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Dld,tka, Sao Paulo

ta: 33-39, 1982.

(/
· S. P.

A DISCIPLINA NO PROCESSO
ENSINO-APRENDIZAGEM.

Carlos Eduardo Gl ' IMA RÃ ES•

RESUMO: O objtto de amllist dtstt artigo é a disciplina enquanto submissilo a normas - é o


disciplinar-se. A disciplina é afinnada como condiçllo para o perfeito domlnio de uma dada matéria, is·
to é, como condiçllo para superar as dificuldades qut, ntctssariamtnlt, devem aparecer no processo
ensino-aprtndizagtm. O artigo exalta uma p edagogia que nllo evita o difícil; dtfende, pois, uma peda -
gogia do obstáculo, faztndo a critica do psicologismo, entendido como uma ttndência que consagra e
procura o fácil.
UNITERMOS: Filosofia da educaçllo: ensino; disciplina; o valor do obstáculo na aprendizagem .

Julgamos que o conceito de importância da análise de disciplina. Ta l


disciplina pertence. ao grupo daqueles análise poderá ser de grande valia pa ra
conceitos básicos para a educação, capaz pensarmos o ensino de modo m ais rigoro-
de desempenhar um papel diretivo na prá- so, para recuperarmos aspectos, hoje des-
tica pedagógica. A análise conceptual de prezados, mas sem os quais se torna im-
disciplina será, certamente, de grande va- possível a sua perfeita efet ivação.
lor para um ~ntendimento mais amplo do A recuperação possibili ta da pelo es-
processo ensino-aprendizagem, corrigin- clarecimento do que seja disciplinar-se é ,
do, inclusive, certas distorções comuns no acima de tudo, a recuperação de um do s
tratamento contemporâneo de tal proces- elementos do ensino, ou seja, a recupera-
so. O conceito de ensino fo i profunda-
mente atingido; dirlamos que, mesmo nos ção da matéria. O ensino centrado n~
criança, o ensino q ue at ende às exigência
contextos pedagógicos, ele sofreu um em- do aluno , o ensino preocupado em moti -
pobrecimento tão grande, que não podia var, em despertar interesse, em ali via r o
deixar de ter efeitos na qualidade da ação peso da aula, em tu do facilitar, este ensi-
do professor. Sabemos que certas práticas no acabou po r ni!lo a tender às exigências
têm uma feição de tal modo teórica, que e da matéria, chegando üiesr-:? ao seu des-
impossivel não se desenvolverem segundo prezo - ''· N~o C l? $Í:""lw o ~ .,;-·.é-'<'s. ens •
o conceito que delZls possuimos. namos crianças." V\dou-:;e o -:2·á· .. - •it·
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e os sintomas evidenciam, uma dico da ~Ji v id a ó e e~ ~'." ~ ;ü~: Nao foi 'cv
cris~ wo ensino, ura8l crise qualitativa: o do em conta, o qu~ ~';) v'o. o r
ensino ~5tá doente. Porém, esta doença se que eil sb~: sé é~~~-···•, 1 111 ub11

expli~:a por uma ou tra, por uma doença (o professo r) proc~ .. ,a,.cr co111 qtu.' ui
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conceptual. a nossa c;opçepç~~ de ensi- guém (o aluno) ap renda ataum o rnl~ 11 (u
no que não anda befll . E aqui se insere a matéria). Segundo o trn in monto p ~I. , ,1 111

• Dcpanamonto do Cllncl11 da Educaçl o - ln111tu10 de Lctru, C ll nolu Sool1l1 1 ll1l11~ a ~ l u l l 1~1 11 1' 1~ -1~ 1
Araraquara, SP .

