de contato com a realidade externa e de
busca da auto-suficiência.
Por sua vez, os pais necessitam de acolhimento psicológico para que
consigam atuar como agentes co-terapeuticos. Daí a importância de um es-
paço emocional para que eles consigam expressar e elaborar livremente
suas angústias ligadas à nova realidade. É através da aceitação do filho com
deficiência que os pais poderão ajudá-lo a conviver com a mesma1.
O tratamento dessas crianças na Reabilitação global envolve um pla-
no terapêutico que se utilize de técnicas habilitacionais e/ou reabilitacionais
com enfoque nos diversos aspectos que compõem um indivíduo. Este plano
deve ser elaborado por uma equipe multidisciplinar visando a (re)inserção
social dos indivíduos com PC na comunidade da forma mais ampla possível e
representada não só pela escolarização, como também pela profissionaliza-
ção. Sabe-se que a fase de inclusão escolar é uma etapa importante do
desenvolvimento da criança deficiente, pois facilita a vivência adequada das
etapas posteriores favorecendo o seu desenvolvimento biopsicosocial1.
Neste contexto, cabe ao psicólogo inicialmente a realização de uma
avaliação que envolva entrevista com os pais, observação lúdica, uso de
escalas de desenvolvimento e testes projetivos, psicométricos e/ou
neuropsicológicos. A atenção aos dados do prontuário médico, a observação
em terapias e a discussão de caso com a equipe multiprofissional também
devem fazer parte dessa avaliação.

Tabela 01: Métodos de Avaliação (adaptado de Rizzo, 2010)4

Observação lúdica - permite ter noção das relações entre afeto e cognição. Por
meio do ludodiagnóstico é possível avaliar as representações dos conflitos básicos
da criança tanto do ponto de vista evolutivo (comportamentos adequados ou não
para a idade), quanto patológico (ansiedade, defesas predominantes, relações
objetais, etc.). O ludodiagnóstico também permite a análise dos aspectos cognitivos
subjacentes ao comportamento da criança e que sejam relevantes para a prática
terapêutica.

Escalas de Desenvolvimento Infantil - possibilitam ter uma noção do estágio de


desenvolvimento global da criança no que se refere à motricidade, adaptação, lin-
guagem e sociabilidade. Permite ainda traçar um plano de orientação junto aos
familiares visando proporcionar um ambiente mais continente às necessidades da
criança, em parceria com as condutas da equipe.

Testes Projetivos – são os testes de personalidade e a escolha dos mesmos irá


depender das limitações inerentes ao quadro clínico da criança (nível cognitivo,
habilidades motora e de fala, etc.). O uso da técnica projetiva abarca a dimensão da
fantasia e da imaginação, não aferida por outras técnicas de investigação psicológi-
ca. Contudo, uma única técnica não pode avaliar a personalidade, as percepções, os
valores e as atitudes das crianças, sendo viável o uso de múltiplas medidas, Os
dados obtidos através da entrevista com os pais, observação lúdica e técnicas
projetivas possibilitam traçar com maior segurança o perfil psicológico do paciente
em questão.

Avaliação Neuropsicológica – esta avaliação não é apenas a aplicação de testes


psicométricos e/ou neuropsicológicos organizados em baterias, mas envolve a in-
terpretação cuidadosa dos resultados somada à análise da situação atual do sujeito
e do contexto onde vive. Diante do resultado quantitativo obtido através dos testes,
faz-se necessária também uma avaliação qualitativa detalhada com a finalidade de
contribuir nas recomendações e condutas do programa de Reabilitação da criança.

465
Atuação da psicologia junto ao paciente com paralisia cerebral Capítulo 28

Dessa forma, o psicólogo poderá não somente orientar a equipe no


lidar com a criança deficiente como também indicar o seu potencial de apren-
dizagem. Estudos indicam que grande parte das crianças com PC apresenta
também comprometimento intelectual em algum grau1.
O crescimento do ser humano não pode ser estudado sem considerar-
mos o seu desenvolvimento. Em contrapartida, não se pode falar em desen-
volvimento humano separando os aspectos cognitivos, afetivos, motores,
sociais e culturais4.
Mas, a criança com PC deverá crescer e se tornar um adolescente que
passará por períodos de significativas mudanças físicas e emocionais. Neste
momento, a deficiência física poderá ser vivenciada de diferentes formas
pelo adolescente conforme sua estrutura de personalidade – alguns a vêem
como um desafio, outros demonstram certa acomodação com sentimentos
de tristeza, angústia e depressão2,6.
Este adolescente também despertará para vivências relacionadas à
sexualidade e sentirá a necessidade de pertencer a um grupo com o qual se
identifique. Daí poderá encontrar no grupo social uma grande descriminação
somada à sua própria percepção de impossibilidade pela limitação motora, já
que possivelmente cresceu e se desenvolveu como alguém estigmatizado.
Cabe lembrar que o indivíduo com PC deverá ser menos limitado pela sua
deficiência do que pela atitude da sociedade em relação à sua condição
incapacitante. Assim, o trabalho do psicólogo é de ser facilitador/mediador
para as descobertas do potencial e da possibilidade concreta de exterioriza-
ção do mesmo2,6.
A pessoa com PC poderá apresentar déficits visuais, de sensibilidade
e cognitivos associados ao déficit motor. Por isso, cada paciente deve ser
orientado dentro de suas capacidades de realização e os seus limites ser
considerados para evitar frustrações desnecessárias6.
Na fase adulta, o indivíduo com PC deverá tornar-se uma pessoa que
busca afirmação enquanto ser autônomo e para isso poderá encontrar diver-
sas dificuldades6.
Contudo, o processo de Reabilitação global visa uma postura mais
ativa do paciente com PC como pessoa motivada na exploração e expressão
de sua própria capacidade seja ela física, intelectual, emocional ou social,
sempre considerando seus níveis de expectativas e tentando adequá-los à
realidade1.

REFERÊNCIAS

1. Gomes C, Santos CA, Silva JUA, Lianza S. Paralisia Cerebral. In: Medicina de
Reabilitação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. p. 281–298.
2. Trugillo RCA. A atuação do psicólogo junto ao indivíduo portador de paralisia
cerebral. Acesso em 01/03/2010. Disponível em: http://www.revist
psicologia.com.br/materias/pontodevista/paralisiacerebral.htm
3. Santos RS. Ser mãe de uma criança especial: do sonho à realidade [tese]. Rio
de Janeiro;1995, p279.
4. Rizzo AMPP. Atuação do psicólogo na paralisia cerebral. Acesso em 20/03/2010.
Disponível em: http://www.profala.com.br/artpc2.htm
5. Souza AMC, Ferrareto I. Paralisia Cerebral: aspectos práticos. São Paulo:
Mennon; 1998.
6. Manzochi LA. O trabalho do psicólogo com o paciente paralítico cerebral adul-
to. In: A atuação do psicólogo na reabilitação do adulto portador de deficiência
física. São Paulo: AACD; 1998.

