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Licenciatura em

Pedagogia:
DOCÊNCIA E GESTÃO EM EDUCAÇÃO

INFANTIL E NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL NO CONTEXTO

DO CAMPO

1º ANO - 2020

APOSTILA DE
FUNDAMENTOS
DA EDUCAÇÃO
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Pedagogia – DEPED/G
Pedagogia do Campo

Curso: 590 – LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: Campus: Santa Cruz


docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental no contexto do Campo

Ano: 2020 Série: 1 CH: 68 CH TU: 60 CH TC: 08

Código e Disciplina: Psicologia da Educação I

Professor: Eduardo Moura da Costa


Turno: Integral Oferta: ( X ) Anual ( )Semestral

Modalidade: ( X ) presencial em regime de alternância ( ) distância* ( X ) parcialmente a distância* / Carga


Horária a Distância: 68

EMENTA:
A Psicologia como ciência. A história da ciência psicológica. Psicologia científica x psicologia do
senso comum. O diálogo entre Psicologia e Educação. As diferentes visões da Psicologia sobre a
aprendizagem humana: o Behaviorismo, a Gestalt, a Psicanálise, a Fenomenologia e outras
abordagens.
OBJETIVOS:
• Compreender os principais conceitos formulados por diferentes teorias da aprendizagem;
• Identificar as contribuições da Psicologia Científica para o estudo de temas atuais em
Educação.
PROGRAMA:
1. Introdução à Psicologia.
2. História da Psicologia Educacional e Escolar
2.1. Visão crítica da Psicologia Escolar
2.2. Atuação do psicólogo escolar
2.3. Produção do fracasso escolar/ Queixa escolar
3. Escolas Psicológicas.
3.1. Contribuições da Análise do Comportamento para a Educação.
3.2. Contribuições da Epistemologia Genética para a Educação.
3.3. Contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para a Educação.
3.4. Contribuições da Psicanálise para a Educação.
3.5. Contribuições da Gestalt, Fenomenologia e Psicologia Cognitiva para a Educação.

FORMAS DE AVALIAÇÃO:
Instrumentos: produção de textos; utilização contextualizada dos conceitos estudados; relatório de
observações práticas; análise de filmes e documentários; apresentação de trabalhos.
Critérios: domínio e clareza na utilização contextualizada dos conceitos estudados.
Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por
meio dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A
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avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da internet e
das TICs.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 13
ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BRENNER, C. Noções básicas de psicanálise. Introdução à psicologia psicanalítica. Rio de Janeiro:
Imago, 1987.
COLL, C., MARCHESI, A., PALACIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia da
Educação Escolar. (2ª Ed.). Porto Alegre: Artmed, 2004.
CUNHA, M. V. Psicologia da educação. 4 ª Ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
LA ROSA, J. (Org.). Psicologia e educação. O significado do aprender. 7 ª Ed. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2003.
MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. 24 ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
VIGOTSKI, L. S. Sobre a análise pedológica do processo pedagógico. In: PRESTES, Z.: Análise de
traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil (Repercussões no campo educacional). 2010. 295f. Tese
(Doutorado)- Universidade de Brasília, Faculdade de Educação, Brasília, 2010.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.
7 ª Ed. Organização de M. Cole; V. John-Steiner, S. Scribner. Tradução de J. C. Neto, L. S. M. Barreto, S. C.
Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
GUZZO, R. S. L.; MARINHO-ARAÚJO, C. M. (Org.). Psicologia Escolar: identificando e superando
barreiras. Campinas: Alínea, 2011.
HUBNER, M. M.; MARINOTTI, M. (Org.). Análise do comportamento para a educação: contribuições
recentes. Santo André: ESETec Editores Associados, 2004.
LEONTIEV, N. O desenvolvimento do psiquismo. Tradução de R. E. Frias. São Paulo: Centauro, 2004.
MEIRA, M. E. M.; ANTUNES, M. A. M. (Org.). Psicologia escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2003.
PATTO, M. H. S. A criança pobre e a escola pública. Psicologia USP, 3 (1/2), p. 107-121, 1992.
PATTO, M. H. S. Para uma crítica da razão prisométrica. Psicologia USP, v. 8, n. 1, p. 47-62, 1997.
PATTO, M. H. S. A Produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1999.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. Tradução de M. M. Zanella, S. S. M.
Cuccio. 10ª Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016.
SOUZA, B. P. Orientação à queixa escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
TANAMACHI, E. R.; PROENÇA, M. ROCHA, M. L. (Org.). Psicologia e Educação: desafios teóricos
práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
TODOROV, João Claudio (Org.). A Psicologia como estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
Vol. 23, p. 57- 61, 2007.
TOMASELLO, M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. 2 ª Ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2019.

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ATA DE APROVAÇÃO n°. xx de 20 de outubro de 2020

______________________
Profº Dr. Marcos Gehrke
Coordenador do curso de Pedagogia
do Campo
Port. n. 669/2017-GR/UNICENTRO

__________________________
Profº Dra. Valdirene Manduca de
Moraes
Vice-Coordenador do Curso de
Pedagogia do Campo
Port. n. 760/2020-GR/UNICENTRO

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PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO I
Prof. Dr. Eduardo Moura da Costa

Mensagem aos alunos de Pedagogia do Campo


Caro (a) aluno (a), meu nome é Eduardo. Eu serei o seu professor da disciplina
de Psicologia da Educação I.
Infelizmente não poderemos nos conhecer pessoalmente antes do início das
atividades. Espero que possamos fazer isso logo, pois parte do processo pedagógico se
dá no encontro entre dois seres humanos.
Apesar disso, estou escrevendo essa mensagem para que você me conheça e
para que eu possa apresentar a disciplina. Vou começar me apresentando.
Apesar de estar morando em Guarapuava desde 2018, minha cidade natal fica
no interior do Estado de São Paulo, chamada Palmital. Eu me formei em Psicologia em
2012, na UNESP, que ficava em Assis, cidade próxima a Palmital. Em 2013 eu comecei o
Mestrado em Psicologia em Maringá/PR. Não sei se está familiarizado (a) com esses
termos, mas o Mestrado (2 anos) e o Doutorado (4 anos) são cursos que são feitos após
o término da graduação. Esses cursos são realizados por quem tem interesse em
continuar estudando e se aprofundar em uma área. Além disso, são cursos necessários
para quem pretende trabalhar como professor universitário. Na verdade, eles também
são feitos por professores da educação básica (ensino fundamental e médio) para
conseguirem uma progressão na carreira, isto é, ser nomeados para cargos de chefia ou
de coordenação e também para receber um acréscimo no salário. Eu aprendi a gostar
de estudar durante a Faculdade e então decidi me especializar numa área para, com
isso, poder trabalhar na Universidade. Em 2016 eu entrei no doutorado para cumprir a
última etapa da formação universitária. O doutorado é um curso de 4 anos e eu acabei
de terminá-lo. Então, hoje eu sou Doutor em Psicologia. Isso significa que eu sei alguma
coisa de uma área muito específica da Psicologia e muito pouco do resto. Eu me
especializei em Psicologia Educacional e Escolar e em Psicologia do Desenvolvimento.
Depois de me apresentar (futuramente poderemos nos conhecer melhor), agora
farei a apresentação da disciplina.
A disciplina (Psicologia da Educação I) tem como objetivo mostrar como a
Psicologia pode contribuir para que os professores tenham sucesso no ato de ensinar.
O aprendizado faz parte da vida de todos os seres humanos, desde o nascimento até a
velhice. A Psicologia nos ajuda a entender como essa aprendizagem ocorre e como as
relações humanas podem contribuir ou impedir uma boa aprendizagem. Assim sendo, a
Psicologia não estuda somente o aluno, mas as relações entre os alunos e os adultos
(sejam eles professores ou não).
A área da Psicologia que estuda as crianças é a Psicologia do Desenvolvimento.
A Psicologia do Desenvolvimento estuda como as crianças aprendem certos
comportamentos (andar, falar, brincar, etc.), como ela aprende certas funções
psicológicas (lembrar, pensar, perceber, contar, etc.) e também como se desenvolve os
seus sentimentos (alegria, raiva, medo, amor, etc.). A Psicologia do Desenvolvimento
não estuda só a criança, mas como a criança, na relação com os adultos, desenvolve
todas essas habilidades, pois elas não estão prontas quando a criança nasce. Na
verdade, é preciso um trabalho ativo dos adultos para fazer as crianças se
desenvolverem. Daí a importância do trabalho que vocês irão realizar. Em resumo, ao
conhecer como criança se desenvolve, o professor terá condições de preparar as aulas
levando em consideração esse desenvolvimento e, assim, garantir que os alunos
aprendam os conteúdos escolares.
A Psicologia da Educação não estuda só a criança, ela também estuda como os
adultos podem facilitar ou dificultar a aprendizagem da criança. Nós veremos como as
questões políticas, econômicas e sociais podem facilitar ou dificultar o trabalho do
professor e também a aprendizagem dos alunos.
O objetivo da disciplina é mostrar, de modo geral, como a Psicologia pode
também explicar o porquê de certas crianças não aprenderem e acabarem desistindo
da escola. Antigamente a Psicologia dizia que isso ocorria porque a criança tinha alguma
dificuldade de aprendizagem, alguma deficiência ou porque a família da criança não
contribuía para o seu aprendizado. Atualmente essa visão está ultrapassada. A
Psicologia entende que a questão é mais complexa do que colocar a culpa do fracasso
escolar na criança. O culpado também não é o professor. Muito menos de sua família.
Na verdade, não existe um único culpado, mas ocorre a produção do fracasso escolar.
Várias pessoas contribuem indiretamente para que muitas crianças saiam da escola sem
aprender os conteúdos básicos. E a maioria das crianças que não aprendem são aquelas
vindas das famílias da classe trabalhadora.
O objetivo dessa disciplina é tratar de vários assuntos que interferem no ensino
e na aprendizagem, tais como 1) mostrar como ocorre o desenvolvimento infantil; 2)
como as metodologias de ensino devem levar em consideração o desenvolvimento da
criança para ter um maior sucesso escolar; 3) como ocorre a produção do fracasso
escolar (como as crianças saem da escola sem aprender); 4) as principais dificuldades
que podem surgir na aprendizagem da criança e suas causas; 5) a importância de uma
relação afetuosa e respeitosa com os alunos para uma melhor aprendizagem; 6)
importância de motivar as crianças para que elas aprendam se divertindo; 7) temas
atuais como violência, racismo e a medicalização no espaço escolar. Enfim, essas são
algumas questões que iremos abordar ao longo do curso.
Nessa disciplina vocês serão introduzidos a vários temas que irão ser
aprofundados na disciplina Psicologia da Educação II (Vocês irão cursar ela
provavelmente no segundo ano do curso). Na Psicologia da Educação II, o objetivo é
apresentar especificamente o processo de desenvolvimento infantil, desde o
nascimento até a vida adulta. Nesta disciplina vocês verão em detalhes como as funções
psicológicas se desenvolvem e como vocês deverão adaptar o ensino de vocês de acordo
com a idade dos alunos. Mas essa é outra história.
Voltando à Psicologia da Educação I, a disciplina será dividida por temáticas
(módulos) para facilitar o aprendizado. Ela será dividida da seguinte maneira:
1. Introdução à Psicologia
Texto base: A Psicologia ou as psicologias
Texto base: A evolução da ciência psicológica
2. Introdução da relação entre Psicologia e Educação
Texto base: Psicologia e Educação no Brasil: Um olhar histórico-crítico
Texto base: Psicologia da Educação: cumplicidade ideológica
3. Produção do fracasso escolar e queixa escolar
Texto base: A família pobre e a escola pública
Texto base: Para uma crítica da razão psicométrica
Texto base: Funcionamentos escolares e produção do fracasso escolar e
sofrimento
Texto base: Apresentando a orientação à queixa escolar
4. Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
5. Temas atuais em Psicologia e Educação
Feita a introdução da disciplina, agora farei um breve comentário sobre os textos
que eu selecionei para nós iniciarmos o curso de maneira remota.
Para entendermos como a Psicologia pode contribuir para a Educação, nós
primeiro temos que entender o que a Psicologia estuda, como ela surgiu e quais as
diferenças da Psicologia para outras áreas do saber.
Para realizarmos essa introdução, eu selecionei dois textos para você ir se
familiarizando com a Psicologia. Não se esqueça de anotar suas dúvidas e as partes dos
textos que não conseguiu compreender.
O primeiro texto tem como título “A Psicologia ou as Psicologias”. Neste texto,
os autores demonstram que não existe apenas uma Psicologia, mas várias “Psicologias”.
Inclusive existe uma forma de Psicologia que faz parte do nosso cotidiano, os autores
chamam ela de Psicologia do senso comum. Eles demonstram que essa Psicologia do
senso comum é diferente da Psicologia científica. Note que ela é diferente, mas não é
superior. Se atente para a diferença entre ciência e o senso comum. Nós veremos,
futuramente, como a Psicologia da Educação partiu de noções do senso comum para
justificar o fato de algumas crianças não aprenderem adequadamente na escola.
Além da apresentação sobre a diferença entre ciência e senso comum, esse
primeiro texto começa apresentando os diferentes objetos da Psicologia como ciência.
Podemos dizer, de modo geral, que o objeto da Psicologia é o homem. Existem várias
“Psicologias”, isto é, teorias psicológicas, porque o homem é muito complexo e apenas
uma teoria não é suficiente para explicar essa complexidade. Assim, alguns autores
estudam o comportamento do homem, outros os sentimentos, outros ainda o
pensamento racional, etc. Você verá que os autores resumem o objeto de estudo da
Psicologia utilizando o termo “subjetividade”.
O segundo texto tem como título “A evolução da ciência psicológica”. A melhor
forma de começar a estudar algum assunto é começar por sua história. É isso que esse
texto irá propiciar para você. Ele apresenta de forma breve o surgimento da Psicologia.
O que os autores do texto nos mostram é que desde muito tempo o homem tenta
responder questões que hoje pertencem ao que chamamos de ciência psicológica. Os
autores apresentam as raízes gregas da Psicologia. O seu próprio nome indica isso. Assim
como a palavra Pedagogia vem do grego1, o termo Psicologia também. Para os gregos,
Psicologia era o “estudo da alma”. O entendimento do que seja essa “alma” é bem
diferente da Psicologia de hoje se comparado com a concepção grega. Em resumo, você
terá uma ideia de como as primeiras especulações sobre o homem se desenvolveram
até o surgimento da Psicologia científica no final do século XIX (mais especificamente
por volta de 1880). Se atente para os diferentes contextos sociais e para o fato de ele
influenciar a compreensão sobre os processos psicológicos.
O terceiro texto tem como título “Psicologia e Educação no Brasil: um olhar
histórico-crítico”. Da mesma forma que para compreender a Psicologia é fundamental
recorrer à sua história, o mesmo ocorre na relação entre Psicologia e Educação. Esse
texto tem justamente esse objetivo, isto é, mostrar como foi a relação entre Psicologia
e Educação desde o período colonial até muito recentemente. A relação entre Psicologia
e Educação ficou mais estreita durante o século XX. Essa relação passou por diversas
modificações e recentemente sofreu muitas críticas.
O quarto texto, “Psicologia da Educação: cumplicidade ideológica”, tem como
objetivo justamente fazer algumas críticas à relação entre Psicologia e Educação. Neste
texto, a autora nos mostra como a Psicologia, muitas vezes, serviu para justificar o fato
de as crianças não aprenderem na escola. Isso quer dizer que a Psicologia, ao invés de
ser utilizada pelos psicólogos e professores para contribuir com o desenvolvimento e
aprendizagem dos alunos mais justificou o fato deles não aprenderem colocando a culpa
neles ou em suas famílias.
O quinto texto, “A família pobre e a escola pública”, tem como objetivo mostrar
como os profissionais que trabalham na escola (professores, psicólogos e demais
técnicos) trataram e tratam as famílias pobres. Existiu e ainda existe muito preconceito
e racismo por parte dos professores contras as famílias pobres. É sobre isso que esse
texto trata e espero que possamos discutir sobre como isso afeta a aprendizagem dos
alunos.


1
O termo vem da junção de “Paidos” (que se refere a “criança”), “agein” (que se refere
a “conduzir” ou educar) e “logos” (que vem de “razão” ou “conhecimento”). Logo, a
Pedagogia é a área do conhecimento que estuda o processo de “condução” da criança
ou de sua educação.
O sexto texto, “Para uma crítica da razão psicométrica”, tem como objetivo
criticar os instrumentos de avaliação psicológica utilizados na educação. Os testes
psicológicos foram criados para avaliar a inteligência e a personalidade das crianças. A
autora demonstra como eles são extremamente falhos. A autora aponta que os testes
servem para justificar laudos baseados no senso comum e produzem estigmas que
justificam a exclusão escolar de quase todos os examinados. Os testes se transformam
em um instrumento que justifica o fracasso escolar. Por isso, precisamos ter consciência
da sua função e dos seus limites. Esse texto mostra como devemos ser cautelosos ao
receber um aluno que possui um lado psicológico que foi baseado em textos
psicológicos.
O sétimo texto, “Funcionamentos escolares e produção do fracasso escolar e
sofrimento”, tem como objetivo mostrar como o fracasso escolar não é “culpa” da
criança ou da família, mas o resultado de vários fatores existentes no cotidiano escolar.
A autora mostra como as mudanças constantes de professores, os baixos salários,
problemas de infra-estrutura da escola, etc. dificultam o trabalho do professor e levam
à produção do fracasso escolar.
Por fim, para encerrar o módulo sobre a “Produção do fracasso escolar e a queixa
escolar”, nós analisaremos como uma queixa escolar deve ser abordada. O texto
utilizado para discussão tem como título “Apresentando a orientação à queixa escolar”.
Esse texto é voltado para psicólogos e demonstra como eles devem fazer um
atendimento de uma queixa escolar. Apesar disso, você, futuro professor, deve ter
consciência de como a abordagem da queixa escolar deve ocorrer, pois terá um papel
fundamental nesse processo.
Nós aprendemos não só quando somos ensinados por outra pessoa, mas quando
temos que colocar em prática o nosso conhecimento. Por isso, após a conclusão da
leitura dos textos, eu sugiro que realize a atividade abaixo. Assim, eu irei conseguir
verificar se você conseguiu entender o conteúdo e também se ficou com alguma
dificuldade. Com isso, eu poderei tirar as suas dúvidas e complementar a explicação.
Essa atividade será utilizada para compor a sua nota.
Após a leitura do texto “A Psicologia ou as Psicologias”, responda:
1) Qual a diferença entre senso comum e o conhecimento científico?
2) Quais os possíveis objetos da Psicologia citados no texto?
3) De modo geral, o que a Psicologia estuda?
4) Como os autores definem a “subjetividade”?
5) A subjetividade é inata ou ela é construída historicamente? Como os autores
argumentam sobre isso?
Após a leitura do texto “A evolução da ciência psicológica”, responda:
1) Qual a diferença da concepção de Sócrates, Platão e Aristóteles sobre a
“alma”?
2) Descreva o contexto social e econômico no qual surgiu a Psicologia científica.
3) Quais os critérios que a Psicologia deveria satisfazer para ser considerada uma
ciência?
4) Quais são as principais teorias da Psicologia que se desenvolveram no século
20?
Após a leitura do texto “Psicologia e Educação no Brasil: um olhar histórico-
crítico”, responda as seguintes questões:
1. Quais as ideias psicológicas existiam entre os educadores do período colonial?
2. Qual a relação entre Psicologia e Educação no início do século XX?
3. Qual a relação entre a Psicologia e a Educação após 1962?

Último comentário:
O início de qualquer estudo é difícil. Ainda mais nesse momento, quando não
podemos estar próximos para que possamos tirar dúvidas e orientar os estudos. Sendo
assim, fique tranquilo, não se desespere diante das dificuldades que irão surgir. Não se
preocupe se não conseguir entender o texto em sua totalidade na primeira leitura, isso
é normal quando se está iniciando os estudos. O importante é ler e refletir sobre o que
se está lendo. Se estiver com dificuldades, anote as palavras que não entendeu. Alguma
palavra desconhecida pode prejudicar o entendimento do texto. Identificar isso é um
ótimo primeiro passo para uma interpretação do texto. Você deve começar a
desenvolver uma “leitura ativa”, ou seja, você deve ler e anotar pequenos resumos que
sintetizam as ideias centrais do texto. As questões foram elaboradas para ajudar você a
fazer isso. Grifar o texto também ajuda, mas eu recomendo fazer o resumo (em tópicos,
por exemplo) a cada página lida ou a cada conjunto de páginas. Assim, quando precisar
interromper o estudo, essas anotações irão auxiliar você a se lembrar do que foi lido.
Desse modo, poderá retomar o estudo de onde parou. Espero que essa dica ajude nos
seus estudos.

Bons estudos!!







CAPÍTULO 1

A Psicologia ou as psicologias

CIÊNCIA E SENSO COMUM


Quantas vezes, no nosso dia-a-dia, ouvimos o termo psicologia?
Qualquer um entende um pouco dela. Poderíamos até mesmo dizer que
“de psicólogo e de louco todo mundo tem um pouco”. O dito popular não
é bem este (“de médico e de louco todo mundo tem um pouco”), mas
parece servir aqui perfeitamente. As pessoas em geral têm a “sua
psicologia”.
Usamos o termo psicologia, no nosso cotidiano, com vários
sentidos. Por exemplo, quando falamos do poder de persuasão do
vendedor, dizemos que ele usa de “psicologia” para vender seu produto;
quando nos referimos à jovem estudante que usa seu poder de sedução
para atrair o rapaz, falamos que ela usa de “psicologia”; e quando
procuramos aquele amigo, que está sempre disposto a ouvir nossos
problemas, dizemos que ele tem “psicologia” para entender as pessoas.
Será essa a psicologia dos psicólogos? Certamente não. Essa
psicologia, usada no cotidiano pelas pessoas em geral, é denominada de
psicologia do senso comum. Mas nem por isso deixa de ser uma
psicologia. O que estamos querendo dizer é que as pessoas,
normalmente, têm um domínio, mesmo que pequeno e superficial, do
conhecimento acumulado pela Psicologia científica, o que lhes permite
explicar ou compreender seus problemas cotidianos de um ponto de vista
psicológico.
É a Psicologia científica que pretendemos apresentar a você. Mas,
antes de iniciarmos o seu estudo, faremos uma exposição da relação
ciência/senso comum; depois falaremos mais detalhadamente sobre
ciência e, assim, esperamos que você compreenda melhor a Psicologia
científica. [pg. 15]

O SENSO COMUM:
CONHECIMENTO DA REALIDADE
Existe um domínio da vida que pode ser entendido como vida por
excelência: é a vida do cotidiano. É no cotidiano que tudo flui, que as
coisas acontecem, que nos sentimos vivos, que sentimos a realidade.
Neste instante estou lendo um livro de Psicologia, logo mais estarei
numa sala de aula fazendo uma prova e depois irei ao cinema. Enquanto
isso, tenho sede e tomo um refrigerante na cantina da escola; sinto um
sono irresistível e preciso de muita força de vontade para não dormir em
plena aula; lembro-me de que havia prometido chegar cedo para o
almoço. Todos esses acontecimentos denunciam que estamos vivos. Já
a ciência é uma atividade eminentemente reflexiva. Ela procura
compreender, elucidar e alterar esse cotidiano, a partir de seu estudo
sistemático.
Quando fazemos ciência,
baseamo-nos na realidade cotidiana e
pensamos sobre ela. Afastamo-nos
dela para refletir e conhecer além de
suas aparências. O cotidiano e o
conhecimento científico que temos da
realidade aproximam-se e se afastam:
aproximam-se porque a ciência se
refere ao real; afastam-se porque a
ciência abstrai a realidade para compreendê-la melhor, ou seja, a
ciência afasta-se da realidade, transformando-a em objeto de
investigação — o que permite a construção do conhecimento científico
sobre o real.
Para compreender isso melhor, pense na abstração (no
distanciamento e trabalho mental) que Newton teve de fazer para,
partindo da fruta que caía da árvore (fato do cotidiano), formular a lei da
gravidade (fato científico).
Ocorre que, mesmo o
mais especializado dos
cientistas, quando sai de
seu laboratório, está
submetido à dinâmica do
cotidiano, que cria suas
próprias “teorias” a partir
das teorias científicas, seja
Mesmo não dispondo de instrumentos, sabemos avaliar a
como forma de “simplificá- distância e a velocidade de um veículo quando
atravessamos a rua.
las” para o uso no dia-a-dia,
ou como sua maneira peculiar de interpretar fatos, a despeito das
considerações feitas pela ciência. Todos nós — estudantes, psicólogos,
físicos, artistas, operários, teólogos — vivemos a maior parte do tempo
esse cotidiano e as suas teorias, isto é, aceitamos as regras do seu jogo.
[pg. 16]
O fato é que a dona de casa, quando usa a garrafa térmica para
manter o café quente, sabe por quanto tempo ele permanecerá
razoavelmente quente, sem fazer nenhum cálculo complicado e, muitas
vezes, desconhecendo completamente as leis da termodinâmica.
Quando alguém em casa reclama de dores no fígado, ela faz um chá de
boldo, que é uma planta medicinal já usada pelos avós de nossos avós,
sem, no entanto, conhecer o princípio ativo de suas folhas nas doenças
hepáticas e sem nenhum estudo farmacológico. E nós mesmos, quando
precisamos atravessar uma avenida movimentada, com o tráfego de
veículos em alta velocidade, sabemos perfeitamente medir a distância e
a velocidade do automóvel que vem em nossa direção. Até hoje não
conhecemos ninguém que usasse máquina de calcular ou fita métrica
para essa tarefa. Esse tipo de conhecimento que vamos acumulando no
nosso cotidiano é chamado de senso comum. Sem esse conhecimento
intuitivo, espontâneo, de tentativas e erros, a nossa vida no dia-a-dia
seria muito complicada.
A necessidade de acumularmos esse tipo de conhecimento
espontâneo parece-nos óbvia. Imagine termos de descobrir diariamente
que as coisas tendem a cair, graças ao efeito da gravidade; termos de
descobrir diariamente que algo atirado pela janela tende a cair e não a
subir; que um automóvel em velocidade vai se aproximar rapidamente de
nós e que, para fazer um aparelho eletrodoméstico funcionar, precisamos
de eletricidade.
O senso comum, na produção desse tipo de conhecimento,
percorre um caminho que vai do hábito à tradição, a qual, quando
estabelecida, passa de geração para geração. Assim, aprendemos com
nossos pais a atravessar uma rua, a fazer o liqüidificador funcionar, a
plantar alimentos na época e de maneira correta, a conquistar a pessoa
que desejamos e assim por diante.
E é nessa tentativa de facilitar o dia-a-dia que o senso comum
produz suas próprias “teorias”; na realidade, um conhecimento que,
numa interpretação livre, poderíamos chamar de teorias médicas, físicas,
psicológicas etc. [pg. 17]

SENSO COMUM: UMA VISÃO-DE-MUNDO


Esse conhecimento do senso comum, além de sua produção
característica, acaba por se apropriar, de uma maneira muito singular, de
conhecimentos produzidos pelos outros setores da produção do saber
humano. O senso comum mistura e recicla esses outros saberes, muito
mais especializados, e os reduz a um tipo de teoria simplificada,
produzindo uma determinada visão-de-mundo.
O que estamos querendo mostrar a você é que o senso comum
integra, de um modo precário (mas é esse o seu modo), o conhecimento
humano. E claro que isto não ocorre muito rapidamente. Leva um certo
tempo para que o conhecimento mais sofisticado e especializado seja
absorvido pelo senso comum, e nunca o é totalmente. Quando utilizamos
termos como “rapaz complexado”, “menina histérica”, “ficar neurótico”,
estamos usando termos definidos pela Psicologia científica. Não nos
preocupamos em definir as palavras usadas e nem por isso deixamos de
ser entendidos pelo outro. Podemos até estar muito próximos do conceito
científico mas, na maioria das vezes, nem o sabemos. Esses são
exemplos da apropriação que o senso comum faz da ciência.

ÁREAS DO CONHECIMENTO
Somente esse tipo de conhecimento, porém, não seria suficiente
para as exigências de desenvolvimento da humanidade. O homem,
desde os tempos primitivos, foi ocupando cada vez mais espaço neste
planeta, e somente esse conhecimento intuitivo seria muito pouco para
que ele dominasse a Natureza em seu próprio proveito. Os gregos, por
volta do século 4 a.C, já dominavam complicados cálculos matemáticos,
que ainda hoje são considerados difíceis por qualquer jovem colegial. Os
gregos precisavam entender esses cálculos para resolver seus
problemas agrícolas, arquitetônicos, navais etc. Era uma questão de
sobrevivência. Com o tempo, esse tipo de conhecimento foi-se
especializando cada vez mais, até atingir o nível de sofisticação que
permitiu ao homem atingir a Lua. A este tipo de conhecimento, que
definiremos com mais cuidado logo adiante,
chamamos de ciência.
Mas o senso comum e a ciência não
são as únicas formas de conhecimento que o
homem possui para descobrir e interpretar a
realidade.
Registro de crenças e tradições
para as futuras gerações. Povos antigos, e entre eles cabe
sempre mencionar os gregos, preocuparam-se com a origem e com o
significado da existência humana. As especulações em torno desse tema
formaram um corpo de [pg. 18] conhecimentos denominado filosofia. A
formulação de um conjunto de pensamentos sobre a origem do homem,
seus mistérios, princípios morais, forma um outro corpo de conhecimento
humano, conhecido como religião. No Ocidente, um livro muito
conhecido traz as crenças e tradições de nossos antepassados e é para
muitos um modelo de conduta: a Bíblia. Esse livro é o registro do
conhecimento religioso judaico-cristão. Um outro livro semelhante é o
livro sagrado dos hindus: Livro dos Vedas. Veda, em sânscrito (antiga
língua clássica da Índia), significa conhecimento.
Por fim, o homem, já desde a sua pré-história, deixou marcas de
sua sensibilidade nas paredes das cavernas, quando desenhou a sua
própria figura e a figura da caça, criando uma expressão do
conhecimento que traduz a emoção e a sensibilidade. Denominamos
arte a esse tipo de conhecimento.
Arte, religião, filosofia, ciência e senso comum são domínios do
conhecimento humano.

A PSICOLOGIA CIENTÍFICA
Apesar de reconhecermos a existência de uma psicologia do senso
comum e, de certo modo, estarmos preocupados em defini-la, é com a
outra psicologia que este livro deverá ocupar-se — a Psicologia
científica. Foi preciso definir o senso comum, para que o leitor pudesse
demarcar o campo de atuação de cada uma, sem confundi-las.
Entretanto a tarefa de definir a Psicologia como ciência é bem mais
árdua e complicada. Comecemos por definir o que entendemos por
ciência (que também não é simples), para depois explicarmos por que a
Psicologia é hoje considerada uma de suas áreas.
O QUE É CIÊNCIA
A ciência compõe-se de um conjunto de conhecimentos sobre
fatos ou aspectos da realidade (objeto de estudo), expresso por meio de
uma linguagem precisa e rigorosa. Esses conhecimentos devem ser
obtidos de maneira programada, sistemática e controlada, para que se
permita a verificação de sua validade. Assim, podemos apontar o objeto
dos diversos ramos da ciência e saber exatamente como determinado
conteúdo foi construído, possibilitando a reprodução da experiência.
Dessa forma, o saber pode ser transmitido, verificado, utilizado e
desenvolvido. [pg. 19]
Essa característica da produção científica possibilita sua
continuidade: um novo conhecimento é produzido sempre a partir de algo
anteriormente desenvolvido. Negam-se, reafirmam-se, descobrem-se
novos aspectos, e assim a ciência avança. Nesse sentido, a ciência
caracteriza-se como um processo.
Pense no desenvolvimento do motor movido a álcool hidratado. Ele
nasceu de uma necessidade concreta (crise do petróleo) e foi planejado
a partir do motor a gasolina, com a alteração de poucos componentes
deste. No entanto, os primeiros automóveis movidos a álcool
apresentaram muitos problemas, como o seu mau funcionamento nos
dias frios. Apesar disso, esse tipo de motor foi-se aprimorando.
A ciência tem ainda uma característica fundamental: ela aspira à
objetividade. Suas conclusões devem ser passíveis de verificação e
isentas de emoção, para, assim, tornarem-se válidas para todos.
Objeto específico, linguagem rigorosa, métodos e técnicas
específicas, processo cumulativo do conhecimento, objetividade
fazem da ciência uma forma de conhecimento que supera em muito o
conhecimento espontâneo do senso comum. Esse conjunto de
características é o que permite que denominemos científico a um
conjunto de conhecimentos.
OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA
Como dissemos
anteriormente, um
conhecimento, para ser
considerado científico, requer
um objeto específico de estudo.
O objeto da Astronomia são os
astros, e o objeto da Biologia
são os seres vivos. Essa
Observatório Nacional — Rio de Janeiro. Estudar o
fenômeno físico é pensar sobre algo externo ao classificação bem geral
homem. Estudar o homem é pensar sobre si mesmo.
demonstra que é possível tratar
o objeto dessas ciências com uma certa distância, ou seja, é possível
isolar o objeto de estudo. No caso da Astronomia, o cientista-observador
está, por exemplo, num observatório, e o astro observado, a anos-luz de
distância de seu telescópio. Esse cientista não corre o mínimo risco de
confundir-se com o fenômeno que está estudando. [pg. 20]
O mesmo não ocorre com a Psicologia, que, como a Antropologia,
a Economia, a Sociologia e todas as ciências humanas, estuda o
homem.
Certamente, esta divisão é ampla demais e apenas coloca a
Psicologia entre as ciências humanas. Qual é, então, o objeto específico
de estudo da Psicologia?
Se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá:
“O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano”. Se a
palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: “O objeto de
estudo da Psicologia é o inconsciente”. Outros dirão que é a consciência
humana, e outros, ainda, a personalidade.

DIVERSIDADE DE OBJETOS DA PSICOLOGIA


A diversidade de objetos da Psicologia é explicada pelo fato de
este campo do conhecimento ter-se constituído como área do
conhecimento científico só muito recentemente (final do século 19), a
despeito de existir há muito tempo na
Filosofia enquanto preocupação humana.
Esse fato é importante, já que a ciência se
caracteriza pela exatidão de sua construção
teórica, e, quando uma ciência é muito
nova, ela não teve tempo ainda de
apresentar teorias acabadas e definitivas,
que permitam determinar com maior
precisão seu objeto de estudo.
Um outro motivo que contribui para
dificultar uma clara definição de objeto da
Psicologia é o fato de o cientista — o
Jean-Jacques Rousseau, filósofo pesquisador — confundir-se com o objeto a
francês
ser pesquisado. No sentido mais amplo, o
objeto de estudo da Psicologia é o homem, e neste caso o pesquisador
está inserido na categoria a ser estudada. Assim, a concepção de
homem que o pesquisador traz consigo “contamina” inevitavelmente a
sua pesquisa em Psicologia. Isso ocorre porque há diferentes
concepções de homem entre os cientistas (na medida em que estudos
filosóficos e teológicos e mesmo doutrinas políticas acabam definindo o
homem à sua maneira, e o cientista acaba necessariamente se
vinculando a uma destas crenças). É o caso da concepção de homem
natural, formulada pelo filósofo francês Rousseau, que imagina que o
homem era puro e foi corrompido pela sociedade, e que [pg. 21] cabe
então ao filósofo reencontrar essa pureza perdida (veja capítulo 10).
Outros vêem o homem como ser abstrato, com características definidas
e que não mudam, a despeito das condições sociais a que esteja
submetido. Nós, autores deste livro, vemos esse homem como ser
datado, determinado pelas condições históricas e sociais que o cercam.
Na realidade, este é um “problema” enfrentado por todas as
ciências humanas, muito discutido pelos cientistas de cada área e até
agora sem perspectiva de solução. Conforme a definição de homem
adotada, teremos uma concepção de objeto que combine com ela.
Como, neste momento, há uma riqueza de valores sociais que permitem
várias concepções de homem, diríamos simplificada-mente que, no caso
da Psicologia, esta ciência estuda os “diversos homens” concebidos pelo
conjunto social. Assim, a Psicologia hoje se caracteriza por uma
diversidade de objetos de estudo.
Por outro lado, essa diversidade de objetos justifica-se porque os
fenômenos psicológicos são tão diversos, que não podem ser acessíveis
ao mesmo nível de observação e, portanto, não podem ser sujeitos aos
mesmos padrões de descrição, medida, controle e interpretação. O
objeto da Psicologia deveria ser aquele que reunisse condições de
aglutinar uma ampla variedade de fenômenos psicológicos. Ao
estabelecer o padrão de descrição, medida, controle e interpretação, o
psicólogo está também estabelecendo um determinado critério de
seleção dos fenômenos psicológicos e assim definindo um objeto.
Esta situação leva-nos a questionar a caracterização da Psicologia
como ciência e a postular que no momento não existe uma psicologia,
mas Ciências psicológicas embrionárias e em desenvolvimento.

A SUBJETIVIDADE COMO OBJETO DA PSICOLOGIA


Considerando toda essa dificuldade na conceituação única do
objeto de estudo da Psicologia, optamos por apresentar uma definição
que lhe sirva como referência para os próximos capítulos, uma vez que
você irá se deparar com diversos enfoques que trazem definições
específicas desse objeto, (o comportamento, o inconsciente, a
consciência etc.).
A identidade da Psicologia é o que a diferencia dos demais ramos
das ciências humanas, e pode ser obtida considerando-se que cada um
desses ramos enfoca o homem de maneira particular. Assim, cada
especialidade — a Economia, a Política, a História etc. — trabalha essa
matéria-prima de maneira particular, construindo conhecimentos [pg. 22]
distintos e específicos a respeito dela. A Psicologia colabora com o
estudo da subjetividade: é essa a sua forma particular, específica de
contribuição para a compreensão da totalidade da vida humana.
Nossa matéria-prima, portanto, é o homem em todas as suas
expressões, as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos
sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas
(porque somos todos assim) — é o homem-corpo, homem-pensamento,
homem-afeto, homem-ação e tudo isso está sintetizado no termo
subjetividade.
A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de
nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando
as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos
identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, de outro lado, na
medida em que os elementos que a constituem são experienciados no
campo comum da objetividade social. Esta síntese — a subjetividade —
é o mundo de idéias, significados e emoções construído internamente
pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua
constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e
comportamentais.
O mundo social e cultural, conforme vai sendo experienciado por
nós, possibilita-nos a construção de um mundo interior. São diversos
fatores que se combinam e nos levam a uma vivência muito particular.
Nós atribuímos sentido a essas experiências e vamos nos constituindo a
cada dia.
A subjetividade é a maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar,
amar e fazer de cada um. É o que constitui o nosso modo de ser: sou
filho de japoneses e militante de um grupo ecológico, detesto
Matemática, adoro samba e black music, pratico ioga, tenho vontade mas
não consigo ter uma namorada. Meu melhor amigo é filho de
descendentes de italianos, primeiro aluno da classe em Matemática,
trabalha e estuda, é corinthiano fanático, adora comer sushi e navegar
pela Internet. Ou seja, cada qual é o que é: sua singularidade.
Entretanto, a síntese que a subjetividade representa não é inata ao
indivíduo. Ele a constrói aos poucos, apropriando-se do material do
mundo social e cultural, e faz isso ao mesmo tempo em que atua sobre
este mundo, ou seja, é ativo na sua construção. Criando e transformando
o mundo (externo), o homem constrói e transforma a si próprio.
Um mundo objetivo, em movimento, porque seres humanos o
movimentam permanentemente com suas intervenções; um [pg. 23]
mundo subjetivo em movimento porque os indivíduos estão
permanentemente se apropriando de novas matérias-primas para
constituírem suas subjetividades.
De um certo modo, podemos dizer que a subjetividade não só é
fabricada, produzida, moldada, mas também é automoldável, ou seja, o
homem pode promover novas formas de
subjetividade, recusando-se ao assujeitamento
e à perda de memória imposta pela fugacidade
da informação; recusando a massificação que
exclui e estigmatiza o diferente, a aceitação
social condicionada ao consumo, a
medicalização do sofrimento. Nesse sentido,
retomamos a utopia que cada homem pode
participar na construção do seu destino e de
sua coletividade.
Por fim, podemos dizer que estudar a
subjetividade, nos tempos atuais, é tentar
compreender a produção de novos modos de
ser, isto é, as subjetividades emergentes, cuja
fabricação é social e histórica. O estudo dessas
novas subjetividades vai desvendando as
relações do cultural, do político, do econômico
e do histórico na produção do mais íntimo e do
mais observável no homem — aquilo que o
captura, submete-o ou mobiliza-o para pensar
e agir sobre os efeitos das formas de
submissão da subjetividade (como dizia o filósofo francês Michel
Foucault).
O movimento e a transformação são os elementos básicos de
toda essa história. E aproveitamos para citar Guimarães Rosa, que em
Grande Sertão: Veredas, consegue expressar, de modo muito adequado
e rico, o que aqui vale a pena registrar:
“O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre
iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e
desafinam”.
Convidamos você a refletir um pouco sobre esse pensamento de
Guimarães Rosa. As pessoas não estão sempre iguais. Ainda não foram
terminadas. Na verdade, as pessoas nunca serão terminadas, pois
estarão sempre se modificando. Mas por quê? Como? Simplesmente
porque a subjetividade — este mundo interno construído pelo homem
como síntese de suas determinações — não cessará de [pg. 24] se
modificar, pois as experiências sempre trarão novos elementos para
renová-la.
Talvez você esteja pensando: mas eu acho que sou o que sempre
fui — eu não me modifico! Por acompanhar de perto suas próprias
transformações (não poderia ser diferente!), você pode não percebê-las e
ter a impressão de ser como sempre foi. Você é o construtor da sua
transformação (veja capítulo 13) e, por isso, ela pode passar
despercebida, fazendo-o pensar que não se transformou. Mas você
cresceu, mudou de corpo, de vontades, de gostos, de amigos, de
atividades, afinou e desafinou, enfim, tudo em sua vida muda e, com ela,
suas vivências subjetivas, seu conteúdo psicológico, sua subjetividade.
Isso acontece com todos nós.
Bem, esperamos que você já tenha uma noção do que seja
subjetividade e possamos, então, voltar a nossa discussão sobre o objeto
da Psicologia.
A Psicologia, como já dissemos anteriormente, é um ramo das
Ciências Humanas e a sua identidade, isto é, aquilo que a diferencia,
pode ser obtida considerando-se que cada um desses ramos enfoca de
maneira particular o objeto homem, construindo conhecimentos distintos
e específicos a respeito dele. Assim, com o estudo da subjetividade, a
Psicologia contribui para a compreensão da totalidade da vida humana.
É claro que a forma de se abordar a subjetividade, e mesmo a
forma de concebê-la, dependerá da concepção de homem adotada pelas
diferentes escolas psicológicas (veja capítulos 3, 4, 5 e 6). No momento,
pelo pouco desenvolvimento da Psicologia, essas escolas acabam
formulando um conhecimento fragmentário de uma única e mesma
totalidade — o ser humano: o seu mundo interno e as suas
manifestações. A superação do atual impasse levará a uma Psicologia
que enquadre esse homem como ser concreto e multideterminado (veja
capítulo 10). Esse é o papel de uma ciência crítica, da compreensão, da
comunicação e do encontro do homem com o mundo em que vive, já que
o homem que compreende a História (o mundo externo) também
compreende a si mesmo (sua subjetividade), e o homem que
compreende a si mesmo pode compreender o engendramento do mundo
e criar novas rotas e utopias.
Algumas correntes da Psicologia consideram-na pertencente ao
campo das Ciências do Comportamento e, outras, das Ciências Sociais.
Acreditamos que o campo das Ciências Humanas é mais abrangente e
condizente com a nossa proposta, que vincula a Psicologia à História, à
Antropologia, à Economia etc. [pg. 25]

A PSICOLOGIA E O MISTICISMO
A Psicologia, como área da Ciência, vem se desenvolvendo na
história desde 1875, quando Wilhelm Wundt (1832-1926) criou o primeiro
Laboratório de Experimentos em Psicofisiologia, em Leipzig, na
Alemanha. Esse marco histórico significou o desligamento das idéias
psicológicas de idéias abstratas e espiritualistas, que defendiam a
existência de uma alma nos homens, a qual seria a sede da vida
psíquica. A partir daí, a história da Psicologia é de fortalecimento de seu
vínculo com os princípios e métodos científicos. A idéia de um homem
autônomo, capaz de se responsabilizar pelo seu próprio desenvolvimento
e pela sua vida, também vai se fortalecendo a partir desse momento.
Hoje, a Psicologia ainda não consegue explicar muitas coisas
sobre o homem, pois é uma área da Ciência relativamente nova (com
pouco mais de cem anos). Além disso, sabe-se que a Ciência não
esgotará o que há para se conhecer, pois a realidade está em
permanente movimento e novas perguntas surgem a cada dia, o homem
está em movimento e em transformação, colocando também novas
perguntas para a Psicologia. A invenção dos computadores, por
exemplo, trouxe e trará mudanças em nossas formas de pensamento,
em nossa inteligência, e a Psicologia precisará absorver essas
transformações em seu quadro teórico.
Alguns dos “desconhecimentos” da Psicologia têm levado os
psicólogos a buscarem respostas em outros campos do saber humano.
Com isso, algumas práticas não-psicológicas têm sido associadas às
práticas psicológicas. O tarô, a astrologia, a quiromancia, a numerologia,
entre outras práticas adivinhatórias e/ou místicas, têm sido associadas
ao fazer e ao saber psicológico.
Estas não são práticas da Psicologia. São outras formas de saber
— de saber sobre o humano — que não podem ser confundidas com a
Psicologia, pois:
• não são construídas no campo da Ciência, a partir do método e dos
princípios científicos;
• estão em oposição aos princípios da Psicologia, que vê não só o
homem como ser autônomo, que se desenvolve e se constitui a partir
de sua relação com o mundo social e cultural, mas também o homem
sem destino pronto, que constrói seu futuro ao agir sobre o mundo. As
práticas místicas têm pressupostos opostos, pois nelas há a concepção
de destino, da existência de forças que não estão no campo do
humano e do mundo material.
A Psicologia, ao relacionar-se com esses saberes, deve ser capaz
de enfrentá-los sem preconceitos, reconhecendo que o homem [pg. 26]
construiu muitos “saberes” em busca de sua felicidade. Mas é preciso
demarcar nossos campos. Esses saberes não estão no campo da
Psicologia, mas podem se tornar seu objeto de estudo.
É possível estudar as práticas adivinhatórias e descobrir o que elas
têm de eficiente, de acordo com os critérios científicos, e aprimorar tais
aspectos para um uso eficiente e racional. Nem sempre esses critérios
científicos têm sido observados e alguns psicólogos acabam por usar tais
práticas sem o devido cuidado e observação. Esses casos, seja daquele
que usa a prática mística como acompanhamento psicológico, seja o do
psicólogo que usa desse expediente sem critério científico comprovado,
são previstos pelo código de ética dos psicólogos e, por isso, passíveis
de punição. No primeiro caso, como prática de charlatanismo e, no
segundo, como desempenho inadequado da profissão.
Entretanto, é preciso ponderar que esse campo fronteiriço entre a
Psicologia científica e a especulação mística deve ser tratado com o
devido cuidado. Quando se trata de pessoa, psicóloga ou não, que
decididamente usa do expediente das práticas místicas como forma de
tirar proveito pecuniário ou de qualquer outra ordem, prejudicando
terceiros, temos um caso de polícia e a punição é salutar. Mas muitas
vezes não é possível caracterizar a atuação daqueles que se utilizam
dessas práticas de forma tão clara. Nestes casos, não podemos tornar
absoluto o conhecimento científico como o “conhecimento por
excelência” e dogmatizá-lo a ponto de correr o risco de criar um tribunal
semelhante ao da Santa Inquisição. E preciso reconhecer que pessoas
que acreditam em práticas adivinhatórias ou místicas têm o direito de
consultar e de serem consultadas, e também temos de reconhecer, nós
cientistas, que não sabemos muita coisa sobre o psiquismo humano e
que, muitas vezes, novas descobertas seguem estranhos e insondáveis
caminhos. O verdadeiro cientista deve ter os olhos abertos para o novo.
Enfim, nosso alerta aqui vai em dois sentidos:
• Não se deve misturar a Psicologia com práticas adivinhatórias ou
místicas que estão baseadas em pressupostos diversos e opostos ao
da Psicologia.
• “Mente é como pára-quedas: melhor aberta.” É preciso estar aberto
para o novo, atento a novos conhecimentos que, tendo sido estudados
no âmbito da Ciência, podem trazer novos saberes, ou seja, novas
respostas para perguntas ainda não respondidas.
A Ciência, como uma das formas de saber do homem, tem seu
campo de atuação com métodos e princípios próprios, mas, como forma
de saber, não está pronta e nunca estará. A Ciência é, na verdade, [pg.
27] um processo permanente de conhecimento do mundo, um exercício
de diálogo entre o pensamento humano e a realidade, em todos os seus
aspectos. Nesse sentido, tudo o que ocorre com o homem é motivo de
interesse para a Ciência, que deve aplicar seus princípios e métodos
para construir respostas.

Texto Complementar
A PSICOLOGIA DOS PSICÓLOGOS
(...) somos obrigados a renunciar à pretensão de determinar para
as múltiplas investigações psicológicas um objeto (um campo de fatos)
unitário e coerente. Conseqüentemente, e por sólidas razões, não
somente históricas mas doutrinárias, torna-se impossível à Psicologia
assegurar-se uma unidade metodológica. (...)
Por isso, talvez fosse preferível falarmos, ao invés de “psicologia”,
em “ciências psicológicas”. Porque os adjetivos que acompanham o
termo “psicologia” podem especificar, ao mesmo tempo, tanto um
domínio de pesquisa (psicologia diferencial), um estilo metodológico
(psicologia clínica), um campo de práticas sociais (orientação,
reeducação, terapia de distúrbios comportamentais etc.), quanto
determinada escola de pensamento que chega a definir, para seu próprio
uso, tanto sua problemática quanto seus conceitos e instrumentos de
pesquisa. (...) não devemos estranhar que a unidade da Psicologia, hoje,
nada mais seja que uma expressão cômoda, a expressão de um
pacifismo ao mesmo tempo prático e enganador. Donde não haver
nenhum inconveniente em falarmos de “psicologias” no plural. Numa
época de mutação acelerada como a nossa, a Psicologia se situa no
imenso domínio das ciências “exatas”, biológicas, naturais e humanas.
Há diversidade de domínio e diversidade de métodos. Uma coisa, porém,
precisa ficar clara: os problemas psicológicos não são feitos para os
métodos; os métodos é que são feitos para os problemas. (...)
Interessa-nos indicar uma razão central pela qual a Psicologia se
reparte em tantas tendências ou escolas: a tendência organicista, a
tendência fisicalista, a tendência psico-sociológica, a tendência
psicanalítica etc. Qual o obstáculo supremo impedindo que todas essas
tendências continuem a constituir “escolas” cada vez mais fechadas, a
ponto de desagregarem a outrora chamada “ciência psicológica”? A meu
ver, esse obstáculo é devido ao fato de nenhum cientista,
conseqüentemente, nenhum psicólogo, poder considerar-se um cientista
“puro”. Como qualquer cientista, todo psicólogo está comprometido com
uma posição filosófica ou ideológica. Este fato tem uma importância
fundamental nos problemas estudados pela Psicologia. Esta não é a
mesma em todos os países. Depende dos meios culturais. Suas
variações dependem da diversidade das escolas e das ideologias. Os
problemas psicológicos se diversificam segundo as correntes ideológicas
ou filosóficas venham reforçar esta ou aquela orientação na pesquisa,
consigam ocultar ou impedir este ou aquele aspecto dos domínios a
serem explorados ou consigam esterilizar esta ou aquela pesquisa,
opondo-se implícita ou explicitamente a seu desenvolvimento. (...)

Hilton Japiassu. A psicologia dos psicólogos.


2. ed. Rio de Janeiro, Imago, 1983. p. 24-6. [pg. 28]

Questões
1. Qual a relação entre cotidiano e conhecimento científico? Dê um
exemplo de uso cotidiano do conhecimento científico (em qualquer
área).
2. Explique o que é senso comum. Dê um exemplo desse tipo de
conhecimento.
3. Explique o que você entendeu por visão-de-mundo.
4. Cite alguns exemplos de conhecimentos da Psicologia apropriados
pelo senso comum.
5. Quais os domínios do conhecimento humano? O que cada um deles
abrange?
6. Quais as características atribuídas ao conhecimento científico?
7. Quais as diferenças entre senso comum e conhecimento científico?
8. Quais são os possíveis objetos de estudo da Psicologia?
9. Quais os motivos responsáveis pela diversidade de objetos para a
Psicologia?
10. Qual a matéria-prima da Psicologia?
11. O que é subjetividade?
12. Por que a subjetividade não é inata?
13. Por que as práticas místicas não compõem o campo da Psicologia
científica?

Atividades em grupo
1. Você leu, no texto, que existem a Psicologia científica e a psicologia
do senso comum. Supondo que o seu contato até o momento só tenha
sido com a psicologia do senso comum, relacione situações do
cotidiano em que você ou as pessoas com quem convive usem essa
psicologia.
2. Baseando-se no texto e na leitura complementar, responda por que
falamos em Ciências Psicológicas e não em uma Psicologia.
3. Discuta nossa apresentação da Psicologia científica — sua matéria-
prima e seu enfoque. Para isso, retome as respostas que cada
membro do grupo deu às questões 10, 11, 12 e 13.
4. Verifique quantas pessoas do grupo já procuraram práticas
adivinhatórias. A partir da leitura do texto, discuta a experiência. [pg.
29]

Bibliografia indicada
Para o aluno
Para o aprofundamento da relação ciência e senso comum,
indicamos o capítulo 10 do livro Filosofando — introdução à Filosofia,
de Maria Lúcia Aranha e Maria Helena P. Martins (São Paulo, Moderna,
1987), e o capítulo 3 do livro Fundamentos da Filosofia — ser, saber e
fazer, de Gilberto Cotrim (São Paulo, Saraiva, 1993).
Esses dois livros podem ainda ser utilizados para explorar melhor o
método científico (no Filosofando — introdução à Filosofia, o capítulo
14, e no Fundamentos da Filosofia, o capítulo 12).
Quanto ao aprofundamento da questão do objeto das ciências
humanas, sugerimos ainda as partes 1 e 2 do capítulo 16 do
Filosofando — introdução à Filosofia.

Para o professor
Para o aprofundamento das questões colocadas no texto,
sugerimos a introdução do livro A construção da realidade, de Peter
Berger e Thomas Luckmann (Petrópolis, Vozes, 1983), onde os autores
discutem e apresentam com muita profundidade a relação
realidade/conhecimento.
Quanto à questão específica da Psicologia e psicologias, seus
objetos, seus métodos e a definição do fenômeno, indicamos o livro A
Psicologia dos psicólogos, de Hilton Japiassu (Rio de Janeiro, Imago,
1983). Esse livro supõe um bom conhecimento das teorias e sistemas
em Psicologia, já que procura discuti-los do ponto de vista metodológico.
Não é uma leitura fácil, mas importantíssima para os psicólogos.
Ressaltamos a introdução e o capítulo 1.
Indicamos, ainda, para aprofundamento da questão da Psicologia,
o livro Psicologia da conduta, de José Bleger (Porto Alegre, Artes
Médicas, 1987), que aborda a Psicologia do ponto de vista de seu objeto
de estudo. [pg. 30]
CAPÍTULO 2

A evolução da ciência psicologia

PSICOLOGIA E HISTÓRIA
Toda e qualquer produção humana — uma cadeira, uma religião,
um computador, uma obra de arte, uma teoria científica — tem por trás
de si a contribuição de inúmeros homens, que, num tempo anterior ao
presente, fizeram indagações, realizaram descobertas, inventaram
técnicas e desenvolveram idéias, isto é, por trás de qualquer produção
material ou espiritual, existe a História.
Compreender, em profundidade, algo que compõe o nosso mundo
significa recuperar sua história. O passado e o futuro sempre estão no
presente, enquanto base constitutiva e enquanto projeto. Por exemplo,
todos nós temos uma história pessoal e nos tornamos pouco
compreensíveis se não recorremos a ela e à nossa perspectiva de futuro
para entendermos quem somos e por que somos de uma determinada
forma.
Esta história pode ser mais ou menos longa para os diferentes
aspectos da produção humana. No caso da Psicologia, a história tem por
volta de dois milênios. Esse tempo refere-se à Psicologia no Ocidente,
que começa entre os gregos, no período anterior à era cristã.
Para compreender a diversidade com que a Psicologia se
apresenta hoje, é indispensável recuperar sua história. A história de sua
construção está ligada, em cada momento histórico, às exigências de
conhecimento da humanidade, às demais áreas do conhecimento
humano e aos novos desafios colocados pela realidade econômica e
social e pela insaciável necessidade do homem de compreender a si
mesmo. [pg. 31]

A PSICOLOGIA
ENTRE OS GREGOS: OS PRIMÓRDIOS
A história do pensamento humano tem um momento áureo na
Antiguidade, entre os gregos, particularmente no período de 700 a.C. até
a dominação romana, às vésperas da era cristã.

Partenon — uma das mais belas produções da arquitetura da Grécia Antiga (séc.
5 a.C).

Os gregos foram o povo mais evoluído nessa época. Uma


produção minimamente planejada e bem-sucedida permitiu a construção
das primeiras cidades-estados (pólis). A manutenção dessas cidades
implicava a necessidade de mais riquezas, as quais alimentavam,
também, o poderio dos cidadãos (membros da classe dominante na
Grécia Antiga). Assim, iniciaram a conquista de novos territórios
(Mediterrâneo, Ásia Menor, chegando quase até a China), que geraram
riquezas na forma de escravos para trabalhar nas cidades e na forma de
tributos pagos pelos territórios conquistados.
As riquezas geraram crescimento, e este crescimento exigia
soluções práticas para a arquitetura, para a agricultura e para a
organização social. Isso explica os avanços na Física, na Geometria, na
teoria política (inclusive com a criação do conceito de democracia).
Tais avanços permitiram que o cidadão se ocupasse das coisas do
espírito, como a Filosofia e a arte. Alguns homens, como Platão e
Aristóteles, dedicaram-se a compreender esse espírito empreendedor do
conquistador grego, ou seja, a Filosofia começou a especular em torno
do homem e da sua interioridade.
É entre os filósofos gregos que surge a primeira tentativa de
sistematizar uma Psicologia. O próprio termo psicologia vem do grego
psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Portanto,
[pg. 32] etimologicamente, psicologia significa “estudo da alma”. A alma
ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e
abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a
irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção.
Os filósofos pré-socráticos (assim chamados por antecederem
Sócrates, filósofo grego) preocupavam-se em definir a relação do homem
com o mundo através da percepção. Discutiam se o mundo existe
porque o homem o vê ou se o homem vê um mundo que já existe. Havia
uma oposição entre os idealistas (a idéia forma o mundo) e os
materialistas (a matéria que forma o mundo já é dada para a
percepção).
Mas é com Sócrates (469-399 a.C.) que a Psicologia na
Antiguidade ganha consistência. Sua principal preocupação era com o
limite que separa o homem dos animais. Desta forma, postulava que a
principal característica humana era a razão. A razão permitia ao homem
sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da irracionalidade. Ao
definir a razão como peculiaridade do homem ou como essência
humana, Sócrates abre um caminho que seria muito explorado pela
Psicologia. As teorias da consciência são, de certa forma, frutos dessa
primeira sistematização na Filosofia.
O passo seguinte é dado por Platão (427-347
a.C.), discípulo de Sócrates. Esse filósofo procurou
definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo.
Definiu esse lugar como sendo a cabeça, onde se
encontra a alma do homem. A medula seria, portanto,
o elemento de ligação da alma com o corpo. Este
elemento de ligação era necessário porque Platão
concebia a alma separada do corpo. Quando alguém
morria, a matéria (o corpo) desaparecia, mas a alma
ficava livre para ocupar outro corpo.
Aristóteles (384-322 a.C), discípulo de Platão, foi
um dos mais importantes pensadores da história da
Filosofia. Sua contribuição foi inovadora ao postular
que alma e corpo não podem ser dissociados. Para
Aristóteles, a psyché seria o princípio ativo da vida.
Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta
possui a sua psyché ou alma. Desta forma, os
vegetais, os animais e o homem teriam alma. Os
vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela
função de alimentação e reprodução. Os animais
teriam essa alma e a alma sensitiva, que tem a função
de percepção e movimento. E o homem teria os dois
níveis anteriores e a alma racional, que tem a função pensante.
Esse filósofo chegou a estudar as diferenças entre a razão, a
percepção e as sensações. Esse estudo está sistematizado no Da
anima, que pode ser considerado o primeiro tratado em Psicologia. [pg.
33]
Portanto, 2 300 anos antes do advento da Psicologia científica, os
gregos já haviam formulado duas “teorias”: a platônica, que postulava a
imortalidade da alma e a concebia separada do corpo, e a aristotélica,
que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao
corpo.

A PSICOLOGIA NO
IMPÉRIO ROMANO E NA IDADE MÉDIA

Às vésperas da era cristã, surge um novo império que iria dominar


a Grécia, parte da Europa e do Oriente Médio: o Império Romano. Uma
das principais características desse período é o aparecimento e
desenvolvimento do cristianismo — uma força religiosa que passa a força
política dominante. Mesmo com as invasões bárbaras, por volta de 400
d.C, que levam à desorganização econômica e ao esfacelamento dos
territórios, o cristianismo sobrevive e até se fortalece, tornando-se a
religião principal da Idade Média, período que então se inicia. [pg. 34]
E falar de Psicologia nesse período é relacioná-la ao conhecimento
religioso, já que, ao lado do poder econômico e político, a Igreja Católica
também monopolizava o saber e, conseqüentemente, o estudo do
psiquismo.
Nesse sentido, dois grandes filósofos representam esse período:
Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274).
Santo Agostinho, inspirado em Platão,
também fazia uma cisão entre alma e corpo.
Entretanto, para ele, a alma não era
somente a sede da razão, mas a prova de
uma manifestação divina no homem. A alma
era imortal por ser o elemento que liga o
homem a Deus. E, sendo a alma também a
sede do pensamento, a Igreja passa a se
preocupar também com sua compreensão.
São Tomás de Aquino viveu num
período que prenunciava a ruptura da Igreja Santo Agostinho — pintura em
madeira de Michael Pacher.
Católica, o aparecimento do protestantismo — uma época que preparava
a transição para o capitalismo, com a revolução francesa e a revolução
industrial na Inglaterra. Essa crise econômica e social leva ao
questionamento da Igreja e dos conhecimentos produzidos por ela.
Dessa forma, foi preciso encontrar novas justificativas para a relação
entre Deus e o homem. São Tomás de Aquino foi buscar em Aristóteles a
distinção entre essência e existência. Como o filósofo grego, considera
que o homem, na sua essência, busca a perfeição através de sua
existência. Porém, introduzindo o ponto de vista religioso, ao contrário de
Aristóteles, afirma que somente Deus seria capaz de reunir a essência e
a existência, em termos de igualdade. Portanto, a busca de perfeição
pelo homem seria a busca de Deus.
São Tomás de Aquino encontra argumentos racionais para
justificar os dogmas da Igreja e continua garantindo para ela o monopólio
do estudo do psiquismo.
A PSICOLOGIA NO RENASCIMENTO
Pouco mais de 200 anos após a morte de São Tomás de Aquino,
tem início uma época de transformações radicais no mundo europeu. É o
Renascimento ou Renascença. O mercantilismo leva à descoberta de
novas terras (a América, o caminho para as Índias, a rota [pg. 35] do
Pacífico), e isto propicia a acumulação de riquezas pelas nações em
formação, como França, Itália, Espanha, Inglaterra. Na transição para o
capitalismo, começa a emergir uma nova forma de organização
econômica e social. Dá-se, também, um processo de valorização do
homem.
As transformações ocorrem em todos os
setores da produção humana. Por volta de 1300,
Dante escreve A Divina Comédia; entre 1475 e
1478, Leonardo da Vinci pinta o quadro
Anunciação; em 1484, Boticelli pinta o Nascimento
de Vênus; em 1501, Michelangelo esculpe o Davi;
e, em 1513, Maquiavel escreve O Príncipe, obra
clássica da política.
As ciências também conhecem um grande
avanço. Em 1543, Copérnico causa uma revolução
Davi, de Michelangelo
no conhecimento humano mostrando que o nosso
planeta não é o centro do universo. Em 1610,
Galileu estuda a queda dos corpos, realizando as primeiras experiências
da Física moderna. Esse avanço na produção de conhecimentos propicia
o início da sistematização do conhecimento científico — começam a se
estabelecer métodos e regras básicas para a construção do
conhecimento científico.
Neste período, René Descartes (1596-1659), um dos filósofos que
mais contribuiu para o avanço da ciência, postula a separação entre
mente (alma, espírito) e corpo, afirmando que o homem possui uma
substância material e uma substância pensante, e que o corpo,
desprovido do espírito, é apenas uma máquina. Esse dualismo mente-
corpo torna possível o estudo do corpo humano morto, o que era
impensável nos séculos anteriores (o corpo era considerado sagrado
pela Igreja, por ser a sede da alma), e dessa forma possibilita o avanço
da Anatomia e da Fisiologia, que iria contribuir em muito para o
progresso da própria Psicologia. [pg. 36]

Lição de anatomia, de Rembrandt: a dessacralização do corpo

A ORIGEM DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA


No século 19, destaca-se o papel da ciência, e seu avanço torna-
se necessário. O crescimento da nova ordem econômica — o capitalismo
— traz consigo o processo de industrialização, para o qual a ciência
deveria dar respostas e soluções práticas no campo da técnica. Há,
então, um impulso muito grande para o desenvolvimento da ciência,
enquanto um sustentáculo da nova ordem econômica e social, e dos
problemas colocados por ela.
Para uma melhor compreensão, retomemos algumas
características da sociedade feudal e capitalista emergente, sendo esta
responsável por mudanças que marcariam a história da humanidade.
Na sociedade feudal, com modo de produção voltado para a
subsistência, a terra era a principal fonte de produção. A relação do
senhor e do servo era típica de uma economia fechada, na qual uma
hierarquia rígida estava estabelecida, não havendo mobilidade social.
Era uma sociedade estável, em que predominava uma visão de um
universo estático — um mundo natural organizado e hierárquico, em que
a verdade era sempre decorrente de revelações. Nesse mundo vivia um
homem que tinha seu lugar social definido a partir do nascimento. A
razão estava submetida à fé como garantia de centralização do poder. A
autoridade era o critério de verdade. Esse mundo fechado e esse
universo finito refletiam e justificavam a hierarquia social inquestionável
do feudo.
O capitalismo pôs esse mundo em movimento, com a necessidade
de abastecer mercados e produzir cada vez mais: buscou novas
matérias-primas na Natureza; criou necessidades; contratou o trabalho
de muitos que, por sua vez, tornavam-se consumidores das mercadorias
produzidas; questionou as hierarquias para derrubar a nobreza e o clero
de seus lugares há tantos séculos estabilizados.
O universo também foi posto em movimento. O Sol tornou-se o
centro do universo, que passou a ser visto sem hierarquizações. O
homem, por sua vez, deixou de ser o centro do universo
(antropocentrismo), passando a ser concebido como um ser livre, capaz
de construir seu futuro. O servo, liberto de seu vínculo com a terra, pôde
escolhei seu trabalho e seu lugar social. Com isso, o capitalismo tornou
todos os homens consumidores, em potencial, das mercadorias
produzidas,
O conhecimento tornou-se independente da fé. Os dogmas da
Igreja foram questionados. O mundo se moveu. A racionalidade do
homem apareceu, então, como a grande possibilidade de construção do
conhecimento. [pg. 37]
A burguesia, que disputava o poder e surgia como nova classe
social e econômica, defendia a emancipação do homem para emancipar-
se também. Era preciso quebrar a idéia de universo estável para poder
transformá-lo. Era preciso questionar a Natureza como algo dado para
viabilizar a sua exploração em busca de matérias-primas.
Estavam dadas as condições materiais para o desenvolvimento da
ciência moderna. As idéias dominantes fermentaram essa construção: o
conhecimento como fruto da razão; a possibilidade de desvendar a
Natureza e suas leis pela observação rigorosa e objetiva. A busca de um
método rigoroso, que possibilitasse a observação para a descoberta
dessas leis, apontava a necessidade de os homens construírem novas
formas de produzir conhecimento — que não era mais estabelecido pelos
dogmas religiosos e/ou pela autoridade eclesial. Sentiu-se necessidade
da ciência.
Nesse período, surgem
homens como Hegel, que
demonstra a importância da
História para a compreensão do
homem, e Darwin, que enterra o
antropocentrismo com sua tese
evolucionista. A ciência avança
tanto, que se torna um
referencial para a visão de
mundo. A partir dessa época, a
noção de verdade passa,
necessariamente, a contar com
o aval da ciência. A própria
Filosofia adapta-se aos novos
tempos, com o surgimento do
Positivismo de Augusto Comte,
O capitalismo moveu o mundo, produzindo
mercadorias e necessidades. que postulava a necessidade de
maior rigor científico na
construção dos conhecimentos nas ciências humanas. Desta forma,
propunha o método da ciência natural, a Física, como modelo de
construção de conhecimento. [pg. 38]
É em meados do século 19 que os problemas e temas da
Psicologia, até então estudados exclusivamente pelos filósofos, passam
a ser, também, investigados pela Fisiologia e pela Neurofisiologia em
particular. Os avanços que atingiram também essa área levaram à
formulação de teorias sobre o sistema nervoso central, demonstrando
que o pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram
produtos desse sistema.
É preciso lembrar que esse mundo capitalista trouxe consigo a
máquina. Ah! A máquina! Que criação fantástica do homem! E foi tão
fantástica que passou a determinar a forma de ver o mundo. O mundo
como uma máquina; o mundo como um relógio. Todo o universo passou
a ser pensado como uma máquina, isto é, podemos conhecer o seu
funcionamento, a sua regularidade, o que nos possibilita o conhecimento
de suas leis. Esta forma de pensar atingiu também as ciências do
homem.
Para se conhecer o psiquismo humano passa a ser necessário
compreender os mecanismos e o funcionamento da máquina de pensar
do homem — seu cérebro. Assim, a Psicologia começa a trilhar os
caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia.
Algumas descobertas são extremamente relevantes para a
Psicologia. Por exemplo, por volta de 1846, a Neurologia descobre que a
doença mental é fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores
sobre as células cerebrais.
A Neuroanatomia descobre que a atividade motora nem sempre
está ligada à consciência, por não estar necessariamente na
dependência dos centros cerebrais superiores. Por exemplo, quando
alguém queima a mão em uma chapa quente, primeiro tira-a da chapa
para depois perceber o que aconteceu. Esse fenômeno chama-se
reflexo, e o estímulo que chega à medula espinhal, antes de chegar aos
centros cerebrais superiores, recebe uma ordem para a resposta, que é
tirar a mão.
O caminho natural que os fisiologistas da época seguiam, quando
passavam a se interessar pelo fenômeno psicológico enquanto estudo
científico, era a Psicofísica. Estudavam, por exemplo, a fisiologia do
olho e a percepção das cores. As cores eram estudadas como fenômeno
da Física, e a percepção, como fenômeno da Psicologia.
Por volta de 1860, temos a formulação de uma importante lei no
campo da Psicofísica. É a Lei de Fechner-Weber, que estabelece a
relação entre estímulo e sensação, permitindo a sua mensuração.
Segundo Fechner e Weber, a diferença que sentimos ao aumentarmos a
intensidade de iluminação de uma lâmpada de 100 para 110 [pg. 39]
watts será a mesma sentida quando aumentamos a intensidade de
iluminação de 1000 para 1100 watts, isto é, a percepção aumenta em
progressão aritmética, enquanto o estímulo varia em progressão
geométrica.
Essa lei teve muita importância na história da Psicologia porque
instaurou a possibilidade de medida do fenômeno psicológico, o que até
então era considerado impossível. Dessa forma, os fenômenos
psicológicos vão adquirindo status de científicos, porque, para a
concepção de ciência da época, o que não era mensurável não era
passível de estudo científico.
Outra contribuição muito importante nesses primórdios da
Psicologia científica é a de Wilhelm Wundt (1832-1926). Wundt cria na
Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório para
realizar experimentos na área de Psicofisiologia. Por esse fato e por sua
extensa produção teórica na área, ele é considerado o pai da Psicologia
moderna ou científica.
Wundt desenvolve a concepção do paralelismo psicofísico,
segundo a qual aos fenômenos mentais correspondem fenômenos
orgânicos. Por exemplo, uma estimulação física, como uma picada de
agulha na pele de um indivíduo, teria uma correspondência na mente
deste indivíduo. Para explorar a mente ou consciência do indivíduo,
Wundt cria um método que denomina introspeccionismo. Nesse
método, o experimentador pergunta ao sujeito, especialmente treinado
para a auto-observação, os caminhos percorridos no seu interior por uma
estimulação sensorial (a picada da agulha, por exemplo).

A PSICOLOGIA CIENTÍFICA
O berço da Psicologia moderna foi a Alemanha do final do século
19. Wundt, Weber e Fechner trabalharam juntos na Universidade de
Leipzig. Seguiram para aquele país muitos estudiosos dessa nova
ciência, como o inglês Edward B. Titchner e o americano William James.
Seu status de ciência é obtido à medida que se “liberta” da
Filosofia, que marcou sua história até aqui, e atrai novos estudiosos e
pesquisadores, que, sob os novos padrões de produção de
conhecimento, passam a: [pg. 40]
• definir seu objeto de estudo (o comportamento, a vida psíquica, a
consciência);
• delimitar seu campo de estudo, diferenciando-o de outras áreas de
conhecimento, como a Filosofia e a Fisiologia;
• formular métodos de estudo desse objeto;
• formular teorias enquanto um corpo consistente de conhecimentos na
área.
Essas teorias devem obedecer aos critérios básicos da
metodologia científica, isto é, deve-se buscar a neutralidade do
conhecimento científico, os dados devem ser passíveis de comprovação,
e o conhecimento deve ser cumulativo e servir de ponto de partida para
outros experimentos e pesquisas na área.
Os pioneiros da Psicologia procuraram, dentro das possibilidades,
atingir tais critérios e formular teorias. Entretanto os conhecimentos
produzidos inicialmente caracterizaram-se, muito mais, como postura
metodológica que norteava a pesquisa e a construção teórica.
Embora a Psicologia científica tenha nascido na Alemanha, é nos
Estados Unidos que ela encontra campo para um rápido crescimento,
resultado do grande avanço econômico que colocou os Estados Unidos
na vanguarda do sistema capitalista. É ali que surgem as primeiras
abordagens ou escolas em Psicologia, as quais deram origem às
inúmeras teorias que existem atualmente.
Essas abordagens são: o Funcionalismo, de William James
(1842-1910), o Estruturalismo, de Edward Titchner (1867-1927) e o
Associacionismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949).

O FUNCIONALISMO
O Funcionalismo é considerado como a primeira sistematização
genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Uma
sociedade que exigia o pragmatismo para seu desenvolvimento
econômico acaba por exigir dos cientistas americanos o mesmo espírito.
Desse modo, para a escola funcionalista de W. James, importa
responder “o que fazem os homens” e “por que o fazem”. Para responder
a isto, W. James elege a consciência como o centro de suas
preocupações e busca a compreensão de seu funcionamento, na medida
em que o homem a usa para adaptar-se ao meio. [pg. 41]

O ESTRUTURALISMO
O Estruturalismo está preocupado com a compreensão do
mesmo fenômeno que o Funcionalismo: a consciência. Mas,
diferentemente de W. James, Titchner irá estudá-la em seus aspectos
estruturais, isto é, os estados elementares da consciência como
estruturas do sistema nervoso central. Esta escola foi inaugurada por
Wundt, mas foi Titchner, seguidor de Wundt, quem usou o termo
estruturalismo pela primeira vez, no sentido de diferenciá-la do
Funcionalismo. O método de observação de Titchner, assim como o de
Wundt, é o introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos
produzidos são eminentemente experimentais, isto é, produzidos a partir
do laboratório.
O ASSOCIACIONISMO
O principal representante do Associacionismo é Edward L.
Thorndike, e sua importância está em ter sido o formulador de uma
primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Sua produção de
conhecimentos pautava-se por uma visão de utilidade deste
conhecimento, muito mais do que por questões filosóficas que
perpassam a Psicologia.
O termo associacionismo origina-se da concepção de que a
aprendizagem se dá por um processo de associação das idéias — das
mais simples às mais complexas. Assim, para aprender um conteúdo
complexo, a pessoa precisaria primeiro aprender as idéias mais simples,
que estariam associadas àquele conteúdo.
Thorndike formulou a Lei do Efeito, que seria de grande utilidade
para a Psicologia Comportamentalista. De acordo com essa lei, todo
comportamento de um organismo vivo (um homem, um pombo, um rato
etc.) tende a se repetir, se nós recompensarmos (efeito) o organismo
assim que este emitir o comportamento. Por outro lado, o comportamento
tenderá a não acontecer, se o organismo for castigado (efeito) após sua
ocorrência. E, pela Lei do Efeito, o organismo irá associar essas
situações com outras semelhantes. Por exemplo, se, ao apertarmos um
dos botões do rádio, formos “premiados” com música, em outras
oportunidades apertaremos o mesmo botão, bem como generalizaremos
essa aprendizagem para outros aparelhos, como toca-discos, gravadores
etc. [pg. 42]

AS PRINCIPAIS TEORIAS
DA PSICOLOGIA NO SÉCULO 20
A Psicologia enquanto um ramo da Filosofia estudava a alma. A
Psicologia científica nasce quando, de acordo com os padrões de ciência
do século 19, Wundt preconiza a Psicologia “sem alma”. O conhecimento
tido como científico passa então a ser aquele produzido em laboratórios,
com o uso de instrumentos de observação e medição. Se antes a
Psicologia estava subordinada à Filosofia, a partir daquele século ela
passa a ligar-se a especialidades da Medicina, que assumira, antes da
Psicologia, o método de investigação das ciências naturais como critério
rigoroso de construção do conhecimento.
Essa Psicologia científica, que se constituiu de três escolas —
Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo —, foi substituída, no
século 20, por novas teorias.
As três mais importantes tendências teóricas da Psicologia neste
século são consideradas por inúmeros autores como sendo o
Behaviorismo ou Teoria (S-R) (do inglês Stimuli-Respond — Estímulo-
Resposta), a Gestalt e a Psicanálise.
• O Behaviorismo, que nasce com Watson e tem um desenvolvimento
grande nos Estados Unidos, em função de suas aplicações práticas,
tornou-se importante por ter definido o fato psicológico, de modo
concreto, a partir da noção de comportamento (behavior).
• A Gestalt, que tem seu berço na Europa, surge como uma negação da
fragmentação das ações e processos humanos, realizada pelas
tendências da Psicologia científica do século 19, postulando a
necessidade de se compreender o homem como uma totalidade. A
Gestalt é a tendência teórica mais ligada à Filosofia.
• A Psicanálise, que nasce com Freud, na Áustria, a partir da prática
médica, recupera para a Psicologia a importância da afetividade e
postula o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a tradição da
Psicologia como ciência da consciência e da razão.
Nos próximos três capítulos, desenvolveremos cada uma dessas
principais tendências teóricas, a partir da apresentação de alguns de
seus conceitos básicos. Em um quarto capítulo, apresentaremos a
Psicologia Sócio-Histórica como uma das vertentes teóricas em
construção na Psicologia atual. [pg. 43]
Questões
1. Qual a importância de se conhecer a história da Psicologia?
2. Quais as condições econômicas e sociais da Grécia Antiga que
propiciaram o início da reflexão sobre o homem?
3. Quais as contribuições fundamentais para a Psicologia apontadas nos
textos de Sócrates, Platão e Aristóteles?
4. Com a hegemonia da Igreja, na Idade Média, qual a contribuição de
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino para o conhecimento em
Psicologia?
5. Em qual período histórico situa-se a contribuição de Descartes para a
Psicologia? Qual é essa contribuição?
6. Quais as contribuições da Fisiologia e da Neurofisiologia para a
Psicologia?
7. Qual o papel de Wundt na história da Psicologia?
8. Quais os critérios que a Psicologia deveria satisfazer para adquirir o
status de ciência?
9. O que caracteriza o Funcionalismo, o Associacionismo e o
Estruturalismo?
10. Quais as principais teorias em Psicologia, no século 20?