11
OlJIMAHÃES, C.C. - A disciplina no processo ensino-aprendizagem. DldAtlca, Sao Paulo, 18: 33-39, GUIMARÃES, C.E. - A disciplina no processo ensino-aprendizagem . Didática, Sao Paulo, 18: 33-39,
1982. "1982.

gis1a, o ensino, que é triádico, passou a vamente, ou para que se modifique algu- metodológico como fundamental. A dis- Se a direção da atividade art ística é
ser diático, na medida em que se deixou ma coisa. A ação disciplinada opõe-se à ciplina metodológica é vista por Descartes formal, verificamos, por out ro lado, que
de acentuar aquilo que é transmitido e que ação desregrada, caótica, que só aciden- como condição necessária para o pensa- toda arte possui um corpo físico, uma
deve constituir o verdadeiro campo da re- talmente pode ser bem sucedida. Com a mento eficaz, para a pesquisa da verdade: existência material: não há arte sem maté-
lação entre professor e aluno. A ma1éria ação disciplinada pretendemos ser, "Sem o fazer com método, é preferível ria. Mas a matéria não é a passividade que
de ensino tornou-se uma caricatura do necessariamente, bem sucedidos. Ela se nunca procurar a verdade com relação a poderíamos supor numa concepção ro-
que deve ser, pois que não foram conside- delineia, pois, como ação eficaz, enquan- alguma coisa: pois é certo que os estudos mântica, quando o artista, dominado por
radas as suas exigências ontológicas, as to garante o alcance do objetivo, o que é desordenados e as meditações obscuras uma inspiração misteriosa, impõe aquilo
suas exigências cons1itutivas. desnecessário ser demonstrado se pensar- perturbam a luz natural e cegam o espíri- que é sua visão numa dete rminada maté-
Evidentemente, a doença conceptual mos em termos de ocasiões disciplinares. to" (3, p. 14). Em Platão, a sabedoria não ria. Isto é falso, bastando um a considera-
de que falamos foi provocada pela intro- É assim, que podemos falar na disciplina só exige uma disciplinãintclectual, a día- ção objetiva da materialidade para evi-
missão da Psicologia no terreno da Peda- do atleta: a habilidade na realização do lélica, como também uma disciplina mo- denciar. A matéria não é a pura maleabili-
gogia, pela introdução dos valores psico- salto com va ra, por exemplo, supõe toda ral, conquistada através da prudência, da dade e nem a total polencialidade. Para
lógicos, valores consagrados pela moder- uma coordenação corpórea, uma prática temperança e da fortaleza: o sábio é o ho- ser, esteticamente, tra balhada, ela impõe
na sociedade industrial e que implicam a de medidas, desde a distância tomada pa- mem com pletamente disciplinado; é aque- condições, faz exigências que devem ser
domesticação do humano, a consagração ra o impulso, como a do lugar em que a le que alcançou a harmonia do ser, e des ta obedecidas, sob pena de frus trar o projeto
do fácil e da eficácia. vara se apoiará para a efetivação do salto; harmonia resulta a felicidade. do artis1a. O mármore do escu ltor não se
tudo deverá ser apolíneo, inclusive o pró- deixa modelar de qualquer modo: o cinzel
Nesta análise, entenderemos discipli- prio tipo de vida do atleta, a fim de qu e o O que nos preocupa é fazer notar que e o martelo devem adaptar-se à na tureza
na num de seus sentidos usuais - "obser- obstáculo possa ser superado. Há toda a disciplina, como já dissemos, só tem do material. As palavras do· poeta não se
vância de método, regras ou preceitos", uma formação para que o salto seja preci- sentido como uma necessidade imposta deixam combinar sem medidas: para que
reconhecendo tais métodos, regras e pre- so e possa alcançar a marca desejada - pelo objeto, na medida em que o objeto se revelem toda força ex·pressiva devem ser
ceitos como decorrentes de uma estrutura mas formação específica, segundo a natu- constitui em obstáculo. A disciplina tem 1rabalhadas segu ndo exigências que lhes
objetiva. Assim, disciplinamo-nos sempre reza do obstáculo. E porque tal .formação uma finalidade, já que nos disciplinamos são próprias. Assim, o som, as cores e as