466
CAPÍTULO 29
INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NA PARALISIA CEREBRAL

Magali Maria da Rocha Minato

Toda proposta pedagógica tem por objetivo propiciar aquisições mo-


toras e cognitivas para formar cidadãos conscientes e independentes. Para o
aluno com Paralisia Cerebral (PC) a proposta é a mesma, porém com adap-
tações específicas.
Em primeiro lugar, para atender crianças com PC, o professor deve
ter disponibilidade em observar e aceitar como comunicação toda e qualquer
alteração corporal e mudanças de expressão. É a partir das respostas que o
adulto dá aos comportamentos da criança que esta perceberá que, fazendo
este ou aquele movimento, desencadeará uma brincadeira, receberá um
objeto, água, etc. O professor deve ser um interlocutor interessado, estar
preparado para tentar interpretar as reações do novo aluno e manifestar
uma postura receptiva.
Todas as manifestações da criança, tais como choro, grito, movimen-
tos corporais, olhar, mímica, comportamentos e sentimentos (alegria, triste-
za, “manha”), nos comunicam algo. Para que estas manifestações se trans-
formem em comunicação, a criança precisa sempre ter uma resposta a estas
mesmas manifestações1.
Em crianças sem déficits motores, os cinco sistemas sensoriais (audi-
tivo, visual, vestibular, proprioceptivo e tátil) dão as bases para o desenvol-
vimento das capacidades funcionais primárias que permitirão o desenvolvi-
mento de habilidades mais complexas.
Porém crianças com dificuldade de sucção, tônus muscular diminuído,
alterações da postura e atraso para firmar a cabeça, sorrir e rolar, com baixa
audição, malformações do pavilhão auricular, face ou palato, baixo peso ao
nascer (abaixo de 1500g), com diminuição da resposta aos estímulos visuais
ou alterações oculares não gozam das mesmas qualidades de funções. Elas
precisarão de auxílio para satisfazer necessidades e fazer relações.
O diagnóstico precoce possibilita a intervenção imediata, amenizando
as dificuldades do processo de aprendizagem. A criança com PC deve ser
acompanhada desde os primeiros meses por uma equipe especializada.

467
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

Não é possível fazer prognósticos em função de casos anteriores bem


sucedidos. Somente depois de uma observação e avaliação objetivas e com-
pletas pode-se, eventualmente, usar a mesma estratégia em históricos simi-
lares.
Para obter respostas em uma AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA é necessário:

• Através da anamnese, colher a história clínica e neurológica do


aluno.
• Na anamnese, fazer perguntas básicas aos responsáveis, por exem-
plo, como pede água, como mostra interesse por algo, se entende
frases simples etc.
• Compreender que os pais chegam à avaliação pedagógica vindos
de muitos exames, muitos médicos, geralmente ansiosos e com
várias expectativas. Os pais querem saber se, apesar das limita-
ções motoras, o seu filho vai aprender. Deixe-os falar, procurando
privilegiar na conversa as habilidades da criança.
• Para definir o eventual atraso, escolher materiais adequados à ida-
de cronológica do aluno.
• Ter o ambiente preparado para receber a criança. Um lugar ade-
quado para a criança sentar é fundamental e, mesmo que ela fique
no colo de um examinador ou da mãe, deve estar bem posicionada.
Os materiais escolhidos devem estar acessíveis, porém é bom evi-
tar excesso de estímulos.
• Permitir que o aluno, inicialmente, escolha o que fazer (mostrar
duas ou três alternativas) e a criança que não fala olhará, ou esti-
cará os braços, ou dará alguma dica corporal. A criança que tem
uma baixa visão tocará e escutará os barulhos produzidos pela
manipulação dos objetos.
• Mostrar-se desarmado e deixar o aluno à vontade. Não ter pressa
e não descartar os objetos jogados pela criança, dado que muitas
vezes os joga somente porque é a única brincadeira que é capaz de
fazer com independência.
• Observar como o aluno reage aos materiais oferecidos, para per-
ceber se estão além ou aquém de suas possibilidades.
IMPORTANTE: O pedagogo deve ter à mão alternativas para even-
tuais surpresas porque a criança pode não se interessar por nada
do que foi selecionado. Não demonstrar desespero e nem fazer
diagnósticos prematuros, porque isto pode simplesmente significar
medo do novo, ou imaturidade, ou escolhas inadequadas dos ma-
teriais. Controlar as expectativas (nem superestimar e nem subes-
timar) é fundamental.
• Não antecipar movimentos e deixar o aluno usar o material esco-
lhido mesmo que com ajuda motora.
IMPORTANTÍSSIMO: se o comprometimento motor do aluno é grande
e a ajuda motora é necessária, primeiro se observam as indicações
que o aluno dá através de sons, olhar, sorriso, franzir de testa,
movimento das mãos e pés, e só depois se ajuda a alcançar os
objetos desejados. Não se deve antecipar a brincadeira e as
respostas, só ajudar a explorar e verificar os efeitos causados.
Isso já dá informações sobre os interesses da criança, sua com-
preensão de regras e a sua maturidade. Por exemplo: brincar de