Atividades em grupo
1. Quais as diferenças entre a Psicologia como um ramo da Filosofia e a
Psicologia científica?
2. Como a produção do conhecimento está relacionada com as
condições materiais do momento histórico em que ela se dá?
Exemplifique.
3. Construam uma linha do tempo e registrem nela os principais marcos
da história da humanidade e os principais momentos da construção da
Psicologia.
Bibliografia indicada
A história da Psicologia é um tema que não apresenta obras
adequadas aos alunos de 2° grau. Mesmo os livros introdutórios, como
os de Fred S. Keller, A definição da Psicologia (São Paulo, Herder,
1972), e de Anatol Rosenfeld, O pensamento psicológico (São Paulo,
Perspectiva, 1984), destinam-se a leitores que tenham um mínimo de
familiaridade com as questões da Psicologia. O primeiro trata da
Psicologia a partir de sua fase científica, até o Behaviorismo e a Gestalt,
excluindo a Psicanálise. O segundo é mais denso e percorre os
caminhos da Psicologia desde os filósofos pré-socráticos até a fase
científica.
Uma bibliografia mais avançada é composta pelos livros de
Antônio Gomes Penna, Introdução à história da Psicologia
contemporânea (Rio de Janeiro, Zahar, 1980), e de Fernand Lucien
Mueller, História da Psicologia (São Paulo, Nacional, 1978). [pg. 44]
P a r a um a C rític a d a R a z ã o
PSICOMÉTRICA

Maria Helena Souza Patto


Instituto de Psicologia - USP

A p a rtir da p resen ça de testes e de laudos p sico ló g ico s na escola


p ú b lic a de I o grau, o artigo discute, no m arco teórico do m a teria lism o
histórico, aspecto s epistem ológicos e p o lítico s do psico d ia g n ó stico .

D escritores: P sicom etria. P sicodiagnóstico. Epistem ología. Etica


profissional. Escolas de 1° grau.

ncaminhar para diagnóstico os alunos que não correspondem às


E expectativas de rendimento e de comportamento que vigoram nas
escolas é um anseio de professores, técnicos e administradores escolares
que um número crescente de psicólogos que trabalham em consultorios
particulares ou em centros públicos de saúde tem ajudado a realizar.
Como regra, o exame psicológico conclui pela presença de defi­
ciências ou distúrbios mentais nos alunos encaminhados, prática que terá
resultados diferentes em função da classe social a que pertencem: em se
tratando de crianças da média e da alta burguesia, os procedimentos
diagnósticos levarão a psicoterapias, terapias pedagógicas e orientação de
pais que visam a adaptá-las a uma escola que realiza os seus interesses de
classe; no caso de crianças das classes subalternas, ela termina com um
laudo que, mais cedo ou mais tarde, justificará a exclusão da escola.
Neste caso, a desigualdade e a exclusão são justificadas cientificamente
(portanto, com pretensa isenção e objetividade) através de explicações
que ignoram a sua dimensão política e se esgotam no plano das dife­
renças individuais de capacidade.

P sicologia USP, São Paulo, v.8, n .l, p.47-62, 1997. Al


Pesquisas recentes da escola pública de Io grau, realizadas a partir
de um lugar teórico que a toma como instituição social que só pode ser
entendida no interior das relações sociais de produção em vigor na
sociedade que a inclui, têm mostrado reiteradamente que essas dificul­
dades não podem ser entendidas sem que se levem em conta práticas e
processos escolares que dificultam a aprendizagem. Tais práticas e
processos produzem nos alunos atitudes e comportamentos que são
comumente tomados como “indisciplina”, “desajustamento”, “distúrbio
emocional”, “hiperatividade”, “apatia”, “disfunção cerebral mínima”,
“agressividade”, “deficiência mental leve” e tantos outros rótulos caros a
professores e psicólogos.
Quem já esteve numa escola pública e conversou com professores e
técnicos escolares a respeito da repetência sabe que em sua maior parte
eles ainda têm uma visão preconceituosa da pobreza, portadores que são
de um traço profundo da cultura dominante brasileira: a desqualificação
dos pobres; submetidos a más condições de trabalho, os professores
costumam procurar bodes expiatórios para a incompetência pedagógica
da escola; formados no interior de concepções científicas tradicionais do
fracasso escolar (engendradas e divulgadas desde o começo do século
pelo movimento escolanovista), segundo as quais a marginalidade social
é expressão de deficiências biopsicológicas individuais (Saviani, 1983),
aderem a uma visão medicalizada das dificuldades de escolarização das
crianças das classes populares.
Mais importante ainda é destacar que essas opiniões também com­
parecem no discurso dos próprios psicólogos, porém dc forma mais sutil,
uma vez que traduzidas em termos científicos. Só a título de exemplo:
um psicanalismo recente, fundado na concepção winnicottiana de “mãe
suficientemente boa”, vem explicando os altos índices de repetência
escolar e de atos ilegais entre crianças e jovens das classes trabalhadoras
a partir do pressuposto de que as mulheres pobres são “mães não-sufi-
cientemente boas” para promover a saúde mental de seus filhos. Esta
versão inclui a dimensão política só na aparência: embora faça referência
à pobreza, naturaliza-a ao reduzi-la a uma questão de falta de recursos
materiais, deixando de lado a questão da dominação presente não só nos
comportamentos de rebeldia, como no sistema jurídico-policial e nas
próprias ciências (entre elas a Psicologia) que o assessoram através de
laudos diagnósticos não raro portadores de forte acento moralista, além
de reducionistas, pois fechados no plano do indivíduo e da família
tomados como abstrações.
A “teoria” da carência cultural retomou a explicação da “marginali­
dade” social e legal nos termos biopsicológicos que vieram no bojo do
movimento escolanovista. Gerada nos anos 60 nos Estados Unidos da
América, no interior do movimento por direitos civis das chamadas
minorias raciais, ela é portadora de todos os estereótipos e preconceitos
sociais a respeito dos pobres e continua marcando presença nos meios em
que se planeja e se faz a educação escolar primária no Brasil. Tomada
como base de medidas administrativas e pedagógicas que visam à busca
de saídas técnicas para o beco no qual se encontra a educação pública
elementar, ela só tem contribuído para o aprofundamento da má quali­
dade da escola que se oferece ao povo, na medida que justifica um
barateamento do ensino que acaba realizando a profecia segundo a qual
os pobres não têm capacidade suficiente para o sucesso escolar.
As práticas de diagnóstico de alunos encaminhados por escolas
públicas situadas em bairros pobres constituem, como já dissemos em
outro lugar, verdadeiros crimes de lesa-cidadania: laudos invariavelmente
faltos de um mínimo de bom senso, mergulhados no mais absoluto senso
comum produzem estigmas e justificam a exclusão escolar de quase
todos os examinandos, reduzidos a coisas portadoras de defeitos de
funcionamento em algum componente da máquina psíquica.
A estereotipia da linguagem utilizada, a mesmice das frases,
conclusões e recomendações trazem-nos à mente a imagem de um carim­
bo - os laudos falam de uma criança abstrata, sempre a mesma. O fato de
invariavelmente aprovarem (laudare significa aprovar) a crença dos
educadores de que há algo errado com o aprendiz mostra uma signifi­
cativa convergência das visões técnico-científica e do senso comum.
Tudo se passa como se professor e psicólogo partissem do princípio de
que o examinando é portador de alguma anormalidade. Basta consultar os
testes, para supostamente descobrir qual.
Como técnicas de exame psicológico que fundamentam as conclu­
sões, esses laudos mencionam testes de avaliação da inteligência, da
personalidade e das chamadas habilidades especiais. Muitas vezes um
teste de inteligência construído nos Estados Unidos da América para
testar recrutas durante a Primeira Guerra Mundial é suficiente para a
emissão de veredictos, desde os mais esdrúxulos, até os mais conformes
aos conceitos da Psicologia. Poucas vezes a bateria é mais completa, o
que, como veremos, não melhora em nada a situação.

A revelação desse estado de coisas reacendeu recentemente uma


discussão cheia de percalços a respeito dos testes psicológicos. O assunto
é difícil, por vários motivos: porque chama a atenção para a má formação
dos psicólogos; porque o uso de testes para fins psicodiagnósticos é, por
lei, privativo dos psicólogos e está no centro de sua identidade profis­
sional, o que faz com que a crítica provoque medo de perda dos pontos
de referência; porque a crítica se faz a partir de um referencial teórico
materialista histórico, objeto ainda de grande preconceito e pouco conhe­
cido entre psicólogos; porque a inércia também está presente no corpo
docente da escola de 3o grau. Mas a dificuldade maior de realizar esse
debate certamente vem da formação predominantemente técnica dos
psicólogos, em geral, e dos que se dedicam aos testes, em particular.
A crítica dos testes tem sido feita em diferentes níveis de profun­
didade: dos conteúdos; da definição de inteligência e de personalidade
em que se apóiam; do critério estatístico e adaptativo de normalidade que
lhes serve de base; da situação de testagem propriamente dita; da teoria
do conhecimento a partir da qual eles são gerados.
Quanto ao primeiro, basta mencionar que para avaliar o nível
intelectual os psicólogos fazem perguntas cujas respostas, para serem
avaliadas como corretas, requerem do avaliando uma visão ideológica de
mundo. Este é o caso, por exemplo, de itens que partem do pressuposto da
idoneidade das instituições de caridade, da qual qualquer pessoa que tenha
um mínimo de compreensão da realidade em que vive discordaria. Esta
valorização da filantropia é tipicamente burguesa e, no caso brasileiro,
configurou-se com nitidez a partir do movimento de “faxina urbana”
ocorrido na Primeira República. Tais considerações introduzem a questão
do viés cultural presente nos testes, que pode assumir a forma de identi­
ficação de inteligência com adesão à moral hegemônica.
Sobre o conceito de inteligência contido nos testes de QI, a crítica
vem sobretudo dos piagetianos, que destacam o fato de que esses testes
medem produtos de processos mentais, ignorando o processo de produção
da resposta, mais importante na determinação do estágio de desenvol­
vimento intelectual (e não de uma capacidade intelectual estática) do que o
resultado alcançado.
Quanto ao processo mesmo de aplicação dos testes, vários problemas
poderiam ser mencionados, entre os quais destacamos dois: a falta de
clareza a respeito das “regras do jogo” presentes em situações de exame
psicológico e a inclusão da rapidez da resposta na definição de inteli­
gência.
Em relação ao primeiro, Cagliari (1985) chama a atenção para o fato
de na vida em família, na escola e nas situações de teste as perguntas dos
adultos terem significados e funções muito diferentes para as crianças, o
que contribui para confundi-las nas situações de avaliação; quanto ao
segundo, além da natureza ideológica do conceito de inteligência empre­
gado, existe o fato agravante de o examinando ignorá-lo, pois faz parte da
técnica de aplicação não informá-lo a respeito.
Em resumo, problemas relativos ao conteúdo das provas, à con-
ceituação de inteligência e à lógica da situação de avaliação fazem com
que os testes se transformem em artimanha do poder, que prepara uma
armadilha para a criança, que acaba vítima de um resultado que não
passa de um artefato da própria natureza do instrumento e' de sua
aplicação, situação tanto mais verdadeira quanto mais o examinando for
uma criança pobre e portadora de urna historia de fracasso escolar
produzido pela escola.
No entanto, ainda que resolvidas todos essas questões, a essência
dos testes permaneceria intocada, pois o cerne do problema está na
concepção de ciência que os engendra.

Discutir os testes não é pôr em confronto gostos e opiniões


pessoais; muito menos transformar o debate em rinha ou ringue para
divertir a platéia. O que está em pauta não são os testes em si mesmos,
mas uma discussão teórica de caráter muito mais amplo: o da própria
concepção de ciência, de Homem e de sociedade que lastreia uma
Psicologia que está na base da criação de instrumentos para fins de
avaliação e classificação de indivíduos e grupos, Psicologia esta que tem
sido qualificada como positivista, instrumental, objetivista e fisicalista
(veja Leopoldo e Silva, 1997). Se assim é, a conclusão bastante usual a
que chegam participantes desses debates de que “fulano não gosta de
testes” prova que a discussão teórica não aconteceu.
Para que haja um debate fecundo é preciso que ambos os lados
tenham um mínimo de clareza a respeito do lugar teórico a partir do qual
elaboram os seus argumentos. Os que defendem a mensuração do psi-
quismo e os laudos psicológicos precisam conhecer não só os pressu­
postos filosóficos das técnicas que adotam, mas também os fundamentos
da crítica, sem o que não podem contra-argumentar. O mesmo vale para
os que fazem a crítica: é preciso que conheçam a base teórica da
Psicologia psicométrica e normativa e dominem o arcabouço teórico com
o qual se debruçam sobre ela para desvelar a sua razão. Sem isso, a
comunicação torna-se impossível e o que se tem é um estéril e absurdo
diálogo de surdos, do qual é melhor ausentar-se.
No interior desse debate, raciocínios teóricos provocam com
freqüência respostas pragmáticas. Diante da crítica da coisificação do
sujeito operada pelos testes, alega-se que o problema não está neles, mas
na impericia dos que os aplicam e redigem laudos; diante da proposta de
substituí-los por outras formas de os psicólogos estarem com pessoas de
modo a conhecê-las não como objetos, mas como sujeitos sociais e
individuais, defende-se a sua imprescindibilidade com justificativas
como a necessidade de atender a solicitações de diagnósticos rápidos;
diante da crítica que os desvela como instrumentos que justificam
cientificamente a desigualdade e a exclusão social, menciona-se o uso
dos testes para incluir, como nos raros casos em que, a partir de
resultados de QI, crianças foram retiradas dos guetos das classes
especiais e reinseridas nas classes comuns. (Note-se que, neste argu­
mento, a superação do papel excludente dos testes é só aparente: na
verdade, continua-se a afirmar que, em função dos resultados neles
obtidos, é legítimo classificar crianças para fins de inclusão ou de
exclusão em espaços escolares). Movendo-se nos limites do senso
comum ou do pensamento cotidiano, esses raciocínios tomam por
verdadeiro o que é útil e não saem do lugar.
Poder-se-ia pensar que o pragmatismo das respostas à crítica da
Psicologia decorre da insuficiência de instrumentos teóricos da maior
parte dos que se formam em cursos de Psicologia, nos quais o objetivo
preponderante de profissionalizar por meio do ensino de técnicas de
diagnóstico e psicoterapia torna ociosa a reflexão teórica. No entanto,
não se trata disso. Não se está diante de um uso pragmático do que não
é necessariamente assim, pois “o pragmatismo da ciência não é elemen­
to derivado, que a ela se acrescentaria. Há uma intencionalidade prag­
mática originária” no modelo objetivista de Ciência (Leopoldo e Silva,
1997, p.22).
A alegação de cientificidade dos testes e da Psicologia também
comparece com freqüência como resposta ao seu questionamento. Mas a
afirmação, sem mais nada, de seu estatuto científico, como se isso
pusesse um ponto final no debate, revela que os que fazem a Psicologia
geralmente passam ao largo da crítica filosófica e sociológica contem­
porânea das Ciências Humanas, crítica essa que traz à luz a reificação dos
seres humanos, sua coisificação quando identificados com o objeto (as
coisas) das Ciências Naturais e declarados passíveis de serem conhecidos
através dos mesmos métodos.

Aprisionada em sua circunstância de especialização, a Psicologia


faz parte do “cientificismo parcelador e coisificador do conhecimento”,
que produz “modalidades segmentadas do conhecimento” (Martins,
1978, p.20-1), o que não quer dizer que se for ao encontro das Ciências
Sociais ela poderá, por adição, recompor a visão perdida da totalidade,
pois estamos diante de uma recomposição impossível nas condições
históricas atuais. O que os psicólogos podem fazer é aproximar-se das
teorias que lhes permitam pensar criticamente as condições em que a
Psicologia se fez e se faz como ciência e profissão.
Fazer a crítica da Psicologia (e da psicometria que faz parte dela) é
situar o conhecimento que ela produz, é

ir à sua raiz, definir os seus com prom issos sociais e históricos, localizar a
perspectiva que o construiu, descobrir a m aneira de pensar e interpretrar a
vida social da classe que apresenta esse conhecim ento com o universal.
(...) A perspectiva crítica pode (...) descobrir toda a am plitude do que se
acanha lim itadoram ente sob determ inados conceitos, sistem as de
conhecim ento ou m étodos. (M artins, 1977, p.2).

A reflexão sobra a Psicologia só se realiza quando o conhecimento


que a constitui é analisado à luz da Sociologia do conhecimento, ou seja,
de uma Sociologia voltada para o estudo das interpretações da realidade
humano-social, em busca da perspectiva de classe a partir da qual elas
foram construídas.
Dizer que o ângulo de visão proporcionado pelo compromisso de
classe faz parte do arcabouço dessas interpretações é dizer que os
interesses de classe são constitutivos de conceitos, de sistemas de conhe­
cimento e de métodos; significa, portanto, dizer que as dimensões política
e epistemológica do conhecimento são inseparáveis. Sendo assim, crítica
não é implicância, opinião ou ataque pessoal a teorias e métodos, não é
recusa de uma modalidade de conhecimento em nome de outra. “O proce­
dimento crítico é aquele que incorpora, ultrapassando, determinado
conhecimento.” (Martins, 1978, p.45). Incorpora o conhecimento objeto
da crítica porque não o recusa, mas vai em busca de sua gênese;
ultrapassa-o porque, desvendeando a sua razão - e só assim - pode superá-
lo. Para fazer a crítica da psicometria (e da Psicologia que a contém) é
preciso, em primeiro lugar, buscar a sua origem teórico-política, ou seja,
analisar o momento histórico da constituição das classificações valora-
tivas inerentes a uma Psicologia normativa. Proceder assim significa
concebê-la não como um engano, mas como conhecimento que tem a sua
razão, “uma razão anti-histórica, mas historicamente determinada.”
(Martins, 1978, p.45).
Noções naturalizadas e matematizadas de diferenças individuais e
grupais de capacidade psíquica foram elaboradas a partir de condições
sócio-históricas determinadas que é preciso desvendar. Foi dessa perspec­
tiva que fiz a crítica da cruzada psicométrica do começo do século XX e
da “teoria” da carência cultural; foi a partir dela que se pôde desvelar a
visão de mundo da burguesia triunfante oitocentista incrustada na
concepção de distribuição meritocrática das pessoas pela hierarquia social
(concepção que preside as classificações valorativas de inteligência e
personalidade) e perceber que o conceito de aptidão natural (só para dar
um exemplo) é realização da necessidade de auto-explicação da socieda­
de capitalista em termos que garantam a sua continuidade (a sua repro­
dução). Enfim, é desta perspectiva totalizadora e histórica que se pode
perceber que o conhecimento não é neutro e pode ter conseqüências que
escapam às boas intenções de quem o produz.
O conhecimento materialismo histórico não aspira à neutralidade.
Nas Teses Contra Feuerbach (1845) Marx explicitou a natureza engajada
de sua teoria; na décima-primeira tese ele diz: “Os filósofos se limitaram
a interpretar o mundo; diferentemente, cabe transformá-lo.” (1978,
p.53). O compromisso com “a transformação do mundo e com a digni­
dade do homem” é princípio constitutivo, é marca de nascença de seu
arcabouço teórico, é o móvel da reflexão de Marx sobre o conhecimento
e a condição humana sob o modo capitalista de produção.
Do interior da filosofía marxista, Martins (1978) afirma: “só o
compromisso com a transformação da sociedade pode revolucionar o
conhecimento.” (p.xiii). De dentro das idéias da Escola de Frankfurt,
Leopoldo e Silva (1997) diz: “a teoría tradicional supõe a possibilidade
de uma descrição neutra da realidade, mesmo que esta realidade seja
psicológica, social ou histórica, isto é, mesmo naquilo que se refere ao
homem”, ao passo que “a teoría crítica não pode deixar de considerar a
gênese social dos problemas, as situações reais nas quais a ciência é
empregada e os fins perseguidos.” (p.25). A consideração das finalidades
sociais do conhecimento está, portanto, no miolo desta concepção de
Ciências Humanas; dizendo com outras palavras, em seu interior a linha
que separa Ciência e Ética perde a nitidez.
O compromisso humano-genérico está no cerne da obra de Marx, é
constitutivo tanto de sua antropologia quanto de sua teoria do valor. Nos
Manuscritos Econômicos e Filosóficos, o conceito de alienação explica a
natureza da atividade produtiva, da relação do trabalhador com os produtos
do seu trabalho e de uma lógica perversa na qual “o homem (o trabalhador)
só se sente livremente ativo em suas funções animais - comer, beber e
procriar, ou no máximo também em sua casa e no embelezamento dela -,
enquanto em suas funções humanas se reduz a um animal.” (1970, p.94).
Significativamente, O Capital começa com a discussão sobre o fetichismo
da mercadoria, no qual os objetos materiais (as mercadorias) aparecem
como dotados naturalmente de valor, enquanto as relações de trabalho
entre os produtores aparecem sob a forma de relações entre os produtos de
seu trabalho. Não por acaso, a frase que abre esse texto fala do predomínio
de coisas: “A riqueza das sociedades em que domina o modo capitalista de
produção aparece como uma imensa coleção de mercadorias, e a
mercadoria individual como sua forma elementar.” (1983, p.45). Em
ambos os casos, Marx está, de dentro de seu compromisso com os valores
humanistas, tratando da coisificação dos homens enquanto essência desse
modo de produção. E o faz com paixão e profundidade teórica.
A crítica marxista do conhecimento que faz do sujeito um objeto
tem origem na análise do fetichismo da mercadoria. É nela que se
desvenda a maneira pela qual a forma econômica do capitalismo oculta
as relações sociais que lhe são subjacentes; é nela que se fundamenta o
desvelamento de uma forma de conhecimento que coisifica os homens ao
se deter na aparência da realidade social, no que é imediatamente dado,
em contraposição ao conhecimento que desvela a sua essência, ou seja, a
sua face ocultada. Dizendo de outro modo, de um ponto de vista mate­
rialista histórico, na forma assumida pelo trabalho sob o modo de
produção capitalista - o trabalho dividido, parcelar - está a origem desta
“ilusão de ótica” que transforma as coisas em entidades que se rela­
cionam socialmente e as relações sociais entre os produtores em relações
entre coisas. Cabe à teoria revelar a realidade ocultada, ou seja, as
relações sociais de produção. É, portanto, um enorme esforço teórico que
possibilita a consciência de que o que aparece como natural é social; o
que aparece como a-histórico é histórico; o que aparece como relação
justa, é exploração; o que aparece como mero lucro, é extração da mais-
valia; o que aparece como resultado de deficiências individuais de
capacidade é produto de dominação e de desigualdade de direitos deter­
minadas historicamente.
Isto posto, três outras afirmações intimamente relacionadas, que se
fazem presentes nos debates sobre os testes, precisam ser revistas: a
primeira qualifica a crítica ético-política como fácil, superficial e inútil,
pois, para realizá-la, bastaria “apresentar-se como marxista e em seguida
tachar tudo de ideológico” (sic.); a segunda separa Ciência de Ética, a
partir do pressuposto de que “Ciência é uma coisa e Ética, outra” (sic); a
terceira classifica a crítica ético-política como crítica externa do conheci­
mento, em contraposição à análise lógico-formal da correção do pensa­
mento ( tomado em si mesmo, independentemente de seu objeto), esta
sim tida como verdadeira crítica interna.
Como vimos, o compromisso ético-político é constitutivo do edifí­
cio conceituai marxista, para o qual não há conhecimento sobre a realida­
de humana que seja descomprometido, o que significa que, no âmbito
desta teoria, Ética e Ciência são indissociáveis. De outro lado, uma
crítica que vai à raiz, desvela a realidade social mediata ocultada pelo que
é dado imediatamente e encontra no interior dos próprios conceitos e
métodos a realização da necessidade de reprodução da ordem social
capitalista não é fácil nem externa, mas a mais interna das críticas do
conhecimento. Nesta linha de argumento, é válido proceder a uma
inversão da classificação apontada acima e afirmar que a análise lógica
do conhecimento produzido pelas Ciências Humanas e Sociais é crítica
externa, mas não inóqua, pois soma com o ocultamento do que é essen­
cial na sociedade e repõe a tese da neutralidade do conhecimento,
ocultamento e neutralidade próprios da filosofia positivista.

É na discussão sobre o fetichismo da mercadoria que está a origem


do conceito de ideologia como conjunto de idéias que, por se deterem nas
camadas aparentes do real, obscurecem a percepção do modo de ser da
sociedade capitalista e resultam numa percepção limitada do objeto sobre
o qual discursam. Fazer o vínculo da ideologia na análise desse fetiche
significa afirmar que as idéias ideológicas são lacunares, na acepção de
Chauí (1981):

O discurso ideológico é um discurso feito de espaços em branco, com o uma


frase na qual houvesse lacunas. A coerência desse discurso (...) não é uma
coerência nem um poder obtidos m algrado as lacunas, malgrado os espaços
em branco, m algrado o que fica oculto; ao contrário, é graças aos brancos,
graças às lacunas entre as suas partes, que esse discurso se apresenta como
coerente. Em suma, é porque não diz tudo e não pode dizer tudo que o
discurso ideológico é coerente e poderoso. (...) O discurso ideológico se
sustenta, justam ente, porque não pode dizer até o fim aquilo que pretende
dizer. Se o disser, se preencher todas as lacunas, ele se autodestrói com o
ideologia. A força do discurso ideológico provém de um a lógica que
poderíam os cham ar de lógica da lacuna, lógica do branco, (p.21-2).

O que uma visão da sociedade de classes como organização hierár­


quica baseada em diferenças individuais de aptidão (mensuráveis ou
detectáveis através de testes psicológicos) não diz e não pode dizer, sob
pena de autodestruir-se? O que os laudos psicológicos - por mais fiéis
que sejam à técnica dos testes e aos princípios lógicos do pensamento
correto - sobre crianças que não conseguem se escolarizar na escola
pública brasileira não dizem e não podem dizer, sob pena de autodes-
truirem-se? Eles não dizem muitas coisas. Por exemplo, que o comporta­
mento escolar dessas crianças não é um “em si”, mas parte integrante de
uma instituição de ensino, cuja lógica é imprescindível conhecer se se
quiser entender o significado desse comportamento; que numa sociedade
de classes o Estado defende os interesses das classes que detêm o poder
econômico e, por conseqüência, o poder político; que o ensino público
brasileiro de Io grau tem uma história marcada pelo descaso do Estado
pela escola para o povo; que uma política educacional marcada por esse
descaso e por equívocos tecnicistas sucateou a rede pública de escolas;
que a burocratização da escola eliminou uma avaliação fecunda da
qualidade do ensino oferecido; que a política salarial desestimula os
professores que, frustrados, fazem de seus alunos bodes expiatórios; que
a maior parte dos professores é concessionária do preconceito, da raiva e
do desrespeito pelos pobres, traço profundo de uma sociedade de origem
escravocrata, na qual a classe dominante sempre primou pela violência e
pelo arbítrio; que a vida diária escolar concretiza tudo isso sob a forma de
práticas e processos pedagógicos e administrativos produtores de dificul­
dades de aprendizagem dos bens culturais que cabe à escola transmitir,
sobretudo aos alunos que dependem inteiramente dela para aprendê-los;
que as relações pessoais na escola são autoritárias e produtoras de
estigma e exclusão; que a falta freqüente de professores faz com que
classes inteiras fiquem abandonadas por longos períodos, o que não
impede que sejam, no ano seguinte, rotuladas como “fracas”, verdadeiras
ante-salas das classes especiais; que todo esse processo é vivido com dor
pelas crianças e causa-lhes danos na auto-estima, os quais os psicólogos
vão equivocadamente entender como causa das dificuldades escolares;
que os resultados alcançados nos próprios testes de inteligência
dependem da história escolar, uma vez que esta exerce influência sobre a
reação da criança à situação de avaliação e sobre o resultado obtido em
testes saturados de atitudes e informações escolares que não poderiam ser
exigidas, como prova de inteligência, de crianças que não tiveram
garantido o direito a uma escola de boa qualidade.
A tentativa de preencher esses brancos não corrigiria os “enganos”
dos laudos, tornando-os verdadeiros. Tudo isso levado em conta, eles
seriam destruídos, baseados que estão na “lógica da lacuna” contida num
psicologismo que pressupõe que dificuldades de aprendizagem e de
adaptação escolar decorrem de distúrbios físicos ou psíquicos encerrados
no indivíduo.

A consciência de que uma prática profissional limitada é uma


necessidade histórica não é convite a uma postura fatalista. No caso da
Psicologia, não justifica a paralisia, nem qualquer passividade frente às
implicações éticas e políticas de seu exercício profissional. Se é verdade
que uma proposta de substituição dos testes por outras formas de ava­
liação é perigosa - pois, facilmente incorporadas à realização das mesmas
finalidades político-sociais, só reforçariam aquilo que criticam -, tal
advertência não pode minimizar a atividade contida na postura crítica. A
atividade de desvelamento pode sair da academia e ser incorporada a uma
ação profissional orientada por valores positivos, ou seja, voltados para a
realização da utopia do mundo humanizado.
Segundo Paulo Freire (1970), a utopia é unidade de denúncia e
anúncio. A ação problematizadora junto a indivíduos e grupos, que tenha
no horizonte a humanização dos homens, ao mesmo tempo que denuncia
uma realidade desumanizante e os instrumentos ideológicos de sua
manutenção (como as técnicas psicológicas de exame), anuncia uma
realidade transformada e mantém aceso o sonho de uma vida mais huma­
na. Quando se indagam sobre o por que e o como do mundo em que
vivem e do lugar que nele ocupam, indivíduos e grupos defrontam-se
com limites objetivos, impostos pelas condições históricas atuais, e
obstáculos subjetivos que pedem entendimento para que sejam supe­
rados. E esses indivíduos e grupos podem ser desde crianças repetentes,
até seus professores; desde estudantes de Psicologia, até psicólogos e o
público que demanda os seus serviços; desde grupos que se engajam em
ações alternativas, até instituições.
Voltemos a Freire (1970):

... se os hom ens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é
hum anizar-se, podem , cedo ou tarde, perceber a contradição em que a
'educação b an cária’ pretende m antê-los e engajar-se na luta por sua
libertação. Um educador hum anista, revolucionário, não há de esperar
esta possibilidade. N ão fazem os esta afirm ação ingenuam ente. Já tem os
afirm ado que a educação reflete a estrutura do poder, d aí a dificuldade
que tem um educador dialógico de atuar coerentem ente num a estrutura
que nega o diálogo. A lgo fundam ental, porém , pode ser feito: dialogar
sobre a negação do próprio diálogo, (p.70-1).

PA T T O . M .H .S. Tow ards a C riticism o f Psychom etric Reason.


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the elem entary public schools, this article discusses, in the theoretical
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dem ocracia. São Paulo, Cortez, 1983. p.7-39.
Funcionamentos escolares e produção
de fracasso escolar e sofrimento

Beatriz de Paula Souza1

O estudo dos funcionamentos escolares e sua relação com


o fracasso escolar e o sofrimento das crianças/jovens que chegam
aos psicólogos com queixas escolares tem sido fundamental para
os atendimentos que temos desenvolvido, em Orientação à Quei-
xa Escolar. Pensar o ambiente escolar é coerente com a concepção
de que o Sujeito se estrutura na relação com o Outro, um dos
pilares de nosso pensamento e práticas. Em se tratando de nossos
usuários, entendemos que a ideia de Outro inclui os ambientes
escolares em que estiveram e estão imersos.
As informações e reflexões sobre tal relação oferecem-nos
elementos para investigarmos, compreendermos e atuarmos jun-
to aos envolvidos na produção e manutenção das queixas escolares
(crianças/adolescentes, suas famílias e escolas), individualmente
e em suas inter-relações.
Debruçarmo-nos sobre tais funcionamentos, no entanto, traz
o perigo de acirrar algo que tem atravessado a relação entre mui-
tos psicólogos e as escolas com as quais procuram (ou procuraram
e depois desistiram) entrar em contato direto. Trata-se do precon-
ceito contra os professores das escolas públicas. Estes profissionais
vêm sendo depositários das mazelas do ensino, vistos como
1
Psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar da Universidade de São Paulo,
mestre em Psicologia Escolar e coordenadora do curso de Aperfeiçoamento
em “Orientação à Queixa Escolar”. E-mail: biapsico@uol.com.br

241
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

incompetentes, malformados, egoístas e sem compromisso com


seus alunos.
Atingidos por esta visão dos professores, que vem se disse-
minando, sustentada por uma análise superficial das dificuldades
do sistema escolar e pela crença na superioridade do saber psico-
lógico em relação ao dos mesmos, muitas vezes os psicólogos
propõem aos professores uma relação vertical, que é recusada
por eles. Esta reação dos docentes é entendida como resistência.
E assim, muitas experiências de interlocução com a escola no aten-
dimento a queixas escolares que se poderiam desenvolver, se
partissem de outros pressupostos, não acontecem.
A escola, como ocorre com as instituições em geral, é um
campo de contradições e paradoxos. Nela atuam forças que ten-
dem a produzir fracasso e sofrimento nas pessoas que dela fazem
parte. Atuam, também, forças que impulsionam no sentido opos-
to a esse. A escola é, sim, habitada por muitos seres humanos que
constroem vida, inteligência, cidadania, dignidade, alegria e amor.
O convívio com qualquer instituição escolar trará experiências
de admiração, gratidão e carinho por diversos de seus persona-
gens, incluindo muitos educadores. Quem pode ler estas palavras
sabe disso, pois, certamente, passou por, no mínimo, uma escola
(provavelmente várias), na condição de aluno. É só recorrer a
essa vivência.
Não podemos, no entanto, deixar de reconhecer que o en-
sino brasileiro (e não apenas o brasileiro) encontra-se, de longa
data, em situação calamitosa, com altos índices de evasão e
repetência e com a maioria dos estudantes concentrados na 1ª
série, de onde têm grande dificuldade de sair. A partir do final
da década de 1990, com a implantação da Progressão Continua-
da 2 em diversos estados e municípios, como o estado de São

2
Para uma compreensão mais aprofundada da política de Progressão Conti-
nuada na Educação, consulte o capítulo sobre o tema: “Dificuldades de
Escolarização e Progressão Continuada: uma relação complexa”, de Lygia
de Sousa Viégas.

242
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Paulo e sua capital, esta situação se agrava. Implementada de


maneira autoritária e sem garantir as condições mínimas neces-
sárias para tornar-se um avanço, tal política pública converteu-se
quase sempre, na prática, em promoção automática (supressão
da repetência). Assim, tornou o índice de repetência e a análise
da distribuição dos alunos pelos anos escolares (fluxo) instru-
mentos pouco eficazes para dimensionar a capacidade de ensinar
de nossas escolas.
A partir de 1995, o ministério da Educação passou a pro-
mover, bianualmente, avaliações nacionais, com o objetivo de
verificar os conhecimentos dos alunos que estão na metade (4ª
série) e no fim (8ª série) do Ensino Fundamental e no fim
(3ª série) do Ensino Médio. Essas avaliações, os SAEBs (Sistema
de Avaliação da Educação Básica) têm-se prestado, melhor do
que os índices de repetência e a análise do fluxo, a informar
sobre a eficiência de nossas escolas em sua tarefa básica de en-
sinar a ler, escrever e contar, além da transmissão de outros
conhecimentos e habilidades.
Os resultados do SAEB de 20033 revelam um quadro que
continua desastroso. Evidenciam, por exemplo, que menos de 5%
dos estudantes da 4ª série estão adequadamente alfabetizados para
a série, sendo que quase 19% são, provavelmente, analfabetos.
Reproduzimos, a seguir, uma das tabelas de resultados desse
exame, a título de ilustração, seguida do quadro explicativo de suas
categorias, para que o leitor possa fazer suas próprias análises.

3
Optamos por citar os resultados do penúltimo SAEB pela facilidade de acesso
aos resultados. Em uma rápida consulta ao endereço eletrônico do órgão do
Ministério da Educação responsável por tais avaliações, o Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), (http://www.inep.gov.br/download/
saeb/2004/resultados/BRASIL.pdf) encontramos facilmente os principais re-
sultados dos SAEBs, de 1995 a 2003, acrescidos de análises que facilitam seu
entendimento. Quanto aos resultados do SAEB 2005, até o momento (feve-
reiro de 2007) só encontramos disponibilizadas médias.

243
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

Saeb 2003
4ª Série do Ensino Fundamental
Língua Portuguesa

Percentual de estudantes nos estágios de construção de competências

ESTÁGIO Brasil Sudeste Nordeste


Muito crítico 18,7% 12,9% 29,3%
Crítico 36,7% 31,0% 41,8%
Intermediário 39,7% 48,3% 26,8%
Adequado 4,8% 7,7% 2,1%
TOTAL 100 % 100 % 100 %

Legenda
Muito crítico
Não desenvolveram habilidades de leitura mínimas condizentes com quatro
anos de escolarização. Não foram alfabetizados adequadamente. Não conse-
guem responder os itens da prova.
Crítico
Não são leitores competentes, leem de forma ainda pouco condizente com a série.
Construíram o entendimento de frases simples. São leitores ainda no nível primá-
rio. Decodificam apenas a superfície de narrativas simples e curtas, localizando
informações explícitas, dentre outras habilidades.
Intermediário
Começando a desenvolver as habilidades de leitura, mais próximas do nível
exigido para a série. Inferem informações explícitas em textos mais longos;
identificam a finalidade de um texto informativo; reconhecem o tema de um
texto e a ideia principal e reconhecem os elementos que constroem uma narra-
tiva, tais como o conflito gerador, os personagens e o desfecho do conflito; entre
outras habilidades.
Adequado
São leitores com nível de compreensão de textos adequados à série. São leitores
com habilidades consolidadas. Estabelecem a relação de causa e consequência
em textos narrativos mais longos; reconhecem o efeito de sentido decorrentes
do uso da pontuação; distinguem efeitos de humor mais sutis; identificam a
finalidade de um texto com base em pistas textuais mais elaboradas, depreendem
relação de causa e consequência implícitas no texto, além de outras habilidades.

244
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Como, por que caminhos, chega-se a tal cenário? Como


são e qual a dinâmica dos bastidores deste drama? A pesquisa das
causas do fracasso escolar, tradicionalmente, teve como foco as
características dos alunos e de seu meio familiar e social. Tem na
Teoria da Carência Cultural4 um exemplo modelar. A partir da
década de 1980, no entanto, verificou-se uma ruptura temática
neste campo de pesquisa, ao deslocar-se o foco para fatores inter-
nos — e não mais externos — à escola (PATTO, 1990).
Apesar de contar com mais de duas décadas de existência,
tal ruptura carece de maior penetração nos atendimentos psico-
lógicos às queixas escolares. Estes continuam hegemonicamente
focados nos acontecimentos intrapsíquicos dos alunos e suas fa-
mílias, deixando de fora os acontecimentos escolares.
Muitos psicólogos já construíram uma sensibilidade para a
presença dos acontecimentos do cotidiano da escola no sofrimento
das crianças e adolescentes encaminhados por questões escola-
res. Porém, o preconceito contra os professores tem, por vezes,
constituído um obstáculo para a compreensão e a intervenção no
ambiente escolar.
A falta de contextualização das práticas docentes, através
das quais o sistema escolar corporifica ataques à inteligência e à
dignidade dos alunos, produz análises superficiais dos fazeres es-
colares e, assim, fomenta tal preconceito. A contextualização
norteará o desfiar de exemplos de funcionamentos escolares pro-
dutores de fracasso escolar e de sofrimento que faremos a seguir.
Seguiremos um percurso de aprofundamento progressivo nas ca-
madas de poder da cena escolar, até chegarmos aos alunos e a

4
A Teoria da Carência Cultural é um conjunto de conhecimentos gerado
principalmente no calor da explosão de movimentos de minorias oprimidas,
a partir de meados do século XX. Ideológica, tem funcionado como uma
mordaça supostamente científica a alguns destes movimentos. A partir de
pesquisas questionáveis, aponta um conjunto de deficiências nas camadas
empobrecidas da população, justificando seu lugar subalterno, legitimando a
organização social injusta de nossa sociedade.

245
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

suas famílias. Estas divisões têm caráter didático, uma vez que o
real se constitui na e da interação entre estas camadas (e outros
grupos e instituições que não cabe aqui tratar), as quais influem
umas nas outras, dialeticamente.
Quase todos os tópicos de tais divisões têm, em seu final,
pequenos textos em itálico. Estes trazem reflexões e “dicas”
dirigidas mais diretamente para psicólogos que atendem queixas
escolares, as quais se desdobram dos conteúdos do tópico em que
estão inseridas.

Funcionamentos escolares produtores de educadores


fracassados

A partir de órgãos centrais

Autoritarismo na implementação de políticas


públicas na Educação5

Mês de outubro de 1997 em uma escola pública de Ensino


Fundamental. Em uma reunião semanal regular de professores, a
coordenadora pedagógica e a diretora comunicam ao corpo do-
cente a determinação da Secretaria da Educação de que, a partir
do ano seguinte, não haverá mais repetência, a não ser algumas
nas 4as e nas 8as séries6. Susto geral. Tentativas vãs de entender
uma medida que parece pura loucura. Revolta. Resignação.
Mês de novembro de 2000 em uma escola pública de Ensi-
no Fundamental. Em uma reunião semanal regular de professores,
a coordenadora pedagógica e a diretora comunicam ao corpo

5
Para uma compreensão mais aprofundada das políticas públicas na Educação,
consulte o capítulo “A construção da escola pública democrática: algumas
reflexões sobre a política educacional”, de Sérgio A. S. Leite.
6
Para uma compreensão mais aprofundada sobre a política de Progressão
Continuada na Educação, consulte o capítulo sobre o tema: “Dificuldades
de escolarização e Progressão Continuada: uma relação complexa”, de Lygia
de Sousa Viégas.
246
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

docente a determinação da Secretaria da Educação de que, a par-


tir do ano seguinte, a escola deverá receber todos os tipos de
aluno: autista, deficiente mental, com paralisia cerebral, surdo,
cego e outros tipos de criança com que os professores nunca li-
daram em sala de aula, sem qualquer forma de apoio e sem
informações sobre como ou mesmo por que fazê-lo7. Susto geral.
Tentativas vãs de entender uma medida que parece pura loucura.
Revolta. Resignação.
Mês de fevereiro de 2006 em uma escola pública de En-
sino Fundamental. Em uma reunião semanal regular de
professores, as professoras das 1as séries comunicam à coorde-
nadora pedagógica, à diretora e a seus colegas que em suas turmas
estão matriculadas crianças mais novas do que deveriam. Susto
geral. Descobrem, posteriormente, que a escola está recebendo
crianças seis meses mais novas porque o Ensino Fundamental
passará a ter um ano a mais, começando mais cedo. Tentativas
vãs de entender uma medida que parece pura loucura. Revolta.
Resignação.
A implementação de políticas públicas na Educação tem sido
marcada por cenas tais como as que relatamos. Embora haja com-
plexidades em seu processo, predomina a ausência de discussão
por parte daqueles que as concretizarão e a desconsideração de
seus saberes, suas possibilidades e opiniões. Convertidos em me-
ros executores de medidas que lhes parecem sem sentido e
prejudiciais ao ensino, é comum educadores fazerem apropriações
superficiais e distorcidas dos princípios apresentados como sendo
os fundamentos das mesmas. Apropriações previsíveis, uma vez
que há todos os elementos para se perceber que medidas tão revo-
lucionárias, as quais dependem de mudanças paradigmáticas na
Educação, não podem ser benéficas se implantadas desta maneira.

7
Para uma compreensão mais aprofundada sobre a política de Educação Inclu-
siva, consulte o capítulo sobre o tema: “Pessoas significativamente diferentes e
o direito à educação: uma relação atravessada pela queixa”, de Carla Biancha
Angelucci e Flávia Ranoya Seixas Lins.

247
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

Mudanças de educadores durante o ano letivo

As mudanças de escola (e mesmo de classe) que os educa-


dores fazem dão-se, via de regra, pelos chamados concursos de
remoção e de ingresso. Nos de remoção, os cargos que não estão
ocupados por profissionais efetivados de uma categoria funcio-
nal (por exemplo: professores, diretores etc.) das escolas de uma
região, ou município, ou Estado, são colocados à disposição da
Secretaria de Educação responsável ou de suas instâncias regio-
nais (muitas vezes chamadas Diretorias de Ensino — DE´s).
Todos os membros da categoria profissional em questão e da-
quela região escolhem onde irão trabalhar. Primeiramente, os
efetivos. A seguir, os profissionais que não são contratados como
efetivos. A ordem segundo a qual a fila de escolha é montada
obedece a uma escala de pontos intrincada e questionável, que
costuma privilegiar tempo de serviço. E assim, acontece uma
complicada “dança das cadeiras”.
Os concursos de remoção costumam ter uma frequência
anual. No caso de professores, dão-se em janeiro. Porém, no caso
de diretores e outros funcionários, não raro acontecem em plena
vigência do ano letivo.
Quanto aos concursos de ingresso, têm validade de até
quatro anos e os aprovados são chamados a qualquer época,
disparando novas mudanças, independentemente do momento
do ano escolar.
Afora os concursos de remoção, há outros dispositivos de
mudanças. Um dos mais corriqueiros é a licença por motivos de
saúde. Esse tipo de licença ocorre em larga escala, o que pode ser
explicado pelo fato de os professores pertencerem a uma cate-
goria profissional significativamente atingida por doenças
relacionadas a estresse no trabalho ou, em outras palavras, a so-
frimento intenso relacionado a condições precárias de trabalho.
Há, ainda, os afastamentos do cargo para preenchimento de car-
gos administrativos, as remoções pontuais e outros dispositivos
que promovem grande rotatividade de profissionais nas escolas,
248
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

principalmente nos grandes centros urbanos. Cada um desses me-


canismos aciona um intrincado e burocrático processo de
determinação de outro profissional para ocupar o lugar vago, tem-
porária ou “definitivamente”.
Um dos efeitos desse funcionamento, além da insegurança
dos educadores, está em dificultar e mesmo promover rupturas
em processos de ensino, desacreditando a eficácia de se fazer pla-
nejamentos das atividades pedagógicas.
Outro efeito é a criação de dificuldades e rupturas nos vín-
culos entre educadores e suas escolas, suas classes, seus alunos.
A instabilidade de personagens tão importantes no dia a dia esco-
lar funciona como uma bola de neve: estar em um terreno pouco
firme é desagradável e isto tende a aumentar o desejo de se ir
para outro lugar. Estamos, portanto, diante de um dos mecanis-
mos de promoção e manutenção da rotatividade dos educadores.
Um mecanismo que ensina o desapego à instituição, a pessoas e
ao sentido do trabalho.
Classes que passam por trocas de professores durante o
ano letivo tendem a ser desorganizadas e a produzir aquém de
seu potencial. Grupos de professores que passam por trocas fre-
quentes de diretores e coordenadores pedagógicos tendem a ser
desorganizados e a produzir aquém de seu potencial.
Enfim, temos assistido a determinações burocráticas sobre-
pondo-se ao zelo pelo processo pedagógico e pelos direitos dos
alunos a uma educação de qualidade.

Psicólogos atendendo crianças com dificuldades em seu pro-


cesso de escolarização e em busca de interlocução com as escolas
dessas crianças precisam ter em mente que as mudanças de profes-
sores, coordenadores pedagógicos e diretores a qualquer momento
do ano letivo não são um acidente de percurso, mas acontecimen-
tos relativamente comuns, para os quais é necessário estar o mais
preparado possível. O processo de atendimento e seu fechamento
precisarão incluí-los como uma possibilidade bastante concreta.

249
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

O que é diferente de considerar uma rotatividade de tal amplitude


e características como um fato natural e resignar-se diante dela.

Convocações de última hora

Cursos, oficinas e reuniões fora da unidade escolar são, po-


tencialmente, espaços de aprendizagem, de informação, de
discussão e de tomada de decisões importantes para a organiza-
ção e o bom funcionamento de uma rede escolar. Para que tenham
esses efeitos, no entanto, é preciso que, via de regra, sua realiza-
ção não se contraponha ao que deveria ser uma de suas principais
finalidades: a organização do cotidiano nas unidades escolares.
Não é o que temos visto acontecer. Há décadas percebe-
mos que estes eventos costumam atropelar a organização da rotina
e os planejamentos das unidades escolares. A partir dos órgãos
centrais, geralmente das instâncias regionais das Secretarias de
Educação, são feitas convocações de última hora, até de véspera,
que retiram diretores, coordenadores e professores de suas fun-
ções nas escolas.
A desorganização que este procedimento gera atua em dois
níveis, segundo nossa percepção. Um, mais raso e imediato, é a
promoção de quebras em processos. Por exemplo: motivar a falta
de uma coordenadora pedagógica em meio à realização de um
projeto da escola, por vezes num momento crucial do mesmo,
sem lhe dar tempo para reorganizar a rotina de modo a minimizar
os efeitos de sua falta necessária. Ou retirar um professor de suas
salas de aula, quebrando o planejamento de seus cursos sem que
ele tenha tempo de preparar as classes, fazer um replanejamento
que contemple esta falta ou organizar-se com o professor que
fará sua substituição.
Outro, mais perverso, é o que vai se sedimentando em ca-
madas mais profundas e com consequências de prazo mais longo,
mais duradouras e devastadoras: o acontecimento recorrente des-
sas convocações atabalhoadas é mais um dos diversos eventos
250
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

desorganizadores que tendem a produzir o desânimo e a descrença


dos educadores na possibilidade de se trabalhar de maneira pla-
nejada e minimamente contínua, com começo, meio e fim. A
naturalização dessa maneira de funcionar integra-se com outros
procedimentos desorganizadores, fazendo com que a escola tor-
ne-se, frequentemente, a terra do improviso. Esta naturalização
aparece, por exemplo, na justificativa, por parte daqueles que fa-
zem tais convocações, de que “se não for assim, as coisas não
acontecem”. Nestas circunstâncias, o improviso pode mesmo ser
entendido como uma estratégia de sobrevivência a um cotidiano
em que o incerto é a única certeza.
Se educadores vivem esta situação, é fácil imaginar como o
mesmo ocorre com os alunos e pais. As instâncias superiores, que
deveriam servir de modelo de organização, dão muitas vezes o
modelo inverso, mesmo porque também têm problemas internos
de organização. O mesmo ocorre entre as camadas hierárquicas
abaixo.
No fim desta linha de transmissão, a escola aprende e ensina
a seus alunos a desorganização. Ensina-lhes que não se pode contar
com compromissos marcados — portanto, quando eles próprios
marcarem compromissos, será “natural” que não os cumpram.
Neste jogo perverso, quando esta lição é aprendida por alunos — e
por seus pais — estes são culpabilizados por a terem aprendido.

Assim, quando pais atrasam-se ou faltam sem aviso prévio a


horários marcados com os psicólogos, ou quando professores, dire-
tores e coordenadores pedagógicos “dão o cano” em reuniões com
psicólogos marcadas com antecedência, é preciso levarmos em con-
ta estes funcionamentos. Os quais, aliás, não são exclusivos das
escolas, mas de muitas instituições, públicas e privadas. Se não os
consideramos, corremos o risco de rapidamente interpretarmos essas
faltas e atrasos como sinais de descaso ou de resistência, sem per-
ceber que têm outro sentido, sem entender o que denunciam.
É preciso, ainda, revermos a postura tradicional da clínica psi-
cológica, que deixa iniciativas como telefonar para esclarecer o que

251
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

houve em casos de falta ou atraso significativo e confirmações de


reuniões, por conta dos atendidos. Romper com este procedimento,
que se torna ritualístico ao desconsiderar a história e as característi-
cas das relações dos sujeitos atendidos com instituições e especialistas,
pode fazer a diferença entre um atendimento acontecer ou não.

Baixos salários

Um bom ganho salarial não garante, sozinho, qualidade no


trabalho. Se outras condições de trabalho, como as apontadas
acima, permanecerem inalteradas, nosso ensino certamente con-
tinuará com graves deficiências.
No entanto, o inverso também é verdadeiro. Ou seja, boas
condições gerais de trabalho e baixos salários também compõem
uma situação que tende a produzir um sistema de ensino deficitá-
rio. Enfim, não é possível desconsiderar o peso da questão salarial.
Baixos salários, como os de nossos docentes, geram um descon-
tentamento que se reflete no trabalho, se prolongado. Podem
produzir sentimentos de desvalia, pois é fácil aquele que recebe a
paga sentir-se identificado com o valor da mesma, uma vez que o
salário é supostamente a representação em dinheiro, do valor da-
quilo que, da pessoa paga, ela colocou no seu trabalho. Ou seja, o
salário pode funcionar como uma forma de reconhecimento: uma
maneira da pessoa conhecer a si própria.
Baixos salários geram greves, as quais, embora instrumen-
to legítimo de defesa dos trabalhadores e da qualidade de seu
trabalho a médio e longo prazo, desorganiza seus fazeres de ime-
diato, trazendo perdas para os mesmos e para os usuários de seus
serviços. A consciência disto é motivo de sofrimento para a gran-
de maioria dos grevistas. Enganam-se os preconceituosos que
pensam — e alardeiam — que a greve é um instrumento de
descompromissados e preguiçosos. Quem já passou por uma gre-
ve sabe o nervosismo, a paranoia, os atritos entre colegas e a culpa
que este processo envolve. A maioria daqueles que aderem es-
pontaneamente a greves detesta fazê-las.
252
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Favorecem a evasão de professores, que migram para outras


ocupações, levando consigo experiências, talentos e investimento
público em cursos e trabalhos que geraram saberes.
Geram professores que acumulam cargos e que dão um ex-
cessivo número de aulas por semana, tendo, por isso, dificuldades
para estudar, informar-se, preparar aulas, conhecer seus alunos
(são tantos!) e participar de reuniões nas escolas.
Enfim, qualquer proposta séria de melhoria do ensino pas-
sa necessariamente pela questão salarial daqueles que o fazem.

Internos às escolas

Ausência de espaços sistemáticos de reflexão

Se olharmos rápida e superficialmente a grade de horários


das escolas públicas, veremos que contam com um recurso po-
tencialmente muito favorável a um ensino de qualidade, de que a
maioria das escolas particulares não dispõe: reuniões semanais
de professores, remuneradas e fora do horário de aula. Confor-
me a região, há até mesmo dois tipos de horário extraclasse
regulares, semanais e remunerados:

- um para reuniões do coletivo dos professores, coordena-


dos pelo coordenador pedagógico e/ou a diretora. Podem
ser utilizados para discussões coletivas de experiências e
de dificuldades, buscando soluções; para criação e desen-
volvimento de projetos coletivos; para a realização de
grupos de estudos, para informes e discussões de medidas
das instâncias superiores e outras finalidades. Na rede es-
tadual de ensino de São Paulo, são atualmente chamados
Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo — HTPC´s;
em outras redes assumem outros nomes;
- e outro para trabalhos individuais dos professores: planeja-
mento de aulas e correção de provas, por exemplo.
253
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

No entanto, ao convivermos com as escolas e observar-


mos o que ocorre nestes momentos, percebemos que ou não
vêm, de modo geral, cumprindo suas finalidades, ou cumprem-
nas de maneira precária.
É comum os educadores irem para a sala estipulada para
estarem nesses horários sem saber o que vai acontecer. Frequen-
temente não há pauta alguma e cada um se ocupa de maneira
diferente: uns corrigem provas, outros conversam sobre a vida
extraescolar, outros desabafam sua irritação com alunos rebel-
des, circulam histórias terríveis e trágicas envolvendo alunos e
seus familiares, alguns trocam informações sobre a intrincada bu-
rocracia do funcionalismo público em geral e da função docente
em especial, trocam-se receitas, toma-se cafezinho, comem-se bo-
lachas, em algumas escolas há sempre um afável costume de muitos
professores levarem iguarias que fazem em casa.
Em outros dias discute-se um projeto coletivo ou semi, mas
sua continuidade perde muito ou não acontece por não haver reto-
madas das discussões, ou porque elas acontecem esporadicamente
e quase que ao acaso, entre outros motivos.
Há professores que percebem com clareza a importância
de que, para a melhoria da escola, essas reuniões pudessem con-
tar ao menos com pautas programadas e comunicadas com um
mínimo de antecedência. Chegam a solicitar ou propor uma orga-
nização para isso (a utilização de um quadro de avisos específico,
por exemplo), mas o improviso, via de regra, permanece.
Momentos de descontração e convívio espontâneo como
os que descrevemos são importantes para integrar um grupo, mas
a frequência em que ocorrem, aliados à imprevisibilidade e à
descontinuidade das reuniões com pauta coletiva fazem com que
esses horários de trabalho coletivo não cumpram sua função pri-
mordial.
Somos favoráveis a sua manutenção, pois a solução cer-
tamente não é suprimi-los. Porém, é necessário encontrar-se
caminhos para que este recurso, que pode ser tão precioso, seja
melhor aproveitado.
254
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Há necessidade de espaços de reflexão coletivos, possibili-


tando que se tenha realmente uma equipe docente, com projetos
e soluções grupais que deem coerência, organização e sentido à
escola. Podem ser importantes, também, para que cada professor
possa encontrar apoio e saídas para muitos impasses e sofrimen-
tos que perpassam seu cotidiano na sala de aula. Infelizmente, é
comum encontrarmos, ao invés de uma equipe docente, um
ajuntamento de professores que pensam e atuam de maneira indi-
vidualizada, competitiva e hostil, interna e externamente.

A desnaturalização desse funcionamento pode acontecer ao


longo da interlocução entre psicólogos e educadores.
Esses horários são um recurso para o estabelecimento da
interlocução, pois um de seus usos possíveis é reunião/entrevista
com pais ou profissionais que lidam com os alunos.

Falta de infra-estrutura de apoio

Além de ser comum os professores não se apoiarem mutua-


mente — mas, pelo contrário, o apoio técnico que deveria ser
oferecido por supervisores de ensino, diretores e coordenadores
também muitas vezes não acontece, por motivos diversos. Não se
trata de culpabilizar esses outros educadores como indivíduos, que
frequentemente também não encontram condições de exercer suas
funções adequadamente. Estamos falando de um fenômeno
sistêmico, embora o sistema escolar não exista em abstrato, mas
concretizado por meio de pessoas que o encarnam.

O resultado é a solidão do professor no exercício de sua fun-


ção. Uma solidão que, combinada à desqualificação social de sua
profissão e à contínua vivência de frustrações e insucessos, fazem
dele, muitas vezes, uma pessoa que se mostra hostil a psicólogos,
pais, conselheiros tutelares e outros que possam estar identifican-
do e acusando falhas que ele próprio percebe em algum nível. Falhas
255
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

das quais se culpa, individualmente. Nesses casos, tentativas de ajuda


podem ser interpretadas como acusações de incompetência. A
desqualificação do trabalho alheio (do psicólogo, por exemplo) apre-
senta-se como uma estratégia possível de defesa de sua dignidade. É
preciso que os psicólogos possam contextualizar as atitudes de rejei-
ção de muitos professores, apreendendo seu significado vital, para
que possam manejá-las adequadamente, criando possibilidades de
retomada do desenvolvimento onde prevalece a paralisia.

Desqualificação dos saberes dos educadores

A partir da análise de documentos oficiais no período de


1982 a 1993 e de literatura na área de fracasso escolar, Denise
Trento R. de Souza (2001) afirma que os cursos de formação con-
tinuada, reciclagens e outros esforços para melhorar a competência
técnica dos professores estabeleceram-se como estratégia privi-
legiada de enfrentamento da baixa qualidade do ensino. Tal
privilégio decorre da crença na incompetência dos docentes como
indivíduos como sendo a principal a causa do fracasso escolar.
Embora as críticas à crença na redenção pela técnica, que
passam por considerações semelhantes às que já abordamos, te-
nham proliferado e ganho corpo, essa concepção permanece forte
no meio científico e social. Um exemplo é o que vem ocorrendo
no atual debate sobre o método fônico em contraposição à abor-
dagem construtivista na alfabetização. Encontramos, por parte
de alguns importantes envolvidos, argumentações centradas na
ideia de que a capacidade das escolas de ensinarem a ler e a escre-
ver é uma questão principalmente de linha/método pedagógico
adotado. Assim, Fernando César Capovilla, defensor do método
fônico, diz o seguinte:

O establishment construtivista dominou com mãos de ferro as


principais publicações distribuídas ao professorado à custa do
erário para impor a sua doutrina construtivista.

256
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

O resultado dessa aposta cega foi imediato, com fracasso crescente


documentado bianualmente pelo Saeb (exame do MEC que
avalia a qualidade da educação) de 1995 a 2003, e com a
vergonha internacional, com a pecha de vice-recordista mun-
dial de incompetência, segundo teste da Unesco e da OCDE
em 2003. (Folha de S. Paulo, 6 de março de 2006, p. A 12,
itálico nosso)

O poder superestimado da abordagem teórico-técnica da


aprendizagem e de seu domínio pelos professores é apontado por
Souza (2001, op. cit.), ao analisar entrevistas com professoras:

A escola tem um corpo docente estável? O professor é efetivo?


Como são as relações entre a escola e a comunidade? As con-
dições de trabalho e o clima nas escolas reportadas por nossas
entrevistadas variavam consideravelmente, e isso, com certe-
za, afeta sua prática docente. Lembremos Azanha [...] ao afirmar
que um professor pode ser “bom” em uma escola e “ruim” em
outra. Desse modo, afirmamos que a linha de argumentação
simplificadora subjacente ao argumento da incompetência, o
qual considera o professor como elemento incompetente do
sistema educacional, prova-se falsa. (p. 256)

Estudar, informar-se e manter-se atualizado são práticas


implicadas na possibilidade de um professor ensinar com quali-
dade. No entanto, nosso convívio com as escolas indica o quanto
é difícil sabermos que fatores determinam mais fortemente a ocor-
rência de aulas de conteúdos pobres e mesmo errados, ensinados
com técnicas desinteressantes e atravessados por relações entre
professores e alunos deterioradas. Seriam as deficiências da for-
mação docente, ou as condições precárias e/ou hostis de trabalho
enfrentadas dia após dia, ao longo de anos, que vão sabotando a
paixão de ensinar? Tendemos a concordar com Souza e enten-
der que as condições de trabalho são os fatores de maior peso
na produção de aulas de baixa qualidade.

257
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

Nossas experiências de trabalhos de Psicologia Escolar de


caráter institucional revelam, reiteradamente, saberes relevantes
e capacidade criativa dos professores. A partir da constituição de
espaços de encontro e valorização destes profissionais, sistemá-
ticos, comprometidos e bem organizados, afloram relatos de
experiências interessantes, criam-se estratégias pedagógicas ori-
ginais e significativas e a potência destes profissionais se desvela.

Em Orientação à Queixa Escolar, nosso acesso aos funciona-


mentos escolares e possibilidade de transformá-los é, naturalmente,
mais restrito que em intervenções de caráter institucional. No en-
tanto, a mesma compreensão básica e princípios de intervenção estão
presentes, alinhando nossa intervenção às demais forças que atuam
no sentido da melhoria do ambiente escolar.

Funcionamentos escolares produtores de alunos


fracassados

Estratégias de homogeneização

Formação de classes homogêneas

Bem antes da implantação da Progressão Continuada, polí-


tica pública educacional que, como apontamos anteriormente,
tem-se reduzido quase sempre à promoção automática (supres-
são da repetência), observávamos com frequência nas escolas, por
parte de muitos educadores, o esforço assumido de formar clas-
ses homogêneas. Essas classes seriam idealmente formadas por
alunos que estariam no mesmo nível de aprendizado e com rit-
mos semelhantes. A crença que embasava este procedimento era
a de que, deste modo, o ensino seria otimizado.
Assim, formavam-se classes “fortes”, “médias” e “fracas”.
Era comum a ordem das letras do alfabeto atribuídas a estas classes
seguirem esta classificação. Assim, por exemplo, se haviam três 4as
séries, a forte era a 4ª A, a média era a 4ª B e a fraca, a 4ª C.
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B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Porém, a situação “ideal” nunca se produzia, pois, ao lon-


go do ano, os alunos iam se diferenciando: alunos médios
tornavam-se fortes, alunos fortes “decaíam”, a história da clas-
se e suas relações entre alunos e entre alunos e professores iam
transformando classes médias em fracas, fracas em médias, e a
homogeneidade (que nunca existira, a rigor) esfacelava-se.
O recurso para lidar com as mudanças era, muitas vezes, o
remanejamento de alunos, mudando a configuração original das
turmas de modo a continuar perseguindo a homogeneidade. Isso
podia acontecer aos poucos, trocando-se alunos um a um, ou
em massa, promovendo-se grandes operações de desmonte e
remontagem de todas as classes de uma ou mais séries.
Excluíam-se das decisões e das informações deste processo
os personagens atingidos diretamente: alunos e pais. Alunos eram
colhidos de surpresa, ao serem impedidos de entrar em suas clas-
ses originais num dia letivo comum e serem conduzidos a suas
novas classes. Pudemos estar com várias crianças que tiveram essa
experiência. Expressavam ter, geralmente, como primeira expli-
cação para o acontecido, a rejeição de sua professora. Sentiam-se
maus, envergonhados e culpados.
Quanto aos pais, temos depoimentos de alguns que tiveram
seus filhos transferidos até mesmo para classes especiais para defi-
cientes mentais sem terem sido comunicados nem mesmo depois
da transferência. Que dirá serem consultados com antecedência.
Um outro efeito desse processo homogeneizador de formação
de classes era a produção de classes revoltadas e enlouquecedoras
para alunos e professora: a classe fraca, em que os rejeitados e os
que não se tinha esperança eram agrupados e depositados. A eva-
são era alta e o adoecimento físico da professora era frequente,
desdobrando-se em faltas, licenças e trocas de mestras. Produzia-
se um efeito “bola de neve”, com a situação agravando-se
paulatinamente. Alunos e professoras ficavam estigmatizados, não
raro por muitos anos. As crianças iniciavam o ano seguinte
fragilizadas, por vezes ainda mais “fracas” do que antes e marcadas
por terem sido “daquela classe”.
259
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

As sequelas e os pressupostos desta estratégia sempre fo-


ram alvo de discussão. A corrente contrária fortaleceu-se e esses
procedimentos foram abandonados por muitas escolas. Porém,
seus defensores não desapareceram, mas passaram a atuar de
maneira dissimulada, uma vez que a defesa aberta da formação
de classes homogêneas tornou-se um comportamento socialmen-
te desvalorizado, malvisto.
Embora estejamos contando essas histórias no passado, assi-
nalando a época anterior à política de Progressão Continuada,
sabemos que esses procedimentos continuam sendo adotados e
não são raros. Na Grande São Paulo, região na qual atuamos,
assistimos a um processo de heterogeneização radical das clas-
ses, uma vez que não há repetência. Temos um contingente
significativo de crianças analfabetas cursando a última série do 1º
Ciclo do Ensino Fundamental, a atual 4ª série, junto com outras
(a minoria) que têm escrita e leitura adequada a tal série, passan-
do por todos os outros níveis intermediários.
Esta situação recolocou na ordem do dia a estratégia de
homogeneização, tornando-se o agrupamento dos “fracos” uma
estratégia oficiosa e oficial.
Falando do plano oficioso, se uma escola diz que forma clas-
ses propositalmente heterogêneas, convém pesquisar se um
procedimento homogeneizador não está sendo ocultado. Os alu-
nos e seus pais muitas vezes percebem uma ocultação e podem
informar sobre ela, pois crianças e pais das classes “fracas” geral-
mente sabem disso. Há situações que sinalizam uma possível
dissimulação de homogeneização, a olhos atentos. Por exemplo:
certa escola dizia não formar classes homogêneas. No dia da reu-
nião de pais e mestres ocorre a seguinte situação: à reunião da 5ª
série A comparecem muitos pais; à reunião da 5ª B bem menos e
a reunião da 5ª C está quase vazia, passando por lá alguns pais
atrasados que nem chegavam a sentar-se, apenas pediam à pro-
fessora para ver os materiais e notas do filho e saíam. Será que
estas classes eram heterogêneas mesmo?
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B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

No plano oficial, as escolas formam “classes-projeto”8, a


Secretaria Municipal de São Paulo implanta o projeto PIC (Pro-
grama Intensivo de Ciclo)9. Remendos. No entanto, é forçoso
considerar que o “tecido” está tão deteriorado que remendos po-
dem, mesmo, serem melhores do que buracos deixados sem
qualquer providência. Mas é o essencial, a condição deste “teci-
do”, o que precisa ser decididamente atacado.

A existência de práticas como estas sugere, aos psicólogos que


atendem queixas escolares, a necessidade de pesquisar as caracterís-
ticas das classes em que seus atendidos estudam e estudaram ao longo
de sua história escolar. Resgatar a memória da passagem por uma
classe “fraca” ao longo de todo um ano letivo e problematizá-la, por
exemplo, pode constituir um momento poderoso na reversão da
imagem pessoal negativa de uma criança, aliviando-a do peso de sua
responsabilidade exclusiva por seu fracasso.

Grupos homogêneos intraclasse

Este é um modo de lidar com a heterogeneidade da classe


que aparece, por exemplo, nas falas das crianças como “sou da
fileira dos esquecidos”, “eu sento do lado dos mais fracos na clas-
se” e outros indicativos claros de sua presença. Os efeitos são
semelhantes aos das classes homogêneas, mas com nuances dife-
rentes, dado o fato que “fortes” e “fracos” olham-se diariamente,
marcados em sua condição pela localização física na sala.

8
Classes formadas por iniciativa própria de unidades escolares, em que se
agrupam alunos avaliados como os mais defasados. Apesar de denominarem-
se “projeto”, não temos observado a existência de projetos escolares para as
mesmas. São entregues a professoras nem sempre dispostas a assumi-las e sem
apoio institucional, nem mesmo um número de alunos menor do que o das
demais classes.
9
Semelhante ao antigo projeto de Classes de Aceleração, prevê a formação de
classes de alunos de 4a. série muito defasados, com número reduzido de alunos,
material específico e treinamento e assessoria a seus professores.

261
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

Abandono dos atrasados

Se as estratégias de homogeneização são, por vezes (nem


sempre), tentativas de se ensinar aos alunos pedagogicamente de-
fasados, encontramos muitos depoimentos reveladores da ausência
de estratégias que visem o progresso escolar dos mesmos.
São alunos em situação de franco abandono no ambiente
escolar, no qual não recebem investimentos pedagógicos ou
afetivos, como anuncia a fala da criança que diz pertencer à fila
dos esquecidos. São crianças e adolescentes de quem se desistiu.

Quando chegam aos psicólogos, costumam estar em uma situ-


ação de profundo sofrimento e deterioração da crença em sua
capacidade de aprendizagem. A gravidade do estado em que se apre-
sentam é tal, que denuncia o quão terrível é viver esta situação, por
vezes ao longo de anos. É comum terem muita vergonha de si mes-
mos e demorarem a conseguir tocar no assunto escola ou a exporem-se
a situações que envolvam conteúdos escolares, como a escrita.

Esta situação é especialmente grave a partir do ingresso


no 2º Ciclo do Ensino Fundamental (atual 5a série), quando pas-
sam a ter diversos professores. Além do fato de nenhum desses
docentes ser alfabetizador (nem mesmo o professor de Língua
Portuguesa), convivem cotidianamente por um tempo curto (au-
las de 45 minutos) com cada criança/jovem e têm muitos alunos,
o que dificulta conhecê-los. Professores relatam que chegam a
levar um semestre letivo inteiro para aprender os nomes de seus
alunos e vice-versa. Além disso, deixa de haver o recurso das
aulas de reforço oferecidas aos alunos do 1º Ciclo.
É comum os alunos tornarem-se os ditos copistas: crianças
e jovens capazes de fazer cópias de longos textos com perfeição e
capricho, sem que consigam ler o que escreveram. A situação tem
se tornado bastante frequente e parece-nos mais um subproduto
perverso do imbróglio em que se encontram professores e alunos.
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B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

A cópia permite, ao aluno impossibilitado de acompanhar os con-


teúdos propostos pela professora, dissimular esta situação, fingindo
que está aprendendo. Enquanto copia está ocupado e quieto, ten-
dendo a não perturbar o andamento da aula. O que permite à
professora dissimular, para os outros e para si própria (até certo
ponto), o fato de que não está ensinando. Evita, um pouco, o con-
tato com a sensação de fracasso e frustração.

Perguntas como, por exemplo, onde a criança encaminhada


com queixa escolar se senta na classe e a análise dos cadernos esco-
lares podem ser reveladoras, em casos de crianças e jovens
abandonados por seus professores.

Faltas e trocas de professores

As condições difíceis de trabalho dos professores das quais


tratamos produzem, entre outros efeitos, um número excessivo
de faltas, licenças, mudanças de escola e mesmo desligamentos
destes profissionais.
Apesar da tendência à naturalização destes acontecimen-
tos, vemos claramente seu impacto negativo nas crianças, do ponto
de vista do rendimento escolar, do vínculo com o professor e com
a aprendizagem escolar e do sofrimento. Elas reagem, ficam tris-
tes, culpam-se, rebelam-se, maltratam as professoras substitutas.
Ressentem-se das mudanças de abordagem pedagógica, desorga-
nizando-se e mesmo regredindo na aprendizagem.
Há casos de professoras efetivas que se valem do respaldo
legal para faltar 29 dias consecutivos, vindo ao 30º para evitar a
configuração de abandono de emprego e consequente exonera-
ção. Suas faltas são cobertas por uma professora substituta que
não é a mesma após a volta da efetiva, pois o intrincado sistema
de escala faz com que percam a preferência por continuar com
aquela classe nas próximas faltas da efetiva. A classe desestrutura-
se e, para muitas crianças, é o início de uma carreira escolar de
263
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

fracasso, pois iniciam o ano seguinte “fracas” e “bagunceiras” e o


estigma de mau aluno instala-se. É o direito dos professores da
escola pública sobrepondo-se ao das crianças e dos adolescentes.
É o Estatuto do Magistério entrando em conflito com o Estatuto
da Criança e do Adolescente, o ECA. Algo a ser estudado no pla-
no jurídico, entre outros.
A substituição de professores em caso de falta é feita sem
que haja preparo, seja da classe ou da mestra que fará a substi-
tuição. Ou seja, os alunos são tomados de surpresa e a substituta,
idem. A professora regular não lhe deixa qualquer planejamen-
to ou diretriz prévia. Está-se, novamente, no reino do improviso
e das rupturas. Os alunos comumente manifestam seu des-
contentamento maltratando a substituta com atitudes e falas
agressivas e jocosas.
É comum não haver substitutos em número suficiente para
cobrir todas as faltas simultâneas de professores. Alguns recursos
de que a escola lança mão para haver-se com esta situação são:

- juntar duas classes na mesma sala, para que uma só profes-


sora possa incumbir-se de ambas;
- utilizar os serviços das coordenadoras pedagógicas, diretor
e auxiliares, mas também de agentes de organização esco-
lar (conhecidos como inspetores de alunos ou bedéis);
- incumbir um professor de cuidar de duas salas, o que é fei-
to passando-se tarefas para uma enquanto a outra executa
as mesmas;
- quando se trata de alunos do início do 2º ciclo (atual 5a
série) em diante, é comum a escola mudar o horário das
aulas possíveis, de modo a agrupá-las no tempo e dispensar
a turma antes do horário de término das aulas, e
- abrirem-se “janelas” no horário do dia, as aulas vagas, em
que muitas vezes os alunos ficam no pátio, sem atividades
propostas.

264
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Com relação às classes da atual 5ª. série em diante, que têm


diversos professores, é quase impossível encontrar escolas públi-
cas, especialmente nos grandes centros urbanos, em que haja uma
única semana em que todas as aulas aconteçam regularmente. O
que reforça, mais uma vez, a ideia de que o regular (mas não o
natural) é a irregularidade.

A existência de situações com tais características e frequência


sugerem, ao psicólogo que atende uma criança ou jovem com dificul-
dades de escolarização, perguntas sobre a frequência e trocas de seus
professores ao longo de sua história escolar, dado o poder de produção
de fracasso que um ano de faltas ou trocas constantes de mestres tem.