com relação a um objeto ou objetivo; é necessária, torna-se impossível para para fazer algo; ela é teleológica. Não há linhas para a música, a pin1ura e o dese-
disciplinar-se é aceitar as exigências que o qualquer pessoa ser bem sucedida nesle ti- uma disciplina pela disciplina, mas uma nho. A matéria não é o que facilita, mas o
Je o · e e ue se an"festam a po de salto; e pela especificidade, um pra- disciplina para conhecer melhor, uma dis- que dificulta e, de certo modo, o que deve
nossa consciência com normas. um ticante de outra forma de a1lctismo, mes- ciplina para agir melhor, uma disciplina ser vencido, podendo ser definida como o
proces de 1sc1plina dá-se o ajustamen- mo bem treinad() em seu setor, não alcan- para fazer melhor. É neste sentido que a conjunto das necessidades que regula o
to da subjetividade ao que é objetivo, çará a precisão e eficácia do especialis ta atividade do artista é reveladora tanlo da fato da atualização da forma pelo art.ista.
oportunidade para experimentarmos o no salto com vara. Todos aqueles movi- objetividade, quanto da finalidade, e so- Porém, é no contato estreito com a maté·
objeto, para reconhecê-lo em sua nature- mentos, todas as regras que se refletem no bretudo do caráter educacional, formati- ria que o artista se faz. A atualização da
za. Na medida em que nos disciplinamos, comportamento do atleta são imposições vo, das exigências que red undam na ne- forma exige o conhecimen10 dos determi-
implicitamente, recon hecemos a impor- do obstáculo, da meta a ser alcançada, e cessidade de uma disciplina , como assina- nismos físicos do material e uma atividade
tância daquilo que nos solicita à discipli- não criações imaginosas do treinador ou lou Max Black (2). adequada a ta is de1erminismos; quanto
na. do atlela sem a consideração do que deve mais conheça a sua maté ria, e quanto
O caràter, verdadeiramente, próprio
Tal domínio do objetivo, tal limita - ser feito . da arte é o de ser uma atividade visando maior seja o nível de adequação de sua
ção da subjetividade tem um sentido, apa- criar coisas, uma atividade instauradora. atividade a este conhecim ento, maio r li-
ren temente, paradoxal, desde que colo- A disciplina para uma vida intelec- A coisa criada, a obra de a rte, tem uma berdade alcança o artista - liberdade que
tual intensa sempre foi reconhecida como constituição hilemórfica - é matéria e significa domínio. O conhecimento é, en-
quemos a indagação - "Para que nos indispensável. A preocupação metodo ló-
disciplinamos?" ou "A que visamos com forma. Evidentemente, a orientação do tão, conhecimento do que pode ser feito e
gica é constante na história do pensamen- artista é formal, demiúrgica, pois que o do como fazer - e todo artista deve acei-
a submissão a normas?" A resposta não to, desde as suas origens: está em Sócra- tar tais limites, o que significa ter que se
oferece qualquer dificuldade, já que veri- elemento estético é, essencialmente, a for-
tes, com o seu diálogo; em Platão, com a ma•. Tal constatação nos levará à neces- disciplinar.
fica mos logo que a disciplina visa ao dialética; cm Aristóteles, com a lógica. O
domlnlo do objeto: o que alcançamos, ou sidade de uma dupla disciplina para o Também a disciplina mostrada pela
reconhecimento da importância de uma fazer-se caracteristíco do artista. arte se revela com relação à fo rma: há um
dcNo)um os alcançar, é um conhecimento disciplina intelectual rigorosa para o al- ..,,,,
11111lor do objeto o u a possibilidade de agir cance da verdade é um fato, tanto na filo-
Nol11 c ele. A dl ~c lpllna mostra-se como sofia como na ciência, fazendo com que • Re111etcrl1mos o leitor para duas obras de E1icnnc Souriau: 1) L• Corrcspondancc dcs A. rts. P.rls, Flammarlon,
11111111·om//rno 1111111 que se atinja, cog niti- alguns pensadores coloquem o problema 1~7. b..> L'"'venird<l'EstMtique, Paris, Alcan, 1929.

