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ECG Completo.

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ECG Completo.indb 3 26/08/2019 09:26:18
Introdução ao ECG
CAPÍTULO

José Nunes de Alencar Neto 1


INTRODUÇÃO
Figura 1 - Várias câmeras capturando a
beleza da “Dama del paraguas”, um ponto
O eletrocardiograma (ECG) é um
turístico de Barcelona.
exame simples e barato, obrigatório
em emergências. Ele registra traça-
dos que, ao serem analisados, possi-
bilitam identificar e intervir precoce-
mente em patologias potencialmente
fatais como o infarto agudo do mio-
cárdio e arritmias.
O funcionamento do aparelho é
simples, vamos ver. O profissional res-
ponsável posiciona eletrodos que irão
registrar as atividades elétricas (di-
ferenças de potencial) a partir de um
“ponto de vista” específico, portanto,
saibam desde já que é importante
posicionar corretamente os eletrodos
e iremos falar disso logo mais. O ECG Para a melhor visualização de todos os pontos de vista desse monumento,
funciona como se “câmeras” fossem várias câmeras são usadas. Desenho de Pilarín Bayés de Luna, irmã do pro-
posicionadas em volta do coração em fessor Bayés de Luna.
locais pré-determinados e estas regis-
tram os impulsos elétricos que se apro- Se esse potencial está ocorrendo no sen-
ximam ou se afastam de cada eletrodo tido da câmera, então a seta do vetor
(Figura 1). apontará para ela. Simples assim.
A atividade elétrica cardíaca gera Essas “câmeras”, de que falo, pos-
uma diferença de potencial (voltagem) suem um nome especial no ECG: de-
que é registrada pelo aparelho de ECG. rivações. Elas são compostas sempre
O pré-requisito para que haja uma dife- por dois polos (bipolares, portanto). As
rença de potencial é a existência de dois derivações dos membros, que chama-
pontos com potenciais diferentes. Uma mos de periféricas, registram a dife-
derivação, portanto, é uma câmera que rença de potencial dos próprios polos
registra a atividade em dois pontos. entre si; e as derivações do precórdio,

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CAPÍTULO 1

chamadas de derivações horizontais, o bem-estar do animal, saiba que a Ro-


registram a diferença de potencial do yal Society of London também ficou, e
eletrodo no tórax até um ponto central o que se sabe da época é que nenhum
virtual criado matematicamente pelas maltrato foi registrado no simpático
quatro derivações periféricas. Como animal (5) (Figura 2).
no caso das derivações dos membros,
um vetor parte de um polo para outro, Figura 2 - Uma demonstração da captura de
e no caso das derivações precordiais, um eletrocardiograma do bulldog Jimmie,
o vetor parte deste polo virtual para animal de estimação de Augustus Waller.

o eletrodo no tórax, os livros didáticos


erroneamente chamam os eletrodos
periféricos como “bipolares”, e os pre-
cordiais como “unipolares” (1).

HISTÓRICO

No fim do século XIX, era senso


comum entre cientistas o fato de que
nervos e músculos podiam ser estimu-
lados artificialmente. Fisiologistas se
deram ao trabalho de procurar ativi-
dade elétrica em animais, até que em
1856, Koelliker e Muller conseguiram
Essa demonstração causou certo estranhamento no público presente,
demonstrar biopotencial elétrico no
causando debate se o Ato de Crueldade aos Animais fora contravertido.
coração de um sapo. E foram além, no
A resposta do secretário de estado foi: “Mr. Gladstone, eu entendo que o
mesmo experimento, ao posicionar a
cachorro ficou em pé por algum tempo em água com sal. Se meu honra-
pata de um sapo na mesma solução do amigo já tivesse remado no mar, saberia a sensação” (5).
em que estava contido o coração, per-
ceberam que a atividade elétrica que
contraía a pata precedia a sístole car- Nos seus experimentos, Waller
díaca – a descoberta de que a ativida- usava uma cinta no tórax conten-
de elétrica precedia a sístole e poderia do dois eletrodos: o primeiro na
ser a razão pela qual os corações ba- parte frontal do tórax, conectado
tem (2,3). a uma coluna de mercúrio de um
Esses avanços levaram ao primei- eletrômetro capilar; e o segundo
ro registro de um eletrocardiograma no dorso conectado a ácido sulfúri-
humano, em 1887, por Waller (4), que co (Figura 3). A coluna de mercúrio
fez também vários experimentos em se movia para cima e para baixo de
seu cachorro de estimação, o bulldog acordo a atividade elétrica e o que
Jimmie. Se você está preocupado com movia a placa onde se desenhava

