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PROPOSTAS CONTEMPORÂNEAS DE EDUCAÇÃO

Na aula anterior foram apresentadas algumas conseqüências de cinco escolas


filosóficas para a educação: idealismo, realismo, pragmatismo, existencialismo e
análise. Tendo ainda como base George Kneller, se faz necessário agora estudar o que
os próprios educadores, influenciados pela filosofia, afirmaram a respeito de seu próprio
domínio.
Segundo Kneller, existem teorias educacionais que conduzem a programas de
reforma. Na sua maior parte, essas teorias promanam de filosofias formais, mas estão
condicionadas por experiências exclusivas da educação.
A primeira teoria educacional a atrair a atenção geral foi o progressismo. O
movimento progressista eclodiu com força revolucionária no cenário educacional.
Exigiu a substituição das práticas tradicionais por uma nova espécie de educação
baseada nas conclusões das ciências do comportamento. A própria força do movimento
progressista e a publicidade que recebeu facilitaram o caminho para uma contra-
revolução. Um conservadorismo renovado, incorporando alguns dos progressos
registrados pelas ciências do comportamento, reprovou energicamente os excessos dos
progressistas, mas, ao mesmo tempo, aceitou algumas de suas doutrinas mais
moderadas. A atitude conservadora teve expressão em duas escolas de pensamento: o
perenalismo, aristocrático por natureza e conscientemente filosófico, e o essencialismo,
mais moderado e prosaico em sua essência. Depois da segunda guerra mundial, o
movimento conhecido como reconstrutivismo procurou substituir o progressismo na
trilha da reforma educacional.

PROGRESSISMO
Na medida em que é uma filosofia, o progressismo consiste, largamente, na
aplicação do pragmatismo à educação.
Muitos educadores, vagamente conhecidos como progressistas, se rebelaram
contra o que chamavam de excessivo formalismo da educação tradicional, com sua
ênfase na rigorosa disciplina, no ensino passivo e no treino intensivo, mas sem
finalidade.
O progressismo em suas primeiras fases era de natureza acentuadamente
individualista. Depois, sacrificando o seu anterior individualismo, lançou todo o seu
peso no movimento para a transformação social em favor da cooperação e democracia.
Partindo do conceito pragmático de que a transformação é a própria essência da
realidade, o progressismo declara que a educação está sempre em processo de
desenvolvimento. Os educadores devem estar preparados para mudarem os seus
métodos e diretrizes, à luz dos novos conhecimentos e de mudanças no ambiente. O
âmago da educação não é a adaptação à sociedade, ou ao mundo externo, ou a certos
padrões perenes de bondade, beleza e verdade; é a contínua reconstrução da experiência.

Como foi expresso por Dewey, filósofo e educador, que primeiro dominou a
educação progressista e a filosofia pragmática (1916, 89):

Chegamos assim a uma definição técnica da educação: é aquela


reconstrução ou reorganização da experiência que se soma ao
significado da experiência e que aumenta a capacidade para dirigir o
curso das experiências subseqüentes.

Para o progressista, a educação habilita o homem a interpretar o fluxo de


experiência, de modo que possa compreendê-la com maior clareza e numa perspectiva
mais verdadeira. O progresso, através da reconstrução da experiência, constitui a
natureza e o objetivo da própria educação. Resta saber o que caracteriza o progresso e a
verdade no progressismo.

Os princípios básicos do progressismo podem ser resumidos da seguinte


maneira:

1) A educação deve ser ativa e estar relacionada com os interesses da criança. De


todas as escolas de pensamento educacional, o progressismo é a que acolhe mais
ansiosamente as descobertas e conclusões das ciências do comportamento. Ele insiste
que a educação deve ser elaborada em torno da criança tal como ela é, em vez da
maneira e como as atitudes morais e filosóficas tradicionais a interpretaram.
Assim o progressismo defende a escola centralizada na criança, na qual o
processo de aprendizagem é determinado não só pelo professor e pela matéria a
lecionar, mas principalmente pela criança individualmente considerada. Um jovem, diz
o progressista, está naturalmente disposto a aprender tudo quanto se relacione com os
seus interesses ou pareça resolver os seus problemas; ao mesmo tempo, tende a resistir a
tudo o que sinta ser-lhe imposto de cima.

De acordo com esta proposta, isso não significa que à criança deva permitir-se
proceder de acordo com todas as suas inclinações. Sobretudo porque ela não tem
maturidade suficiente para definir propósitos significativos. Neste caso, embora a
criança conte consideravelmente para o processo de aprendizagem, não é o seu árbitro
final. Aqui entra a figura do professor, que deve orientar os seus interesses de forma
mais realística.

O professor progressista influencia o crescimento de seus alunos, não


martelando fragmentos de informações em suas cabeças, mas pelo controle do meio em
que esse crescimento se realiza. O crescimento é definido como o aumento de
inteligência na direção da vida; é a inteligente adaptação ao meio.

