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Questão de aula Livro do Desassossego

Nome: _________________________________________________________ N.º: ___ Turma: _______

Avaliação: _________________________________ O professor: _____________________________

1. Lê atentamente o excerto que se segue do Livro do Desassossego de Bernardo Soares.

Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram! O que eu sinto
quando penso no passado que tive no tempo real, quando choro sobre o cadáver da vida da
minha infância ida,… isso mesmo não atinge o fervor doloroso e trémulo com que choro
sobre não serem reais as figuras humildes dos meus sonhos, as próprias figuras secundárias
5 que me recordo de ter visto uma só vez, por acaso, na minha pseudovida, ao virar uma es-
quina da minha visionação, ao passar por um portão numa rua que subi e percorri por esse
sonho fora.
A raiva de a saudade não poder reavivar e reerguer nunca é tão lacrimosa contra Deus,
que criou impossibilidades, do que quando medito que os meus amigos de sonho, com quem
1 passei tantos detalhes de uma vida suposta, com quem tantas conversas iluminadas, em cafés
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imaginários, tenho tido, não pertenceram, afinal, a nenhum espaço onde pudessem ser, real-
mente, independentes da minha consciência deles! Oh, o passado morto que eu trago comigo
e nunca esteve senão comigo! As flores do jardim da pequena casa de campo e que nunca
existiu senão em mim. As hortas, os pomares, o pinhal, da quinta que foi só um meu sonho!
As minhas vilegiaturas1 supostas, os meus passeios por um campo que nunca existiu! As ár-
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5 vores de à beira da estrada, os atalhos, as pedras, os camponeses que passam… tudo isto, que
nunca passou de um sonho, está gravado em minha memória a fazer de dor e eu, que passei
horas a sonhá-los, passo horas depois a recordar tê-los sonhado e é, na verdade, saudade que
eu tenho, um passado que eu choro, uma vida real morta que fito, solene, no seu caixão.
PESSOA, Fernando, 2008. Livro do Desassossego. 3.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 111-112)

1. veraneios, temporadas de descanso.

1.1. Relaciona a exclamação com que se inicia o texto com o conteúdo do primeiro parágrafo.
1.2. Justifica a “raiva” mencionada na linha 8.
1.3. Explicita o papel e a relevância do sonho na vida do narrador.

OEXP12DP © Porto Editora


1.1. A exclamação com que se inicia o excerto expressa o (hipotético) sentimento de saudade
exacerbada do narrador face a “coisas que nunca foram”, as quais apresenta em seguida como
“figuras humildes” (l. 4) da sua “pseudovida” (l. 5), ou seja, elementos da “visionação” (l. 6) que são
os seus “sonhos” (l. 4). A falta de existência concreta desses elementos suscita no narrador um
sentimento próximo do da saudade, mas ainda mais doloroso que o vivido relativamente aos
acontecimentos do “tempo real” (l. 2) e do “cadáver da vida” (l. 2) passada.

1.2. A “raiva” do narrador decorre do facto de não poder isolar os seus “amigos de sonho” (l. 9) da
sua própria existência e de estes não poderem viver para além do que deles imagina. Associa-se
igualmente à dor provocada pela lembrança dos seus sonhos, que não ultrapassam essa dimensão
de “vida real morta” no seu interior (l. 19).

1.3. O sonho assume, na vida do narrador, um papel de complementaridade relativamente ao


“tempo real”. É a sua “pseudovida” (l. 5), como o próprio refere, um mundo que lhe permite, partindo
da realidade objetiva, transfigurá-la e ultrapassá-la (ll. 6-7), convivendo com figuras e vivendo em
espaços que, embora nunca tenham existido, persistem na sua “memória” (l. 17).

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