468
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

fazer compras no supermercado (com embalagens de produtos


básicos alimentares ou de higiene) é um momento em que se veri-
fica se a criança reconhece os diferentes produtos, se tem noções
de função, de ordem, de classificação. Este jogo pode ainda gerar
uma brincadeira de casinha onde se prepara a comida ou se dá
banho no bebê. Assim se pode verificar também se a criança com-
preende a seqüência de fatos (antes/agora/depois).
• Respeitar o tempo do indivíduo (seu ritmo e o tempo de atenção).
Contudo, como algumas crianças se dispersam rapidamente, ne-
cessitarão de incentivo para concluir; diferentemente, outras que
se fixam e perseveram em uma mesma ação, precisarão de auxílio
para passar ao momento sucessivo para entender a brincadeira
por completo.
• Compreender que a criança com PC, em geral, mostra pouco de si
nos primeiros encontros. Ter receio de avaliações é uma coisa co-
mum, mas não saber exatamente o porquê das situações é apavo-
rante. Alguém com comprometimentos já passou por vários exa-
mes antes de chegar à avaliação pedagógica e frequentemente no
meio dos especialistas mexe-se com o indivíduo e fala-se dele como
se não estivesse presente, como se não sentisse e não compreen-
desse nada. É, portanto mais do que natural que ele se retraia e se
refugie em movimentos repetitivos que lhes dão segurança.
• Ter paciência com as dificuldades. Às limitações decorrentes da
paralisia podem se somar às da falta de intervenção precoce. Uma
criança inteligente que não se arrastou, não brincou na grama, não
caiu, não tomou uma bolada não desenvolve uma série de percep-
ções do mundo, nem noções de consequencialidade. Assim sendo,
não deve surpreender que ela, exposta a situações absolutamente
corriqueiras, reaja mal. Um exemplo: pode-se oferecer a uma crian-
ça a clássica brincadeira no tanque de areia com brinquedos es-
condidos e ela cair no choro. Evidentemente, um material que nor-
malmente atrai as crianças, é para ela algo desconhecido e
incômodo.
• Ter senso crítico e varibilidade para mudar tudo e reiniciar se ne-
cessário.

Ursula Heymeyer e Loraine Ganem descrevem com maestria em a


“Observação de Desempenho”2 como avaliar crianças com múltiplas defi-
ciências de 2 a 6 anos. Elas fazem propostas práticas e possíveis de serem
executadas. Sustentam que é importante passar para a criança a alegria de
tentar descobrir, que errar não deve ser uma coisa negativa e, sim um passo
no esforço de conseguir. Ressaltam a importância de conhecer bem o mate-
rial escolhido para a avaliação e ter formuladas perguntas que realmente
permitam à criança pensar sem se sentir cobrada.
Avaliações podem ser efetuadas em grupo, nas primeiras semanas de
aula, no chamado período de adaptação; ou individualmente em 2 ou 3 en-
contros de 45/50 minutos cada. Ambas verificam as habilidades cognitivas e
sociais.
Depois das avaliações, a figura 1 exemplifica a avaliação proposta por
Vitor da Fonseca, um professor especializado deve propor um programa ade-
quado ao aluno.

469
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

A Ficha de Observação abaixo é baseada nas organizadas por Vítor da Fonseca6 para
identificar dificuldades de aprendizagem em alunos na fase de alfabetização. Foram
incluídos e subtraídos itens para adequar a um aluno PC.

FICHA DE OBSERVAÇÃO PEDAGÓGICA


Nome
Data de Nascimento / /
Fase de aprendizagem
Data de observação / /
Observações pedagógicas complementares
idade: Anos Meses
Informações relevantes:

Escala de pontuação:
1 - Dificuldades 2 - Evolução adequada 3 - Boa evolução
(áreas fracas) (áreas hesitantes) (áreas fortes)
(–) (+–) (+)

ÁREAS DE COMPORTAMENTO

1) Compreensão Auditiva escala

1.1 - Compreensão do significado das palavras ..................................... 1 2 3


1.2 - Segue instruções ....................................................................... 1 2 3
1.3 - Compreensão das conversas ....................................................... 1 2 3
1.4 - Memória auditiva ....................................................................... 1 2 3

2) Pré-aptidões da Leitura
2.1 - Discriminação visual de figuras .................................................... 1 2 3
2.2 - Discriminação visual de letras ..................................................... 1 2 3
2.3 - Nome de letras (vogais e consoantes) .......................................... 1 2 3
2.4 - Sons de letras ........................................................................... 1 2 3
2.5 - Silabação .................................................................................. 1 2 3
2.6 - Consegue identificar as letras de seu nome ................................... 1 2 3
2.7 - Consegue identificar os números de 0 a 9 ..................................... 1 2 3
2.8 - Discriminação visual de palavras .................................................. 1 2 3
2.9 - Memória Visual .......................................................................... 1 2 3
2.10 - Vocabulário ............................................................................... 1 2 3

3) Aptidões da Leitura
3.1 - Postura corporal ........................................................................ 1 2 3
3.2 - Atenção e segurança .................................................................. 1 2 3
3.3 - Compreensão e Interpretação ..................................................... 1 2 3
3.4 - Desenvolvimento de conclusões .................................................... 1 2 3
3.5 - Velocidade da leitura ................................................................... 1 2 3

4) Linguagem Falada
4.1 - Vocabulário (verifica-se qual o vocabulário ativo.
Leva-se em consideração como o indivíduo se comunica: através da fala ou
prancha de comunicação ou sinais) ........................................................ 1 2 3
4.2 - Formulação de idéias ( considera-se como expressa idéias) ............. 1 2 3

5) Orientação Espacial
5.1 - Orientação espacial (reconhece: em cima/embaixo; à frente/atrás; ao
lado de e entre) ......................................................................... 1 2 3
5.2 - Julgamento de noções; pequeno/grande; perto/longe; pesado/leve;
à frente/atrás; etc ....................................................................... 1 2 3

470
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

6) Coordenação de Movimentos

6.1 - Noção de corpo (reconhece as partes fundamentais: cabeça,


tronco, braços, mãos, pernas, pés) ................................................ 1 23
6.2 - Lateralidade (relação esquerda/ direita) ......................................... 1 23
6.3 - Manipulação de objetos ................................................................ 1 23
6.4 - Grafismo (analisar se existe a intenção de expressar-se através do
grafismo ou a tentativa de expressão) ........................................... 1 23
6.5 - Receber e passar (p. ex., receber e passar ou atirar uma bola ou um
objeto) ....................................................................................... 1 23

7) Criatividade
7.1 - Curiosidade ................................................................................ 1 2 3
7.2 - Exploração .................................................................................. 1 2 3
7.3 - Espontaneidade ........................................................................... 1 2 3

8) Comportamento Social
8.1 - Cooperação ................................................................................ 1 2 3
8.2 - Atenção ...................................................................................... 1 2 3
8.3 - Independência ............................................................................ 1 2 3
8.4 - Organização ................................................................................ 1 2 3
8.5 - Adaptação a novas experiências .................................................... 1 2 3
8.6 - Relação com o adulto ................................................................... 1 2 3
8.7 - Noção de responsabilidade ........................................................... 1 2 3
8.8 - Finalização de tarefas .................................................................. 1 2 3
8.9 - Agressividade ............................................................................. 1 2 3
8.10 - Impulsividade ............................................................................. 1 2 3
8.11 - Inibição ...................................................................................... 1 2 3