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1 1 11 1M~l4A! lt , 1 A 1 1!11 1 1111 11~ 1111 111 1H mo c11 ~il10 ·111reudl za a cm . Dtd•lk•, Sao Paulo, 18: 33-39,
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p1 Ul'N No 1111e poderl amos chamar de es- des, que o homem se liberta; não, eviden- lógica no seio da matéria. As suas catego- mos com um co nceito de u1Ho111l l1111i1 11111
~c11clt11lzn çt10fo rmal. Se de um lado o ar- temente, negando as necessidades, mas rias lógicas caracterlsticas, os principies proposicional, como o de nsslmlluç/l o dt•
tlstn é o observador das formas do mun- utilizando-se delas, colocando os determ i- gerais e sua dinâmica, os conceitos bási- informações. Só podemos falar cm c11 ~ hw
do, se procura um conhecimento formal, nismos a seu favor. Tal conceito, salien- cos e sua aplicação, as regras de utilização formativo quando entendermos que o vi
de outro lado, no seu fazer, deve despojar tando o sentido pedagógico do obstáculo, dos termos, as relações, tudo é construido sado é a adequação en tre a consciência do
tais formas de tudo que seja acidental, está na direção, que desejamos salientar, em função de uma dada intencionalidade. educado e a natur eza da matéria, natu reza
intensificando-as, isolando-as e colocan- da importância de que nos disciplinem os Indispensável é que tenhamos em que não pode, de mod o algum, ser repre-
do em valor toda a sua pureza, realizando através das exigências decorrentes do ob- mente esta constituição da matéria: enun- sentada pelas p rop osições memorizadas,
uma ascese estética. A obra revela tal dis- jeto com que nos relacionamos. Libertar- ciados verdadeiros e uma es trutura lógica. mas sim pela nossa habilidade in telectual
ciplina enquanto nada contém de dema- se é disciplinar-se. E se entendemos a matéria como uma es- em nos locomovermos dentro da ma téria .
siado, enquanto expressa uma unidade Todas estas considerações, até agora, trutura aberta, processo sempre capaz de Mais do que o conhecer, temos q ue salien-
que é equilibrio. Novamente, aqui, adis- foram colocadas como contribuições para revelar o novo, isto se deve ao dinamismo tar o processo info rmativo , devemos pro-
ciplina resulta do objetivo, pois que a pró- o esclar ~c i men t o do conceito de disciplina de sua lógica; os enunciados constitutivos curar para os n oss o s alu nos o
pria arte exige tal ascese, tal essencializa- dentro do contexto ensino-aprendizagem. de uma matéria são oportunidades para o compreender, termo que, além das suges-
ção; o objeto artbtico é o ser que não nos Assim como a disciplina do atleta visa ao exercido da logicidade. tões informativas, contém sugestões de
remete a outra coisa senão a ele mesmo, sucesso dentro de sua modalidade, assim que os aspectos lógicos se ma ni festam .
nada devendo possuir de estranho. O ex- Temos agora a condição para intro· Co mpreendemos, qua ndo sabemos das
como a disciplina do artista visa à criação <luzirmos o nosso conceito de disciplina
cesso na obra seria aquilo que ela não é, o de uma obra, naturalmente, a disciplina razões do compreend id o, ou mel hor,
que aponta para fora. dentro da escolaridade, sob ret udo quando conhecemos as suas relações no
do aluno visará à plena efetivação do pro- relacionando-o com o conceito de apren-
Conhecendo os limites de sua maté- cesso de aprendizagem . Como nos in teres- contexto que lhe é próprio . A ssim, o ensi-
dizagem. Aprender uma ma téria não pode no deve visar mais à compreensão do qu e
ria, conhecendo suas necessidades, o ar- samos pelo processo ensino-aprendizagem ser entendido como uma ta refa fragmen-
tista será capaz, enquan to adaptado a tais ligado à escola , evidentemente, ele estará ao conhecimento, já que a ap ren dizagem