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INTRODUÇÃO AO ECG

Figura 3 - Traçado do primeiro eletrocardiograma humano realizado em Waller.

A marcação “t” é a representação de um segundo, a marcação “h” é a movimentação da parede do tórax, e a representação “e” representa o eletro-
cardiograma através da movimentação da coluna de mercúrio no eletrômetro (4).

essa atividade para que um registro de – 25 milímetros por segundo e


temporal fosse adquirido era um um fotoquimiógrafo projetava uma
trem de brinquedo. linha vertical mais grossa após 4 li-
É lamentável que o papel de Waller nhas mais finas. O galvanômetro se
seja negligenciado na história da ele- moveria 1mm caso uma diferença de
trocardiografia, mas o próprio parece potencial de 0,1mV fosse registrada.
ter subestimado seus achados que, Também nesse artigo foram alcunha-
sim, eram de má qualidade (mas eram das as deflexões do eletrocardiogra-
os primeiros!) e inadequados para pro- ma: PQRST (6,7). Nesse momento, o
pósitos clínicos e chegou a afirmar que leitor já percebe que Einthoven não
não imaginava que a eletrocardiogra- apenas criou o primeiro eletrocardió-
fia encontraria papel extenso em hos- grafo passível de utilização na práti-
pitais. ca clínica, como definiu seus funda-
O médico holandês Willem Ein- mentos, tudo em duas publicações
thoven, insatisfeito com o eletrôme- – isso lhe rendeu o prêmio Nobel e
tro capilar usado nos experimentos 40 mil dólares em prêmio em 1924
de Waller, desenvolveu em 1901 um (8). As letras escolhidas (PQRST),
novo galvanômetro de corda, supe- aliás, são fruto de discussão até hoje:
rior ao capilar usado até então com uns afirmam que Einthoven escolheu
sensibilidade e metodologia aplicá- letras no meio do alfabeto para dei-
veis em Medicina. Ele desenvolveu xar espaço para outras deflexões que
um método em que a placa fotográ- poderiam ser (e foram) descobertas;
fica onde seria registrada caía numa outros – e esta é também a opinião
frequência constante pela gravida- do autor – afirmam que teve influên-

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CAPÍTULO 1

cia dos trabalhos geométricos e médi- esquerda (13). E a lei de Einthoven


cos (de fisiologia ótica) de Descartes postula que D1 + D3 = D2, de acordo
(9–11). com a lei de Kirchoff (1).
Em 1908, em um extenso artigo,
Einthoven descreve seus aprendizados Figura 4 - Triângulo de Eithoven, como

com a observação de 5 mil eletrocar- desenhado em seu trabalho original (8).

diogramas já realizados. Definiu que a


onda P representava a ativação do átrio
e onda Q fazia parte do ventrículo (12).