Pedagogia repetitiva e desinteressante

A análise dos cadernos escolares, aliada a observações em


sala de aula revelam, com frequência, aulas em que predominam
os exercícios repetitivos e mecânicos, como cópias e séries ex-
tensas de contas aritméticas desprovidas de sentido. O pensar
ocupa pouco espaço.
O desinteresse que aulas assim tendem a instalar agrava-se
quando o nível de aprendizagem dos alunos é incompatível com o
grau de dificuldade das atividades propostas. Assim, observamos
com frequência crianças e adolescentes que ainda estão nos está-
gios iniciais de alfabetização sendo submetidos a atividades que
envolvem interpretação de textos. A desconsideração de seu nível
de domínio da língua escrita termina por prejudicá-los em Língua
Portuguesa e em História, por exemplo, quando são propostos
questionários a partir de um texto de conteúdo desta disciplina.
Em Matemática, a impossibilidade de compreender o enunciado
de um problema é confundido com falta de raciocínio matemático.
As crianças ressentem-se de momentos e espaço adequa-
dos para brincar e movimentar-se, restando-lhes contentar-se
em disputar (e perder) espaço com alunos maiores numa inóspita
265
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

quadra cimentada no intervalo (recreio). Esta quadra, ainda as-


sim, é-lhes querida e ocupa reiteradamente lugar de destaque nos
desenhos que fazem da escola. Embora o horário do 1º Ciclo (atual-
mente da 1ª à 4ª série) preveja aulas de Educação Física, a serem
dadas pela professora da classe, não especialista, é comum as au-
las transformarem-se em uma ida semanal à quadra, em que a
professora apenas acompanha as crianças, sentada em algum de-
grau-banco e cuidando para que não se machuquem. Falamos aqui
de crianças que podem ter apenas seis anos, sendo que verifica-
mos um intenso desejo de mais momentos de brincadeira e
atividade física entre alunos de doze anos ou mais.
Em instituições que têm o ensino da escrita e da leitura
como uma de suas principais funções, esperaríamos que o aces-
so aos livros ocupasse um lugar de destaque entre as atividades
didáticas. São um instrumento poderoso de motivação e fonte
de informação e desafios para o letramento, como verificamos
ao utilizá-los, de maneira cuidada, em nossos atendimentos
e como é de amplo conhecimento no meio pedagógico. Livros
são objetos caros para a maioria das famílias usuárias das esco-
las públicas e constituem verdadeiros objetos de desejo para as
mesmas.
As escolas públicas costumam possuir um acervo de livros
numeroso e diversificado. A maioria, porém, carece de organiza-
ção e recursos para que este tesouro seja disponibilizado. Assim,
os alunos terminam por ter, cotidianamente, contato apenas com
fragmentos de obras, presentes nos materiais didáticos.

Cabe ao psicólogo que se propõe a atender queixas escolares


levar em conta que o usuário de seus serviços pode estar submeti-
do a situações assim. E que estas tenham papel determinante no
quadro de fracasso escolar em que se encontra. Para realizar esta
pesquisa pode, por exemplo, conquistar a possibilidade de que o
atendido lhe apresente seu caderno, esclarecendo e pensando as
condições de sua produção. Este procedimento tem-se revelado
266
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

um instrumento poderoso de pesquisa e problematização das


vivências escolares cotidianas10.

Preconceitos negativos sobre pobres em geral e negros


em especial

Ideias de que as pessoas que pertencem às camadas domina-


das e pobres da população em geral e as negras em especial sofrem
de carências múltiplas encontram-se disseminadas em nossa socie-
dade. Na escola, uma parte da sociedade, também as encontramos.
Lembramos, no entanto, que nestes mesmos terrenos, ideias con-
traditórias a estas também circulam, o que provoca embates e
diferentes movimentos mesmo em se falando de indivíduos.
Trataremos aqui dos preconceitos negativos, fortes e fre-
quentemente hegemônicos, segundo os quais as pessoas das
camadas populares são pouco inteligentes, têm pouca cultura, fa-
lam errado, são promíscuas e portam distúrbios afetivos.
Estamos aqui no terreno da ideologia, isto é, de um discur-
so que tem por função a manutenção da estrutura social desigual
e injusta do capitalismo. A disseminação desses estereótipos ne-
gativos tende a ter como efeito a submissão e o conformismo dos
dominados, a partir da aceitação de sua suposta inferioridade.
A construção deste conceito de inferioridade passa por diver-
sas estratégias, entre as quais os testes psicométricos, com destaque
para os de Quociente Intelectual (QI). A partir da eleição do univer-
so de conhecimentos e habilidades das camadas dominantes como
critérios de inteligência, são criadas provas que as exigem, sob a égide
da suposta neutralidade da Ciência. Uma armadilha para os que per-
tencem a outros grupos sociais, que tendem a não se sair bem em tais
desafios. O que aconteceria se, ao invés de lhes perguntar sobre a
distância Rio-São Paulo, a cor da esmeralda, a travessia aérea do
10
Para aprofundar o tema dos cadernos escolares, recomenda-se consultar o
capítulo “Uma proposta de olhar para os cadernos escolares”, de Anabela
Almeida Costa e Santos.

267
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

oceano Atlântico ou Gengis Khan, perguntasse-lhes sobre argamas-


sa, etapas da confecção de uma pipa, tempo de cozimento do feijão
ou critérios para não se pagar um trajeto de ônibus? As pesquisas
que atestam tais supostas inferioridades não resistem a um exame de
suas metodologias, como nos revela Patto (1990, p. 48-52) em sua
obra que se tornou leitura obrigatória para quem lida com Educa-
ção: A produção do fracasso escolar.
Na escola, a divulgação de histórias trágicas íntimas de fa-
mílias de alunos, interpretadas de maneira preconceituosa e com
uma contrapartida menos ruidosa das histórias edificantes, tende
a reproduzir, por generalização, a imagem degradada das famílias
pobres.
O olhar para a maioria dos alunos das escolas públicas,
oriundos de tais famílias, espelha para eles uma imagem de desvalia
que os afeta. A intensidade deste fenômeno é tanto maior quanto
mais novos são, ou seja, quanto mais no início estão na formação
de suas identidades. O olhar que descrê da capacidade de apren-
der tende a produzir sujeitos que não aprendem, entre outros
motivos porque introjetam, em algum grau, a imagem que lhe é
devolvida pelo olhar do educador. Para estes alunos, sobre cujo
progresso escolar e futuro pessoal não se tem esperança, educa-
dores dirigem menos suas atenções, suas falas, seus recursos, seu
toque, sua escuta e seu olhar. Produz-se o fenômeno da profecia
autorrealizadora, que foi estudada, entre outros, por Jacobson e
Rosenthal (1968), Coll e Miras (1996, p. 265-280), Collares
e Moysés (1996, p. 56-59) e Kupfer (1982).
Como autoridades em aprendizagem, o discurso de desvalia
da professora sobre os alunos fracassados é, muitas vezes, absor-
vido pelos pais, mesmo que conflite com suas observações a partir
da experiência cotidiana que têm com seus filhos. Ou, no míni-
mo, pode deixá-los confusos e inseguros. Novamente pode
produzir-se um olhar que tende a ter como efeito o aprofun-
damento do fracasso da criança ou adolescente.

Assim, ao entrarmos em contato com os educadores de uma


criança atendida por queixas escolares, tem sido fundamental
268
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

estarmos atentos à imagem a partir da qual estes se relacionam


com ela. Procuramos dar relevo aos aspectos de potência, aos
saberes, habilidades, possibilidades de desenvolvimentos e estra-
tégias bem-sucedidas de promover desenvolvimento, favorecendo
um olhar para a criança que reflita crenças positivas e instaure a
esperança.
Procuramos favorecer, quando possível e necessário, a potên-
cia dos educadores para identificar e lidar com situações de
discriminação racial entre alunos, assim como com suas próprias
atitudes discriminatórias e a de outros adultos na escola. Trata-se de
uma intervenção difícil e delicada, dado o grau de negação e a aura
de tabu que envolve o tema do racismo. A negação pode ser de
ideias e atitudes preconceituosas percebidas como tal. Porém, num
nível mais profundo, tal percepção não existe, pois circula social-
mente a ideia de que a inferioridade, feiúra etc dos negros é natural
e intrínseca e não um preconceito ideologicamente gestado.
A dificuldade de intervir neste campo ocorre, também, por-
que passa pelo exercício constante de percebermos como nós
próprios nos relacionamos e somos habitados por ele. Não pode-
mos nos esquecer de que estamos imersos na mesma sociedade à
qual pertencem os alunos e educadores com os quais lidamos.

Humilhações

Como decorrência de questões citadas, temos observado e


colhido relatos, de crianças e pais, de experiências humilhantes
vividas no ambiente escolar. As defasagens pedagógicas são, por
vezes, expostas e ridicularizadas por colegas e mesmo por pro-
fessores, em situações como chamadas irrespondíveis à leitura
em voz alta ou à execução de uma tarefa na lousa. Cadernos que
registram insucessos ou que têm má aparência chegam a ser ras-
gados em sala de aula por docentes estressados e frustrados.
Ocorrem gritos, xingamentos e apelidos de burro ou equivalen-
tes, por colegas e às vezes por professores.
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FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

A possibilidade de evitar situações como essas é um dos


motivos pelos quais a cópia torna-se um recurso “bem sucedido”
e bastante utilizado.
Entendendo que nosso ensino é elitista, podemos dizer que
este gênero de humilhação guarda relações com a pobreza e/ou
negritude dos alunos. Xingamentos e apelidos típicos são: malo-
queiro (alusão depreciativa a morador de favela), macaco (idem a
negro) e Assolan (idem a cabelo típico de negros, fazendo uma
associação com a aparência da palha de aço).
Nas festas juninas das escolas, a dificuldade de encontrar
meninos que aceitem formar par com meninas negras é clara-
mente exposta. Assim como a dificuldade de muitas crianças em
colaborar com dinheiro para prendas ou comidas para a festa. Na
própria festa, crianças cuja família fez um esforço financeiro para
colaborar com alguma comida não podem apreciá-la, pois teriam
de pagar.
Em formaturas, por vezes os pais e a escola decidem-se por
cerimônias que incluem itens que nem todos podem pagar, como
beca, por exemplo, obrigando os mais pobres a arrumarem des-
culpas para faltar, pois envergonham-se de sua pobreza e não a
declaram publicamente, opondo-se a tal organização.

Cabe, ao psicólogo consciente das relações entre fracasso


escolar e humilhação social, atentar para a presença desta na de-
terminação da queixa que se lhe apresenta11. Ressaltamos que estes
funcionamentos são, possivelmente, ao lado do preconceito racial,
os mais refratários à intervenção psicológica e a outras, a começar
pelo fato de que costumam ser negados pelos agressores e pelas
vítimas. Tal negação, como discutimos no tópico anterior, advém
até mesmo de uma falta de consciência de que não são naturais,
mas social e historicamente construídos.

11
Para aprofundamento, consultar o capítulo “Humilhação social: humilhação
política”, de José Moura Gonçalves Filho

270
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Encaminhamentos a especialistas

Quando a escola não consegue ensinar, é comum o enca-


minhamento dos alunos atingidos pelas dificuldades de seu
funcionamento a especialistas. Como vimos nos resultados da
avaliação geral do ensino realizada pelo Governo Federal em
2003 (SAEB 2003) citados anteriormente, infelizmente a pro-
dução de alunos fracassados ocorre em massa. São encaminhados
a psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos, pediatras e outros
profissionais.

Muitos psicólogos, sensíveis à existência de fatores escolares


na produção de tais encaminhamentos, relatam receberem enca-
minhamentos de crianças que observam estudarem numa mesma
classe, ou a existência de escolas que encaminham muito ao lado
de outras que pouco encaminham. Consideram estes fatos indica-
dores de classes ou escolas que precisam de socorro enquanto
instituição e, por vezes, trabalham nesta perspectiva, seja nos aten-
dimentos individuais dos alunos, seja realizando intervenções de
caráter prioritariamente institucional.
A clareza acerca da possibilidade do encaminhamento de
uma ou mais crianças ser um pedido de socorro de uma professora
ou de uma escola, decorrente de uma vivência cotidiana de fracas-
so não apenas do aluno encaminhado, desdobra-se em práticas
psicológicas diferentes das tradicionais.
Tradicionalmente, psicólogos e outros especialistas têm aten-
dido a tais encaminhamentos como sendo de natureza individual
das crianças, envolvendo coletivamente no máximo seus pais. A
escola é isentada de suas implicações. Perdem-se oportunidades
de produzir mudanças que vão ao cerne das queixas apresentadas,
respondendo a necessidades de professores e escolas. A ideia de
que se tratam de patologias das crianças e seus grupos familiares
fortalece-se e cristaliza-se ao ganhar status científico.

271
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

Funcionamentos escolares produtores de pais


fracassados

Preconceitos contra famílias pobres

Ao indagarmos aos educadores suas explicações para o fra-


casso de seus alunos, as primeiras respostas recairão sobre suas famílias
em proporções significativas. Além de observarmos este fato tanto
no contato direto com educadores quanto na literatura — por exem-
plo, Collares e Moysés, 1996, p. 65, 173-196 —, as respostas aos
questionários que costumamos enviar às escolas dos usuários do ser-
viço Orientação à Queixa Escolar o registram claramente.
As famílias dessas crianças e jovens são caracterizadas como:

- desestruturadas e promíscuas, ou seja, não seguiriam o pa-


drão pai, mãe e no máximo três filhos do mesmo casal,
vivendo juntos e felizes. Escolas que se dispõem a pesquisar
a constelação familiar de seus alunos têm se surpreendido
ao verificar que a proporção de famílias de seus alunos que
seguem tais padrões é bem superior ao que a maioria de
seus educadores imagina. Além disso, as famílias brasilei-
ras nunca se caracterizaram por tal configuração;
- atingidas pelo alcoolismo, a adição a drogas, a violência
doméstica, o crime e a prostituição, dentre outros flagelos.
Discutimos anteriormente o efeito de generalização da di-
vulgação entre professores de histórias que causam horror,
envolvendo familiares de seus alunos. Mais uma vez,
estamos diante de proporções superestimadas da ocorrên-
cia de tais problemas na população pobre;
- desinteressadas da vida escolar de seus filhos. Tal crença
tem como base o afastamento dos pais do espaço escolar:
ausência em reuniões regulares de pais e mestres, falta de
resposta a convocações para conversas individuais, o mesmo
a bilhetes da professora e não participação das festas da
272
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

escola. Este afastamento é interpretado como manifesta-


ção de desinteresse na vida e carreira escolar de seus filhos.
Outras ilações são feitas: que a escola só lhes interessa como
lugar para depositá-los por meio período e/ou como forne-
cedora de alimentação, que não atribuem importância aos
estudos para o futuro de seus filhos, que não têm afeto e
nem se importam com eles e outras considerações de in-
competência familiar. Tais considerações também não
resistem a olhares despidos de preconceito, como os das
pesquisadoras Collares e Moysés. Estas encontram famí-
lias que valorizam sobremaneira a carreira escolar de seus
filhos e que veem na escola a esperança de que estes pos-
sam ter uma vida menos sacrificada e mais digna do que a
de seus pais. As interpretações desqualificantes de seu afas-
tamento da escola não levam em conta os funcionamentos
escolares que o produzem, de que trataremos a seguir.
Dizem as autoras:

Pais brigam nas escolas por vagas para seus filhos. Pais lutam
para que seus filhos tenham acesso à educação, acreditando
que, dessa forma, terão acesso a uma vida melhor. Acreditam
no mito de que a escola é o meio de ascensão social, no mito
da igualdade de oportunidades.
É desses pais que se diz que não se interessam pela educação
de seus filhos! É deles que se apregoa o descaso, a não valori-
zação da escola! (1996, p. 183)

Como compreender o vigor de tais crenças preconceituo-


sas? A nosso ver, estão presentes não apenas no espaço escolar,
mas na nossa sociedade em geral, como discutimos anteriormen-
te. Porém, na escola, respondem à necessidade psíquica dos
educadores de obturar a percepção de sua implicação no fracas-
so de seus alunos. Esta percepção lhes traz sofrimento: sentem-se
culpados e incompetentes. A depositação da culpa e da incompe-
273
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

tência nas famílias alivia estas dores, até certo ponto, pois não
conseguem livrar-se totalmente de seus saberes fundados na ex-
periência cotidiana e concreta da vida escolar.

Nossa percepção deste fenômeno passa por nossa experiência


de trabalho junto a professoras. Observamos que, na medida em que
as fortalecemos em sua função docente, a necessidade de falar da
inadequação da família perde espaço e pode-se, mesmo, construir-
se um outro olhar para a mesma, que favorece a construção de um
relacionamento mais produtivo. Afinal, o olhar que reflete estereó-
tipos negativos tende a ter, como efeito, o afastamento dos pais, que
se sentem mal ao serem seus objetos. Ou um relacionamento agres-
sivo que pode produzir impasses e pioras, ao invés de soluções.
Assim, procuramos valorizar suas iniciativas interessantes,
acolher seus sentimentos de impotência e sustentar suas percep-
ções e reflexões acerca de seus alunos e de si próprias que constroem
potências. Oferecemos informações que dão sentido a comporta-
mentos e situações com seus alunos que aparentemente não o têm,
revelam potências de seu aluno e podem dar ideias de estratégias
produtivas, favorecendo a instauração de um olhar para seu aluno
que contém a esperança.

Reuniões na escola

Como é de conhecimento comum, há dois tipos principais


de reuniões entre pais e escola: as reuniões coletivas, regulares,
entre pais e professores (chamadas reuniões de pais e mestres) e
as reuniões de caráter particular e extraordinário, que, muitas
vezes, contam com a participação de algum superior hierárquico
do professor, como diretor ou coordenador pedagógico. Por ve-
zes também ocorrem entre os pais especialmente chamados e estes
superiores, sem a presença do professor.
Conversamos com pais fora do espaço escolar, em suas co-
munidades e ao longo do atendimento em Orientação à Queixa
274
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Escolar, sobre o que pensam das reuniões regulares das escolas.


Surgiram, muitas vezes, relatos de situações enfadonhas, repetitivas,
em que são passadas informações sobre prevenção de piolho e sar-
na, recomendações de que olhem os cadernos escolares de seus
filhos, textos sobre o amor e outros assuntos que não dizem res-
peito a seu principal objetivo em tais reuniões: saber sobre o
desenvolvimento escolar de seus filhos. Tais informações ocupam
um grande tempo de tais reuniões e, até por isso, para além das
informações em si, dizem-lhe que são considerados pais pouco hi-
giênicos, relapsos e que não amam seus filhos. Enfim, incompetentes.
Quando se fala sobre o andamento da classe, acontecem,
apesar das orientações oficiais em contrário, cenas de humilha-
ção pública de pais. Professoras queixam-se, em meio à reunião e
em voz alta, do mau comportamento de algum(s) aluno(s)
específico(s), responsabilizando os pais. Uma cena constrange-
dora não apenas para os diretamente envolvidos, mas para outros
presentes também, alguns dos quais aprendem, assim, que algum
dia podem vir a ser o centro de acontecimento semelhante.
Outras vezes tais queixas, no mesmo tom acusatório e
desqualificador, ocorrem após a reunião geral, em particular e em
voz baixa, ou nas reuniões extraordinárias.
Observamos cenas como as acima descritas por diversas
vezes. Parece estar instalado, hegemonicamente, o conceito de
que a reunião de pais e mestres é uma aula expositiva para pais
incompetentes, que não têm muito a dizer. Seu espaço de fala é
reduzido e não percebemos a busca ativa por estratégias que favo-
reçam sua participação.
Muitos pais ressentem-se de desenvolverem uma aversão
por ir à escola, pois associam essas idas a ouvirem coisas desagra-
dáveis sobre seus filhos e sobre si próprios. Entristecem-se ao
dizê-lo. Queixam-se de nunca serem chamados para ouvir elogios
ou relatos de progressos.

Assim, ao ouvirmos que pais são considerados desinteressa-


dos e ausentes do espaço escolar, procuramos pesquisar o processo

275
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

de construção de seu afastamento e pensar maneiras de reverter


tal situação, que tenham como bases o respeito mútuo entre pais e
professores e a possibilidade de uma escuta interpessoal real.

Bilhetes nos cadernos

O contato com o material escolar das crianças e adolescen-


tes com dificuldades em seu processo escolar revela a prática do
uso dos cadernos de classe como meio de comunicação entre es-
cola e família. Não raro, encontramos bilhetes dos mestres para
mães em que registram queixas do dono do caderno: “hoje o Fu-
lano não fez nada”, “hoje Beltrano ficou andando pela classe”,
“hoje Sicrano ficou perturbando seus colegas”.
Registros como esses têm a função de resguardar, até certo
ponto, as professoras de acusações de não terem trabalhado di-
reito em classe. Documentam, por exemplo, que o caderno está
vazio naquele dia não porque a professora não ensinou, mas por-
que o aluno não aproveitou seus ensinamentos, sugerindo que o
problema foi do aluno e não seu12. Têm, ainda, a função de pedir
providências à mãe, para que seu filho mude de comportamento
de modo a ajustar-se ao que entende como desejável.
A presença de bilhetes assim nos cadernos de classe pode
produzir vínculos negativos das crianças com os mesmos, estan-
do entre as razões pelas quais são descartados mal termina o
ano letivo, ou antes disso. Outro efeito é, conforme a frequên-
cia em que ocorrem, irritar e enervar os pais. Associados às
chamadas à escola para reclamações e acusações acerca de com-
portamentos considerados inadequados do aluno, chegam a ser
identificados como fatores de deflagração de violência domésti-
ca contra crianças e jovens, por parte de seus enervados e
pressionados pais, interagindo com fatores familiares e culturais.

12
Para aprofundamento, consultar o capítulo “Uma proposta de olhar para os
cadernos escolares”, de Anabela Almeida Costa e Santos.

276
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

A inter-relação destes fatores é estudada na pesquisa Violên-


cia doméstica e fracasso escolar: uma interface das relações
escola-família, de Braga e Lima (2001).

Ao investigarmos as características e potencialidades nas re-


lações entre escola e pais, o exame dos cadernos escolares mostra-se,
assim, mais uma vez, um instrumento que muito pode revelar.

Procuramos discorrer sobre alguns importantes fazeres que


habitam o cotidiano escolar, que causam sofrimento e fracasso a
seus personagens e, também, que lançam luz ao quadro preocupante
de dificuldades de escolarização de nossa população. Discutimos
crenças subjacentes a estas práticas. Buscamos apontar atuações
possíveis aos psicólogos que atendem queixas escolares, no sentido
de desconstruir ou, no mínimo, de não fortalecer os processos es-
colares envolvidos em sua gênese e manutenção. São atuações
focadas nos indivíduos, porém levam em conta e intervêm em pro-
duções que também têm caráter coletivo. E político.
Ações gerais, coletivas e políticas são imprescindíveis para
uma superação real do quadro de fracasso e sofrimento que te-
mos hoje na educação. É fundamental termos esta percepção no
horizonte de nossas práticas, como psicólogos atendendo a crian-
ças e adolescentes com queixas escolares. Muitas vezes, no entanto,
essa clareza produz sensações de esmagamento e impotência. E
paralisia. Ressaltamos que o coletivo acontece encarnado, atra-
vés de indivíduos — embora os ultrapasse. Assim, as intervenções
no nível individual têm potência transformadora na medida em
que atuam na produção e sustentação do coletivo.
Mais uma vez, lembramos que estas práticas adoecidas e
adoecedoras convivem, mesclam-se e conflitam com muitas outras
que tendem a produzir movimentos contrários ao fracasso e ao so-
frimento. São fazeres que revelam a escola como instituição em que
a aprendizagem, a criatividade, a cidadania, o respeito ao outro, a
dignidade, a alegria e o amor têm lugar para estar e desenvolver-se.
277
FUNCIONAMENTOS ESCOLARES E A PRODUÇÃO DE FRACASSO ESCOLAR E SOFRIMENTO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAGA, T. B. M.; LIMA, M. A. Violência doméstica e fracasso


escolar: uma interface das relações escola-família. 2001. Relatório
(Iniciação Científica). Instituto de Psicologia, Universidade de São
Paulo. São Paulo.
COLL, C.; MIRAS, M. A representação mútua professor/aluno e
suas repercussões sobre o ensino e a aprendizagem. In: COLL, C.;
PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (org.) Desenvolvimento psicológico
e educação. v. 2. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
COLLARES, C. A. L.; MOYSÉS, M. A. A. Preconceitos no
cotidiano escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Cortez
Editora, 1996.
__________. Construtivismo X método fônico. Folha de São Paulo,
São Paulo, p. A 12, 6 Mar. 2006.
JACOBSON, L.; ROSENTHAL, R. Pygmalion in the classroom:
teacher expectation and pupils’ intellectual development. New York:
Holt, Rinehart and Winston, 1968.
KUPFER, M. C. M. Relação professor-aluno: uma leitura
psicanalítica. 1982. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo. São Paulo.
PATTO, M.H.S. A produção do fracasso escolar. São Paulo: T.A.
Queiroz, 1990.
SOUZA, D. T. R. A formação contínua de professores como
estratégia fundamental para a melhoria da qualidade do ensino:
uma reflexão crítica. In: OLIVEIRA, M.K.; REGO, T.C. e SOUZA,
D. T. R. (org.) Psicologia, Educação e as temáticas da vida cotidiana.
São Paulo: Moderna, 2002.
INEP. Resultados do SAEB 2003. Disponível em: <http://
www.inep.gov.br/download/saeb/2004/resultados/BRASIL.pdf>.
Acesso em: 5 Fev. 2007.

278
Apresentando a Orientação
à Queixa escolar1

Beatriz de Paula Souza2

Os desenvolvimentos teórico-práticos da psicologia esco-


lar, notadamente a partir da década de 1980, apontam claramente
a importância de se investir no sentido de contribuir para a melhoria
da rede escolar. Os psicólogos vêm ampliando e aperfeiçoando
intervenções junto às escolas, com o intuito de problematizar e
reverter funcionamentos institucionais produtores de fracasso
escolar e de encaminhamentos de alunos para atendimento psico-
lógico no sistema de saúde mental, clínicas-escola e outros espaços
e instituições externos à escola.
Tais atuações de cunho institucional, no entanto, frequen-
temente não dão conta de sofrimentos e fracassos individuais que,
embora atravessados pela instituição, permanecem cristalizados.
Porém, ainda há nós que, para serem desatados, necessitam de
uma abordagem que aprofunde a compreensão das relações em
que indivíduo e instituição se constituem mutuamente, cuidando
de não negar nem a um, nem a outro.

1
Este trabalho contou com a preciosa revisão crítica de Carla Biancha Angelucci
e baseia-se em FRELLER, C.C.; SOUZA, B.P.; ANGELUCCI; C.B.; BONADIO,
A.N.; DIAS, A.C.; LINS, F.R.S.; MACÊDO, T.E.C.R. “Orientação à Queixa
Escolar”. In: Revista Psicologia em Estudo, Universidade Estadual de Maringá,
v.6, n.2, jul./dez. 2001.
2
Psicóloga e Mestre em Psicologia Escolar pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, em que coordena o Serviço de Orientação à
Queixa Escolar.
97
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

O pensamento dialético desvela-nos uma relação entre in-


divíduos e instituições que aponta a necessidade do psicólogo
desenvolver frentes de trabalho diferenciadas, nos planos macro e
microestrutural, se pretende atuar no sentido de uma transforma-
ção social profunda. Assim, as intervenções institucionais e
individuais, fundadas em uma mesma concepção de Homem e de
Sociedade, em que estes dois planos guardam uma relação de
interdependência, de mútua determinação, tenderão a comple-
mentar-se e a potencializar uma à outra — e não a competir.
A dissociação destes planos — macro e microestrutural —
no campo da psicologia apareceu, por exemplo, na assessoria a
psicólogos que atuam na saúde, desenvolvida no Serviço de Psi-
cologia Escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo (SePE-IPUSP), do qual faço parte. Eles percebiam que, por
trás de uma grande parcela de sua demanda infanto-juvenil, en-
contravam-se cotidianos escolares adoecidos e adoecedores, daí
procurarem nossa ajuda.
Assim, em 1992, psicólogos e outros trabalhadores de saú-
de mental de equipamentos da Secretaria Municipal de Saúde
(Unidades Básicas, Centros de Saúde e outros) da região sul da
cidade de São Paulo, à procura de novos rumos no atendimento
às queixas escolares, realizaram um estudo sobre sua demanda
infanto-juvenil. Revelou-se que as queixas escolares constituíam
aproximadamente 65% da mesma (Morais, 2001). Tal cifra apro-
xima-se, provavelmente não por acaso, com os 70% encontrados
na pesquisa de Souza (1996) junto a clínicas-escola de institui-
ções de ensino de psicologia da Grande São Paulo. Ficava, então,
evidente a prioridade que a queixa escolar deveria ter nas ações
de saúde mental e em nossa formação.
A partir das contribuições de Patto (1984; 1990) e de nosso
convívio com as escolas, a visão crítica que tínhamos no SePE-
IPUSP acerca dos funcionamentos escolares cotidianos
produtores de fracasso levava-nos a incentivar e assessorar os psi-
cólogos que nos procuravam em suas experiências extramuros das
98
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Unidades Básicas e Centros de Saúde, partindo para intervir


nas escolas.
No entanto, esse tipo de assessoria evidenciava uma lacuna
no conhecimento do Serviço e da psicologia escolar: o atendi-
mento às queixas escolares no âmbito da clínica, com o foco no
indivíduo em sua relação com a instituição escolar. Era preciso
desenvolver uma abordagem que superasse as dificuldades das
práticas tradicionais, que se fundam numa concepção de indiví-
duo abstrata, desconsiderando seus pertencimentos sociais para
além do grupo familiar.
Era preciso incluir a escola na investigação e na intervenção.
Perguntas como “em que tipo de classe está? Quantas professoras
teve este ano? Onde se senta na classe? Qual a frequência com
que ocorrem faltas de professores? Em que momento da carreira
escolar emergiu a queixa em questão?” precisavam integrar o rol
de perguntas possíveis/necessárias ao atendimento.
A interlocução com a escola, à semelhança com a que se
tem com os pais, necessitava ser introduzida.
Era preciso, ainda, ter um olhar para as pertenças sociais
(camada socioeconômica, grupo étnico e religioso, por exemplo)
dos envolvidos e os desdobramentos disto na vida e carreira esco-
lares da criança ou adolescente atendido. A passagem de uma criança
pobre e negra pela escola tende a guardar diferenças significativas
em relação à de uma rica e branca. O estágio de conhecimento que
a psicologia e outras ciências atingiram acerca da importância dos
fatores sociais na constituição das subjetividades não nos permite
mais ignorá-los num atendimento psicológico3.
Impulsionadas por tais necessidades, com uma demanda de
atendimento de crianças e adolescentes com queixas escolares ba-
tendo às nossas portas, apoiadas em nossas referências teóricas e

3
Veja, por exemplo, o capítulo “Humilhação social: humilhação política”, de
José Moura Gonçalves Filho, e “Para cuidar da dor do aluno negro gerada no
espaço escolar!”, de Elisabeth Fernandes de Sousa.

99
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

em nossas práticas nas intervenções nas escolas, duas psicólogas


da equipe do Serviço de Psicologia Escolar da USP, Cintia Copit
Freller e eu, partimos para desenvolver uma abordagem em atendi-
mento psicológico a que chamamos Orientação à Queixa escolar.
Trata-se de uma abordagem que parte de uma determina-
da concepção da natureza e da gênese da queixa escolar, entendida
como aquela que tem, em seu centro, o processo de escolarização.
Trata-se de um emergente de uma rede de relações que tem como
personagens principais, via de regra, a criança/adolescente, sua
escola e sua família. O cenário principal em que surge e é susten-
tada é o universo escolar.
Assim, nosso sujeito de investigação/intervenção é esta rede
e como as relações entre seus integrantes desenvolvem-se. Consi-
derando que um momento é construído ao longo de uma história
que lhe dá sentido, conhecer e problematizar tal história inclui-se
necessariamente no atendimento.
Nosso objetivo é conquistar uma movimentação nessa rede
dinâmica que se direcione no sentido do desenvolvimento de todos
os seus participantes e da superação da queixa escolar, que se sustente
sem mais necessidade do atendimento em Orientação à Queixa
Escolar”. Daí nossa contraposição às práticas adaptacionistas, que
entendem a superação da queixa escolar como uma mudança apenas
da criança/adolescente portadora da queixa, abrangendo também
sua família, mas deixando intocada a Escola. Nesta concepção, uma
criança que se rebela contra aulas sem sentido, autoritarismo e atos
de humilhação, mostrando-se agressiva e apreendendo pouco os
conteúdos pedagógicos que lhe são impostos nestas condições, é
frequentemente considerada responsável por suas atitudes de recusa
e a meta de seu atendimento é sua adaptação/submissão.
Ao longo de sua vasta obra, D. Winnicott — e outros au-
tores que nele se inspiraram4 — indica-nos que a intervenção

4
Veja, por exemplo, KHAN, M. Quando a Primavera Chegar. São Paulo: Escuta,
1991.

100
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

no ambiente concreto — e não apenas em suas representações


no universo simbólico do indivíduo — faz parte do âmbito da
ação terapêutica. O ambiente não se restringe ao universo
familiar, mas inclui outros grupos e instituições com participa-
ção importante na formação e desenvolvimento do psiquismo.
A escola costuma ser um destes: exerce função estruturante da
subjetividade, que se forma não apenas nas fases precoces do
desenvolvimento, e é pleno de potencialidades terapêuticas e
também patologizantes. Daí a importância de o psicólogo fazer
do ambiente um objeto de intervenção, em seu trabalho focado
na pessoa em sofrimento que o procura.
Ainda refletindo sobre a importância do ambiente, depa-
ramo-nos com a obra de Jurandir Freire Costa, Ordem Médica e
Norma Familiar (1979). Nela, o autor analisa o papel do Movi-
mento Higienista na introdução da economia de mercado no
Brasil. Revela o caráter político-ideológico da atuação dos higie-
nistas na produção do sentimento de incompetência dos pais,
condição importante para o desenvolvimento de um mercado de
trabalho para os especialistas, dentre eles os psicólogos.
Mostra-nos como, a partir da autoridade adquirida por meio
do grande sucesso no combate a doenças como a tuberculose e o
cólera, utilizando-se de medidas higiênicas e vacinas, os profissio-
nais da saúde passam a encampar áreas cada vez mais diversas da
vida e do comportamento humano em sua atuação, passando a tra-
tar questões de fundo cultural como sendo da mesma natureza dos
fenômenos bioquímicos. Relacionamento familiar e filtragem da
água passam a ser compreendidos a partir das mesmas categorias.
Assim, costumes que estruturam a família colonial, como a
circulação dos escravos pela casa, são combatidos pelos higienistas
que, a partir de antigas ideias racistas revestidas de aura científica,
caracterizam os negros — e não as condições em que viviam —
como foco de doenças, encobrindo o racismo subjacente. Implan-
ta-se o conceito de vida íntima do núcleo familiar, estranho aos
costumes da época, em que os filhos e seus cuidados ganham
101
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

importância. Os novos hábitos desorientam os pais, que se veem des-


pojados de sua competência e acusados de responsáveis por malefícios
e patologias da família de várias naturezas. São instados a procurar e
seguir as orientações dos especialistas, supostos detentores últimos
de todo o saber sobre este ampliadíssimo campo da saúde.
A psicanálise é também parte do saber competente a partir
do qual se opera essa desconstrução. Desse modo, prepara-se o
solo para o cultivo do mercado de trabalho dos especialistas, den-
tre os quais figuram os psicólogos.
Costa (1979) oferece-nos a possibilidade de tomarmos cons-
ciência do quanto, ao desconsiderarmos a potencialidade do
ambiente e superestimarmos a necessidade de nossa intervenção
nos cuidados com as crianças e adolescentes com dificuldades de
escolarização, estamos a serviço de uma estrutura de poder em
que o lucro sobrepõe-se ao bem-estar da coletividade. As contri-
buições do autor, portanto, integram os fundamentos de nossa
atuação para além do mundo interno da criança/adolescente com
dificuldades escolares.
Levando em conta concepções como as expostas, estrutu-
ramos nossa abordagem a partir de princípios técnicos como:

- colher e problematizar as versões de cada participante da


rede (criança, família e escola);
- promover a circulação de informações e reflexões pertinen-
tes e integração ou confronto das mesmas dentro desta rede,
propiciando releituras e buscando soluções conjuntamente;
- identificar, mobilizar e fortalecer as potências contidas nes-
ta rede, de modo que ela passe a movimentar-se no sentido
da superação da situação produtora da queixa.

Trata-se de uma abordagem breve e focal.


Breve, por dois motivos essenciais: primeiramente, porque
nosso objetivo não é passar a integrar esta rede até a superação
da configuração na qual a queixa emergiu, mas fazê-lo apenas até
a conquista de sua movimentação no sentido de tal superação e a
102
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

identificação de condições desse movimento sustentar-se sem


nossa participação.
O segundo motivo pauta-se em Winnicott que, em Consul-
tas terapêuticas (1984), indica que, nos primeiros encontros com
o terapeuta, este é constituído pelo paciente como objeto subjeti-
vo. Isto é, o terapeuta tem uma existência objetiva, mas esta é
envolta pela subjetividade do paciente. Se esta necessidade é de-
vidamente acolhida pelo terapeuta, o paciente o constitui como
aquele que o entende e que é capaz de ajudá-lo. Este momento
efêmero é extremamente poderoso do ponto de vista terapêutico,
podendo produzir mudanças profundas se bem manejado. É nes-
se tempo, em que esse movimento está presente, que operamos.
O processo todo (exceto o Acompanhamento) costuma du-
rar por volta de três meses.
É focal, porque se centra na queixa escolar. Isto não sig-
nifica que nos restrinjamos apenas àquilo que diz respeito
diretamente a ela, mesmo porque uma abordagem assim restrita
não daria conta de nosso objeto. Consideramos um campo bas-
tante amplo de investigação/intervenção, porém com o olhar
voltado principalmente para as relações dos conteúdos emer-
gentes em tal queixa, a partir da busca pela compreensão da
mensagem que a queixa comunica.
Acolher a necessidade do paciente de nos constituir como
terapeutas na condição de objeto subjetivo não significa uma postu-
ra passiva. Pelo contrário, entendemos que uma postura ativa é
especialmente importante em atendimentos psicológicos às queixas
escolares. Ela é mobilizadora dos recursos dos atendidos, se assumida
buscando-se uma relação horizontal com os mesmos. Uma relação
que não os empobrece em função de um suposto saber, mas que os
acompanha e com eles compartilha saberes, constituindo-os como
indivíduos capazes de serem sujeitos de sua própria história.
Tal postura relaciona-se também à questão do tempo, que no
caso das queixas escolares tem uma especificidade que não pode ser
ignorada: o tempo escolar, o tempo do ano letivo. Conquistar a
103
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

superação da situação de fracasso dentro destes parâmetros, se esta


possibilidade existir sem violentar o tempo psicológico, deve consti-
tuir-se numa meta de trabalho terapêutico, uma vez que sabemos o
quanto avançar na carreira escolar sem a aquisição dos conhecimen-
tos e competências correspondentes ou enfrentar uma repetência
costumam ser situações que tendem a dar saltos em seu potencial de
produção de fracasso e sofrimento a cada passagem de série. Falo
aqui pensando na Promoção Automática em que se converteu a po-
lítica de Progressão Continuada ou de ciclos na Educação5.
A partir dos fundamentos expostos até aqui, estruturamos
uma forma de atender que não é rígida, pois a consideração das
singularidades está na essência de nosso trabalho, que consiste
nos seguintes procedimentos:

Triagem de orientação

Uma vez que somos procurados quase sempre pelos pais, é


por eles que começamos nosso trabalho, entendendo que, até este
momento, são os demandantes. Nesse primeiro encontro, valo-
rizamos a presença do pai, sempre que possível, dado que a
tendência ainda é, apesar de todas as conquistas feministas das
últimas décadas, a vinda apenas da mãe. Solicitamos que seja tra-
zido material escolar da criança, rica fonte de informações.
Esse momento tem, por objetivos:

- apresentar a modalidade de atendimento que oferecemos, de


modo que os demandantes possam escolher estar ou não in-
cluídos no processo baseados em um mínimo de informações;
- colher a versão dos pais acerca da queixa;
- investigar e pensar a demanda que se apresenta, procuran-
do soluções — daí a denominação de Orientação;

5
Para uma discussão mais aprofundada sobre a Progressão Continuada, veja o
capítulo “Dificuldades de Escolarização e Progressão Continuada: uma rela-
ção complexa”, de Lygia de Sousa Viégas.

104
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

- verificar se a queixa é ou não de natureza principalmente


escolar, estabelecendo prioridades em caso de necessidade
de atendimento, verificando se o atendimento que oferece-
mos é ou não o mais adequado ou prioritário para o caso.

Com relação à investigação, não temos um roteiro de pergun-


tas préfixado. As perguntas devem surgir como decorrência dos
caminhos que a narrativa sugere, levando-se em conta, ainda, as con-
cepções acerca das queixas escolares expostas no início deste texto.
Assim, quando os pais dizem que o filho está mal alfabeti-
zado e não quer ir para a escola, nossas perguntas iniciais têm o
intuito de entender melhor, com mais profundidade, o querem
dizer com isso. Assim, pedimos exemplos e circunstâncias em que
essas manifestações da criança ocorrem. Pedimos que os pais fa-
lem-nos sobre o histórico de seu filho na relação com a escola e
com os conhecimentos escolares (é comum a necessidade de uma
atenção especial à alfabetização), procurando resgatar o momen-
to e circunstâncias em que a queixa iniciou-se e se instalou.
Nunca pedimos, logo em seguida a essa narrativa sobre a
queixa escolar, informações acerca de gravidez, amamentação,
desenvolvimento neuropsicomotor, relacionamento com os pais,
constelação familiar. Estas perguntas podem ser feitas, porém ape-
nas se fizerem sentido dentro do quadro que se vai desenhando.
Do contrário, a mensagem subliminar que se passa aos pais tende
a ser que a queixa escolar decorre de problemas inerentes à criança
e/ou a eles mesmos.
Os pais são convidados a expressar suas hipóteses, pensar
junto conosco o que está sendo trazido e possíveis saídas. Avalia-
mos, juntos, os recursos em jogo, bem como a potência e os limites
de cada um dos diversos âmbitos de ação em questão.
Este momento pode ser individual (no sentido de tratar de
apenas um caso) ou grupal. Geralmente o temos realizado em pe-
quenos grupos, procurando utilizar o potencial que esta forma de
atendimento propicia. Ou seja, procurando que as reflexões ocorram
105
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

de maneira coletiva, o que tem produzido identificações, mobiliza-


ções que pensar com pares — e não apenas com um especialista —
conquistam, facilitado o aparecimento de informações sobre re-
cursos e outros efeitos interessantes, segundo, inclusive,
depoimentos espontâneos de participantes destes momentos. Con-
cordamos com Jurandir Freire Costa (1984), quando diz que
atividades no coletivo, principalmente, com pessoas que perten-
cem às camadas populares, facilitam o diálogo horizontal. Essas
trazem a possibilidade de as pessoas que delas participam troca-
rem informações, reflexões, soluções e, principalmente, de poderem
deixar de se perceber como os “únicos”, os “errados”, os
“desviantes”. Isto é especialmente importante quando falamos de
pessoas que pertencem às camadas populares, sem garantia de seus
direitos.
Não raro, a Triagem de Orientação encerra o atendimento.
Isto ocorre, por exemplo, quando se conclui que a criança e/ou
seus pais e/ou a escola aparentemente estão encontrando solu-
ções e há sinalizações de uma trajetória de melhora. Nesses casos,
combinamos, com os responsáveis, esperar um determinado tem-
po para verificar se esta trajetória permanece e, caso isto não
ocorra, que os pais retomem o contato conosco.
Ocorre, também, de esse encontro ser suficiente para pro-
duzir, nos pais, uma releitura da situação tal, que eles se tranquilizam
quanto à gravidade e/ou necessidade de ajuda do psicólogo com
relação à situação trazida e/ou sentem-se capazes de lidar adequa-
da e suficientemente com a mesma.
O encaminhamento para outros atendimentos especiali-
zados, tais como psicoterapias, fonoaudiologia ou atendimento
em neurologia, ocorre na medida em que este recurso desvela-se,
ao longo do encontro, como o mais adequado ou prioritário.
Ressentimo-nos, no entanto, da precariedade do sistema público
de saúde, que tem profissionais de saúde mental em número abso-
lutamente insuficiente frente às necessidades da população. Assim,
encaminhar para um atendimento psicológico gratuito é, muitas
106
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

vezes, lançar esta população ao abandono.


Ressentimo-nos, ainda, da escassez de psicólogos clínicos
que tenham um olhar para o que ocorre no cenário escolar, ofere-
cendo algum suporte às escolas ou podendo ouvir o que a criança
traz acerca de seu cotidiano escolar com atenção às caracterís-
ticas e funcionamentos da escola. Isto ocorre por entendermos
que, mesmo em muitos dos casos em que a intervenção na pro-
blemática psíquica não escolar é prioritária, o contato com essa
instituição pode ser de extrema importância para o sucesso ou
fracasso do tratamento.
Quando entendemos que há questões escolares importan-
tes na configuração do quadro que se desenhou e que nossa
intervenção é necessária e prioritária, o processo de atendimento
em Orientação à Queixa Escolar (OQE) tem continuidade.

Encontros com as crianças ou adolescentes

Nestes momentos, temos como objetivos:

- colher a versão da criança sobre a queixa que se tem a res-


peito dela;
- propiciar a conquista e/ou valorização de sua condição de
sujeito de sua própria história, que percebe, pensa e inter-
vém;
- pensar com a criança sobre aquilo que ela não tem poder
de determinar ou mudar, aquilo que a acomete sem abrir
espaço para outro gesto que não o da recepção do golpe;
- perceber e acolher suas necessidades, instaurando, reins-
taurando ou cultivando a esperança;
- oferecer acolhimento para seus sofrimentos e dificuldades,
de modo que possam encontrar inscrição no universo sim-
bólico e tornarem-se pensáveis;
- favorecer a manifestação e utilização de suas capacidades e
potencialidades, afetivas e cognitivas.
107
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

A criança é informada acerca da queixa que se tem dela,


porém com o cuidado de não criar obstáculos à manifestação de
outras necessidades que porventura lhe sejam mais importantes.
Ao longo do processo, procuramos garantir que ela possa pensar
a existência da queixa, expressar sua versão sobre a mesma e
problematizá-la, buscando saídas.
Assim como nos encontros com os pais e todos os demais
participantes do atendimento, não temos um roteiro prefixado de
perguntas e procedimentos. Os encontros são planejados um a
um, de acordo com o que o processo sugere. Não utilizamos tes-
tes, mas procuramos investigar o que entendemos pertinente por
meio da observação e interação com a criança dentro de uma rela-
ção de acolhimento, confiança e aposta em sua capacidade. Essas
características da relação são importantes para que seu universo
de potência e dificuldades possa ser desvelado.
Os materiais que utilizamos não diferem dos encontrados
nas ludoterapias em geral: materiais expressivos, jogos, brinque-
dos, livros etc. Temos a preocupação de poder contar com
materiais tipicamente escolares (papel pautado, lápis preto, bor-
racha, régua etc.) e de planejar o que estará presente em cada
encontro, segundo a singularidade que se desvela e o que o pro-
cesso sugere de rumos investigativos e de reflexão e elaboração.
A exploração do material escolar é especialmente preciosa. Tê-
lo nos encontros, apresentado pela própria criança, é uma conquista
que, quase sempre, propomos-nos a realizar. Por meio dele, muitos
aspectos da vida escolar emergem, tais como o jogo de fazer de con-
ta que sabe escrever, compartilhado por alunos e professores por
meio das cópias, as técnicas didáticas, a adequação ou não do que se
ensina e se exige na escola às necessidades e possibilidades da crian-
ça, a relação com os pais — muitas vezes revelada em bilhetes no
caderno, — o capricho, o esforço, o esforço da professora em ofere-
cer algo adequado e outros tantos aspectos6.

6
Recomendamos a leitura do capítulo “Uma proposta de olhar para os cader-
nos escolares”, de Anabela Almeida Costa e Santos.

108
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

A conquista da produção escolar da criança em atividades


com sentido e carregadas de afetividade, em um ambiente
acolhedor, tem revelado muitos conhecimentos onde escola e pais
pensavam que não havia quase nenhum. Além disto, tem favore-
cido que a própria criança aproprie-se e imprima movimento a
capacidades que julgava inexistentes ou com as quais tinha uma
relação penosa e envergonhada.
Em geral, temos por volta de dez encontros com a criança
ou o adolescente, uma vez por semana. O processo pode ser
individual ou grupal.

Interlocução com a escola

Costuma dar-se em dois momentos: no meio do processo,


quando solicitamos da escola um pequeno relatório, e, mais ao
final, quando estamos de posse de tal relatório, de trabalhos com
pais e criança e o delineamento de perguntas e orientações que o
quadro até então composto sugeriu, vamos à escola. Nem sempre
conseguimos esse relatório, mas isto não nos paralisa.
Ao marcar esse encontro, procuramos garantir a presença
do professor, na qualidade daquele que lida diretamente com a
criança no dia a dia escolar. Este cuidado deve-se à prática co-
mum das escolas de restringir o contato à Coordenação Pedagógica.
Procuramos, ainda, garantir a presença de alguém de instâncias
decisórias na escola — Diretor ou Coordenador Pedagógico —
para que se facilite a viabilização de estratégias escolares de
enfrentamento das dificuldades detectadas e para ampliar a pos-
sibilidade de continuidade no trabalho escolar com a criança no
caso de afastamento do professor. Esta estratégia tem também o
objetivo de remeter a queixa à escola e não à ação isolada de um
professor, facilitando marcar que não estamos pensando a partir
da lógica de culpabilização de alguém.
É recorrente, entre psicólogos, a fala de que é difícil dialo-
gar com a escola, pois os educadores são resistentes e hostis. Não
109
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

compartilhamos, via de regra, essa opinião. Nossa experiência


tem confirmado reiteradamente que é bastante possível encon-
trarmos receptividade, se buscarmos:

- uma relação horizontal com os educadores, em que não pres-


suponhamos nossa superioridade diante destes profissionais,
mas apenas nossa especialidade, com suas possibilidades e
limitações;
- atentar para a presença de preconceitos acerca dos pro-
fessores operando em nós, sejam eles os frequentes
preconceitos negativos, que não levam em conta as cir-
cunstâncias estressantes, precárias e desestimulantes em
que geralmente desenvolvem seus trabalhos, ou quaisquer
outros. Este exercício pode evitar que tais crenças impe-
çam a experiência com a escola concreta e com seus agentes
reais;
- ouvir sua versão da queixa, fazer perguntas que ajudem a
esclarecê-la e pensá-la;
- perceber e valorizar seus recursos e esforços e,
- levar informações e sugestões que possam contribuir para
a criação de sentidos e caminhos em seu trabalho.

O olhar dos educadores para a criança e para seus pais


pode mudar, e a possibilidade de fortalecer e/ou mobilizar os
recursos escolares surge. Mas nem sempre, naturalmente. Mui-
tos são os casos em que o contato com a escola frustra, o que
não deve, no entanto, paralisar-nos ou à criança e a seus pais7.
O contato com os educadores no espaço da escola tem-se
mostrado importante, pois revela aspectos do ambiente que uma
conversa por telefone ou no local de atendimento não revelaria.

7
O capítulo “Por uma clínica da queixa escolar que não reproduza a lógica
patologizante”, de Carla Biancha Angelucci, traz o relato e reflexões acerca de
um atendimento com estas características.

110
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Assim, podemos perceber indícios sobre o ambiente escolar: o


clima é opressor ou agradável? O espaço é cuidado? Há crianças
fora das classes? Quais e como são os sons nesse ambiente? Ou-
vem-se gritos de professores e alunos? Os compromissos marcados
são valorizados? Outros tantos aspectos da vida escolar vão se
apresentando aos nossos sentidos e à nossa consciência. É possí-
vel, ainda, perceber o entorno da escola: o aspecto das moradias,
a presença de policiais, igrejas ou música, trazendo novas infor-
mações e sentidos.
Geralmente este encontro é único. Investigação, discussão
de caso e busca de soluções acontecem de maneira integrada. Po-
rém, em alguns casos, avaliamos ser necessário que um novo
encontro aconteça e retornamos à escola.

Entrevistas de fechamento

Podem ser realizadas com a criança/adolescente e os pais


em separado, ou ainda com a criança/adolescente em separado e
depois junto com os pais. Vale ressaltar que podem ter ocorrido
outros contatos com os pais durante o processo, na medida em
que tenha sido necessário.
Por exemplo, por vezes surgem dúvidas e necessidade de
novas informações e esclarecimentos antes do final dos encon-
tros com a criança ou antes da visita à escola. Combinamos, então,
um novo encontro com os pais. Isto ocorre, também, quando ava-
liamos que seria pertinente, para o bom desenvolvimento dos
trabalhos, realizar uma intervenção junto a pais durante o pro-
cesso e quando os próprios pais solicitam. Além dos contatos
formais, ocorrem, geralmente, várias pequenas conversas em si-
tuações informais, como o momento em que vamos ao encontro
de seus filhos na sala de espera, para o início da sessão de atendi-
mento, e quando conduzimos as crianças e os adolescentes
atendidos para seus pais ao final da sessão. Este tipo de contato
tem por objetivos permitir pequenas (porém muitas vezes
111
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

poderosas) intervenções e possibilitar aos pais comunicar-nos in-


formações e afetos emergenciais, além de conferir um caráter
humanizado para a situação de atendimento psicológico.
Na entrevista de fechamento, objetivamos construir uma
releitura do caso, à luz das novas informações, visões e perspec-
tivas que o processo de trabalho pode trazer. Avaliamos o processo
de OQE e seus efeitos, procurando pensar a relação dos diversos
envolvidos, em busca de uma mobilização conjunta na direção de
se superar a situação inicial.
Combinamos um novo contato (o Acompanhamento) após
cerca de um mês e meio de frequência à escola. Com isso, damos
tempo para ocorrerem costumeiras (re)adaptações ao ambiente
escolar que costumam acontecer após as férias.”

Acompanhamento

Este procedimento consiste, quase sempre, em um novo


contato com os pais, a criança/adolescente e a escola. Procuramos
fazê-lo por telefone, para não propiciar uma retomada dos
atendimentos desnecessária. Mas com quem e de que maneira deve
ocorrer este contato? A ideia é que passemos a procurar colher,
coerentemente com o atendimento, as versões dos três principais
personagens desta trama: pais, criança/adolescente e escola.
A introdução do Acompanhamento deveu-se a diferentes
razões. Uma delas é do fato de que os atendidos carecem muitas
vezes de informações e de ajuda para enfrentar meandros e
entraves burocráticos, que por vezes inviabilizam o acesso a
recursos que decidiram procurar a partir da OQE. Em nossa
sociedade elitizada, isto é especialmente verdadeiro no caso de
integrantes das camadas populares.
Outra é que podem ser necessárias providências não previstas
para sustentar o movimento que fundamentou a finalização do
atendimento. Nosso compromisso, real, importante para a intensidade
e efetividade do atendimento, não se encerra no dia do fechamento.
112
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Vivemos tempos de mercantilização das relações, que tende


a ser produzida pela lógica capitalista, reduzindo pessoas a coisas
a serem utilizadas e/ou descartadas. Esse modo de relação
contemporâneo tem produzido sofrimentos, especialmente nas
grandes metrópoles. Na contramão desta tendência, realizamos
um atendimento humanizado e humanizador.
Assim, atender à necessidade do sentimento de continuidade
(X fragmentação) das existências, do Real, faz parte do cuidado
terapêutico. Exemplificando: observamos que um contato após
alguns meses de fim dos encontros regulares costuma possibilitar,
a atendidos e a terapeuta, a experiência de que as relações
estabelecidas no atendimento, geralmente muito significativas,
foram reais, não descartáveis. Todos continuam existindo e (se)
importando. Potencializa-se o que tende a se instaurar já na
finalização dos atendimentos, ao deixarmos nosso contato com
os atendidos e combinarmos uma conversa dentro de alguns meses.
Os motivos até aqui apontados visam ao atendimento de
demandas dos atendidos. Há, porém, algumas que são nossas:
colhermos informações acerca da efetividade ou não de nosso
trabalho, levando em conta seus objetivos8, e conhecermos seus
efeitos para os atendidos.
Nem sempre entramos em contato com a escola. Se o
momento do Acompanhamento ocorre dentro do mesmo ano
letivo e escola em que o atendimento foi feito, sim. Mas se mudou
o ano e a classe, a professora (principalmente), por vezes a escola,
mudaram também, na maioria das vezes não o fazemos. Depende
do que surgir nas conversas com a família e o atendido. Quando
as notícias indicam que a rede de relações que produzira a queixa
escolar está em um movimento de superação não adaptacionista

8
Nosso objetivo é conquistar uma movimentação nessa rede dinâmica que se
direcione no sentido do desenvolvimento de todos os seus participantes e da
superação da queixa escolar, que se sustente sem mais necessidade do
atendimento OQE (vide pág. 100).

113
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

da mesma, de modo autônomo com relação ao terapeuta (objetivo


da OQE), não contatamos a escola. Evitamos o risco da informação
sobre ter havido um atendimento psicológico chamar uma atenção
patologizante dos educadores para com o atendido, fazendo uma
rachadura em um percurso de bom desenvolvimento.
Levantamentos sistemáticos, ao longo de dez anos (2006 a
2016) encontraram sinalizações bastante positivas: em cerca de
75% dos casos acompanhados, os objetivos da OQE foram
plenamente alcançados, em 20% deles este alcance foi parcial e,
em 10%, não foram atingidos. Frequentemente, as pessoas
consultadas referiram-se ao atendimento como um ponto de
inflexão claro em carreiras escolares e trajetórias psíquicas que,
antes, rumavam ao fracasso e ao sofrimento.

Considerações finais

A partir de 2000, passamos a realizar levantamentos anuais


de nossa demanda e de nosso trabalho. Este procedimento tem
nos revelado alguns dados de interesse, apesar dos mesmos não
terem sido submetidos a um tratamento estatístico rigoroso. Por
vezes trabalhamos a partir de números absolutos pequenos, o
que impossibilita uma série de afirmações generalizantes. Porém,
a repetição ano a ano de alguns resultados nos diz que estamos
diante de indicadores significativos. Ademais, o número absoluto
de casos a partir dos quais realizamos os levantamentos que pas-
saremos a abordar — de 2001 a 2005 — não é pequeno: foram
considerados dados referentes a mais de quinhentas crianças, ado-
lescentes e até alguns poucos adultos inscritos em OQE. Tivemos
cerca de cem inscrições por ano.
O índice de desistência entre o primeiro atendimento (Tria-
gem de Orientação) e o início dos procedimentos seguintes em
OQE foi, em média, de 7%. Em clínicas-escola de instituições de
ensino de psicologia, que se utilizam majoritariamente de abor-
dagens tradicionais, a pesquisa de Souza (1996, op. cit.) revelou
um índice de desistência de 38% após a primeira entrevista.
114
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

A comparação destes resultados é possível, uma vez que,


como citamos anteriormente, esta mesma pesquisa apontou a pre-
sença de mais de 70%, em média, de queixas escolares na demanda
de 6 a 14 anos das clínicas-escola estudadas. Tal índice coincide
com a proporção encontrada em nossa demanda, após o esclareci-
mento da queixa que ocorre na Triagem de Orientação.
Nossos levantamentos indicam que a desistência entre os que
iniciam o processo completo de OQE é muito pequena: nos dois
últimos anos (não temos dados anteriores) foi de 2,4%. Trata-se
de situação bastante diversa daquela encontrada por Souza (1996,
op. cit.) ao estudar os processos de psicodiagnóstico realizados em
clínicas-escola. A autora encontrou um índice de evasão de 55%
durante este tipo de atendimento.
Consideramos esta comparação cabível não apenas pelo
motivo exposto anteriormente, mas, também, em função da du-
ração dos psicodiagnósticos analisados ser relativamente similar
à de nossos atendimentos (por volta de dois meses), embora geral-
mente um pouco mais longa.
Temos, portanto, informações que sinalizam estarmos construin-
do um atendimento que avança em relação às abordagens psicológicas
tradicionalmente ensinadas aos psicólogos nas clínicas-escola.
Parecem indicar que estamos acolhendo de maneira mais satisfatória
as necessidades daqueles que procuram um atendimento psicológico
para seus filhos com dificuldades no processo de escolarização.
Analisemos, agora, os encaminhamentos para psicoterapias
e outros procedimentos da área de saúde mental, comparando os
índices da pesquisa de Souza (1996, op. cit.) em clínicas-escola e
os da OQE.
A autora afirma que 100%, dos que permanecem no pro-
cesso psicodiagnóstico nas clínicas-escola pesquisadas até o fim,
são encaminhados para diversas modalidades de psicoterapias (muitas
vezes simultâneas) de médio e longo prazo e outros atendimentos
em saúde mental.
Com relação à OQE, fizemos um levantamento de enca-
minhamentos realizados com todos os que nos procuraram e com
115
APRESENTANDO A ORIENTAÇÃO À QUEIXA ESCOLAR

quem tivemos ao menos um contato direto. Ou seja, excluímos os


que estavam apenas inscritos, em fila de espera para a Triagem de
Orientação. Consideramos aqueles com quem estivemos apenas
na Triagem de Orientação e os que passaram por outros momentos
mais da OQE. Este levantamento indicou que em apenas 44%
dos casos em que fomos procurados e tivemos no mínimo um
encontro, consideramos necessário ou prioritário o encaminha-
mento para atendimentos psicológicos de médio e longo prazo e/
ou outros trabalhos de especialistas em saúde mental (como
fonoaudiólogos ou neurologistas), para a criança e/ou para algum
membro de sua família9.
Este índice vem a fortalecer nosso questionamento do fato
de que, em clínicas-escola de psicologia, estes encaminhamentos
são feitos em 100% dos casos que passam por triagem e/ou
psicodiagnóstico10.

9
Procurando compreender este índice de 44% de encaminhamentos, que nos
parece alto, demo-nos conta que, ao longo destes anos, tem sido alta a incidên-
cia de casos que nos chegam sem que a questão escolar seja o motivo central ou
prioritário da demanda pelo atendimento. Ainda que presente, a dificuldade
escolar assume, frequentemente, papel secundário diante da gravidade e com-
plexidade de situações extra-escola em que se encontram muitas das crianças e
adolescentes para as quais nossos trabalhos são demandados. O encaminha-
mento destes casos para atendimento psicoterápico torna-se um desdobramento
previsível — na maioria das vezes já desde o momento inicial, a Triagem de
Orientação. Percebemos que estamos diante de um grave reflexo das deficiên-
cias do sistema público de atendimento em saúde mental: uma denúncia do
desmonte a que vêm sendo submetidas suas estruturas na cidade de São Paulo.
Muitos pais chegam a nós após terem feito inscrições em diversos serviços psico-
lógicos, sem que tenham conseguido qualquer atendimento. Têm, na verdade,
uma demanda de psicoterapia para seus filhos. Mas, como não conseguem vaga
nos muitos lugares em que fazem inscrição e submetidos a longas filas de espera,
devido ao grande déficit de recursos humanos e materiais da rede pública de
saúde mental, usam a estratégia de superdimensionar as dificuldades escolares
na esperança de conseguir uma vaga conosco. Um atendimento, afinal. Com
uma política pública de saúde mais comprometida com a população, é provável
que os encaminhamentos que realizamos para outros atendimentos em saúde
mental não tivessem chegado às proporções expostas.
10
Não estão considerados os casos em que a autora não pôde, pelas informa-
ções constantes nos prontuários pesquisados, identificar a continuidade ou
conclusão dos mesmos. Isto ocorreu em 19% das vezes.
116
B E A T R I Z D E P A U L A S O U Z A

Será possível que todos os que passam por estes


procedimentos necessitem efetivamente de tais encaminhamentos?
Será possível que todos os que procuram um psicólogo por conta
de questões escolares necessitem de cuidados especializados que
vão além de um atendimento psicológico breve ou até de reflexões
e experiências que podem acontecer em um encontro único com
um psicólogo atento à natureza escolar de tais questões? Por que
a intervenção de um psicólogo por um período de alguns poucos
meses não pode ser, em muitos casos, suficiente para potencializar
a rede de relações produtora da queixa no sentido de sua
superação, como nossa prática vem indicando?

117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, J.F. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro:


Graal, 1979.
__________. Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
MORAIS, M. L. S. Fórum de saúde mental. In: MORAIS, M. L.
S.; SOUZA, B. P. (org.) Saúde e educação: muito prazer! São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2001. p. 69-88.
PATTO, M. H. S. Psicologia e Ideologia. São Paulo: T.A. Queiroz,
1984.
__________. A produção do fracasso escolar. São Paulo: T.A.
Queiroz, 1990.
SOUZA, M. P. R. A queixa escolar e a formação do psicólogo.
1996. Tese (Doutorado). Instituto de Psicologia, Universidade de
São Paulo. São Paulo.
WINNICOTT, D. Consultas terapêuticas. Rio de Janeiro: Imago,
1984.

118
Sociologia da
Educação I
Prof: João Carlos de Campos
E-mail: jcvncampos@gmail.com
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Pedagogia – DEPED/G
Pedagogia do Campo

Curso: 590 – LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: Campus: Santa Cruz


docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental no contexto do Campo

Ano: 2020 Série: 1 CH: 68 CH TU: 60 CH TC: 08

Código e Disciplina: Sociologia da Educação

Professor: João Carlos de Campos


Turno: Integral Oferta: ( ) Anual ( )Semestral

Modalidade: ( X ) presencial em regime de alternância ( ) distância* ( X) parcialmente a distância* / Carga


Horária a Distância: 68

EMENTA:
Correntes da Sociologia e suas perspectivas educacionais. Compreensão e crítica dos problemas
sociais e educacionais por meio da análise sociológica.

OBJETIVOS:
• Compreender a Sociologia como disciplina que auxilia no desvelamento das contradições
sociais;
• Conhecer os conceitos e autores da Sociologia e as formas como podem nos auxiliar na
compreensão da realidade e da educação.

PROGRAMA:
1. Clássicos da Sociologia e suas implicações para os projetos educacionais
1.1 Karl Marx, marxismo e a pedagogia socialista
1.2 Conceitos fundamentais da sociologia de Max Weber. A “neutralidade axiológica” como
fundamento da neutralidade do papel do professor
1.3 Émile Durkheim e o fundamento da educação e da escola como “fato social”.
2. As perspectivas sociológicas contemporâneas
2.1 A escola como reprodução social: revisitando os “clássicos” contemporâneos
2.2 Educação e decolonização: crítica do eurocentrismo/urbanocentrismo da escola.
2.3 Educação e relações sociais capitalistas:
2.3.1 Educação e formação para o trabalho no capitalismo: da revolução industrial ao
toyotismo
2.3.2 Educação em tempos líquidos: a análise de Z. Bauman.
METODOLOGIA:
A disciplina será realizada por meio de diálogo com a turma, partindo das realidades vividas

Home Page: http://www.unicentro.br


Campus Santa Cruz: Rua Salvatore Renna – Padre Salvador, 875 – Cx. Postal 3010 – Fone: (42) 3621-1000 FAX: (42) 3621-1090 – CEP 85.015-430, GUARAPUAVA – PR
Campus CEDETEG: Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03 – Fone/FAX: (42) 3629-8100 – CEP 85.040-080 – GUARAPUAVA – PR
Campus de Irati: PR 153 – Km 07 – Riozinho – Cx. Postal, 21 – Fone: (42) 3421-3000 – FAX: (42) 3421-3067 – CEP 84.500-000 – IRATI – PR
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individual e coletivamente por eles, localizando a Sociologia como ferramenta para desvelar o
complexo tecido social, com suas contradições e pela via da compreensão das lutas de classes.
Auxílio nas leituras de textos acadêmicos. Também será utilizada a forma do Seminário, para que
os/as educandos/as possam se expressar de maneira sistemática sobre determinados conteúdos
da disciplina, especialmente vinculando as teorias estudadas com a realidade. Para o tempo
comunidade será desenvolvido trabalho integrado da área. Colocar a questão da escrita. Para o
tempo comunidade será indicada aos/as educandos/as uma atividade prática de mapeamento dos
territórios em que vivem.
Emprego de tecnologias digitais da informação e comunicação para atividades não presenciais,
nos termos da Instrução Normativa n. 1-PROEN/UNICENTRO, de 17 de abril de 2020, em função
da pandemia do novo Coronavírus – COVID-19.
Atividades remotas serão alocadas e ancoradas na plataforma institucional Moodle Unicentro.
Nesse ambiente poderão ser disponibilizadas atividades síncronas, como chats e fóruns, e
assíncronas como fóruns, diários, textos coletivos/wikis. Ainda, nos termos da Instrução Normativa
n. 1-PROEN/UNICENTRO, as atividades não presenciais poderão ser disponibilizadas por outras
mídias digitais com o devido vínculo com a Plataforma Moodle e/ou informação na mesma
plataforma”); A/o docente ficará online nos horários de aula e ocasionalmente, quando necessário
e em comum acordo com as/os alunos.
Para que este conteúdo seja discutido com os alunos via Ambiente Virtual de Aprendizagem,
será possível indicar:
Atividades síncronas (em tempo real/online, quando assim for proposto pelo professor e possível
de ser executada pelos estudantes), como chats e lives (avaliativas ou não); atividades
assíncronas (aquelas que não necessitam ser executadas em tempo real/online), como fóruns,
diários, textos coletivos/wikis, envio de arquivos (em diferentes formatos e conectados a outros
recursos digitais disponíveis na internet), avaliativas ou não.
A metodologia proposta em ambiente virtual se comporá de:
-Leitura sobre material disponibilizado na plataforma Moodle;
-Análise de vídeos que complementam a temática a ser abordada, os quais deverão ter seus links
indicados na plataforma Moodle;
-Participação síncrona de alunos e professor em atividades como fórum e/ou chat, quando for
possível adequando-se aos contextos dos acadêmicos.
-Participação em reuniões, encontros e lives (se ocorrerem) por meio de outros instrumentos
midiáticos como: Facebook, Hangouts- Google Meet, Zoom, WhatsApp. Estas atividades deverão
ser registradas e agendadas com os alunos na plataforma Moodle.
-Postagem de relatórios avaliativos, conforme agendas prévias registradas na plataforma Moodle.
-Emails também poderão ser utilizados quando for necessário.

FORMAS DE AVALIAÇÃO:
A avaliação da disciplina será realizada pelas formas de atividades individuais (resumos,
fichamentos ou dissertações) e coletivas (Seminário), buscando o desenvolvimento das formas
escrita e oral, bem como o trabalho coletivo em torno das discussões dos temas da disciplina. Para
o tempo comunidade será indicada uma atividade prática de mapeamento dos territórios em que
cada um vive, visando indicar os conflitos sociais ali existentes, a história e de como analisar esta
realidade a partir da análise sociológica. Como resultado será produzido um mapa produzido por
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cada educando/a e apresentado coletivamente.


Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por
meio dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A
avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da internet e
das TICs.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

BOURDIEU, P. Escritos de educação. 11.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.


DURKHEIM, E. Educação e sociologia. 3 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1952.
FORACCHI. M.M.; MARTINS, J.S. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio
de Janeiro: LTC, 1977.
MELO, A. de. O projeto pedagógico da Confederação Nacional da Indústria para a educação
básica nos anos 2000. Tese (Doutorado em Educação), Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal do Paraná, 2010. 258p.
PORCHEDDU, A. Zygmunt bauman: entrevista sobre a educação. Desafios pedagógicos e
modernidade líquida. Cadernos de Pesquisa, São Paulo , v. 39, n. 137, p. 661-684, agosto de
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Vice-Coordenador do Curso de Pedagogia do Campo
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Sociologia:
O Estudo da Sociedade*

sociologia da educação
Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis
Professora Livre Docente do Departamento de Educação do Instituto de
Biociências da UNESP-Botucatu.

Resumo: O texto traz uma apresentação geral da Sociologia como ciência que se preocupa com a explicação
da vida social que tem origem na modernidade, isto é, uma ciência que surgiu para explicar a vida social que
se complexificou com a organização capitalista da sociedade. Em seguida, o texto aborda a importância de
três pensadores clássicos da Sociologia: Marx, Durkheim e Weber. Podemos encontrar no texto as principais
idéias de cada um desses três pensadores na explicação da vida social, culminando com a contribuição de
cada um deles para a compreensão da função social da educação na sociedade moderna. Destaca-se, portanto,
o estudo de três diferentes, porém clássicas, Sociologias da Educação.

Palavras chaves: Sociologia; Sociologia da Educação; Sociólogos Clássicos.

1. A Sociologia e a explicação da vida social


A Sociologia é uma ciência nova. Essa afirmação, que podemos aplicar também em
relação a outras ciências, precisa ser compreendida em seu caráter essencialmente contra-
ditório. Ela surgiu no século XIX, portanto, num momento histórico em que o capitalismo
se consolidou como forma econômica, política e social de organização da sociedade. Então,
se a Sociologia como ciência surge no interior do capitalismo, como explicação da vida em
sociedade, explicaria a vida social somente no capitalismo? A resposta a esta questão é sim-
ples: não. Esse é o seu caráter contraditório: surge para estudar e explicar o capitalismo, ora
defendendo-o e produzindo conhecimentos para aprimorá-lo segundo a perspectiva capita-
lista, ora criticando-o e produzindo conhecimentos para superá-lo, transformá-lo.
Martins (1985) no conhecido texto introdutório O que é Sociologia?, afirma que a
sociologia “[...] para alguns representa uma poderosa arma a serviço dos interesses domi-
nantes, para outros ela é a expressão teórica dos movimentos revolucionários” (MARTINS,
1985, p. 7). Então, temos que a Sociologia preocupa-se em debater conceitos e teorias que,
para explicar a vida social, as relações sociais, teorizam e apontam ações de reprodução ou
de transformação das relações sociais capitalistas. Sobre isso também refletem Foracchi e
Martins (1977), que consideram a sociologia em sua diversidade, “[...] com seus dilemas
e determinações, como forma de conhecimento historicamente situada, isto é, localizada
numa formação social contraditória que não pode produzir um autoconhecimento unívoco”
(FORACCHI; MARTINS, 1977, p. 1).
As circunstâncias históricas e intelectuais do surgimento da Sociologia, ou de uma
ciência que estivesse voltada especialmente para a explicação social, política e econômica da

1
sociedade, referem-se à superação do feudalismo e à consolidação do capitalismo, portanto,
à modernidade. Os grandes marcos históricos da modernidade como a Revolução Inglesa
(século XVII), a Revolução Francesa (século XVIII) e a Independência Americana (século
XVIII) e, finalmente, a Revolução Industrial (século XVIII), que transformaram tão radi-

sociologia da educação
calmente as relações econômicas e sociais, são também marcos históricos do surgimento da
Sociologia. Lembremos que as transformações vividas naquele momento foram de tal mag-
nitude que marcam também o aprofundamento das ideias sobre a organização da sociedade,
tanto aquelas que defendiam o novo regime econômico – que também era político, social e
cultural – quanto aquelas que o criticavam. Este é o sentido da afirmação de que a Sociologia
é uma ciência moderna.
Vejamos, portanto, as modificações nas relações sociais que definiram a modernidade
como forma de compreender a Sociologia como ciência para a explicação da vida social. Leo
Huberman (1987) apresenta-nos uma detalhada análise da superação da Idade Média pela
modernidade, do feudalismo pelo capitalismo, do antigo regime pelo regime moderno. Nes-
sa análise histórica, podemos buscar os elementos centrais para a explicação da vida social.
Esse autor explica a sociedade moderna, a vida social na modernidade, como a superação do
feudalismo pelo capitalismo, isto é, pela profunda transformação que a sociedade feudal so-
freu. Profunda porque se trata de transformação econômica, social, política e cultural. Nesse
sentido, a sociedade feudal caracterizava-se, do ponto de vista da Sociologia, por três classes
sociais distintas: sacerdotes, guerreiros e trabalhadores. Vale destacar que, como sociedade
que valorizava o ócio, os trabalhadores, isto é, aqueles que produziam, trabalhavam para
outras classes: eclesiástica e militar.
Do ponto de vista da organização da produção econômica, essencialmente agrícola, a
maioria das terras agrícolas da Europa ocidental estava dividida em “feudos”. Um feudo con-
sistia apenas de uma aldeia e as várias centenas de acres de terra arável que a circundavam
e na qual o povo da aldeia trabalhava. Embora com diferenças em relação ao tamanho e as
relações entre as diferentes pessoas, os feudos tinham características sociais – pela análise
sociológica – comuns. De um lado, um senhor com sua família e seus empregados (domésti-
cos e administrativos). De outro, os arrendatários das terras – os servos. Esses arrendatários
eram os camponeses, os que trabalhavam a terra arável. A principal característica desse
sistema residia no fato de a terra – sob domínio do senhor feudal – era trabalhada pelos cam-
poneses. Eles trabalhavam em uma das metades dessa terra, da qual eram arrendatários, e na
outra metade, para o senhor. E mais, o trabalho nas terras do senhor tinha prioridade sobre
o trabalho nas terras arrendadas do senhor, portanto, o trabalho dos camponeses era árduo,
intenso e garantia muito pouco para a sobrevivência desses camponeses e de suas famílias.
Tratava-se, então, de um sistema econômico fundamentado na servidão: a desigualdade en-
tre servo e senhor era a base das relações sociais de produção no campo. Mas, existiam
também diferentes graus nesta servidão. Alguns servos tinham privilégios, além de deveres
e obrigações, mas se relacionavam com o senhor, sempre, neste sistema. O senhor tinha total
poder sobre os servos, embora não fosse necessariamente o proprietário das terras, pois es-
tas, muitas vezes, eram arrendadas de outros senhores, hierarquicamente mais superiores, os
“arrendatários principais”, isto é, aqueles que arrendavam as terras diretamente do rei.