CONSIDERAÇÕES GERAIS

A Lei De Diretrizes e Bases da Educação Nacional preconiza que “os


sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recur-
sos e organização específicos para atender às suas necessidades”3.
Embora não se possa excluir que esse artigo esteja sendo aplicado, a
oportunidade de verificar seu resultado concreto é ainda, no mínimo, rara.
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,
determinam que: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos,
cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com
necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias
para uma educação de qualidade para todos”4.
No mundo real, aos indivíduos com déficit motor e com outros com-
prometimentos, nem sempre a educação de qualidade é garantida. A grande
parte das escolas regulares ainda não está adaptada e o professor se depara
com dificuldades enormes, pois deve “aceitar” e “ajeitar” esse aluno em
meio a pelo menos outros 20 sem déficits. Aqui fica o dilema: Quem tem
menos razão? A escola que resiste alegando não ter condições adequadas
para atender os indivíduos com múltiplas deficiências ou a escola que sim-
plesmente os aceita e os coloca em situação de privação?
Não é negando as diferenças que as combatemos, mas modificando a
imagem da norma. Quando Einstein, à pergunta do passaporte, responde
“raça humana”, não ignora as diferenças, omite-as num horizonte mais am-

471
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

plo, que as inclui e supera. Essa é a paisagem que se deve abrir: tanto para
quem faz da diferença uma discriminação, quanto para quem, para evitar
uma discriminação, nega a diferença5.
O processo de inclusão de alunos com PC no ensino regular, embora
amparado por lei, é ainda muito frágil. Por apresentarem vários comprome-
timentos associados, eles acabam encontrando grandes obstáculos ao serem
apenas inseridos nas classes regulares. Colocar indivíduos com déficit motor
na sala comum não representa homogeneização e esperar que as vantagens
sociais dadas pela proximidade com colegas sem déficit compensem de algu-
ma forma seu handicap pode ser classificado como ingenuidade ou má fé.
Existe, como já dito, a necessidade da escolha de sistemas alternativos
de comunicação e adaptação de materiais pedagógicos desenvolvidos para
atender as características específicas desses educandos e principalmente à de
ter na coordenação professores que compreendam o que é Paralisia Cerebral.
Como diz Vítor da Fonseca: “É óbvio que é necessário conhecer a
estrutura e o funcionamento do cérebro para melhor compreendermos as
suas relações dinâmicas e complexas na aprendizagem”6. É sabido que o
professor sem especialização não tem esse conhecimento. E ele acrescenta:
“A aprendizagem é um produto da experiência que se concretiza numa mu-
dança adquirida de comportamentos, onde estão em jogo condições internas
e externas, inerentes ao indivíduo e ao seu desenvolvimento”.
A condição para que esses alunos possam ser incluídos verdadeira-
mente, ou seja, tendo suas singularidades e diferenças respeitadas, é ofere-
cer-lhes acesso real, o que não se resume em criar rampas, mas em dar
possibilidades de êxito educacional. Para os portadores de PC também, estar
na escola tem por finalidade a apropriação de conhecimento e não somente
inserção social.
Muitas vezes para conseguir o melhor resultado é necessário adotar
medidas desiguais, ou seja, para que um aluno com múltiplas deficiências
aprenda, se interesse, se envolva com o conteúdo, é necessário criar formas
originais de apresentá-lo.

O QUE FAZER

É preciso pensar sempre que a pessoa com dificuldades motoras ne-


cessita que seu corpo tenha experiências, dentro do possível, comuns, mes-
mo que com auxílio motor externo.
Dar oportunidade às vivências, propor possibilidades de acesso, sig-
nifica criar a capacidade do poder fazer. Winnicott (1975)7 diz que brincar
facilita o crescimento e, portanto, a saúde, além de conduzir aos relaciona-
mentos grupais: “Brincar é fazer”.
A partir de uma perspectiva piagetiana, se pressupõe que para apren-
der a contar, a criança se apóia em referenciais concretos, como as noções
espaciais e corporais. O espaço é construído a partir de assimetrias corporais
(direita/esquerda, frente/atrás, acima/abaixo) e os dedos são referenciais
concretos para a contagem, etc.
Todas as brincadeiras motoras de pega-pega, cirandas, esconde-es-
conde, jogos com bola, enfim, tudo que um indivíduo independente faria, um
professor de alunos com dificuldades motoras deve propiciar com as devidas
adaptações.

472
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

Não existe um catálogo explicando e nem um manual do que cons-


truir para o seu aluno, pois cada um é diferente do outro e necessita de uma
adaptação específica.
Uma vez que “cada criança é uma criança” e tem esquemas de apren-
dizagem individuais únicos, a capacidade de resposta do seu cérebro e a
capacidade de adaptação é exclusiva. Piaget (1978)8 chama isso de “estilo
cognitivo de aprendizagem”.
Já foi dito que para ajudar um aluno é imprescindível observá-lo.
Como ele manifesta respostas aos estímulos? O que retém sua atenção? É
necessário verificar o que desperta sua curiosidade e só então pensar em um
plano de ação. Oferecer diversos brinquedos e materiais pode definir o ponto
de partida.
É essencial não esquecer que é necessário ter orientações do fisiote-
rapeuta e/ou do ortopedista para que não se cometam graves erros de pos-
tura e nem o uso de adaptações prejudiciais. Obviamente os Terapeutas
Ocupacionais são ótimos aliados.
Vale ressaltar que o programa de trabalho pedagógico com portado-
res de PC (com vários comprometimentos associados) deve ser montado
com apoio da equipe multidisciplinar: fonoaudiólogo, fisioterapeuta, tera-
peuta ocupacional e psicólogo.
Aquisições cognitivas ocorrem no ambiente físico e no convívio social.
O contato direto com chão, terra, grama, água, grãos, espuma, objetos,
sons e odores é essencial para qualquer indivíduo adquirir conceitos. Para
uma criança inserir-se no mundo e fazer descobertas, deve brincar. Só atra-
vés de brincadeiras físicas, ou seja, através do uso dos sentidos, a informa-
ção é recebida, interpretada, e conservada no cérebro.
Vale ressaltar: como a vida deve ser experimentada por inteiro, não po-
dem ser esquecidas as experiências com os estímulos desagradáveis. Os táteis:
ásperos, grudentos, duros; os olfativos: fortes, enjoados, ácidos; os auditivos:
excessivamente graves e agudos; os gustativos: azedos, amargos e salgados.
Atenção para não confundir EXPERIMENTAR, ou seja, tocar por curio-
sidade, abrir frascos com cheiros variados, brinquedos com sons, com “SES-
SÕES DE TORTURAS”, como acontecia antigamente, onde o indivíduo era
mergulhado ou forçado a mexer em materiais que lhe causavam incômodo,
ou exposto a ruídos ensurdecedores ou assustadores, ou ainda forçado a
ficar em ambientes com odores ruins. Com medo pode-se conseguir
automatizações, não aprendizagem.
Conhecer o seu meio ambiente (pessoas, objetos e ações) e conse-
guir agir sobre ele é o que dá coragem para experimentar novas vivências e
enfrentar novos problemas. A capacidade de agir e obter sucesso gera curio-
sidade na direção da descoberta de novos problemas e novas experiências.
A curiosidade, por sua vez, provoca perguntas. As perguntas “como é?” e
“por quê?” levam a criança a descobrir e compreender como são feitas as
coisas e porque ela conseguiu fazer aquilo. Isto vai ajudá-la a tornar-se
consciente daquilo que ela está conseguindo fazer2.
Avaliações constantes devem ser feitas para verificar a aquisição do
conteúdo, se este foi realmente incorporado ao vocabulário e se os conceitos
estão sendo usados na execução de tarefas e no cotidiano.
O professor deve ter sempre em mente as fases normais de desen-
volvimento infantil para propor o exercício adequado ao estágio em que o
aluno se encontra com vistas a alcançar os níveis sucessivos.