tária, ou seja, aprender um de seus ele- se efetiva pela compreensão . É o que, fun-
restrições, não só de atualizar a form a, · relacionado com o conceito de matéria, mentos constituintes. Evidentemente, o
como também de reduzir a força da maté· matéria de estudo. damentalmente, post ul a o filóso fo da
equívoco já se deu e con tinua educação Paul Hirst: "O que que remos e
ria. A matéria passa a ser a forma apare- Parece impo rtante que se explicite processando-se, na medida em que a esco-
éendo, dando lugar a um ser que, se a que os alunos comecem, por ru di mentar
melhor o estatuto existencial das matérias la exige um conhecimento proposicional. que este conhecimento seja, a pensa r his-
exalta, ao mesmo tempo a esconde. A re- de estudo a fim de evitarmos equívocos Ainda existe o erro enciclopédico de ava-
sistência do material, portanto, educou o toricamente, cientificamente ou matema-
relacionados com o ensino; Hamlyn colo- liar o saber pela quantidade de informa- ticamente; a pensar dentr o da forma que
artista; ele se fez pela disciplina e esta dis- ca esta preoc upação num artigo (4, p. 10) e ções. Porém, conhecer, efetivamente, é
ciplina mostra uma harmonia ent re o su- distingue o nosso tema, e inclusive adqu i-
ela parece fundamental para o esclareci- dominar a matéria na sua totalidade, o rir certo estilo, certa imaginação ao fazê-
jeito e o objeto. Enquanto a disciplina mento do conceito de aprendizagem. Não que implica a assimilação pela consciên-
não se constitui, o objeto , a matéria, é o lo" (5). É o qu e Descartes já muito antes
podemos ent ender matéria, como aqui cia, não só de dados, mas da orga- postulava: "( ... ) não no s tornaremos ma-
que resiste, é o obstáculo. Qua ndo a cons- nos In teressa, no sentid o de um simples nização lógica peculiar. Se é a logicida-
ciência se torna embebida, quando se temáticos, mesmo que decoremos todas as
agrupament o de enunciados verdadeiros, de o que permite o dinamismo da própria demonstrações, se o nosso espírito nã o
adapta a natureza do objeto, então o ob- agrupament o de conh eci mentos. As maté· matéria, o que proporciona a continua re-
jeto é submetido, deixando de ser entrave. for capaz, por si, de resol ver qua lquer es-
rias são, em prim eiro luga r, difere ntes novação, naturalmente, será o domínio pécie de problema; e nunca seremos filó -
A lição da arte é a da existência de um maneiras de se tra tar fatos, mas não é o ti- destas exigências in ternas, sua pro jeção
processo educativo através da experiência sofos, mesmo que tenhamos lido todos os
po dos fatos , esse ncialmente, o qu e esta- na consciência, o que determinará a possi- raciocínios de Platão e de Aristó teles, se
de resistência do objeto, experiência que belece a distinção e ntre as matérias e sim a bilidade de o aluno desenvolver-se num
vai propiciar o surgimento de uma cons- não formos capazes de fa zer julgamen tos
estru tura lógica na qual tais fa tos se o rga- especifico campo de estudos. As matérias seguros numa dada questão" (3, p. 11). O
ciência adaptada à estrutura objetiva, nizam, estrutu ras que denota m interesses exigem o respeito às suas organizações pe-
condição para um agir livre com relaçã o que Hirst e Descar tes expressam é a
explicativos característicos. O objeto ma- culiares - exigem limites, impõem restri- necessidade de disciplin a, e no caso carte-
ao próprio objeto. terial não é, pois, suficient e para a deter-
\
ções à inteligência: para dominá-las é ne- siano isto vai no próprio título da obra.
Tudo isso nos lembra o conceito de minação; temos que considerar o objeto cessário uma submissão às suas leis estru-
liberdade como consciência da necessida- formal e as suas implicações lógicas que se turais. Aprender é, portanto, basicamen- Re:omamos, então, a ên fase disclpll· \