TEORIA DAS DERIVAÇÕES

Para que se uniformizasse o exa-


me no mundo inteiro, era necessário
saber em que ângulos essas “câme-
ras” iriam olhar para o coração. Esfor-
ços se iniciaram para criar derivações
que pudessem ter importância práti- Burger, no entanto, levou em con-
ca na avaliação da atividade elétrica sideração que o corpo humano é tri-
cardíaca. dimensional, tem formato irregular e
A teoria clássica das derivações foi volumes condutores não homogêneos
proposta por Einthoven. Essa teoria e corrigiu o triângulo de Einthoven
assume que o corpo humano é parte imaginando um triângulo não equilá-
de um condutor homogêneo e infini- tero (Figura 5), mas permaneceu com
to em que as fontes elétricas cardía- a ideia de dipolo fixo (14,15).
cas são representadas por uma única
Figura 5 - Triângulo de Burger.
corrente de dipolo que varia com o
tempo, mas preso a uma localiza-
ção fixa. Resumindo: um único vetor
a cada batimento. As derivações de
Einthoven usam derivações em três
membros: braços (direito e esquerdo)
e perna esquerda.
O triângulo de Einthoven (Figura 4)
foi, então, criado a partir dessas deri-
vações: a derivação D1, por exemplo,
grava o potencial de ação entre o bra-
ço direito e o braço esquerdo, D2 entre
Perceba que não é equilátero. Leva em consideração diferenças de campo
o braço direito e a perna esquerda e
elétrico de diferentes órgãos do corpo humano (15).
D3 entre o braço esquerdo e a perna

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INTRODUÇÃO AO ECG

Em 1934, Wilson uniu os três tencial do braço direito, da perna


vértices do triângulo de Eintho- esquerda e do braço esquerdo, res-
ven a resistências de 5 mil ohms, petivamente (17). Para entender a
introduziu esse tal ponto virtual razão de eu ter falado isso tudo,
do qual já falamos na introdução introduzo agora o famoso “Círculo
deste capítulo: o “terminal central de Cabrera”, na Figura 6. Não dei-
de Wilson”. Esse ponto virtual foi xe de ler a legenda.
inicialmente criado com o intuito
de calcular a diferença de poten- O ELETROCARDIOGRAMA
cial do braço direito, por exem- HUMANO E SUAS ONDAS
plo, até o centro do triângulo de
Einthoven, o que foi chamado na Se você não entendeu muita coisa
época de VR (16). Por fim, em 1942, do que foi escrito acima, não tem pro-
Goldberger, introduziu um aumen- blema. Esta é uma introdução teórica,
to na sensibilidade dessas últimas mas com pouco papel na prática. A
derivações, que agora teriam um partir de agora, vamos focar no que in-
“a” em frente a seus nomes, surgin- teressa na vida de um profissional que
do, então, aVR, aVF e aVL – o po- lida com eletrocardiograma.

Figura 6

No painel A, observamos o triângulo de Einthoven e o terminal central de Wilson criado pelas três resistências de 5000ohms colocadas em cada
vértice do triângulo. No painel B, observamos o triângulo de Cabrera, em que temos as derivações clássicas D1, D2, D3, mais as criadas por Wilson e
aumentadas por Goldberg: aVR, aVL e aVF, todas dispostas de acordo com seus ângulos.

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CAPÍTULO 1

O registro elétrico do coração é • Despolarização dos ventrículos:


composto pelas seguintes atividades, complexo QRS (Q é a onda nega-
em sequência: tiva, R é a primeira onda positiva;
S é a onda negativa após o R. Al-
• Despolarização dos átrios (pri- gumas situações podem dar uma
meiro direito, depois esquerdo). segunda onda positiva, sendo
• Intervalo átrio-ventricular. chamada R’ - lê-se erre linha).
• Despolarização dos ventrículos. • Repolarização dos átrios: atividade
• Repolarização dos átrios. de baixa voltagem que coincide
• Repolarização dos ventrículos. com o QRS, portanto, não é vista
Cada uma dessas atividades cor- em situações normais de repouso.
responde a uma entidade do eletro- • Repolarização dos ventrículos:
cardiograma, seja ela uma onda, um segmento ST e onda T.
complexo de ondas, um intervalo
ou um segmento (Figura 7). Vamos Para entender melhor essa seção,
aprender: vamos revisar cada um desses tópicos
individualmente. E para fazer isso, vou
• Despolarização dos átrios (pri- relembrar duas regras importantes da
meiro direito, depois esquerdo): eletrocardiografia.
onda P. 1. Lembre-se que as diferenças de po-
• Intervalo atrioventricular: inter- tencial decorrentes da despolarização do
valo PR. átrio, do ventrículo e também pela repo-

Figura 7 - Ondas, complexos, intervalos e segmentos do eletrocardiograma de superfície.