473
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

• Uma criança de oito meses sem comprometimento motor já coloca a


colher e/ou vários objetos na boca com a intenção de colocá-los
justamente na boca. Enquanto crianças de cinco anos com desen-
volvimento normal usam garfo e faca corretamente, vários portado-
res de PC necessitam de colher adaptada, de prato com suporte e,
com muito treino, com seis/sete anos comerão com independência.
• Uma criança de 1 ano sem comprometimento motor segura um
lápis e risca uma superfície sem intenção de desenhar. Uma criança
de 2 anos risca um papel deixando que a mão faça o movimento
aleatório, mas demonstra intenção de rabiscar. Uma criança de 3
anos risca com intenção dando descrições de suas garatujas.
Grande parte das crianças com PC (de 1, 2 ou 3 anos, as vezes
mais) precisará de auxílio para segurar o lápis e fazer os mesmos
atos, porém não terá as mesmas experiências, pois com alguém
dando apoio o rabisco não pode ser livre: a sensação de apropria-
ção do espaço é alterada.
O ideal seria uma adaptação (peçam aos Terapeutas Ocupacionais)
que fosse fixada à mão e, talvez (se houver muita movimentação
aleatória) um peso no punho para baixar reflexos e se, ainda não
for suficiente, dar apoio no cotovelo. Assim a criança pode ter a
sensação do movimento independente, pode mostrar sua intenção
e sentir-se competente com seu produto.
• Arrastar-se antes de engatinhar e depois caminhar é uma regra do
desenvolvimento motor normal. Muitos indivíduos com PC não ad-
quirem marcha, mas alguns, graças a muita fisioterapia, com apoio
e andador, conseguem. Isso porém, quase nunca ocorre no tempo
dito normal e quando acontece, é fruto de muito esforço. O profes-
sor deve estar disposto a auxiliar e incentivar a marcha (não é
tarefa só do fisioterapeuta), pois independência motora significa
mais possibilidades de exploração do mundo e mais aprendizado
global.
• Controle de esfíncteres: em geral com 2 anos uma criança já pede
para ir ao banheiro ou avisa que fez xixi/cocô. Pela minha expe-
riência, uma criança com PC com controle motor de tronco e com
compreensão de regras consegue adquirir essa capacidade só por
volta dos cinco/seis anos, dado que todas as alterações de tônus e
reflexos influenciam na capacidade de reagir e controlar as funções
fisiológicas e as sensações corporais. É bom lembrar que crianças
pequenas se dão conta da vontade quando estão quase evacuan-
do. Uma criança com PC, pela restrição motora, não pode sair cor-
rendo em direção ao banheiro e assim, quando percebe, muitas
vezes não dá tempo nem de avisar. Como é muito comum indiví-
duos com PC terem perturbações das percepções, eles precisam
de auxílio também para interpretar os sinais que o corpo envia,
como sede, cansaço, vontade de evacuar.
Tirar a fralda é um dos grandes desafios para muitas famílias e o
professor precisa orientá-las a estruturarem horários para que esse
controle seja estabelecido o mais cedo possível.
• Antes mesmo de uma criança normal conseguir falar, ela já é capaz
de entender muito da fala dos adultos, compreende parte da se-
quência do cotidiano, e já se interessa por contos de fadas. Isto faz

474
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

com que, aos poucos, adquira um repertório de imagens, nomes e


roteiros de ações que utilizará futuramente. A compreensão da
linguagem tem início tendo o adulto como modelo. Assim, come-
çando com a imitação, a criança conquista as condições fisiológicas
de falar e passa a usar a linguagem como forma de comunicação.
Diversamente, para que haja a troca comunicativa com uma crian-
ça sem o desenvolvimento da fala é necessário criar alternativas
que permitam a manifestação de seus desejos e necessidades. Ini-
cia-se com recursos visuais: fotos de pessoas próximas e de obje-
tos de uso diário, rótulos de produtos conhecidos (alimentares e de
higiene), fotos e/ou logotipos de lugares freqüentados, etc. Atra-
vés destas atividades, pode-se conversar com a criança, dado que
ela terá opções de escolha. Monta-se um quadro de rotinas diárias
com fotos e/ou símbolos e, assim, ela iniciará a compreensão da
seqüência temporal e se sentirá mais preparada para os aconteci-
mentos sucessivos. Essas ações auxiliam muito a tranqüilizar e or-
ganizar o comportamento dos pequenos com PC, pois, como ainda
não têm clara a diferença entre o real e o imaginário, tendem a se
perder entre um acontecimento e outro.

Como não emitem as perguntas típicas:


- O que houve? - Por quê? - Aonde vou?- O que foi isso? -, precisam
de mais dicas, além das verbais, sobre o que irá acontecer, e é assim que as
situações poderão tornar-se concretas. Ter um quadro de rotina e um cader-
no de registros do cotidiano auxilia a dar segurança também aos maiores,
além de servir como instrumento de conversação e apoio à memória. Alguns
portadores de PC adquirem fala, as vezes baixa, lenta, sem alguns fonemas,
vários tem uma fala “espremida”. A aprendizagem dos sons, fonemas e pa-
lavras é conquistada mais tardiamente pela maioria dos indivíduos com PC.
Computadores e vocalizadores são tecnologias muito úteis para incrementar
a comunicação e podem ser usados pelas crianças com acionadores adapta-
dos. O resultado é a satisfação imediata em transmitir uma mensagem.