2
Segundo as explicações da Sociologia, a história das relações sociais no feudalismo ca-
racterizava uma sociedade hierarquizada, estática e imutável. Não havia propriamente a pro-
priedade privada das terras, elas eram do Rei que concedia aos nobres – hierarquicamente
organizados – as terras para que esses a arrendassem aos senhores feudais menos poderosos.
Estes, por sua vez, arrendavam a outros senhores e assim por diante, até chegarmos aos campo-

sociologia da educação
neses, aos servos, aqueles que concretamente trabalhavam a terra. A economia era exclusiva-
mente agrícola, portanto, as relações sociais existentes eram as relações feudais de exploração
da terra.
Superado o feudalismo, como modo de organização das relações econômicas, sociais,
políticas e culturais, transformações profundas nessas relações deram origem ao capitalismo.
São muitos os aspectos relacionados a essas profundas transformações que caracterizam o
capitalismo: as transformações no mundo do trabalho; a ascensão da burguesia como classe
com poder econômico e político; o surgimento de outras classes sociais; o desenvolvimento da
ciência e da técnica; novos valores sociais etc.
Sobre as transformações no mundo do trabalho, temos que a supremacia do trabalho
no campo é superada pelo trabalho urbano industrial, passando antes pela manufatura. Essa
forma tão diferente de organização do trabalho implicou em novas formas de pensar e agir no
trabalho. O trabalhador no campo, assim como no artesanato, por mais desigual que fossem
suas relações com a terra, responsabilizava-se com o processo e o produto do trabalho de for-
ma muito diferente dessas mesmas relações no trabalho industrial. Se o camponês e o artesão,
ainda que explorados, controlavam o processo de trabalho, o trabalhador no novo modo de
produção moderno não tem controle algum deste processo que é controlado externamente ao
trabalhador. O ritmo e a intensidade do trabalho, por exemplo, são definidos externamente,
isto é, quem controla o ritmo e a intensidade do trabalho não é mais o próprio trabalhador, mas
aquele que controla todo processo de trabalho e também se apropria do produto advindo dele:
os proprietários dos meios de produção.
Essa nova forma de organização do trabalho na economia capitalista foi se complexifi-
cando de tal forma que as sociedades, sob a organização capitalista, exigiram novas explicações.
Se as ciências até então desenvolvidas não eram mais suficientes para essas explicações, surgiu a
Sociologia, que colocou a vida social e suas implicações como principal objeto de estudo.
E como explica, então, a Sociologia a vida social moderna? Retomemos a ideia de que a
Sociologia explica, contraditoriamente, a sociedade moderna. Por um lado, essas explicações
dizem respeito ao aprimoramento desta sociedade como capitalista e moderna e, por outro,
dizem respeito à transformação desta sociedade. Isto é, diferentes correntes sociológicas - tra-
dições sociológicas ou distintas sociologias - têm diferentes explicações para a vida social, mas
em todas elas o objeto de estudo da Sociologia permanece: a explicação da vida social:
O caráter antagônico da sociedade capitalista, ao impedir um entendimento
comum por parte dos sociólogos entorno ao objeto e aos métodos de inves-
tigação desta disciplina, deu margem ao nascimento de diferentes tradições
sociológicas ou distintas sociologias, como preferem afirmar alguns sociólo-
gos (MARTINS, 1985, p. 35).

3
Assim, podemos afirmar, como Foracchi e Martins (1977, p. 1), que “a Sociologia debate-
se entre tendências teóricas, entre perspectivas produzidas por diferentes visões de mundo”
e, neste sentido é, segundo esses mesmos autores, “conhecimento científico historicamente
situado”. Historicamente, porque sua referência é a sociedade capitalista moderna. Destaca-se

sociologia da educação
aqui, portanto, o caráter de não neutralidade da Sociologia como ciência. É importante que
consideremos, então, as diferenciações da Sociologia na explicação da vida social, na análise
da realidade social temos mais propriamente a interpretação da realidade social:
Daí a posição peculiar da Sociologia na formação intelectual do mundo
moderno. Os pioneiros e fundadores dessa disciplina se caracterizam pelo
menos pelo exercício de atividades intelectuais socialmente diferenciadas,
que pela participação mais ou menos ativa das grandes correntes de opi-
nião dominantes na época, seja no terreno da reflexão ou da propagação
de ideias, seja no terreno da ação. As ambições intelectuais de autores
como Saint-Simon, Comte, Proudhon e Lê Play, ou de Howard, Malthus e
Owen, ou de von Stein, Marx e Riehl iam além do conhecimento positivo
da realidade social. Conservadores, reformistas ou revolucionários, aspira-
vam fazer do conhecimento sociológico um instrumento da ação. E o que
pretendiam modificar não era a natureza humana em geral, mas a própria
sociedade em que viviam (FERNANDES, 1977, p.11-12).
As diferentes Sociologias, às quais nos referimos, podem, então, ser definidas como
conservadoras, reformistas e revolucionárias. Neste sentido, podemos afirmar que as dife-
rentes interpretações da realidade social – a explicação da vida social, interpretada – têm,
desde a origem da Sociologia como ciência, esses matizes. As interpretações conservadoras
têm, em sua origem, a sociedade feudal como referência – a organização social anterior ao
capitalismo. Isso significa dizer que os estudos para análise e interpretação da vida social da
Sociologia conservadora, inclusive na contemporaneidade, referem-se a um sistema social
erguido sob um sistema rígido e imutável de privilégios de determinados grupos sociais.

A Sociologia reformista refere-se ao aprimoramento do sistema capitalista. Inicialmen-


te, esse aprimoramento tinha como base os princípios revolucionários burgueses de igual-
dade, liberdade e fraternidade, princípios esses de que o capitalismo foi gradualmente se
afastando. Os estudos da Sociologia reformista, portanto, empreendem análises e interpre-
tações da vida social que dizem respeito a um sistema cuja doutrina liberal é sua principal
referência. Lembremos da tão atual ideologia do “sonho americano” como uma expressão
dos princípios da Sociologia nessa perspectiva. A Sociologia revolucionária pauta-se pelo po-
sicionamento contrário à reprodução do sistema capitalista, um sistema social hierarquizado,
de privilégios, cuja origem possa ser conservadora ou liberal, defendendo a transformação
desta forma de organização capitalista da vida social. Uma transformação tão profunda que
implica na superação do capitalismo, radicalizando a igualdade social. Trata-se, portanto, de
uma Sociologia que nas análises e interpretações da vida social, conclui sobre a necessidade
de transformação das relações sociais sob o capitalismo de tal forma a defender os princípios
socialistas, reformulados nos diferentes momentos históricos.

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Então, se os princípios do conhecimento sociológico são, ao mesmo tempo, integrado-
res (explicam a realidade da vida social sob o capitalismo) e contraditórios (explicam contra-
ditoriamente a vida social sob o capitalismo), isto é, não se resumem a uma forma única de
explicar a vida social, cada uma das sociologias parte de um desses princípios. Esta situação,

sociologia da educação
portanto, também está presente na explicação, pela Sociologia, de um importante fenômeno
social: a educação.
Vejamos agora, então, o que é a Sociologia da Educação:
1. Ramo da sociologia que estuda os aspectos sociológicos da educação, os
valores sociais que determinam os objetivos do ensino e seus métodos, a
relação entre os sistemas educacionais e as outras instituições, como a religião,
as instituições políticas e econômicas (HOUAISS). 2. Aplicação da Sociologia
ao estudo dos fenômenos educacionais (DUARTE, 1986). 3. Sociologia da
educação ou pedagogia social.”   (BRASIL, 2010)
Dessa forma, trata-se da compreensão da educação como fenômeno social. Mas, lem-
bremos que nossos estudos sobre Sociologia até aqui empreendidos apontam, principalmente,
para a Sociologia como uma ciência que estuda a vida social no capitalismo, de forma integra-
dora ou contraditória. Temos, então, que a Sociologia da Educação trata do fenômeno educativo
como um fenômeno social manifesto no capitalismo de forma integradora ou contraditória.
Iniciemos pela ideia de que compreendemos a educação como um fenômeno essen-
cialmente humano, isto é, como uma necessidade do ser humano, incompleto, de fazer-se
humano. Esse permanente “vir-a-ser” humano (SAVIANI, 2005) refere-se a um processo,
individual e coletivo, de humanização que confere humanidade ao ser humano. Isso signi-
fica dizer que, a partir de uma base biológica-natural, o ser humano passa por um processo,
cultural, de tornar-se humano, de fazer-se humano pela apropriação do conjunto de conhe-
cimentos, comportamentos, valores, símbolos e signos produzidos pela humanidade. Isso
significa dizer que o ser humano é a única das espécies vivas que necessita “aprender” a ser,
aprender a ser o que é, o ser humano precisa aprender a ser humano. A educação, portanto,
é um processo de formação do ser humano como humano, um processo de apropriação de
elementos culturais que garantem ao humano uma formação humana.
Esse fenômeno cultural, de apropriação de conhecimentos, comportamentos, valores,
símbolos e signos produzidos pelos grupos sociais, chamado genericamente de educação, é um
fenômeno individual e coletivo, mas sempre social, um fenômeno de criação e transmissão da
cultura. Dessa forma, os temas da Sociologia – ou das Sociologias – que se relacionam direta-
mente com a educação, segundo Kruppa (1994, p. 22), são: “socialização, cultura, e especial-
mente, o aparecimento da escola enquanto instituição social, a educação escolar e a sociedade,
a educação fora da escola, conteúdos culturais do processo educativo fora e dentro da escola.”
Se não existe uma Sociologia, mas diferentes Sociologias com diferentes análises e inter-
pretações da vida social no capitalismo, também temos que considerar que existem diferentes
Sociologias da Educação. Para nosso estudo, vejamos tr~es pensadores cujas obras fazem parte
da história da Sociologia e que expressam diferentes análises: Durkheim, Marx e Weber.

5
2. O pensamento de Marx, Weber e Durkheim
sobre a vida social e a educação
2.1 K arl Marx (1818-1883)

sociologia da educação
Nascido na Alemanha, Marx foi contemporâneo de Darwin, Kierkegaard, Boudelai-
re, Dostoiévski e Tolstói, entre outros. De família burguesa de origem judaica, Marx ficou
conhecido tanto pelo seu trabalho intelectual, quanto pela sua ação revolucionária. Doutor
em Filosofia foi por motivos políticos da Universidade para o Jornalismo (1843). Toda sua
trajetória de vida foi agitada, mudando-se muitas vezes por perseguições de diferentes go-
vernos. Escreveu diversos trabalhos sobre economia, política e filosofia. Suas obras, algumas
com Engels, têm como fundamento o pensamento materialista histórico dialético. Depois da
passagem pela França, Bélgica e, novamente pela Alemanha, instala-se definitivamente em
Londres, onde, sem trabalho fixo, viveu durante longo tempo uma vida de miséria, pertur-
bada pelos problemas de saúde, o trabalho difícil e sofrendo a morte de três de seus cinco
filhos. Somente nos dez últimos anos de sua vida, teve certo equilíbrio financeiro, graças a
Engels, e algum reconhecimento de sua produção teórica e intelectual. Na então capital do
capitalismo, a Inglaterra, ele escreve a crítica mais consistente já dirigida contra este regime:
O Capital. Só o primeiro tomo foi publicado durante a vida do autor, os outros dois inacaba-
dos foram terminados por Engels e publicados depois de sua morte (KONDER, 1999).
Sua contribuição metodológica é o Materialismo Histórico e Dialético. Embora Marx
não tenha se dedicado à construção da Sociologia como nova ciência em momento algum de
sua trajetória intelectual e política, suas ideias e ações são, ainda hoje, consideradas como
a maior referência a uma Sociologia radicalmente crítica ao capitalismo. Diferentemente de
Durkheim e Weber, Marx foi um revolucionário no sentido das ideias, da crítica ao capitalis-
mo, mas também na ação: um militante das ligas operárias revolucionárias.
É, portanto, no Método Materialista, Histórico e Dialético desenvolvido por Marx e
Engels que buscamos a Sociologia marxista, uma radical crítica à vida social no capitalismo.
Em nenhum momento, na importante produção intelectual de Marx, encontraremos em sua
obra referências explícitas à Sociologia, mas suas análises sobre a realidade social foram
tão profundas que o tornou, juntamente com Durkheim e Weber, um dos três mais impor-
tantes teóricos da Sociologia. Martins afirma sobre Marx e Engels que: “Em suas obras,
disciplinas que hoje chamamos de antropologia, ciência política, economia, sociologia, estão
profundamente interligadas, procurando oferecer uma explicação da sociedade como um
todo, colocando em evidencia as suas dimensões globais” (MARTINS, 1985, p. 52). Nesse
sentido, afirma-se que Marx pode ser considerado como o fundador da Sociologia enquanto
ciência que estuda criticamente, com base na lógica dialética e na perspectiva materialista e
histórica, a vida social no capitalismo. Essa Sociologia, portanto, tem um caráter teórico e
prático-transformador.
Então, o que é o Método Materialista, Histórico e Dialético? Trata-se de um caminho
epistemológico para a interpretação da realidade, da realidade histórica e social. Esse caminho
metodológico de explicação da realidade implica em compreender, pelo movimento do pensa-

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mento (dialética e contraditoriedade) e de forma ampla e complexa (totalidade e concreticida-
de), os fenômenos e os problemas da vida social no capitalismo. Partindo do princípio de que a
realidade humana e social é dialética, pois, longe de ser estática, mecânica e linear, mostra-se
dinâmica e contraditória, essa “filosofia” propõe captar essa dinamicidade e contradição para

sociologia da educação
que possamos compreender essa realidade de forma mais concreta para transformá-la.
Se a dialética pode ser compreendida como a lógica do movimento do pensamento
que busca na contradição a compreensão do mundo, como compreender o caráter material
e histórico do Método? A materialidade se expressa pela compreensão de que os homens
se organizam em sociedade para a produção e a reprodução da vida e a historicidade se ex-
pressa pela compreensão de que os homens vêm se organizando diferentemente através dos
tempos – da história. Isso significa dizer que, embora Marx tenha valorizado muito a ciência
como instrumento de compreensão do mundo – para alguns, valorizado até demais – ele se
distanciou de alguns paradigmas científicos de seu tempo re-inventando uma nova e original
forma para a lógica dialética. Mas
Ao contrário do positivismo, que procurou elaborar uma ciência social
supostamente “neutra” e “imparcial”, Marx e vários de seus seguidores
deixaram claro a íntima relação entre o conhecimento por eles produzido
e os interesses da classe revolucionária existente na sociedade capitalis-
ta – o proletariado. Observava Marx, a este respeito, que assim como os
economistas clássicos eram os porta-vozes dos interesses da burguesia, os
socialistas e os comunistas constituíram, por sua vez, os representantes da
classe operária (MARTINS, 1985, p. 59).
Foram muitos os temas a que ele – com ou sem Engels – se dedicou. Mas, para a com-
preensão da educação, como contribuição à Sociologia da Educação, podemos identificar no
pensamento marxista as categorias de totalidade, concreticidade, historicidade e contradito-
riedade. Essas categorias são essenciais para a compreensão e ação dos processos educativos
na perspectiva crítica. Nesse sentido, a lógica dialética supera a lógica formal que “amarra”
o pensamento impedindo-lhe o movimento necessário para a compreensão das coisas. Para
a lógica dialética, o mundo é dialético (movimenta-se e é contraditório), então, uma teoria,
que leve em conta essa dinamicidade e contraditoriedade, pode ser instrumento lógico de
interpretação da realidade. O caráter material (os homens se organizam em sociedade para
a produção e a reprodução da vida) e histórico (como eles vêm se organizando através do
tempo) do método articula-se ao seu caráter dialético.
Movimentar o pensamento, dialeticamente, significa, então, refletir sobre a realidade.
Saviani (1991) sugere, nesta perspectiva, aos educadores um caminho lógico para a compre-
ensão da realidade educativa: partir do empírico (a realidade dada, o real aparente, o objeto
assim como se apresenta à primeira vista) e pelas abstrações (elaborações do pensamento,
reflexões, teoria) chegar ao concreto (compreensão mais elaborada do que há de essencial no
objeto, concreto pensado). Assim, a diferença entre o empírico (real aparente) e o concreto
(real pensado) são as abstrações (reflexões) do pensamento que tornam mais completa, me-
lhor compreendida, filosoficamente concebida, a realidade considerada.

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Passemos, agora, a analisar a educação em uma perspectiva metodológica históri-
ca e dialética. O primeiro ponto a ser considerado é a educação como formação humana
que implica no desenvolvimento pleno dos sujeitos, em um processo de humanização que
é histórico, concreto e dialético, expresso pela prática social (LOUREIRO, 2007). O desen-

sociologia da educação
volvimento pleno da pessoa humana é definido no pensamento marxista como “unilateral”
(MARX; ENGELS, 1979; MARX, 1993), referindo-se ao desenvolvimento total, completo,
multilateral, pleno, das possibilidades de ser humano. A educação é, portanto, a busca desse
desenvolvimento pleno.
Mas aprofundemos a ideia de desenvolvimento pleno, pois ela emerge da concepção
marxista de homem. Iniciemos pela ideia de que a essência humana – a natureza humana – é
definida pelo trabalho. O trabalho é categoria central na teoria marxista que o concebe para
além do conceito econômico, ou seja, em uma perspectiva filosófica, como uma atividade vital,
essencial e humana. Dessa forma, a humanidade no ser humano em sua relação com o mundo
é construída com base no caráter finito e limitado da naturalidade humana que coloca o ho-
mem em uma situação de dependência do seu eu complementar, chamado por Marx de “corpo
inorgânico”. Esse “corpo” refere-se ao mundo natural transformado pelo trabalho humano.
Isso significa dizer que, por pertencermos a uma espécie limitada do ponto de vista de sua
natureza, necessitamos desenvolver um “corpo inorgânico”, um “corpo complementar” para
nossa sobrevivência, e a atividade que leva ao desenvolvimento deste “corpo” é o trabalho.
Pode-se deduzir, então, que é mais importante considerar o trabalho de forma plena,
complexa, como atividade de ação dos homens no mundo, do que simplesmente de forma
econômica. Isto é, nós, humanos, necessitamos para nos relacionar com o mundo de instru-
mentos, o que Marx chamou, pela enorme importância que esses instrumentos têm para nós,
de “corpo inorgânico”. Então, a partir desta ideia, o trabalho define a natureza humana, o
homem se relaciona com o mundo natural pelo trabalho.
Pode-se notar que a concepção de homem se completa no pensamento marxista pela
consideração de que, somente, se pode compreender a essência humana no desenvolvimento
histórico, por meio do trabalho e da história. Desta forma, podemos afirmar que, para Marx:
“Tal e como os indivíduos manifestam sua vida, assim o são. O que eles são coincide, por
conseguinte, com sua produção, tanto com o que produzem como com o modo como produ-
zem” (MARX; ENGELS, 1979, p. 19). Isso leva a acrescentar, na construção da concepção de
homem, no modo de produção capitalista, a ideia da sua definição pela divisão do trabalho.
A divisão do trabalho, organização típica e original do modo de produção capitalis-
ta, que separa o intelectual do manual, colocando de um lado os proprietários dos meios de
produção – a burguesia – e de outro os proprietários da força de trabalho – o proletariado –,
aliena os trabalhadores. Aliena porque, como atividade vital, ao separar aqueles que pensam
o trabalho daqueles que o executam, “rouba” do trabalhador a possibilidade de formação
plena pelo trabalho. Isto é, a divisão do trabalho no capitalismo impede que os trabalhadores
se desenvolvam plenamente, pois os afasta da realização do processo de trabalho total: pen-
samento e ação. Esse é o sentido filosófico e sociológico da lógica capitalista de exploração
analisada por Marx.

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Então, sob a base teórica do pensamento marxista, a omnilateralidade pode ser conside-
rada como objetivo maior, como finalidade da educação (ENGUITA, 1989; MANACORDA,
1991), no sentido em que Marx compreende a superação das condições históricas de exploração
no capitalismo: a transformação das relações sociais de dominação. Já nos Manuscritos Eco-
nômicos Filosóficos (MARX, 1993), encontramos o conceito de omnilateralidade1. A ideia de

sociologia da educação
que a relação homem-natureza é definida pelo trabalho, traz a omnilateralidade resultante da
atividade vital voluntária, consciente e universal: a apropriação plena do-ser-humano pelo ser
humano é a omnilateralidade. Temos aqui, então, a concepção filosófica do “vir a ser” huma-
no: a ideia do homem como ser natural universal, social e
1. A omnilateralidade diz respeito ao desen-
consciente – omnilateral. volvimento pleno humano, isto é, as possibili-
Nas condições de dominação da sociedade capita- dades, históricas e concretas de desenvolvi-
mento pleno das capacidades humanas que
lista, geradas em sua origem pela divisão social do traba-
não se realiza no capitalismo porque, nesse,
lho e expressas pelas contradições de classe, a omnilate-
o trabalho humano é explorado.
ralidade da pessoa humana não se realiza, resultando na
pessoa unilateral.
Vimos que, no pensamento marxista, o trabalho é a categoria central de análise des-
sas contradições, então, os temas educativos e pedagógicos analisados sob este referencial
tomam também o trabalho como categoria central. A educação, compreendida como forma-
ção humana, como instrumentalização dos sujeitos no processo de humanização, tem como
ponto de partida o trabalho, a atividade vital humana em suas formas históricas, pois elas
definem as relações dos sujeitos entre si e deles com o mundo, natural e social. Nessa linha
de raciocínio, a organização das sociedades e as relações sociais, e as formas históricas das
relações das sociedades com o mundo social e natural são fundamentais para pensar o pro-
cesso educativo na perspectiva crítica. Refletindo sobre “o homem omnilateral” e a função
da educação na sociedade capitalista, Manacorda afirma:
Quanto às implicações pedagógicas que tudo isso comporta, podem expres-
sar-se, em síntese, na afirmação de que, para a reintegração da omnilaterali-
dade do homem, se exige a reunificação das estruturas da ciência com as da
produção. Não pode, de fato, ter validade nem a extensão a todos da cultura
tradicional no tipo de escola até agora existente para as classes dominantes,
nem a permanência da formação subalterna, até agora concedida às classes
produtivas, através da antiga aprendizagem artesanal ou das novas formas de
ensino unidas à indústria moderna. (MANACORDA, 1991, p. 85).
O caráter crítico das análises empreendidas sob o referencial marxista obriga-nos a
considerar que, sob as contradições das relações sociais de dominação as quais têm sua
maior expressão – embora não única – nas formas organizativas do trabalho, não se realiza a
possibilidade de ser humano. Ao contrário, determina formas de desenvolvimento alienantes
da pessoa humana em sua dimensão social e individual. Se a pessoa humana caracteriza-se
por sua ação transformadora na natureza, sendo assim produto da natureza (seu corpo inor-
gânico), um ser natural humano, então, é no processo histórico que ela se faz mais – ou menos
– plena de humanidade.

9
Emerge dessas reflexões o conceito de alienação, fundamental no pensamento marxis-
ta, e também um dos mais importantes conceitos para a compreensão das teorias críticas da
educação e, portanto, da formulação da pedagogia crítica. A compreensão da omnilateralidade
como perspectiva para a educação crítica, exige a compreensão do seu contrário: a alienação.

sociologia da educação
A construção do conceito de trabalho alienado parte da análise da organização do trabalho
no modo de produção capitalista. Nessa forma de organização das relações sociais, segundo
Marx, a alienação é parte integrante do processo de produção, baseado na divisão social do
trabalho. O processo de trabalho que caracteriza o capitalismo implica na alienação do produto
do trabalho e da atividade do trabalho. O produto do trabalho ao transformar-se em mercado-
ria, assumindo o valor de troca que a caracteriza, torna-se objeto estranho – alienado – para
o trabalhador. Desse modo, o trabalhador produz um produto resultante de seu trabalho, mas
não tem sobre ele controle algum, ele o produz não para o seu próprio uso, mas para outro,
que lhe confere valor de troca. Além disso, a alienação do trabalhador na atividade do trabalho
caracteriza-se, na organização do processo de trabalho sob o modo de produção capitalista,
pela impossibilidade dele tomar decisões sobre essa atividade: aquele que realiza a atividade de
trabalho não tem controle do tempo e da sua intensidade. “Assim, o seu trabalho não é voluntá-
rio, mas imposto, é trabalho forçado, explorado. Não constitui a satisfação de uma necessidade,
mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades” (MARX, 1993, p. 162).
Em decorrência da organização social do trabalho no capitalismo apresentar-se como
trabalho imposto, alienado, temos a alienação das pessoas humanas. Nesta análise, o traba-
lhador não se realiza plenamente como pessoa humana, é um ser unilateral; cindido em sua
atividade vital. Sob o capitalismo, portanto, o trabalho é uma atividade que não desenvolve
plenamente o ser humano, não o realiza, cinde-o. A divisão do trabalho, entre trabalho intelec-
tual (aqueles que pensam o processo de trabalho – os proprietários dos meios de produção) e
manual (aqueles que executam o trabalho – os trabalhadores) no capitalismo resulta em pessoas
humanas alienadas:
No trabalho alienado essa identidade se transforma em antagonismo, o outro
se apresenta a mim como um ser estranho, independente, irreconhecível.
Alienação inventa a solidão humana, transforma cada um de nós em seres
irreconhecíveis perante o outro, sem par perante a própria espécie (CODO,
1985, p. 33).
A alienação transforma, portanto, as relações sociais entre pessoas em relação entre “coi-
sas” – mercadoria. Este movimento constituinte das relações sociais transforma também os
proprietários dos meios de produção, submetidos à lógica desse mercado, em seres humanos
alienados. O capital aparece para todos como “naturalmente” determinante das vidas das pes-
soas e das classes sociais. A alienação, que reifica as relações sociais, transformando pessoas
em “coisas” e a partir delas gerando o “fetiche” (CHAUÍ, 1981), leva à compreensão das ati-
vidades humanas como alheias, independentes, autônomas à vontade dos homens, gerando
ideologias. Temos, então, que:
[...] (a alienação) torna objetivamente possível a ideologia, isto é, o fato de
que no plano da experiência vivida e imediata as condições reais da exis-

10
tência social dos homens não lhes apareçam como produzidas por eles,
mas, ao contrário, eles se percebem produzidos por tais condições e atri-
buem a origem da vida social a forças ignoradas, alheias às suas, superiores
e independentes (deuses, Natureza, Razão, Estado, destino, etc.), de sorte

sociologia da educação
que as ideias quotidianas dos homens representam a realidade de modo
invertido e são conservadas nessa inversão, vindo a constituir os pilares
para a construção da ideologia (CHAUÍ, 1981, p. 86-87).
Dessa forma, o conceito de ideologia, na formulação política que lhe deram Marx
e Engels, superou o conceito de “uma teoria geral das ideias” ao afirmar que, em toda so-
ciedade de classes, a dominação exercida pelas classes dominantes pode ser expressa pela
manipulação. Essa manipulação é obtida por um corpo de ideias produzidas pela classe
dominante que será disseminado como ideias universais, verdadeiras, válidas para todos: “a
ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com
que esta não seja percebida como tal pelos dominados” (CHAUÍ, 1981, p. 86).
O conceito de ideologia na sociedade de classes, portanto, tem origem na divisão do
trabalho: alienado, cindido, dividido. Essa divisão se estende para todas as relações sociais. A
divisão entre o trabalho agrícola e o pastoril, entre o realizado no campo e no comércio, entre
as diversas formas do trabalho urbano e, finalmente, em sua divisão mais elaborada entre o
manual e o intelectual leva à especialização do trabalho. No capitalismo, o trabalhador não
produz todos os bens necessários a sua subsistência, produz apenas uma parte desses bens,
sintetizados na mercadoria: o excesso do que produz e a carência do que não produz instala
o processo de troca. A divisão do trabalho e sua consequente divisão do produto do trabalho
realizam-se sob a propriedade privada dos meios de produção, dividindo a sociedade entre
proprietário das condições de produção e proprietários unicamente da força de trabalho: a
sociedade desigual. A contradição de interesses entre essas duas classes sociais constitui a
principal característica do capitalismo.
Ao realizar a divisão do trabalho e das classes sociais, o capitalismo veicula as ideias
sobre o mundo do trabalho e sobre as relações sociais de produção de forma autônoma, como
se elas fossem independentes das relações materialmente construídas pelos homens. A ideo-
logia é, então, essa explicação falsa das relações sociais, negação da realidade. Nesse sentido,
a representação da realidade na consciência dos homens sofre a intervenção da ideologia:
Os homens são os produtores de suas representações, ideias, etc., mas os
homens reais e atuantes, tal e como se encontram condicionados por um
determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâm-
bio que a esta corresponde até chegar a suas formações mais avançadas.
A consciência nunca pode ser outra coisa que o ser consciente e o ser dos
homens é seu processo real de vida. Se em toda ideologia os homens e
suas relações aparecem de cabeça para baixo, como numa câmara escura,
é porque este fenômeno deriva de seu processo histórico de vida da mesma
maneira que a inversão dos objetos na retina deriva de seu processo de vida
diretamente físico (MARX; ENGELS, 1982, p. 14).

11
A ideologia, portanto, explica a realidade das relações sociais diferentemente de como
elas são na vida real. Aliás, mostra-a como “invertida”, de modo camuflado para que não seja
percebida como realmente se configura. Desse modo,
[...] é tomar o resultado de um processo como se fosse seu começo, tomar

sociologia da educação
os efeitos pelas causas, as consequências pelas premissas, o determinado
pelo determinante. Assim, por exemplo, quando os homens admitem que
são desiguais porque Deus ou a Natureza o fez desiguais, estão tomando
a desigualdade como causa de sua situação social e não como tendo sido
produzida pelas relações sociais e, portanto, por eles próprios, sem que o
desejassem e sem que o soubessem (CHAUÍ, 1981, p. 104).
Por essas razões, a ideologia somente tem sentido na sociedade de classes para manter a ex-
ploração e dominação dos homens sobre os homens, negando a existência das classes sociais como
fundamento das relações sociais. A ideologia dominante, dessa forma, é a da classe dominante. Por
isso, falamos mais da produção da contraideologia na educação crítica do que na ideologia da clas-
se dominada: “As ideias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais
dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias” (CHAUÍ, 1981, p. 93).
Nesse sentido, a classe que controla as condições materiais de produção controla também
a produção e a distribuição das ideias, lançando mão de diversos e diferentes meios de caráter
educativo: a família, a religião, os meios de comunicação e, particularmente, a escola. Essas
instituições sociais exercem um papel educativo de reprodução da ideologia das classes domi-
nantes. Para Marilena Chauí:
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações
(ideias, e valores) e de normas ou regras (de condutas) que indicam e pres-
crevem aos membros da sociedade o que devem pensar, o que devem valo-
rizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer (CHAUÍ,
1981, p. 113).
Isso significa dizer que a ideologia é possibilitada pela alienação na medida em que
as relações sociais são coisificadas. Ideologia e alienação são conceitos do pensamento mar-
xista fundamentais para a formulação da pedagogia crítica, pois se esta indica como finali-
dade da educação a omnilateralidade, indica, pois, a superação – que só pode ser histórica e
intencional – da ideologia dominante e da alienação em todas as dimensões da prática social.
Além disso, pensemos na alienação como um fenômeno que não pode ser superado apenas
pela “consciência da condição alienada”: o sujeito alienado não pode, por si próprio, a partir
da consciência da alienação, promover sua superação. A consciência da alienação é neces-
sária para a sua superação, mas insuficiente, porque é concretamente incapaz de promover a
transformação do mundo real que exige a ação social coletiva.
Essa constatação tem consequência direta e imediata para a educação: o enfrentamen-
to da ideologia e da alienação não se faz no plano abstrato, mas pela práxis (ação prática
refletida, pensada concreta e historicamente). Para Marx, a práxis é prática articulada à teo-
ria, desenvolvida com e através de abstrações do pensamento, como busca de compreensão

12
mais consistente e consequente da atividade prática. Marx vai ainda mais longe, para ele, a
prática somente existe se for pensada, compreendida pelo pensamento através da reflexão
teórica. Para ele, a prática social – ou a prática educativa – é a práxis. Para formulação de
uma pedagogia crítica, é fundamental pensarmos nessas relações entre teoria e prática, como

sociologia da educação
nos apresenta Chauí
A relação entre teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca, por
meio da qual, a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega
a prática como um fato dado, para revelá-la em suas mediações e como
práxis social, ou seja, como atividade socialmente produzida e produtora
da existência social (CHAUÍ, 1984, p. 81).
A busca da superação da ideologia e da alienação é, então, parte do processo de forma-
ção humana omnilateral que implica na articulação radical, no processo educativo, da articu-
lação teoria e prática compreendida como práxis social, como atividade socialmente produzi-
da e produtora da existência social. A educação, orientada teórica e metodologicamente pelo
pensamento marxista, articula, no processo de formação humana, a consciência da alienação
e da ideologia com a ação transformadora das relações sociais que as produzem. A educação,
no âmbito da pedagogia crítica, tem como preocupação central a prática social transformado-
ra, a construção de relações sociais plenas de humanidade dirigidas para a superação da desi-
gualdade social. Trata-se, portanto, de educar para a transformação, não do sujeito individual,
mas das relações sociais de dominação que determinam relações sociais injustas e desiguais.
A educação crítica, no sentido marxista, tem caráter essencialmente político, democrático,
emancipatório e transformador. Assim, podemos afirmar que, nessa perspectiva sociológica,
a educação não transforma a realidade social, mas instrumentaliza os educandos para que
realizem, em sua prática social, a transformação das condições sociais no capitalismo. Esta é
a contribuição da Sociologia de Marx para a Sociologia da Educação.

2.2 Émile Durkheim (1858-1917)


Considerado também um dos fundadores da Sociologia, este pensador e cientista po-
lítico tinha uma visão otimista da então nova sociedade capitalista industrial. Durkheim re-
cebeu forte influência de Comte com relação à ordem social, por isso buscava fundamentar,
cientificamente, a tese sobre o “[...] bom funcionamento da sociedade”. Considerado como
um advogado de uma Sociologia conservadora por seus críticos, defende, de certa forma, o
determinismo social. Kruppa (1994), assim como outros autores, considera que foi por ele
que a Sociologia foi reconhecida como ciência, por sua contribuição na definição tanto do
objeto quanto do método:
Durkheim deu fundamento a uma forma determinada de análise da socie-
dade – a análise funcionalista. Tal análise baseia-se na visão da sociedade
como um organismo, à semelhança de um organismo vivo, um todo inte-
grado, onde cada parte desempenha uma função necessária ao equilíbrio
do todo (KRUPPA, 1994, p. 55).

13
Então, a análise funcionalista tem como procedimento básico a objetividade na com-
preensão das relações sociais: “Os fatos sociais devem ser tratados como coisas – eis a pro-
posição fundamental do nosso método, e a que mais tem provocado contradições” (FORAC-
CHI; MARTINS, 1977, p. 23). Os fatos sociais são, portanto, o objeto da Sociologia e o método
é a investigação objetiva, científica, positivista, desses fatos. Conforme Durkheim:

sociologia da educação
Os fatos propriamente ditos, porém, constituem para nós necessariamente,
algo de desconhecido, no momento em que empreendermos delinear-lhes a
ciência: são coisas ignoradas, pois as representações que podem ser formula-
das no decorrer da vida tendo sido efetuadas sem método e sem crítica, estão
destituídas de valor científico e devem ser afastadas (FORACCHI; MAR-
TINS, 1977, p. 24).
A explicação da vida social é o “fato social”, o objeto de estudo da Sociologia. Segundo
Foracchi e Martins (1977), o indivíduo não pode ser considerado objeto de estudo da Socio-
logia. O que realmente interessa a essa Sociologia é o enfoque no indivíduo inserido em uma
determinada realidade social objetiva que, acima dele em termos de prioridade, caracteriza-se
por ser essencialmente grupal, coletiva. Ou seja, para Durkheim, o “fato social” é exterior aos
indivíduos. Pela Sociologia, os fatos devem ser conhecidos, revelados, para que o conjunto dos
indivíduos siga regras que resultem na harmonia das relações sociais, na ordem estabelecida
para que essas relações, sob o capitalismo, consigam ser produtivas de forma a garantir o bem
estar a todos. A tarefa da Sociologia, portanto, é identificar, pela aplicação do método científi-
co, os problemas sociais e buscar soluções para eles, pois é o desconhecimento dos problemas
que impede o desenvolvimento da sociedade. Além de exteriores, os fatos sociais, são também
concebidos como coercitivos:
As nossas maneiras de comportar, de sentir as coisas, de curtir a vida, além
de serem criadas e estabelecidas “pelos outros”, ou seja, através de gerações
passadas, possuem qualidade de serem coercitivas. Com isso, Durkheim de-
sejava assinalar o caráter impositivo dos fatos sociais, pois segundo ele com-
portamo-nos segundo o figurino das regras socialmente aprovadas (MAR-
TINS, 1985, p. 49).
Podemos afirmar, assim, que Durkheim foi um dos pioneiros na análise de que os fa-
tores coercitivos garantem que o indivíduo, desde seu nascimento, se adapte, no sentido de
“moldar”, ao grupo social ao qual pertence. Isto é, o indivíduo faz-se sujeito social segundo os
parâmetros historicamente impostos pelo seu grupo. Esta estruturação do indivíduo segundo
padrões pré-estabelecidos e exteriores a ele, diz respeito aos aspectos psicológicos, morais,
pelos hábitos e costumes, pelo comportamento, ou seja, por toda sua constituição como indiví-
duo de determinada cultura. Podemos observar, então, a tese de que esse processo é, de certa
forma, um processo inconsciente. Mas, se por um lado, inconsciente, por outro, é determinante
e define todo o comportamento social dos indivíduos. Sobre isso, e sobre a polêmica que essas
afirmações causaram – e ainda causam – Durkheim afirma que a vida individual e a social são
distintas, que “a síntese sui generis que constitui toda sociedade desenvolve fenômenos no-
vos, diferentes daqueles que se passam nas consciências solitárias” (FORACCHI; MARTINS,
1977, p. 26) e que, portanto, o fato social é impositivo e externo ao indivíduo.

14
Sua tese de doutorado, intitulada De la Division du Travail Social e publicada em
1893, trata da interação social entre os indivíduos que integram a sociedade: principal tema
de estudo na Sociologia de Durkheim. Nesse sentido, a tarefa da Sociologia, de paradigma
positivista, é revelar os elementos que possibilitam a unidade e estabilidade das relações

sociologia da educação
sociais, para que permaneçam ao longo do tempo – lembremos, neste sentido, a importância
da “ordem social” do positivismo de Comte. Nessa perspectiva sociológica, a existência da
sociedade exige solidariedade e a divisão do trabalho é uma forma concreta de expressão
dessa solidariedade, de consenso entre os indivíduos.
Desse modo, a divisão do trabalho é um processo natural necessário ao equilíbrio
social assim como a divisão de funções do organismo para seu equilíbrio. A esse processo
natural, Durkheim chamou de “solidariedade orgânica” em analogia com o equilíbrio que
os diferentes órgãos e funções garantem aos organismos vivos. As crises sociais, tal como
o desequilíbrio social, consideradas pelo estudioso como uma doença, uma anomalia social,
deveriam ser corrigidas com a contribuição da Sociologia. Nesse sentido:
O pensamento de Durkheim foi usado muitas vezes para justificar atitudes
e ideologias conservadoras, interessadas em manter a ordem social vigen-
te. Como já vimos, o pensamento liberal conservador justifica a desigual-
dade social como fenômeno natural, afirmando que os homens são dotados
de capacidades diferentes. A desigualdade é tomada como uma questão
individual e não social (KRUPPA, 1994, p. 56).
O princípio integrador do pensamento de Durkheim sobre a organização da vida so-
cial, segundo Kruppa, assume essa característica porque considera a sociedade um todo
orgânico sem contradições. Esse princípio expressa, talvez de forma mais clara, o caráter
conservador dessas análises sociológicas. A sociedade é um todo orgânico organizado de
forma hierárquica, segundo características de renda, instrução, prestígios etc. Esse todo or-
gânico é, então, garantido pela complementação – integração – entre os diferentes “extratos
sociais”. Temos, então, a ideia de que, sendo a sociedade estratificada sob o modo capitalista
de organização da vida social, está garantida a ascensão social depositada no mérito indivi-
dual. Vale destacar que essa ideia defendida pelo pensamento conservador da Sociologia de
Durkheim é também um dos princípios fundamentais do pensamento liberal. Todavia o que
difere um do outro, segundo seus críticos, reside na constatação de que para os conservado-
res essa possibilidade existe, mas a partir do princípio integrador, assim, os extratos sociais
são determinados pela existência do todo orgânico. Temos em Durkheim, então, diferente-
mente da mobilidade social liberal, um determinismo social conservador.
Enguita (1999) identifica na Sociologia de Durkheim um realismo epistemológico, isto
é, no presente está toda possibilidade de realização humana: “a ordem social estabelecida
em seu presente imediato sem qualquer possibilidade de intervenção” (1999, p. 50, tradução
nossa). Sendo assim, a sociedade é um todo orgânico dotado de leis próprias, e cabe à So-
ciologia descobri-las para garantir o equilíbrio social, os indivíduos têm uma herança social
de tal magnitude que não cabe a eles intervir, mas adaptar-se de tal forma pela reprodução
de um conjunto de normas e valores que garantam a ordem social e, portanto, o equilíbrio

15
da sociedade. Por equilíbrio entendemos “harmonia”, ou seja, falta de conflitos. Conforme
Martins, Durkheim:
Disposto a restabelecer a “saúde” da sociedade, insistia que seria neces-
sário criar novos hábitos e comportamentos no homem moderno, visando

sociologia da educação
ao “bom funcionamento” da sociedade. Era de fundamental importância,
nesse sentido, incentivar a moderação dos interesses econômicos, enfatizar a
noção de disciplina e de dever, assim como difundir o culto à sociedade, às
suas leis e à hierarquia existente (MARTINS, 1985, p. 50).
Isso significa que, para Durkheim, a tarefa fundamental da Sociologia é estudar tão pro-
fundamente os problemas sociais que, descrevendo seu funcionamento, a normalidade possa
ser restabelecida, assim como o bom funcionamento da sociedade e descobertas se concreti-
zem em técnicas de controle na perspectiva conservadora das relações sociais. Lembremos do
eixo de nossos estudos nesta disciplina, a igualdade e desigualdade social para a Sociologia
de Durkeim, que se fundamenta na manutenção e preservação da ordem social capitalista.
Este problema social, pó sua vez, deve ser tratado sob a perspectiva de que a divisão social do
trabalho é um processo natural e as diferenças entre os grupos sociais são necessárias para o
equilíbrio da sociedade, do “todo orgânico” (KRUPPA, 1994). É sobre essa base teórica que se
ergue a Sociologia da Educação de Durkheim.
Então, como compreender a educação pela perspectiva sociológica de Durkheim? En-
guita (1999) considera-o fundador da Sociologia da Educação, pois dedicou-se ao estudo da
educação em sua teoria sociológica. Se o objetivo da Sociologia, assim como ele a compre-
ende, é a descoberta do funcionamento da sociedade para que se possam estabelecer normas
e técnicas de controle para a manutenção da ordem capitalista, a educação emerge como um
fenômeno social importante e privilegiado. Ou seja, a educação, na Sociologia de Durkheim,
é essencialmente adaptativa, ou seja, há uma adaptação do sujeito social à sociedade tal qual
ela se estabelece no modo capitalista de organização social. A sociedade na manutenção de seu
todo orgânico necessita preparar, no sentido de moldar, os sujeitos sociais que a constituem
como forma de manutenção da ordem exigida pela organização das relações sociais sob o ca-
pitalismo. Então,
Cada sociedade, considerada em momento determinado de seu desenvolvi-
mento, possui sistema determinado de educação que se impõe aos indivíduos
de modo geralmente irresistível. É uma ilusão acreditar que podemos educar
nossos filhos como queremos. Há costumes com relação aos quais somos
obrigados a nos conformar; se os desrespeitamos muito gravemente, eles se
vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não estarão em estado de
viver no meio de seus contemporâneos, com os quais não encontrarão harmo-
nia. Que eles tenham sido educados segundo ideias passadistas ou futuristas
não importa, num caso, como noutro, não são de seu tempo e, por consequên-
cia, não estarão em condições de vida normal (DURKHEIM, 1975, p.36).
Evidencia-se nessa citação a argumentação do próprio Durkheim sobre a função adap-
tativa, do ponto de vista social, da educação. Nesse sentido, o processo educativo adaptador

16
tem o funcionamento ideal da sociedade capitalista como objetivo, isto é, a formação dos
sujeitos, pela educação, tem no bom funcionamento da sociedade moderna capitalista seus
objetivos. Enguita (1999) também identifica que, na Sociologia da Educação de Durkheim,
a sociedade capitalista com a divisão social do trabalho, como um todo orgânico e solidário,
é o ponto de partida para a argumentação pela educação como “um meio privilegiado e po-

sociologia da educação
deroso para impor um modelo de sociedade superintegrada, ordenada e moral” (ENGUITA,
1999, p. 50). Isso se dá, segundo esse autor, porque:
A educação, na teoria durkheimiana, apoia-se na supersocialização do
sujeito humano, em congruência com o realismo epistemológico de sua
Sociologia, que na configuração do presente encontra o horizonte último
e inexorável de toda possibilidade de realização humana. Realismo episte-
mológico, sistema social funcional, razão positiva e educação moral, cons-
tituem dimensões de um princípio absoluto: a ordem social estabelecida
em sua imediatez presente e livre de qualquer voluntarismo. A funcionali-
dade do sistema se converte em sua própria racionalidade. Consequente-
mente, a realidade social é racional ou, em outros termos, a racionalidade
do sistema social não é outra que a inerente as instituições que o integram
e, portanto está constituída pelas normas e valores que presidem sua ação
(ENGUITA, 1999, p. 50).
Além disso, destaca-se também na teoria sociológica de Durkheim o caráter múltiplo
e uno da educação. Discutindo com pensadores que, já naquele tempo, buscavam determinar
os fins da educação de forma única e universal, e com suas preocupações metodológicas ra-
cionais e positivistas, ele afirmava – em especial em Educação e Sociedade (DURKHEIM,
1975) – que, somente, a observação empírica do funcionamento da sociedade permitiria
dizer qual a finalidade da educação.
A análise das formas educativas históricas das diferentes sociedades, segundo a Socio-
logia da Educação durkheimiana, mostra que a educação tem em comum a transmissão de
um conjunto de elementos culturais de uma geração à outra (dos adultos para as crianças),
sendo isso, portanto, uma característica: “Não há povo em que não exista certo número de
ideias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar a todas as crianças, indistinta-
mente, seja qual for a categoria social a que pertençam” (DURKHEIM, 1975, p. 40).
Por outro lado, é também a análise histórica que mostra como as diversas sociedades
organizaram diferentemente a educação de seus filhos, atendendo às suas necessidades so-
ciais mais características. Essa diversidade nas propostas educativas para uma determinada
sociedade é o que ele chamou do caráter múltiplo da educação. Mas, Durkheim vai além,
considerando que o eixo organizativo da sociedade moderna é a divisão social do trabalho,
argumenta a favor de diversas educações para as diferentes inserções dos indivíduos no
mundo do trabalho. Ou seja, para ele, cada profissão necessita de aptidões próprias e conhe-
cimentos especiais, inclusive no que diz respeito à formação ética e moral, portanto, as crian-
ças devem ser preparadas para certas funções sociais, relacionadas ao mundo do trabalho.
Então, a educação não pode ser a mesma para todos, mas direcionada a sua inserção social.

17
Resumindo, cada sociedade constrói um certo ideal de sujeito, do ponto de vista intelectual,
físico e moral, e esse ideal é o que define o sistema educativo desta sociedade.
  Então, fica claro que a função adaptadora, moralista e disciplinatória da educação

sociologia da educação
representa a abordagem central desta Sociologia. Trata-se de uma educação que temos cha-
mado, no estudo das teorias pedagógicas, de educação tradicional (SAVIANI, 2008). O pro-
cesso educativo defendido por essa teoria sociológica concerne à transmissão racional e sis-
tematizada de normas e valores de conduta social, desejáveis para a manutenção da ordem
social e o funcionamento ideal da organização da sociedade capitalista.
Essas ideias têm sido identificadas pela teoria pedagógica tradicional. Trata-se de,
pela forma pedagógica da transmissão, da assimilação acrítica de conteúdos tradicionais e
valores morais presentes no projeto econômico, social e político conservador da sociedade
capitalista. Podemos perceber, então, que muitas propostas educativas que veiculam ideias
bastante moralistas e disciplinatórias sobre o comportamento dos educandos têm essa teo-
ria sociológica como referência. Os valores morais tradicionais reaparecem, em propostas
educativas atuais, vestidos, agora, com valores de comportamentos socialmente desejados,
socialmente corretos. Com objetivos aparentemente novos e “nobres”, esses processos edu-
cativos são os mesmos processos adaptativos e disciplinadores dos processos tradicionais: in-
teriorização, acrítica, de valores impostos através dos processos educativos, escolares ou não.
Assim, temos a educação como a tarefa de promover mudança de comportamentos socialmente
inadequados – a educação de fundo disciplinatório e moralista, ou de “adestramento” social.

2.3 Max Weber (1864-1920)


Este pensador, um dos clássicos da sociologia, viveu em um período marcado por
acirradas discussões acerca da metodologia das ciências sociais, discussões essas que come-
çavam a surgir na Europa, inclusive na Alemanha, seu país. Isso trouxe grande influência em
sua formação e fez com que ele se dedicasse a conferir à Sociologia um caráter científico,
lutando para distinguir o conhecimento científico do conhecimento do senso comum sobre
a vida social no capitalismo – o objeto de estudo da Sociologia. Essa posição foi tão inten-
samente buscada por Weber que se constituiu em um dos princípios de sua Sociologia: o da
neutralidade científica do sujeito pesquisador frente ao seu objeto de estudo. Martins (1985)
afirma que, para Weber, a Sociologia como ciência é neutra, oferecendo à dimensão política
da ação humana no mundo conhecimentos para que esta ação política se realize por escolhas.
Outro princípio marcante de sua teoria sociológica diz respeito à definição do objeto de seus
estudos sociológicos. Weber focalizou o indivíduo e sua ação, isto é, quais seriam as inten-
ções e motivações dos indivíduos nas relações sociais que estabelece.
Embora tenha defendido a neutralidade do cientista social, Weber distanciou-se do posi-
tivismo de Comte ao lidar com o objeto de estudo da Sociologia de forma a considerá-lo muito
diferente do objeto das ciências naturais. Para ele, a metodologia da Sociologia conferia papel
ativo ao pesquisador na produção do conhecimento sobre a realidade social. Então, como um
dos principais representantes da Sociologia como ciência que estuda a vida social, Weber de-

18
fendia uma neutralidade própria das ciências sociais, diferentemente da neutralidade das ciên-
cias naturais, contribuindo, assim, para a construção do método e a formação desta ciência.
Opondo-se à abordagem positivista na Sociologia, principalmente à de Durkheim, We-
ber questionou os procedimentos de descrição, mensuração e experimentação no estudo do

sociologia da educação
funcionamento da sociedade e propôs, em seu lugar, a interpretação da realidade social.
Essas interpretações são pensadas, neste sentido, a partir dos indivíduos, inaugurando na
Sociologia uma proposta metodológica que viria a ser conhecida como o método “compre-
ensivo”. Isso significa dizer que a teoria sociológica weberiana dá ênfase à subjetividade, às
motivações individuais das ações dos indivíduos em suas relações sociais. A ação social é,
assim, todo tipo de ação e tem uma orientação “no outro”, ou seja, os fenômenos sociais,
podem ser compreendidos a partir da subjetividade. Desse modo, o foco na compreensão da
vida social incide sobre o indivíduo e suas ações sociais. Essa ênfase na subjetividade e no
indivíduo significa um ponto de partida importante em suas análises acerca da possibilidade
de ação individual consciente no mundo. Para Weber (1980):
Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação das
ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebe
o objeto da sociologia como, fundamentalmente, “a captação da relação
de sentido” da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno
social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configu-
ram. Por ação, Weber entende “aquela cujo sentido pensado pelo sujeito ou
sujeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o
seu comportamento”. Tal colocação do problema de como se abordar o fato
significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um
relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais),
mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que
aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhe-
cido em toda a sua amplitude (WEBER, 1980, p. 2-3).
Esse aporte teórico-metodológico é de fundamental importância nessa Sociologia para
as interpretações da realidade social no capitalismo, que é fortemente marcado pela raciona-
lidade. Diferentemente de Marx, esse teórico social argumentava a favor das possibilidades
históricas de superação das sociedades conservadoras pela racionalidade na organização
da sociedade capitalista e que, para compreender o caráter revolucionário desse novo modo
de organização da vida social, a Sociologia deveria aprofundar-se na compreensão de sua
essência. Os diferentes problemas da sociedade, segundo Weber, são interpretados de forma
compreensiva, de forma a identificar – interpretar e compreender – os motivos subjetivos e
individuais que estão na origem destes problemas. Assim, busca-se compreender os aspectos
culturais, sociais, econômicos, políticos e ideológicos dos fatos sociais em sua interpreta-
ção. As ações sociais do ponto de vista empírico não são descartadas, nem analisadas em
si, mas tomadas como elementos constituintes para a interpretação do sentido (buscado no
indivíduo) dessas ações. Isso significa dizer que a violência nas sociedades atuais, por exem-
plo, sob teoria sociológica weberiana, mais do que o estudo do fenômeno social em si, seria

19
compreendida pela interpretação do significado subjetivo que ela tem para os indivíduos
envolvidos: agressores e agredidos.
É importante destacar também que as análises que Weber fez da vida social no capi-
talismo foram análises críticas, principalmente, no que diz respeito ao poder e à dominação

sociologia da educação
existente neste modo de organização da vida social. No entanto, essa crítica, interpretativa e
compreensiva, não implicava em propostas transformadoras da organização das sociedades
sob o capitalismo. Muito pelo contrário, a compreensão crítica da realidade social empre-
endida por Weber tinha como resultado político o aprimoramento racional dessa forma de
organização social. Como contribuição de seus estudos para a compreensão da vida social no
capitalismo, temos os mais diversos temas, mas os estudos sobre a religião têm papel de des-
taque entre eles: “[...] ao estudar os fenômenos da vida religiosa, desejava compreender sua
influência sobre a conduta econômica dos indivíduos” (MARTINS, 1985, p. 67). Conforme
Martins, Weber tinha a intenção:
[...] de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta eco-
nômica dos homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante,
especialmente a calvinista, na promoção do moderno sistema econômico.
Weber reconhecia que o desenvolvimento do capitalismo devia-se em grande
medida à acumulação de capital a partir do final da Idade Média. Mas, para
ele, o capitalismo era também obra de ousados empresários que possuíam
uma nova mentalidade diante da vida econômica, uma nova forma de condu-
ta orientada por princípios religiosos. Em sua visão, vários pioneiros do ca-
pitalismo pertenciam a diversas seitas puritanas e em função disso levavam
uma vida pessoal e familiar bastante rígida (MARTINS, 1985, p. 67).
Essas ideias se expressam, inclusive, no título de um de seus mais importantes traba-
lhos: A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicado pela primeira vez em 1905.
Nele, Weber apresenta, como resultados de suas pesquisas, a influência, entre outros fenô-
menos, da ética das religiões “protestantes” na constituição do capitalismo. Weber estudou o
crescimento e consolidação do capitalismo na sociedade moderna, considerando vários dos
seus aspectos e características, tendo como dados empíricos da realidade o comportamento
dos protestantes, interpretando, assim, as relações entre o protestantismo e o capitalismo.
Pela identificação das ações dos protestantes, dos indivíduos protestantes, fundamentadas
em rígidos preceitos religiosos no que diz respeito à moral e ao comportamento individual na
sociedade, Weber identificou aí um elemento importante no desenvolvimento do capitalismo
nas sociedades modernas. Isso é, essa disciplina moral e comportamental dos protestantes
revelava, do ponto de vista do comportamento individual, o “espírito do capitalismo”, um
espírito disciplinado, eficiente, racional. Para o desenvolvimento desta tese, estudou compa-
rativamente diferentes culturas – orientais e ocidentais – capitalistas e não capitalistas, assim
como alguns tipos-ideais (indivíduos que, segundo sua proposta metodológica, condensam
valores, atitudes e comportamentos sociais):
Uma vez indicado o papel que as crenças religiosas teriam exercido na
gênese do espírito capitalista, Weber propõe-se a investigar quais os ele-
mentos dessas crenças que atuaram no sentido indicado e procura definir
20
o que entende por “espírito do capitalismo”. Este é entendido por Weber
como constituído fundamentalmente por uma ética peculiar, que pode ser
exemplificada muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin
Franklin (1706 - 1790), um dos líderes da independência dos Estados Uni-

sociologia da educação
dos. Benjamin Franklin, representante típico da mentalidade dos colonos
americanos e do espírito pequeno-burguês, afirma em seus discursos que
“ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto isso
for feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da eficiência de
uma vocação”. Segundo a interpretação dada por Weber a esse texto, Ben-
jamin Franklin expressa um utilitarismo, mas um utilitarismo com forte
conteúdo ético, na medida em que o aumento de capital é considerado um
fim em si mesmo e, sobretudo, um dever do indivíduo. O aspecto mais in-
teressante desse utilitarismo residiria no fato de que a ética de obtenção de
mais e mais dinheiro é combinada com o estrito afastamento de todo gozo
espontâneo da vida (WEBER, 1980, p. 5).
Destaca-se o especial interesse de Weber sobre a sociedade americana em seus estudos
sobre a vida social no capitalismo. Para ele, essa nova sociedade, este novo estilo de vida,
expressava mais do que qualquer outro a possibilidade de organização social moderna, ra-
cional, ética e de valorização do papel dos indivíduos. Temos, então, a expressão prática da
ética protestante e o espírito do capitalismo.
Embora muitos estudiosos da educação e da sociologia da educação considerem que
Weber pouquíssimo se ocupou diretamente dos temas educativos – inclusive a escola –, Le-
rena (1999) afirma que ele construiu uma “ [...] brilhante e rigorosa sociologia da educação”
(p.72) no decorrer de toda sua obra. Destacam-se nos estudos desse autor a sociologia da re-
ligião e a sociologia da educação. Ambas têm para Weber o mesmo objeto: o poder de coação
sobre o indivíduo. Nesse sentido, Lerena (1999) aponta a importância da teoria sociológica
weberiana da educação nos estudos do tão conhecido e respeitado sociólogo da educação
Pierre Bourdieu. Segundo Lerena (1999), Weber concebe
a escola, a família e o aparato eclesiástico como instituições de domina-
ção. Por dominação, entende um estado de coisas pela qual uma vontade
manifesta influencia os atos dos outros (tanto do dominador quanto dos do-
minados), de tal forma que, em um grau socialmente relevante, esses atos
têm lugar como se os dominados houvessem os adotado por si mesmos.
(LERENA, 1999, p. 73)
Lerena (1999) afirma que a comparação, nos mesmos termos, dessas três instituições
implica em uma análise profunda do papel autoritário e dominador que elas exercem na
sociedade em estudo, a sociedade moderna. Entre os diferentes elementos de dominação da
escola na formação – e conformação – dos indivíduos mais jovens, Lerena (1999) destaca a
inculcação de hábitos, a noção de cultura legítima e superior, a função da escola na “imposi-
ção” de uma cultura verdadeira e legítima para os sujeitos jovens.

21
Em um outro trabalho, encontramos Gonzalez (2002) analisando as referências à educa-
ção nas obras de Weber. Essa autora definiu a contribuição desse sociólogo nos temas:
[...] educação para o cultivo do saber, educação racional para a burocracia,
educação para despertar o carisma, educação e religião, universidade, en-

sociologia da educação
sino jurídico, educação militar, educação sacerdotal, educação estamental,
educação econômica, educação política, aprendizagem no trabalho e espe-
cialização profissional (GONZALEZ, 2002, p. 1-2).
Gonzalez (2002) afirma que a contribuição de Weber para a educação pode ser compre-
endida, na Sociologia Política e na Sociologia da Religião de Weber, a partir da descrição das
formas de dominação/coação que encontramos nessas obras. Além disso, essa autora chama-
nos a atenção para um dos mais importantes conceitos que fundamentam uma Sociologia da
Educação weberiana, o de que a sociedade capitalista implica em uma luta latente entre os
indivíduos, em uma “seleção social”. Isto é, para Gonzalez “[...] a longo prazo, toda luta acar-
reta a seleção dos indivíduos possuidores de determinadas qualidades pessoais, e que o fator
sorte também contribui para o êxito do indivíduo na seleção social” (GONZALEZ, 2002,
p. 2). Nesse sentido, uma teoria sociológica da educação com esse referencial, identifica na
educação “[...] um elemento que contribui para a seleção social e possui finalidades distintas
de acordo com o tipo de dominação existente numa determinada sociedade” (GONZALEZ,
2002, p. 3). Essas finalidades definem três sistemas de educação: para o cultivo do saber;
racional para a burocracia; e carismática.
Nessa linha de raciocínio, Gonzalez (2002) chega à identificação de três aspectos funda-
mentais da teoria weberiana para as reflexões sobre educação: a) a compreensão dos fenômenos
sociais não tem como ponto de partida a economia (em discordância a Marx); b) as múltiplas
ações individuais determinam os fenômenos sociais; c) as formas de dominação determinam
os fenômenos sociais. Temos, então, como síntese da contribuição de Weber para a Sociologia
da Educação, a tese de que a educação é um processo de socialização, ou seja, a educação
prepara os indivíduos para participar da vida social por introduzi-los no amplo e complexo sis-
tema cultural do grupo humano que a compõe. Educação para preparação dos indivíduos visa
adaptá-los ao mundo cultural dominante, ou seja, à socialização dos indivíduos.
Pode-se observar que esses temas dizem respeito aos objetivos sociais dos processos Saiba Mais

educativos para os indivíduos. A ideia básica reside no conceito de que a sociedade é o con-
Saiba Mais
junto dos indivíduos e que, educados com os propósitos de aquisição de hábitos e compor-
tamentos socialmente adequados, desejados pela sociedade, teremos uma sociedade mais
eficiente. Podemos identificar a influência dessas ideias naquela que temos chamado, entre
as mais conhecidas propostas pedagógicas, de educação nova.

Referências
BRASIL, Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP). Thesaurus Brasileiro da Educação. Disponível http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/thesaurus.
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22
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DURKHEIM, É. Educação e Sociologia. 10ª ed. São Paulo, Melhoramentos, 1975.
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ENGUITA, M. F. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
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durkheimiana. In: ENGUITA, M. F. (ed.). Sociología de la educación. Barcelona: Editorial Ariel, 1999.
SAVIANI, D. Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1991.
SAVIANI, D. A pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 9. ed. Campinas: Autores Associa-
dos, 2005.
SAVIANI, D. Escola e Democracia. 40. ed. Campinas: Autores Associados, 2008.
TOZONI-REIS, M. F. C. Contribuições para uma teoria crítica da educação ambiental: reflexões teóricas. In:
LOUREIRO, C. B. F. A questão ambiental no pensamento crítico: natureza, trabalho e educação. Rio de
Janeiro: Quartet, 2007.
TRATENBERG, M. Weber: vida e obra. In: Weber. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores)
Indicação de leitura: Boaventura Sousa Santos. Socialismo do século 21. Folha de São Paulo, 7 jun. 2007.

* Texto produzido especialmente para a disciplina Sociologia da Educação do Curso de Pedagogia oferecido pela UNESP através da
UNIVESP-TV.

Bloco1 Módulo 2 Disciplina 9

Formação Geral Educação, Cultura e Desenvolvimento Sociologia da Educação

23
Fundamentos
Filosóficos da
Educação
Prof: Eduardo Maciel Ferreira
E-mail: themcphisto@gmail.com
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Curso: 590 – LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: Campus: Santa Cruz


docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental no contexto do Campo

Ano: 2020 Série: 1 CH: 68 CH TU: 64 CH TC: 04


Código e Disciplina: Fundamentos filosóficos da Educação
Professora: Eduardo Maciel Ferreira
Turno: Integral Oferta: ( X ) Anual ( )Semestral
Modalidade: ( X ) presencial em regime de alternância ( ) distância* (X) parcialmente a distância* / Carga
Horária a Distância: 68

EMENTA:
Perspectivas, tendências e confrontos na evolução do pensamento pedagógico universal.
Concepções de homem, mundo e sociedade: essencialismo, materialismo e dialética.
OBJETIVOS:

- Desenvolver estudos aprofundados sobre as bases filosóficas no contexto da educação;


- Compreender a relação entre filosofia e educação;
- Estudar as principais correntes filosóficas alinhadas à educação;
- Desenvolver a criticidade por meio das análises filosóficas.
PROGRAMA:

1. Tradicionalismo pedagógico
1.1. O espiritualismo neotomista como fundamento da vertente religiosa.
1.2. Iluminismo, positivismo e liberalismo como fundamentos da vertente conservadora laica.

2. O pragmatismo, o liberalismo e a democracia como fundamentos do escolanovismo.


2.1 Expoentes da Escola Nova: Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Cecília
Meireles.

3. O Tecnicismo e a ideologia desenvolvimentista.


3.1. O pragmatismo e o produtivismo como fundamentos do Tecnicismo.
3.2. A herança estadunidense: a Teoria do Capital Humano.
3.3. Neoliberalismo e neoprodutivismo.

4 A Educação Libertadora.
4.1. Personalismo, libertação e educação popular.
4.2. Paulo Freire e a educação para a autonomia.

5 O materialismo histórico e a pedagogia socialista.


5.1. O marxismo como fundamento da pedagogia socialista.
5.2. A Pedagogia Histórico-Crítica.
5.3. Educação e movimentos sociais.

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6. A educação na perspectiva dialética


6.1 A. pedagogia, a história e a dialética
6.2. Correntes não-hegemônicas na educação brasileira: anarquismo, pós-modernidade,
pedagogia da terra.
METODOLOGIA:

Mediação de interações acadêmicas como exposições de conteúdos e debates. Orientação


de leituras e de produções textuais. Destaque para a pertinência dos conteúdos para identificação
e discussão de sentidos político-pedagógicos presentes no pensamento pedagógico.
As discussões ocorrerão por meio de aulas expositivas e dialogadas, potencializando o
processo de oralidade, de forma que proporcionem a participação efetiva dos estudantes no
processo de ensino e aprendizagem. Além disso, para o entendimento e materialização das
leituras, outras atividades ocorrerão em sala, tais como: construção de painéis, elaboração de
cartazes, gráficos, escrita e reescrita de textos para a construção de um jornal, leituras, entre
outros.

Trabalho integrado para o Tempo Comunidade.

Emprego de tecnologias digitais da informação e comunicação para atividades não


presenciais, nos termos da Instrução Normativa n. 1-PROEN/UNICENTRO, de 17 de abril de 2020,
em função da pandemia do novo Coronavírus – COVID-19.
Atividades remotas serão alocadas e ancoradas na plataforma institucional Moodle Unicentro.
Nesse ambiente poderão ser disponibilizadas atividades síncronas, como chats e fóruns, e
assíncronas como fóruns, diários, textos coletivos/wikis. Ainda, nos termos da Instrução Normativa
n. 1-PROEN/UNICENTRO, as atividades não presenciais poderão ser disponibilizadas por outras
mídias digitais com o devido vínculo com a Plataforma Moodle e/ou informação na mesma
plataforma”); A/o docente ficará online nos horários de aula e ocasionalmente, quando necessário
e em comum acordo com as/os alunos.
Para que este conteúdo seja discutido com os alunos via Ambiente Virtual de Aprendizagem,
será possível indicar:
Atividades síncronas (em tempo real/online, quando assim for proposto pelo professor e possível
de ser executada pelos estudantes), como chats e lives (avaliativas ou não); atividades
assíncronas (aquelas que não necessitam ser executadas em tempo real/online), como fóruns,
diários, textos coletivos/wikis, envio de arquivos (em diferentes formatos e conectados a outros
recursos digitais disponíveis na internet), avaliativas ou não.
A metodologia proposta em ambiente virtual se comporá de:
-Leitura sobre material disponibilizado na plataforma Moodle;
-Análise de vídeos que complementam a temática a ser abordada, os quais deverão ter seus links
indicados na plataforma Moodle;
-Participação síncrona de alunos e professor em atividades como fórum e/ou chat, quando for
possível adequando-se aos contextos dos acadêmicos.
-Participação em reuniões, encontros e lives (se ocorrerem) por meio de outros instrumentos
midiáticos como: Facebook, Hangouts- Google Meet, Zoom, WhatsApp. Estas atividades deverão
ser registradas e agendadas com os alunos na plataforma Moodle.
-Postagem de relatórios avaliativos, conforme agendas prévias registradas na plataforma Moodle.
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-Emails também poderão ser utilizados quando for necessário.

FORMAS DE AVALIAÇÃO:

O processo avaliativo considera a efetiva participação acadêmica na disciplina como um todo,


centrada em uma perspectiva diagnóstica, mediadora e formativa. Durante a disciplina, serão
desenvolvidas atividades individuais e coletivas, tais como: escrita e reescrita de diferentes
gêneros textos, entrevistas, avaliações individuais e coletivas.
O processo avaliativo será constituído pelos seguintes instrumentos e critérios:

Instrumentos Critérios avaliativos


Observação Participação nas aulas.
Leituras prévias e complementares.
Assiduidade e pontualidade.
Comprometimento e responsabilidade.
Avaliação escrita Apropriação do conhecimento.
Clareza e objetividade escrita.
Coerência teórica.
Capacidade de interpretação, análise e síntese.
Uso das normas padrão da língua portuguesa.
Seminário Apropriação do conhecimento.
Capacidade de reflexão, análise e síntese.
Uso e organização do tempo.
Postura e oralidade.
Planejamento da apresentação.
Trabalho integrado do tempo comunidade Participação.
Leitura de textos.
Apropriação de conhecimento.
Capacidade de reflexão, análise e síntese.

Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por
meio dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A
avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da internet e
das TICs.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna,
2006.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002. CURY,
Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. 2. ed. São Paulo: Cortez: Autores
Associados,1984.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.
FULLAT, O. Filosofias da educação. Petrópolis: Vozes, 1994.
GADOTTI, M. Concepção Dialética da Educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 1983.
_________“A dialética: concepção e método”. In: Concepção Dialética da Educação. 7 ed. São Paulo:
Cortez/Autores Associados,1990.
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Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2007.
JAERGER, W. W. A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
KRUPSKAYA, N. A construção da pedagogia socialista: escritos selecionados. Trad. Natalya Pavlova e Luiz
Carlos de Freitas. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
LOWY, M. Método dialético e teoria política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
PISTRAK, Moisey M. Ensaios sobre a escola politécnica. Trad. Alexey Lazarev e Luiz Carlos de Freitas.
São Paulo: Expressão Popular, 2015.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. São Paulo, Cortez, 1991.
______. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1986.
SCHLESENER, Anita Helen (org). Marxismo(s) e Educação. Ponta Grossa: Editora UEPG,2016.
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educacional do Século XX no Brasil. 2. ed. Campinas (SP): Autores Associados, 2006.
XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
ATA DE APROVAÇÃO nº xx DE 20 de outubro DE 2020.

______________________
Profº Dr. Marcos Gehrke
Coordenador do curso de Pedagogia do Campo
Port. n. 669/2017-GR/UNICENTRO

__________________________
Profº Dra. Valdirene Manduca de Moraes
Vice-Coordenador do Curso de Pedagogia do Campo
Port. n. 760/2020-GR/UNICENTRO

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Campus Santa Cruz: Rua Salvatore Renna – Padre Salvador, 875 – Cx. Postal 3010 – Fone: (42) 3621-1000 FAX: (42) 3621-1090 – CEP 85.015-430, GUARAPUAVA – PR
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ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006.
Páginas: 28 - 39
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. Páginas: 109 - 116
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. Páginas: 131 - 135
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. Páginas: 150 - 161
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. Páginas: 175 - 189
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. Páginas: 270 - 298
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. Páginas: 365 - 377
Capitalismo, Questão
Agrária e
Movimentos Sociais
Prof: João Carlos de Campos
E-mail: jcvncampos@gmail.com
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Pedagogia – DEPED/G
Pedagogia do Campo

Curso: 590 – LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: Campus: Santa Cruz


docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental no contexto do Campo

Ano: 2020 Série: 1 CH: 68 CH TU: 60 CH TC: 08


Código e Disciplina: Capitalismo, questão agrária e movimentos sociais
Professor: João Carlos de Campos
Turno: Integral Oferta: ( ) Anual ( )Semestral
Modalidade: ( X ) presencial em regime de alternância ( ) distância* ( X ) parcialmente a distância* / Carga
Horária a Distância: 68

EMENTA

Gênese e expansão do capitalismo no Brasil e as implicações decorrentes para a sociedade,


particularmente para o desenvolvimento agrário. Luta e resistência popular no campo: luta pela
terra e pela reforma agrária. Articular ao surgimento das lutas camponesas o surgimento dos
movimentos sociais camponeses em suas diferentes abordagens.
OBJETIVOS

- Analisar a gênese e a expansão do capitalismo no Brasil e as suas implicações para o


desenvolvimento agrário;
- Contextualizar historicamente a luta pela terra e pela reforma agrária;
- Caracterizar os principais sujeitos coletivos presentes na luta pela Reforma Agrária;
- Caracterizar o coletivo da turma em seus aspectos socioeconômicos, explicitando os vínculos
com a luta pela Reforma Agrária.

PROGRAMA

1. Gênese e expansão do capitalismo no Brasil e o desenvolvimento agrário


1.1. As origens agrárias do capitalismo
1.2. O questão agrária e as formas do Estado
1.3. Expansão do capitalismo no campo
1.4. A constituição do proletariado agrícola
1.5. A constituição da propriedade privada no campo
2. Trajetória histórica da luta pela terra e pela Reforma Agrária no Brasil
2.1. Das sesmarias à criação das ligas camponesas
2.2. Das Ligas camponesas à construção da proposta da Reforma Agrária Popular
2.3. Função social da terra
3. Movimentos Sociais do Campo vinculados à agricultura familiar, à luta dos indígenas e dos
quilombolas, dentre outros.

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METODOLOGIA

Haverá indicação de textos que deverão ser lidos previamente pelos estudantes, possibilitando
uma participação efetiva nos debates.
Serão realizadas aulas dialogadas, incentivando o posicionamento dos estudantes e análise crítica
das questões.
Também serão realizados trabalhos em grupo, aplicando a técnica do GVGO.
Será realizado um cine-debate a partir do Filme Narradores de Javé e do documentário Arquiteto
da violência.
Durante o processo serão potencializados exercícios de oralidade, leitura e escrita, importante
instrumento do trabalho do pedagogo.
Será feito um seminário a partir da leitura de algumas obras relacionadas à luta pela terra,
buscando potencializar o uso da biblioteca e os processos de leitura: Viúvas da terra (Klester
Cavalcanti); O Quinze (Raquel de Queiroz); Cangaços (Graciliano Ramos); Porecatu: a guerrilha
que os comunistas esqueceram (Marcelo Oikawa). Poderão ser inseridos outros livros, após
debate com a turma.
Construir-se-á um trabalho integrado com outras disciplinas, para o tempo comunidade: ao se
construir o inventário da realidade das comunidades nas quais estão inseridas as escolas campo-
de-estágio, os estudantes buscarão identificar coletivos organizados e ações da luta pela terra nas
referidas comunidades.
Emprego de tecnologias digitais da informação e comunicação para atividades não
presenciais, nos termos da Instrução Normativa n. 1-PROEN/UNICENTRO, de 17 de abril de 2020,
em função da pandemia do novo Coronavírus – COVID-19.
Atividades remotas serão alocadas e ancoradas na plataforma institucional Moodle Unicentro.
Nesse ambiente poderão ser disponibilizadas atividades síncronas, como chats e fóruns, e
assíncronas como fóruns, diários, textos coletivos/wikis. Ainda, nos termos da Instrução Normativa
n. 1-PROEN/UNICENTRO, as atividades não presenciais poderão ser disponibilizadas por outras
mídias digitais com o devido vínculo com a Plataforma Moodle e/ou informação na mesma
plataforma”); A/o docente ficará online nos horários de aula e ocasionalmente, quando necessário
e em comum acordo com as/os alunos.
Para que este conteúdo seja discutido com os alunos via Ambiente Virtual de Aprendizagem,
será possível indicar:
Atividades síncronas (em tempo real/online, quando assim for proposto pelo professor e possível
de ser executada pelos estudantes), como chats e lives (avaliativas ou não); atividades
assíncronas (aquelas que não necessitam ser executadas em tempo real/online), como fóruns,
diários, textos coletivos/wikis, envio de arquivos (em diferentes formatos e conectados a outros
recursos digitais disponíveis na internet), avaliativas ou não.
A metodologia proposta em ambiente virtual se comporá de:
-Leitura sobre material disponibilizado na plataforma Moodle;
-Análise de vídeos que complementam a temática a ser abordada, os quais deverão ter seus links
indicados na plataforma Moodle;
-Participação síncrona de alunos e professor em atividades como fórum e/ou chat, quando for
possível adequando-se aos contextos dos acadêmicos.
-Participação em reuniões, encontros e lives (se ocorrerem) por meio de outros instrumentos
midiáticos como: Facebook, Hangouts- Google Meet, Zoom, WhatsApp. Estas atividades deverão
ser registradas e agendadas com os alunos na plataforma Moodle.
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-Postagem de relatórios avaliativos, conforme agendas prévias registradas na plataforma Moodle.


-Emails também poderão ser utilizados quando for necessário.
FORMAS DE AVALIAÇÃO

Serão utilizados os seguintes instrumentos e critérios de avaliação, que serão discutidos


previamente com os estudantes, podendo ser alterados conforme as necessidades da turma:
Instrumentos Critérios
Avaliação escrita A avaliação escrita será analisada, observando-se o domínio da língua
padrão, a capacidade de análise e síntese na perspectiva crítica, bem
como o domínio dos conteúdos trabalhados.
Realização de O seminário realizado será avaliado, observando-se a capacidade de
seminário análise e síntese na perspectiva crítica, a oralidade (capacidade de
argumentação e comunicação), o domínio da língua padrão
(observando os materiais escritos apresentados), bem como o domínio
do conteúdo apresentado e a capacidade de trabalhar em grupo e de
organização.
Elaboração de A avaliação desses trabalhos será feita, observando-se o domínio da
pequenos resumos língua padrão e a capacidade de síntese.

Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por
meio dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A
avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da internet
e das TICs.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
CALDART, Roseli (Org.). Dicionário da Educação do campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
CAVALCANTI, Klester. Viúvas da terra. São Paulo: Planeta do Brasil, 2004.
IANNI, Octavio. Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 2004.
MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001.
OIKAWA, Marcelo. Porecatu. A guerrilha que os comunistas esqueceram. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos
sociais, conflitos e Reforma Agrária. 2001. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/ea/v15n43/v15n43a15.pdf. Acesso em 10 de junho de 2012.
QUEIROZ, Raquel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.
RAMOS, Graciliano. Cangaços. Rio de Janeiro: Record, 2014.
STÉDILE, João Pedro. Questão agrária no Brasil. 11 ed. São Paulo: Atual, 2011.