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INTRODUÇÃO AO ECG

larização ventricular serão capturadas pe- formação de uma onda negativa, cha-
las derivações que vimos anteriormente mada onda Q. Por definição: onda Q
e formarão “ondas” no traçado do eletro- é uma onda negativa que se inscreve
cardiograma. Tenha em mente que tudo antes da onda R. Se a onda é negativa,
que se afasta da câmera será gravado então, o vetor se afasta de D2.
como negativo, e tudo que vai de encon- As mudanças iônicas geradas pelo
tro à câmera será positivo no ECG. potencial de ação seguem, então, em
2. Se revisarmos o círculo de Cabre- direção ao ápice cardíaco pelos ramos
ra (Figura 6) e imaginarmos um cora- direito e esquerdo, se aproximando in-
ção no meio desse círculo, observare- tensamente da nossa “câmera” D2. O re-
mos que D2 é uma derivação muito sultado é a grande onda R, por definição
próxima ao eixo elétrico cardíaco nor- a onda positiva. Se é assim, esse vetor, o
mal – afinal, o eixo elétrico resultante maior de todos, vai em direção a D2.
cardíaco irá apontar de cima para bai- Posteriormente, a ascensão pelas
xo e da direita para esquerda (some os paredes livres dos ventrículos, se afas-
vetores). Por conta disto, esta é uma tando novamente da câmera, forma a
derivação de muita didática e será uti- onda S, por definição, a onda negativa
lizada nos próximos parágrafos. que vem depois da onda R, afastan-
Comecemos. O impulso gerado do-se de D2, acabando assim de des-
pelo nó sinusal segue em direção ao nó polarizar os ventrículos. A soma dos
AV despolarizando os átrios, ou seja, se vetores de Q + R + S é o vetor elétrico
aproximando da câmera de D2. Sendo cardíaco, e deverá ser posicionado no
assim, esta registra uma onda positiva Círculo de Cabrera para análise. Vere-
(porque se aproxima de D2) e de pe- mos isso no próximo capítulo. Por fim,
quena amplitude e duração (porque o após a despolarização, as células retor-
átrio tem pouca força e massa, compa- nam ao seu estado original, ou seja,
rada ao ventrículo), que é a onda P. se repolarizam. O resultado, de modo
O nó AV atrasa o impulso e, como simplista, é o registro da onda T.
não há maiores áreas sendo despola- É importante lembrar que essas on-
rizadas, registra-se apenas uma linha das possuem essa conformação que
reta que denominamos de intervalo descrevemos em D2 e também em
PR. Após isto, o ventrículo iniciará sua algumas outras derivações, mas não
despolarização. O que você vai ver nos em todas. Por exemplo, em aVR, que é
próximos parágrafos também pode praticamente oposta a D2 (vide Círculo
ser traduzido em vetores. de Cabrera), o normal é termos uma P
A despolarização inicial do septo negativa, uma onda Q apenas (não su-
promove a despolarização em diver- cedida de R ou S) e uma T negativa.
sos sentidos, entretanto a resultante Outras ondas ou eventos podem
de todas as direções se afasta da fil- aparecer no eletrocardiograma. São de
madora em D2 e este é o motivo da interesse por enquanto: (a) o ponto J é

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CAPÍTULO 1

o ponto em que o complexo QRS ter- características ambíguas de músculo e


mina e o galvanômetro ganha nova- condutora de estímulo elétrico).
mente a linha de base do eletrocardio- Sobre o complexo QRS, devemos
grama; (b) o ponto Y é de interesse na ter em mente que ele só existe no ele-
eletrocardiografia de estresse, como trocardiograma caso a despolarização
discutiremos no capítulo 26; (c) a onda ventricular apresente três vetores – um
U é motivo de controvérsia até hoje negativo, outro positivo, e o terceiro
(discutiremos com detalhes no capítu- negativo. Caso apresente apenas dois
lo 4) e pode corresponder à repolariza- complexos, o leitor deve observar na-
ção das fibras de Purkinje ou das célu- quela derivação qual deflexão inicia
las M (células médio-miocárdicas com a atividade ventricular: se negativa,

Figura 8 - Padrões de complexos QRS.