2) Uma pessoa defronta com maior êxito as novidades e perplexidades da vida


quando fraciona suas experiências de modo a incidirem em problemas específicos.
Logo, a aprendizagem deve ser realizada através de esquemas de solução de problemas,
em vez da absorção de matérias. Ou seja, ela deve substituir a inculcação de matérias.
O progressismo rejeita o critério tradicional de que a aprendizagem consiste,
essencialmente, na recepção de conhecimentos e que o saber em si é uma substância
abstrata inculcada e armazenada pelo professor na mente dos alunos. O conhecimento,
declaram os progressistas, é um instrumento para dominar as novas situações constantes
com que a mutabilidade da vida nos confronta. Se o homem quiser que o saber seja
significativo, ele deve estar apto a fazer algo com ele; logo, deve ser ativamente
adquirido e unido à experiência.

Dewey (1916,321) assinalou:

Contudo, o golpe mais direto desferido na separação tradicional entre


fazer e conhecer e no prestígio tradicional dos estudos puramente
intelectuais foi o progresso da ciência experimental. Se esse
progresso demonstrou alguma coisa, foi a não existência daquilo a
que se pudesse chamar um conhecimento autêntico e uma
compreensão frutuosa, exceto como produto do fazer. A análise e o
reagrupamento de fatos, à classificação correta, não podem ser
atingidos de modo puramente mental – dentro da cabeça. Os homens
têm de fazer algo às coisas, quando desejam descobrir algo; tem de
alterar condições. Esta é a lição do método de laboratório, e a lição
que toda a educação tem de aprender.

Assim, de acordo com esta proposta, a criança só aprende adequadamente


quando pode relacionar o que aprende com seus próprios interesses.
A sala de aula progressista tem de converter-se numa experiência viva de
democracia social, se desejar que o estudante ganhe uma verdadeira apreciação de
sociologia e ciência política. Experiência e experimentação constituem as palavras
básicas do método progressista de ensino.

3) A educação, como reconstrução inteligente da experiência, é sinônimo de vida


civilizada. Portanto, a educação dos jovens deve ser a própria vida, em vez de uma
preparação para a vida. Toda a vida inteligente é aprendizagem, já que envolve a
interpretação e reconstrução da experiência. A escola deve ser um lugar onde a criança
aprende a viver crítica e inteligentemente. Deve colocá-la em situações de
aprendizagem que se ajustem à sua idade e que apontem para aquelas que terá
probabilidades de encontrar na vida adulta.

4) Como a criança deve aprender de acordo com suas próprias necessidades e


interesses, o professor deve agir mais como guia ou conselheiro do que como figura de
autoridade. Sua função não é dirigir, mas aconselhar, visto que a criança deve
determinar o que precisa ser ensinado. O professor está presente unicamente para
orientar a aprendizagem. Coloca seu maior saber e experiência à disposição delas e
ajuda-as toda vez que chegam a um impasse. Sem dirigir o curso dos acontecimentos,
trabalha com as crianças para que se atinjam os fins estabelecidos de mútuo acordo.

Segundo o critério progressista, declara Lawrence Thomas (1946,398):

O professor possui, meramente, uma experiência superior e mais rica


para influir na análise da situação que se apresenta [...] O professor é
vitalmente importante como organizador de cena, guia e coordenador,
mas não constitui a fonte exclusiva de autoridade.

5) Os indivíduos realizam mais quando trabalham em colaboração do que uns


contra os outros. Logo, a escola deve fomentar a cooperação em vez da concorrência.
Os homens são sociais por natureza e derivam sua maior satisfação das relações mútuas.
Os progressistas sustentam que o amor e a associação são mais adequados à educação
do que a concorrência e a luta pelo êxito pessoal. Tal como a existência civilizada, a
educação deve ser uma experiência de grupo.

6) Educação e democracia estão mutuamente implícitas; as escolas devem ser


democraticamente dirigidas. Somente a democracia permite a livre interação de ideias e
personalidades, que é uma condição necessária para o verdadeiro desenvolvimento.
Democracia e cooperação estão sempre envolvidas. Idealmente, a democracia é
experiência compartilhada. A repartição da experiência entre todos é uma condição de
desenvolvimento, a qual por sua vez, exige educação. Portanto, democracia,
desenvolvimento e educação estão interligados. Para ensinar democracia, a própria
escola deve ser democrática. Deve fomentar o governo do estudante, a livre discussão
de ideias, o planejamento conjunto discente e docente, e a plena participação de todos
na experiência educativa.