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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

DELGADO, Guilherme C. A questão agrária no Brasil – 1950 – 2003. In: JACCOUD, Luciana Org).
Questão social e políticas sociais no Brasil contemporâneo. Brasília : IPEA, 2005.
DOIMO, Ana Maria. “Movimento social: a crise de um conceito”. In: ___. A vez
e a voz do popular. Movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio
de Janeiro: Relume Dumará: ANPOCS, 1995, pp. 37-50.
GERMER, Claus. Perspectivas das lutas sociais agrárias nos anos 90. In: João Pedro Stédile (org.). A
questão agrária hoje. Porto Alegre, UFRGS, 2002.
GERMER, Clauss. O desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a Reforma Agrária. IN:
STÉDILE, João Pedro (coord). A questão agrária na década de 90. Porto Alegre, UFRGS, 2004.
IBASE. Conflitos no campo: maior índice dos últimos 20 anos. Disponível em
HTTP://www.base.br/modules.php?name=Conteudo&pid=141 Acesso em 10/05/2010.
IBGE. Censo Agropecuário de 2006. Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/2006/default.shtm. Acesso
em 01 de agosto de 2011.
LÊNIN, v. i. O Estado e a Revolução. São Paulo: Unicampo. Navegando Publicações, 2011.
MAZZAROLLO, Juvêncio. A taipa da injustiça. Esbanjamento econômico, drama social e
holocausto ecológico em Itaipu. São Paulo: Loyola, 2003.
MEZZOMO, Frank Antonio. Memória dos Movimentos Sociais no oeste do Paraná. Campo Mourão:
Editora da Fecilcam, 2009.
MST, TERRA DE DIREITOS E CPT. Denúncias de formação e atuação de milícias privada no
estado do Paraná. Audiência Pública: Comissão de Direitos Humanos e Minorias – CDHM. Curitiba,
2007.
PAOLI, M. C. Movimentos sociais no Brasil: em busca de um estatuto político.
In: Hellmann, M. (org.) Movimentos sociais e democracia no Brasil. São Paulo: Marco
Zero/Ildesfes, 1995.
PEGORARO, Everly. Dizeres sem confronto: a revolta dos posseiros de 1957 na Imprensa
paranaense. Guarapuava: Unicentro, 2008.
PRADO JUNIOR, Caio. A questão agrária. São Paulo: Brasilense, 1979.
SABOURIN, Eric. Reforma agrária no Brasil: considerações sobre os debates atuais. 2008.
Disponível em http://r1.ufrrj.br/esa/art/200810-151-184.pdf. Acesso em 07 de junho de 2012.
SERRA, Elpídio. Processos de ocupação e luta pela terra agrícola no Paraná. Tese apresentada
ao Instituo de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita
Filho. UNESP. Rio Claro. Doutorado em Geografia, 1991. 361 p.
SILVA, Osvaldo Heller da. A foice e a cruz – comunistas e católicos na história do sindicalismo
dos trabalhadores rurais do Paraná. Tradução da tese em francês feita por Andrea Gaifami e Laura
Angélica Yukie Nomi. Curitiba: Rosa de Bassi, 2006.
SORJ, Bernardo. Estado e classes sociais na agricultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
STRAZZACAPPA, Cristina. A luta pelas terras no Brasil. São Paulo: Editora Moderna, 2006.
WOOD, Ellen Meikisins. As origens agrárias do capitalismo. 1998. Disponível em
http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/EllenWood.pdf. Acesso em 24 de maio de 2010.

ATA DE APROVAÇÃO número 20 de outubro de 2020.


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______________________
Profº Dr. Marcos Gehrke
Coordenador do curso de Pedagogia
do Campo
Port. n. 669/2017-GR/UNICENTRO

__________________________
Profº Dra. Valdirene Manduca de
Moraes
Vice-Coordenador do Curso de
Pedagogia do Campo
Port. n. 760/2020-GR/UNICENTRO

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A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

A longa marcha
do campesinato brasileiro:
movimentos sociais, conf litos
e Reforma Agrária
ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA

A bandeira vermelha se moveu / É um povo tomando posição


Deixe o medo de tudo pra depois / Puxe a faca desarme sua mão
Fique muito tranqüilo pra lutar / Desamarre a linha da invasão
A reforma está vindo devagar / Desembocar no rio da razão
Disparada de vacas e de bois / É o povo tomando posição
É o povo tomando direção.
Zé Ramalho (1)

Os princípios e os pressupostos
que marca a Longa Marcha do campesinato brasileiro está es-

A
HISTÓRIA
crita nas lutas muitas vezes (ou quase sempre) sangrentas desta classe
social. Ao abordá-la, deixo claro que minha compreensão a respeito da
lógica do desenvolvimento capitalista moderno está calcada no entendimento de
que tal desenvolvimento se faz de forma desigual e contraditória. Ou seja, parto
do princípio de que o desenvolvimento do capitalismo – e a sua conseqüente ex-
pansão no campo – se faz de forma heterogênea, complexa e, portanto, plural.
Este quadro de referência teórica, por conseqüência, está no oposto daquele que
vê a expansão homogênea, total e absoluta do trabalho assalariado no campo
com característica fundante do capitalismo moderno.
Dessa forma, penso que o capital trabalha com o movimento contraditório
da desigualdade no processo de seu desenvolvimento. No caso brasileiro, o capi-
talismo atua desenvolvendo simultaneamente, na direção da implantação do tra-
balho assalariado, no campo em várias culturas e diferentes áreas do país, como
ocorre, por exemplo, na cultura da cana-de-açúcar, da laranja, da soja etc. Por
outro lado, este mesmo capital desenvolve de forma articulada e contraditória a
produção camponesa. Isto quer dizer que parto também do pressuposto de que
o camponês não é um sujeito social de fora do capitalismo, mas um sujeito social
de dentro dele.

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 185


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

Outro pressuposto teórico importante a ser ressaltado inicialmente, refere-


se ao caráter rentista do capitalismo no Brasil (2). Isto quer dizer que, no Brasil,
o desenvolvimento do modo capitalista de produção se faz principalmente pela
fusão, em uma mesma pessoa, do capitalista e do proprietário de terra. Este pro-
cesso, que teve sua origem na escravidão, vem sendo cada vez mais consolidado,
desde a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, particularmente com
a Lei da Terra e o final da escravidão. Mas, foi na segunda metade do século XX
que esta fusão se ampliou significativamente. Após a deposição, pelo Golpe Mi-
litar de 64, de João Goulart, os militares procuraram re-soldar esta aliança políti-
ca, particularmente porque durante o curto governo João Goulart ocorreram
cisões nas votações do Congresso Nacional em aspectos relativos à questão agrá-
ria, principalmente quando uma parte dos congressistas votaram a legislação so-
bre a Reforma Agrária.
Assim, a chamada modernização da agricultura não vai atuar no sentido da
transformação dos latifundiários em empresários capitalistas, mas, ao contrário,
transformou os capitalistas industriais e urbanos – sobretudo do Centro-Sul do
país – em proprietários de terra, em latifundiários. A política de incentivos fiscais
da Sudene e da Sudam foram os instrumentos de política econômica que viabi-
lizaram esta fusão. Dessa forma, os capitalistas urbanos tornaram-se os maiores
proprietários de terra no Brasil, possuindo áreas com dimensões nunca registradas
na história da humanidade. O exemplo mais clássico é o famoso Projeto Jari.
Implantado pelo multimilionário Daniel K. Ludwig, foi “nacionalizado” no final
do governo Figueiredo, quando passou para um grupo de cerca de 25 empresas,
lideradas pelo grupo Azevedo Antunes. A área ocupada, depois da criação e atuação
do Grupo Executivo do Baixo Amazonas (GEBAM) (3), citada em estudos pu-
blicados, tinha superfície superior a quatro milhões de hectares. Em decorrência
desse processo, tornou-se possível identificar dois aspectos contraditórios destes
capitalistas modernos: a mesma indústria automobilística que pratica as mais avan-
çadas relações de trabalho do capitalismo no Centro-Sul, na Amazônia, ao con-
trário, praticava em suas propriedades agropecuárias a “peonagem”, relação de
trabalho também chamada de “escravidão branca”. Em outras palavras, a mesma
empresa atuava de forma diferenciada em regiões distintas deste país.
No Brasil, esta aliança fez com que, ao invés de a burguesia atuar no senti-
do de remover o entrave (a irracionalidade) que a propriedade privada da terra
traz ao desenvolvimento do capitalismo, atuasse no sentido de solidificar, ainda
mais, a propriedade privada da terra. Foi em decorrência desta mesma aliança
que, na Assembléia Constituinte de 1988, o único capítulo da Constituição a ter
recebido praticamente a unanimidade dos votos dos representantes dessas elites,
foi aquele sobre a Reforma Agrária. Ressalte-se que tal comportamento não ocor-
reu com relação a outros capítulos da Constituição brasileira. Dessa forma, a
concentração da propriedade privada da terra no Brasil não pode ser compreen-

186 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

dida como uma excrescência à lógica do desenvolvimento capitalista. Ao contrá-


rio, ela é parte constitutiva do capitalismo que aqui se desenvolve. Um capitalis-
mo que revela contraditoriamente sua face dupla: uma moderna no verso e outra
atrasada no reverso. É por isso minha insistência na tese de que a concentração
fundiária no Brasil tem características sui generis na história mundial. Em ne-
nhum momento da história da humanidade houve propriedades privadas com a
extensão das encontradas no Brasil. A soma da área ocupada pelas 27 maiores
propriedade privadas no país é igual à superfície total ocupada pelo estado de São
Paulo, ou, se for somada à área ocupada pelas 300 maiores propriedades privadas
no país, ela equivale a duas vezes a superfície total deste mesmo estado.
Os dados referentes a 1992, divulgados pelo Incra (4), mostravam que
havia no Brasil 3.114.898 imóveis rurais e, entre eles, 43.956 (2,4%) com área
acima de mil hectares, ocupando 165.756.665 hectares. Enquanto isso, outros
2.628.819 imóveis (84,4%), com área inferior a 100 hectares, ocupavam apenas
59.283.651 hectares (17,9%). Estudos realizados revelam que se o Incra aplicasse
na totalidade os preceitos da Lei 8.624, que define o que é terra produtiva e
improdutiva no país, teríamos algo em torno de 115.054.000 hectares (20% da
área total) como propriedades improdutivas. O Atlas Fundiário Brasileiro, pu-
blicado pelo Incra, indicava que 62,4% da área dos imóveis cadastrados fora clas-
sificada como não-produtiva e apenas 28,3% como produtiva. Estas informações
revelam, pois, a contradição representada pela propriedade privada da terra no
Brasil, retida para fins não-produtivos. Inclusive na prática, o único compromis-
so social que os latifundiários deveriam ter seria o pagamento do imposto territorial
rural (ITR), mas não é o que ocorre. Os dados divulgados pela Receita Federal
referentes a 1994 mostram que entre os proprietários dos imóveis de mil a cinco
mil hectares, 59% sonegaram este imposto e entre os proprietários dos imóveis
acima de cinco mil hectares, esta sonegação chegou a 87%.
Essas grandes extensões de terras estão concentradas nas mãos de inúme-
ros grupos econômicos porque, no Brasil, estas funcionam ora como reserva de
valor, ora como reserva patrimonial. Ou seja, como instrumentos de garantia
para o acesso ao sistema de financiamentos bancários, ou ao sistema de políticas
de incentivos governamentais. Assim, estamos diante de uma estrutura fundiária
violentamente concentrada e, também, diante de um desenvolvimento capitalis-
ta que gera um enorme conjunto de miseráveis. Os dados disponíveis revelam
que há no Brasil mais de 32 milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria
absoluta, ou seja, quase sete milhões de famílias (18% do total) são classificadas
como indigentes, e mais 38% delas, ou seja, mais 14 milhões, como pobres. A
lógica contraditória é uma só: o desenvolvimento capitalista que concentra a
terra, concomitantemente, empurra uma parcela cada vez maior da população para
as áreas urbanas, gerando nas mesmas uma massa cada vez maior de pobres e
miseráveis. Mas, ao mesmo tempo, esta exclusão atinge também o próprio cam-

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 187


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

po. Certamente, a maioria dos filhos dos camponeses, cujas propriedades te-
nham superfície inferior a 10 hectares, jamais terão condição de se tornar campo-
neses nas terras dos pais. A eles caberá apenas um caminho: a estrada. A estrada
que os levará à cidade, ou a estrada que os levará à luta pela reconquista da terra.
A migração tem sido, dessa forma, uma das principais características da
população brasileira. O quadro geral tem revelado, contrariando muitas inter-
pretações, que a população rural cresceu em termos absolutos e totais até 1970,
quando chegou a pouco mais de 41 milhões de pessoas. Registrada nos censos
demográficos posteriores, houve queda que fez com que ela chegasse a 38,5
milhões, em 1980; 35,8 milhões, em 1991; 33,9 milhões, em 1996; 31,8 mi-
lhões, no ano 2000. Ainda na contramão de muitas interpretações, os censos
demográficos de 1996 e 2000 continuam revelando, em vários municípios, o
crescimento absoluto da população rural. Este fato não acontece apenas nas re-
giões de fronteira, mas também na área core do capitalismo moderno brasileiro,
como é o caso do estado de São Paulo. Muitas vezes, os novos assentamentos
rurais derivados da Reforma Agrária estão na origem desse processo.
Movendo-se pelo país numa verdadeira aventura retirante, como tem afir-
mado D. Pedro Casaldaglia, os camponeses brasileiros, a seu modo, foram se
inserindo no campo. Os dados disponíveis do censo agropecuário do IBGE reve-
lam sua situação geral e importância na atualidade. Os estabelecimentos agro-
pecuários com área de até 100 hectares cresceram de 1940 (1.629.995) até 1985
(5.252.265), porém conheceram uma redução no censo de 1995-96 (4.318.861).
Contraditoriamente, esta redução não ocorreu apenas pela crise vivida pela agri-
cultura brasileira na década de 90, mas sobretudo pelos processos derivados do
crescimento da luta pela terra. Assim, se verificarmos os dados sobre a condição
do produtor, notaremos uma queda nos estabelecimentos comandados pelos
arrendatários, parceiros e posseiros que responderam por mais de 87% desta que-
da. Tal fato revela que a pressão social exercida pelos movimentos sociais em luta
pela Reforma Agrária tem levado os proprietários a não mais ceder suas terras aos
arrendatários, parceiros ou posseiros. Entretanto, é fato notório que o número
dos estabelecimentos controlados pelos proprietários também caiu 3% entre 1985
e 1995-96, mostrando que mesmo com assentamentos de Reforma Agrária, do
ponto de vista geral, continua o processo de concentração fundiária e de migra-
ção campo cidade no Brasil.
Nos 4,3 milhões de estabelecimentos com área de até 100 hectares, havia
em 1995-96, cerca de 88% do pessoal ocupado de origem familiar, ou seja, o
trabalho assalariado representava apenas os 12% restantes. Uma realidade oposta
e contrastante com a dos estabelecimentos de mais de mil hectares, onde o traba-
lho assalariado representava 81%. No Brasil do século XX, esta combinação es-
trutural marcou o campo brasileiro: nas unidades camponesas, predomínio do
trabalho familiar; nas unidades capitalistas, a presença dominante do trabalho

188 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

assalariado. Ocupando uma superfície de 70,5 milhões de hectares (18% do total


do país) a agricultura camponesa no Brasil vem construindo seu lugar na socieda-
de brasileira. O acesso ao crédito rural tem sido difícil, pois apenas 5% tem acesso
ao mesmo, ficando com apenas 30% do total.
Quanto à tecnologia o quadro não é diferente, pois apenas 10% possuem
trator, 38% utilizaram fertilizantes e 1% tem máquinas colheitadeiras. Entretanto,
o uso de agrotóxicos já chegou a mais de 60% dos estabelecimentos. Mesmo
assim, esses teimosos camponeses
são responsáveis por mais de 50% da ... 18% da área agrícola
produção de batata-inglesa, feijão,
gera quase a metade
fumo, mandioca, tomate, ágave, al-
godão em caroço arbóreo, banana, da riqueza oriunda do campo ...
cacau, café, caju, coco, guaraná, pi-
menta-do-reino, uva e a maioria absoluta dos hortigranjeiros. Produzem tam-
bém, mais de 50% do rebanho suíno, das aves, dos ovos e do leite. Os médios
estabelecimentos (100 a 1000 ha) e os grandes (mais de 1000 ha), ainda que
ocupando 283 milhões de hectares (82% do total), respondem por mais de 50%
apenas no volume da produção de algodão em caroço herbáceo, arroz, cana-de-
açúcar, milho, soja, trigo, chá-da-Índia, laranja, maçã e mamão. A mesma reali-
dade aparece nos dados referentes ao valor da produção agropecuária, pois as
unidades com área de até 100 ha produziram 46,5% do total, ou seja, 18% da área
agrícola gera quase a metade da riqueza oriunda do campo. Enquanto isso, os
estabelecimentos com mais de 1000 ha produziram apenas 21,2% do valor de
produção, embora ocupem 45% da área total.
É em decorrência deste conjunto de razões, que teimosamente os campo-
neses lutam no Brasil em duas frentes: uma para entrar na terra, para se tornarem
camponeses proprietários; e, em outra frente, lutam para permanecer na terra
como produtores de alimentos fundamentais à sociedade brasileira. São, portan-
to, uma classe em luta permanente, pois os diferentes governos não os têm con-
siderado em suas políticas públicas.
Por esse motivo, a luta pela terra desenvolvida pelos camponeses no Brasil
é uma luta específica, moderna, característica particular do século XX. Entendo
que o século passado foi, por excelência, uma época de formação e consolidação
do campesinato brasileiro enquanto classe social.
Assim, esses camponeses não são entraves ao desenvolvimento das forças
produtivas, impedindo o desenvolvimento do capitalismo no campo; ao contrá-
rio, eles praticamente nunca tiveram acesso à terra, sendo pois desterrados, “sem
terra”, que lutam para conseguir o acesso a terra. É no interior destas contradi-
ções que têm surgido os movimentos sociais de luta pela terra, e com ela os
conflitos, a violência.

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 189


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

Uma história de lutas e de violência


Os conflitos sociais no campo brasileiro e sua marca ímpar, a violência, não
são uma exclusividade apenas do século XX. São, marcas constantes do desenvol-
vimento e do processo de ocupação do país. Os povos indígenas foram os pri-
meiros a conhecer este processo. Há mais de 500 anos vêm sendo submetidos a
um verdadeiro etno/genocídio histórico. O território capitalista, no Brasil, tem
sido produto da conquista e destruição dos territórios indígenas. Como já men-
cionado em outro trabalho (5), esta luta entre as nações indígenas e a sociedade
capitalista européia, anteriormente, e de características nacionais versus internacio-
nal, na atualidade, nunca cessou na história do Brasil. Os indígenas, acuados, lu-
taram, fugiram e morreram. Na fuga deixaram uma rota de migração, confrontos
entre povos e novas adaptações. A Amazônia é seguramente seu último reduto.
Mas a sociedade brasileira capitalista, mundializada, insiste na sua capitulação. As
“reservas” indígenas, frações do território capitalista para aprisionar o território
liberto indígena, são demarcadas, porém, e muitas vezes desrespeitadas.
Simultaneamente à luta dos povos indígenas, nasceram as lutas dos escra-
vos negros contra os senhores fazendeiros rentistas. Dessas lutas e das fugas dos
escravos nasceram os quilombos, verdadeiras terras da liberdade e do trabalho de
todos no seio do território capitalista colonial. Muitos quilombolas morreram
em decorrência da verdadeira guerra promovida pelos senhores de escravos. Hoje,
tardiamente, a sociedade brasileira começa a reconhecer os direitos dos remanes-
centes de quilombos à terra.
Os posseiros são outra parcela dos camponeses sem terra, que vêm histori-
camente lutando numa ponta contra a expropriação que os gera e, na outra,
contra os jagunços, “gendarmes de plantão” dos latifundiários especuladores e
grileiros. Muitos foram seus movimentos: Canudos, Contestado, Trombas e
Formoso fazem parte destas muitas histórias das lutas pela terra e pela liberdade
no campo brasileiro. São também, memórias da capacidade de resistência e de
construção social desses expropriados na busca por uma parcela do território e
memórias da capacidade destruidora do capital, dos capitalistas e de seus gover-
nos repressores.
Nos anos 50 e 60 do século XX as ligas camponesas sacudiram o campo
nordestino e ganharam projeção nacional, mas muitas de suas lideranças foram
assassinadas. A Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) foi cria-
da e o governo de João Goulart iniciou um processo de Reforma Agrária, crian-
do a SUPRA. Entretanto, a violência do golpe militar de 64 sufocou o anseio de
liberdade do morador sujeito dos latifúndios armados do Nordeste brasileiro e
de muitos camponeses sem terra que a crise do café e o inicio da industrialização
estavam gerando. Os militares extinguiram a SUPRA e criaram o Instituto Brasi-
leiro da Reforma Agrária (IBRA), mas Reforma Agrária, nunca fizeram, mesmo
depois de promulgarem o Estatuto da Terra, em novembro de 1964.

190 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

Dessa forma, violência tem sido a principal característica da luta pela terra
no Brasil. Os dados expressos no gráfico 1 sobre o número de mortos em confli-
tos no campo, mostram que essa violência parece não ter fim. No período entre
1964 e 1971, a maior parte das mortes ocorreram na região Nordeste (6), na
intenção dos latifundiários de frear, pela violência, os ideais semeados pelas Ligas
Camponesas. A partir de 1972 foi na Amazônia (7) que se concentrou o maior
número de assassinatos no campo, embora continuassem presentes também no
Nordeste e no Centro-Sudeste (8). A década de 70 foi marcada sobretudo pela
luta dos posseiros na Amazônia. O governo militar com sua política territorial
voltada para os incentivos fiscais aos empresários, de um lado, e de outro fomen-
tando, também na Amazônia, a colonização como alternativa à Reforma Agrária
nas regiões de ocupação antiga (NE, SE e S), criou o cenário para a violência. Os
empresários, para ter acesso aos incentivos fiscais, tinham de implantar seus projetos
agropecuários na região, que estava ocupada pelos povos indígenas e, em deter-
minadas áreas, pelos posseiros. Muitos foram os conflitos violentos. Os povos in-
dígenas foram submetidos ou ao genocídio ou ao etnocídio. Aos posseiros não
restou melhor sorte: ou eram empurrados para novas áreas na fronteira que se
expandia, ou eram expulsos de suas posses e migravam para as cidades que nas-
ciam na região.

Gráfico 1
Brasil - Mortos em conflitos no campo 1964-2000
Fonte: CPT Org.: Oliveira, A.U.

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 191


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

Os estados que receberam projetos de colonização pública foram Pará,


Rondônia, Acre, Roraima e, em parte, Mato Grosso, que se caracterizou pela
presença da colonização privada. Dessa forma, índios, posseiros, colonos e grileiros
passaram a constituir personagens dos conflitos. Em defesa dos índios nasceu o
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e na dos posseiros e dos colonos, a
Comissão Pastoral da Terra (CPT). A violência, que se voltava indistintamente
contra os posseiros, colonos e índios, passou a atingir também seus defensores:
padres, agentes pastorais, advogados e lideranças sindicais ou não.
Chama especial atenção o crescimento da violência nos anos 80, decorren-
te do aumento da pressão social feita pelos camponeses em sua luta pela terra. A
chamada modernização da agricultura estava gerando seu oposto. Como contra-
dição da modernização conservadora aumentava a luta pela terra por parte dos
camponeses. A sociedade civil movia-se na direção da abertura política. Anistia,
diretas já, formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Partido dos
Trabalhadores (PT) e demais partidos de esquerda abriam frentes de apoio à luta
travada pelos camponeses sem terra. A Conferência Nacional do Bispos Brasilei-
ros (CNBB) colocou a questão da terra no centro da Campanha da Fraternidade
de 1980: Terra de Deus, terra de irmãos. Um documento sobre a terra foi produ-
zido para subsidiar a discussão nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Fo-
mentava-se nas periferias pobres das cidades brasileiras a discussão sobre a situa-
ção de pobreza que a maioria da população estava vivendo. Nas CEBs e na CPT
foi se formando um conjunto de lideranças comunitárias que começaram a dis-
cutir seu futuro e suas utopias. A conquista da terra foi uma delas. Assim, com o
aumento da pressão social, também cresceu a violência dos latifundiários, naque-
le momento praticada como recurso extremo para reter a propriedade privada
capitalista da terra.
O Estatuto da Terra, tornado lei pelo regime militar, era lei morta. A colo-
nização na Amazônia aparecia como autêntica contra-reforma; como escreveu
Octavio Ianni, após 20 anos, os militares não permitiram sequer que do Estatuto
saísse um plano nacional de Reforma Agrária. Foi a “Nova República” que se
incumbiu dessa missão histórica, sem entretanto obter o apoio de sua base aliada
no PMDB, no PFL, e dos latifundiários, enfim, esqueceu-se que para o Estatuto
se tornar Plano havia de ser superado o fosso controlado pelos especuladores
rentistas. Aliás, mais que isto, o fosso estava controlado pela aliança entre os
setores nacionais do capital mundializado e, agora, territorializados.
A estatística dos mortos nas batalhas pela terra foi crescendo, dobrando,
triplicando, quadruplicando. Nascia a UDR – União Democrática Ruralista, en-
tidade que aglutinava os latifundiários na defesa de suas propriedades e na forma-
ção de um fundo para eleger congressistas constituintes para defenderem seus
interesses na Constituição. Ganharam, e fizeram do capítulo da Reforma Agrária
um texto legal de menor expressão que o próprio Estatuto da Terra. O mapa 1

192 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

traz dados sobre as vítimas fatais de conflitos ocorridos no campo entre 1985-
1996 (9), revelando a concentração territorial da violência no campo, particular-
mente na região do “Bico do Papagaio”nas divisas de Pará, Maranhão e Tocantins,
e também, na Zona da Mata nordestina.

Mapa 1
Brasil - Vítimas fatais de conflitos ocorridos no campo 1985-1996
Fonte: Comissão Pastoral da Terra - CPT

Entretanto, se a violência gera a morte, gera também as formas de luta


contra a morte. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é
produto dessa contradição. Como afirmei em meu livro A geografia das lutas no
campo, a negação à expropriação não é mais exclusividade do retirante posseiro
distante. Agora ela é pensada, articulada, executada a partir da cidade, com a
presença dos retirantes a quem a cidade/sociedade insiste em negar o direito à
cidadania. Direito agora construído e conquistado na luta pela recaptura do es-
paço/tempo, perdidos na trajetória histórica da expropriação.

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 193


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Acampamentos e assentamentos são novas formas de luta de quem já lutou


ou de quem resolveu lutar pelo direito à terra livre e ao trabalho liberto. A terra
que vai permitir aos trabalhadores – donos do tempo que o capital roubou e
construtores do território comunitário e/ou coletivo que o espaço do capital
não conseguiu reter à bala ou por pressão – reporem-se/reproduzirem-se no
seio do território da reprodução geral capitalista. Nos acampamentos, campone-
ses, peões e bóia-frias encontram na necessidade e na luta, a soldagem política de
uma aliança histórica. Mais do que isso, a transformação da ação organizada das
novas lideranças abre novas perspectivas para os trabalhadores. Greves rurais na
cidade para buscar conquistas sociais no campo são componentes ainda localiza-
dos no campo brasileiro, sinal inequívoco de que estes trabalhadores, apesar de
tudo, ainda lutam.
Este momento vivido pelo desenvolvimento capitalista no Brasil é funda-
mental para o campo, pois as bases para a sua industrialização estão lançadas. E o
que todos assistem é o capital atuando como rolo compressor, esmagando tudo
no rumo da acumulação e de sua reprodução ampliada. É na lógica contraditória
deste rumo que se deve entender os conflitos sociais e a luta pela terra no Brasil.
A ocupação recente da Amazônia é, pois, síntese e antítese desse processo violen-
to. Se a abertura da posse pelo posseiro deriva da negação consciente à proletari-
zação, a colonização tem sido a válvula de escape das pressões que a concentra-
ção e o remembramento da terra traz consigo, mas a realidade da floresta ama-
zônica e a falta de políticas públicas de fixação do homem à terra geram o retor-
no. Os colonos retornados foram estudados por José Vicente Tavares dos San-
tos. A pressão que o capital exerce em um lugar, não é a mesma em outros
lugares, liberando parcialmente parcelas do território destas ações. Desta pressão
e contrapressão, nasceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um
movimento camponês que faz a travessia do terceiro milênio.

“Quem sabe faz a hora não espera acontecer” (10)


Está é a razão principal quanto à necessidade urgente de se compreender a
luta camponesa pela terra, no interior da qual, é inegável que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra ocupa lugar de destaque. O MST, como o mo-
vimento social rural mais organizado neste final de século, representa, no con-
junto da história recente deste país, mais um passo na Longa Marcha dos campo-
neses brasileiros em sua luta cotidiana pela terra. Essa luta camponesa revela a
todos os interessados na questão agrária um lado novo e moderno. Não se está
diante de um processo de luta para não deixar a terra, mas diante de um processo
de luta para entrar na terra. Terra que tem sido mantida improdutiva e apropria-
da privadamente para servir de reserva de valor e/ou reserva patrimonial às clas-
ses dominantes. Trata-se, pois, de uma luta de expropriados que, na maioria das
vezes, experimentaram a proletarização urbana ou rural, mas resolveram cons-

194 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

truir o futuro baseado na negação do presente. Não se trata, portanto, de uma


luta que apenas revela uma nova opção de vida para esta parcela pobre da socie-
dade brasileira, mas, muito mais, revela uma estratégia de luta acreditando ser
possível, hoje, a construção de uma nova sociedade. Uma nova sociedade dotada
de justiça, dignidade e cidadania.
Assim, essa luta contraditória não excluiu nem mesmo o interior do estado
de São Paulo, onde o desenvolvimento do capitalismo fincou sua mais espetacular
expansão nas últimas décadas. Por isso mesmo é que parte dos trabalhadores
proletarizados do campo e da cidade passaram a negar tal condição. E como
produto desta negação, organizaram-se para lutar por um pedaço de terra, para
poder reconquistar a perdida autonomia do trabalho, reconquistada, agora, nas
experiências coletivas ensaiadas pelos campos conquistados na luta.
As transformações profundas pelas quais a agricultura brasileira passou no
século XX revelam suas contradições, presentes no interior da estrutura agrária, e
sua componente contemporânea: a luta pela Reforma Agrária. Mais do que isso,
revela a relação orgânica entre a luta pela terra e a conquista da democracia por
esses excluídos. Conquista da democracia que se consuma na conquista da terra,
na conquista de sua identidade camponesa, enfim, na conquista da cidadania.
Como já mencionei em MST: terra, sobrevivência e inclusão social (11), é
no interior destes processos de luta pela terra que nasceu o MST. Mas, é impor-
tante frisar que o MST não foi o único movimento social na história do Brasil, e
ele não é, na atualidade, o único no campo brasileiro, ressaltando-se que há nele
– no campo brasileiro – um grande número de movimentos de luta. Bastaria
lembrar, a luta dos povos indígenas pela demarcação de seus territórios; a luta
pela terra de trabalho realizada pelos posseiros ocorrendo em vários pontos do
país; a luta dos peões contra a peonagem (“escravidão branca”). Este processo
ocorre na Amazônia, sobretudo nas grandes fazendas, mas também nas áreas de
reflorestamento do Centro-Sudeste brasileiro. Há ainda a luta dos camponeses
contra as desapropriações de terra para a execução das grandes obras do Estado.
Destaca-se que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) nasceu exa-
tamente deste processo de luta dos camponeses contra essas desapropriações e,
particularmente, contra o valor irrisório para a sua remuneração. Há o movimen-
to dos camponeses contra a subordinação praticada pela indústria no setor avícola;
dos produtores de fumo, que se unem e se rebelam contra esta subordinação, a
qual os torna reféns destas indústrias que adquirem suas matérias-primas; os
movimentos dos brasiguaios e dos brasilianos, ressaltando-se que mais de 250
mil brasileiros estão no Paraguai e mais de 40 mil na Bolívia. Parte destes brasilei-
ros – os brasiguaios sobretudo – alinham-se e articulam-se com o MST no Mato
Grosso do Sul e já há, inclusive, acampamentos e assentamentos produtos desta
articulação. Destaca-se também o movimento dos bóias-frias, que praticaram no
interior do estado de São Paulo greves e lutas por melhores condições de traba-

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 195


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

lho; ainda, a recente filiação da Contag à CUT e a realização, por estes setores,
do Movimento Grito da Terra Brasil, além de os seringueiros na Amazônia e as
suas lutas pelas demarcações das reservas extrativistas.
O MST é parte desta luta do campesinato brasileiro, mas, sem dúvida algu-
ma, o principal desses movimentos, por ter uma organização mais sólida, de
caráter nacional. É aquele que está soldando a possibilidade de vitória da luta
destes diferentes setores que formam o heterogêneo campesinato brasileiro. O
MST, por isso mesmo, é um movimento social jovem, que nasceu no início dos
anos 80 e tem como binômio de ação a lógica acampamento-assentamento. Quem
quiser conhecer e entender o MST terá de entender este processo de luta calcado
nos acampamentos, portanto, nas ocupações e na luta nos assentamentos. Assim,
o MST é um movimento que articula simultaneamente a espacialização da luta,
combinando-a contraditoriamente com a territorialização deste próprio movi-
mento nos assentamentos. Possui e dá importância à sua estrutura organizativa
democrática, de base, efetivamente de massa. Estrutura organizativa que respeita
as diferenças desses movimentos em várias partes do país, e que tem um coletivo
nacional representante das diferentes regiões onde o movimento atua. É um mo-
vimento diferenciado, pois respeita as decisões tomadas coletivamente. É um dos
poucos lugares deste país onde a discordância se dá na discussão de uma determi-
nada concepção ou na tomada de uma decisão. Mas, uma vez vencida uma pro-
posta, ela é abraçada por todos e levada à prática por todos. Esta prática, infeliz-
mente, não ocorre nos partidos políticos, não ocorre em setores do movimento
sindical.
O MST, com esta componente nova em sua organização, nasce como um
movimento de massa, de contestação contra o não-cumprimento pelo Estado da
lei da Reforma Agrária. Um dos caminhos para entendê-lo é a análise de suas
palavras de ordem. Quando ocorreu a formação do MST, na década de 80, o
lema era Terra para quem nela trabalha (1979-83). Quando começou a enfren-
tar resistência ao acesso à terra, um novo lema surgiu: Terra não se ganha, terra se
conquista (1984). Ao se fortalecer e avançar, sobretudo durante o governo Sarney,
percebendo que o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária não estava sen-
do implementado, os lemas passaram a ser: Sem Reforma Agrária não há demo-
cracia (1985) e Reforma Agrária já (1985-86). Com o aumento da violência,
que não atingiu apenas os trabalhadores, mas lideranças, advogados, políticos,
religiosos etc., o MST mudou suas palavras de ordem: Ocupação é a única solução
(1986), Enquanto o latifúndio quer guerra, nós queremos terra (1986-87) e, por
ocasião da Constituinte, Reforma Agrária: na lei ou na marra (1988) e Ocupar,
Resistir, Produzir (1989), depois que os assentamentos começaram a ser con-
quistados. Este processo mostra que politicamente o movimento não só se consoli-
dava, não só se articulava em nível nacional, mas mudava também qualitativa-
mente do ponto de vista político.

196 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

Na década de 90, durante o governo Collor, o MST mudou suas estraté-


gias políticas de luta e as palavras de ordem passaram a ser: Reforma Agrária: essa
luta é nossa (1990-91) e MST, agora é prá valer (1992-93). Com a eleição de
Fernando Henrique Cardoso surgiu o lema: Reforma Agrária: uma luta de to-
dos! (1995). A mudança nas palavras de ordem representam a mudança da estra-
tégia política do Movimento. Reforma Agrária: uma luta de todos!, particular-
mente, tem um significado político importante. Tem a consciência de que é ne-
cessário o envolvimento do movimento articulado com a sociedade como um
todo. Este foi um período, como ver-se-á ainda neste texto, de crescimento e
aceitação do movimento no conjunto da sociedade brasileira. No ano 2000 o
lema passou a ser Reforma Agrária: por um Brasil sem latifúndio, numa clara
alusão à necessidade histórica do fim das terras improdutivas e o cumprimento
ao legado constitucional de que a terra tem de cumprir sua função social.

Os conflitos e as ocupações de terra


A análise da realidade agrária brasileira do final do século XX mostra, de
forma cabal, a presença dos conflitos de terra. Se por um lado a modernização
conservadora ampliou suas áreas de ação, igual e contraditoriamente os movi-
mentos sociais aumentaram a pressão social sobre o Estado na luta de terra. O
gráfico 2, referente a evolução do número de conflitos no campo brasileiro entre
1985 e 1999, indica três períodos distintos. O primeiro representado pelo segun-
do qüinqüênio da década de 80, mostra um pico em 1988 quando os conflitos
estavam generalizados por todas as regiões brasileiras. O final deste qüinqüênio
indica um redução das ações dos movimentos, talvez motivada pela possibilidade
histórica não-realizada da vitória de Lula e do PT nas primeiras eleições presiden-
ciais livres pós governos militares. O segundo período coincide com o primeiro
qüinqüênio da década de 90, quando o número de conflitos ficou reduzido à
metade do período anterior, revelando mudança nas estratégias de lutas e a ne-
cessidade do re-acúmulo de forças. Manteve-se o número de conflitos na Ama-
zônia, e começaram a crescer, em termos relativos, os conflitos nas três outras
regiões: Nordeste, Centro-Sudeste e Sul. O terceiro período, refere-se ao segun-
do qüinqüênio da década de 90, coincidindo com o governo Fernando Henrique
Cardoso, quando apresentou novo crescimento dos conflitos, alcançando um
patamar superior àquele da década de 80. O ano de 1998 registrou mais de mil
conflitos espalhados por todo o país. Apresentou também, aumento na ocorrên-
cia de conflitos nas regiões de ocupação tradicional: Nordeste e Centro-Sudeste.
Alguns estados apareceram como concentradores destes conflitos, como o caso do
Paraná na região Sul; Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul, no
Centro-Sudeste; Pernambuco, no Nordeste; Pará e Mato Grosso, na Amazônia.
Entretanto, a resposta do governo Fernando Henrique ao incremento dos
conflitos foi o aumento da repressão policial. Este governo entra para a História

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 197


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

marcado por um tipo de violência que não ocorrera ainda de forma explícita no
Brasil: quem passou a matar os camponeses em luta pela terra foram as forças
policiais dos estados. Os massacres de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás são
exemplos ocorridos no governo FHC. Ambos os massacres representam a posi-
ção das elites latifundiárias brasileiras em não ceder um milímetro sequer em
relação à questão da terra e da Reforma Agrária. O apoio dos ruralistas à base de
sustentação política do governo FHC tem tido como contrapartida duas práticas
governamentais: a primeira, posição repressiva aos movimentos sociais; a segun-
da, no plano econômico, prorrogação – não se sabe até quando – das dívidas
destes latifundiários, que não as saldam.

Gráfico 2
Brasil - Conflitos no campo 1985-1999
(Número total)
Fonte: CPT Org.: Oliveira, A.U.

Não há dúvida de que a estratégia da ocupação de terras tornou-se a práti-


ca típica das ações dos movimentos sociais em luta pela terra. A análise do gráfico
3, relativo ao número total das ocupações de terra pelos movimentos sociais,
aponta o segundo qüinqüênio da década de 90, ou seja, o período do governo
FHC, como marcado por ocupações de terras, particularmente em duas regiões:
o Nordeste e o Centro-Sudeste. O mapa referente à Geografia das Ocupações,
apresentado neste número da revista, mostra igualmente que estas ocupações
estão concentradas em áreas dos estados do Pará (Sudeste), Pernambuco (Zona
da Mata), Mato Grosso do Sul (Sul do estado), São Paulo (Oeste), Paraná e Rio
Grande do Sul.

198 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

Gráfico 3
Brasil - Ocupações de terra 1987-2000
(Número total e Participação regional)

Fonte: CPT Org.: Oliveira, A.U.

O Estado brasileiro e a Reforma Agrária até 1994


Como já referido neste texto e em outro trabalho (12), a terra, na socieda-
de brasileira, é uma mercadoria toda especial. Muito mais do que reserva de
valor, é reserva patrimonial. A retenção da terra não é feita com fins de colocá-la
para produzir, motivo pelo qual a maioria das terras deste país mantém-se impro-
dutiva. Mais do que isso, esta terra improdutiva é retida com a finalidade de
constituir instrumento a partir do qual se vai ter acesso por parte, evidentemente,
das elites às políticas do Estado. Assim, as elites não têm permitido que o Estado
implemente qualquer política de Reforma Agrária no Brasil. Analisando-se as
políticas do Estado brasileiro e as possibilidades e/ou tentativas de Reforma
Agrária, encontra-se um quadro bastante interessante. Tomando-se a década de
60 como recorte histórico, verifica-se que naquela época o campo estava sacudi-
do pelas Ligas Camponesas. O governo João Goulart, pressionado politicamen-
te, criou a SUPRA, iniciou um processo de Reforma Agrária, um dos motivos de
ter sido derrubado em abril de 64. O governo Castelo Branco – e seu ministro do
Planejamento, Roberto Campos – sancionou o Estatuto de Terra, o instrumento
legal da Reforma Agrária no Brasil. Roberto Campos informou previamente os

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 199


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

deputados de que iriam aprovar o Estatuto da Terra, de que ele seria aprovado,
porém não implantado. Passado o período do governo militar, pode-se verificar
que, de fato, ele não foi implantado. Coube a José Sarney elaborar o 1º Plano Na-
cional de Reforma Agrária, previsto no Estatuto da Terra aprovado pelos militares.
Como a pressão social vinha aumentando desde o final dos anos 70 e início
dos 80, o governo da Nova República aceitou a elaboração do 1º PNRA. Duran-
te a visita que Tancredo Neves fez ao Vaticano, inclusive, a única coisa que o
Papa lhe pediu foi a realização da Reforma Agrária. Por esse motivo, Nelson
Ribeiro, ligado à Igreja, foi o primeiro ministro da Reforma Agrária.
O 1º PNRA, anunciado em um congresso de trabalhadores rurais, deu
início à movimentação contrária dos setores ruralistas que faziam parte do gover-
no da Nova República visando a impedir sua implantação. A violência no campo
cresceu brutalmente, com a rea-
ção latifundiária emergindo li- ... foi criada a UDR,
derada por Ronaldo Caiado.
Para proceder a leilões de gado que praticamente “militarizou”
foi criada a UDR, que pratica- os latifundiários ...
mente “militarizou” os latifun-
diários visando frear a implantação do plano. Como conseqüência, houve uma
sucessão de ministros no Ministério da Reforma Agrária, que culminou com a
morte de Marcos Freire, e de toda a alta cúpula do Incra, no episódio do Aero-
porto de Carajás no Sudeste do Pará, quando o avião em que estavam caiu.
Jader Barbalho, então governador do Pará – estado que tem o maior nú-
mero de assassinatos no campo neste país, a maioria absoluta, impune – assumiu
o MIRAD e, ato contínuo, extinguiu o Incra. A seguir instituiu o INTER, extin-
guindo o MIRAD e o INTER, recriando o Incra. Ou seja, desarticulou a organi-
zação mínima que havia sido montada para a implantação do Plano. No final do
governo Sarney, os resultados do 1º PRNA foram os seguintes: apenas 8% das
terras previstas foram desapropriadas, e 10% das famílias assentadas. Assim, o
sonho de 1,4 milhões de famílias assentadas, que havia sido anunciado em 1985,
ficou reduzido a pouco mais de 140 mil.
No governo Collor, a UDR praticamente assumiu o controle da Reforma
Agrária no Brasil. O ministro Antonio Cabrera Mano assumiu o Ministério da
Agricultura e promoveu o abandono completo da Reforma Agrária. A queda de
Collor e a ascensão de Itamar Franco praticamente nada mudou, pois ele era vice
de Collor. Até 1994, o resultado da ação do Estado referente aos assentamentos
rurais foi: de 1927 a 1963 foram assentadas em projetos de colonização no Brasil,
oficialmente, 53 mil famílias; de 1964 a 1984, entre colonização e assentamen-
tos, 162 mil famílias; de 1985 a 1994, foram assentadas 140 mil famílias. Estes
dados permitem afirmar que a partir das políticas do Estado brasileiro nunca se
implantou um política de acesso à terra aos camponeses.

200 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

O governo FHC e a Reforma Agrária


Comparando-se o governo de Fernando Henrique Cardoso com os anterio-
res (Sarney, e Collor/Itamar) verifica-se, pelos dados divulgados pelo Incra, que
em seis anos foram assentadas 373.210 famílias em 3.505 assentamentos rurais.
Entre estes assentamentos incluem-se as regularizações fundiárias (as posses), os
remanescentes de quilombos, os assentamentos extrativistas, os projetos Casulo
e Cédula Rural, e os projetos de Reforma Agrária. A pressão feita pelos movi-
mentos sociais com a ampliação das ocupações pressionou o governo FHC a
ampliar os assentamentos. Tal fato mostra que a Reforma Agrária, antes de ser
uma política propositiva do governo é a necessidade de resposta à pressão social.
No gráfico 4 é mostrada a participação substantiva do governo FHC em implan-
tar assentamentos rurais. Mas, o que chama a atenção no gráfico é a participação
expressiva da região amazônica no conjunto dos assentamentos: 223.368 famílias
ou quase 60% do total. Se observarmos o número de ocupações de terra naquela
região, ele representa pouco mais de 10% do total. Enquanto isso, a maior parte
dos acampados das regiões tradicionais continuam aguardando a Reforma Agrá-
ria chegar. Atualmente são estimados em cerca de 100 mil acampados.
Analisando-se o gráfico 5, referente aos assentamentos ano a ano entre 1995
e 2000, verifica-se que há um crescimento no número de famílias assentadas até
1998, quando se chegou a pouco mais de 83 mil, com redução significativa em
1999 (assentou-se pouco mais de 57 mil famílias) e 2000 (com o assentamento
de apenas 39 mil famílias. Há, portanto, segundo os dados do Incra até 2000,
uma política declarada de redução dos assentamentos pelo governo FHC.
Analisando-se os dados gerais referentes aos assentamentos de Reforma
Agrária divulgados pelo Incra (tabela 1), constata-se que o total chegou a 490
mil famílias, assim distribuídas: 62% na região amazônica, 22% no Nordeste, 10%
no Centro-Sudeste e 6% na região Sul.
Dessa forma, a política de Reforma Agrária do governo FHC vem passan-
do por momentos históricos e estratégias diferenciadas. Enquanto a política do
MST era a de colocar a nu a terra improdutiva e a grilagem de terra pelos latifun-
diários, a resposta foi a violência policial ou a criminalizacão das lideranças. São
os casos do Pontal do Paranapanema, no estado de São Paulo, do massacre de
Corumbiara, em Rondônia e Eldorado do Carajás, no Pará.
No Pontal, desde 1957, o Estado sabe que os fazendeiros estão ocupando
ilegalmente aquelas terras. Ou seja, mais de um milhão de hectares de terras de-
veriam voltar ao controle do Estado, e isto só vem ocorrendo lentamente. Dessa
forma, está-se vivendo uma situação toda peculiar, porque o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra está no caso do Pontal (SP), em Corumbiara
(RO) e em Eldorado do Carajás (PA), fazendo emergir uma nova componente
política na luta pela terra, que é a denúncia da grilagem pelos latifundiários. Em

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 201


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

Corumbiara foi assim: as terras do fazendeiro que se dizia proprietário já deveria


ter sido retomada pelo Estado porque ele não cumpriu o que a Lei, que permitiu
o acesso àquela terra, instituía. Em Eldorado do Carajás ocorreu o mesmo: o
fazendeiro que se dizia proprietário da fazenda Macaxeira, na realidade tinha
uma autorização para explorar castanha, mas não o título de propriedade da
terra. Assim, o MST traz à tona esta nova discussão, e é evidente que neste mo-
mento questiona na raiz o pacto das elites sobre a terra e, particularmente, a sua
base jurídica. Como contraponto, o Estado busca a criminalização das lideranças
do MST. Esta é, pois, uma primeira estratégia política do governo FHC para
fazer frente aos movimentos sociais.

Gráfico 4
Brasil - Assentamentos rurais 1985 a 2000
(Número de famílias)
Fonte: CPT Org.: Oliveira, A.U.

A segunda estratégia são as mudanças legais que vêm sendo realizadas pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário. Primeiro fez-se a securitização das dívi-
das dos ruralistas, depois criou-se o ITR progressivo, mas até hoje nada se sabe
sobre sua implantação. Posteriormente criou-se o Projeto Cédula da Terra e o
Banco da Terra visando a implantar uma autêntica reforma agrária de mercado,
como gostam de afirmar as lideranças dos movimentos sociais. Por fim, mais
duas medidas coercitivas: a MP 2109, que proíbe a vistoria por dois anos em
imóveis ocupados (155 imóveis estão nessa condição) e a Portaria MDA nº 62 de

202 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

27/3/2001, que exclui os assentados da Reforma Agrária devido “a atos de inva-


são ou esbulho de imóveis rurais”. A última medida foi a inscrição para assenta-
mentos da Reforma Agrária pelo correio, veiculada com propaganda televisiva e
impressa afirmando que a “porteira está aberta para a Reforma Agrária, é só
entrar e inscrever-se”.

Gráfico 5
Brasil - Assentamentos rurais 1995 a 2000
(Número de famílias)
Fonte: CPT Org.: Oliveira, A.U.

Outra estratégia política para fazer frente à pressão social por assentamen-
tos está no estímulo à criação de novos movimentos sociais que não adotam a
tática da ocupação como estratégia de luta. Adotam, estes novos movimentos, a
tática exclusiva da chamada negociação. Várias centrais sindicais simpáticas ao
governo FHC estão envolvidas nestas ações de criação de novos movimentos
sociais, visando a enfraquecer a base social do MST.
Uma quarta estratégia que vem sendo colocada em prática pelo MDA é a
realização de reuniões e seminários com intelectuais que estudam a questão agrá-
ria, para auxiliarem na elaboração de políticas e ações de governo e, principal-
mente, para formarem uma espécie de frente de ação intelectual de crítica aos
movimentos e seus intelectuais orgânicos. O MDA criou, inclusive, o Núcleo de
Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), para alimentar estudos e
ações voltados para a chamada agricultura familiar.

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 203


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

Entretanto, a quinta ação é aquela que tem sido marcada por lances espeta-
culares, de acordo com a chamada sociedade do espetáculo. A ação, na mídia,
vem mobilizando o governo, os movimentos e a opinião pública. Reportagens
procurando impingir caráter satânico às lideranças do MST, contra-propaganda
organizada a partir de grandes órgãos de imprensa, denúncias nunca provadas,
formação de equipes de jornalistas, realização de pesquisas de opinião pública
sobre o MST, produção de material virtual via internet etc. Estas ações geram na
midia um conjunto significativo de notícias que objetivam principalmente des-
montar a imagem de apoio que a população tinha formado sobre o MST e a
Reforma Agrária após a Marcha à Brasília. Certamente, deve-se a esta ação o fato
de a midia nada ter noticiado sobre a queda expressiva, desde 1998, do número
de famílias assentadas. Embora a Confederação Nacional das Associações dos
Servidores do Incra (CNASI), tenha divulgado, no início do mês de agosto, da-
dos provando a redução (13).

Tabela 1
Brasil - Projetos de Reforma Agrária até 2000

Número de Capac.
Região/ UF Projetos Famílias Área (ha)

AC 58 11.369 783.325
AM 30 16.471 1.391.348
AP 27 8.918 1.353.607
PA 382 100.035 5.649.999
RO 81 21.327 981.743
RR 29 13.723 958.185
TO 183 15.885 698.652
MA 428 62.593 1.984.228
MT 273 56.436 3.630.310
Amazônia 1.491 306.757 17.431.396
AL 40 4.223 31.336
BA 308 30.773 997.393
CE 467 22.218 768.658
PB 146 9.309 158.978
PE 186 11.770 158.418
PI 134 12.898 498.820
RN 190 13.821 344.525
SE 72 4.543 67.171
Nordeste 1.543 109.555 3.025.299
ES 34 2.396 23.120
MG 196 12.625 508.539
RJ 18 2.493 31.231
SP 134 8.931 204.882
GO 174 13.457 524.705
MS 80 11.257 306.353
Centro/Sudeste 636 51.159 1.598.831
PR 246 12.467 264.041
RS 127 5.746 133.144
SC 266 4.654 75.835
Sul 639 22.867 473.020
Brasil 4.309 490.338 22.528.546
Fonte: Incra Org.: Oliveira A.U.

204 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


A LONGA M ARCHA DO CAMPESINATO BRASILEIRO : M OVIMENTOS S OCIAIS, CONFLITOS E REFORMA AGRÁRIA

O futuro ... no novo século XXI


A história da questão agrária no Brasil revela, na atualidade, que o MST é a
face moderna do Brasil, a parte deste país que está em luta. Por mais estranho e
extemporâneo que muitos possam achar, o movimento da cidade para o campo
contradiz o movimento geral da marcha do campo para a cidade, mas é também
um movimento que busca a construção de uma nova sociedade. Nos assenta-
mentos procura-se implantar a produção coletiva e/ou comunitária, ou mesmo
individual. Os problemas são muitos e vão desde os entraves para acesso ao cré-
dito, ao mandonismo burocrático, à imposição stalinista e à não-compreensão
do ideário camponês da produção em terra própria e da liberdade do trabalho.
Mas, são esses sem terra, agora no seio do Movimento dos Sem Terra, que mar-
cham pelas estradas e pelas cidades deste país, ocupando locais e prédios públicos.
O MST é praticamente, neste ano 2001, a única força social de oposição ao go-
verno Fernando Henrique Cardoso, por isso a campanha para tentar destruí-lo.
Mas, mesmo assim, a história tem sido implacável com aqueles que tentam
ignorá-la. No Brasil, é quase consenso que qualquer alternativa de remoção da
exclusão social no país passa pela Reforma Agrária. Ela tem, portanto, um objetivo
social, ou seja, é o caminho para retirar da marginalidade social, no mínimo, uma
parte dos pobres. Mas, a Reforma Agrária é também econômica, porque certa-
mente levará a aumento da oferta de produtos agrícolas destas pequenas unida-
des ao mercado. A Reforma Agrária, porém, tem que ser também política. Tem
que ser instrumento mediante o qual esta parcela da população conquiste a sua
cidadania.
Sempre ouvi, nos acampamentos de Sem-Terra, os camponeses acampados
dizendo frases como eu prefiro morrer lutando por um pedaço de terra, morrer
dignamente, do que morrer como indigente nas periferias da cidade. Portanto, a
chegada à cidadania de grande parte destes pobres passa pela Reforma Agrária.
Mas, passa também por uma proposta de Reforma Agrária que tem de ser assu-
mida como proposta de transformação desta sociedade, em busca de justiça, dig-
nidade e solidariedade.
Por esse motivo, os camponeses sem terra estão re-ensinando os ideais de
nação, de pátria e de patriotismo neste início de século XXI, repletos de visões
globalizadas de um mundo em que a cidadania é conquista de poucos. Assim,
fico com os versos de um camponês sem terra para concluir este texto.

É por amor a esta Pátria-Brasil


Que a gente segue em fileira.

Ordem e Progresso, Zé Pinto (14)

ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001 205


A R I O VA L D O U M B E L I N O DE OLIVEIRA

Notas

1 Sem-Terra, Zé Ramalho, CD Eu sou todo nós, Rio de Janeiro, EMI, 1998.


2 J.S. Martins, em suas obras O cativeiro da terra e o Poder do atraso, ambas editadas em
São Paulo, pela Hucitec, desenvolve esta concepção que tomo como referência.
3 Órgão ligado diretamente ao Conselho de Segurança Nacional.
4 Atlas fundiário brasileiro, Brasília, Incra, 1996.
5 A.U. Oliveira, A geografia das lutas no campo, 10 ed., São Paulo, Contexto, 2001.
6 A região Nordeste aqui considerada não inclui o Maranhão em decorrência de sua
inclusão na Amazônia. Trata-se da necessidade de uma nova discussão sobre a divisão
regional do Brasil.
7 A Amazônia, neste trabalho, congrega os estados que compõem a Amazônia Legal,
ou seja, todos os estados da região Norte mais o Maranhão e o Mato Grosso.
8 A região Centro-Sudeste é formada pelos estados da região Sudeste mais Mato Gros-
so do Sul, Goiás e Distrito Federal. Não trabalho, portanto, com a região Centro-
Oeste, em decorrência de sua quase impossível caracterização geográfica. A região Sul
segue com os seus três estados tradicionais.
9 David M.A. Albuquerque, P. Waniez & V. Brustlein, Atlas dos beneficiários da Refor-
ma Agrária, IEA-USP, Estudos Avançados 31, v. 11, p. 62, set./dez. 1997.
10 Verso de Geraldo Vandré na música Caminhando ou Para não dizer que não falei de
flores.
11 MST: terra, sobrevivência e inclusão social, em Milton Santos, Cidadania e globalização,
São Paulo, Saraiva, 2000.
12 Reforma agrária e cidadania, em Milton Santos, Cidadania e globalização, cit.
13 Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ano XIX, n. 213, p. 14, ago. 2001.
14 Ordem e progresso, Zé Pinto, CD Arte em movimento – MST, São Paulo.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira é professor titular do Departamento de Geografia da


FFLCH-USP.

206 ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001


Introdução à
Pedagogia
Prof: Luciani Wolf
E-mail: luciani.wolf@yahoo.com.br
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Pedagogia – DEPED/G
Pedagogia do Campo

Curso: 590 – LICENCIATURA EM Campus: Santa Cruz


PEDAGOGIA: docência na Educação Infantil e
anos iniciais do Ensino Fundamental no
contexto do Campo
Ano: 2020 Série: 1 CH: 68 CH TU: 60 CH TC: 08
Código e Disciplina: Introdução à Pedagogia
Professora: Luciani Wolf

Turno: Integral Oferta: ( ) Anual ( )Semestral


Modalidade: ( X ) presencial em regime de alternância ( ) distância* ( X ) parcialmente a distância*
/ Carga Horária a Distância: 68

EMENTA

Estudo sobre a natureza epistemológica da Pedagogia. Análise do histórico e da organização do


curso de Pedagogia. Exame das diretrizes curriculares do curso de Pedagogia. Organização do
Trabalho Pedagógico nos níveis e modalidades da Educação Básica. Formação do Pedagogo e
suas possibilidades de atuação profissional.

OBJETIVOS

- Identificar a natureza epistemológica do curso de Pedagogia, compreendendo as relações com o


trabalho e a educação;
- Analisar criticamente a trajetória do curso de Pedagogia no Brasil;
- Analisar criticamente a trajetória do curso de Pedagogia no contexto da Educação do Campo, no
Paraná;
- Conhecer as diretrizes curriculares do curso de Pedagogia;
- Reconhecer os diferentes espaços de atuação do pedagogo no contexto do campo.
- Analisar a história de vida de alguns pedagogos/educadores-referência às questões
educacionais: Luiz Carlos de Freitas, Paulo Freire, Pistrak, José Martí, Freinet, Makarenko,
Montessori, Saviani, Anísio Teixeira

PROGRAMA

1. Natureza epistemológica da Pedagogia e sua relação com o trabalho e a educação


2. As dimensões históricas do desenvolvimento do trabalho pedagógico:
2.1. Formação do curso de Pedagogia no Brasil.
2.2. O curso de Pedagogia no contexto da Educação do Campo, no Paraná.
3. Aspectos legais
3.1. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia e a Resolução 02/2015.
3.2. Projeto Político Pedagógico do curso de Pedagogia no contexto do Campo, da UNICENTRO
4. Campo de atuação do pedagogo:
4.1. Espaços escolares: escolas indígenas, quilombolas, de assentamento, de acampamento,
Home Page: http://www.unicentro.br

Campus Santa Cruz: Rua Salvatore Renna – Padre Salvador, 875 – Cx. Postal 3010 – Fone: (42) 3621-1000 FAX: (42) 3621-1090 – CEP 85.015-430, GUARAPUAVA – PR
Campus CEDETEG: Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03 – Fone/FAX: (42) 3629-8100 – CEP 85.040-080 – GUARAPUAVA – PR
Campus de Irati: PR 153 – Km 07 – Riozinho – Cx. Postal, 21 – Fone: (42) 3421-3000 – FAX: (42) 3421-3067 – CEP 84.500-000 – IRATI – PR
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multisseriadas, dentre outras.


4.2. Espaços não escolares: movimentos sociais, sindicatos rurais, dentre outros.
5. História de vida de alguns pedagogos/educadores-referência às questões educacionais:
Luiz Carlos de Freitas, Paulo Freire, Pistrak, José Martí, Freinet, Makarenko, Montessori, Saviani e
Anísio Teixeira.

METODOLOGIA

Indicaremos textos que deverão ser lidos previamente pelos estudantes, possibilitando uma
participação efetiva nos debates.
Realizaremos aulas dialogadas, incentivando o posicionamento dos estudantes e análise crítica
das questões. Construiremos uma linha histórica do curso de Pedagogia no Brasil. Faremos
análise documental (PPP do curso).
Durante o processo potencializaremos exercícios de leitura e escrita, importante instrumento do
trabalho do pedagogo.
Será realizado um seminário sobre a história de vida de alguns pedagogos/educadores-referência
às questões educacionais: Luiz Carlos de Freitas, Paulo Freire, Pistrak, José Martí, Freinet,
Makarenko, Montessori, Saviani e Anísio Teixeira.
Faremos visita a um espaço escolar e um não-escolar para conhecer o trabalho desenvolvido por
pedagogos.
Construiremos um trabalho integrado para o tempo comunidade (nesta disciplina será feita uma
coleta de informações sobre a atuação dos pedagogos nas escolas campo-de-estágio, com a
utilização de entrevista semi-estruturada).
Emprego de tecnologias digitais da informação e comunicação para atividades não
presenciais, nos termos da Instrução Normativa n. 1-PROEN/UNICENTRO, de 17 de abril de 2020,
em função da pandemia do novo Coronavírus – COVID-19.
Atividades remotas serão alocadas e ancoradas na plataforma institucional Moodle Unicentro.
Nesse ambiente poderão ser disponibilizadas atividades síncronas, como chats e fóruns, e
assíncronas como fóruns, diários, textos coletivos/wikis. Ainda, nos termos da Instrução Normativa
n. 1-PROEN/UNICENTRO, as atividades não presenciais poderão ser disponibilizadas por outras
mídias digitais com o devido vínculo com a Plataforma Moodle e/ou informação na mesma
plataforma”); A/o docente ficará online nos horários de aula e ocasionalmente, quando necessário
e em comum acordo com as/os alunos.
Para que este conteúdo seja discutido com os alunos via Ambiente Virtual de Aprendizagem,
será possível indicar:
Atividades síncronas (em tempo real/online, quando assim for proposto pelo professor e
possível de ser executada pelos estudantes), como chats e lives (avaliativas ou não); atividades
assíncronas (aquelas que não necessitam ser executadas em tempo real/online), como fóruns,
diários, textos coletivos/wikis, envio de arquivos (em diferentes formatos e conectados a outros
recursos digitais disponíveis na internet), avaliativas ou não.
A metodologia proposta em ambiente virtual se comporá de:
-Leitura sobre material disponibilizado na plataforma Moodle;

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Campus de Irati: PR 153 – Km 07 – Riozinho – Cx. Postal, 21 – Fone: (42) 3421-3000 – FAX: (42) 3421-3067 – CEP 84.500-000 – IRATI – PR
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-Análise de vídeos que complementam a temática a ser abordada, os quais deverão ter seus links
indicados na plataforma Moodle;
-Participação síncrona de alunos e professor em atividades como fórum e/ou chat, quando for
possível adequando-se aos contextos dos acadêmicos.
-Participação em reuniões, encontros e lives (se ocorrerem) por meio de outros instrumentos
midiáticos como: Facebook, Hangouts- Google Meet, Zoom, WhatsApp. Estas atividades deverão
ser registradas e agendadas com os alunos na plataforma Moodle.
-Postagem de relatórios avaliativos, conforme agendas prévias registradas na plataforma Moodle.
-Emails também poderão ser utilizados quando for necessário.

FORMAS DE AVALIAÇÃO

Serão utilizados os seguintes instrumentos e critérios de avaliação, que serão discutidos


previamente com os estudantes, podendo ser alterados conforme as necessidades da turma:
Instrumentos Critérios
Avaliação escrita A avaliação escrita será analisada, observando-se o domínio da
língua padrão, a capacidade de análise e síntese na perspectiva
crítica, bem como o domínio dos conteúdos trabalhados.
Seminário sobre a Observar-se-á o domínio da língua padrão, a capacidade de análise
história de vida de e síntese na perspectiva crítica, bem como o domínio dos conteúdos
alguns trabalhados.
pedagogos/educadores-
referência às questões
educacionais
Construção da linha do Será avaliada a capacidade de organização das informações, de
tempo e apresentação análise e síntese, observando-se o domínio da língua padrão e dos
de conclusão conteúdos trabalhados.
Elaboração de pequenos A avaliação desses trabalhos será feita, observando-se o domínio da
resumos dos textos língua padrão e a capacidade de síntese.
trabalhados
Apresentação de A avaliação escrita será analisada, observando-se o domínio da
conclusões a partir do língua padrão, a capacidade de análise e síntese na perspectiva
trabalho integrado crítica, bem como o domínio dos conteúdos trabalhados.
realizado no tempo
comunidade.

Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por meio
dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A
avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da
internet e das TICs.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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AGUIAR, Márcia Angela da S. et al. Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil:


disputas de projetos no campo da formação do profissional da educação. Educação e
Sociedade, Campinas: v. 27, n. 96 - Especial p. 819-842, out. 2006. Disponível em:
<http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 11 abr. 2012.
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SCHVARZ. Lilian Hermes Cordeiro. A ação do pedagogo na escola nos limites da
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Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Pedagogia – DEPED/G
Pedagogia do Campo

ATA DE APROVAÇÃO número xx, de 20 de outubro de 2020.

______________________
Profº Dr. Marcos Gehrke
Coordenador do curso de Pedagogia
do Campo
Port. n. 669/2017-GR/UNICENTRO

__________________________
Profº Dra. Valdirene Manduca de
Moraes
Vice-Coordenador do Curso de
Pedagogia do Campo
Port. n. 760/2020-GR/UNICENTRO

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Márcia Angela da S. Aguiar et al

DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO


DE PEDAGOGIA NO BRASIL: DISPUTAS DE
PROJETOS NO CAMPO DA FORMAÇÃO DO
PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

MÁRCIA ANGELA DA S. AGUIAR*


IRIA BRZEZINSKI**
HELENA COSTA L. FREITAS***
MARCELO SOARES PEREIRA DA SILVA****
IVANY RODRIGUES PINO*****

RESUMO: Neste artigo, os autores analisam as novas diretrizes


curriculares do curso de pedagogia, objeto de normatização do Conse-
lho Nacional de Educação (CNE), em 2005, a partir do debate feito à
luz do acervo de conhecimentos teórico-práticos sistematizados pelas
principais entidades do campo educacional (ANFOPE, ANPED, CEDES,
FORUMDIR, ANPAE).1 Evidenciam, criticamente, alguns dos problemas e
das tensões que marcam a trajetória desse curso ao longo da história da
educação brasileira. Focalizam, no âmbito das políticas educacionais,
em especial, o movimento dos educadores pela definição das diretrizes
curriculares para a formação dos profissionais da Educação Básica, que
reflete posições de ordem epistemológica, pedagógica e política

* Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atual presidente da Associação Na-


cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). E-mail: marcia_angela@uol.com.br
** Professora da Universidade Católica de Goiás (UCG) e conselheira do Centro de Estudos Edu-
cação e Sociedade (CEDES). E-mail: iria@ucg.br
*** Professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atual presidente
da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). E-mail:
helena.freitas@uol.com.br
**** Professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e atual presidente do Fórum de
Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras
(FORUMDIR ). E-mail: marcelosoares@ufu.br
***** Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atual
presidente do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES). E-mail: ivany@unicamp.br

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atinentes às visões e aos projetos educacionais em disputa, no Brasil, nas


últimas décadas. A problematização das diretrizes curriculares concor-
re para ampliar a compreensão da complexidade do campo da peda-
gogia e dos desafios teórico-práticos com que as instituições de ensino
superior, em particular as universidades, deparam-se para materializar
a reforma do curso de pedagogia, na esteira das novas regulamentações
legais e na perspectiva de uma formação cidadã.
Palavras-chave: Pedagogia e curso de pedagogia. Políticas educacionais.
Diretrizes curriculares de pedagogia. Profissionais da
educação. Formação de professores. Política de formação.

CURRICULUM GUIDELINES OF THE PEDAGOGY COURSE IN BRAZIL:


PROJECT DISPUTES IN THE FIELD OF THE TRAINING OF EDUCATION
PROFESSIONALS

ABSTRACT: Based on the debate conducted in the light of the theo-


retical-practical knowledge acquired by the main organisms of the edu-
cational field (ANFOPE, ANPED, CEDES, FORUMDIR, ANPAE), the authors ana-
lyze the new curriculum guidelines of the pedagogy course, which was
regulated by the Conselho Nacional de Educação (CNE – Brazilian Coun-
cil for Education) in 2005. They critically highlight some of the prob-
lems and tensions that have marked the trajectory of this course along
the history of Brazilian education. Within the educational policies, they
more particularly focus on the educator movement for the definition of
curriculum guidelines for the training of basic education professionals,
which reflects some epistemological, pedagogical and political positions
related to the educational visions and project in dispute, in Brazil, these
last decades. Problematizing the curriculum guidelines helps under-
standing better how complex the field of pedagogy is and what theo-
retical-practical challenges face the higher education institutions, more
particularly universities, in order to concretize the reform of the peda-
gogy course to comply with the new legal regulations but also from the
point of view of a citizen training.
Key words: Pedagogy and pedagogy course. Educational policies. Peda-
gogy curriculum guidelines. Education professionals.
Teacher training. Training policies.

Introdução
esultam das diferentes interpretações do campo da pedagogia e
das disputas político-pedagógicas dos atores sociais, nos diversos
contextos sócio-históricos, as várias identidades atribuídas ao cur-

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so de pedagogia, no Brasil. Essas identidades revelam, grosso modo, con-


flitos atinentes ao estatuto teórico e epistemológico da pedagogia e do
curso de pedagogia, sobretudo no que se refere às concepções de licenci-
atura e bacharelado e seus desdobramentos na configuração curricular des-
se curso. Sem dúvida, as visões controvertidas a respeito dessas concep-
ções têm predominado no debate e se manifestam mais claramente nas
propostas que vinculam ou separam licenciatura e bacharelado, ora vistos
como cursos distintos, ora como dimensões de uma estrutura única de
curso.2 Nos debates que pontuaram as duas últimas décadas, sobre as
propostas de reformulações curriculares do curso de pedagogia, essas po-
sições conflituosas se tornam mais visíveis nas proposições de diretrizes
curriculares emanadas das comissões de especialistas do curso de pedago-
gia3 e em artigos sobre tal temática divulgados em livros e revistas de cir-
culação nacional.
Como observam Aguiar e Melo (2005a), considerando as inter-
pretações diferenciadas sobre a pedagogia, as diversas identidades atri-
buídas ao curso de pedagogia no Brasil abrangem desde uma concep-
ção de licenciatura separada do bacharelado, de corte positivista, a uma
concepção de curso de estrutura única, envolvendo a relação intrínseca
entre ambos, com base num enfoque globalizador.
Os diferentes sentidos dados historicamente à pedagogia e ao cur-
so de pedagogia materializados no currículo expressam, como observam
essas autoras, abordagens sobre teoria-prática, conteúdo-forma e objeto-
sujeito e reportam-se às questões epistemológicas e socioculturais que per-
meiam o debate sobre a modernidade. Hodiernamente, ainda se mani-
festa no campo teórico a visão tecnicista, sob a forma do neotecnicismo
(Freitas, 1992; 1995), em confronto com outros enfoques tradicionais e
críticos.
No plano da definição das políticas educacionais, em especial da-
quelas voltadas para a normatização das bases curriculares dos cursos de
graduação, entre estes o de pedagogia, esses conflitos se expressam de for-
ma permanente, traduzindo perspectivas diferenciadas dos atores envol-
vidos. Considerando tais tensões que atravessam as lutas sociopolíticas e
a produção acadêmica da área, o presente texto (re)visita o curso de pe-
dagogia, apontando para algumas questões recorrentes ao longo de sua
história, e que são (re)atualizadas no contexto político da reforma da edu-
cação superior no país, que se manifestam inclusive nas novas diretrizes
curriculares do curso de pedagogia.

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A formação do educador no curso de pedagogia: os embates das úl-


timas décadas
As políticas educacionais do regime autoritário monitoradas pelas
Leis da Reforma Universitária (1968) e do Ensino de 1º e 2º Graus
(1971), com evidente interesse de servir ao mercado, definiram um mo-
delo de formação de professores compartimentado em dois loci da uni-
versidade: de um lado, a faculdade de educação ou unidade acadêmica
equivalente, responsável pelo curso de pedagogia e a formação pedagógi-
ca dos licenciandos, e, de outro, os institutos de conteúdos específicos,
onde se formavam bacharéis e licenciados.
Naquele contexto, as reformulações propostas para o curso de pe-
dagogia encontram razões, especialmente, na indefinição dos conteúdos
básicos do currículo, portanto na falta de especificidade do curso, pelo
fato de a área de saber da pedagogia ser campo de aplicação de outras
ciências, e no reducionismo simplista, manifestado no preceito legal de
“treinar” pedagogos para desempenharem algumas tarefas não-docentes
na escola.
A respeito do “treinar” pedagogos, Brzezinski (1994, p. 91) mostra
desacordo ao assim expressar-se:

Essa prática autoritária, inculcadora de uma ideologia alienante que bus-


cava transportar para a organização escolar, cuja natureza exige um traba-
lho coletivo, as relações fragmentadoras, particularizadas inerentes às orga-
nizações do trabalho produtivo, dominou o sistema educacional brasilei-
ro, por duas décadas. De maneira mais precisa, dominou a “capacitação de
recursos humanos para a educação”, a qual inclui formação de professores
e especialistas, sob a égide da Teoria do Capital Humano.

Com base nestas “diretrizes” e na fundamentação doutrinária e téc-


nica das duas leis já citadas, o CFE passou a elaborar indicações para definir
“o papel e os campos de estudos próprios da Faculdade de Educação ou
unidade equivalente” (Chagas, 1976, p. 9). Este autor, também idealizador
e relator de um conjunto de indicações no CFE, atribuía a ele a autoria de
um novo “sistema de formação de professores” que deveria deitar por terra,
de uma vez por todas, o Esquema 3+1. Seu intento, contudo, não foi al-
cançado, mas ele conseguiu aprovar no CFE um “pacote pedagógico”, com-
posto por diversas indicações que, não fosse a resistência dos educadores
mobilizados nacionalmente, teria se consolidado como sistema.

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Nessa ocasião, a Valnir Chagas (1976) interessava provocar mu-


danças estruturais nas licenciaturas e propugnava a extinção do curso
de pedagogia, quando aprovou no CFE as Indicações n. 67/68/1975 e
n. 70/71/1976, que discorriam, respectivamente sobre Estudos Supe-
riores de Educação, Formação Pedagógica das Licenciaturas, Preparo de
Especialistas em Educação e Formação de Professores de Educação Es-
pecial. A Indicação n. 69/1976, que versava sobre Formação do Profes-
sor para os Anos Iniciais da Escolarização em Nível Superior, não foi
homologada. Segundo a ideologia da época, o “pacote pedagógico” de
Chagas referia-se à “Formação de Recursos Humanos da Educação”, que
incluía o preparo para as funções docentes e não-docentes da escola de
1° e 2° graus.
A homologação das quatro supramencionadas indicações foi re-
cebida pelos educadores como mais uma arbitrariedade do poder que
desconhecia práticas, pesquisas e estudos desenvolvidos pelos profissio-
nais que se debruçavam sobre as questões da formação em seu cotidia-
no. Rapidamente, a mobilização nacional para a reformulação dos cur-
sos de pedagogia tomou impulso à medida que foram suscitados
debates acerca do corpus doutrinário e técnico das indicações do CFE.
Ponto de partida da mobilização foi a realização do I Seminário
de Educação Brasileira (1978) na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), organizado com a objetivo de divulgar resultados da pesqui-
sa “Análise do currículo e conteúdo programático dos cursos de peda-
gogia com vistas a propostas alternativas de reformulação”, o qual se
transformou em marco histórico no Movimento dos Educadores que
aspirava subverter a tradicional ordem de “cima para baixo” nas deci-
sões sobre as questões educacionais.

Dois anos após, a USP sediou a I Conferência Brasileira de Educação (CBE),


também um grande movimento que teve como tônica os questionamentos
contra as políticas educacionais da ditadura. Nessa CBE,4 em 2 de abril de
1980, foi instalado o Comitê Pró-Formação do Educador, que passou a
funcionar na Universidade Federal de Goiás (UFG).

O Movimento dos Educadores toma vulto e demonstra sua for-


ça, como resistência ao poder instituído, durante toda a década de
1980, por meio de debates, embates e manifestações públicas por in-
termédio de ações sob o ponto de vista epistemológico, político e didá-
tico-pedagógico. Sob o enfoque epistemológico, as ações dos educado-

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res visavam à redefinição e à busca da identidade do curso de pedagogia


no elenco dos cursos de formação de professores. Sob o ponto de vista
político, em face do processo de “abertura democrática” os educadores
acreditavam na transformação político-social da sociedade brasileira, his-
toricamente necessária. “Movidos pela consciência coletiva, deflagraram
a luta pela valorização do magistério, assim como por um profissionalis-
mo que fora entorpecido pelo utilitarismo cego das políticas educacio-
nais” (Brzezinski, 2005, p. 12). Sob a perspectiva didático-pedagógica
pretendiam apresentar uma proposta nacional de mudanças estruturais
no curso de pedagogia, que rompesse com a camisa-de-força imposta pelo
currículo mínimo. Perspectiva logo redimensionada, visto que as mudan-
ças deveriam abranger todo o “sistema de formação de professores”, ao se
considerar que a formação pedagógica do professor mantém sua base te-
órico-epistemológica no campo educacional e a base da identidade do
profissional da educação encontra-se na docência: todos são professores
(grifos nossos) (Comissão Nacional, 1983, p. 5).
A literatura da área evidencia os muitos avanços e conquistas que
advieram desses embates enfrentados na década da “abertura democrá-
tica”. No conjunto das conquistas, podem-se destacar, em especial, a
aceitação da base comum nacional organizada em eixos curriculares que,
com a evolução dos estudos epistemológicos, foram tomando a dimen-
são de “(...) princípios norteadores que fundamentam a base comum
nacional e expressam a concepção sócio-histórica da educação
construída na práxis educacional” ( ANFOPE et al., 2005, p. 1); as
reformulações curriculares feitas pela maioria das universidades públi-
cas e particulares (que não se pautam pela lógica do lucro), que adota-
ram a docência como base da identidade do curso de pedagogia e ex-
tinguiram as habilitações; a intensa produção científica dos educadores
socializada em periódicos e livros e a permanente participação no
Fórum em Defesa da Escola Pública.