Perceba que devemos obedecer a três regras para a correta nomenclatura deste complexo. A primeira é: sempre seguir a ordem alfabética. A segunda
é: a onda “q” é sempre negativa, a onda “r” é sempre positiva, e a onda “s” é sempre negativa. A terceira regra é: se uma onda é pouco ampla, ela será
marcada por letra minúscula “e” e uma letra é muito ampla, ela será marcada por uma letra maiúscula. Sabendo das regras, fica fácil perceber que um
complexo com uma pequena deflexão positiva seguida de uma grande deflexão negativa será chamada “qR”.

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INTRODUÇÃO AO ECG

sabemos que teremos um complexo CONFIGURAÇÃO DO


“q” seguido de alguma coisa que pode ELETROCARDIÓGRAFO
ser “r” ou “s”; se positiva, teremos um
complexo “r” seguido de alguma coi- Já vimos que o eletrocardiógrafo tem
sa que só pode ser “s”. Temos que se- a capacidade de representar estímulos
guir a ordem alfabética! Por exemplo: elétricos através da inscrição gráfica de
um complexo cuja primeira deflexão uma voltagem (diferença de potencial
é negativa, seguida de uma positiva elétrico) em um papel milimetrado –
é chamado de complexo “qr”. O leitor quem convencionou isso foi Einthoven.
também precisa se acostumar ao fato Quando configurado no modo padro-
de que a amplitude da deflexão tam- nizado (N de “ganho” e 25 mm/s de
bém dita se usaremos letras minúscu- velocidade), cada milímetro do papel
las ou maiúsculas. Mais um exemplo: para cima ou para baixo corresponde a
se um complexo começa com uma 0,1 mV de amplitude (é o “tamanho” da
onda positiva de pequena amplitude e onda), e para esquerda ou para direita a
é sucedida de uma negativa de grande 40 ms ou 0,04 segundos de duração (é a
amplitude, sua descrição no texto es- “largura” da onda) (Figura 9).
tará como complexo rS – atenção, não
podemos chamar de rQ, pois isso não Figura 9

segue a ordem alfabética.


Caso tenhamos um complexo com
apenas uma deflexão negativa, cha-
mamos esse complexo de QS. Caso a
deflexão seja exclusivamente positiva,
chamamos “R puro”.
Em último caso (mas não infre-
quentemente), se tivermos um com-
plexo com uma onda positiva, segui-
da de uma deflexão negativa e mais
uma positiva, teremos que começar
o complexo pela letra “r”. A deflexão
negativa será chamada de “s”. A ter-
ceira deflexão positiva, seguindo o
Papel milimetrado: cada milímetro ou quadradinho corresponde a
alfabeto, não pode chamar-se “T”,
0,1mV e 40ms (0,04 segundos). Cada quadradão, portanto, corresponde
pois essa significa a repolarização
então a 0,5mV e 200ms.
ventricular. Então, a saída foi chamar
de R’ (lê-se erre linha): complexo rsR’,
típico do bloqueio de ramo direito Já vimos o que significam as deri-
em V1. Veja o resumo dessas deno- vações: são uma espécie de olho ou
minações na Figura 8. câmera que enxergam aquilo que está

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CAPÍTULO 1

na sua frente. Mas elas têm um filtro: O ECG padrão conta com 12 deriva-
não enxergam movimento, não en- ções, sendo seis periféricas (D1, D2, D3,
xergam infravermelho; elas enxergam aVR, aVF e AVL) e seis precordiais (V1, V2,
uma diferença de potencial (ou volta- V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o cora-
gem). Se uma diferença de potencial é ção através de um ponto de vista diferen-
criada com um vetor que vai de encon- te: as derivações periféricas, por exemplo,
tro àquela derivação, a caneta do ele- enxergam se o estímulo elétrico vai para
trocardiógrafo irá desenhar algo para cima ou para baixo e para a esquerda ou
cima no papel (positivo). Se o vetor para direita, mas não se anterior ou pos-
fugir da derivação, a caneta desenha- teriormente; já as derivações precordiais
rá algo negativo (para baixo) no papel. enxergam se o estímulo vai para frente e
Também obedecerá à voltagem e ao para trás, para a esquerda e para a direita,
tempo de ativação. Se fugiu 0,5mV, mas não se superior ou inferiormente. Por
teremos uma deflexão negativa com isso, para avaliar um eletrocardiograma, o
amplitude de 5 quadradinhos (ou 1 profissional experiente avalia as 12 deri-
quadradão). Se essa atividade durou vações em conjunto. E em algumas situa-
80ms, então teremos uma deflexão ções clínicas, usamos até 18 derivações,
que durará 2 quadradinhos. ou até inventamos uma (18).

