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LARROSA, Jorge. Tecnologias do Eu e a educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.).

O
sujeito da educação: estudos foucaultianos. 4º ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. (p. 83-84).

Para além das evidências


As evidências são o que todo mundo vê, o que é indubitável para o olhar, o que tem que se
aceitar apenas pela autoridade do próprio aparecer. Uma coisa é evidente quando im-põe sua
presença ao olhar com tal claridade que toda dúvida é impossível! És o que não vês? Sim, aí está,
olha, é assim, aí o tens, ... é evidente! Só um louco ou um cego não o veria! Grande é, sem
dúvida, o poder das evidências. Mas Foucault empenhou-se em mostrar a contingência das
evidências e a complexidade das operações de sua fabricação. O que todo mundo vê nem sempre
se viu assim. O que é evidente, além disso, não é senão o resultado de uma certa dis-posição do
espaço, de uma particular ex-posição das coisas e de uma determinada constituição do lugar do
olhar. Por isso, nosso olhar, inclusive naquilo que é evidente, é muito menos livre do que
pensamos. E isso porque não vemos tudo o que constrange no próprio movimento que o torna
possível. Nosso olhar está constituído por todos esses aparatos que nos fazer ver e ver de uma
determinada maneira. Que se propõe um autor que pretende romper as evidências, mostrando a
trama de sua fabricação, suas condições de possibilidade, suas servidões, aquilo que está oculto
pela potencia mesma de sua luminosidade? Talvez nos ensinar que nosso olhar é também mais
livre do que pensamos. E isso porque o que determina não é tão necessário nem tão universal
quanto acreditamos. O que determina o olhar tem uma origem, depende de certas condições
históricas e práticas de possibilidade e, portanto, como todo o contingente, está submetido à
mudança e à possibilidade de transformação. Talvez o poder das evidências não seja tão
absoluto, talvez seja possível ver de outro modo.
Os estereótipos são os lugares comuns do discursos, o que todo mundo diz, o que todo
mundo sabe. Algo é um estereótipo quando convoca imediatamente o assentimento, quando é
imediatamente compreendido, quando quase não há nem o que dizer. E grande é o poder dos
estereótipos, tão evidentes e tão convincentes ao mesmo tempo. Os preconceitos são o tópico da
moral, o que todo mundo valoriza igualmente, as formas do dever que se impõem como óbvias e
indubitáveis. E grande é também o poder dos preconceitos. Os hábitos são os automatismos da
conduta. O que se impõem em relação à forma de conduzir-se. Os procedimentos que fabricam
os estereótipos de nosso discurso, os preconceitos de nossa moral e os hábitos de nossa maneira
de conduzir-nos nos mostram que somos menos livres do que pensamos quando falamos,
julgamos ou fazemos coisas. Mas nos mostram também sua contingência. E a possibilidade de
falar de outro modo, de julgar de outro modo, de conduzir-nos de outra maneira. [...]

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