~
de. Tal conceito, sup~r,j o a impossibili- refletem na organização interna da maté- te, adequar-se à natureza da matéria - a nar: quando aprend er é compree nder, o
dade de negar os determinismos, salienta- ria. E isto parece importante a ser explici- não ser que desfiguremos o conceito de compreender supõe ad equ ar-se à cm rulu ·
rá uma idéia fec unda, a de que é através tado - é o objeto formal , a precisa inten- matéria, reduzindo-o ao de um amontoa- ra lógica da ma tériu apreend ldn, <º
do conhecimento das leis, das necessida-) cionalidade, o que delineia a orga nização do"º';'º do p,opos;çõos, ' nos sat;sraça- \,. ,., .,_., • " " "'"" t6gka 6 d1'dpllno"
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<llllM,A.llÁl!S, C. I!. A disciplina no processo ensino-aprendizagem. Dld,1Jca, Sao Paulo, 18: 33-39, GUIMARÃES, C.E. - A disciplina no processo ensino-aprendizaaem . Dld,tlca, Sao Paulo, 181 33.39,
1982. 1982.

A segunda resposta é a de que o pro-


r processo. Cabe ao professor determina r o

~
se, seremos, pois, levados a concluir quet do do processo ensino-aprendizagem. Co-

~
pelo menos, o aprender supõe a discipli mo não compete à psicologia conceituar o fessor deve tornar salie.n~e º.que a matéria processo: determinar as dificuldad es a se-
na. Evidentemente, aprender no sentid processo ensino-aprendizagem ela só po- espera do aluno, as ex1genc1as que devem rem sentidas pelo aluno, sempre conside-
de domlnio da matéria, e não no sentid derá colaborar, supondo" que o possa fa. ser atendidas para que a aprendizagem se rando a dimensão lógica e os pré-
fragmentário. zer, se partir com uma noção elaborada efetive, formativamente, com a aquisição requisitos que permitem a apre ndizage m
de formas de pensar. As organizações ló- dos aspectos da matéria ensi nados . O que
Um problema de ensino seria 0 de co- deste. proc~sso, ~ruto de uma séri? r.efle- gicas devem-se fazer notar ao aluno, e se exige é que a estrutura ló gica se ma ni -
mo, concretamente, contribuir para 0 ai- xão f1losóf1ca. So enquanto se disc1phnar, cumpre ao ensino fazer com que a matéria feste, adaptada ao nível do a luno.
cance desta disciplina, como torná-la efe- enquanto se limitar, poderá a psicologia
tiva. É óbvio que 0 nosso conceito de dis - não incorrer no psicologismo, fato tào ne-
trabalhe. para isso. É função
. do especialis-
. . eonc1um. d o. o nosso o b'Je t1vo
. f01. o
cipiina nada tem a ver com o de disciplina · fasto para a ~d~caçào e cujos res~l tados ta P1aneJar o ~urso a fim de qu~ tal obJetl- . de chamar a atenção para a necessidade
vo. possa
. d realizar-se, mas. para
. . isso o espe- d e o ensino
· favorecer o surgimen
· to d e
como coação, autoritarismo. o aluno dis- se mostram trag1cos em nossa atualidade.
eia. 11sta . everá ter uma 1de1a clara do que uma di'sci'pl'1na·, só assim · sera· ro r-
· o ensino
ciplinado não é o passivo. A disciplina Entendemos por psicologismo a vul- seJ~ _ensinar .<e ap.render), 0 que s~ uma mador. A disci lina fo i colocada e
não poderá ser uma imposição do profes- garização de teses psicológicas e dos valo- sohcJtação fi ~osófica pode prop~rc.io~ar. uma condição ~ecessária ara uma ~~~
sor, esta não interessa nem é fecunda, mas res próprios da sociedade de massas que a Então, a prática de promover a d1sc1plma, . • P
deve ter a sua origem no objeto, que é o psicologia incorporou.
fim da aprendizagem, na matéria. O pro-
a concretização deste objetivo, está intei-
ramente, nas mãos do professor. A única 1
~telectuatl plena e ~ut<;>nº;"ª: .Ed ~rocura-
os acen uar que .n .ºe a ac11 a e o q ue
fessor promove a disciplina quando dá Então, a primeira resposta ao proble- olabo ação 'á 1 • d f á prepara para a d1sc1ph11;1, mas que deve
oportunidade para a matéria se manifes- ma prático de como contribuir para a dis- e r vi ve e a e que, ao orm - haver sempre lugar, no l'nsino , para o
lo, os prof.essores de profe~sores tenham difícil, para 0 obstáculo . A matéria,
tar, quando promove o confronto entre ciplina do aluno estaria em ressaltar a im-
tornado evidente esta necessidade . quando reduzida a um processo contínuo
ela e a consciência do aluno. A tensão en- ~ortância do difícil, do obstáculo, desa- f'J..
tre estes dois elementos será a condição reditando todas as tentativas de criar fa- Obviamente, o ensino deve ser ade- ~ e facilidades, quase lúdico, é um a maté-