Tabela 1 - Correto posicionamento de eletrodos em eletrocardiografia.

Eletrodo Posição
Eletrodo amarelo Braço esquerdo

Eletrodo verde Perna esquerda

Eletrodo vermelho Braço direito

Eletrodo preto Perna direita

V1 4º EIC. Para-esternal à direita

V2 4º EIC. Para-esternal à esquerda

V3 Entre V2 e V4

V4 5º EIC. Linha médio-clavicular esquerda

V5 Entre V4 e V6

V6 5º EIC, Linha axilar média

V7 Entre V6 e V8

V8 Inferior à ponta da escápula

V9 Medial a V8

V3R Entre V1 e V4R

V4R 5º EIC. Linha médio-clavicular direita

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INTRODUÇÃO AO ECG

Elas são dispostas pelo corpo do em prontos-socorros de Cardiologia a


paciente de maneira a obter êxito em solicitação de um “eletrocardiograma
um objetivo: o de registrar no papel a de 17 derivações”. Nele estão inclusas
atividade elétrica do coração, na tenta- as derivações V7, V8 e V9, V3R e V4R
tiva de capturar a maior área possível (Figuras 10, 11 e 12). O motivo da so-
– lembre-se da “Dama del paráguas”. licitação destas derivações é aumentar
A localização exata dos eletrodos a área vista por esses olhos ou câmeras
onde vamos plugar essas derivações, que são as derivações.
portanto, é de fundamental impor- No capítulo 5, revisaremos o que
tância para um eletrocardiograma de acontece quando há troca de eletro-
qualidade. Reveja na Figura 10 e Tabe- dos ou quando qualquer outro artefa-
la 1. Você viu que podemos ter quan- to influencia na correta realização do
tas derivações quisermos. É clássico exame.

Figura 10 - Posicionamento correto das derivações em plano horizontal: V1 e V2 no quarto


espaço intercostal, sendo V1 vizinho ao esterno à direita e V2 vizinho ao esterno à esquerda.
V3 fica no meio do caminho entre V2 e V4. V4, V5 e V6 ficam no quinto espaço intercostal.
Elas devem ser dispostas de tal maneira que V6 deve estar na linha médio-axilar.

Um erro bastante comum na preparação para a obtenção de um eletrocardiograma de 12 derivações é o posicionamento de V1 e V2 no segundo espaço
intercostal. Como você reparou no texto, essas derivações do plano horizontal não são capazes de perceber se um estímulo está vindo de cima ou de
baixo, portanto, a localização deles em um espaço intercostal diferente do preconizado pode levar a uma interpretação errada.

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CAPÍTULO 1

Figura 11 - Na mesma altura de V6, coloca-se V7, V8 e V9, sendo que


V8 fica no plano da ponta da escápula.

Figura 12 - Para o posicionamento de V3R e V4R, deve-se imaginar


que foi colocado um espelho no esterno do paciente. No mesmo
local onde deve ficar V3 à esquerda, fica V3R à direita, idem com V4

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INTRODUÇÃO AO ECG

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ECG Completo.indb 29 26/08/2019 09:26:24


CAPÍTULO 1

17. Goldberger E. A simple, indifferent, electrocardiographic electrode of zero potential and a tech-
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18. Alencar Neto JN de. Eletrocardiograma: do internato à cardiologia. 1st ed. São Paulo: Porto de
Ideias; 2016.

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ECG Completo.indb 30 26/08/2019 09:26:24

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