CRÍTICA AO PROGRESSISMO
O princípio da escola centralizada na criança foi muito criticado. O progressismo
sustenta que a auto-atividade conduz à melhoria individual, ao progresso e a vida boa.
Mas como definir melhoria, progresso e a vida boa? Sobretudo quando se substitui a
verdade pela utilidade.
Se permitirmos à criança a liberdade para que exerça a auto-atividade, terá de
haver um objetivo determinado a ser atingido por ela. O crescimento como tal não pode
justificar-se a si próprio, afinal, é preciso saber para que fim se dirige. Muitos críticos
afirmam que a auto-atividade propícia ao desenvolvimento só se justifica quando possui
um fim absoluto e não uma série de fins relativos. Sendo o progressismo a aplicação do
pragmatismo à educação, se torna impossível evitar a relativização de tudo.
Os críticos também atacaram o princípio de que a criança deve aprender de
acordo com seus próprios interesses. O progressismo insiste que, como a criança é
naturalmente ativa e curiosa, deve ser encorajada a descobrir ela própria os
conhecimentos, cooperando com seus colegas e aconselhada pelos seus professores. O
problema é que, como a capacidade para discriminar entre o saber essencial e acessório
é uma conquista adulta, compete ao próprio mestre transmitir grande parte daquilo que a
criança aprende. A maturidade intelectual não pode ser acelerada. É um produto da
disciplina mental que só se adquire após muitos anos. Disciplina esta que muitas
crianças e, até mesmo, muitos adultos são renitentes em desenvolver por si mesmos.
Pelo menos é de se esperar que o mestre saiba mais sobre o assunto do que uma criança
ou um adulto teimoso e ignorante. E ainda, por que consultar advogados, médicos e
dentistas, se não há a intenção de aceitar os seus conselhos especializados?
Os progressistas insistem que é preciso conjugar a educação com a vida.
Contudo, sem uma clara e compreensiva definição do significado e finalidade da vida,
não é fácil aprofundar exatamente o que se entende por educar para a vida. Não se pode
reduzir, evidentemente, essa educação para a vida como aprendizagem através da
resolução de problemas.
O progressismo é uma proposta educacional que sugere que a educação não é
simplesmente uma preparação para a vida, mas a própria vida. É difícil, em qualquer
caso, ver como a escola poderia ser uma réplica da vida, mesmo que tentasse.
Inevitavelmente, a escola é uma situação artificial de aprendizagem, cercada de
restrições e proibições diferentes das que se encontram no contexto da vida como um
todo. É unicamente uma situação da vida, uma entidade educacional. Assume tarefas
que as outras entidades sociais não podem realizar. Com efeito, a lógica progressista
leva-os a uma situação estranha. Por um lado, defendem a situação de vida real e, por
outro, preconizam tipos de tolerância, liberdade e controle raramente permitidos na vida
real. É notório que a educação não é a própria vida; é antes, a vida como deveria ser.
Quanto ao realce dado pelos progressistas à cooperação, em lugar da
competição, os críticos assinalam que o indivíduo desejoso de contribuir para o bem
geral pode, em dado momento, estar incapacitado para colaborar, precisamente porque
os seus princípios são inaceitáveis para a maioria das pessoas. A tirania da maioria,
como a de poucos, também tem seus perigos. Aliás, como se criam tiranias em nome da
coletividade.
É oportuno lembrar que a maioria não é necessariamente mais clarividente ou
mais generosa que o indivíduo. A mentalidade da massa pode ostentar vendas imorais e
intelectuais que a mente singular não tem. Muitas reformas foram obtidas pela coragem
e persistência de indivíduos que estavam preparados para enfrentar a impopularidade
por amor ao que acreditavam ser justo. É preciso assegurar que a cooperação seja livre e
espontânea para que não se converta em conformismo.
Finalmente, o que dizer da relação entre progressismo e democracia? O primeiro
problema é definir a democracia. Cada pensador a caracteriza de uma forma. Até
mesmo entre os progressistas há divergências. Uma coisa é certa: a democracia não faz
a verdade.
Kneller (1964, 140) faz uma afirmação interessante:

Ao longo de toda a sua história, o progressismo tem sempre atraído o


bombardeio da crítica pública, mas nunca com intensidade
semelhante à que se registrou durante aqueles dias de espanto e
humilhação que se seguiram ao lançamento do primeiro “Sputnik”
soviético. Talvez nenhum outro acontecimento tenha jamais
estimulado uma tão generalizada condenação do sistema educacional
de um país. Os americanos tinham sido convencidos pelos seus porta-
vozes educacionais de que a educação russa era antidemocrática e
autoritária e, portanto, ineficaz. Como seria possível explicar
semelhante êxito da ciência e da tecnologia soviéticas? Não é só o
dinheiro que lança Sputniks para o ar; é também um sistema
educacional que produz homens capazes de inventá-los e aperfeiçoá-
los. Seria afinal o caso das escolas americanas estarem dando
excessiva atenção às crianças a quem ensinavam e pouca aos assuntos
que lhes ensinavam? Houve um movimento revulsivo contra o
centralismo infantil identificado com o progressismo. Os americanos,
dizia-se, tinham mimado seus filhos por demasiado tempo; a nação
estava ficando mole; a corrosão tinha de ser sustada.

Já foi dito: todo sistema é formado por princípios. É preciso entendê-los para
que se possa entender o sistema. O progressismo, sem dúvida, introduziu uma série de
mudanças. É preciso analisá-lo com maior profundidade. É preciso perguntar: quais
mudanças foram boas? Quais foram más? O que pode realmente ser aproveitado? O que
não? O discurso em prol do progressismo é belíssimo, mas o que está por trás das
aparências? O que há de essencial no progressismo? É óbvio, há muitas perguntas a
serem feitas. Muitas respostas a serem alcançadas.

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