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A moderação no lazer e no trabalho.

Em um mundo globalizado dos dias atuais, repleto de tecnologias e inovações


a cada instante e com um mercado dinâmico e efervescente, sobretudo no
momento pandêmico que hoje se vive hoje, é perceptível a tomada de
consciência para uma questão ainda não relevada no âmbito cultural: o lazer.
Com o confinamento de muitos, famílias se juntam para reaprender novas
formas de divertimento e procurar novos lazeres. Como também se vê as
novas ideias de entretenimento das mídias para esta situação. Dessa maneira,
excepcionalmente, o mundo inteiro agora busca novas formas de recreações.

Diante dessa questão, é indispensável que se reflita sobre o lazer. Este já é


conhecido desde os nossos primeiros ancestrais, na pré-história, e eram
majoritariamente feitos em festejos e atividades culturais. Os gregos antigos
também possuíam músicas e danças culturais, porém, eles viam o lazer na
forma do ócio. Para eles, o ócio incita o pensamento e o conhecimento de si.
Aristófanes, comediógrafo grego, no sua peça “As Nuvens”, satiriza Sócrates
justamente por ele caminhar sem fazer coisa alguma, apenas pensando (nas
nuvens). Os romanos, por outro lado, foram populares por seu lazer como
devassidão, bebedeiras e glutonarias. Somente com o advento da cristandade
que o lazer tomou outra forma: em vez de ócio ou devassidão, é tido como
secundário na vida do ser humano.

Assim, vê-se que os gregos antigos conservaram o ócio como forma de lazer,
levando muitas vezes à devaneios e à quimeras inúteis, não obstante a
formação de um pensamento filosófico primoroso; enquanto os romanos
sucumbiram-se em um entendimento de lazer restrito aos prazeres corporais.
Uma característica em comum entre as duas civilizações, no entanto, é a
importância cultural de festejos e celebrações religiosas. Ademais, o
cristianismo também conservou esta mesma importância, levando em conta o
lazer.

Montaigne, em seus “Ensaios”, ao dissertar sobre a ociosidade conta sua


experiência de se recolher em sua casa, “decidido em quanto puder em não me
ocupar de outra coisa que passar em repouso”, isto é, em total ócio. Mas
descobre o que Lucano, poeta romano, disse: “variam semper dant otia
mentem” (a ociosidade sempre torna o espírito inconstante). Esse aspecto,
valorizado pelos gregos, que deve se tomar cuidado ao praticar o lazer; não
deixa-lo cair na total ociosidade, que afrouxa e rebaixa o espírito. Montaigne
continua dizendo que a ociosidade abre as portas para “quimeras e monstros
fantásticos”. Portanto, na agitação e ansiedade desse estado, ele cita Horácio:
“velut aegri somnia vanae. Finguntur species” (semelhantes ao sonho de um
doente, forjam-se imagens inconsistentes). Há, pois, que se alertar diante do
ócio e não deixar-se levar por ele.

Por outro lado, o trabalho excessivo também rebaixa o espírito, levando à


fadiga, e causa consequências até mesmo fisiológicas, como diz Emilio Mira y
López ao discorrer sobre a fadiga mental: “frieza das mãos e dos pés,
congestão nasal e dos ouvidos, leve tremor no pulso (falta de precisão nos
movimentos delicados), e um entorpecimento geral, sobressaltando-se
facilmente com qualquer ruído ou estímulo inesperado.” A necessidade do lazer
como forma para relaxar torna-se evidente.

Antes de implementar o lazer em âmbitos sociais, políticos e educacionais, é


indispensável que se embase em uma cultura, em uma sabedoria que busque
a justa-medida das coisas. Francisco José de Almeida, em seu livro “A Virtude
da Ordem”, exemplifica de maneira aguda e exata o que hoje pensa-se sobre
ser lazer: “O lazer tornou-se hoje sinônimo de incultura. O lazer é evasão, é
happy hour, é a praia, são — para a juventude ‘boçalizada’ — as raves e os
shows de massa, é a bendita televisão não selecionada mas navegada como
se fosse a internet, causadora de tantos estragos, além de ser uma fabulosa
perda de tempo”. Ou seja, confunde-se lazer com perda de tempo com
futilidades que apenas anuviam o ser humano.

Para mudar isso, ouvir o conselho que Santo Agostinho deu ao seu discípulo é
essencial: “Peço-te que poupes a ti próprio”. Não há que ficar em lazeres fúteis,
ou no ócio desmedido, porém muito menos no trabalho demasiado. O lazer
deve ser visto como fundamento e dever que revigora a alma, leva a elas o
divertimento e as proporciona momentos, mesmo passageiro, aprazíveis. Uma
cultura na qual assistir a televisão, por exemplo, é um lazer, mais cansa o
espírito do que o revigora. Entretanto, outra cultura, como na americana se vê
bastante isso, dita como “workaholic” não vai desenvolver e prosperar
habilidades senão o cansaço, a fadiga, o estresse e a ansiedade.

Apresenta-se, portanto, um dilema entre dois extremos. Dar ouvidos à


moderação, à justa-medida, à temperança é a solução para manter-se com a
harmonia entre o trabalho e o lazer, a profissão e o divertimento. Por fim,
conclui-se com as palavras de A.D. Sertillanges, as quais exemplificam o ideal
de lazer: “Santo Tomás explica que o autêntico repouso da alma é a alegria, a
ação deleitável. Os jogos, as conversas familiares, a amizade, a vida em
família, as leituras prazerosas cujas condições já foram colocadas, a
proximidade da natureza, a arte quando estiver acessível, um trabalho manual
bem ameno, o perambular inteligente numa cidade, os espetáculos nem muito
incisivos nem muito excitantes, os esportes moderados: são esses os
elementos que asseguram a descontração”.

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