O movimento pela construção das diretrizes de formação


O movimento de discussão e elaboração das diretrizes da pedago-
gia tem um marco importante em 1998, quando a Comissão de Especia-
listas de pedagogia, instituída para elaborar as diretrizes do curso, desen-
cadeou amplo processo de discussão, em nível nacional, ouvindo as
coordenações de curso e as entidades – ANFOPE, FORUMDIR, ANPAE, ANPED,

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CEDES, Executiva Nacional dos Estudantes de pedagogia. O resultado des-


se processo foi a elaboração do Documento das Diretrizes Curriculares
do Curso de Pedagogia e seu encaminhamento ao CNE , em maio de
1999,5 após uma grande pressão de todos esses segmentos junto à SESU e
à Secretaria de Ensino Fundamental, do Ministério da Educação, que re-
sistiam em enviá-las ao CNE, na tentativa de construir as diretrizes para o
curso normal superior, criado pela LDB e prestes a ser regulamentado.
Seguido de um conjunto de assinaturas representativas dos dife-
rentes segmentos, o documento foi encaminhado ao CNE e permaneceu,
ao longo de oito anos, aguardando a definição e regulamentação de ou-
tros pontos ainda polêmicos com relação à formação, como o próprio
curso normal superior, que até o momento não possui suas próprias dire-
trizes.6 Para a criação dos inúmeros cursos hoje existentes, foram elabora-
dos pela Comissão de Ensino de Pedagogia e pela Comissão de Especia-
listas Formação de Professores, em 2001, os indicadores para autorização
e reconhecimento.
Neste intervalo entre maio de 1999 e junho de 2004, as várias
iniciativas do MEC com relação à formação de professores e ao próprio
curso de pedagogia (Parecer da Câmara do Ensino Superior – CES n.
133/01, Resoluções n. 01 e 02/2002, que instituem Diretrizes para
Formação de Professores) causaram mais transtornos do que encaminha-
mentos positivos para tais cursos, a tal ponto que hoje a diversidade de
estruturas exigirá provavelmente do Poder Público um acompanhamen-
to rigoroso, bem como processos de avaliação da formação oferecida, de
modo que se preservem as iniciativas positivas e se estabeleçam metas
para o aprimoramento da qualidade de outras.
As iniciativas do MEC induziram também a uma política de cres-
cimento desordenado do ensino superior privado. Cabe destacar a cres-
cente expansão dos cursos normais superiores e do próprio curso de pe-
dagogia, principalmente em instituições privadas, em sua grande
maioria sem história e sem compromisso anterior com a formação em
quaisquer de seus níveis e modalidades. Dados oficiais do INEP / MEC
(2006) revelam que existem na atualidade 1.437 cursos de pedagogia
e 1.108 cursos normais superiores, sem considerar os inúmeros ISEs e
cursos de licenciatura criados também nesse período.
Os educadores e suas entidades acompanharam de perto este mo-
vimento, e estiveram presentes, em todo este período, mobilizando-se

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por meio de encontros, reuniões, documentos, orientados sempre pelo


princípio fundamental que desde a promulgação da LDB se firmara jun-
to ao MEC, SESU e CNE: as discussões das diretrizes da pedagogia se inserem
na discussão das orientações, políticas e Diretrizes da Formação dos Educa-
dores da Educação Básica, não podendo, portanto, serem aprovadas fora des-
te contexto. Esta formulação corresponde a uma expectativa histórica dos
educadores de construir uma política nacional de formação e, em seu
interior, um sistema articulado e integrado de formação dos profissio-
nais da educação, contemplando todas as modalidades e os níveis até a
pós-graduação e a formação continuada. É indicadora ainda da com-
preensão de que essa formação somente atingirá níveis qualitativamen-
te elevados se desenvolvida de forma integrada e articulada para todos
os níveis de ensino, nas instituições universitárias.
Nessa direção, a ANFOPE, em documento de 1998, reafirma, com
clareza, seus princípios ao indicar as diretrizes para a formação dos pro-
fissionais da educação:

A ANFOPE reafirma ainda que as Universidades e suas Faculdades/Centros


de Educação constituem-se o lócus privilegiado da formação dos profissi-
onais da educação para atuação na educação básica e superior. Reafirma
também a necessidade de repensar as estruturas das Faculdades/Centros de
Educação e a organização dos cursos de formação em seu interior, no sen-
tido de superar a fragmentação entre as Habilitações no curso de pedago-
gia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e dos demais licencian-
dos, considerando-se a docência como a base da identidade profissional de
todos os profissionais da educação. (ANFOPE, 1998)

No período em foco, várias discussões ocorreram e documentos


foram organizados com o objetivo de interferir na política de formação
dos educadores. Em decorrência das pressões das entidades, em junho
de 1999, a SESU/MEC institui o GT Licenciaturas, composto por educa-
dores da área e pela ANFOPE, que após amplas discussões, tanto nas reu-
niões da ANPED como no Congresso Estadual Paulista de Formação do
Educador,7 elaborou o Documento Norteador para Elaboração das Dire-
trizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores.8 Esse docu-
mento chegou a ser discutido com representantes das entidades das áre-
as específicas das licenciaturas, em um processo que começava a romper
as resistências, mas foi “engavetado” pelo MEC, que decidiu elaborar ou-
tro documento enviado ao CNE, o qual foi aprovado em 2001 e 2002

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como as Diretrizes para os Cursos de Formação Inicial de Professores para


a Educação Básica.9 Já naquele momento, a ANFOPE e a Comissão de Es-
pecialistas de pedagogia, da SESU/MEC, apontavam com clareza a neces-
sidade de tratar, simultaneamente e de forma integrada, a formação de
todos os profissionais da educação, licenciados e pedagogos. A recusa
do MEC foi sempre uma tônica desses debates e embates.
Em agosto de 1999, a ANFOPE manifestava-se firmemente com re-
lação a essa reivindicação junto ao CNE e ao MEC. Em novembro desse ano,
durante o IV Seminário Nacional e o I Encontro Nacional dos Fóruns
de Licenciaturas, realizados conjuntamente, em Recife, pela ANFOPE e
FORUMDIR, ocorreu a recusa à proposta da conselheira Eunice Durhan (do
CNE ), que pretendia eliminar a possibilidade de formação de docentes
para as séries iniciais e educação infantil dos cursos de pedagogia (cf. Car-
ta de Recife, ANFOPE/FORUMDIR, 5/11/1999).
Logo após, em dezembro de 1999, é desencadeada uma ampla
mobilização nacional contra o Decreto n. 3.276/99, que estabeleceu a
exclusividade dos cursos normais superiores para a formação dos profes-
sores para esses níveis de ensino. O conteúdo desse decreto, em razão de
pressão das universidades e entidades dos educadores com relação ao go-
verno federal, foi alterado em 2000 mediante o Decreto n. 3.554, que
substituiu o termo preferencialmente no lugar do exclusivamente.10
Em maio de 2000, anterior à realização do X Encontro Nacio-
nal de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), acontece o V Seminário
Nacional da ANFOPE e FORUMDIR e o II Encontro Nacional dos Fóruns
das Licenciaturas, com posicionamentos sobre a aludida questão. Na
52ª Reunião Anual da SBPC, em Brasília, em julho de 2000, a Carta do
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, firmada por 12 associa-
ções e fóruns de educadores, reafirma a necessidade de manter, nos cur-
sos de graduação plena, pedagogia, a formação de professores para as
séries iniciais e educação infantil, entre outros temas.
Durante as audiências públicas regionais e nacional do CNE, que
se sucederam entre fevereiro e abril, para discussão das diretrizes de for-
mação de professores, as entidades signatárias – ANPED, ANFOPE, ANPAE e
FORUMDIR – reafirmam novamente, em cuidadosos e extensos documen-
tos, a necessidade do estabelecimento de diretrizes nacionais específi-
cas para os cursos de pedagogia, considerando a proposta da Comissão
de Especialistas de Ensino de Pedagogia de 1999.

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Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil...

Durante consulta ao setor acadêmico, no âmbito do programa espe-


cial do CNE “Mobilização Nacional por uma Nova Educação Básica”, em 7
de novembro 2001, novamente as entidades da área apresentam ao CNE o
documento Posicionamento Conjunto das Entidades, reafirmando as diretri-
zes curriculares para o curso de pedagogia, que aprofunda e explicita as di-
retrizes de 1999.
Esse documento serviria de base para a Proposta de Diretrizes Curri-
culares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,11 elaborada
pela Comissão de Especialistas de Pedagogia e pela Comissão de Especia-
listas de Formação de Professores, e enviada ao CNE em abril de 2002.
Em maio de 2002, são aprovadas as Diretrizes para Formação de
Professores. Em junho de 2002, o CNE constitui Comissão Bicameral com
a finalidade de estabelecer diretrizes operacionais para a formação de pro-
fessores para a Educação Básica e apresentar estudo sobre a revisão das
Resoluções CNE/CP n. 02/97, que dispõe sobre os programas especiais de
complementação pedagógica de bacharéis, e CNE/CP n. 01/99, que dis-
põe sobre os institutos superiores de educação.
No contexto da disputa eleitoral, essa Resolução passa desperce-
bida pela área e, mesmo após uma reunião ampla convocada durante a
Reunião Anual da ANPED, em razão dos rumores da existência de Mi-
nuta de Resolução alterando os cursos de pedagogia, o seu conteúdo
não foi socializado naquele momento.
No entanto, no antigo CNE novos movimentos vão se gestando com
o fim de assegurar as mudanças que alguns setores propugnavam para o
campo da formação. Vem, do Conselho Estadual de São Paulo, o “mode-
lo” de estrutura dos cursos de formação. Nesse estado é gestada a idéia12
que se materializaria, posteriormente, no âmbito da Comissão Bicameral,
na Minuta de Resolução, somente divulgada publicamente em julho de
2003, durante o Congresso Estadual Paulista de Formação do Educador,
mobilizando as entidades para ampliar o debate, que vem a acontecer em
outubro, durante a reunião da ANPED.

Novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia e as proposições


das entidades do campo educacional
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia,
consubstanciadas nos Pareceres CNE/CP n. 05/2005, 01/2006 e na Re-
solução CNE/CP n. 01/2006, demarcam novo tempo e apontam para no-

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vos debates no campo da formação do profissional da educação no cur-


so de pedagogia, na perspectiva de se aprofundar e consolidar sempre
mais as discussões e reflexões em torno desse campo.
Esse aprofundamento exige, no entanto, que se delineiem de for-
ma mais clara e precisa os contornos e as perspectivas que essa formação
poderá assumir em decorrência das diretrizes aprovadas.
As DCN-Pedagogia definem a sua destinação, sua aplicação e a
abrangência da formação a ser desenvolvida nesse curso. Aplicam-se: a) à
formação inicial para o exercício da docência na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental; b) aos cursos de ensino médio de
modalidade normal e em cursos de educação profissional; c) na área de
serviços e apoio escolar; d) em outras áreas nas quais sejam previstos co-
nhecimentos pedagógicos. A formação assim definida abrangerá,
integradamente à docência, a participação da gestão e avaliação de siste-
mas e instituições de ensino em geral, a elaboração, a execução, o acom-
panhamento de programas e as atividades educativas (Parecer CNE/CP n.
05/2005, p. 6).
Abre-se, assim, amplo horizonte para a formação e atuação profis-
sional dos pedagogos. Tal perspectiva é reforçada nos artigos 4° e 5° da
Resolução CNE/CP n. 01/2006, que definem a finalidade do curso de pe-
dagogia e as aptidões requeridas do profissional desse curso:
Art. 4º - O curso de Licenciatura em pedagogia destina-se à formação de pro-
fessores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modali-
dade Normal, de Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar e
em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação
na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de
tarefas próprias do setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de
projetos e experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares.

Delineia-se, pois, que a formação no curso de pedagogia deverá as-


segurar a articulação entre a docência, a gestão educacional e a produção
do conhecimento na área da educação. Com essa explicitação, o legisla-

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dor afasta a possibilidade de redução do curso a uma formação restrita à


docência das séries iniciais do ensino fundamental, aproximando-se, des-
sa forma, das propostas de diretrizes apresentadas pela Comissão de Es-
pecialistas de Pedagogia de 1999. Todavia, faz-se necessário demarcar a
compreensão desses elementos constitutivos da formação do pedagogo.
A docência nas DCN-Pedagogia não é entendida no sentido restrito
do ato de ministrar aulas. O sentido da docência é ampliado, uma vez
que se articula à idéia de trabalho pedagógico, a ser desenvolvido em espa-
ços escolares e não-escolares, assim sintetizado no Parecer CNE/CP n. 05/
2005 (p. 7):

Entende-se que a formação do licenciado em pedagogia fundamenta-se no


trabalho pedagógico realizado em espaços escolares e não-escolares, que
tem a docência como base. Nesta perspectiva, a docência é compreendida
como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional,
construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influen-
ciam conceitos, princípios e objetivos da pedagogia.
Dessa forma, a docência, tanto em processos educativos escolares como não-
escolares, não se confunde com a utilização de métodos e técnicas preten-
samente pedagógicos, descolados de realidades históricas específicas. Consti-
tui-se na confluência de conhecimentos oriundos de diferentes tradições cul-
turais e das ciências, bem como de valores, posturas e atitudes éticas, de ma-
nifestações estéticas, lúdicas, laborais. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 7)

Tomados sob essa perspectiva o trabalho docente e a docência im-


plicam uma articulação com o contexto mais amplo, com os processos
pedagógicos e os espaços educativos em que se desenvolvem, assim como
demandam a capacidade de reflexão crítica da realidade em que se situ-
am. Com efeito, as práticas educativas definem-se e realizam-se media-
das pelas relações socioculturais, políticas e econômicas do contexto em
que se constroem e reconstroem. Nessa perspectiva, Aguiar e Melo
(2005a) afirmam:

(...) escapando aos reducionismos da visão teoricista (aplicação instrumen-


tal da teoria na prática), e do praticismo (prioridade ao saber tácito,
construído na prática imediata cotidiana) na sala de aula, tem-se o enten-
dimento de que a docência é o fulcro de articulação dos diversos conheci-
mentos – aportes teóricos da pedagogia e das Ciências da Educação e de
outros conhecimentos especializados e daqueles produtos das práticas es-
colares e não-escolares refletidas. Lugares onde ela se (re)produz interna-

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mente nas suas especificidades, construindo novas alternativas de práticas


pedagógicas diante de problemáticas existentes. Neste sentido, a docência
constitui uma das mediações para a construção do discurso de síntese da
pedagogia, articulada intrinsecamente com a pesquisa. Assim, a relação
docência-pesquisa é um princípio epistemológico da prática.
Destarte, a partir do horizonte vislumbrado para a formação do
profissional da educação no curso de pedagogia, as Diretrizes Curriculares
Nacionais definem os pilares e os contornos dessa formação:

A educação do licenciado em pedagogia deve, pois, propiciar, por meio


de investigação, reflexão crítica e experiência no planejamento, execução,
avaliação de atividades educativas, a aplicação de contribuições de cam-
pos de conhecimentos, como o filosófico, o histórico, o antropológico, o
ambiental-ecológico, o psicológico, o lingüístico, o sociológico, o políti-
co, o econômico, o cultural. O propósito dos estudos destes campos é
nortear a observação, análise, execução e avaliação do ato docente e de
suas repercussões ou não em aprendizagens, bem como orientar práticas
de gestão de processos educativos escolares e não-escolares, além da orga-
nização, funcionamento e avaliação de sistemas e de estabelecimentos de
ensino. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 6)
Como se depreende, a perspectiva que se apresenta para o curso
de pedagogia é de uma formação que favoreça a compreensão da comple-
xidade da escola e de sua organização; que propicie a investigação no cam-
po educacional e, particularmente, da gestão da educação em diferentes
níveis e contextos. A pesquisa, a produção do conhecimento no campo
pedagógico e o estudo das ciências que dão suporte à pedagogia e a pró-
pria reflexão sobre a pedagogia como ciência certamente deverão estar pre-
sentes no processo formativo a ser desenvolvido nesse curso, concomitan-
temente ao estudo a respeito da escola, da prática educativa e da gestão
educacional. Evidências encontradas nas DCN-Pedagogia, na medida em
que no Parecer CNE/CP n. 05/2005 (p. 6-7) está assim indicado:

Para a formação do licenciado em pedagogia é central o conhecimento da


escola como uma organização complexa que tem a função social e
formativa de promover, com eqüidade, educação para e na cidadania. (...)
Também é central, para essa formação, a proposição, realização, análise
de pesquisas e a aplicação de resultados, em perspectiva histórica, cultu-
ral, política, ideológica e teórica, com a finalidade, entre outras, de iden-
tificar e gerir, em práticas educativas, elementos mantenedores, transfor-
madores, geradores de relações sociais e étnico-raciais que fortalecem ou

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Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil...

enfraquecem identidades, reproduzem ou criam novas relações de poder


(...). Finalmente é central a participação na gestão de processos educa-
tivos, na organização e funcionamento de sistemas e de instituições de
ensino, com a perspectiva de uma organização democrática, em que a co-
responsabilidade e a colaboração são os constituintes maiores das relações
de trabalho e do poder coletivo e institucional, com vistas a garantir
iguais direitos, reconhecimento e valorização das diferentes dimensões
que compõem a diversidade da sociedade, assegurando comunicação, dis-
cussão, crítica, propostas dos diferentes segmentos das instituições edu-
cacionais escolares e não-escolares.

A formação proposta para o profissional da educação do curso de


pedagogia é abrangente e exigirá uma nova concepção da educação, da es-
cola, da pedagogia, da docência, da licenciatura. Uma nova compreensão
que situe a educação, a escola, a pedagogia, a docência, a licenciatura no
contexto mais amplo das práticas sociais construídas no processo de vida
real dos homens, com o fim de demarcar o caráter sócio-histórico desses
elementos.
O curso de pedagogia define-se como um curso de licenciatura e,
neste sentido, o mencionado Parecer explicita que a formação para o exer-
cício da docência nas áreas especificadas constitui um de seus pilares. Em
contrapartida, ao se compreender e definir o curso de pedagogia como
uma licenciatura, não se pode incorrer no equívoco de organizá-lo curri-
cularmente como um curso circunscrito ao campo das metodologias de
ensino e dos conteúdos relativos aos saberes específicos para o exercício
da docência na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamen-
tal, no curso da modalidade normal no ensino médio ou, ainda, nos cur-
sos de formação profissional na área da educação que começam a se fazer
presentes em nossa realidade. Até mesmo porque, como já se destacou,
também, em outros momentos, o exercício da docência desenvolve-se no
contexto mais amplo da educação, da escola e da própria sociedade, e,
sendo assim, a formação para tal exercício profissional deve fornecer ele-
mentos para o domínio desse contexto.
A compreensão da licenciatura nos termos das DCN-Pedagogia
implicará, pois, uma sólida formação teórica, alicerçada no estudo das
práticas educativas escolares e não-escolares e no desenvolvimento do
pensamento crítico, reflexivo fundamentado na contribuição das dife-
rentes ciências e dos campos de saberes que atravessam o campo da pe-
dagogia. Essa sólida formação teórica, por sua vez, exigirá novas formas

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de se pensar o currículo e sua organização, para além daquelas concep-


ções fragmentadas, parcelares, restritas a um elenco de disciplinas fecha-
das em seus campos de conhecimento. Ao contrário, as DCN-Pedagogia
apontam para uma organização curricular fundamentada nos “princípios
de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e
relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética” (p. 1).
Desse modo, os núcleos que definirão a estrutura do curso de pe-
dagogia – núcleo de estudos básicos; núcleo de aprofundamento e diversifica-
ção de estudos; núcleo de estudos integradores – devem se integrar e articular
ao longo de toda a formação, a partir do diálogo entre os diferentes com-
ponentes curriculares, por meio do trabalho coletivo sustentado no prin-
cípio interdisciplinar dos diferentes campos científicos e saberes que in-
formam o campo da pedagogia.
Por sua vez, a formação para a gestão educacional, como indicada
nas DCN-Pedagogia, traz uma contribuição importante rompendo com
visões fragmentadas e fortemente centralizadas da organização escolar e
dos sistemas de ensino. Nos debates sobre a formação do pedagogo vá-
rios estudos evidenciaram como a divisão do curso de pedagogia em ha-
bilitações, como preconizado no Parecer CFE/CP n. 262/1969, acabou
por contribuir para que se instalassem, na organização dos processos de
trabalho na escola e nos sistemas de ensino, modelos caracterizados pela
divisão pormenorizada do trabalho educativo; pela dicotomização das
funções de planejamento, concepção, controle e avaliação, de um lado
e, do outro, das funções de implementação, de realização do trabalho
planejado; pela reprodução de estruturas e práticas de poder excluden-
tes, também, no contexto das práticas educativas.
Por certo, esses modelos de organização da educação não são deter-
minados apenas pela formação desenvolvida nos cursos que formam profis-
sionais da educação, mais especificamente, nos cursos de pedagogia. No
entanto, essa formação desempenha um papel importante na produção das
condições históricas para a manutenção ou superação desses modelos, e,
neste sentido, contribuindo para a afirmação da gestão democrática da edu-
cação como elemento central na direção dessa superação.
Ao se indicar o campo de atuação do licenciado em pedagogia,
as DCN-Pedagogia compreendem, assim, a gestão educacional:

Gestão educacional, entendida numa perspectiva democrática, que inte-


gre as diversas atuações e funções do trabalho pedagógico e de processos

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educativos escolares e não-escolares, especialmente no que se refere ao


planejamento, à administração, à coordenação, ao acompanhamento, à
avaliação de planos e de projetos pedagógicos, bem como análise, formu-
lação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas
e institucionais na área de educação. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 8)
Definida nestes termos, superam-se de maneira definitiva aqueles
modelos de organização curricular estruturados para formação por “habi-
litação”, que culminavam na formação dos denominados “especialistas em
educação”, como o supervisor, o orientador, o administrador, o inspetor
educacional, entre outros. Eis como essa questão fica definida no artigo
14 da Resolução CNE/CP n. 01/2006:

Art. 14. A Licenciatura em pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP n.


5/2005 e n. 3/2006 e desta Resolução, assegura a formação de profissio-
nais da educação prevista no art. 64, em conformidade com o inciso VIII
do art. 3º da Lei n. 9.394/96.
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de
pós-graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a todos
os licenciados.
§ 2º Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão
ser complementarmente disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino,
nos termos do parágrafo único do art. 67 da Lei n. 9.394/96.
E o Parecer CNE/CP n. 3/2006 esclarece de forma mais definitiva as
dúvidas sobre a eventual observância do disposto no artigo 64 da Lei n.
9.394/1996, ao enfatizar, de um lado, que a licenciatura em pedagogia,
realiza a formação para administração, planejamento, inspeção, supervi-
são e orientação educacional, em organizações (escolas e órgãos dos siste-
mas de ensino) da educação básica e, de outro lado, estabelece as condi-
ções em que a formação pós-graduada para tal deve ser efetivada. Desse
modo, o Parecer reitera a concepção de que a formação dos profissionais
da educação, para funções próprias do magistério e outras, deve ser base-
ada no princípio da gestão democrática (obrigatória no ensino público,
conforme a CF, art. 206-VI; LDB, art. 3º-VIII) e superar aquelas vincula-
das ao trabalho em estruturas hierárquicas e burocráticas.
Tal posicionamento ainda é justificado pelo Parecer CNE/CP n. 5/
2005 que, ao considerar o caráter colegiado da organização escolar, prevê
que todos os licenciados possam ter oportunidade de ulterior aprofun-
damento da formação pertinente, ao longo de sua vida profissional. Su-

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pera, assim, a interpretação baseada em legislação anterior (Lei n.


5.540/1968 e currículos mínimos) que restringia a formação para as
funções já mencionadas aos licenciados de pedagogia. A propósito des-
sa questão, o Conselho designou comissão para emitir parecer sobre di-
retrizes para a formação dos profissionais da educação com relação aos
artigos 64 e 67, parágrafo único, da Lei n. 9.394/96.
Certamente, um desafio que fica para os educadores brasileiros é
se articularem para uma intervenção efetiva na definição das orienta-
ções que regerão a formação a ser desenvolvida nos cursos de pós-gra-
duação destinados à “formação dos profissionais para administração, pla-
nejamento, inspeção, supervisão e orientação na educação básica”, de modo
que venha a contribuir, igualmente, para o fortalecimento da gestão de-
mocrática da educação e da escola e a construção de uma educação pú-
blica de qualidade.

Novos e maiores desafios para o campo da formação


Outras questões também estão no horizonte das modificações ne-
cessárias no âmbito da formação dos educadores profissionais da educa-
ção, entre as quais podemos destacar a inclusão, no texto da Lei da Re-
forma do Ensino Superior, do papel da universidade e das faculdades,
dos centros de educação e departamentos de educação, na formação dos
educadores, professores e profissionais para a educação básica; a revisão
urgente da LDB (artigo 64) e da Resolução n. 01/99, no que tange à cria-
ção dos ISEs e do Curso Normal Superior, como condição para a institui-
ção de um sistema orgânico de formação de professores no país; revisão
das Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Edu-
cação Básica.
Considerando ainda o grande número de ISEs e Cursos Normais
Superiores criados nos últimos anos, bem como de cursos especiais de
formação, tanto no âmbito da iniciativa privada como no âmbito de
instituições públicas, é fundamental a definição de procedimentos que
garantam de imediato:
• O desenvolvimento de processos de avaliação institucional,
que antecedam a processos de reconhecimento e criação de
novos processos de autorização para tais cursos/instituições e
que considerem condições efetivas de realização das ativida-

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des propostas, seja em disciplinas, estágios ou atividades com-


plementares etc.
• Um estudo rigoroso do número de vagas ofertadas nessas ins-
tituições – principalmente considerando que a grande maio-
ria oferece vagas no período noturno, ao qual acorrem estu-
dantes trabalhadores, nem sempre professores em exercício,
impedindo a realização dos estágios e da formação prática e
teórica com a qualidade necessária às exigências da educação
de crianças, jovens e adultos.
Com a aprovação das Diretrizes, não se extinguem as polêmicas
que acompanham as discussões sobre seu caráter e a identidade do cur-
so de pedagogia. O enfrentamento dessas questões não é tarefa para
uma ou outra entidade, mas desafio para a área da educação, para a
investigação e a pesquisa interdisciplinares, compartilhadas a muitas
mãos. Outros desafios emergem de sua aprovação, entre eles o princi-
pal é o de caminhar na perspectiva de construir efetivamente cursos e
percursos de formação no campo da educação e da pedagogia, para for-
mar profissionais que atuarão na educação básica, na formação de cri-
anças, jovens e adultos, na gestão e organização dos espaços escolares e
na elaboração de formas criativas e criadoras para a educação escolar e
não-escolar.
As perspectivas que se descortinam para a efetivação de uma polí-
tica global de formação dos educadores, no país, são promissoras. As mo-
tivações para o debate e para a vivência de novas e criativas experiências
curriculares nos cursos de pedagogia e licenciaturas são elevadas nos mei-
os acadêmicos. As entidades representativas de importantes segmentos da
área – a ANFOPE, o FORUMDIR, a ANPED e o CEDES –, as diretrizes da pedago-
gia e a política de formação dos profissionais da educação estarão presen-
tes e, certamente, serão objeto de análise e de proposições nos encontros,
seminários e congressos que serão realizados no horizonte próximo, com
a disposição renovada de firmar, reafirmar e propor, coletivamente, prin-
cípios e encaminhamentos que orientarão suas ações concretas.
Tem sido esse o compromisso histórico que pauta a agenda des-
sas entidades, pois sabem que somente de forma coletiva, solidária e
crítica será possível enfrentar aqueles desafios que ainda não estão ao
nosso alcance e na esfera de nossa decisão.

Recebido e aprovado em setembro de 2006.

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Notas
1. Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Na-
cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), Centro de Estudos Educação e
Sociedade (CEDES), Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universi-
dades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), Associação Nacional de Política e Administração da
Educação (ANPAE), entre outras.
2. A respeito dessa discussão, consultar Aguiar e Melo (2005a; 2005b).
3. Proposta de Diretrizes Curriculares de Pedagogia elaborada por uma Comissão de Espe-
cialistas de Pedagogia, resultante de ampla consulta às universidades e de consensos
construídos com as entidades ANPED, ANFOPE, CEDES, FORUMDIR e ANPAE, em 1999.
4. A presença de cerca de 200 pessoas, que representavam a maioria dos estados brasileiros,
no painel sobre a Reformulação do Currículo da Pedagogia e das Licenciaturas na I CBE
(Anais, 1980, p. 209-217), comprova que em muitos estados germinava a idéia de orga-
nização dos educadores em torno dessas reformulações (cf. detalhes em Brzezinski, 1994).
5. Consultar <www.mec.gov.br>.
6. O único documento disponível e não aprovado data de maio de 2000.
7. Realizado em Águas de Lindóia, São Paulo.
8. Disponível em: <www.mec.gov.br>.
9. Consultar <www.mec.gov.br/cne>.
10. Conferir <www.mec.gov.br/cne>.
11. Estes documentos podem ser encontrados no site da ANFOPE : <http://lite.fae.unicamp.br/
anfope>.
12. Aprovada no CEE-SP a Indicação n. 22/2002, que estabelece distinção entre os cursos de
pedagogia licenciaturas e pedagogia bacharelado, dando cumprimento ao estabelecido no
artigo 64 da LDB.

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RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO, PEDAGOGIA E DIDÁTICA

Marlene Lucia Siebert Sapelli

INTRODUÇÃO

Para explicitar as relações entre Educação, Pedagogia e Didática, faz-se


necessário apresentar a categoria que, na perspectiva do materialismo dialético,
dá sustentação às três: o trabalho. Assim procedendo, estaremos, inclusive,
anunciando a não neutralidade das análises e nosso compromisso com o método
que explicita nossa opção de classe.
O trabalho geralmente é visto como o modo de produzir bens e serviços
ou como fornecedor de um emprego ou de rendimentos, porém devemos
compreendê-lo antes como ação transformadora do homem. Pode-se dizer que
o trabalho é a forma do ser humano “ser” e como disse Marx “é o que o distingue
dos animais”, ou “tal como produz assim ele é”.
Não nascemos humanos, mas potencialmente humanos. Segundo
Saviani (2005, p. 225), “o ser do homem, a sua existência, não é dado por
natureza, mas é produzido pelos próprios homens”. Só o que o homem traz no
seu aparato biológico ao nascer não é suficiente para viver. E isso o difere dos
animais que trazem no seu aparato biológico quase todos os elementos para sua
sobrevivência.
Antunes (2004) ao analisar os escritos de Engels afirma que neles o autor
considerava o trabalho condição básica e fundamental de toda a vida humana
ao ponto de afirmar que o trabalho criou o próprio homem. O próprio corpo do
homem foi se transformando nesse processo, portanto, em parte, é produto dele.
O trabalho coletivo levou à necessidade da linguagem. Com o trabalho e com a
palavra articulada, o próprio cérebro foi se transformando, com isso as
necessidades humanas foram se modificando e, em consequência, também sua
forma de viver. Passou a fazer uso do fogo, a domesticar os animais, a caçar, a
pescar, a dedicar-se à agricultura e, mais tarde, à fiação e à tecelagem, à
elaboração de metais, à olaria e à navegação. O homem foi modificando a forma
de trabalhar e, no mesmo processo, a si mesmo. Assim, o homem foi atuando
sobre a natureza cada vez de forma mais intencional, passando a planejar o
trabalho. Segundo Katz, Braga e Coggiola (1995, p. 11) “o intercâmbio que o
homem realiza com a natureza mediante o trabalho não é um ato instintivo-
biológico, mas uma ação consciente”.
Para realizar o trabalho, o homem foi criando vários instrumentos e várias
formas de fazê-lo. Assim, foi dividindo o trabalho e essa divisão provocou a
divisão dos homens, que divididos foram se organizando em classes,
constituindo uma sociedade de classes. Se o homem se faz pelo trabalho e esse
trabalho é realizado com o outro, ele tem um aspecto coletivo, portanto
coletivamente vai produzindo o conhecimento. Então, o conhecimento é produto
do trabalho humano que precisa ser socializado aos outros homens. Isso
acontece por meio da educação. É preciso, então, entender educação também
como processo de socialização do que a sociedade já produziu, portanto,
mediadora entre a sociedade e a “pessoa”. As questões da educação são
engendradas nas relações que os homens estabelecem ao produzir sua
existência. A educação, portanto, não é neutra, é política, não é deslocada do
contexto, é processo situado social e historicamente. A educação é instrumento
de socialização do resultado do trabalho e é trabalho.
Segundo Wachowicz (1995), a educação não se reduz à transmissão do
conteúdo cultural, mas de apropriação de uma realidade, não só de um conteúdo
elaborado sobre essa realidade. Consideramos o entendimento da autora mais
amplo porque percebe o sujeito como ativo e indica a educação como ação,
como trabalho.
O processo de educação é situado histórica e geograficamente, portanto,
acontece de formas diferentes em cada tempo e em cada espaço. Segundo
Pimenta (2001), a educação, como prática social humana, é um fenômeno
móvel, histórico, inconcluso, que não pode ser captado na sua integralidade,
senão na sua dialeticidade. Considerar que há diversidade na forma de ser da
educação provoca a necessidade de compreendê-la, de investigá-la e teorizá-la.
E é justamente assim que se engendra a Pedagogia. Podemos afirmar,
segundo Wachowicz (2001), que a educação é a ação e a Pedagogia é a teoria
construída a partir dessa ação. Mazzotti (2001) contribui para essa reflexão e
afirma que a Pedagogia é uma reflexão sistemática sobre a prática educativa. O
autor também afirma que a Pedagogia é uma rede de significações sobre o fazer
educativo. Pimenta (2001) afirma que Pedagogia seria um saber (uma ciência?)
que estuda a educação. A definição de Pedagogia por diferentes autores não
demonstra grandes controvérsias, porém, quando se problematiza a questão
epistemológica (a discussão do objeto) da Pedagogia, há um debate
significativo. E essa é uma questão importante, pois é necessário termos clareza,
segundo Pinto (apud Pimenta, 2001), da natureza do nosso trabalho.
Seria a Pedagogia uma ciência da educação? Em vez de Pedagogia não
teríamos ciências da educação? Seria a Pedagogia uma Filosofia da Educação?
Tanto Pimenta (2001), como Mazzotti (2001) e Wachowicz (1995) problematizam
a questão e consideram difícil determinar o que é Pedagogia.
Mazzotti (2001, p. 15) afirma que o lugar da Pedagogia entre as ciências
que examinam o fazer pedagógico pode ser assim descrito:

A educação escolar – o modo mais sistemático da ação educativa em


nossa sociedade – apresenta-se como objeto de investigação para as
Ciências do Homem. Assim a Antropologia, a História, a Sociologia
procuram investigar as relações sociais que são tecidas no processo
de escolarização e por ele. Como um cristal, a educação escolar
reflete as luzes das diversas ciências que procuram apreendê-la.
Cada uma das ciências procura encontrar na escolarização as
características que lhe são relevantes. Quando estas investigações
permitem a exposição do movimento mesmo do fazer escolar,
alcança-se o desenho da tecitura da escolaridade, até onde é
possível, em cada ciência em sua historicidade.

Nessa perspectiva, poderíamos considerar que seria melhor utilizar o


termo Ciências da Educação, ou seja, que a Pedagogia busca na Psicologia, na
Biologia, na Sociologia e em outras ciências elementos necessários para
compreender a complexidade da educação.
Coelho e Silva (apud Pimenta, 2001) denomina a Biologia, Psicologia,
Antropologia, Etnografia, Sociologia, Economia e Ecologia como ciências com
implicações na educação e defende a necessidade de se construir o estatuto
epistemológico de uma ciência específica da Educação. Dias de Carvalho (apud
Pimenta, 2001) considera as ciências citadas como insuficientes, uma vez que
não partem do fenômeno educativo como problema de investigação. Essas
análises nos aproximam do entendimento da Pedagogia enquanto Ciência da
Educação.
Quintana Cabanas (apud Pimenta, 2001) nos dá elementos para
compreender melhor isso, ao dizer que a Pedagogia não se dilui nas ciências da
Educação, mas se afirma como ciência prática e normativa. Prática, pois se
preocupa com uma aplicação imediata; e normativa, porque tem a preocupação
de produzir diretrizes pragmáticas para a educação. Assim, chegamos à
conclusão de que a Pedagogia é uma ciência prática, diferentemente das
demais, porque, segundo Pimenta (2001, p. 57), “parte da prática e a ela se
dirige”.
Diante dessas constatações, também precisamos levantar a questão da
identidade do pedagogo. Se a Pedagogia é uma ciência, então o pedagogo é um
cientista da Educação e como tal deve refletir sistematicamente sobre a
educação para intervir intencionalmente sobre ela. Há problemas sérios em
relação a isso, pois o pedagogo tem sido, na maioria das vezes, um pragmático,
um socorrista da operacionalidade precária da escola.
Se a Educação é a ação e gera uma teoria que é a Pedagogia, também
ciência prática, é preciso uma mediadora entre elas: a Didática. Segundo
Ghiraldelli Jr (1987, p. 9),

A didática, a meu ver, é mediadora entre o pólo teórico (pedagogia) e


o pólo prático (educação) da atividade educativa. O como ensinar, o
que ensinar e quando ensinar e o para quem ensinar, quando ligados
à pedagogia, estão impregnados dos pressupostos e diretrizes de
uma determinada concepção de mundo que, por sua vez, nutre tal
pedagogia. Ora, no âmbito da didática, o como ensinar, o que ensinar,
o quando ensinar e para quem ensinar se consubstanciam em
motivação para o educador, sob a luz da concepção de mundo que
orienta sua pedagogia, procure os instrumentos e as técnicas
necessários para que a prática educativa ocorra com sucesso.

Se analisarmos os entendimentos que estamos apresentando de


Educação, de Pedagogia e de Didática, percebemos claramente que tais
questões podem ou não se referir à escola, pois a Educação não acontece só no
espaço e no tempo escolar.
Candau (apud Pimenta, 2001, p. 67) apresenta como estruturantes do
método didático:
o conteúdo, a estrutura, organização interna específica de cada área
do conhecimento (negando, portanto, a teoria do método único);
o sujeito da aprendizagem (apreendido por uma nova psicologia);
o elemento lógico;
o elemento contextual onde se dá a prática pedagógica;
e os fins da educação.

Parece simples explicitarmos o objeto da Didática, mas não é. Como diz


Wachowicz (1995), é preciso dialetizar a Didática, ou seja, é preciso
compreender num mesmo movimento o momento de formalização e o momento
de reflexão, isto é, a escolha de técnicas/recursos, mas também os
determinantes dessa escolha. Segundo a autora, o conceito da realidade
depende do viés filosófico e o conceito de educação resulta deste conceito de
realidade que temos, isto é, a concepção de homem e de mundo é que determina
nosso método, portanto, nossa Didática. Seria prudente então falar de Didáticas.
A Didática é então responsável também pela definição do método, que
muitas vezes se confunde com a metodologia. Sendo assim, para compreender
as questões epistemológicas da Educação, da Pedagogia e da Didática e suas
relações, obrigatoriamente, precisamos compreender a questão do método que,
segundo Wachowicz (1995, p. 40), “é a mediação entre o pensamento e o objeto:
enquanto o pensamento busca apropriar-se do objeto, desenvolve-se o método”.
O método é, portanto, o modo como apreendemos a realidade e sua escolha
está relacionada ao processo de constituição histórica do sujeito que a faz,
portanto, marcada pela sua situação de classe, pelas suas convicções.
A maioria dos professores, quando questionados sobre que método
adota, escorrega para a famosa resposta: “Uso um pouco de cada um. Aproveito
o que cada um tem de bom”. Isso, em geral, explicita a não compreensão do
professor em relação ao método. Definir o método de trabalho é assumir uma
postura clara em relação ao homem que se pretende ajudar a construir e ao
projeto social que pretende defender por meio do seu trabalho e, a partir dessas
questões, definir conteúdos, técnicas de ensino, formas de avaliação e fontes de
referência. A definição do método pressupõe os outros fatores. Ter clareza disso
é definir a direção, a abordagem. “Compreender o método é instrumentalizar-se
para o conhecimento da realidade” (PIRES, 1996, p. 86).
Poderíamos afirmar que o método é o conjunto das “vias de consecução
do objectivo e o conjunto de determinados princípios e meios de pesquisa teórica
e ação prática” (Afanássiev apud SAPELLI, 2004, p. 79), ou seja, um caminho
que permita, filosófica e cientificamente, compreender a realidade. A escolha de
tal conceito não define a direção da discussão que queremos propor, mas
contribui para iniciar a reflexão. Podemos, no processo de definição do método,
adotar a perspectiva idealista e nos apoiar na primazia das ideias e
considerarmos o mundo como produto da consciência ou a perspectiva
materialista mecanicista e, apesar de referenciarmos a materialidade,
conformarmo-nos com o determinismo das condições concretas na vida do
homem.
Talvez não seja exatamente uma escolha. O professor e a pessoa que é
o professor jamais se separam, portanto a opção pelo método está intimamente
relacionada à condição de sujeito do mesmo ou com os limites da sua
necessidade de sobreviver. Apesar de compreendermos isso, queremos propor
uma reflexão sobre a perspectiva materialista dialética histórica do método,
considerando que nem os tempos são estáticos e nem os sujeitos o são. A sua
lógica é a “possibilidade de compreensão da realidade como essencialmente
contraditória e em permanente transformação” (Konder apud PIRES, 1996, p.
84).
Quando o professor, a partir do sujeito que é, define seu método, toda e
qualquer ação sua será orientada por ele. Compreender isso é dialetizar a
Didática. É possível aplicar esse método ao trabalhar com os conhecimentos de
qualquer área, desde que entendamos que conhecer, segundo Marx, não é um
ato, mas um processo.
Aplicar o método materialista dialético-histórico no trabalho cotidiano da
Escola é trabalhar a realidade de forma a explicitar as suas contradições, a sua
totalidade e as mediações. Segundo Konder (2000), se não enxergarmos o todo,
podemos atribuir um valor exagerado a uma verdade limitada (transformando-a
em mentira), prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais geral.
Nesse método, a prática social concreta é sempre o ponto de partida, a base e
o objetivo final no processo do conhecimento.
Assim, concluímos que há uma íntima relação entre Trabalho, Educação,
Pedagogia e Didática. O trabalho é a forma de produção da vida e do próprio
homem e por meio dele se produz conhecimentos que podem ser socializados
por meio da educação. Essa é um processo humano complexo que precisa ser
entendido, ser investigado. A ciência que responde a essa necessidade é a
Pedagogia que encontra, por sua vez, na Didática as formas de consolidar-se e
essa consolidação implica em opções, tanto de método como de técnicas,
conteúdos e recursos.
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(2009).
Márcia Angela da S. Aguiar et al

DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO


DE PEDAGOGIA NO BRASIL: DISPUTAS DE
PROJETOS NO CAMPO DA FORMAÇÃO DO
PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

MÁRCIA ANGELA DA S. AGUIAR*


IRIA BRZEZINSKI**
HELENA COSTA L. FREITAS***
MARCELO SOARES PEREIRA DA SILVA****
IVANY RODRIGUES PINO*****

RESUMO: Neste artigo, os autores analisam as novas diretrizes


curriculares do curso de pedagogia, objeto de normatização do Conse-
lho Nacional de Educação (CNE), em 2005, a partir do debate feito à
luz do acervo de conhecimentos teórico-práticos sistematizados pelas
principais entidades do campo educacional (ANFOPE, ANPED, CEDES,
FORUMDIR, ANPAE).1 Evidenciam, criticamente, alguns dos problemas e
das tensões que marcam a trajetória desse curso ao longo da história da
educação brasileira. Focalizam, no âmbito das políticas educacionais,
em especial, o movimento dos educadores pela definição das diretrizes
curriculares para a formação dos profissionais da Educação Básica, que
reflete posições de ordem epistemológica, pedagógica e política

* Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atual presidente da Associação Na-


cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). E-mail: marcia_angela@uol.com.br
** Professora da Universidade Católica de Goiás (UCG) e conselheira do Centro de Estudos Edu-
cação e Sociedade (CEDES). E-mail: iria@ucg.br
*** Professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atual presidente
da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). E-mail:
helena.freitas@uol.com.br
**** Professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e atual presidente do Fórum de
Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras
(FORUMDIR ). E-mail: marcelosoares@ufu.br
***** Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atual
presidente do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES). E-mail: ivany@unicamp.br

Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 96 - Especial, p. 819-842, out. 2006 819
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Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil...

atinentes às visões e aos projetos educacionais em disputa, no Brasil, nas


últimas décadas. A problematização das diretrizes curriculares concor-
re para ampliar a compreensão da complexidade do campo da peda-
gogia e dos desafios teórico-práticos com que as instituições de ensino
superior, em particular as universidades, deparam-se para materializar
a reforma do curso de pedagogia, na esteira das novas regulamentações
legais e na perspectiva de uma formação cidadã.
Palavras-chave: Pedagogia e curso de pedagogia. Políticas educacionais.
Diretrizes curriculares de pedagogia. Profissionais da
educação. Formação de professores. Política de formação.

CURRICULUM GUIDELINES OF THE PEDAGOGY COURSE IN BRAZIL:


PROJECT DISPUTES IN THE FIELD OF THE TRAINING OF EDUCATION
PROFESSIONALS

ABSTRACT: Based on the debate conducted in the light of the theo-


retical-practical knowledge acquired by the main organisms of the edu-
cational field (ANFOPE, ANPED, CEDES, FORUMDIR, ANPAE), the authors ana-
lyze the new curriculum guidelines of the pedagogy course, which was
regulated by the Conselho Nacional de Educação (CNE – Brazilian Coun-
cil for Education) in 2005. They critically highlight some of the prob-
lems and tensions that have marked the trajectory of this course along
the history of Brazilian education. Within the educational policies, they
more particularly focus on the educator movement for the definition of
curriculum guidelines for the training of basic education professionals,
which reflects some epistemological, pedagogical and political positions
related to the educational visions and project in dispute, in Brazil, these
last decades. Problematizing the curriculum guidelines helps under-
standing better how complex the field of pedagogy is and what theo-
retical-practical challenges face the higher education institutions, more
particularly universities, in order to concretize the reform of the peda-
gogy course to comply with the new legal regulations but also from the
point of view of a citizen training.
Key words: Pedagogy and pedagogy course. Educational policies. Peda-
gogy curriculum guidelines. Education professionals.
Teacher training. Training policies.

Introdução
esultam das diferentes interpretações do campo da pedagogia e
das disputas político-pedagógicas dos atores sociais, nos diversos
contextos sócio-históricos, as várias identidades atribuídas ao cur-

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Márcia Angela da S. Aguiar et al

so de pedagogia, no Brasil. Essas identidades revelam, grosso modo, con-


flitos atinentes ao estatuto teórico e epistemológico da pedagogia e do
curso de pedagogia, sobretudo no que se refere às concepções de licenci-
atura e bacharelado e seus desdobramentos na configuração curricular des-
se curso. Sem dúvida, as visões controvertidas a respeito dessas concep-
ções têm predominado no debate e se manifestam mais claramente nas
propostas que vinculam ou separam licenciatura e bacharelado, ora vistos
como cursos distintos, ora como dimensões de uma estrutura única de
curso.2 Nos debates que pontuaram as duas últimas décadas, sobre as
propostas de reformulações curriculares do curso de pedagogia, essas po-
sições conflituosas se tornam mais visíveis nas proposições de diretrizes
curriculares emanadas das comissões de especialistas do curso de pedago-
gia3 e em artigos sobre tal temática divulgados em livros e revistas de cir-
culação nacional.
Como observam Aguiar e Melo (2005a), considerando as inter-
pretações diferenciadas sobre a pedagogia, as diversas identidades atri-
buídas ao curso de pedagogia no Brasil abrangem desde uma concep-
ção de licenciatura separada do bacharelado, de corte positivista, a uma
concepção de curso de estrutura única, envolvendo a relação intrínseca
entre ambos, com base num enfoque globalizador.
Os diferentes sentidos dados historicamente à pedagogia e ao cur-
so de pedagogia materializados no currículo expressam, como observam
essas autoras, abordagens sobre teoria-prática, conteúdo-forma e objeto-
sujeito e reportam-se às questões epistemológicas e socioculturais que per-
meiam o debate sobre a modernidade. Hodiernamente, ainda se mani-
festa no campo teórico a visão tecnicista, sob a forma do neotecnicismo
(Freitas, 1992; 1995), em confronto com outros enfoques tradicionais e
críticos.
No plano da definição das políticas educacionais, em especial da-
quelas voltadas para a normatização das bases curriculares dos cursos de
graduação, entre estes o de pedagogia, esses conflitos se expressam de for-
ma permanente, traduzindo perspectivas diferenciadas dos atores envol-
vidos. Considerando tais tensões que atravessam as lutas sociopolíticas e
a produção acadêmica da área, o presente texto (re)visita o curso de pe-
dagogia, apontando para algumas questões recorrentes ao longo de sua
história, e que são (re)atualizadas no contexto político da reforma da edu-
cação superior no país, que se manifestam inclusive nas novas diretrizes
curriculares do curso de pedagogia.

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Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil...

A formação do educador no curso de pedagogia: os embates das úl-


timas décadas
As políticas educacionais do regime autoritário monitoradas pelas
Leis da Reforma Universitária (1968) e do Ensino de 1º e 2º Graus
(1971), com evidente interesse de servir ao mercado, definiram um mo-
delo de formação de professores compartimentado em dois loci da uni-
versidade: de um lado, a faculdade de educação ou unidade acadêmica
equivalente, responsável pelo curso de pedagogia e a formação pedagógi-
ca dos licenciandos, e, de outro, os institutos de conteúdos específicos,
onde se formavam bacharéis e licenciados.
Naquele contexto, as reformulações propostas para o curso de pe-
dagogia encontram razões, especialmente, na indefinição dos conteúdos
básicos do currículo, portanto na falta de especificidade do curso, pelo
fato de a área de saber da pedagogia ser campo de aplicação de outras
ciências, e no reducionismo simplista, manifestado no preceito legal de
“treinar” pedagogos para desempenharem algumas tarefas não-docentes
na escola.
A respeito do “treinar” pedagogos, Brzezinski (1994, p. 91) mostra
desacordo ao assim expressar-se:

Essa prática autoritária, inculcadora de uma ideologia alienante que bus-


cava transportar para a organização escolar, cuja natureza exige um traba-
lho coletivo, as relações fragmentadoras, particularizadas inerentes às orga-
nizações do trabalho produtivo, dominou o sistema educacional brasilei-
ro, por duas décadas. De maneira mais precisa, dominou a “capacitação de
recursos humanos para a educação”, a qual inclui formação de professores
e especialistas, sob a égide da Teoria do Capital Humano.

Com base nestas “diretrizes” e na fundamentação doutrinária e téc-


nica das duas leis já citadas, o CFE passou a elaborar indicações para definir
“o papel e os campos de estudos próprios da Faculdade de Educação ou
unidade equivalente” (Chagas, 1976, p. 9). Este autor, também idealizador
e relator de um conjunto de indicações no CFE, atribuía a ele a autoria de
um novo “sistema de formação de professores” que deveria deitar por terra,
de uma vez por todas, o Esquema 3+1. Seu intento, contudo, não foi al-
cançado, mas ele conseguiu aprovar no CFE um “pacote pedagógico”, com-
posto por diversas indicações que, não fosse a resistência dos educadores
mobilizados nacionalmente, teria se consolidado como sistema.

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Nessa ocasião, a Valnir Chagas (1976) interessava provocar mu-


danças estruturais nas licenciaturas e propugnava a extinção do curso
de pedagogia, quando aprovou no CFE as Indicações n. 67/68/1975 e
n. 70/71/1976, que discorriam, respectivamente sobre Estudos Supe-
riores de Educação, Formação Pedagógica das Licenciaturas, Preparo de
Especialistas em Educação e Formação de Professores de Educação Es-
pecial. A Indicação n. 69/1976, que versava sobre Formação do Profes-
sor para os Anos Iniciais da Escolarização em Nível Superior, não foi
homologada. Segundo a ideologia da época, o “pacote pedagógico” de
Chagas referia-se à “Formação de Recursos Humanos da Educação”, que
incluía o preparo para as funções docentes e não-docentes da escola de
1° e 2° graus.
A homologação das quatro supramencionadas indicações foi re-
cebida pelos educadores como mais uma arbitrariedade do poder que
desconhecia práticas, pesquisas e estudos desenvolvidos pelos profissio-
nais que se debruçavam sobre as questões da formação em seu cotidia-
no. Rapidamente, a mobilização nacional para a reformulação dos cur-
sos de pedagogia tomou impulso à medida que foram suscitados
debates acerca do corpus doutrinário e técnico das indicações do CFE.
Ponto de partida da mobilização foi a realização do I Seminário
de Educação Brasileira (1978) na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), organizado com a objetivo de divulgar resultados da pesqui-
sa “Análise do currículo e conteúdo programático dos cursos de peda-
gogia com vistas a propostas alternativas de reformulação”, o qual se
transformou em marco histórico no Movimento dos Educadores que
aspirava subverter a tradicional ordem de “cima para baixo” nas deci-
sões sobre as questões educacionais.

Dois anos após, a USP sediou a I Conferência Brasileira de Educação (CBE),


também um grande movimento que teve como tônica os questionamentos
contra as políticas educacionais da ditadura. Nessa CBE,4 em 2 de abril de
1980, foi instalado o Comitê Pró-Formação do Educador, que passou a
funcionar na Universidade Federal de Goiás (UFG).

O Movimento dos Educadores toma vulto e demonstra sua for-


ça, como resistência ao poder instituído, durante toda a década de
1980, por meio de debates, embates e manifestações públicas por in-
termédio de ações sob o ponto de vista epistemológico, político e didá-
tico-pedagógico. Sob o enfoque epistemológico, as ações dos educado-

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res visavam à redefinição e à busca da identidade do curso de pedagogia


no elenco dos cursos de formação de professores. Sob o ponto de vista
político, em face do processo de “abertura democrática” os educadores
acreditavam na transformação político-social da sociedade brasileira, his-
toricamente necessária. “Movidos pela consciência coletiva, deflagraram
a luta pela valorização do magistério, assim como por um profissionalis-
mo que fora entorpecido pelo utilitarismo cego das políticas educacio-
nais” (Brzezinski, 2005, p. 12). Sob a perspectiva didático-pedagógica
pretendiam apresentar uma proposta nacional de mudanças estruturais
no curso de pedagogia, que rompesse com a camisa-de-força imposta pelo
currículo mínimo. Perspectiva logo redimensionada, visto que as mudan-
ças deveriam abranger todo o “sistema de formação de professores”, ao se
considerar que a formação pedagógica do professor mantém sua base te-
órico-epistemológica no campo educacional e a base da identidade do
profissional da educação encontra-se na docência: todos são professores
(grifos nossos) (Comissão Nacional, 1983, p. 5).
A literatura da área evidencia os muitos avanços e conquistas que
advieram desses embates enfrentados na década da “abertura democrá-
tica”. No conjunto das conquistas, podem-se destacar, em especial, a
aceitação da base comum nacional organizada em eixos curriculares que,
com a evolução dos estudos epistemológicos, foram tomando a dimen-
são de “(...) princípios norteadores que fundamentam a base comum
nacional e expressam a concepção sócio-histórica da educação
construída na práxis educacional” ( ANFOPE et al., 2005, p. 1); as
reformulações curriculares feitas pela maioria das universidades públi-
cas e particulares (que não se pautam pela lógica do lucro), que adota-
ram a docência como base da identidade do curso de pedagogia e ex-
tinguiram as habilitações; a intensa produção científica dos educadores
socializada em periódicos e livros e a permanente participação no
Fórum em Defesa da Escola Pública.

O movimento pela construção das diretrizes de formação


O movimento de discussão e elaboração das diretrizes da pedago-
gia tem um marco importante em 1998, quando a Comissão de Especia-
listas de pedagogia, instituída para elaborar as diretrizes do curso, desen-
cadeou amplo processo de discussão, em nível nacional, ouvindo as
coordenações de curso e as entidades – ANFOPE, FORUMDIR, ANPAE, ANPED,

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CEDES, Executiva Nacional dos Estudantes de pedagogia. O resultado des-


se processo foi a elaboração do Documento das Diretrizes Curriculares
do Curso de Pedagogia e seu encaminhamento ao CNE , em maio de
1999,5 após uma grande pressão de todos esses segmentos junto à SESU e
à Secretaria de Ensino Fundamental, do Ministério da Educação, que re-
sistiam em enviá-las ao CNE, na tentativa de construir as diretrizes para o
curso normal superior, criado pela LDB e prestes a ser regulamentado.
Seguido de um conjunto de assinaturas representativas dos dife-
rentes segmentos, o documento foi encaminhado ao CNE e permaneceu,
ao longo de oito anos, aguardando a definição e regulamentação de ou-
tros pontos ainda polêmicos com relação à formação, como o próprio
curso normal superior, que até o momento não possui suas próprias dire-
trizes.6 Para a criação dos inúmeros cursos hoje existentes, foram elabora-
dos pela Comissão de Ensino de Pedagogia e pela Comissão de Especia-
listas Formação de Professores, em 2001, os indicadores para autorização
e reconhecimento.
Neste intervalo entre maio de 1999 e junho de 2004, as várias
iniciativas do MEC com relação à formação de professores e ao próprio
curso de pedagogia (Parecer da Câmara do Ensino Superior – CES n.
133/01, Resoluções n. 01 e 02/2002, que instituem Diretrizes para
Formação de Professores) causaram mais transtornos do que encaminha-
mentos positivos para tais cursos, a tal ponto que hoje a diversidade de
estruturas exigirá provavelmente do Poder Público um acompanhamen-
to rigoroso, bem como processos de avaliação da formação oferecida, de
modo que se preservem as iniciativas positivas e se estabeleçam metas
para o aprimoramento da qualidade de outras.
As iniciativas do MEC induziram também a uma política de cres-
cimento desordenado do ensino superior privado. Cabe destacar a cres-
cente expansão dos cursos normais superiores e do próprio curso de pe-
dagogia, principalmente em instituições privadas, em sua grande
maioria sem história e sem compromisso anterior com a formação em
quaisquer de seus níveis e modalidades. Dados oficiais do INEP / MEC
(2006) revelam que existem na atualidade 1.437 cursos de pedagogia
e 1.108 cursos normais superiores, sem considerar os inúmeros ISEs e
cursos de licenciatura criados também nesse período.
Os educadores e suas entidades acompanharam de perto este mo-
vimento, e estiveram presentes, em todo este período, mobilizando-se

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por meio de encontros, reuniões, documentos, orientados sempre pelo


princípio fundamental que desde a promulgação da LDB se firmara jun-
to ao MEC, SESU e CNE: as discussões das diretrizes da pedagogia se inserem
na discussão das orientações, políticas e Diretrizes da Formação dos Educa-
dores da Educação Básica, não podendo, portanto, serem aprovadas fora des-
te contexto. Esta formulação corresponde a uma expectativa histórica dos
educadores de construir uma política nacional de formação e, em seu
interior, um sistema articulado e integrado de formação dos profissio-
nais da educação, contemplando todas as modalidades e os níveis até a
pós-graduação e a formação continuada. É indicadora ainda da com-
preensão de que essa formação somente atingirá níveis qualitativamen-
te elevados se desenvolvida de forma integrada e articulada para todos
os níveis de ensino, nas instituições universitárias.
Nessa direção, a ANFOPE, em documento de 1998, reafirma, com
clareza, seus princípios ao indicar as diretrizes para a formação dos pro-
fissionais da educação:

A ANFOPE reafirma ainda que as Universidades e suas Faculdades/Centros


de Educação constituem-se o lócus privilegiado da formação dos profissi-
onais da educação para atuação na educação básica e superior. Reafirma
também a necessidade de repensar as estruturas das Faculdades/Centros de
Educação e a organização dos cursos de formação em seu interior, no sen-
tido de superar a fragmentação entre as Habilitações no curso de pedago-
gia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e dos demais licencian-
dos, considerando-se a docência como a base da identidade profissional de
todos os profissionais da educação. (ANFOPE, 1998)

No período em foco, várias discussões ocorreram e documentos


foram organizados com o objetivo de interferir na política de formação
dos educadores. Em decorrência das pressões das entidades, em junho
de 1999, a SESU/MEC institui o GT Licenciaturas, composto por educa-
dores da área e pela ANFOPE, que após amplas discussões, tanto nas reu-
niões da ANPED como no Congresso Estadual Paulista de Formação do
Educador,7 elaborou o Documento Norteador para Elaboração das Dire-
trizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores.8 Esse docu-
mento chegou a ser discutido com representantes das entidades das áre-
as específicas das licenciaturas, em um processo que começava a romper
as resistências, mas foi “engavetado” pelo MEC, que decidiu elaborar ou-
tro documento enviado ao CNE, o qual foi aprovado em 2001 e 2002

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como as Diretrizes para os Cursos de Formação Inicial de Professores para


a Educação Básica.9 Já naquele momento, a ANFOPE e a Comissão de Es-
pecialistas de pedagogia, da SESU/MEC, apontavam com clareza a neces-
sidade de tratar, simultaneamente e de forma integrada, a formação de
todos os profissionais da educação, licenciados e pedagogos. A recusa
do MEC foi sempre uma tônica desses debates e embates.
Em agosto de 1999, a ANFOPE manifestava-se firmemente com re-
lação a essa reivindicação junto ao CNE e ao MEC. Em novembro desse ano,
durante o IV Seminário Nacional e o I Encontro Nacional dos Fóruns
de Licenciaturas, realizados conjuntamente, em Recife, pela ANFOPE e
FORUMDIR, ocorreu a recusa à proposta da conselheira Eunice Durhan (do
CNE ), que pretendia eliminar a possibilidade de formação de docentes
para as séries iniciais e educação infantil dos cursos de pedagogia (cf. Car-
ta de Recife, ANFOPE/FORUMDIR, 5/11/1999).
Logo após, em dezembro de 1999, é desencadeada uma ampla
mobilização nacional contra o Decreto n. 3.276/99, que estabeleceu a
exclusividade dos cursos normais superiores para a formação dos profes-
sores para esses níveis de ensino. O conteúdo desse decreto, em razão de
pressão das universidades e entidades dos educadores com relação ao go-
verno federal, foi alterado em 2000 mediante o Decreto n. 3.554, que
substituiu o termo preferencialmente no lugar do exclusivamente.10
Em maio de 2000, anterior à realização do X Encontro Nacio-
nal de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), acontece o V Seminário
Nacional da ANFOPE e FORUMDIR e o II Encontro Nacional dos Fóruns
das Licenciaturas, com posicionamentos sobre a aludida questão. Na
52ª Reunião Anual da SBPC, em Brasília, em julho de 2000, a Carta do
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, firmada por 12 associa-
ções e fóruns de educadores, reafirma a necessidade de manter, nos cur-
sos de graduação plena, pedagogia, a formação de professores para as
séries iniciais e educação infantil, entre outros temas.
Durante as audiências públicas regionais e nacional do CNE, que
se sucederam entre fevereiro e abril, para discussão das diretrizes de for-
mação de professores, as entidades signatárias – ANPED, ANFOPE, ANPAE e
FORUMDIR – reafirmam novamente, em cuidadosos e extensos documen-
tos, a necessidade do estabelecimento de diretrizes nacionais específi-
cas para os cursos de pedagogia, considerando a proposta da Comissão
de Especialistas de Ensino de Pedagogia de 1999.

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Durante consulta ao setor acadêmico, no âmbito do programa espe-


cial do CNE “Mobilização Nacional por uma Nova Educação Básica”, em 7
de novembro 2001, novamente as entidades da área apresentam ao CNE o
documento Posicionamento Conjunto das Entidades, reafirmando as diretri-
zes curriculares para o curso de pedagogia, que aprofunda e explicita as di-
retrizes de 1999.
Esse documento serviria de base para a Proposta de Diretrizes Curri-
culares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,11 elaborada
pela Comissão de Especialistas de Pedagogia e pela Comissão de Especia-
listas de Formação de Professores, e enviada ao CNE em abril de 2002.
Em maio de 2002, são aprovadas as Diretrizes para Formação de
Professores. Em junho de 2002, o CNE constitui Comissão Bicameral com
a finalidade de estabelecer diretrizes operacionais para a formação de pro-
fessores para a Educação Básica e apresentar estudo sobre a revisão das
Resoluções CNE/CP n. 02/97, que dispõe sobre os programas especiais de
complementação pedagógica de bacharéis, e CNE/CP n. 01/99, que dis-
põe sobre os institutos superiores de educação.
No contexto da disputa eleitoral, essa Resolução passa desperce-
bida pela área e, mesmo após uma reunião ampla convocada durante a
Reunião Anual da ANPED, em razão dos rumores da existência de Mi-
nuta de Resolução alterando os cursos de pedagogia, o seu conteúdo
não foi socializado naquele momento.
No entanto, no antigo CNE novos movimentos vão se gestando com
o fim de assegurar as mudanças que alguns setores propugnavam para o
campo da formação. Vem, do Conselho Estadual de São Paulo, o “mode-
lo” de estrutura dos cursos de formação. Nesse estado é gestada a idéia12
que se materializaria, posteriormente, no âmbito da Comissão Bicameral,
na Minuta de Resolução, somente divulgada publicamente em julho de
2003, durante o Congresso Estadual Paulista de Formação do Educador,
mobilizando as entidades para ampliar o debate, que vem a acontecer em
outubro, durante a reunião da ANPED.

Novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia e as proposições


das entidades do campo educacional
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia,
consubstanciadas nos Pareceres CNE/CP n. 05/2005, 01/2006 e na Re-
solução CNE/CP n. 01/2006, demarcam novo tempo e apontam para no-

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vos debates no campo da formação do profissional da educação no cur-


so de pedagogia, na perspectiva de se aprofundar e consolidar sempre
mais as discussões e reflexões em torno desse campo.
Esse aprofundamento exige, no entanto, que se delineiem de for-
ma mais clara e precisa os contornos e as perspectivas que essa formação
poderá assumir em decorrência das diretrizes aprovadas.
As DCN-Pedagogia definem a sua destinação, sua aplicação e a
abrangência da formação a ser desenvolvida nesse curso. Aplicam-se: a) à
formação inicial para o exercício da docência na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental; b) aos cursos de ensino médio de
modalidade normal e em cursos de educação profissional; c) na área de
serviços e apoio escolar; d) em outras áreas nas quais sejam previstos co-
nhecimentos pedagógicos. A formação assim definida abrangerá,
integradamente à docência, a participação da gestão e avaliação de siste-
mas e instituições de ensino em geral, a elaboração, a execução, o acom-
panhamento de programas e as atividades educativas (Parecer CNE/CP n.
05/2005, p. 6).
Abre-se, assim, amplo horizonte para a formação e atuação profis-
sional dos pedagogos. Tal perspectiva é reforçada nos artigos 4° e 5° da
Resolução CNE/CP n. 01/2006, que definem a finalidade do curso de pe-
dagogia e as aptidões requeridas do profissional desse curso:
Art. 4º - O curso de Licenciatura em pedagogia destina-se à formação de pro-
fessores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modali-
dade Normal, de Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar e
em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação
na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de
tarefas próprias do setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de
projetos e experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares.

Delineia-se, pois, que a formação no curso de pedagogia deverá as-


segurar a articulação entre a docência, a gestão educacional e a produção
do conhecimento na área da educação. Com essa explicitação, o legisla-

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dor afasta a possibilidade de redução do curso a uma formação restrita à


docência das séries iniciais do ensino fundamental, aproximando-se, des-
sa forma, das propostas de diretrizes apresentadas pela Comissão de Es-
pecialistas de Pedagogia de 1999. Todavia, faz-se necessário demarcar a
compreensão desses elementos constitutivos da formação do pedagogo.
A docência nas DCN-Pedagogia não é entendida no sentido restrito
do ato de ministrar aulas. O sentido da docência é ampliado, uma vez
que se articula à idéia de trabalho pedagógico, a ser desenvolvido em espa-
ços escolares e não-escolares, assim sintetizado no Parecer CNE/CP n. 05/
2005 (p. 7):

Entende-se que a formação do licenciado em pedagogia fundamenta-se no


trabalho pedagógico realizado em espaços escolares e não-escolares, que
tem a docência como base. Nesta perspectiva, a docência é compreendida
como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional,
construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influen-
ciam conceitos, princípios e objetivos da pedagogia.
Dessa forma, a docência, tanto em processos educativos escolares como não-
escolares, não se confunde com a utilização de métodos e técnicas preten-
samente pedagógicos, descolados de realidades históricas específicas. Consti-
tui-se na confluência de conhecimentos oriundos de diferentes tradições cul-
turais e das ciências, bem como de valores, posturas e atitudes éticas, de ma-
nifestações estéticas, lúdicas, laborais. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 7)

Tomados sob essa perspectiva o trabalho docente e a docência im-


plicam uma articulação com o contexto mais amplo, com os processos
pedagógicos e os espaços educativos em que se desenvolvem, assim como
demandam a capacidade de reflexão crítica da realidade em que se situ-
am. Com efeito, as práticas educativas definem-se e realizam-se media-
das pelas relações socioculturais, políticas e econômicas do contexto em
que se constroem e reconstroem. Nessa perspectiva, Aguiar e Melo
(2005a) afirmam:

(...) escapando aos reducionismos da visão teoricista (aplicação instrumen-


tal da teoria na prática), e do praticismo (prioridade ao saber tácito,
construído na prática imediata cotidiana) na sala de aula, tem-se o enten-
dimento de que a docência é o fulcro de articulação dos diversos conheci-
mentos – aportes teóricos da pedagogia e das Ciências da Educação e de
outros conhecimentos especializados e daqueles produtos das práticas es-
colares e não-escolares refletidas. Lugares onde ela se (re)produz interna-

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mente nas suas especificidades, construindo novas alternativas de práticas


pedagógicas diante de problemáticas existentes. Neste sentido, a docência
constitui uma das mediações para a construção do discurso de síntese da
pedagogia, articulada intrinsecamente com a pesquisa. Assim, a relação
docência-pesquisa é um princípio epistemológico da prática.
Destarte, a partir do horizonte vislumbrado para a formação do
profissional da educação no curso de pedagogia, as Diretrizes Curriculares
Nacionais definem os pilares e os contornos dessa formação:

A educação do licenciado em pedagogia deve, pois, propiciar, por meio


de investigação, reflexão crítica e experiência no planejamento, execução,
avaliação de atividades educativas, a aplicação de contribuições de cam-
pos de conhecimentos, como o filosófico, o histórico, o antropológico, o
ambiental-ecológico, o psicológico, o lingüístico, o sociológico, o políti-
co, o econômico, o cultural. O propósito dos estudos destes campos é
nortear a observação, análise, execução e avaliação do ato docente e de
suas repercussões ou não em aprendizagens, bem como orientar práticas
de gestão de processos educativos escolares e não-escolares, além da orga-
nização, funcionamento e avaliação de sistemas e de estabelecimentos de
ensino. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 6)
Como se depreende, a perspectiva que se apresenta para o curso
de pedagogia é de uma formação que favoreça a compreensão da comple-
xidade da escola e de sua organização; que propicie a investigação no cam-
po educacional e, particularmente, da gestão da educação em diferentes
níveis e contextos. A pesquisa, a produção do conhecimento no campo
pedagógico e o estudo das ciências que dão suporte à pedagogia e a pró-
pria reflexão sobre a pedagogia como ciência certamente deverão estar pre-
sentes no processo formativo a ser desenvolvido nesse curso, concomitan-
temente ao estudo a respeito da escola, da prática educativa e da gestão
educacional. Evidências encontradas nas DCN-Pedagogia, na medida em
que no Parecer CNE/CP n. 05/2005 (p. 6-7) está assim indicado:

Para a formação do licenciado em pedagogia é central o conhecimento da


escola como uma organização complexa que tem a função social e
formativa de promover, com eqüidade, educação para e na cidadania. (...)
Também é central, para essa formação, a proposição, realização, análise
de pesquisas e a aplicação de resultados, em perspectiva histórica, cultu-
ral, política, ideológica e teórica, com a finalidade, entre outras, de iden-
tificar e gerir, em práticas educativas, elementos mantenedores, transfor-
madores, geradores de relações sociais e étnico-raciais que fortalecem ou

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Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil...

enfraquecem identidades, reproduzem ou criam novas relações de poder


(...). Finalmente é central a participação na gestão de processos educa-
tivos, na organização e funcionamento de sistemas e de instituições de
ensino, com a perspectiva de uma organização democrática, em que a co-
responsabilidade e a colaboração são os constituintes maiores das relações
de trabalho e do poder coletivo e institucional, com vistas a garantir
iguais direitos, reconhecimento e valorização das diferentes dimensões
que compõem a diversidade da sociedade, assegurando comunicação, dis-
cussão, crítica, propostas dos diferentes segmentos das instituições edu-
cacionais escolares e não-escolares.

A formação proposta para o profissional da educação do curso de


pedagogia é abrangente e exigirá uma nova concepção da educação, da es-
cola, da pedagogia, da docência, da licenciatura. Uma nova compreensão
que situe a educação, a escola, a pedagogia, a docência, a licenciatura no
contexto mais amplo das práticas sociais construídas no processo de vida
real dos homens, com o fim de demarcar o caráter sócio-histórico desses
elementos.
O curso de pedagogia define-se como um curso de licenciatura e,
neste sentido, o mencionado Parecer explicita que a formação para o exer-
cício da docência nas áreas especificadas constitui um de seus pilares. Em
contrapartida, ao se compreender e definir o curso de pedagogia como
uma licenciatura, não se pode incorrer no equívoco de organizá-lo curri-
cularmente como um curso circunscrito ao campo das metodologias de
ensino e dos conteúdos relativos aos saberes específicos para o exercício
da docência na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamen-
tal, no curso da modalidade normal no ensino médio ou, ainda, nos cur-
sos de formação profissional na área da educação que começam a se fazer
presentes em nossa realidade. Até mesmo porque, como já se destacou,
também, em outros momentos, o exercício da docência desenvolve-se no
contexto mais amplo da educação, da escola e da própria sociedade, e,
sendo assim, a formação para tal exercício profissional deve fornecer ele-
mentos para o domínio desse contexto.
A compreensão da licenciatura nos termos das DCN-Pedagogia
implicará, pois, uma sólida formação teórica, alicerçada no estudo das
práticas educativas escolares e não-escolares e no desenvolvimento do
pensamento crítico, reflexivo fundamentado na contribuição das dife-
rentes ciências e dos campos de saberes que atravessam o campo da pe-
dagogia. Essa sólida formação teórica, por sua vez, exigirá novas formas

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de se pensar o currículo e sua organização, para além daquelas concep-


ções fragmentadas, parcelares, restritas a um elenco de disciplinas fecha-
das em seus campos de conhecimento. Ao contrário, as DCN-Pedagogia
apontam para uma organização curricular fundamentada nos “princípios
de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e
relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética” (p. 1).
Desse modo, os núcleos que definirão a estrutura do curso de pe-
dagogia – núcleo de estudos básicos; núcleo de aprofundamento e diversifica-
ção de estudos; núcleo de estudos integradores – devem se integrar e articular
ao longo de toda a formação, a partir do diálogo entre os diferentes com-
ponentes curriculares, por meio do trabalho coletivo sustentado no prin-
cípio interdisciplinar dos diferentes campos científicos e saberes que in-
formam o campo da pedagogia.
Por sua vez, a formação para a gestão educacional, como indicada
nas DCN-Pedagogia, traz uma contribuição importante rompendo com
visões fragmentadas e fortemente centralizadas da organização escolar e
dos sistemas de ensino. Nos debates sobre a formação do pedagogo vá-
rios estudos evidenciaram como a divisão do curso de pedagogia em ha-
bilitações, como preconizado no Parecer CFE/CP n. 262/1969, acabou
por contribuir para que se instalassem, na organização dos processos de
trabalho na escola e nos sistemas de ensino, modelos caracterizados pela
divisão pormenorizada do trabalho educativo; pela dicotomização das
funções de planejamento, concepção, controle e avaliação, de um lado
e, do outro, das funções de implementação, de realização do trabalho
planejado; pela reprodução de estruturas e práticas de poder excluden-
tes, também, no contexto das práticas educativas.
Por certo, esses modelos de organização da educação não são deter-
minados apenas pela formação desenvolvida nos cursos que formam profis-
sionais da educação, mais especificamente, nos cursos de pedagogia. No
entanto, essa formação desempenha um papel importante na produção das
condições históricas para a manutenção ou superação desses modelos, e,
neste sentido, contribuindo para a afirmação da gestão democrática da edu-
cação como elemento central na direção dessa superação.
Ao se indicar o campo de atuação do licenciado em pedagogia,
as DCN-Pedagogia compreendem, assim, a gestão educacional:

Gestão educacional, entendida numa perspectiva democrática, que inte-


gre as diversas atuações e funções do trabalho pedagógico e de processos

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educativos escolares e não-escolares, especialmente no que se refere ao


planejamento, à administração, à coordenação, ao acompanhamento, à
avaliação de planos e de projetos pedagógicos, bem como análise, formu-
lação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas
e institucionais na área de educação. (Parecer CNE/CP n. 05/2005, p. 8)
Definida nestes termos, superam-se de maneira definitiva aqueles
modelos de organização curricular estruturados para formação por “habi-
litação”, que culminavam na formação dos denominados “especialistas em
educação”, como o supervisor, o orientador, o administrador, o inspetor
educacional, entre outros. Eis como essa questão fica definida no artigo
14 da Resolução CNE/CP n. 01/2006:

Art. 14. A Licenciatura em pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP n.