~
para o disciplinar-se. Importante é que o cilidades degradantes. Dar a devida serie- quado ao aluno, às suas co11dições ps ico- ia desfigurada, daí o sentido de que pe n-
aluno experimente o obstáculo, que sinta dade as matérias de estudo é proporcionar lógicas e cognitivas; a matéria não se mos- semos mais os recursos didá ticos a fim de
o difícil - só assim verá a necessidade de as condições indispensáveis ao labor inte· trará de um golpe, mas sim através de um que não sejam vio ladores da mat éria.
adequar-se, de limitar-se aos processos lectual, que deve ser sentido como um es-
que a matéria sugere. Deste modo, o obs- forço; e só assim o professor mostra a sua
táculo é formativo, como o é para o artis- crença no aluno. GUIMARÃES, C.E. - Discipli ne in the teaching-learnlng proccss. Didática , São Pa11 lo, 18: 33-39 , 1982,
ta. Sem o obstáculo, sem o difícil, a neces- Já disse Alain que "embalar não é
sidade de disciplina não se . manifesta, e instruir". O educador tem que sentir a . ABSTRACT: The object o f 1.':e analysis in this paper is discipline as subm ission to norms. D iscipli-
toda possibilidade de ~ompreensão é frus- criança como o que deve ser ultrapassado; ne is stated as a condition for the perfect contro/ of a given subject, that is, a condition for overcoming
trada. the difficulties which must necessarily appear in the tea ching-learning process. This paper points out a
a verdade da criança não é a criança, mas pcdagogy which does not avoid difficuJty; it defends, thercfore, an obstacle pcdagogy, criticising
Um ensino que não promove a disci- o homem, e principalmente o homem que psychologism, unders1 ood as a tendency which authorizes and looks for lhe easy.
plina abdicou de ser formador, renunciou mantém as forças da infância, esse querer KEY- WORDS: Phi/osophy of educa1ion; teaching; discipline; thc sign ifican "c of thc ohsraclc in
à tarefa de preparar o aluno para as possi- ir mais além. E "a grande tarefa é dar à /earning.
bilidades maiores da vida intelectual; no criança uma elevada idéia de seu poder, e
fundo, satisfaz-se com a mediocridade do de cultivá-la pelas vitórias. Mas é também
constante repetir. Este ensino pauta-se pe- importante que essas vitórias sejam peno-
lo fácil, pelo degradante psicologismo de sas, e atingidas sem qualquer auxílio ex- REFER1'NCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tudo facilitar, porque, em última análise, terno. O defeito do que é inleressante por
não sabe o que significa aprender e com- si consiste no fato de não apresentar difi· 1. ALAIN - Reflexôes sobre a educaçAo. São 4. HAML YN. D. W. - Thc logical a11tl r syçolo·
Paulo, Saraiva, l 978. gical aspects oi lea rnig. ln : PETE RS, R.S.
preender. Sem dúvida, há que considerar culdade em nos interessar, e também no ., - The philosophy of cducation . London.
o nluno, suas condições, suas possibilida- fato de que não aprendemos a nos interes- 2. BLACK, M. - Educação como anc e discipli· Oxford Universily Press, 1975.
des poro a aprendizagem, mas isto não sar por vontade própria. Eis por que des- .i na . ln: SCHEFFLER, 1. Philosophy and 5. HIRST, P.H - Los aspectos 16gico e psicoló-
slg11lrlcn degradar a matéria, retirar difi- prezo até mesmo a bela linguagem, que é .:ducation. Allyn and Bacon, 1970. gico de la enscnanza de un tema. l n: PE-
culdndes - o fácil nao é formador. O psi- uma maneira de prender facilmente a TERS, R.S. - E/ conccpto de cducucion .
colo14lsmo pode ser uma tentação pela atenção. E a criança não deve somente ser 3. DESCARTES - R~gles pour la direc1ion de Buenos Aires, Paid ós, 1969.
11p111·enl'111 de sucesso; mas é um a tentação capaz de vencer o tédio e a abstração; de- l'espril. ln: - . Oeuvrcs
ét lettrcs . París. NRF. 1937 . Recebido para p uhllcaçao cm 08.01. 82
11 No1 vcncldn, na medida em que procura- ve também saber que é capaz disso" (1, p.
lllOH N e1 11111ls conscientes sobre o significa- 4-5).

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