• Crianças amam ouvir histórias, folhear livros e revistas. Uma sele-


ção prévia, de acordo com idades e interesses, deve estar disponí-
vel na sala ao alcance dos educandos. Ler para os alunos e sugerir
leituras em casa devem ser atividades de rotina. Mesmo que a
criança não fale, o professor deve permitir que ela escolha uma
obra, apontando ou de outra forma pela qual se comunique, e orien-
tar a família a ajudá-la na leitura, virando as páginas e lendo para
ela mais de uma vez se necessário.
• Uma criança de 4 anos monta um quebra-cabeça simples com 8/10
peças de aproximadamente 5 cm. Uma criança com PC atetóide da
mesma idade não executa esta ação sem auxílio, no mínimo por
não ter a precisão de movimentos. Nesta atividade a dificuldade é
compreender que as partes formam um todo e, mesmo que ela
entenda a proposta e tente aproximar as peças, se não houver um
suporte que contenha as partes e ajuda, a atividade será extrema-
mente frustrante.
• No desenvolvimento normal, a criança que brinca tem naturalmen-
te oportunidade de perceber distâncias, noções de velocidade, du-

475
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

ração, tempo, força, altura e fazer estimativas envolvendo todas


essas grandezas. Para que uma criança com PC também as com-
preenda, a opção é tornar as bricadeiras ad hoc. O uso de jogos
com regras para a construção de conceitos, principalmente mate-
máticos, é um meio para este aluno adquirir estas capacidades.
- Brincar de encestar a bola em um recipiente a uma determinada
distância, com três chances para acertar e depois passar a vez é
um jogo simples, com regra clara que exige atenção viso-motora,
concentração e paciência.
- Brincar de pega-pega é extremamente excitante para crianças de
todas as idades. No nosso caso, corre-se empurrando as cadeiras
das maiores, e com as crianças pequenas nos braços. Obviamente
para esta atividade é necessário um adulto para cada criança com
PC, mas mesmo assim a brincadeira ajuda na organização do es-
quema corporal, além de dar estímulo cinestésico.
• Uma das metas mais almejadas quando se coloca uma criança na
escola é naturalmente que esta aprenda a ler e escrever. Qualquer
pessoa precisa de estímulos para que se desperte nela o interesse
pela leitura.
Crianças sem déficit, ao iniciar a alfabetização, já dominam a lin-
guagem oral, sendo capazes de começar o aprendizado da escrita.
Bem estimulados, alunos com PC são tão interessados pelo univer-
so da leitura e escrita quanto quaisquer outros, porém é evidente
que para eles a aquisição dessas habilidades não depende somente
do interesse. Vários são os fatores para um portador de PC ter
déficits cognitivos: fatores neurológicos (neuroanatômicos e
neurofisiológicos), prematuridade e baixo peso ao nascimento, in-
fluências genéticas e ambientais. É imperativo ressaltar que não se
devem separar problemas neurológicos dos ambientais, visto que
instrução inadequada, distúrbios emocionais e pobreza de estímu-
los podem causar no desenvolvimento neurológico e cognitivo fa-
lhas geradoras de dificuldades severas de leitura. Crianças com PC
podem apresentar, ainda, alterações auditivas, visuais e dificulda-
des com a orientação espacial. Esses déficits podem desorganizar
o desenvolvimento de representações fonológicas e ortográficas
que são essenciais para o aprendizado da leitura e da escrita.
Ao escolher métodos de alfabetização, o profissional deve preferir
os globais que partem de dados maiores, oportunamente de ter-
mos que tenham significado afetivo para as crianças, que serão
decompostos posteriormente em partes menores.
• Segundo Piaget (1997)9, crianças com desenvolvimento normal de
6 a 11 anos já adquiriram um pensamento reversível, pois admi-
tem a possibilidade de uma inversão e coordenação com outras
ações, também interiorizadas. Elas necessitam de material concre-
to, para realizar essas operações, mas já estão aptas a considerar
o ponto de vista do outro, por que estão saindo do egocentrismo.
Uma criança com PC com sérias restrições motoras e/ou de fala,
freqüentemente tem mero papel de espectadora e só poderá
vivenciar essa fase e ultrapassá-la se tiver auxílio de alguém que
conheça o desenvolvimento infantil e proponha problemas conflituais
a serem solucionados.

476
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

Estes podem ser inseridos na rotina diária.


É aconselhável propor situações verdadeiras para o aluno e, ofere-
cer opções para ele escolher como estas abaixo:
- Todas as terças-feiras vamos à feira comprar o lanche, porém
nesta terça alguém não pode ir, pois está gripado e está chovendo.
E aí? Os amigos vão sem ele? Ofereço-me para ficar com o doente?
Posso propor uma alternativa?
- Um amigo pediu meu brinquedo favorito. Devo emprestar ou não?
Posso oferecer outro brinquedo? Posso brincar junto?
- Meu melhor amigo fez uma construção com blocos que ficou
fantástica, mas acabou o horário do recreio e ele não quer desmontá-
la e não deixa ninguém mexer. Acontece que se ele não guardar as
peças perderá a chance de brincar no próximo recreio. Eu posso
ficar sem meu amigo no próximo recreio? Posso desmontar e guar-
dar mesmo contra sua vontade? Posso perder o recreio junto com
ele?
- Um aluno ganhou uma bola e iniciamos um jogo muito animado.
Alguém deu um chute forte e a bola foi parar em cima do telhado.
O dono da bola fica triste e chora. E agora? O telhado é alto e não
podemos subir. Devemos chamar alguém para pegar a bola? Ten-
tamos distrair o dono da bola? Mudamos de brincadeira?
- Todos os dias um colega traz o mesmo lanche. Posso trocar o meu
com o dele só para variar? Posso propor um pique-nique onde divi-
damos os lanches e, assim todos comem um pouco de cada coisa?
- No jogo de memória, meu colega sempre perde e, por isso, não
quer mais jogar. O que posso fazer? Deixo ele ganhar? Podemos
diminuir o número de peças? Jogamos em duplas? Jogamos sem
ele?
• “Crianças de 6 a 12 anos têm na escolarização um reforço para o
estágio em que se encontram. As crianças enfrentam a necessida-
de de conseguir aprovação através da produtividade – através da
aprendizagem da leitura, escrita, cálculos aritméticos e outras ca-
pacidades específicas. O perigo óbvio é que por alguma razão a
criança possa ser incapaz de desenvolver as capacidades espera-
das e desenvolva um sentimento de inferioridade”10. O professor
de uma criança incapaz de produzir tudo aquilo que é esperado
dela deve encontrar formas alternativas para que haja produção,
mesmo que com auxílio motor. Investigar e localizar o déficit para
ajustar as condições de aprendizagem, ou seja, adaptar as tarefas
educacionais às condições do aluno é essencial para um possível
desenvolvimento.
Novamente, as adaptações são necessárias para suprir a inabilida-
de: lápis mais grossos, letra ampliada com espaço maior entre as
frases e/ou palavras, plano inclinado, menos detalhes na página,
contraste figura/fundo, fita crepe para segurar as folhas, velcro
para colar o material de contagem em um painel, etc.