5/2005 e n. 3/2006 e desta Resolução, assegura a formação de profissio-
nais da educação prevista no art. 64, em conformidade com o inciso VIII
do art. 3º da Lei n. 9.394/96.
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de
pós-graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a todos
os licenciados.
§ 2º Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão
ser complementarmente disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino,
nos termos do parágrafo único do art. 67 da Lei n. 9.394/96.
E o Parecer CNE/CP n. 3/2006 esclarece de forma mais definitiva as
dúvidas sobre a eventual observância do disposto no artigo 64 da Lei n.
9.394/1996, ao enfatizar, de um lado, que a licenciatura em pedagogia,
realiza a formação para administração, planejamento, inspeção, supervi-
são e orientação educacional, em organizações (escolas e órgãos dos siste-
mas de ensino) da educação básica e, de outro lado, estabelece as condi-
ções em que a formação pós-graduada para tal deve ser efetivada. Desse
modo, o Parecer reitera a concepção de que a formação dos profissionais
da educação, para funções próprias do magistério e outras, deve ser base-
ada no princípio da gestão democrática (obrigatória no ensino público,
conforme a CF, art. 206-VI; LDB, art. 3º-VIII) e superar aquelas vincula-
das ao trabalho em estruturas hierárquicas e burocráticas.
Tal posicionamento ainda é justificado pelo Parecer CNE/CP n. 5/
2005 que, ao considerar o caráter colegiado da organização escolar, prevê
que todos os licenciados possam ter oportunidade de ulterior aprofun-
damento da formação pertinente, ao longo de sua vida profissional. Su-

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pera, assim, a interpretação baseada em legislação anterior (Lei n.


5.540/1968 e currículos mínimos) que restringia a formação para as
funções já mencionadas aos licenciados de pedagogia. A propósito des-
sa questão, o Conselho designou comissão para emitir parecer sobre di-
retrizes para a formação dos profissionais da educação com relação aos
artigos 64 e 67, parágrafo único, da Lei n. 9.394/96.
Certamente, um desafio que fica para os educadores brasileiros é
se articularem para uma intervenção efetiva na definição das orienta-
ções que regerão a formação a ser desenvolvida nos cursos de pós-gra-
duação destinados à “formação dos profissionais para administração, pla-
nejamento, inspeção, supervisão e orientação na educação básica”, de modo
que venha a contribuir, igualmente, para o fortalecimento da gestão de-
mocrática da educação e da escola e a construção de uma educação pú-
blica de qualidade.

Novos e maiores desafios para o campo da formação


Outras questões também estão no horizonte das modificações ne-
cessárias no âmbito da formação dos educadores profissionais da educa-
ção, entre as quais podemos destacar a inclusão, no texto da Lei da Re-
forma do Ensino Superior, do papel da universidade e das faculdades,
dos centros de educação e departamentos de educação, na formação dos
educadores, professores e profissionais para a educação básica; a revisão
urgente da LDB (artigo 64) e da Resolução n. 01/99, no que tange à cria-
ção dos ISEs e do Curso Normal Superior, como condição para a institui-
ção de um sistema orgânico de formação de professores no país; revisão
das Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Edu-
cação Básica.
Considerando ainda o grande número de ISEs e Cursos Normais
Superiores criados nos últimos anos, bem como de cursos especiais de
formação, tanto no âmbito da iniciativa privada como no âmbito de
instituições públicas, é fundamental a definição de procedimentos que
garantam de imediato:
• O desenvolvimento de processos de avaliação institucional,
que antecedam a processos de reconhecimento e criação de
novos processos de autorização para tais cursos/instituições e
que considerem condições efetivas de realização das ativida-

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des propostas, seja em disciplinas, estágios ou atividades com-


plementares etc.
• Um estudo rigoroso do número de vagas ofertadas nessas ins-
tituições – principalmente considerando que a grande maio-
ria oferece vagas no período noturno, ao qual acorrem estu-
dantes trabalhadores, nem sempre professores em exercício,
impedindo a realização dos estágios e da formação prática e
teórica com a qualidade necessária às exigências da educação
de crianças, jovens e adultos.
Com a aprovação das Diretrizes, não se extinguem as polêmicas
que acompanham as discussões sobre seu caráter e a identidade do cur-
so de pedagogia. O enfrentamento dessas questões não é tarefa para
uma ou outra entidade, mas desafio para a área da educação, para a
investigação e a pesquisa interdisciplinares, compartilhadas a muitas
mãos. Outros desafios emergem de sua aprovação, entre eles o princi-
pal é o de caminhar na perspectiva de construir efetivamente cursos e
percursos de formação no campo da educação e da pedagogia, para for-
mar profissionais que atuarão na educação básica, na formação de cri-
anças, jovens e adultos, na gestão e organização dos espaços escolares e
na elaboração de formas criativas e criadoras para a educação escolar e
não-escolar.
As perspectivas que se descortinam para a efetivação de uma polí-
tica global de formação dos educadores, no país, são promissoras. As mo-
tivações para o debate e para a vivência de novas e criativas experiências
curriculares nos cursos de pedagogia e licenciaturas são elevadas nos mei-
os acadêmicos. As entidades representativas de importantes segmentos da
área – a ANFOPE, o FORUMDIR, a ANPED e o CEDES –, as diretrizes da pedago-
gia e a política de formação dos profissionais da educação estarão presen-
tes e, certamente, serão objeto de análise e de proposições nos encontros,
seminários e congressos que serão realizados no horizonte próximo, com
a disposição renovada de firmar, reafirmar e propor, coletivamente, prin-
cípios e encaminhamentos que orientarão suas ações concretas.
Tem sido esse o compromisso histórico que pauta a agenda des-
sas entidades, pois sabem que somente de forma coletiva, solidária e
crítica será possível enfrentar aqueles desafios que ainda não estão ao
nosso alcance e na esfera de nossa decisão.

Recebido e aprovado em setembro de 2006.

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Notas
1. Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Na-
cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), Centro de Estudos Educação e
Sociedade (CEDES), Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universi-
dades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), Associação Nacional de Política e Administração da
Educação (ANPAE), entre outras.
2. A respeito dessa discussão, consultar Aguiar e Melo (2005a; 2005b).
3. Proposta de Diretrizes Curriculares de Pedagogia elaborada por uma Comissão de Espe-
cialistas de Pedagogia, resultante de ampla consulta às universidades e de consensos
construídos com as entidades ANPED, ANFOPE, CEDES, FORUMDIR e ANPAE, em 1999.
4. A presença de cerca de 200 pessoas, que representavam a maioria dos estados brasileiros,
no painel sobre a Reformulação do Currículo da Pedagogia e das Licenciaturas na I CBE
(Anais, 1980, p. 209-217), comprova que em muitos estados germinava a idéia de orga-
nização dos educadores em torno dessas reformulações (cf. detalhes em Brzezinski, 1994).
5. Consultar <www.mec.gov.br>.
6. O único documento disponível e não aprovado data de maio de 2000.
7. Realizado em Águas de Lindóia, São Paulo.
8. Disponível em: <www.mec.gov.br>.
9. Consultar <www.mec.gov.br/cne>.
10. Conferir <www.mec.gov.br/cne>.
11. Estes documentos podem ser encontrados no site da ANFOPE : <http://lite.fae.unicamp.br/
anfope>.
12. Aprovada no CEE-SP a Indicação n. 22/2002, que estabelece distinção entre os cursos de
pedagogia licenciaturas e pedagogia bacharelado, dando cumprimento ao estabelecido no
artigo 64 da LDB.

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CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
CONSELHO PLENO

RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 15 DE MAIO DE 2006. (*)

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o


Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.

O Presidente do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais


e tendo em vista o disposto no art. 9º, § 2º, alínea “e” da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, no art. 62 da Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, e com fundamento no Parecer CNE/CP nº 5/2005,
incluindo a emenda retificativa constante do Parecer CNE/CP nº 3/2006, homologados pelo
Senhor Ministro de Estado da Educação, respectivamente, conforme despachos publicados no
DOU de 15 de maio de 2006 e no DOU de 11 de abril de 2006, resolve:
Art. 1º A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia, licenciatura, definindo princípios, condições de ensino e de
aprendizagem, procedimentos a serem observados em seu planejamento e avaliação, pelos
órgãos dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país, nos termos
explicitados nos Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e 3/2006.
Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação
inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação
Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos.
§ 1º Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico
e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam
conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre
conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de
aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre
diferentes visões de mundo.
§ 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e
reflexão crítica, propiciará:
I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas;
II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de
conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o
psicológico, o lingüístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural.
Art. 3º O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e
habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação
será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de
interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética
e sensibilidade afetiva e estética.
Parágrafo único. Para a formação do licenciado em Pedagogia é central:
I - o conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de
promover a educação para e na cidadania;
II - a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da
área educacional;
III - a participação na gestão de processos educativos e na organização e
funcionamento de sistemas e instituições de ensino.

(*)
Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11
Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores
para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional
na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na
organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e
experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares.
Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a:
I - atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa,
equânime, igualitária;
II - compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir,
para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual,
social;
III - fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino
Fundamental, assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade
própria;
IV - trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de
sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades
do processo educativo;
V - reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas,
emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas;
VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes,
Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento
humano;
VII - relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação, nos processos
didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação
adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas;
VIII - promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a
família e a comunidade;
IX - identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa,
integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para
superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e
outras;
X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza
ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões,
necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras;
XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e
as demais áreas do conhecimento;
XII - participar da gestão das instituições contribuindo para elaboração,
implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico;
XIII - participar da gestão das instituições planejando, executando, acompanhando e
avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não-escolares;
XIV - realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre alunos
e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não-
escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-
2
Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.
(*)
ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho educativo e práticas
pedagógicas;
XV - utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção de
conhecimentos pedagógicos e científicos;
XVI - estudar, aplicar criticamente as diretrizes curriculares e outras determinações
legais que lhe caiba implantar, executar, avaliar e encaminhar o resultado de sua avaliação às
instâncias competentes.
§ 1º No caso dos professores indígenas e de professores que venham a atuar em
escolas indígenas, dada a particularidade das populações com que trabalham e das situações
em que atuam, sem excluir o acima explicitado, deverão:
I - promover diálogo entre conhecimentos, valores, modos de vida, orientações
filosóficas, políticas e religiosas próprias à cultura do povo indígena junto a quem atuam e os
provenientes da sociedade majoritária;
II - atuar como agentes interculturais, com vistas à valorização e o estudo de temas
indígenas relevantes.
§ 2º As mesmas determinações se aplicam à formação de professores para escolas de
remanescentes de quilombos ou que se caracterizem por receber populações de etnias e
culturas específicas.
Art. 6º A estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a
autonomia pedagógica das instituições, constituir-se-á de:
I - um núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade e a
multiculturalidade da sociedade brasileira, por meio do estudo acurado da literatura pertinente
e de realidades educacionais, assim como por meio de reflexão e ações críticas, articulará:
a) aplicação de princípios, concepções e critérios oriundos de diferentes áreas do
conhecimento, com pertinência ao campo da Pedagogia, que contribuam para o
desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade;
b) aplicação de princípios da gestão democrática em espaços escolares e não-escolares;
c) observação, análise, planejamento, implementação e avaliação de processos
educativos e de experiências educacionais, em ambientes escolares e não-escolares;
d) utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de
aprendizagem;
e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de
desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões física, cognitiva,
afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial;
f) realização de diagnóstico sobre necessidades e aspirações dos diferentes segmentos
da sociedade, relativamente à educação, sendo capaz de identificar diferentes forças e
interesses, de captar contradições e de considerá-lo nos planos pedagógico e de ensino-
aprendizagem, no planejamento e na realização de atividades educativas;
g) planejamento, execução e avaliação de experiências que considerem o contexto
histórico e sociocultural do sistema educacional brasileiro, particularmente, no que diz
respeito à Educação Infantil, aos anos iniciais do Ensino Fundamental e à formação de
professores e de profissionais na área de serviço e apoio escolar;
h) estudo da Didática, de teorias e metodologias pedagógicas, de processos de
organização do trabalho docente;
i) decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por
crianças, além do trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de
escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia,
Artes, Educação Física;
j) estudo das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural, cidadania,
sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea;

3
(*)
Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.
k) atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do
exercício profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a
pesquisa, a extensão e a prática educativa;
l) estudo, aplicação e avaliação dos textos legais relativos à organização da educação
nacional;
II - um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos voltado às áreas de
atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições e que, atendendo a
diferentes demandas sociais, oportunizará, entre outras possibilidades:
a) investigações sobre processos educativos e gestoriais, em diferentes situações
institucionais: escolares, comunitárias, assistenciais, empresariais e outras;
b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos, procedimentos e processos de
aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural da sociedade brasileira;
c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de elaborar propostas
educacionais consistentes e inovadoras;
III - um núcleo de estudos integradores que proporcionará enriquecimento curricular
e compreende participação em:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica, monitoria e
extensão, diretamente orientados pelo corpo docente da instituição de educação superior;
b) atividades práticas, de modo a propiciar vivências, nas mais diferentes áreas do
campo educacional, assegurando aprofundamentos e diversificação de estudos, experiências e
utilização de recursos pedagógicos;
c) atividades de comunicação e expressão cultural.
Art. 7º O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de 3.200
horas de efetivo trabalho acadêmico, assim distribuídas:
I - 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas, realização
de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de
documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente
natureza, participação em grupos cooperativos de estudos;
II - 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas
específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição;
III - 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas
de interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria.
Art. 8º Nos termos do projeto pedagógico da instituição, a integralização de estudos
será efetivada por meio de:
I - disciplinas, seminários e atividades de natureza predominantemente teórica que
farão a introdução e o aprofundamento de estudos, entre outros, sobre teorias educacionais,
situando processos de aprender e ensinar historicamente e em diferentes realidades
socioculturais e institucionais que proporcionem fundamentos para a prática pedagógica, a
orientação e apoio a estudantes, gestão e avaliação de projetos educacionais, de instituições e
de políticas públicas de Educação;
II - práticas de docência e gestão educacional que ensejem aos licenciandos a
observação e acompanhamento, a participação no planejamento, na execução e na avaliação
de aprendizagens, do ensino ou de projetos pedagógicos, tanto em escolas como em outros
ambientes educativos;
III - atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento
progressivo do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de
extensão, diretamente orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação
superior decorrentes ou articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários,
eventos científico-culturais, estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas

4
(*)
Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.
modalidades e experiências, entre outras, e opcionalmente, a educação de pessoas com
necessidades especiais, a educação do campo, a educação indígena, a educação em
remanescentes de quilombos, em organizações não-governamentais, escolares e não-escolares
públicas e privadas;
IV - estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos
graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares que
ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências:
a) na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente;
b) nas disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal;
c) na Educação Profissional na área de serviços e de apoio escolar;
d) na Educação de Jovens e Adultos;
e) na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento,
implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de atividades e projetos
educativos;
f) em reuniões de formação pedagógica.
Art. 9º Os cursos a serem criados em instituições de educação superior, com ou sem
autonomia universitária e que visem à Licenciatura para a docência na Educação Infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de
Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos, deverão ser estruturados com base nesta Resolução.
Art. 10. As habilitações em cursos de Pedagogia atualmente existentes entrarão em
regime de extinção, a partir do período letivo seguinte à publicação desta Resolução.
Art. 11. As instituições de educação superior que mantêm cursos autorizados como
Normal Superior e que pretenderem a transformação em curso de Pedagogia e as instituições
que já oferecem cursos de Pedagogia deverão elaborar novo projeto pedagógico, obedecendo
ao contido nesta Resolução.
§ 1º O novo projeto pedagógico deverá ser protocolado no órgão competente do
respectivo sistema ensino, no prazo máximo de 1 (um) ano, a contar da data da publicação
desta Resolução.
§ 2º O novo projeto pedagógico alcançará todos os alunos que iniciarem seu curso a
partir do processo seletivo seguinte ao período letivo em que for implantado.
§ 3º As instituições poderão optar por introduzir alterações decorrentes do novo
projeto pedagógico para as turmas em andamento, respeitando-se o interesse e direitos dos
alunos matriculados.
§ 4º As instituições poderão optar por manter inalterado seu projeto pedagógico para
as turmas em andamento, mantendo-se todas as características correspondentes ao
estabelecido.
Art. 12. Concluintes do curso de Pedagogia ou Normal Superior que, no regime das
normas anteriores a esta Resolução, tenham cursado uma das habilitações, a saber, Educação
Infantil ou anos iniciais do Ensino Fundamental, e que pretendam complementar seus estudos
na área não cursada poderão fazê-lo.
§ 1º Os licenciados deverão procurar preferencialmente a instituição na qual cursaram
sua primeira formação.
§ 2º As instituições que vierem a receber alunos na situação prevista neste artigo serão
responsáveis pela análise da vida escolar dos interessados e pelo estabelecimento dos planos
de estudos complementares, que abrangerão, no mínimo, 400 horas.
Art. 13. A implantação e a execução destas diretrizes curriculares deverão ser
sistematicamente acompanhadas e avaliadas pelos órgãos competentes.
Art. 14. A Licenciatura em Pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e
3/2006 e desta Resolução, assegura a formação de profissionais da educação prevista no art.
64, em conformidade com o inciso VIII do art. 3º da Lei nº 9.394/96.
5
Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.
(*)
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de pós-
graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a todos os licenciados.
§ 2º Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão ser
complementarmente disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino, nos termos do
parágrafo único do art. 67 da Lei nº 9.394/96.
Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas a
Resolução CFE nº 2, de 12 de maio de 1969, e demais disposições em contrário.

EDSON DE OLIVEIRA NUNES


Presidente do Conselho Nacional de Educação

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(*)
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PEDAGOGIA: OS MARCOS HISTÓRICOS, A IDENTIDADE PROFISSIONAL


E AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

GONÇALVES,Sônia
Possui graduação em Ciências pelo Instituto superior de Ciências, Artes e
Humanidades de Lavras (1987) . Atualmente é Efetivo através de
concurso do E.E.Narciso de Queirós.

DONATONI,Alaíde Rita
Aluna da quarta turma do programa de Mestrado em Educação da
Universidade de Uberaba/Uniube, Uberaba (MG), 2006. ii Alaíde Rita
Donatoni – Professora do Mestrado em Educação da UNIUBE.
alaide.donatoni@uniube.br

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RESUMO
Com base em pressupostos apontados na literatura sobre o curso de Pedagogia no Brasil
desde sua criação, em 1939, este artigo enfoca os marcos históricos de relevância para
compreensão de questões que envolvem a identidade do/a pedagogo/a peranteos
desafios e as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) — homologadas em abril
de 2006. Este estudo é parte de uma pesquisa de campo e documental em meio a
pedagogos/as coordenadores/as de cursos de Pedagogia, pedagogos/as que atuam em
espaços escolares e pedagogos/as gestores/as em espaços não escolares na cidade de
Uberlândia (MG). Visa identificar tendências de formação do/a profissional de
pedagogia e as demandas da sociedade relativas a informação e conhecimento entre
2000 e 2006. É uma contribuição para os avanços que se fazem necessários ao curso de
Pedagogia e à identidade profissional de pedagogos/as ante os desafios contemporâneos
da sociedade, do mercado de trabalho e das tendências indicadas pelas novas DCN.

PALAVRAS-CHAVE: formação; tendências; curso de pedagogia.

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A complexidade que envolve a pedagogia e os cursos de Pedagogia se acentua


quando se observam os vários formatos curriculares e as muitas posições dos
fundamentos básicos tendo em vista a diversificada realidade educacional do país. Por
isso, é crucial incentivar a produção de mais estudos, pesquisas e debates que rompam
essa complexidade, rumo à compreensão do que a pedagogia deve conter do ponto de
vista curricular.
De certa forma, este texto busca convergir para essa produção ao propor uma
reflexão sobre a relação entre pedagogia, cursos de Pedagogia, tendências, novas
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e emergências apontadas para o/a pedagogo/a
pela sociedade contemporânea. As idéias aqui expostas e comentadas compõem um
estudo mais amplo em andamento (pesquisa de mestrado), que objetiva compreender
como ocorre a construção de identidade do/a pedagogo/a na formação profissional e
diante das demandas de atuação escolar e não escolar. Para tanto, apóia¬se em dados
provenientes de profissionais da pedagogia — formadores de pedagogos/as em
Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas —, na literatura sobre o tema,
na leitura de propostas curriculares das IES e em entrevistas concedidas por
profissionais da pedagogia atuantes em escolas, organizações governamentais e
organizações não governamentais (ONGs) de Uberlândia (MG), entre 2000 e 2006.
Com base em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), verifica¬se que, na década de 1980, surgiram cursos de
Pedagogia com projetos pedagógicos autorizados e reconhecidos pelo então Ministério
da Educação e Cultura (MEC). Como esse fato deixaria entrever tendências que
poderiam fortalecer ou não o estatuto epistemológico da pedagogia, as diversas
pedagogias definidas nesse período merecem ser entendidas pelo viés do que os cursos
apresentam como propostas curriculares e como estas contribuem — e se, de fato,
contribuem — para a compreensão de questões relativas à identidade do curso de
Pedagogia. Dentre tais questões, as novas DCN suscitam uma compreensão mais

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precisa porque determinam a formação com base na docência e indicam a gestão como
possibilidade. Se isso sinaliza a abertura à atuação em espaços escolares e não escolares,
também amplia a complexidade que acompanha historicamente a identidade
profissional do/a pedagogo/a.

MARCOS HISTÓRICOS: IDENTIDADE PROFISSIONAL EM QUESTÃO


A pedagogia a que se refere este estudo pode ser definida — conforme a
concepção de Melo (2006) — como síntese pedagógica que busca em ciências “irmãs”
subsídios para o entendimento das implicações social, filosófica, histórica,
antropológica e política presentes na articulação contínua da teoria com a prática, e
destas com o que as singulariza: objetos, questões e métodos. Em sua discussão sobre
pedagogia e o curso de formação, essa autora trata da pedagogia como: ciência e teoria
da educação que se dilui em outras ciências; docência — como modalidade essencial de
prática pedagógica que não se destina só a pedagogos/as; estrutura curricular do curso
para licenciatura e bacharelado. Essa discussão aponta questões que clamam por
reflexões mais aprofundadas para não se perpetuar o erro histórico de fragilizar o
estatuto epistemológico no “corpo” do curso de Pedagogia.
Vários autores e várias autoras têm tratado das transformações por que passou a
pedagogia ao longo das décadas, sobretudo as relativas à pedagogia e à identidade
profissional no âmbito histórico, epistemológico e filosófico. Dentre eles, destaca-se
Melo (2006, p. 247), para quem uma “uma breve retrospectiva histórica sobre a
pedagogia é importante” porque identifica problemas e esta não tem seu estatuto
epistemológico fortalecido nem seus aportes valorizados na sociedade e na organização
e estruturação do próprio curso. Ainda hoje se pergunta quem é o pedagogo? O que faz?
Como e onde pode atuar? São questões que suscitam dúvidas, inseguranças e conflitos
internos e externos que, muitas vezes, revelam o (des)conhecimento desse profissional
ao se deparar com seu fazer pedagógico.

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Segundo Melo (2006), o curso de Pedagogia é o “locus” que reúne saberes


próximos de outras áreas de formação, seja como “práticas” ou “gênese histórica”. Para
Cambi (1999), tais saberes deixam entrever várias transformações históricas
emancipatórias — da metafísica aos conhecimentos “científicos” e às reflexões
filosóficas do discurso pedagógico articulado com o discurso político e com a ideologia
— e contribuem para a pluralidade expressa na singularidade da pedagogia como
filosofia e ciência entre a teoria e a prática.
No dizer de Silva (2003), a discussão da identidade do curso de Pedagogia no
país data de 1939, quando foi instituído via decreto¬lei (1.190), que institui, também, a
“marca” da imprecisão conceitual do curso ao tratar de sua principal função frente aos
conteúdos próprios que deveriam esclarecer a necessidade de sua existência. Todavia,
essa questão não foi tratada com a devida propriedade, como aponta Silva (2003).
Segundo essa autora, as disciplinas que compunham o curso refletiam uma indefinição
que se evidenciava na atuação do/a pedagogo/a de forma isolada: ambos — curso e
atuação — pareciam se alienar.
Alguns questionamentos se impuseram: a quem caberia o estudo sobre este
campo do conhecimento? Quem investigaria as relações entre atuação profissional e
proposta curricular dos cursos de pedagogia? A quem caberia investigar a falta de
estudos e debates aprofundados sobre tais relações? Essas perguntas sugeriam certa
indefinição, certa imprecisão; e isso parece se traduzir no “‘desconforto’ provocado por
estudantes de outros cursos quando se dirigiam aos de Pedagogia de forma irônica
como: o pedagogo é um especialista de generalidade ou [...] o pedagogo é um
especialista de coisa nenhuma [...] um curso de espera marido” (SILVA, 2003, p. 14),
assim como nos estudantes de Pedagogia que apresentam, em sala de aula, seus
sentimentos de desvalia e baixa auto¬estima em relação ao “vir a ser”. Perpetuado
histórica e culturalmente, esse estigma deve ser considerado para se superar a
“imprecisão conceitual”(LIBÂNEO, 2005); isto é, ter mais clareza do papel reservado

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aos formadores/as de pedagogos/as neste tempo de diversidade. Para isso, pressupõe¬se


o fortalecimento epistemológico da pedagogia tendo em vista as necessidades da prática
pedagógica e os processos educativos.

GÊNESE DO CURSO DE PEDAGOGIA


Silva (2003) reconhece quatro períodos na gênese do curso de Pedagogia, os
quais merecem reflexões, sobretudo as questões relativas à identidade profissional. O
Quadro 1 resume esses períodos e permite ver os processos presentes na trajetória de
formação do/a pedagogo/a.

QUADRO 1 – Demonstrativo de marcos históricos

1939–1972 Regulamentações Identidade questionada


1973–1978 Indicações Identidade projetada
1979–1998 Propostas Identidade em discussão
1999–... Decretos Identidade outorgada

Fonte: SILVA, 2003.

Segundo Silva (2003), o período de identidade questionada é marcado pela falta


de regulamentações para o/a pedagogo/a, que não tem destino profissional pelas parcas
condições de mercado de trabalho. Por isso se delimita a cargos técnicos do Ministério
da Educação e Cultura (MEC) que não exigiam diploma de curso superior. De 1960 a
1962, questionaram¬se a existência do curso e a falta de conteúdo próprio. Nem o
parecer 251/62 — formar o técnico pelo bacharelado e o docente para disciplinas
pedagógicas pela licenciatura, proposta do conselheiro Valnir Chagas — supera a
polêmica da formação: falta ainda delimitar e regulamentar a profissão.
Em 1968, tem¬se a reforma universitária; em 1969, o parecer 252 do Conselho
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Federal de Educação (CFE) — também apresentado por Chagas. Aqui se propõe um só


diploma para habilitar especialistas com um núcleo comum guiado por fundamentos de
educação e habilitação específica, com disciplinas técnicas para cada especialista. Com
isso, fragmentava¬se a organização curricular do curso, e o resultado foi a insatisfação
dos estudantes ante a insuficiência técnica, as exigências do mercado de trabalho e a
imprecisão de um currículo generalista.
No dizer de Silva (2003), o parecer do CFE (252/69) — o mais fértil das três
regulamentações apresentadas — influenciou, de forma estéril, a delimitação do
mercado de trabalho quanto à formação do/a pedagogo/a pela fragmentação curricular
que se apresenta em 1969, com a idéia de se formar o/a professor/a das séries iniciais.
Pode-se reconhecer aí o surgimento da “crise de identidade”.
O período da identidade projetada (1973–1978) é caracterizado pelas indicações
feitas pelo conselheiro Valnir Chagas, em 1970, das quais algumas foram homologadas
e sustadas em 1976. Isso desencadeia um movimento social que culmina no processo
iniciado pelo conselheiro e deixa para o futuro a projeção de identidade — ainda não
delimitada. Para Silva (2003), Chagas faz aflorar o impasse da identidade do/a
pedagogo/a com a extinção do curso de Pedagogia e a proposta de formar o/a
pedagogo/a na pós-graduação. Contudo, as idéias sobre as licenciaturas interrompem o
processo do CFE, em 1970, ao defenderem a formação político¬educacional de
licenciados, a formação de educadores/as como processo contínuo e a manutenção do
curso de Pedagogia com estrutura de curso fundado na ação, vinculando teoria e prática.
O período da identidade em discussão (1979–1998), ainda no dizer de Silva
(2003), é o mais longo de todos. Essa autora afirma que ele é marcado pela
reativação,pelo MEC, das indicações sustadas. Ao lado do movimento pró¬formação de
educadores no Brasil (conduzido por docentes e discentes universitários) e seus
documentos, essas indicações se tornam fontes preciosas de referência para cursos de
Pedagogia e a identidade do/a pedagogo/a. Silva (2003) informa que, em 1980, o debate

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ganha projeção nacional com a 1ª Conferência Brasileira de Educação, promovida pela


Pontifícia Universidade Católica/PUC de São Paulo. O movimento em prol da
reformulação dos cursos de formação de educadores desencadeado pelo comitê nacional
se fortalece com os comitês regionais e a articulação de associações e entidades de
educadores e estudantes e influencia o CFE, que enfrenta dificuldades em equacionar as
diferentes posições apresentadas pelo movimento. Vale ressaltar que a legislação dos
cursos de formação vigorou por 30 anos: de 1969 até a aprovação da Lei de Diretrizes e
Bases/LDB (lei 9.394) em 1996. Nesse intervalo, impôs-se a consciência da
complexidade que envolve a área pedagógica e as questões em torno da identidade do/a
pedagogo/a.
Entre 1981 e 1986, a força desse movimento apresenta uma ambivalência que
contém, em seu cerne, um compromisso de formação do/a professor/a educador/a cuja
base da identidade profissional é a docência. A base comum nacional para essa
formação apresenta uma nova relação entre licenciatura e bacharelado: o aspecto
estrutural dos cursos. Embora tal ambivalência se evidencie com as divergências entre
os segmentos que lideram o movimento nacional, o curso de Pedagogia é recuperado ao
se explicitar o conteúdo dessas divergências com teorias da educação e com a dinâmica
e organização da educação brasileira como processo de ensino e aprendizagem, áreas de
concentração ou campos de estudos.
Se a idéia da Pedagogia como curso se fortaleceu com o movimento, sua
existência não reapareceu, e os impasses quanto à identidade do/a pedagogo/a
permaneceram nos relatórios. Estes apontavam diferentes tendências para conciliar a
aplicação dos princípios firmados nos debates com a imposição da legislação vigente.
Com isso, a reformulação dos cursos é debatida e a busca pela superação tecnicista se
intensifica significativamente. Antigas questões sobre a formação profissional e a
estrutura do curso esgotam as possibilidades de definição de uma identidade por meio
da atividade profissional, do mercado e do potencial de trabalho do/a pedagogo/a.

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Assim, se há vínculos diretos entre a estrutura do curso de Pedagogia e o campo de


conhecimento e de investigação, ainda falta explicitar as dimensões
teórico¬epistemológica e prático¬institucional da pedagogia para nortear a definição da
identidade do/a pedagogo/a e a construção da estrutura curricular compatível.
Em 1990, a identidade do curso deixa de ser central no movimento — então
liderado pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(Anfope). Das especificidades do curso de Pedagogia, o foco muda para a formação de
educadores/as como “base comum nacional”, desencadeando a sistematização dos
princípios norteados pela entidade. Em 1996, a nova LDB introduz indicadores para a
formação de educadores/as para a educação básica e o curso de Pedagogia, assim como
retoma a discussão da identidade com novas questões, dentre as quais, a de que o Curso
Normal superior apresenta especulações sobre o que tinha como função básica: a
formação de docente. Assim, torna-se plausível a possibilidade de extinção do curso de
Pedagogia, que o deixa numa posição ambígua; e a elaboração de suas propostas fica a
cargo das universidades conforme suas interpretações da LDB. Logo, se falta
regulamentação aos institutos superiores e às demais Instituições de Ensino Superior
(IES), a tarefa de formação de professores/as se torna mais confusa. Em 1998, a
Comissão de Especialistas de Pedagogia (CEEP) é renovada e recebe — segundo Silva
(2003) — mais de 500 propostas do movimento nacional. Porém, não consegue cumprir
sua tarefa de integração para compor um panorama mais abrangente nem intermediar os
conflitos históricos com suas diferentes posições sobre as funções dos cursos de
Pedagogia no Brasil.
Para superar a fragmentação apresentadas pelas habilitações, a idéia de manter
o curso de Pedagogia e as licenciaturas é revisada. Isso porque estas possibilitariam às
IES se organizarem para elaborar suas propostas curriculares com foco no “núcleo de
base comum nacional” e na docência como base para a identidade profissional de todos
os profissionais da educação. Logo, seria possível superar as dicotomias entre formação

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de pedagogos/as e demais licenciados.


Nesse contexto, a Anfope formula a “Política educacional global de formação e
a profissionalização” para o magistério e, concomitantemente, trata da formação inicial
in locu, das condições de trabalho, do salário, da carreira e da formação continuada.
Essa ação se materializa no “Documento de proposta das DCN” para cursos de
formação dos profissionais da educação, e não mais necessariamente para pedagogia.
Logo, a associação afirma seu papel crucial nesse período ao definir eixos para essa
“base comum nacional” e propor, como articuladores da formação inicial com a
formação continuada, a sólida formação teórica, a unidade entre teoria e prática, a
gestão democrática, o compromisso ético¬profissional, o trabalho coletivo e a
interdisciplinaridade.
No rastro da Anfope, surgem outros segmentos, como o Grupo de Trabalho (GT)
Pedagogia, durante o 5º Congresso Estadual Paulista sobre formação de professores, em
1998. Segundo Silva (2003), a postura desse grupo se difere do posicionamento da
Anfope: enquanto esta reafirma a manutenção do curso de Pedagogia nos cursos de
formação de educadores/as, deixando em aberto sua estruturação e função; aquele
afirma que as universidades devem ser o espaço de formação do/a professor/a e aponta
alguns indicadores, apresentados nesse período histórico.
Dito isso, depreendem¬se desse período questões indicativas da definição da
identidade do/a pedagogo pela centralização da teoria sobre a prática do processo
educativo para qualquer espaço de demandas educacionais e sua função de formar
professores/as para a educação infantil e as séries iniciais; para a escola normal; para
educadores/as sociais e pedagogos/as para empresas, comunicação, tecnologias e outras
áreas de atuação. Surge então uma tendência à flexibilização curricular para formar o/a
pedagogo/a tendo em vista a superação da disciplinarização. Enfim, nesse longo período
de identidade em discussão, aponta¬se a finalidade para o curso de Pedagogia: produzir
conhecimento na área de educação e se fortalecer como espaço de reflexão sobre

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teorias, sobre a inserção destas na prática pedagógica e sobre a prática como norteadores
das funções do curso — às quais se acrescentam outras para o trabalho não escolar.
Segundo Silva (2003), o período de identidade outorgada começa em 6 de maio de
1999, quando a CEEP acata o documento apresentado pela Anfope. Os princípios que
abrangem as diversas tendências de formação são mantidos na proposta a ser
apresentada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para a elaboração das novas
DCN. Bastante abrangente, a proposta da CEEP permanece na Secretaria de Ensino
Superior do MEC, para depois ser encaminhada ao CNE. Ela inclui as funções
apresentadas para o curso de Pedagogia e abre possibilidades para o/a pedagogo/a;
também lhe define, com um pouco mais de clareza, o perfil comum. A proposta se
caracteriza pela “flexibilidade” ao indicar conteúdos básicos, conteúdos de
aprofundamento/diversificação e os estudos independentes. Sua base comum é a
docência.
Contraditoriamente, o parecer do CES 970/99 regulamenta os Institutos de
Ensino Superior (ISES) e anula a possibilidade de o curso de Pedagogia se voltar à
formação de docentes das séries iniciais do ensino fundamental e para a educação
infantil. Para tanto, usa duplo sentido, por omissão e talvez de forma grosseira, ao
interpretar — segundo Silva (2003) — os artigos 62, 63 e 64 da LDB. Têm início,
então, intensas manifestações contrárias.
Silva (2003) reconhece ainda, neste momento, a marca dos decretos do Poder
Executivo com tendência evidente a duas alternativas para formação do/a pedagogo/a
com projetos acadêmicos distintos — docência como base da organização curricular;
identidade profissional —, que podem ser desenvolvidos nos cursos Normal Superior e
Pedagogia. As novas DCN, os desafios e as possibilidades de mudança.
Após examinar a literatura apresentada nesse longo movimento de renovação da
educação brasileira, Brzenzinski (1996) afirma ser necessário enfocar o curso de
Pedagogia como evolução da inserção na práxis educacional daqueles/as que estão no

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papel de formadores/as de pedagogos/as, estudando, sobretudo, a história da educação


brasileira. Como a história se constrói permanente, ao pesquisador cabe avançar nos
novos estudos e nas investigações sobre a identidade e as tendências de formação do/a
profissional de pedagogia. Nessa ótica, não seria plausível pensar que a homologação
das novas DCN (abril/ 2006) conclui esse período e inicia outro? E que período seria
este: o da consolidação dos princípios apresentados pelo movimento nacional liderado
pela Anfope e debatidos por vários segmentos da sociedade contemporânea? Ou haveria
um recuo à imprecisão conceitual, ainda marcante no texto da resolução que homologa
as novas DCN? Mais que isso, as IES estariam abertas e preparadas para lidar com a
complexidade das questões peculiares ao curso de Pedagogia e da identidade
profissional?
Os períodos indicados por Silva (2003) instigam uma análise mais detalhada dos
debates, das reflexões e dos encaminhamentos atuais — delineados por outros
segmentos emergentes no processo de movimento nacional, como Fórum Nacional de
Pedagogia (Fonape), iniciado em Belo Horizonte (MG), em 2000. Também suscitam
um olhar mais apurado às tendências de formação das IES, sobretudo na cidade de
Uberlândia (MG), e às demandas nos diversos contextos abertos ao/à pedagogo/a após a
homologação das DCN, os espaços escolares e os não escolares como possíveis âmbitos
de atuação para o/a pedagogo/a.
Acima de tudo, é preciso ter mais visibilidade das tendências que cercam a
formação de pedagogos/as: quais são as implicações para a educação infantil, os anos
iniciais do ensino fundamental, a educação especial, a educação no campo, a educação
de jovens e adultos, a educação corporativa, a educação para a cidadania, a educação a
distância, a informática aplicada à educação e a gestão nos diversos espaços de atuação
que se espera do/a pedagogo/a?

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos recentes sugerem que a pedagogia, ainda, vive a antiga crise de
identidade. Ainda se pergunta qual é a base do curso de Pedagogia, pois os conteúdos e
espaços de atuação tratados pelas novas DCN são imprecisos. Segmentos que conduzem
este debate como a Anfope e seus desdobramentos (tais como Fonape e Fórum de
Diretores das Faculdades de Educação das Universidades Federais/Forundir) defendem
a docência como base; mas há quem insista na reafirmação do que já se diz há 26 anos.
Os debates estão num momento rico de controvérsias, contradições e grandes
possibilidades — é plausível pensar até que estão num novo período: o da
ressignificação e do redimensionamento da pedagogia. Se assim o for, não resta opção:
ou há uma reversão da história em prol da identidade orientada pela profissionalidade
docente, ou se perpetuarão as fragilidade até então apontadas por alguns educadores.
Por isso, é preciso avançar rumo a novas abordagens e práticas na pedagogia, sobretudo
com seu estatuto epistemológico próprio e fortalecido pelo conhecimento de quem
estuda, pesquisa e discute com profundidade a educação, o desenvolvimento humano, as
transformações da sociedade da informação e do conhecimento.

REFERÊNCIAS

BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores. Campinas (SP):


Papirus, 1996.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: ed. da Unesp, 1999.

KUENZER, Acácia Z.; RODRIGUES, Marli de F. As diretrizes curriculares para o


curso de Pedagogia: uma expressão de epistemologia da prática. In: ENCONTRO
NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DO ENSINO, 12., Recife. Anais: UFPE,
2006.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2005.

MELO, Márcia M. de O. Pedagogia e curso de Pedagogia: riscos e possibilidades

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epistemológicos face ao debate e às novas DCNs sobre esse curso. Campinas (SP):
Autores Associados, 2006.

OLIVEIRA, Carla K. M. Pedagogia em crise de identidade. Presença pedagógica, v. 12,


n. 71, set.–out./2006.

SILVA, Carmem S. B. Curso de Pedagogia no Brasil: história e identidade. 2. ed.


Campinas: Autores Associados, 2003.

Sônia Gonçalves
Possui graduação em Ciências pelo Instituto superior de Ciências, Artes e Humanidades
de Lavras (1987) . Atualmente é Efetivo através de concurso do E.E.Narciso de
Queirós.

Alaíde Rita Donatoni


Aluna da quarta turma do programa de Mestrado em Educação da Universidade de
Uberaba/Uniube, Uberaba (MG), 2006. ii Alaíde Rita Donatoni – Professora do
Mestrado em Educação da UNIUBE.
alaide.donatoni@uniube.br

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HISTÓRIA DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL: 1939-2005

FURLAN, Cacilda Mendes Andrade – UEL


cmafurlan@sercomtel.com.br

Área Temática: Profissionais da Educação: formação, concepções e perspectivas


Agência Financiadora: Não contou com financiamento

Resumo

Este texto tem por intuito buscar entender a história do curso de Pedagogia no Brasil, como
ponto de partida para, em um segundo momento, buscar a caracterização da atuação destes
profissionais, na rede estadual de educação/Núcleo Regional de Educação de Londrina.
Tentaremos traçar a trajetória do curso de Pedagogia, paralelamente ao processo de construção
da identidade do pedagogo, de 1939, quando começou o curso no Brasil, até momento atual.
Com o recurso da recuperação da sua história tentaremos ampliar a compreensão a respeito
das indefinições, dúvidas e ameaças de ser extinção pelos quais passou desde a sua criação. O
ponto de partida é a data de implantação do primeiro curso de Pedagogia no Brasil em 1939 e
as referências que usaremos para fundamentar este trabalho são Iria Brzezinski e Carmem
Silvia B. Silva que, em seus livros, refazem a trajetória do curso analisando as mudanças
legais, os decretos e pareceres que foram configurando seu perfil assim como a contribuição
do movimento de alunos e professores nestas discussões. Temas como formação de
professores e constituição da escola pública, palco em que se insere a história do curso de
Pedagogia no Brasil foi construído a partir de trabalhos de Antonio Nóvoa e Dermeval
Saviani. A partir destes quatro autores foi feita uma revisão da construção da história do curso
de pedagogia no Brasil, enfocando a formação de professores, e sua trajetória desde quando
começou, contemplando algumas leis e decretos e também os movimentos que surgiram em
torno da formação do pedagogo, e sua relevância.

Palavras-chave: Curso de pedagogia; Educação; Identidade; Movimentos sociais; Pedagogo.

Introdução
A história do curso de Pedagogia no Brasil, tema deste texto, faz parte da pesquisa para
elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia, que tem por objetivo buscar a
caracterização da atuação destes profissionais, na rede estadual de educação/Núcleo Regional
de Educação de Londrina.
A partir das considerações de Nóvoa (1995), podemos afirmar que a identidade do
pedagogo está atrelada a do processo de constituição da profissão docente e assim como ao
processo de instalação da escola pública no Brasil, e ao processo de produção de uma
profissão, a docência, entendida atualmente como a base da formação profissional do
pedagogo: esta idéia, que deveria estar no começo, explica a relação entre a discussão da
3863

formação de professores e, portanto, do curso de Pedagogia.


A profissão docente exerce-se a partir da adesão coletiva (implícita ou explícita) a um
conjunto de normas e de valores. No princípio do século XX, este “fundo comum” é
alimentado pela crença generalizada nas potencialidades da escola e na sua expansão
ao conjunto da sociedade. Os protagonistas deste desígnio são os professores, que vão
ser investidos de um importante poder simbólico. A escola e a instrução encarnam o
progresso: os professores são os seus agentes. A época de glória do modelo escolar
também é o período de ouro da profissão docente (NÓVOA, 1995, p. 19).

No início do século XX alguns movimentos, provocavam mudanças na educação,


especialmente o “entusiasmo pela educação” e o movimento dos Pioneiros da Escola Nova,
que lutavam pela educação e pela implantação de universidades no Brasil. O movimento
escolanovista rompeu com o período anterior, impulsionando assim a profissionalização dos
professores.
Neste contexto com a criação da Faculdade de Filosofia e Letras, que vai ser um dos
pilares da Universidade brasileira, é criado o curso de Pedagogia. Como todos os cursos das
Faculdades de Filosofia Ciências e Letras, seu primeiro objetivo era formar professores para o
ensino secundário, como bem esclarece Brzezinski (1996). A partir dessa proposição inicial,
no caso da Pedagogia, muitas perguntas foram sendo colocadas nestes quase 70 anos de sua
existência.
Desenvolvimento
Recorrentemente tem-se perguntado para que formar o pedagogo, para qual função ele
é preparado? Qual sua função e sua identidade? Longe da pretensão de responder a tais
questões, o que se pretende é ampliar a compreensão da história do curso permeada de
conflitos e de lutas e recheada de decretos e leis, mudanças, avanços e retrocessos, e
principalmente de crises, e levando-nos em alguns momentos, a duvidar de sua necessidade.
Em decorrência, o curso vem sofrendo alterações em sua grade curricular, ora se
adaptando às necessidades do mercado de trabalho, ora das políticas internas e internas do
país, ora como resultado de proposições da própria área de conhecimento. Hoje o trabalho dos
pedagogos nas escolas se explicita em duas vertentes: trabalho docente e trabalho não docente,
que são, respectivamente, trabalham em sala de aula e fora da sala de aula. Tal explicitação
não altera substantivamente o trabalho realizado há muito tempo, representa um avanço no
sentido da sua normatização.
Um dos indicadores do processo de constituição de uma profissão é a elaboração da
sua formação e conseqüente certificação, podendo, dessa forma, considerar o processo de
3864

discussão a respeito do curso de Pedagogia que permeia sua história, como um indicador do
processo de construção da sua profissional idade: “A formação de professores é,
provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no setor educativo: aqui não se
formam apenas profissionais; aqui se produz uma profissão” (NÓVOA, 1995, p. 26).
Do final do século XIX até 1930, no Brasil, os professores eram formados pela Escola
Normal, (BRZEZINSKI, 1996). Na década de 1930 a figura Escola Normal vai sendo
substituída pelos Institutos de Educação nos quais, segundo Tanuri (2000), a formação do
professor primário se dava em dois anos contendo tanto as disciplinas tradicionalmente
conhecidas como Fundamentos quanto as Metodologias de Ensino. O Instituto de Educação
oferecia também cursos de especialização, aperfeiçoamento, extensão e extraordinários.
Este é o modelo inspirador para a criação do curso de Pedagogia no conjunto da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, cuja proposta de criação, como já foi afirmado, teve
por objetivo a formação de professores para do ensino secundário. Assim, o curso de
Pedagogia tem entre seus objetivos iniciais a formação de professores para a Escola Normal e
os Institutos de Educação.
O primeiro curso superior de formação de professores é criado em 1935, quando a
Escola de Professores (como era chamada), foi incorporada à Universidade do Distrito
Federal. Esta recém criada Faculdade de Educação passou a conceder “licença magistral” para
àqueles que obtivessem na universidade “licença cultural”. Com a extinção da UDF, em 1939,
e a anexação de seus cursos à Universidade do Brasil, a Escola voltava a ser integrada ao
Instituto de Educação. Através do decreto lei n. 1.190 de 04 de abril de 1.939, a partir da
organização da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, e conforme Silva
(2006), visava à formação de bacharéis e licenciados para várias áreas, inclusive o setor
pedagógico. Com duração de 3 anos era formado o bacharel, para a formação do licenciado
era acrescentado mais um ano de didática, passando a ser conhecido como o esquema 3+1.
O curso desde seu início formava bacharéis e licenciados em Pedagogia, sendo os 3
anos dedicados às disciplinas de conteúdo, ou seja, para os próprios fundamentos da
educação. O curso de Didática, no 4o ano, destinado a todos os cursos de licenciatura, contava
com as seguintes disciplinas: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional,
Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação, Fundamentos Sociológicos da
Educação. Ao bacharel em Pedagogia bastava cursar as duas primeiras, pois o restante já
3865

estava contemplado no curso.


O bacharel em Pedagogia era preparado para ocupar cargos técnicos da educação,
enquanto o licenciado era destinado à docência. Aparentemente havia uma separação entre as
disciplinas do bacharelado e as da licenciatura, provocando assim uma separação, como se os
dois não fossem dependentes um do outro, sendo que o curso de Didática foi reduzido à forma
de ensinar a se dar aulas. Possivelmente daí vem a origem da “famosa” dicotomia teoria x
prática.
Para tratar melhor a questão da identidade do pedagogo, que o acompanha desde o
surgimento do curso, enfocaremos os quatro períodos cronologicamente ordenados que Silva
(1999) apresenta em seu livro, a partir da definição para cada período de uma característica na
tentativa de definição da identidade do pedagogo, na qual vamos nos aprofundar mais um
pouco.
O primeiro período vai de 1939 a 1972 e foi considerado o período das
regulamentações, pois nele o Conselheiro Valnir Chagas, no intuito de ajudar (ou não),a
encontrar a identidade do curso, lança mão de decretos na tentativa de dar uma definição para
o curso e para a destinação profissional de seus egressos.
O curso desde seu nascimento enfrentava segundo Silva (1999), a suspeita, ora da
dúvida, ora da discussão, se realmente o curso de Pedagogia tinha ou viria a ter um conteúdo
próprio que justificasse a sua criação e permanência. Desde á época de sua criação o curso de
Pedagogia apresentava deficiências quanto a sua identidade, Não conseguia se perceber a
expansão do campo de atuação deste profissional. Ficando claro apenas que o licenciado era
para atuar em sala de aula e ao bacharel cabiam as funções técnicas, no Ministério da
Educação, provavelmente funções como inspeção (existente desde o século XIX),
coordenação pedagógica, organização burocrática do sistema de ensino, entre outras funções.
Para Brzezinski (1996), o curso de Pedagogia “navegava” em águas calmas até pelo
menos até 1945, quando começou a fase de redemocratização do país. E até 1961, o curso de
Pedagogia permaneceu com o esquema 3+1. O parecer 251/62, de autoria do conselheiro
Valnir Chagas, tentou entender a controvérsia existente, se a formação do professor primário
deveria acontecer em nível superior, e a dos técnicos da educação (bacharel) em nível de pós-
graduação, considerando essas questões viáveis para o futuro. Quanto ao curso de Pedagogia
sua intenção não era que fosse extinto, mas que fosse remodelado para que sua definição
3866

pudesse ser clara. O parecer dá andamento às intenções do conselheiro, descarta-se a hipótese


de extinção do curso e parte-se para uma redefinição, principalmente no que se referia ao
cargo de técnico em educação, ou o bacharel, já que este profissional era ajustável a todas as
tarefas não-docentes dentro do campo educacional. Em vista disso começa a se delinear uma
nova função ou um novo campo de trabalho que começa a surgir na década de 50. Isso sem
dúvida abriu novos horizontes ao bacharel em Pedagogia, na tentativa de clarear sua
identidade.
A questão do currículo era outra questão que gerava insatisfação dos alunos do curso.
O curso oferecia poucas possibilidades de instrumentalização para a prática de suas funções
no mercado de trabalho, principalmente a de técnico em educação, não se conseguia definir se
a técnica era falha e dificultava o acesso do técnico no mercado de trabalho, ou era o mercado
de trabalho que era indefinido pela imprecisão do curso, e não conseguia absorver os egressos
do curso.
Vale à pena citar que o período de 1960-1964, foi marcado pelo tecnicismo e a
necessidade de se formar trabalhadores para o mercado capitalista, entre eles os profissionais
da educação, atendendo ao apelo desenvolvimentista da época, visando dinamizar a economia
do país, sendo essa etapa caracterizada como “[...] a etapa do capitalismo brasileiro dedicada
aos investimentos em educação alicerçados no ideário tecnicista” (BRZEZINSKI, 1996, p.
58). Então a “ideologia tecnocrata” passou a orientar a política educacional, a educação
passou a ser instrumento de aceleração do desenvolvimento econômico do país e também de
progresso social.
Diante das necessidades do mercado de trabalho, em 1969 o parecer CFE n. 252, do
mesmo Conselheiro Valnir Chagas, vem ao encontro de expectativas da época, pois parecia ter
a resposta para as controvérsias e impasses do curso. O parecer visava a formação do
professor para o ensino normal (licenciado), e de especialistas para as atividades de
orientação, administração, supervisão e inspeção dentro das escolas e do sistema escolar.
Mexeu-se também no currículo, este agora estava estruturado para uma base comum de
estudos, e ao especialista oferecia a habilitação específica para os conjuntos de tarefas. Outro
impacto que o parecer provocou, foi o “inchaço” do curso, por conta da diversidade de
especialidades ofertada. Segundo Silva (1999) o parecer n. 252/69, contribuiu para a
deterioração do curso, preço, segundo a autora, que se pagou por uma definição no campo de
3867

trabalho do pedagogo. Infelizmente o pedagogo continuou a ter problemas no mercado de


trabalho (escolas), pois esse agora não dava conta de absorver tantos profissionais
especialistas formados pelo curso de Pedagogia.
Interessante observar que a palavra “habilitação”, segundo Brzezinski (1996), ainda
não existia no dicionário pedagógico, mas sim nas escolas, como, por exemplo, coordenação
pedagógica, inspeção escolar e a realização de trabalhos burocráticos. Isso pode demonstrar
que o trabalho pedagógico não docente se fez presente muito tempo antes do surgimento da
certificação da função pelas agencias formadoras, processo semelhante ao citado por Nóvoa
(1995) no que diz respeito à formação de professores.
O segundo período é denominado período das indicações: identidade projetada, que
vai de 1.973 até 1978, quando vemos quase concretizadas, as previsões do Conselheiro Valnir
Chagas. O que na verdade ele fez foi desdobrar o curso, ou seja, as antigas tarefas
anteriormente concentradas no curso, em variadas alternativas de habilitações que fariam parte
do que passou a chamar de licenciatura das áreas pedagógicas.

Movimentos Sociais: em Defesa da Formação do Pedagogo

O terceiro período 1979-1998 é denominado por Silva (1999) período das propostas:
identidade em discussão; tal qual diz a denominação pode ser considerado um dos mais
importantes e ricos, uma vez que as discussões se acirram com a participação de professores e
estudantes universitários em defesa do curso de Pedagogia. Na trajetória do curso de
Pedagogia este período merece destaque, justificando a concessão de um subtítulo, uma vez
que professores e estudantes se organizam e passam a constituir um movimento para resistir
às reformas em um contexto de luta contra a ditadura imposta pelo regime militar, em um
primeiro momento e de elaboração de propostas no anúncio de redemocratização instalado,
em um segundo momento, pelo fim daquele regime. Assim, movimento se inicia em 1980,
mantendo-se ativo até hoje, tendo realizados encontros nacionais bianuais e seminários
regulares cujos documentos resultantes são considerados uma grande referência para a
construção da identidade do pedagogo e do próprio curso de Pedagogia (SILVA, 1999).
A história do movimento, relatada em muitos de seus Documentos indica que os
primeiros grupos a se mobilizarem foram grupos independentes, em torno dos cursos de
3868

licenciatura, incluindo a Pedagogia. Em 1978 realizam o I Seminário de Educação Brasileira


na Universidade de Campinas, que resultou na constatação da necessidade de debates em
âmbito nacional, não apenas em grupos.
Em 1980, é realizada a I Conferência Brasileira de Educação, na PUC de São Paulo e
quando o MEC retoma as discussões acerca das indicações CFE 67/75 e 70/76, seus
participantes se organizaram para começar uma mobilização a nível nacional, cujo resultado
interferiu nos rumos que as discussões do MEC tomariam. Assim, a origem do movimento é
marcada pela união de integrantes da conferência, oriundos de vários pontos do país que
formaram o Comitê Nacional Pró-Reformulação do Curso de Formação de Educadores, a
partir da articulação de comitês regionais.
No começo tímido e fraco, formado por alguns professores e estudantes, foi
alcançando forças com a adesão de muitos, e se articulando cada vez mais, inclusive com a
participação de representantes de outras licenciaturas alem da Pedagogia. O movimento vai se
consolidando e passa a ter papel importante na definição das normas para formação dos
profissionais da educação, pois suas ações passaram a ser reconhecidas pelo MEC e pelo CFE,
graças ao seu posicionamento em meio a estes órgãos.
As discussões realizadas, em âmbito regional e nacional, resultaram em documentos
que apontavam a complexidade do assunto, conforme Silva (1999). Para a autora, a questão da
identidade do pedagogo e do curso de Pedagogia se constitui ponto “nevrálgico” das
discussões, fato comprovado pelos documentos. Em 1981 foi produzido um documento pelo
Comitê Pró-participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura – Regional
de São Paulo, que se tornou um marco, tendo o intuito de nortear os rumos dos trabalhos
desenvolvidos dali para frente, tendo como referência inicial o material produzido em 1975.
Tendo por título “Proposta alternativa para a reformulação dos cursos de Pedagogia e
licenciaturas (Anteprojeto)”, o documento conferiu visibilidade ao movimento. Sua proposta
indicava uma profunda redefinição não apenas nos cursos de Pedagogia, mas também na
relação estabelecida entre o destino do bacharelado e licenciatura, já que considera que todo
professor deveria ser também um educador, e sua base (na formação) segundo Silva (1999, p.
66) “deveria supor sempre uma base de estudos que conduzisse à compreensão da
problemática educacional brasileira”.
A idéia central, que permanece em pauta até hoje, defende que os diversos cursos de
3869

formação dos profissionais da educação sejam organizados a partir de um núcleo comum para
os diferentes níveis e modalidades de ensino. Na especialização seriam preparados os
profissionais para o campo não docente, tanto para os espaços escolares quanto para os não
escolares. Assim, a formação do especialista se daria na pós-graduação strictu sensu, na qual
seriam formados os pesquisadores e/ou os educadores do ensino do 3o grau. Toda a proposta é
pautada no sentido de superação da concepção tecnicista.
Segundo Brzezinski (1996) os educadores passaram a partir da década de 80 a escrever
sua própria história, não só pelo diálogo, mas também pelos conflitos, constituindo não apenas
movimentos ou organizações, mas movimentos sociais que caminhavam rumo a
“redemocratização”, de resistência ao autoritarismo imposto pela ditadura militar. Apesar dos
conflitos que surgiram entre lideranças dos professores, dos estudantes com as lideranças do
governo, e também as tensões existentes no interior dos movimentos, em novembro de 1983,
em Belo Horizonte, conseguiu-se enfim uma proposta de reformulação dos cursos de
Pedagogia e licenciatura, proposta que ficou conhecida como “Documento Final de 1983” que
passa a constituir a referência básica para I Conferência Brasileira de Educação, realizada na
PUC de São Paulo, encaminhamento das reflexões sobre a “Formação do Educador”.
A idéia de formar o professor, enquanto educador, tendo a docência como base da
identidade do pedagogo a partir de um núcleo comum é mantida, apenas muda-se o nome para
“base comum nacional” que passa a constituir-se no cerne da proposta para os cursos de
formação de educadores. A relação entre licenciatura e bacharelado neste momento, é
percebida como um debate que estava apenas começando.
As questões básicas foram discutidas e desenvolvidas nos encontros nacionais, sob a
coordenação da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador
(CONARCFE) até 1990, quando a Comissão se transformou em Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). O que se vê é que a partir do
“Documento Final” (de 1983) é que não se mais questionou a Pedagogia enquanto curso, ou a
sua existência, mas outras questões permaneceram como a do profissional a ser formado neste
curso e sua estruturação. A questão da identidade do pedagogo volta às discussões, aflorando
impasses que não caminharam para uma redefinição da legislação sobre o assunto, mas sim
tentaram conciliar a aplicação dos princípios firmados ao longo do processo. Em vista disto
várias instituições passaram a iniciar processos de reformulação dos cursos, tentando
3870

amenizar os efeitos do tecnicismo sobre a educação, e principalmente, sobre a formação dos


professores.
Os conflitos gerados, na tentativa tanto de delinear o profissional a ser formado,
quanto da estruturação do curso, levaram a um “esgotamento”, segundo Silva (1999) das
possibilidades de tentar encontrar ou definir a identidade do pedagogo, levando em conta a
formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Chegou-se a conclusão que algo faltava,
e que isto era um elemento fundamental para a solução do problema. E a questão da
identidade do pedagogo não estava esclarecida, tanto que com a nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação em 1996, esta questão voltou a aflorar, quando a LDB 9394/96 introduziu
novos indicadores, visando a formação de profissionais para educação básica, especialmente
no artigo 62, que introduz os Institutos Superiores de Educação, ISEs, como um dos locais
possíveis, além das universidades, de formação para professores para autuar na educação
básica. No artigo 63 inciso I, inclui dentre as atribuições destes institutos a manutenção do
curso normal superior para formação de docentes para educação infantil e séries iniciais do
ensino fundamental, abrindo também a possibilidade de formação pedagógica aos portadores
de diplomas de qualquer nível superior que quisessem se dedicar ao magistério na educação
básica (art. 63, Inciso II). Essa lei contraria tudo o que estava sendo feito até o momento, e
todas as discussões com os movimentos não foram levadas em consideração (BRASIL, 1996).
Com essa nova possibilidade de formação de professores, a discussão sobre a
necessidade ou não do curso de Pedagogia volta à tona, dando margem, inclusive, a
especulações sobre a extinção do curso, uma vez que neste contexto a pergunta que se
colocava era “qual será, então, a função do curso de Pedagogia?”, uma vez que a nova LDB,
parecia indicar uma tentativa de extinção, ainda que gradativa, do curso de Pedagogia no
Brasil. Com todo este embaraço estabelecido, cria-se uma grande expectativa a respeito do
futuro do curso de Pedagogia. Ao que parece o MEC deu um parecer positivo a continuidade
do curso, pois solicitou, por meio de edital n. 4/97 a SESu que fossem encaminhadas
propostas para as novas Diretrizes Curriculares dos cursos superiores, entre eles o de
Pedagogia. Coube às universidades encaminhar propostas a partir de suas próprias
interpretações e experiências, apesar da ausência de regulamentação a respeito para os
institutos superiores.
Apenas em 1998, depois de muita a pressão, é nomeada a Comissão de Especialistas
3871

do curso de Pedagogia a quem coube a difícil tarefa de intermediar os conflitos surgidos em


decorrência da LDB/96. Enquanto isso crescia as manifestações contrárias aos ISEs por parte
de associações, sindicatos e demais entidades envolvidas com a questão da formação de
professores.
A ANFOPE , em seu IX Encontro Nacional, realizado em Campinas em 1998, redigiu
um documento intitulado “Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de
Formação dos Profissionais da Educação”, em que insiste que o lócus privilegiado de
formação de professores para atuação na educação básica e superior deveria ser a
universidade, com a indicação para que fosse superada a fragmentação existente entre as
habilitações, assim como a dicotomia existente entre pedagogos e os demais licenciados. Estes
são os dois únicos limites fixados no documento, que defende como principio o respeito às
iniciativas das instituições para organizar suas propostas curriculares, levando em conta a base
comum nacional e considerando a “docência como base da identidade profissional de todos os
profissionais da educação” (SILVA, 1999, p. 79).
A proposta elaborada pela Comissão de Especialistas do curso de Pedagogia baseada
neste documento da ANFOPE, tendo sido divulgado em 6 de maio de 1999, ficou retido no
MEC/SESu por muito tempo antes de ser encaminhado ao CNE. Foi bem acolhido pela
comunidade acadêmica, uma vez que a proposta era abrangente, a comissão conseguiu
contemplar tanto as funções do curso (da época), e também a possibilidade de atuação do
pedagogo em áreas emergentes do campo educacional.
Segundo o documento citado por Silva (1999), ficou assim definido o perfil comum do
pedagogo da época ou sua identidade:

Profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas,


unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento, em
diversas áreas da educação, tendo a docência como base obrigatória de sua formação
e identidade profissional (BRASIL, 1999a).

A proposta, conforme Silva (1999), se caracterizou por flexibilidade e diversidade de


formas didáticas para organização de conteúdos, que se constituíram em princípios para
estruturação dos cursos, tendo é claro a docência como base comum. Já no que diz respeito
aos Institutos Superiores, as discussões geraram a resolução CP/CNE n. 1, de 30/09/99,
expressando o entendimento de parte da Câmara de Educação Superior (CES), que tenderia
3872

pela retirada a formação de professores do curso de Pedagogia. A situação, que foi criada pelo
parecer CES 970, aprovado em 09/11/99, retira do curso de Pedagogia a possibilidade formar
docentes para séries iniciais do ensino fundamental e para educação infantil em função do
entendimento equivocado dos dispositivos da legislação e de um erro na interpretação da lei
nos artigos 62, 63 e 64.
As manifestações contrárias foram intensas, pois o Governo de Fernando Henrique
Cardoso, tendo como base a LDB no artigo 62, através do decreto 3276/99, para socorrer a
CES/CNE, acaba com a formação de professores para educação infantil e para séries iniciais
no curso de Pedagogia. O argumento para a substituição do curso de Pedagogia pelos ISEs, é,
segundo Bolmann (apud Silva, 2006) “uma exigência da modernidade, ou seja, profissionais
preparados com maior rapidez e agilidade, atendendo ao princípio da flexibilidade e
equidade”. Tal argumento se identifica com o discurso do Banco Mundial em relação a
educação para países subdesenvolvidos como o Brasil, em que as condições de
desenvolvimento exigem que o básico seja suficiente implicando aligeiramento e pouco custo
para formação de professores.
E isso também atenderia a meta colocada pela própria LDB (em consonância com as
orientações do Banco Mundial), de formar todos os docentes para atuar na educação básica
em cursos superiores até 2007. O que vemos com isso é o “alijamento” da formação dos
profissionais da educação da Universidade através do Decreto 3276/99. (posteriormente
modificado) (BRASIL, 1999b). Encerramos aqui o terceiro e longo período não no sentido do
tempo, mas porque este representou o período em que os professores de um modo geral se
organizaram em defesa do curso de Pedagogia, envolvendo os estudantes universitários em
prol de mudanças.
O quarto período é denominado período dos decretos: identidade outorgada (1999-
.....), neste período as discussões se acirram em torno do decreto presidencial 3.276, de 6 de
dezembro de 1999 que define que a formação de professores para Séries Iniciais deve ser
realizada exclusivamente nos cursos normais superiores. Novamente a comunidade acadêmica
se organiza para resistir a tal decreto, e o governo não vê outra saída se não colocar outro
decreto para “consertar” o anterior, em agosto de 2000, vem, então, o decreto lei n. 3.554 que
substitui o “exclusivamente” por “preferencialmente”.
O curso de Pedagogia recuperou assim a sua função como licenciatura, mas de forma
3873

secundarizada, o estrago, no entanto já estava feito. As entidades já estavam se mobilizando


para revogar as duas leis. Em fevereiro de 2001, é elaborado outro documento por uma nova
Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia, em que a formação do pedagogo
desdobrava-se em duas alternativas, com projetos acadêmicos distintos, sendo que em
qualquer um deles a docência é indicada como base da organização curricular e,
consequentemente, de sua identidade.
Silva, em 1999, quando realiza a pesquisa citada, aponta a lentidão da tramitação das
diretrizes no CNE como um entrave para a reorganização dos cursos de Pedagogia.
Em momento posterior à publicação do trabalho de Silva (1999) a proposta da
ANFOPE de 1999, com algumas alterações, foi aprovada em 2006 e com ela podemos
vislumbrar mudanças. Mais de 6 anos se passaram desde a proposta inicial elaborada pela
primeira Comissão de Especialistas do curso (1999), amplamente discutida. Mesmo com
muitas alterações, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para o
curso de Pedagogia em que fica definido que a formação oferecida deverá abranger,
integralmente, a docência e também a participação na gestão e avaliação de sistemas e
instituições de ensino em geral e a elaboração e execução de atividades educativas.
As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial
para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio de modalidade Normal e com cursos de
Educação Profissional , na área de serviços de apoio escolar, bem como outras áreas
nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. A formação oferecida
abrangerá, integralmente a docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas
de instituições de ensino geral, e a elaboração, a execução, o acompanhamento de
programas e as atividades educativas (DCN, 2006, p.6)

As diretrizes curriculares de 2006 deixam claro que a identidade do curso de


Pedagogia deve ser pautada pela na docência, implicando a licenciatura como identidade
conseqüente do pedagogo. As habilitações foram extintas, o curso de Pedagogia - licenciatura
- deverá agora formar integralmente para o conjunto das funções a ele atribuídas. O pedagogo
agora deverá ter uma formação teórica, diversidade de conhecimentos e de práticas, que se
articulam ao longo do curso.
Por ter uma formação mais abrangente, o pedagogo ainda continua sendo formado para
atuar em espaços escolares, dentro e fora da sala de aula, e também em outros espaços onde se
fizer necessária a sua presença. Sua importância se faz notória graças a uma formação
integral, onde campos de conhecimento como História, Psicologia, Sociologia, Filosofia e
3874

Política tornam este profissional preparado para enfrentar a escola tal qual está posta hoje:
diversificada. Outra questão ressaltada nas diretrizes é a reafirmação das universidades como
lócus privilegiado de formação de professores. O curso passa de 2.800 horas para 3.200 horas.
As diretrizes conseguiram ampliar o conceito de docência.

Considerações Finais

Nestes quase 70 anos do curso de Pedagogia no Brasil pudemos perceber que o curso
desde o começo enfrenta problemas e dificuldades e estes o acompanham ao longo de sua
trajetória. Sua regulamentação permanece sem alterações da criação a 1972, quando foi
reformulado em função do novo projeto educacional e a conseqüente legislação educacional
do governo militar. Neste momento, buscava-se tanto atender às novas exigências legais
quanto equacionar os questionamentos acerca das funções do curso e da sua estruturação
curricular.
Durante o período 1972 a 1978 o curso sofre algumas alterações de cima para baixo,
ou seja, suas alterações são, na quase totalidade, emanadas do Conselho Federal de Educação;
esta condição se mantém até a década de 1980 quando segmentos da sociedade civil se
organizam em movimentos que buscavam mudanças a partir da análise das condições
concretas da formação e atuação docente. Sua influência nas decisões governamentais se faz
sentir a partir de Congresso e Fóruns de discussão que resultaram na elaboração de
documentos que contribuíssem para a reformulação do curso. Tal processo sofre rupturas
quando, a partir de 1999 as atenções e preocupações se voltam para os decretos presidenciais,
que atingem diretamente o curso de Pedagogia, em um movimento de limitação das suas
funções.
Durante todo este tempo a busca pelo esclarecimento da identidade do pedagogo e a
definição mais precisa da função do curso de Pedagogia se mesclaram. Para concluir voltamos
à questão da identidade do pedagogo e sua ressignificação, mais que afirmar que sua
identidade esteja definida ou indefinida, podemos sim continuar a buscar respostas,
lembrando que a identidade profissional está ligada tanto ao próprio curso como à área de
atuação do pedagogo, em processo de construção contínua.
3875

REFERÊNCIAS

BRASIL. MEC/CNE. Resolução CNE/CP 1/2006. Institui Diretrizes Curriculares


Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.

_______. Decreto n. 3.254, de 7 de agosto de 2000. Dá nova redação ao § 2º do artigo 3º do


decreto n. 3.276, de 6 de dezembro de 1999, e dá outras providências. Brasília, 2000.
Mimeografado.

______. Decreto n. 3.276, de 6 de dezembro de 1999. Dispõe sobre a formação em nível


superior de professores para atuar na educação básica, e dá outras providências.
Brasília, 1999b. Mimeografado.

_____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 1996.

______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Superior. Comissão de


Especialistas de Ensino de Pedagogia. Proposta de Diretrizes Curriculares. Brasília, 1999a.
Mimeografado.

______. Parecer n. 251/62. Currículo mínimo e duração do curso de pedagogia. Relator:


Valnir Chagas. Documenta, n. 11, pp. 59-65, 1963.

______. Parecer n. 252, de 11 de abril de 1969. Estudos pedagógicos superiores. Mínimos


de conteúdo e duração para o curso de graduação em Pedagogia. Relator: Valnir Chagas.
Documenta, n. 100, pp. 101-17, 1969.

BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores. Campinas: Papirus,


1996.

NÓVOA, Antonio. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A. (Coord.).


Profissão professor. Porto: Editora Porto, 1995.

SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores


Associados, 2004. (Coleção Educação Contemporânea).

SILVA, Carmem Silvia Bissoli da. Curso de Pedagogia no Brasil: história e identidade. São
Paulo: Autores Associados, 1999.

TANURI, Leonor. História da formação de professores. In: SAVIANI, Dermeval; CUNHA,


Luiz Antonio; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. 500 anos de educação escolar. São
Paulo: ANPED/Autores Associados, 2000.
Introdução a Educação
do Campo e a Escola
do Campo
Prof: João Carlos de Campos
E-mail: jcvncampos@gmail.com
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Pedagogia – DEPED/G
Pedagogia do Campo

Curso: 590 – LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: Campus: Santa Cruz


Docência na Educação Infantil e Anos Iniciais do
Ensino Fundamental no Contexto do Campo
Ano: 2020 Série: 1 CH: 68 CH TU: 60 CH TC: 08
Código e Disciplina: Introdução à Educação do Campo e à escola do Campo

Professor: João Carlos de Campos

Turno: Integral Oferta: ( x ) Anual ( )Semestral


Modalidade: (X) presencial em regime de alternância ( ) presencial ( ) distância* (X) parcialmente a
distância* / Carga Horária a Distância: 68

EMENTA:
Introdução a Educação do Campo e a Escola do Campo. Relações entre educação, educação rural e a
educação do campo. Marco legal da Educação do campo no Brasil. Análise dos contextos e projetos de
escola do campo, seu Projeto Político Pedagógico, Regimento Escolar e instâncias colegiadas.
OBJETIVOS:
Geral:
Compreender a trajetória da Educação do campo como contraponto à Educação Rural no Brasil, bem como
as especificidades das escolas no contexto do campo.

Específicos:
• Compreender a dicotomia entre Educação do Campo e Educação rural;
• Analisar a Educação do campo como demanda da sociedade por uma educação de qualidade no e
do Campo;
• Reconhecer as especificidades das diferentes escolas do campo, bem como os elementos comuns
entre elas;
• Compreender as relações estabelecidas entre a Educação do campo e a escola com ênfase nas
contribuições da luta por uma educação de qualidade para os camponeses;
• Dialogar sobre os conhecimentos: quotidianos e escolares e a importância da relação entre os dois;
• Refletir sobre as práticas pedagógicas no contexto do campo.
PROGRAMA:

1. Trajetória da Educação do Campo no Brasil


1.1 - O Movimento Nacional por uma Educação do campo:
- I ENERA – Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (1997).
- CNEC - Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo (1998).
- II CNEC - Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo (2004).
- FONEC – Fórum Nacional da Educação do Campo (2010).
- Articulação Paranaense por uma Educação do campo - Porto Barreiro (2002).
1.2 - Educação do Campo: um conceito em construção.
1.3 - Educação Rural X Educação do Campo: princípios antagônicos de sociedade.
1.4 – Principais políticas implementadas: - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária –
PRONERA (1998) e o Decreto Nº 7.352/ 2010; - Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura
em Educação do Campo – PROCAMPO (2007) e Programa Nacional de Educação do Campo –
PRONACAMPO (2013).
Home Page: http://www.unicentro.br

Campus Santa Cruz: Rua Salvatore Renna – Padre Salvador, 875 – Cx. Postal 3010 – Fone: (42) 3621-1000 FAX: (42) 3621-1090 – CEP 85.015-430, GUARAPUAVA – PR
Campus CEDETEG: Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03 – Fone/FAX: (42) 3629-8100 – CEP 85.040-080 – GUARAPUAVA – PR
Campus de Irati: PR 153 – Km 07 – Riozinho – Cx. Postal, 21 – Fone: (42) 3421-3000 – FAX: (42) 3421-3067 – CEP 84.500-000 – IRATI – PR
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2. Marco legal da Educação do campo


2.1 – LDB 9394/1996
2.2 - Diretrizes Operacionais da Educação Básica das Escolas do Campo (2002) e Diretrizes
Complementares (2008).
2.3 - Diretrizes Curriculares da Educação do Campo – Paraná (2006).
2.4 - Resolução N° 4783/2010 da Secretaria de Estado da Educação.
2.5 - Parecer CEE/CEB N.º 1011/10.
2.6 - Lei nº 12.960, de 27 março de 2014 – Fechamento de escola do campo.

3. Escolas do Campo
3.1 - Diferentes escolas do campo: elementos comuns e elementos específicos – Escola Itinerante,
Escola Indígena, Casa familiar Rural, Escolas quilombolas, Escolas multisseriadas e outras.
3.2 - Relações entre a Educação do Campo e a escola.
3.4 - Contribuições pedagógicas para Escola do Campo.

4. Práticas pedagógicas no contexto do campo: Planejamento e visitas nas escolas do campo.


METODOLOGIA:

Essa disciplina será desenvolvida por meio de aulas expositivas e dialogadas, leituras e discussões de
textos, trabalhos coletivos, exibição de filme e debate, planejamento e visitas na escola do campo. Trabalho
integrado para o Tempo Comunidade.