A teoria das múltiplas inteligências de Howard Gardner11 vem auxiliar


muito na atuação educacional. Ela prega a INDIVIDUALIZAÇÃO entendida
como máximo conhecimento do seu aluno, de suas necessidades e capacida-
des, a descoberta da maneira como ele aprende e no que ele é “bom”, e a

477
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

PLURALIDADE, que vem a ser a inserção do aluno na multiplicidade e varie-


dade das disciplinas e estímulos.
Alguns alunos, pelas múltiplas deficiências, permanecem longos pe-
ríodos em uma mesma fase, mas isto não quer dizer que não irão evoluir
mais. Talvez eles não aprendam a ler, escrever e contar, pois essas habilida-
des exigem inúmeras conexões neuronais que não ocorreram devido à lesão.
Estes indivíduos não terão as tão desejadas aquisições formais, porém isto
não significa que não haverá outro tipo de desenvolvimento. Para estes alu-
nos devemos propor atividades de vida diária (AVD) e oficinas para a maior
autonomia física.

ATENDIMENTO E DEVOLUTIVA AOS PAIS

Regularmente os especialistas dizem aos pais:


“Não temos bola de cristal para prever o futuro de seu filho, mas
vocês têm de viver um dia após o outro, não têm que pensar obsessivamen-
te no futuro. Será uma experiência duríssima, não a amaldiçoem. Sairão
dela melhorados”5.
Somos tão calmos quando enfrentamos os riscos alheios!
Ninguém que acabou de receber um diagnóstico doloroso consegue parar de
pensar como será o futuro de seu filho comparado com o de crianças sem
déficits.
O papel do especialista é, também, confortar e compreender que si-
tuações dessa natureza causam muitas dúvidas, medos e insatisfações.
O profissional deve fazer com que os pais compreendam que apesar
de seu filho não ter as respostas corporais imediatas e desejadas, não é
inerte. Essa criança pertencerá a dois mundos: um é o mundo “normal” onde
os progressos mínimos são apenas progressos mínimos e outro é o mundo
dos “sobreviventes”, onde a regra é correr atrás para adquirir o que a vida
não deu inatamente, onde todo progresso é um grande passo para novas e
maiores aquisições.
Em síntese, o pedagogo deve tentar transmitir aos pais:
1) progresso mínimo em termos absolutos não significa que não pos-
sa ser grande em termos relativos.
2) a necessidade de aceitar para seus filhos uma escala de valores
diferente da utilizada para crianças sem déficit.
Não se oferecem “milagres”, nem “fórmulas mágicas”. Ao contrário,
enfatiza-se que só com trabalho de terapeutas otimistas, porém realistas e
envolvimento de pais dispostos a “pegar no pesado” ocorrerão aquisições de
habilidades.
Não basta apenas descrever aos pais as possíveis técnicas e metodo-
logias, mas conseguir deles o compromisso de participar das dinâmicas pe-
dagógicas e seguir as orientações.
É comum que os pais se entediem com a repetição exaustiva de cer-
tos jogos e brincadeiras que as crianças gostam, mas Winnicott (1975)7 res-
salta que embora o jogo seja frequentemente visto como recreação irrelevante
pelos adultos, para as crianças é um veículo de uso múltiplo para a aprendi-
zagem e adaptação ao mundo real.
O professor deve jogar com a criança e os familiares e assim explicar
na prática, como fazer aquisições se divertindo. De fato a repetição dá segu-

478
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

rança, o que gera novas descobertas que levarão a fases sucessivas de de-
senvolvimento.
Gardner in Ferrari (2008)11 sustenta que as inteligências não são ob-
jetos que possam ser quantificados, e sim, potenciais que poderão ser ou
não ativados, dependendo dos valores de uma cultura específica, das opor-
tunidades disponíveis nessa cultura e das decisões pessoais tomadas por
indivíduos e/ou suas famílias, seus professores e outros.
A anamnse12 abaixo é uma coletânea de perguntas relevantes para
um bom atendimento. Porém, cabe ressaltar que cada profissional deve montar
sua própria ficha de identificação de acordo com seus alunos.

FICHA INFORMATIVA
DADOS PESSOAIS
Nome:
Data de Nascimento: / /
Endereço:
CEP: Telefone:

HISTÓRICO ESCOLAR

Ano de início da escolarização:


Nome da escola:

Período em que frequentou:


Escolas que frequentou e os respectivos períodos:

Escola atual:
Dificuldades informadas pela escola:

ORGANIZAÇÃO FAMILIAR

FILIAÇÃO:
Pai:
Data de Nascimento: / /
Profissão:
Telefone: Celular:_________________________
E-mail:
Mãe:
Data de Nascimento: / /
Profissão:
Telefone: Celular:
E-mail:

Irmãos:
Número: Posição da criança:
Nº de sexo masculino: Nº de sexo feminino:
Pessoas com quem a criança reside:
Observações sobre a estrutura familiar:
Responsável:

479
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

HISTÓRICO MÉDICO
PRÉ-NATAL
Idade da mãe quando engravidou:
Nº de gestações:
Gravidez planejada:
Doenças na gravidez:
Deficiências na gravidez:
Consanguinidade:
Medicação de risco durante a gestação:
Vícios:
Ocorrências durante a gestação:

CONDIÇÕES DE NASCIMENTO

PARTO:
Normal ( ) Cesariana ( ) Prematuro ( ) Fórceps ( )
( )
Choro espontâneo:
Anoxia:
Apgar:
Convulsões:
Infecções:
Diagnóstico:

DESENVOLVIMENTO

SAÚDE
Doenças infantis:
Problemas de saúde:
Tratamento e medicação:
Acidentes, quedas, traumatismos:

VISÃO
Usa óculos:
Diagnóstico:

AUDIÇÃO
Usa aparelho auditivo:
Diagnóstico:
Observações:

MOTOR
- Tem controle de cabeça:
- Idade com que firmou a cabeça:
- Tem controle de tronco:
- Idade com que sentou:
- Arrasta-se:
- Idade que iniciou o movimento de arrastar-se:
- Engatinha:
- Idade que iniciou a engatinhar:

480
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

- Anda com apoio:


- Anda com andador e apoio:
- Anda com andador independentemente:
- Anda com independência:
- idade que iniciou a andar:
- Como se comunica:
- Tem vocalizações:
- Fala:
- Idade que iniciou a falar:
- Controle de esfíncteres:
- Idade que iniciou a controlar os esfíncteres:

ASPECTOS SÓCIO-COMPORTAMENTAIS

- Apresenta dificuldade em separar-se da mãe:


- Prefere brincar sozinho (auto-estimulação):
- Apresenta manias:
- Geralmente não brinca:
- Estabelece contato visual:
- Olha sempre para baixo, ou desvia o olhar:
- Compreende 1 ordem simples ( ) 2 ordens ( )
- Acompanha com interesse o que ocorre ao seu redor:
- Aceita passivamente qualquer proposta:
- Prefere atividades livres ( ) dirigidas ( )
- Brinca e se diverte com jogos adequados à sua idade:
- Respeita e acata regras:
- Tem dificuldade em aceitar o NÃO:
- Gosta de chamar a atenção sobre si mesmo:

- Demonstra capacidade de escolha:

ATIVIDADES DA VIDA PRÁTICA

Como comunica necessidades (sede, fome, calor, frio, incômodo, dor):


______________________________________________________________________________________________________________________________
Usa fralda: tempo integral ( )
somente quando sai ( )
somente para dormir ( )
Tem controle de esfíncteres:
Alimentação: aceita todo tipo de alimento ( )
come somente pastoso ( )
Escolhe o que quer comer:
Demonstra intenção de segurar os talheres:
Alimenta-se com talheres adaptados:
Alimenta-se com independência:
Hábitos de higiene: aceita passivamente as atividades ( )
participa ativamente do banho ( )
Abre a boca para escovar os dentes ( )

481
Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

Tem autonomia na higiene, mas precisa de supervisão:

Executa com independência as atividades de higiene:


Vestuário: aceita passivamente ser trocado ( )
não colabora com as trocas ( )
Demonstra preferências para vestir-se (cor, tipo de roupa):

Ajuda na hora das trocas (estende os braços e pernas, puxa as meias com
apoio, etc.)
Demonstra autonomia para trocar de roupa:

TERAPIAS

FISIOTERAPIA:
Nº de vezes na semana: ( )
FONOAUDIOLOGIA:
Nº de vezes na semana: ( )
TERAPIA OCUPACIONAL:
Nº de vezes na semana: ( )
HIPOTERAPIA:
Nº de vezes na semana: ( )
NATAÇÃO:
Nº de vezes na semana: ( )
PSICOLOGIA:
Nº de vezes na semana: ( )
OUTRAS:

Data da entrevista: / /
Pessoas presentes:

Observações:

CONCLUSÃO

Para o funcionamento de um organismo complexo é necessária a ca-


pacidade de produzir emoções e ler sentimentos. É uma questão de sobrevi-
vência!
Os menos dotados são, de alguma forma, menos capazes, mas ape-
nas em certo sentido. Por exemplo, alguns não conseguem cursar uma esco-
la comum, porque são mentalmente incapacitados; outros não conseguem
participar de nenhuma atividade que envolva certos movimentos, porque
tem determinado tipo de paralisia; outros não falam porque não ouvem;
outros não se locomovem sem auxilio, porque não enxergam... Mas, garanto
a vocês, muitos deles têm uma enorme capacidade de amar12.

482
Capítulo 29 Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral

Isto certamente é verdade, mas o ponto de vista do pedagogo não


pode ser idêntico ao de uma mãe. Quando ele opta por atuar com alunos
com PC deve estar preparado para tomar cuidados especiais. Como apraxias
são muito comuns, alguns dos alunos não falam e outro tem poucas respos-
tas motoras, o professor que estabeleceu uma relação de confiança com seu
grupo, por vezes, fará a sua voz e/ou a sua ação. Porém é vital não deixar os
desejos ou a imaginação se sobrepor ao senso de realidade. Ele então deve-
rá limitar-se a interpretar e não inventar, porque de nada adianta atribuir a
alguém conquistas fictícias e vazias.
O aluno com PC precisa de disciplina e de desafios como todos os
educandos, porém o professor não poderá jamais esquecer que deve propor
tarefas que incitem, mas sejam possíveis de realizar.
Embora nem sempre as famílias compreendam e colaborem com as
propostas pedagógicas, seria injusto atribuir somente a elas e ao aluno a
responsabilidade dos insucessos. É no dia a dia que o profissional exerce sua
moralidade.
Numa sociedade civilizada, todos obviamente querem que os indiví-
duos com paralisia cerebral sejam vistos como parte integrante dela. Muitos
formadores de opinião focalizam as limitações vividas pelos indivíduos com
PC como consequência de mais uma forma de marginalização social, quase
como se as diferenças entre ter PC e não ter PC fossem assimiláveis àquelas
anticientíficas que separam negros de brancos ou homossexuais de heteros-
sexuais. Ao contrário, é fundamental concluir alertando para a objetividade
da patologia em questão: uma malformação ou lesão sofrida no início da
vida que acarreta, no mínimo, dificuldades permanentes no controle motor e
na fala. É para desconfiar que quem diz que a diversidade está no olho do
observador nunca tenha trabalhado com portadores de PC com vários com-
prometimentos e certamente não compreendeu o que é inclusão. O fato de
alguém necessitar de auxílios permanentes para alimentar-se, tomar banho,
ir ao banheiro, entrar e sair de um carro, de adaptações para o uso de um
computador ou telefone e não ficar estacionado numa sala regular sem re-
cursos para atendê-lo, não o exclui da sociedade. O que o exclui é ser priva-
do das condições adequadas, de terapia ocupacional, fisioterapia, Fonoau-
diologia e de uma pedagogia especializada.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Memnon; 2004. p.16
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Intervenções pedagógicas na paralisia cerebral Capítulo 29

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Ágora; 2005

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editora 5

978- 85- 7651- 261- 5 Plêiade 0

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quarta-feira, 6 de maio de 2015 13:09:59

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