Emprego de tecnologias digitais da informação e comunicação para atividades não


presenciais, nos termos da Instrução Normativa n. 1-PROEN/UNICENTRO, de 17 de abril de 2020,
em função da pandemia do novo Coronavírus – COVID-19.
Atividades remotas serão alocadas e ancoradas na plataforma institucional Moodle Unicentro.
Nesse ambiente poderão ser disponibilizadas atividades síncronas, como chats e fóruns, e
assíncronas como fóruns, diários, textos coletivos/wikis. Ainda, nos termos da Instrução Normativa
n. 1-PROEN/UNICENTRO, as atividades não presenciais poderão ser disponibilizadas por outras
mídias digitais com o devido vínculo com a Plataforma Moodle e/ou informação na mesma
plataforma”); A/o docente ficará online nos horários de aula e ocasionalmente, quando necessário
e em comum acordo com as/os alunos.
Para que este conteúdo seja discutido com os alunos via Ambiente Virtual de Aprendizagem,
será possível indicar:
Atividades síncronas (em tempo real/online, quando assim for proposto pelo professor e possível
de ser executada pelos estudantes), como chats e lives (avaliativas ou não); atividades
assíncronas (aquelas que não necessitam ser executadas em tempo real/online), como fóruns,
diários, textos coletivos/wikis, envio de arquivos (em diferentes formatos e conectados a outros
recursos digitais disponíveis na internet), avaliativas ou não.
A metodologia proposta em ambiente virtual se comporá de:
-Leitura sobre material disponibilizado na plataforma Moodle;
-Análise de vídeos que complementam a temática a ser abordada, os quais deverão ter seus links
indicados na plataforma Moodle;
-Participação síncrona de alunos e professor em atividades como fórum e/ou chat, quando for
possível adequando-se aos contextos dos acadêmicos.
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Campus Santa Cruz: Rua Salvatore Renna – Padre Salvador, 875 – Cx. Postal 3010 – Fone: (42) 3621-1000 FAX: (42) 3621-1090 – CEP 85.015-430, GUARAPUAVA – PR
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-Participação em reuniões, encontros e lives (se ocorrerem) por meio de outros instrumentos
midiáticos como: Facebook, Hangouts- Google Meet, Zoom, WhatsApp. Estas atividades deverão
ser registradas e agendadas com os alunos na plataforma Moodle.
-Postagem de relatórios avaliativos, conforme agendas prévias registradas na plataforma Moodle.
-Emails também poderão ser utilizados quando for necessário.
FORMAS DE AVALIAÇÃO:

O processo avaliativo levará em consideração a autonomia dos alunos nos trabalhos; formulação oral e
escrita nos conceitos; desenvoltura e postura nas atividades; capacidade organizativa e trabalho coletivo
nas seguintes atividades: seminários, relatórios analíticos, sínteses e provas. Trabalho do Tempo
Comunidade.
Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por
meio dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A
avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da internet e
das TICs.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

ANTUNES-ROCHA, M. I.; HAGE, S. M. Escola de direitos: reinventando a escola multisseriada. Belo


Horizonte: Autêntica Editora, 2010. (Caminhos da educação do campo; 2).
CALDART, Roseli (Org.). Dicionário da Educação do campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
________. A Escola do Campo em Movimento. Revista Currículo sem Fronteiras, v.3, n.1, pp.60-81,
Jan/Jun 2003.
________. Elementos para a Construção do Projeto Político Pedagógico da Educação do Campo.” IN:
JESUS, S. M. S. A. de; MOLINA, M. C. (orgs.) Articulação Nacional por uma Educação Básica do
Campo: Brasília/DF: Universidade de Brasília, 2004, p. 13 – 52. Coleção Por uma Educação do Campo, n.
5.
________Sobre Educação do Campo. In: FERNANDES, Bernardo Mançano [et al]; SANTOS, Clarice
Aparecida dos. Por uma Educação do Campo: campo – políticas públicas – educação. Brasília: INCRA;
MDA. 2008.
________ Pilares Fundantes de Uma Nova Forma Escolar. In: Cadernos de Estudos – V SEMINÁRIO
NACIONAL DAS LICENCIATURAS EM EDUCAÇÃO DO CAMPO. Laranjeiras do Sul, 2015.
CAMINI, Isabela. Escola Itinerante: na fronteira de uma nova escola. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
FREITAS, Luis Carlos. Ciclos, seriação e avaliação: confronto de lógicas. São Paulo: Moderna, 2003.
KRUG, Andréa. Ciclos de formação: uma proposta transformadora. Porto Alegre: Editora Mediação,
2002.
LEITE, S. C. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. 2. ed. São Paulo, Cortez, 2002.
MUNARIM, A. Movimento Nacional de Educação do Campo: Uma Trajetória em Construção.
UFSC/Universidade Federal de Santa Catarina. 31ª Reunião da Anped, Gt-03: Movimentos Sociais e
Educação. 2008. Disponível em: http://31reuniao.anped.org.br/1trabalho/GT03-4244--Int.pdf, Acessado em
junho de 2017.
SAPELLI, M. L. S. (Org.). Vozes da resistência: sobre práticas educativas nos tempos e espaços
ocupados pelo MST. Guarapuava – PR: UNICENTRO, 2010.
SOUZA, M. A. A Educação do Campo no Brasil. In: SOUZA, E. C. de; CHAVES, V. L. J. (orgs).
Documentação, memória e história da Educação no Brasil: diálogos sobre política de educação e
Home Page: http://www.unicentro.br

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Pedagogia do Campo

diversidade. 1. ed. Tubarão: Copiart, 2016b. p. 133-157.


_______. Educação do campo: propostas e práticas pedagógicas do MST. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

GHEDINI, C. M. A produção da Educação do Campo no Brasil: das referências históricas à


institucionalização. 356f. Tese, Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ.2015
GRITTI, Silvana Maria. Educação rural e capitalismo. Passo Fundo: UPF, 2003.
MUNARIM, A. Educação dos Trabalhadores do Campo e da Cidade e Política Educacional: desafios
centrais. In: PALUDO, C. (org). Campo e Cidade em Busca de Caminhos Comuns. I seminário
Internacional e I Fórum de Educação do Campo da Região do RS – SIFEDOC. Pelotas: UFPel, 2014.
ZAGO, Nadir. Processos de escolarização nos meio populares: as contradições da obrigatoriedade
escolar.

ATA DE APROVAÇÃO: n xxx, de 20 de outubro de 2020.

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Profº Dr. Marcos Gehrke
Coordenador do curso de Pedagogia
do Campo
Port. n. 669/2017-GR/UNICENTRO

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Profº Dra. Valdirene Manduca de
Moraes
Vice-Coordenador do Curso de
Pedagogia do Campo
Port. n. 760/2020-GR/UNICENTRO

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Campus CEDETEG: Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03 – Fone/FAX: (42) 3629-8100 – CEP 85.040-080 – GUARAPUAVA – PR
Campus de Irati: PR 153 – Km 07 – Riozinho – Cx. Postal, 21 – Fone: (42) 3421-3000 – FAX: (42) 3421-3067 – CEP 84.500-000 – IRATI – PR
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Linguagem e
Ensino
Prof: Eduardo Maciel Ferreira
E-mail: themacphisto@gmail.com
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Pedagogia – DEPED/G
Pedagogia do Campo

Curso: 590 – LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: Campus: Santa Cruz


docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental no contexto do Campo

Ano: 2020 Série: 1 CH: 68 CH TU: 60 CH TC: 08


Código e Disciplina: Linguagem e Ensino
Professora: Eduardo Maciel Ferreira
Turno: Integral Oferta: ( X ) Anual ( )Semestral
Modalidade: ( X ) presencial em regime de alternância ( ) distância* (X) parcialmente a distância* / Carga
Horária a Distância: 68

EMENTA:
Linguística textual - análise de elementos macro e microtextuais da constituição da Língua escrita
e oral enfatizando a construção do sentido no texto, a coerência, a coesão, a argumentação e as
variantes linguísticas que compõem o texto escrito. Práticas e estratégias de leitura. Produção e
reestruturação de textos. Percepção das diferentes linguagens nos contextos sócio-culturais e
suas possibilidades na prática educativa.
OBJETIVOS:
- Trabalhar a leitura, escrita e reescrita de textos literários e não literários no âmbito acadêmico,
visando sua prática nos ambientes de ensino;
- Compreender a língua como fenômeno social, histórico e cultural, reconhecendo-a como parte da
identidade de um povo e da comunidade a que pertencem.
- Reconhecer a importância dos interlocutores e o contexto da enunciação nas diversas
manifestações da linguagem oral e escrita.
- Discutir conceitos linguísticos que promovam a compreensão e expressão dos alunos, tanto nas
situações de comunicação oral quanto nas de comunicação escrita.
- Compreender fundamentos básicos da norma-padrão da Língua Portuguesa.
PROGRAMA:

1. Linguagem: leitura, oralidade e escrita.

- Concepções de Leitura, Oralidade e Escrita com foco na interação;


- Leitura e escrita como práticas sociais;
- Práticas e estratégias de Leitura e escrita.

2. Texto e textualidade.

- Fatores pragmáticos da textualidade: informatividade, situacionalidade, intertextualidade,


intencionalidade e aceitabilidade.
- Elementos essenciais de um texto acadêmico: assunto, tema, título, norma-padrão.

3. O uso de organizadores textuais: níveis micro e macrotextuais;

- Mecanismos estruturais em português padrão: frase, oração, período;


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- A construção de sentidos no texto: coesão e coerência;


- Escrita e progressão referencial e sequencial;
- Elementos da língua padrão para a construção textual: ortografia, concordância verbal e nominal.
- Escrita e reescrita de gêneros textuais: resenha, resumo, relatório, reportagem, notícia, relatos,
história de vida, manifesto.
METODOLOGIA:

As discussões ocorrerão por meio de aulas expositivas e dialogadas, potencializando o


processo de oralidade, de forma que proporcionem a participação efetiva dos estudantes no
processo de ensino e aprendizagem. Além disso, para o entendimento e materialização das
leituras, outras atividades ocorrerão em sala, tais como: construção de painéis, elaboração de
cartazes, gráficos, escrita e reescrita de textos para a construção de um jornal, leituras, entre
outros.

Trabalho integrado para o Tempo Comunidade.

Emprego de tecnologias digitais da informação e comunicação para atividades não


presenciais, nos termos da Instrução Normativa n. 1-PROEN/UNICENTRO, de 17 de abril de 2020,
em função da pandemia do novo Coronavírus – COVID-19.
Atividades remotas serão alocadas e ancoradas na plataforma institucional Moodle Unicentro.
Nesse ambiente poderão ser disponibilizadas atividades síncronas, como chats e fóruns, e
assíncronas como fóruns, diários, textos coletivos/wikis. Ainda, nos termos da Instrução Normativa
n. 1-PROEN/UNICENTRO, as atividades não presenciais poderão ser disponibilizadas por outras
mídias digitais com o devido vínculo com a Plataforma Moodle e/ou informação na mesma
plataforma”); A/o docente ficará online nos horários de aula e ocasionalmente, quando necessário
e em comum acordo com as/os alunos.
Para que este conteúdo seja discutido com os alunos via Ambiente Virtual de Aprendizagem,
será possível indicar:
Atividades síncronas (em tempo real/online, quando assim for proposto pelo professor e possível
de ser executada pelos estudantes), como chats e lives (avaliativas ou não); atividades
assíncronas (aquelas que não necessitam ser executadas em tempo real/online), como fóruns,
diários, textos coletivos/wikis, envio de arquivos (em diferentes formatos e conectados a outros
recursos digitais disponíveis na internet), avaliativas ou não.
A metodologia proposta em ambiente virtual se comporá de:
-Leitura sobre material disponibilizado na plataforma Moodle;
-Análise de vídeos que complementam a temática a ser abordada, os quais deverão ter seus links
indicados na plataforma Moodle;
-Participação síncrona de alunos e professor em atividades como fórum e/ou chat, quando for
possível adequando-se aos contextos dos acadêmicos.
-Participação em reuniões, encontros e lives (se ocorrerem) por meio de outros instrumentos
midiáticos como: Facebook, Hangouts- Google Meet, Zoom, WhatsApp. Estas atividades deverão
ser registradas e agendadas com os alunos na plataforma Moodle.
-Postagem de relatórios avaliativos, conforme agendas prévias registradas na plataforma Moodle.
-Emails também poderão ser utilizados quando for necessário.

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FORMAS DE AVALIAÇÃO:

O processo avaliativo considera a efetiva participação acadêmica na disciplina como um todo,


centrada em uma perspectiva diagnóstica, mediadora e formativa. Durante a disciplina, serão
desenvolvidas atividades individuais e coletivas, tais como: escrita e reescrita de diferentes
gêneros textos, entrevistas, avaliações individuais e coletivas.

O processo avaliativo será constituído pelos seguintes instrumentos e critérios:


Instrumentos Critérios avaliativos
Observação Participação nas aulas.
Leituras prévias e complementares.
Assiduidade e pontualidade.
Comprometimento e responsabilidade.
Avaliação escrita Apropriação do conhecimento.
Capacidade de interpretação, análise e síntese.
Uso das normas padrão da língua portuguesa.
Produção escrita (resumo, resenha e fichamentos de textos, Apropriação do conhecimento.
documentos e mídias) Clareza e objetividade escrita.
Coerência teórica.
Capacidade de interpretação, análise e síntese.
Uso das normas padrão da língua portuguesa.
Seminário Apropriação do conhecimento.
Capacidade de reflexão, análise e síntese.
Uso e organização do tempo.
Postura e oralidade.
Planejamento da apresentação.
Observação de práticas educativas na área de linguagens em Apropriação do conhecimento.
escolas do campo Capacidade de reflexão, análise e síntese.
Organização e uso dos materiais, do tempo e do espaço.
Coerência com as tendências metodológicas para o ensino de
linguagens.
Trabalho integrado do tempo comunidade Participação.
Leitura de textos.
Apropriação de conhecimento.
Capacidade de reflexão, análise e síntese.
Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por
meio dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A
avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da internet e
das TICs.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

BAKHTIN, Mikhail. Os Gêneros do Discurso. In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 1992, p. 278-289.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo:
Companhia Editora Nacional.
FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão. Prática de texto para estudantes universitários.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1992.
GERALDI, J.W. O texto na sala de aula. 3.ed. São Paulo: Ática, 2001.
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KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo:
Contexto, 2015.
KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto,
2009.
KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção de sentidos. São Paulo: Contexto, 2007.
KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2009.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2009.
MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: a prática de fichamentos, resumos e resenhas. 11.
ed. São Paulo: Atlas, 2009.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2000.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. São
Paulo: Ática, 2008.
MOTTA-ROTH, D.; HENDGES, G. H. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola
editorial, 2010.
KOCH, I. V. Ler e escrever: estratégias de produção textual / Ingedore Villaça Koch, Vanda Maria
Elias. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo:
Cortez, 2001.
MENEGASSI, Renilson. Leitura, escrita e gramática no ensino fundamental. Maringá, Eduem,
2010.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2004.

ATA DE APROVAÇÃO nº xx DE 20 de outubro DE 2020.

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Coordenador do curso de Pedagogia do Campo
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Exemplos de textos

RESUMO 01:

RESUMO 02:
RESENHA:
Noções de Língua
Brasileira deSinais
LIBRAS

Profª: Elenir Guerra


E-mail: ele_marc@yahoo.com.br

Profª: Laura Moreira


E-mail: laurac.moreira@gmail.com
Fundamentos
Históricos da
Educação
Prof: João Carlos de Campos
E-mail: jcvncampos@gmail.com
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Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
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Curso: 590 – LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: Campus: Santa Cruz


docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental no contexto do Campo

Ano: 2020 Série: 1 CH: 102 CH TU: 92 CH TC: 10


Código e Disciplina: Fundamentos Históricos da Educação
Professor: João Carlos de Campos
Turno: Integral Oferta: ( x ) Anual ( )Semestral
Modalidade: ( X ) presencial em regime de alternância ( ) distância* (X ) parcialmente a distância* / Carga
Horária a Distância: 102

EMENTA:
Abordagem histórica da educação e da pedagogia desde a Antiguidade. As condições materiais de
vida e seus desdobramentos nas configurações e movimentos da História.
OBJETIVOS:
•Compreender a importância da história e do campo específico da história da educação;
•Discutir o pensamento educacional e a criação das instituições escolares nos diversos contextos
históricos.
• Analisar as mudanças e permanências educacionais.

PROGRAMA:

1. Introdução à História da Educação


1.1 Definições de história, principais conceitos e a construção do conhecimento;
1.1 A história da Educação: definição e relevância da disciplina;

2. A Educação na antiguidade
2.1 Educação nas antigas civilizações da China, Índia e Japão;
2.2. História e educação na Mesopotâmia, Fenícios, Hebreus e Egito;
2.3 Estudos históricos e a Educação em Grécia e Roma.

3. A Educação na Idade Média e construção do Período Moderno;


3.1 A contextualização histórica do Pensamento Pedagógico Medieval: Santo Agostinho e São
Tomás de Aquino;
3.3. A cultura clerical e o ensino;
3.4. Discussões sobre o mundo moderno: razão ou fé;
3.5 A reforma protestante;
3.6 A Contra Reforma: a Companhia de Jesus.
3.7 O pensamento Iluminista;

4. O projeto colonial de Educação para a América Latina


4.1 As civilizações antigas na América (Maias, Astecas e Incas);
4.2. A América Portuguesa e Espanhola.

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5. O surgimento da escola pública, as contradições do capitalismo no século XIX, XX e XXI


5.1 A modernidade e o pensamento científico e a produção da escola pública contemporânea.

METODOLOGIA:
No tempo universidade será realizado: aulas expositivas, leituras, discussão e elaboração de
textos (atividade), seminários, apresentações de trabalhos, análise de filmes e documentários, e
sínteses.
Trabalho integrado para o Tempo Comunidade.

Emprego de tecnologias digitais da informação e comunicação para atividades não


presenciais, nos termos da Instrução Normativa n. 1-PROEN/UNICENTRO, de 17 de abril de 2020,
em função da pandemia do novo Coronavírus – COVID-19.
Atividades remotas serão alocadas e ancoradas na plataforma institucional Moodle Unicentro.
Nesse ambiente poderão ser disponibilizadas atividades síncronas, como chats e fóruns, e
assíncronas como fóruns, diários, textos coletivos/wikis. Ainda, nos termos da Instrução Normativa
n. 1-PROEN/UNICENTRO, as atividades não presenciais poderão ser disponibilizadas por outras
mídias digitais com o devido vínculo com a Plataforma Moodle e/ou informação na mesma
plataforma”); A/o docente ficará online nos horários de aula e ocasionalmente, quando necessário
e em comum acordo com as/os alunos.
Para que este conteúdo seja discutido com os alunos via Ambiente Virtual de Aprendizagem,
será possível indicar:
Atividades síncronas (em tempo real/online, quando assim for proposto pelo professor e possível
de ser executada pelos estudantes), como chats e lives (avaliativas ou não); atividades
assíncronas (aquelas que não necessitam ser executadas em tempo real/online), como fóruns,
diários, textos coletivos/wikis, envio de arquivos (em diferentes formatos e conectados a outros
recursos digitais disponíveis na internet), avaliativas ou não.
A metodologia proposta em ambiente virtual se comporá de:
-Leitura sobre material disponibilizado na plataforma Moodle;
-Análise de vídeos que complementam a temática a ser abordada, os quais deverão ter seus links
indicados na plataforma Moodle;
-Participação síncrona de alunos e professor em atividades como fórum e/ou chat, quando for
possível adequando-se aos contextos dos acadêmicos.
-Participação em reuniões, encontros e lives (se ocorrerem) por meio de outros instrumentos
midiáticos como: Facebook, Hangouts- Google Meet, Zoom, WhatsApp. Estas atividades deverão
ser registradas e agendadas com os alunos na plataforma Moodle.
-Postagem de relatórios avaliativos, conforme agendas prévias registradas na plataforma Moodle.
-Emails também poderão ser utilizados quando for necessário.
FORMAS DE AVALIAÇÃO:

O processo de avaliação da disciplina privilegiará a produção dos educandos. Para tanto,


serão convocados, individualmente e em grupo (depois de discussões, em intervalos de tempos,
durante o percurso da disciplina) a produções escritas (dirigidas ou sínteses) e/ou apresentações
de trabalhos sobre os conteúdos, pautando-se em textos e nas discussões em salas de aula.
Trabalho integrado para o Tempo Comunidade.
Para as atividades na plataforma institucional Moodle, o processo poderá ser avaliado por
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meio dos acessos as atividades disponibilizadas e participação síncrona quando programado. A


avaliação dos (das) acadêmicos (as) deverá ser adaptada garantindo a diversidade de meios e
instrumentos avaliativos considerando àqueles estudantes que não conseguirem realizar os
acessos por motivos justificáveis de problemas e/ou dificuldades com o acesso e uso da internet e
das TICs.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São
Paulo: Moderna, 2006.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Ed. da UNESP, 1999.
FRANCO JUNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2002.
GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2006.
GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. Historia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.
LUZURIAGA, Lorenzo. Historia da educação e da pedagogia. 13. ed. Sao Paulo: Nacional,
1981.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias. São
Paulo, Cortez, 1992.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BETHELL, Leslie (Org.). América Latina colonial. São Paulo: EdUSP, 1999.
BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
LUZURIAGA Y MEDINA, Lorenzo. Historia da educação pública. São Paulo: Nacional, 1959.
ATA DE APROVAÇÃO Nº. xx de 20 de outubro de 2020

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Introdução História e
história da educação

1. Somos feitos de tempo

Somos seres históricos, já que nossas ações e pensamentos


mudam no tempo, à medida que enfrentamos os problemas não
só da vida pessoal, como também da experiência coletiva. É as-
sim que produzimos a nós mesmos e a cultura a que
pertencemos.
Cada geração assimila a herança cultural dos antepassados e
estabelece projetos de mudança. Ou seja, estamos inseridos no
tempo: o presente não se esgota na ação que realiza, mas ad-
quire sentido pelo passado e pelo futuro desejado. Pensar o pas-
sado, porém, não é um exercício de saudosismo, curiosidade ou
erudição: o passado não está morto, porque nele se fundam as
raízes do presente.
Se resultamos desse devir, desse movimento incessante, é im-
possível pensar em uma natureza humana com características
universais e eternas. Não há um conceito de “ser humano uni-
versal” que sirva de modelo em todos os tempos. Melhor seria
nos referirmos à “condição humana” plasmada no conjunto das
relações sociais, sempre mutáveis. Não nos compreendemos
fora de nossa prática social, porque esta, por sua vez, se encon-
tra mergulhada em um contexto histórico-social concreto.
Da mesma maneira, com a história da educação construímos
interpretações sobre as maneiras pelas quais os povos trans-
mitem sua cultura e criam as instituições escolares e as teorias
7/685

que as orientam. Por isso, é indispensável que o educador con-


sciente e crítico seja capaz de compreender sua atuação nos as-
pectos de continuidade e de ruptura em relação aos seus ante-
cessores, a fim de agir de maneira intencional e não meramente
intuitiva e ao acaso.
Se somos seres históricos, nada escapa à dimensão do tempo.
Lembrando o poeta Paul Claudel: “O tempo é o sentido da vida.
(Sentido: como se diz o sentido de um riacho, o sentido de uma
frase, o sentido de um pano, o sentido do odor)”. No entanto, a
concepção de historicidade não foi a mesma ao longo da
história. Ao contrário, como veremos neste livro, inúmeros fo-
ram os modos de compreender o ser humano no tempo e, port-
anto, a sua história.

2. A história da história

A história resulta da necessidade de reconstituirmos o pas-


sado, relatando os acontecimentos que decorreram da ação
transformadora dos indivíduos no tempo, por meio da seleção
(e da construção) dos fatos considerados relevantes e que serão
interpretados a partir de métodos diversos, como veremos.
A preservação da memória, porém, não foi idêntica ao longo
do tempo, tendo variado também conforme a cultura.

As antigas concepções de história

Os povos tribais, por exemplo, não privilegiam os aconteci-


mentos da vida da comunidade, porque, para eles, o passado os
remete aos “primórdios”, às origens dos tempos sagrados em
que os deuses realizaram seus feitos extraordinários. Fazer
história, nesse caso, é recontar os mitos, os acontecimentos
sagrados que são “reatualizados” nos rituais, pela imitação dos
gestos dos deuses.
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À medida que as sociedades se tornavam mais complexas, o


relato oral registrava pela tradição os feitos dos antepassados
humanos, mas, ainda assim, na dependência da proteção ou da
ira dos deuses. Por exemplo, examinemos a civilização micên-
ica, na Grécia antiga, no segundo milênio a.C., quando ainda
predominava o pensamento mítico: constatamos nesse período
a prevalência da interferência divina sobre as ações humanas.
No século IX a.C. (ou VIII a.C.), Homero – cuja existência real é
uma incógnita – relatou na epopeia Ilíada a Guerra de Troia,
ocorrida no século XII a.C., e conta, na Odisseia, o retorno do
herói Ulisses a Ítaca, sua ilha de origem. Nessas narrativas mít-
icas cada herói encontra-se sob a proteção de um dos deuses do
Olimpo, portanto, não há propriamente história, mas a con-
stante intervenção divina no destino humano. Assim, a deusa
Atena diz a Ulisses: “Eu sou uma divindade que te guarda sem
cessar, em todos os trabalhos”. Ou Agamémnon, rei de Micenas,
justifica do mesmo modo um desvario momentâneo: “Não sou
eu o culpado, mas Zeus, o Destino e a Erínia, que caminha na
sombra”.
A partir do século VI a.C., a filosofia surgiu na colônia grega
da Jônia (atual Turquia) como uma maneira reflexiva de pensar
o mundo, que rejeita a prevalência religiosa do mito e admite a
pluralidade de interpretações racionais sobre a realidade.
Apesar disso, em toda a filosofia antiga, passando depois pela
Idade Média, permaneceram a visão estática do mundo e a con-
cepção essencialista do ser humano.
Vejamos um exemplo. Para os gregos, o Universo era dividido
em mundo sublunar e supralunar: o primeiro é o mundo ter-
reno, temporal, sujeito à mudança, à corrupção e à morte, en-
quanto o supralunar é o mundo perfeito das esferas fixas, con-
stituído pela “quinta essência” e, portanto, imóvel e eterno. Esse
gosto pelo permanente revela-se também na concepção dos
filósofos Platão e Aristóteles (século IV a.C.), ao buscarem as
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essências, as ideias universais acima da transitoriedade do con-


hecimento das coisas particulares.
No entanto, já antes de Aristóteles, Heródoto de Halicarnas-
so, grego nascido na Jônia no século V a.C., ousou abordar a
mudança, o tempo, procurando descrever os fatos, de modo que
os grandes eventos gloriosos e extraordinários não fossem es-
quecidos. Naquele tempo, o termo grego historiê significava na
verdade “investigação”, tendo por base o próprio testemunho de
alguém ou o relato oral de outras pessoas. Assim começa seu liv-
ro, Histórias, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa: “Her-
ódoto de Halicarnasso apresenta aqui os resultados de sua in-
vestigação (historiê), para que o tempo não apague os trabalhos
dos homens e para que as grandes proezas, praticadas pelos gre-
gos ou pelos bárbaros, não sejam esquecidas; e, em particular,
ele mostra o motivo do conflito que opôs esses dois povos”. Por
esse pioneirismo, Heródoto foi mais tarde chamado “pai da
História”.
Com os historiadores que se seguiram prevaleceu o viés de
uma história “mestra da vida”, porque sempre teria algo a en-
sinar com os feitos de figuras exemplares que expressam mode-
los de conduta política, moral ou religiosa. Apesar da novidade
dessa investigação histórica, aberta à mudança, o que permane-
ceu na Antiguidade e na Idade Média foi a visão platônico-aris-
totélica de um mundo estático em que se buscava o universal, o
que não garantia à história o status de ciência (episteme), sendo
vista, portanto, como uma forma menor de retórica destituída
de rigor e na qual, segundo alguns, eram feitas concessões de-
mais à imaginação no relato dos fatos.
Outra tendência das teorias na Antiguidade foi a com-
preensão da história como um movimento cíclico, esquema que
serve de base a Políbio (séc. II a.C.) ao explicar a ascensão, a
decadência e a regeneração dos regimes políticos: quando um
bom regime como a monarquia se corrompe com a tirania, a
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aristocracia, constituída pelos “melhores”, toma o poder, mas


com o tempo degenera em oligarquia; a revolta do povo funda
então a democracia, que, por sua vez, descamba para a
demagogia, reiniciando-se o ciclo.

História moderna e contemporânea

Somente a partir da modernidade, isto é, com as mudanças


que começaram a ocorrer no século XVII, o estudo da história
tomou nova configuração, consolidada no Iluminismo do século
XVIII. Esse período foi marcado pela ruptura com a tradição ar-
istocrática do Antigo Regime, levada a efeito pelas revoluções
burguesas. No mesmo bojo, os valores do feudalismo foram
substituídos aos poucos pelo impacto da Revolução Industrial,
em que ciência e técnica provocaram alterações no ambiente
humano antes jamais suspeitadas. A história cíclica foi então
substituída pela descrição linear dos fatos no tempo, segundo as
relações de causa e efeito. Desse modo, os historiadores não
mais se orientavam pelo passado como um modelo a seguir,
mas desenvolveram a noção de processo, de progresso, investig-
ando o que entendiam por “aperfeiçoamento da humanidade”.
Essa concepção aparece na corrente positivista, iniciada por
Augusto Comte (1798-1857), fundador da sociologia. Impreg-
nado pela ideia de progresso, para ele o espírito humano teria
passado por estados históricos diferentes e sucessivos até
chegar ao “estado positivo”, caracterizado pelo rigor do conheci-
mento científico. A história seria, então, a realização no tempo
daquilo que já existe em forma embrionária e que se desenvolve
até alcançar o seu ponto máximo.
A visão cientificista do positivismo reduz de certa forma as
ciências humanas ao modelo do método das ciências da
natureza, introduzindo nelas a noção de determinismo. Embora
Comte não tenha se ocupado com o estudo da história, a
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corrente positivista inspirou os historiadores do final do século


XIX e do início do século XX, para os quais a reconstituição do
“fato histórico” deve ser feita por meio de técnicas cientifica-
mente objetivas que permitam a crítica rigorosa dos docu-
mentos. Daí a utilização de ciências auxiliares que garantam a
verificação da autenticidade das fontes e que possam datá-las
com precisão.
Ainda no século XIX, outros pensadores inovaram a noção de
história. Para Hegel (1770-1831) a história não é a simples acu-
mulação e justaposição de fatos acontecidos no tempo, mas res-
ulta de um processo cujo motor interno é a contradição dialét-
ica. Ou seja, esse movimento da história ocorre em três etapas
— tese, antítese e síntese — em que a tese é a afirmação, a an-
títese é a negação da tese, e a síntese é a superação da contra-
dição entre tese e antítese. Esta, por sua vez, vai gerar uma nova
tese, que é negada pela antítese e assim por diante. Como se vê,
a maneira dialética de abordar a realidade considera as coisas
na sua dependência recíproca e não linear.
Karl Marx (1818-1883) apropriou-se da dialética hegeliana,
mas contrapôs ao idealismo de seu antecessor uma concepção
materialista da história. Enquanto para Hegel o mundo é a
manifestação da Ideia, para Marx a história deve ser analisada a
partir da infraestrutura (fatores materiais, econômicos, técni-
cos) e da luta de classes. Recusa, assim, a interpretação de que a
história humana se transforma pela ação das próprias ideias
(muito menos pela ação de “heróis” e “grandes vultos”), para
justificar que o motor da história é a luta de classes: para en-
tender o movimento histórico, não se deve partir do que os indi-
víduos pensam, dizem, imaginam ou valoram (isto é, da supra-
estrutura) e sim da maneira pela qual produzem os bens materi-
ais necessários à sua vida. Somente nesse campo percebemos o
embate das forças contraditórias entre proprietários e não pro-
prietários e entre estes últimos e os seus meios e objetos de
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trabalho. Desse modo é possível compreender o conflito de in-


teresses antagônicos entre senhor x escravo (na Antiguidade),
senhor feudal x servo (na Idade Média), capitalista x proletário
(a partir da modernidade).
Sem perder de vista que nosso interesse aqui é a educação,
lembramos que Marx a examina do ponto de vista dos in-
teresses da classe dominante, o que explicaria, para ele, a ideo-
logia da exclusão dos não proprietários no acesso pleno à cul-
tura. Sob esse enfoque, a chamada história oficial silencia o
pobre, o negro, a mulher e também os excluídos da escola,
porque as interpretações são feitas de acordo com os valores e
interesses dos que ocupam o poder.
No final do século XIX e começo do seguinte, surgiram teorias
que sob alguns aspectos se contrapuseram à tendência positiv-
ista, ressaltando que o fato histórico é de certa forma “con-
struído” desde as hipóteses que orientam a sua seleção até a
escolha de um método (e não de outro). Por isso, dizem esses
novos historiadores, é ilusão pensar que a história reconstitui o
fato “tal como ocorreu”. Além disso, a noção de progresso — se-
gundo a qual a história realizaria algo existente em estado lat-
ente, em germe, bastando aos atores sociais a atualização do
processo — também foi duramente criticada.
O risco dessa concepção sobre o progresso está em, por exem-
plo, nos referirmos aos sucessos da expansão da civilização dos
romanos (e, por extensão, de qualquer civilização) esquecendo
que o sentido da chamada “paz romana” é a paz dos cemitérios,
a paz imposta pela força, que faz calar os vencidos. De fato, é
ilusório — e ideológico — constatar o “progresso” das civiliza-
ções sem perceber que ele pode trazer no seu bojo a violência e,
portanto, a barbárie, isto é, o retorno a formas anteriores ao
processo civilizatório que convivem dentro dessa própria civiliz-
ação. Basta lembrarmos que, se árabes fundamentalistas foram
capazes de arquitetar e consumar a destruição das torres
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gêmeas em Nova York em 2001, também o governo dos Estados


Unidos foi responsável pelo bombardeio atômico que dizimou a
população civil das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki,
em 1945.
A partir de 1929 (data da fundação da revista francesa An-
nales) começou o movimento conhecido como Escola dos
Anais, do qual participaram diversas gerações de historiadores
que buscavam o intercâmbio da história com as diversas ciên-
cias sociais e psicológicas, ampliando o campo da pesquisa
histórica, ao mesmo tempo que abriam fecundo debate teórico
metodológico para a renovação dos estudos historiográficos.
Dessa maneira, aglutinaram-se tendências diferentes, algumas
delas aparentemente inconciliáveis, mas que coexistiram.
Mesmo porque com o termo “Escola” não devemos supor uma
orientação monolítica de um método ou de uma teoria es-
pecífica, mas um movimento que estimulou inovações e que
comportava várias matrizes teórico-metodológicas, desde o seu
início até hoje.
Os fundadores da revista foram Marc Bloch (1886-1944) e Lu-
cien Febvre (1878-1956), que marcaram o período de formação
dos Anais até a Segunda Grande Guerra; nos anos 1960, foi im-
portante a contribuição de Fernand Braudel (que por sinal,
ainda jovem, lecionou no Brasil na Universidade de São Paulo a
partir de 1936); nos anos de 1970, Jacques Le Goff deu impulso
à nova história, que ampliou o campo das indagações, com
destaque para a história das mentalidades. Essa tendência con-
quistou o grande público, por privilegiar temas antropológicos,
como as antigas formas de vida e atitudes coletivas: família, fes-
tas, rituais de nascimento, infância, sexualidade, casamento,
morte etc.
A historiografia marxista também foi renovada com Eric
Hobsbawm e Thompson, que, além das análises baseadas na in-
fraestrutura e luta de classes, incluíram outros aspectos
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culturais do cotidiano que ajudam a compreender a construção


da consciência de classe.
Desse modo, o que se percebe é que a historiografia contem-
porânea faz articulações entre a micro e a macro-história, es-
tabelecendo as ligações entre a história econômica e o papel dos
indivíduos, bem como de segmentos pouco estudados.
Nas décadas de 1980 e 1990, com o pós-modernismo, alguns
pensadores criticaram os métodos anteriores. Assim comenta
Luz Helena Toro Zequera: “Segundo essas teorias (Barthes, Der-
rida, White e LaCapra), a historiografia deve ser entendida
como um gênero puramente literário, com uma linguagem que
conserva uma estrutura sintática em si mesma. O texto não
guarda relação com o mundo exterior, não faz referência à real-
idade, nem depende de seu autor. Isto não é apenas válido para
o texto literário, mas também para o texto histórico-
científico”[1].
No cenário atual continuam as discussões metodológicas, o
que nos leva a reconhecer que mais importante do que saber o
que o historiador estuda é perguntar-se como ele o estuda,
porque em toda seleção de fatos existem sempre pressupostos
teóricos, ou seja, uma orientação metodológica e uma filosofia
da história subjacente ao processo de interpretação.
Diante de um livro de história, portanto, chamamos a atenção
para dois aspectos: a) a diversidade metodológica não deve ser
entendida como fragilidade da história como ciência, mas, ao
contrário, como esforço para definir caminhos da investigação
rigorosa; b) sempre é bom conhecer a orientação epistemológica
em que se fundamenta o pesquisador, para melhor com-
preender a interpretação das fontes consultadas e para que pos-
samos, nós mesmos, nos posicionar criticamente.

3. História da educação
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Tudo o que foi dito até aqui vale para a história da educação,
já que o fenômeno educacional se desenrola no tempo e faz
igualmente parte da história. Portanto, não se trata apenas de
uma disciplina escolar chamada história da educação, mas
igualmente da abordagem científica de um importante recorte
da realidade.
Estudar a educação e suas teorias no contexto histórico em
que surgiram, para observar a concomitância entre as suas
crises e as do sistema social, não significa, porém, que essa sin-
cronia deva ser entendida como simples paralelismo entre fatos
da educação e fatos políticos e sociais. Na verdade, as questões
de educação são engendradas nas relações que se estabelecem
entre as pessoas nos diversos segmentos da comunidade. A edu-
cação não é, portanto, um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos
do jogo do poder, por estar de fato envolvida na política.
Os estudos sobre a história da educação enfrentam as mes-
mas dificuldades metodológicas já mencionadas sobre a história
geral, com o agravante de que os trabalhos no campo específico
da pedagogia são recentes e bastante escassos. Apenas no século
XIX os historiadores começaram a se interessar por uma
história sistemática e exclusiva da educação, antes apenas um
“apêndice” da história geral.
Ainda assim, conhece-se melhor a história da pedagogia ou
das doutrinas pedagógicas do que propriamente das práticas
efetivas de educação. Neste último caso, alguns graus de ensino
(como o secundário e o superior) sempre preservaram docu-
mentação mais abundante do que, por exemplo, o elementar e o
técnico, trazendo dificuldades para a sua reconstituição.
A situação é mais difícil no Brasil, até há bem pouco tempo
sem historiadores da educação de importância, com enormes la-
cunas a serem preenchidas. Segundo o professor Casemiro dos
Reis Filho, em obra publicada em 1981, “somente depois de
realizados estudos analíticos capazes de aprofundar o
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conhecimento da realidade educacional, tal como foi sendo con-


stituída”, é que poderá ser elaborada uma história da educação
brasileira “na sua forma de síntese”. E completa: “Trata-se de
um conhecimento histórico capaz de fornecer à reflexão
filosófica o conteúdo da realidade sobre a qual se pensa, tendo
em vista descobrir as diretrizes e as coordenadas da ação ped-
agógica”[2].
Outra dificuldade deve-se ao fato de serem recentes entre nós
os cursos específicos de educação. As escolas normais (de ma-
gistério) criadas no século XIX tinham baixíssima frequência, e
o ensino de história da educação não constava no currículo.
Quando muito, era oferecida história geral e do Brasil.
Naqueles cursos, a atenção maior estava centrada nas matéri-
as de cultura geral, descuidando-se das que poderiam propiciar
a formação profissional. Apenas a partir das reformas de 1930 a
disciplina de história da educação passou a fazer parte do cur-
rículo dos cursos de magistério.
Durante muito tempo, porém, a disciplina de história da edu-
cação esteve ligada à filosofia da educação nos cursos de nível
secundário e superior (magistério e pedagogia), sem merecer a
autonomia e o estatuto de ciência já conferidos a disciplinas
como psicologia, sociologia e biologia. Além disso, sofria fre-
quentemente o viés pragmático que enfatizava a missão de in-
terpretar o passado para construir o futuro, com forte caráter
doutrinário moral e religioso, uma vez que a disciplina ficava a
cargo de padres, seminaristas e cristãos em geral.
Nas décadas de 1930 e 1940, com a implantação das univer-
sidades, foram criadas faculdades de educação, dando opor-
tunidade para a pesquisa e elaboração de monografias e teses.
Mesmo assim, nem sempre foi dispensado à história da edu-
cação o tempo necessário para os alunos se ocuparem devida-
mente de tão extensa e complexa disciplina.
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Diz a professora Mirian Jorge Warde: “Há indícios de que nos


anos 50 começa a se esboçar na USP, a partir do setor de Edu-
cação e, posteriormente, da relação entre este setor e o Centro
Regional de Pesquisa Educacional, o CRPE/SP, algo como um
projeto de construção de uma história da educação brasileira,
autônoma, apoiada em levantamentos documentais originais,
capaz de recobrir o processo de desenvolvimento do sistema
público de ensino”. Esse movimento inaugura o diálogo da
história da educação com a sociologia da educação, além de ter
a intenção de “gerar uma linhagem de pesquisa que produzisse
a identidade da história da educação brasileira a partir de fontes
empíricas novas”[3].
O período da ditadura militar (ver capítulo 11) foi danoso para
a educação brasileira, com o fechamento de escolas experi-
mentais e centros de pesquisa e a formação de grupos com forte
orientação ideológica que prepararam as leis das reformas do
ensino superior em 1968 e a do curso secundário profissionaliz-
ante em 1971. No entanto, a reforma universitária trouxe o be-
nefício da criação dos cursos de pós-graduação e a consequente
fermentação intelectual que resultou em inúmeras teses, entre
as quais aquelas focadas em educação. Além disso, os edu-
cadores foram estimulados a se aglutinarem em centros e asso-
ciações de pesquisa, seja nas universidades, seja pela iniciativa
particular (ver dropes 4 e 5). A ampliação das discussões de
temas educacionais com a criação de centros regionais e con-
gressos nacionais resultou em incremento da produção
científica, sobretudo durante as décadas de 1980 e 1990, inclus-
ive com o acolhimento do mercado editorial, disposto a publicar
essas teses e a fazer coletâneas desses pronunciamentos.

Conclusão
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Este capítulo introdutório teve o objetivo de distinguir duas


funções da história da educação: a de docência e a de pesquisa.
A primeira refere-se à história da educação como disciplina de
um curso (para cuja proposta desenvolvemos os capítulos sub-
sequentes), a fim de que as pessoas envolvidas com o projeto de
educar as novas gerações tenham consciência do caminho já
percorrido e possam, da maneira mais intencional possível, es-
tabelecer as metas para a implementação desse processo, at-
entas para as mudanças necessárias. Outra função, bem dis-
tinta, mas inegavelmente fruto daquela, é a da história da edu-
cação como atividade científica de busca e interpretação das
fontes, para melhor conhecer nosso passado e nosso presente.
Por fim, essas duas funções da história da educação devem
exercer fecunda influência na política educacional, sobretudo
nas situações críticas em que são gestadas as reformas edu-
cativas, depois transformadas em leis, a fim de que se possa de-
fender a implantação de uma educação pública democrática e de
qualidade.
A esse respeito, não deixa de ser significativa a fala do pro-
fessor Dermeval Saviani na abertura do “I Congresso Brasileiro
de História da Educação”, no Rio de Janeiro, em 2000, pro-
movido pela então recém-fundada Sociedade Brasileira de His-
toriadores da Educação (SBHE). Segundo Saviani, cabe aos his-
toriadores, “com a percepção da dimensão histórica dos prob-
lemas enfrentados, não apenas manter e deixar disponível o re-
gistro das informações, mas alertar os responsáveis pelos rumos
da educação no país trazendo à baila, nos momentos oportunos,
as informações que, por ofício, eles detêm. E aqui cabe, mais
uma vez, considerar que, se essa é uma tarefa difícil de ser real-
izada e talvez mesmo nem seja apropriada aos grupos de
pesquisa é, no entanto, pertinente e mais facilmente realizável
por meio de uma Sociedade de Historiadores da Educação”[4].
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Dropes

1 - A escola tradicional ensinou que a abolição dos es-


cravos foi o fruto da ação dos abolicionistas (geral-
mente brancos) e culminou com a assinatura da Lei
Áurea, em 13 de maio de 1888, pela qual a princesa
Isabel outorgou a liberdade aos negros. Por muito
tempo, nenhuma ênfase foi dada à ação de Zumbi e
seus companheiros nos Quilombos dos Palmares nem
a centenas de outros gestos de rebeldia dos escravos,
considerados como “irrelevantes”. Atualmente, os mo-
vimentos de conscientização dos negros lutam para
resgatar essa memória, preferindo comemorar a data
da morte de Zumbi, 20 de novembro de 1695.

2 - A história é androcêntrica, isto é, feita conforme a


visão masculina. Por isso, a mulher aparece como uma
sombra, um apêndice, e até o começo do século XX seu
mundo se restringia aos limites domésticos, sendo-lhe
negada a dimensão pública. Apesar das conquistas, em
muitas partes do mundo ela ainda vive em condição
subalterna.

3 - A obra sobrevive aos seus leitores; ao final de cem


ou duzentos anos é lida por outros que lhe impõem
diferentes sistemas de leitura e interpretação. Os temí-
veis leitores desaparecem e em seu lugar surgem out-
ras gerações, cada uma dona de uma interpretação dis-
tinta. A obra sobrevive graças às interpretações de seus
leitores. Elas são na verdade ressurreições: sem elas
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não haveria obra. A obra transpõe sua própria história


só para se inserir em outra. Acredito que posso con-
cluir: a compreensão da obra de sóror Juana inclui ne-
cessariamente a de sua vida e seu mundo. Nesse sen-
tido, meu ensaio é uma tentativa de restituição; pre-
tendo restituir seu mundo, a Nova Espanha do século
XVII, a vida e obra de sóror Juana. Por sua vez, elas
nos restituem, seus leitores do século XX, a sociedade
da Nova Espanha do século XVII. Restituição: sóror
Juana em seu mundo e nós em seu mundo. Ensaio: es-
ta restituição é histórica, relativa, parcial. Um mex-
icano do século XX lê a obra de uma freira da Nova
Espanha do século XVII. Podemos começar. (Octavio
Paz)

4 - Ao examinar o legado das associações que fer-


mentaram o debate sobre educação, Dermeval Saviani
diz que entre as “entidades de cunho acadêmico-
científico, isto é, voltadas para a produção, discussão e
divulgação de diagnósticos, análises, críticas e formu-
lação de propostas para a construção de uma escola
pública de qualidade”, situam-se: a Associação Na-
cional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (An-
ped), criada em 1977; o Centro de Estudos Educação &
Sociedade (Cedes), em 1978; a Associação Nacional de
Educação (Ande), em 1979; essas três entidades organ-
izaram as Conferências Brasileiras de Educação (CBE),
ocorridas a cada dois anos, de 1980 a 1988 e depois em
1991[5].
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5 - Discorrendo sobre a historiografia da educação, o


professor José Claudinei Lombardi[6] destaca, entre
outros assuntos, a importância de algumas instituições
para o incremento das pesquisas em história da edu-
cação no Brasil. São elas: o Instituto Histórico e Geo-
gráfico do Brasil (IHGB); fundado ainda no século
XIX, em 1838; e o Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão respon-
sável pelo fomento do desenvolvimento científico e
tecnológico brasileiro, fundado em 1951. Em 1985,
com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, o
CNPq tornou-se o centro do planejamento estratégico
da ciência no Brasil, estimulando a formação de in-
stituições públicas e privadas de pesquisa. Entre estas,
no campo da história da educação, foi reforçada a
tendência de constituição de coletivos de pesquisa,
cuja orientação valoriza a socialização de experiências
que resultam de formas de organização coletiva dos
pesquisadores. Entre os grupos que se constituíram no
Brasil, o autor destaca o Grupo de Estudos e Pesquisas
História, Sociedade e Educação no Brasil
(HISTEDBR), fundado em 1986 e que se multiplou em
vários grupos de trabalho regionais e tem sido respon-
sável por diversos eventos e publicações. Outra institu-
ição foi a Sociedade Brasileira de História da Educação
(SBHE), criada em 1999.

Leituras complementares
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1 [O trabalho do historiador][7]

Há (…) alguma coisa de irreversível no modo pelo qual a prát-


ica dos historiadores se converteu ao “espírito dos Anais”, algo
que merece o nome de revolução. Mais do que a renovação dos
temas e objetos de pesquisa que propõe aos historiadores, é a
mudança radical que preconiza em relação ao passado que
define o paradigma dos Anais. Mais que a novidade dos méto-
dos que difundiu, é a importância que ele dá no trabalho do his-
toriador aos problemas de método. “Só há história do presente”,
gostava de repetir Lucien Febvre. Os Anais ajudaram o histori-
ador a libertar-se da visão “bela adormecida” de um passado
condenado à sua própria reconstituição, com sua organização
cronológica, à medida que o erudito exuma arquivos. O objeto
da ciência histórica não é dado pelas fontes, mas construído
pelo historiador a partir das solicitações do presente. Passado e
presente se esclarecem reciprocamente a partir do momento em
que a análise histórica estabelece entre eles uma relação “gener-
ativa” (quando o historiador reconstitui a gênese de uma config-
uração presente) ou “comparativa” (quando o efeito de distância
entre uma forma de organização, um comportamento de uma
outra época e seus equivalentes atuais permite comparar e con-
ferir sentido à realidade social que nos cerca).
O que confere valor ao trabalho do historiador não é a qualid-
ade das fontes que ele conseguiu descobrir, mas a qualidade das
perguntas que ele lhes faz. Essas perguntas não procedem nem
de uma projeção subjetiva para o passado, como pensava Croce,
nem de uma produção ideológica, como parecem acreditar cer-
tos “althussériens”[8], mas de uma elaboração científica
sustentada ao mesmo tempo pela coesão interna da análise e
pelos procedimentos de validação da tradição erudita; entre o
positivismo e a Escola dos Anais não há ruptura metodológica.
23/685

Preconizando o “regresso às investigações”, chamando a


atenção para fontes inexploradas, cadastros, arquivos notari-
ais[9], mercuriais[10] etc., Bloch e Febvre reconheciam que o
documento escrito ou não escrito permanece o “campo” obrig-
atório do historiador. Mas, insistindo na necessidade de pro-
mover novos métodos de descrição ou de análise (a cartografia,
a estatística etc.), eles deixam entender igualmente que o futuro
da história, o enriquecimento de seu saber não estão do lado das
fontes inexploradas que ainda dormem no fundo dos arquivos,
mas na capacidade praticamente infinita dos historiadores de
interrogá-las.

Verbete “Anais (Escola dos)” redigido por


André Burguière, in André Burguière (org.), Di-
cionário das ciências históricas. Rio de Janeiro,
Imago, 1993, p. 53 e 54.
2 Para que a história da educação?

“Toda a acusação suscita uma defesa. Assim sendo, não es-


panta a proliferação de textos que procuram defender a história
da educação. Não voltarei, agora, a esta literatura excessiva-
mente autojusticativa. Mas vale a pena ensaiar quatro respostas
à pergunta “Para que a história da Educação?”.
Para cultivar um saudável ceticismo[11] — Vivemos num
mundo do espetáculo e da moda, particularmente no campo da
educação. A “novidade” tende a ser vista como um elemento in-
trinsecamente positivo. Há uma inflação de métodos, técnicas,
reformas, tecnologias. Mais do que nunca é preciso estarmos
avisados em relação a estas “novidades”, evitando o frenesi da
mudança que serve, regra geral, para que tudo continue na
mesma. A história da educação é um dos meios mais eficazes
para cultivar um saudável ceticismo, que evita a “agitação” e
24/685

promove a “consciência crítica”. Não estou a falar de uma


história cronológica, fechada no passado. Estou a falar de uma
história que nasce nos problemas do presente e que sugere pon-
tos de vista ancorados num estudo rigoroso do passado.
Para compreender a lógica das identidades múltiplas —
Vivemos uma época marcada por fenômenos de globalização e
por uma desenraizada circulação de ideias e conceitos e, ao
mesmo tempo, por um exacerbar de identidades locais, étnicas,
culturais ou religiosas. Uma das funções principais do histori-
ador da educação é compreender esta lógica de “múltiplas iden-
tidades”, por meio da qual se definem memórias e tradições,
pertenças e filiações, crenças e solidariedades. Pouco importa se
as comunidades são “reais” ou “imaginadas”. Não há memória
sem imaginação (e vice-versa). À história cumpre elucidar este
processo e, por esta via, ajudar as pessoas (e as comunidades) a
darem um sentido ao seu trabalho educativo.
Para pensar os indivíduos como produtores de história — As
palavras do cineasta Manuel de Oliveira na apresentação do seu
último filme merecem ser recordadas: “O presente não existe
sem o passado, e estamos a fabricar o passado todos os dias. Ele
é um elemento de nossa memória, é graças a ele que sabemos
quem fomos e como somos”. Nunca, como hoje, tivemos uma
consciência tão nítida de que somos criadores, e não apenas cri-
aturas, da história. A reflexão histórica, mormente no campo
educativo, não serve para “descrever o passado”, mas sim para
nos colocar perante um patrimônio de ideias, de projetos e de
experiências. A inscrição do nosso percurso pessoal e profis-
sional neste retrato histórico permite uma compreensão crítica
de “quem fomos” e de “como fomos”.
Para explicar que não há mudança sem história — O tra-
balho histórico é muito semelhante ao trabalho pedagógico.
Estamos sempre a lidar com a experiência e a fabricar a
memória. Hoje, as políticas conservadoras revestem-se de
25/685

vernizes “tradicionais” ou “inovadores”. O seu sucesso depende


de um aniquilamento da história, por excesso ou por defeito.
Por excesso, isto é, pela referência nostálgica ao passado, à mis-
tificação dos valores de outrora. Por defeito, isto é, pelo anún-
cio, repetido até à exaustão, de um futuro transformado em pro-
spectiva e em tecnologia. Por isso, é tão importante denunciar a
vã ilusão da mudança, imaginada a partir de um não lugar sem
raízes e sem história.
Aqui ficam quatro apontamentos, entre tantos outros, que
permitem esboçar uma resposta à pergunta “Para que a história
da Educação?” São muitos os exemplos suscetíveis de confirmar
(…) a importância de desenvolvermos uma atitude crítica face às
modas pedagógicas, de analisarmos o jogo de identidades no es-
paço educativo, de situarmos a nossa própria existência na nar-
rativa histórica e de compreendermos que a mudança se faz
sempre a partir de pessoas e de lugares concretos.

António Nóvoa, Apresentação da coleção dos


livros de Maria Stephanou e Maria Helena
Camara Bastos (orgs.), Histórias e memórias da
educação no Brasil. Petrópolis, Vozes, v. I: Sécu-
los XVI-XVIII, 2004; v. II: Século XIX; e v. III:
Século XX, 2005.

Atividades

Questões gerais
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1. Faça com os colegas da classe um levantamento de


documentos familiares e pessoais de memória (fotos,
diários da família, diários íntimos, objetos, coleções,
relatos orais, correspondência etc.) que seriam import-
antes para a história de cada um. Depois, discutam
sobre qual é o valor dessas fontes para a história da
cidade, do país etc.

2. Justifique a frase do historiador da educação René


Hubert: “Não há doutrina pedagógica concebível,
grande reforma exequível, sem conhecimento geral
dos fatos e das teorias do passado”.

3. Compare os diferentes enfoques para a com-


preensão do passado, segundo as sociedades tribais e a
Antiguidade grega (antes e depois do advento da
filosofia).

4. “A renovação do olhar que investiga e interpreta


temas e questões educacionais tem sido redimension-
ada pela incorporação de fontes antes inimaginadas. /
Desequilibrando a objetividade pretensamente contida
nos documentos escritos e nas fontes oficiais, estes
novos mananciais de apreensão do específico educa-
cional estão permitindo o deslocamento do olhar do
pesquisador para a amplitude de processos individuais
e coletivos, racionais e subjetivos, ao incluir no reper-
tório da pesquisa novas fontes como a fotografia, a
iconografia, as plantas arquitetônicas, o material
escolar, o resgate da memória por meio de fontes
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orais, sermões, relatos de viajantes e correspondên-


cias, os diários íntimos e as escritas autobiográficas, ao
lado de outros produtos culturais como a literatura e a
imprensa pedagógica” (Libânia Nacif). A partir do
trecho citado, responda:
a) Que crítica um historiador positivista faria a esse
texto?
b) E como seria a crítica de um marxista dos
primeiros tempos a esse mesmo texto?
c) Que tendência historiográfica mais se aproxima
do texto?
d) Explique como você se posiciona a respeito.

5. Comente o conteúdo dos dropes 1 e 2, a partir da


citação de Edgar de Decca: “os documentos (…) não
falam por si, os historiadores obrigam que eles falem,
inclusive, a respeito de seus próprios silêncios”.

6. Poderíamos considerar a citação de Octavio Paz


(dropes 3) como uma visão subjetiva da história? Jus-
tifique sua resposta.

7. Pesquise a bibliografia indicada (no final do livro)


e/ou os sites (no final deste capítulo) e selecione os ti-
pos de temas que têm sido privilegiados nas pesquisas
de história da educação no Brasil.

8. Abra uma discussão em grupo sobre filmes basea-


dos em fatos históricos:
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a) De início, cada um faz o levantamento de filmes


desse teor.
b) Em que medida seria possível o cineasta ser fiel
aos fatos? Quais as vantagens e as desvantagens dessa
decisão?
c) Como avaliar a liberdade do cineasta para
“recriar” os fatos, já que ele é um artista?

Questões sobre as leituras complementares

Sobre o texto de André Burguière, responda às


questões a seguir.

1. Por que, segundo o autor, a história não é uma


“bela adormecida”?

2. O que há de comum e de diferente entre os Anais e


o positivismo?

3. Segundo o autor, que aspecto do trabalho do his-


toriador deve merecer atenção?

Sobre o texto de António Nóvoa, responda às


questões a seguir.

4. Explique o que o autor quer dizer com “um


saudável ceticismo”. E se, no extremo, o historiador
estivesse imbuído de um ceticismo radical, quais seri-
am as consequências para o estudo da história?
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5. Analise as palavras do cineasta português Manoel


de Oliveira sob os seguintes aspectos:
a) O que significa dizer que “fabricamos” nosso pas-
sado? Você concorda com a afirmação? Justifique.
b) Às expressões “quem fomos” e “como somos”,
poderíamos acrescentar mais uma: “como poderemos
vir a ser”. Identifique as que predominam no trabalho
do historiador e quais se referem à atividade do pro-
fessor. Justifique sua resposta.

6. Analise o aspecto político que ressalta no texto.

Sites para consulta

História, Sociedade e Educação no Brasil


(HISTEDBR):
www.histedbr.fae.unicamp.br (consultado em
2005).
Sociedade Brasileira de História da Educação
(SBHE):
www.sbhe.org.br (consultado em 2005).
Capítulo 1
Comunidades tribais:
a educação difusa

Segundo uma explicação literal e, port-


anto, simplificadora, costuma-se caracter-
izar a vida tribal, marcada pela tradição
oral dos mitos e ritos, como pré-histórica,
por ter ocorrido “antes da história”,
quando os povos ainda não tinham escrita
e, por conseguinte, não registravam os
acontecimentos.
A pré-história constitui um período ex-
tremamente longo, em que instrumentos
utilizados para a sobrevivência humana se
transformaram muito lentamente. É bom
lembrar que as mudanças não ocorreram
de forma igual em todos os lugares. Tam-
bém não há uniformidade no tempo, uma
vez que o modo de vida das tribos nos
primórdios não desapareceu de todo,
tanto que ainda há tribos que vivem dessa
maneira na Austrália, na África e no interi-
or do Brasil.
31/685

A Idade da Pedra Lascada (Paleolítico) e


a Idade da Pedra Polida (Neolítico) repres-
entam momentos diversos, em que as tri-
bos passam de hábitos de nomadismo —
sustentado pela simples coleta de alimen-
tos — para a fixação ao solo, com o
desenvolvimento de técnicas de agricul-
tura e pastoreio.
A terra pertence a todos, e o trabalho e
seus produtos são coletivos, o que define
um regime de propriedade coletiva dos
meios de produção. Em decorrência, a so-
ciedade é homogênea, una, indivisível.
Com o tempo, a metalurgia, a utilização
da energia animal e dos ventos, a in-
venção da roda e dos barcos a vela amp-
liam a produção e estimulam a diversi-
ficação dos ofícios especializados dos cam-
poneses, artesãos, mercadores e solda-
dos, tornando as comunidades cada vez
mais complexas.
Veremos neste capítulo as características
genéricas das comunidades “primitivas”,
bem como a sua educação difusa. É pre-
ciso lembrar que essas populações não
tinham uma cultura homogênea, existindo
diferenças conforme o lugar e o tempo.
1. A cultura tribal
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Estamos tão acostumados com a escola que às vezes nos


parece estranho o fato de que essa instituição não existiu
sempre, em todas as sociedades. Nos demais capítulos, veremos
as condições do aparecimento da escola, as transformações ao
longo do tempo, e também a relação indissolúvel entre ela e o
modo pelo qual os indivíduos interagem para produzir a sua ex-
istência. Antes, porém, veremos por que não há necessidade de
escolas nas comunidades tribais.
Por motivos diversos é muito difícil dar as características
gerais desse tipo de sociedade. Primeiro porque, por mais que
façamos generalizações, há muitas diferenças entre tais so-
ciedades, e depois porque, com frequência, corremos o risco de
etnocentrismo, ou seja, a tentação de avaliá-las segundo
padrões da nossa cultura. Dessa perspectiva, diríamos: as so-
ciedades tribais não têm Estado, não têm classes, não têm es-
crita, não têm comércio, não têm história, não têm escola.
Segundo o etnólogo francês Pierre Clastres, explicar as so-
ciedades tribais pelo que lhes falta impede compreender melhor
a sua realidade e, em muitos casos, até tem justificado a atitude
paternalista e missionária de “levar o progresso, a cultura e a
verdadeira fé” ao povo “atrasado”. Uma abordagem mais ad-
equada, no entanto, consideraria esses povos diferentes de nós,
e não inferiores. Mesmo porque, afinal, nem sempre ausência
significa necessariamente falta. Aliás, o antropólogo Lévi-
Strauss lembra como nós, urbanos, se por um lado ganhamos
muito com a tecnologia, por outro perdemos algumas de nossas
capacidades, por exemplo, por utilizarmos consideravelmente
menos as nossas percepções sensoriais. Por isso mesmo, à falta
de um termo melhor, Lévi-Strauss prefere colocar aspas em
“primitivo”, com a intenção de minorar a carga pejorativa do
conceito.
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De maneira geral as sociedades tribais são predominante-


mente míticas e de tradição oral. Para esses povos a natureza es-
tá “carregada de deuses”, e o sobrenatural penetra em todas as
dependências da realidade vivida e não apenas no campo reli-
gioso, isto é, na ligação entre o indivíduo e o divino. O sagrado
se manifesta na explicação da origem divina da técnica, da agri-
cultura, dos males, na natureza mágica dos instrumentos, das
danças e dos desenhos.
Ao agir, o “primitivo” imita os deuses nos ritos que tornam
atuais, presentes, os mitos primordiais, ou seja, cada um repete
o que os deuses fizeram no início dos tempos. Só assim a se-
mente brota da terra, as mulheres se tornam fecundas, as
árvores dão frutos, o dia sucede à noite e assim por diante. As
danças antes da guerra, por exemplo, representam uma ante-
cipação mágica que visa a garantir o sucesso do confronto. Do
mesmo modo, os caçadores “matam” suas futuras presas ao
desenhar renas e bisões nas partes escuras e pouco acessíveis
das cavernas, como ainda podemos ver em Altamira (na
Espanha) e Lascaux (na França). Também no Brasil foram
descobertos registros rupestres, como os do centro arqueológico
de São Raimundo Nonato, no Piauí, datados de 12 mil anos
antes da chegada dos colonizadores, e os da gruta da Pedra
Furada, encontrados no Pará.
Os mitos e os ritos são transmitidos oralmente, e a tradição se
impõe por meio da crença, permitindo a coesão do grupo e a re-
petição dos comportamentos considerados desejáveis. Assim
são constituídas comunidades estáveis, no sentido de que nelas
as mudanças acontecem muito lentamente. Por exemplo, os
membros da tribo passam de um estado a outro pelos ritos de
passagem que marcam o nascimento, a passagem da infância
para a vida adulta, o casamento, a morte.
A organização social das tribos baseia-se em uma estrutura
que mantém homogêneas as relações, sem a dominação de um
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segmento sobre o outro. Mesmo que a divisão de tarefas leve as


pessoas a exercerem funções diferentes, o trabalho e o seu
produto são sempre coletivos. Também as atividades das mul-
heres adquirem um caráter social, por não se restringirem ao
mundo doméstico.
No exercício do poder, algumas pessoas especiais — como o
chefe guerreiro ou o feiticeiro xamã — possuem prestígio, mere-
cem a confiança das demais e geralmente são objeto de consid-
eração e respeito. Em nenhum momento, no entanto, abusam
dos privilégios para estabelecer a relação mando–obediência. O
chefe é o porta-voz do desejo da comunidade como um todo e,
nesse sentido, não dá ordens, mesmo porque sabe que ninguém
lhe obedecerá. É sua tarefa apaziguar os indivíduos ou famílias
em conflito, apelando para o bom senso, para os bons sentimen-
tos e para as tradições dos ancestrais[12]. Dessa forma, as esfer-
as do social e do político não se separam, e o poder não constitui
uma instância à parte, como acontece nas sociedades em que o
Estado foi instituído.
As oposições, inexistentes na própria comunidade, geral-
mente surgem entre as tribos em guerra, ocasião em que o chefe
assume a vontade que a sociedade tem de aparecer como una e
autônoma, falando em nome dela. Aliás, o “primitivo” é guer-
reiro por excelência, e dessa disposição decorrem os valores
apreciados pela comunidade e que são objeto da educação.

2. A educação difusa

Nas comunidades tribais as crianças aprendem imitando os


gestos dos adultos nas atividades diárias e nos rituais. Tanto nas
tribos nômades como naquelas que já se sedentarizaram, para
se ocupar com a caça, a pesca, o pastoreio ou a agricultura, as
crianças aprendem “para a vida e por meio da vida”, sem que
35/685

ninguém esteja especialmente destinado para a tarefa de


ensinar.
A cuidadosa adaptação aos usos e valores da tribo geralmente
é levada a efeito sem castigos. Os adultos demonstram muita
paciência com os enganos infantis e respeitam o seu ritmo
próprio. Por meio dessa educação difusa, de que todos parti-
cipam, a criança toma conhecimento dos mitos dos ancestrais,
desenvolve aguda percepção do mundo e aperfeiçoa suas
habilidades.
A formação é integral — abrange todo o saber da tribo — e
universal, porque todos podem ter acesso ao saber e ao fazer
apropriados pela comunidade. É bem verdade que alguns se
destacam, detendo um conhecimento mais amplo ou especial —
como no caso do feiticeiro —, o que, no entanto, não resulta em
privilégio, mas apenas em prestígio, como já foi dito.
O conhecimento mítico imprime uma tonalidade especial à
educação, pois os relatos aprendidos não são propriamente
históricos, no sentido da revelação do passado da tribo. Difer-
entemente, o mito é atemporal e conta o ocorrido no “início dos
tempos”, nos primórdios. Daí os diversos ritos que marcam as
passagens, como o nascimento e a morte ou ainda a iniciação à
vida adulta (ver leituras complementares).

3. Para além da vida tribal

A escrita surge como uma necessidade da administração dos


negócios, à medida que as atividades se tornam mais complexas.
As transformações técnicas e o aparecimento das cidades em
decorrência da produção excedente e da comercialização alter-
aram as relações humanas e o modo de sua sociabilidade. Com o
tempo, enquanto nas tribos a organização social era homo-
gênea, indivisa, foram criadas hierarquias devido a privilégios
de classes, e no trabalho apareceram formas de servidão e
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escravismo; as terras de uso comum passaram a ser administra-


das pelo Estado, instituição criada para legitimar o novo regime
de propriedade; a mulher, que na tribo desempenhava
destacado papel social, ficou restrita ao lar, submetida a rigor-
oso controle da fidelidade, a fim de se garantir a herança apenas
para os filhos legítimos.
Finalmente o saber, antes aberto a todos, tornou-se pat-
rimônio e privilégio da classe dominante. Nesse momento sur-
giu a necessidade da escola, para que apenas alguns iniciados
tivessem acesso ao conhecimento. Se analisarmos atentamente
a história da educação, veremos como a escola, ao elitizar o
saber, tem desempenhado um papel de exclusão da maioria.
Algumas dessas transformações e suas consequências para a
educação serão vistas nos próximos capítulos.

Dropes

1 - Em A educação moral, Durkheim observa que as


punições quase não existem nas sociedades primitivas:
“Um chefe Sioux achava os brancos bárbaros por
baterem nos filhos”. A coerção da infância aparece nas
sociedades em pleno desenvolvimento cultural, como a
de Roma imperial, ou a da Renascença, onde a ne-
cessidade de um ensino organizado mais se faz sentir.
(…) É que à medida que a sociedade progride, torna-se
mais complexa, a educação deve ganhar tempo e viol-
entar a natureza, para cobrir a distância sempre maior
entre a criança e os fins a ela impostos. (Olivier
Reboul)
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2 - As crianças [nas sociedades orais] seguem os adul-


tos nas mais diferentes atividades, na caça, na coleta,
no cuidado com as plantas cultivadas, na pesca. Imit-
am os adultos e, ao imitá-los, estão imitando os
próprios heróis culturais, pois foram eles que
fundaram (…) todas as formas de fazer as coisas no in-
terior das culturas. Assim, um homem pesca como
pesca porque assim faziam seus antepassados míticos
que lhes transmitiram estes conhecimentos, e que
seguem transmitindo-os sempre que necessário de
diferentes formas. (Paula Caleffi)

Leituras complementares

1 [Ritos de passagem]

O rito, a tortura

(…) De uma tribo a outra, de uma a outra região, diferem as


técnicas, os meios, os objetivos explicitamente afirmados da
crueldade; mas a meta é sempre a mesma: provocar o sofri-
mento. Em outra obra, tivemos a oportunidade de descrever a
iniciação dos jovens guaiaquis, cujos corpos, em toda a sua su-
perfície, são escavados e revolvidos. A dor acaba sempre
tornando-se insuportável: sem proferir palavra, o torturado
desmaia. (…)
Poder-se-iam multiplicar ao infinito os exemplos que seriam
unânimes em nos ensinar uma única e mesma coisa: nas so-
ciedades primitivas, a tortura é a essência do ritual de iniciação.
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Mas essa crueldade imposta ao corpo, será que ela não visa a
avaliar a capacidade de resistência física dos jovens, a tornar a
sociedade confiante na qualidade dos seus membros? Seria o
objetivo da tortura no rito apenas fornecer a oportunidade de
demonstração de um valor individual? (…)
Entretanto, se nos limitarmos a essa interpretação, estaremos
condenados a desconhecer a função do sofrimento, a reduzir in-
finitamente o alcance de seu propósito, a esquecer que a tribo,
através dele, ensina alguma coisa ao indivíduo.

A tortura, a memória

(…) Na exata medida em que a iniciação é, inegavelmente,


uma comprovação da coragem pessoal, esta se exprime — se é
que podemos dizê-lo — no silêncio oposto ao sofrimento. En-
tretanto, depois da iniciação, já esquecido todo o sofrimento,
ainda subsiste algo, um saldo irrevogável, os sulcos deixados no
corpo pela operação executada com a faca ou a pedra, as cica-
trizes das feridas recebidas. Um homem iniciado é um homem
marcado. O objetivo da iniciação, em seu momento de tortura, é
marcar o corpo: no ritual iniciatório, a sociedade imprime a sua
marca no corpo dos jovens. Ora, uma cicatriz, um sulco, uma
marca são indeléveis. Inscritos na profundidade da pele, atest-
arão para sempre que, se por um lado a dor pode não ser mais
do que uma recordação desagradável, ela foi sentida num con-
texto de medo e de terror. A marca é um obstáculo ao esqueci-
mento, o próprio corpo traz impressos em si os sulcos da lem-
brança — o corpo é uma memória.
Pois o problema é não perder a memória do segredo confiado
pela tribo, a memória desse saber de que doravante são depos-
itários os jovens iniciados. Que sabem agora o jovem caçador
guaiaqui, o jovem guerreiro mandan? A marca proclama com
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segurança o seu pertencimento ao grupo: “És um dos nossos e


não te esquecerás disso”. (…)
Avaliar a resistência pessoal, proclamar um pertencimento
social: tais são as duas funções evidentes da iniciação como in-
scrição de marcas sobre o corpo. Mas estará realmente aí tudo o
que a memória adquirida na dor deve guardar? Será de fato pre-
ciso passar pela tortura para que haja sempre a lembrança do
valor do eu e da consciência tribal, étnica, nacional? Onde está o
segredo transmitido, onde se encontra o saber revelado?

A memória, a lei

O ritual de iniciação é uma pedagogia que vai do grupo ao in-


divíduo, da tribo aos jovens. Pedagogia de afirmação, e não diá-
logo: é por isso que os iniciados devem permanecer silenciosos
quando torturados. Quem cala consente. Em que consentem os
jovens? Consentem em aceitar-se no papel que passaram a ter: o
de membros integrais da comunidade. (…)
Os primeiros cronistas diziam, no século XVI, que os índios
brasileiros eram pessoas sem fé, sem rei, sem lei. É certo que es-
sas tribos ignoravam a dura lei separada, aquela que, numa so-
ciedade dividida, impõe o poder de alguns sobre todos os de-
mais. Tal lei, lei de rei, lei do Estado, os mandan, os guaiaquis e
os abipones a ignoram. A lei que eles aprendem a conhecer na
dor é a lei da sociedade primitiva, que diz a cada um: Tu não és
menos importante nem mais importante do que ninguém. A lei,
inscrita sobre os corpos, afirma a recusa da sociedade primitiva
em correr o risco da divisão, o risco de um poder separado dela
mesma, de um poder que lhe escaparia. A lei primitiva, cruel-
mente ensinada, é uma proibição à desigualdade de que todos se
lembrarão. Substância inerente ao grupo, a lei primitiva faz-se
substância do indivíduo, vontade pessoal de cumprir a lei.
40/685

Pierre Clastres, A sociedade contra o Estado. 2.


ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978, p.
125-130.
2 [Américo Vespúcio tinha razão?]

Américo Vespúcio, relatando sua viagem às terras do Império


Português na Índias Ocidentais, em um trecho de carta dirigido
a Lorenzo de Pietro Medice, desde Lisboa, diz o seguinte:
“Esta terra é povoada de gentes completamente nuas, tanto os
homens quanto as mulheres. Trabalhei muito para estudar suas
vidas pois durante 27 dias dormi e vivi em meio a eles. Não tem
lei nem fé alguma, vivem de acordo com a natureza e não con-
hecem a imortalidade da alma. Não possuem nada que lhes seja
próprio e tudo entre eles é comum; não tem fronteiras entre
províncias e reinos, não tem reis e não obedecem a ninguém […]
(1502)”.
Ao lermos esta carta, e principalmente o trecho selecionado
acima, constatamos que uma leitura a partir de uma outra her-
menêutica[13] corrobora tanto as descobertas arqueológicas
sobre as populações indígenas, como os estudos de etnologia.
A mesma afirmação, examinada sem o preconceito da época
na qual foi escrita, indica que estas sociedades indígenas eram
sociedades que se organizavam a partir de laços de parentesco e
não a partir de um poder separado do corpo social e institucion-
alizado chamado Estado, por isto Vespúcio não encontra um rei.
Eram sociedades onde a religiosidade perpassava todos seus as-
pectos, em todos os momentos, nas quais a relação com a
natureza era muito importante e o mito possuía um papel fun-
damental, porém, Vespúcio, não encontrando ídolos, imagens
ou códices religiosos, considerou que eram sociedades sem fé.
Eram também sociedades de tradição oral onde as ideias e as
normas eram transmitidas de outras maneiras que não a escrita.
41/685

Vespúcio, novamente não compreendendo esta característica e


ao não encontrar leis escritas, concluiu que as sociedades indí-
genas eram sociedades sem lei.
(…)
Américo Vespúcio não possuía os recursos da etnologia e da
história oral para entender as populações indígenas, mas nós os
possuímos. As populações indígenas que sobreviveram a todo o
processo de conquista e colonização estão aí, são nossas com-
panheiras no território nacional. Mudaram desde a época da
conquista, são sociedades com culturas dinâmicas, nossa so-
ciedade e cultura também mudaram e continuaram mudando
no cotidiano, assim como as indígenas, que, mesmo mudando,
mantiveram a lógica de seus sistemas de tradição oral, de religi-
osidade, de educação, enfim de compreensão do mundo.

Paula Caleffi, “Educação autóctone nos séculos


XVI ao XVIII ou Américo Vespúcio tinha
razão?”, in Maria Stephanou e Maria Helena
Camara Bastos (orgs.), Histórias e memórias da
educação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 2004, v.
I: Séculos XVI-XVIII, p. 35, 36 e 42.

Atividades

Questões gerais

1. Levando em conta as discussões do capítulo in-


trodutório, quais são as dificuldades de se fazer a
história das sociedades primitivas?
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2. Em que sentido dizemos que a tribo constitui uma


sociedade sem classes?
3. De que tipo é o poder exercido pelo chefe e pelo
feiticeiro?
4. Explique a natureza da educação tribal usando os
seguintes conceitos: mítica, espontânea, difusa e
integral.
5. Em que circunstâncias surge a necessidade da edu-
cação formal, ou seja, da escola?
6. Considerando os ritos de passagem da infância para
a vida adulta, é de supor que nas sociedades tribais
não havia adolescência. Discuta a repercussão desse
fato no processo de educação dos seus membros.
7. A partir da citação do Oliver Reboul (dropes 1), ex-
plique em que medida a educação pela disciplina do
castigo persiste até hoje, apesar de toda a discussão
pedagógica em torno da sua condenação. Haveria
saída para esse impasse nas sociedades complexas de
hoje?
8. Embora a educação dos povos tribais fosse estrita-
mente difusa, ainda hoje ocorre esse fenômeno, pela
educação informal na família, na sociedade e até na
escola. Dê exemplos.

Questões sobre as leituras complementares

Responda às questões a seguir, com base no texto de


Pierre Clastres.
43/685

1. Pierre Clastres argumenta que a tortura no rito não


visa apenas a demonstrar um valor individual. Qual é,
portanto, seu maior significado?
2 . O que o autor quer dizer com “um homem iniciado
é um homem marcado” e com “o corpo é uma
memória”?
3. Que significa “a recusa da sociedade primitiva em
correr o risco da divisão”?
4. Compare os trotes de calouros a um rito de
passagem.
5. Além dos trotes, que outros costumes contem-
porâneos poderiam ser comparados, sob certos aspec-
tos, a “ritos de passagem dessacralizados”?

Responda às questões a seguir, com base no texto de


Paula Caleffi.
6. Explique por que a descrição de Vespúcio sobre os
indígenas “sem fé, sem rei, sem lei” revela o precon-
ceito de uma concepção etnocêntrica?
7. Faça uma pesquisa para exemplificar a última
afirmação da autora.

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