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Blindagem coronorradicular simultânea em Endodontia:


do preparo radicular à restauração coronária

José Edgar VALDIVIA1


Manoel Eduardo de Lima MACHADO2

DOI: http://dx.doi.org/10.14436/2358-2545.7.1.032-042.oar

RESUMO ultrassônico do espaço para retentor visando a cimentação


intrarradicular do pino de fibra de vidro, concluindo com a
Introdução: a restauração do dente tratado endodontica- restauração funcional do dente tratado, considerando as-
mente apresenta-se como um fator que pode influenciar de pectos clínicos, mecânicos e biológicos do dente tratado
forma significativa no sucesso do tratamento. Nesse con- endodonticamente. Resultados: nos controles clínicos
texto, a restauração simultânea tanto radicular quanto co- e radiográficos, foi possível observar que ambos os casos
ronária se apresenta como uma possibilidade restauradora. clínicos encontravam-se assintomáticos, em oclusão e com
Uma excelente alternativa é a utilização de pinos de fibra reparação das lesões perirradiculares. Conclusões: po-
de vidro associados a restaurações diretas em resina com- de-se concluir que essa técnica permite uma adequada
posta, principalmente pelas propriedades mecânicas e es- restauração do dente tratado endodonticamente de forma
téticas dos pinos de fibra associados às resinas compostas simultânea em uma única sessão de tratamento, como foi
atuais. Objetivo: o objetivo desse trabalho foi apresentar, possível observar nos casos apresentados.
por meio de casos clínicos, uma técnica de instrumenta-
ção e restauração simultânea do sistema de condutos ra- Palavras-chave: Endodontia. Pinos dentários. Resinas
diculares, que engloba desde o diagnóstico endo-restau- compostas. Preparo de canal radicular. Técnica para retentor
rador, o preparo mecanizado do canal radicular, preparo intrarradicular.

Como citar este artigo: Valdivia JE, Machado MEL. Simultaneous crown-root » Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de proprie-
shielding in endodontics: from root preparation to coronary restoration. Dental dade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e
Press Endod. 2017 Jan-Apr;7(1):32-42. companhias descritos nesse artigo.
DOI: http://dx.doi.org/10.14436/2358-2545.7.1.032-042.oar
» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previa-
mente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

1
Professor assistente dos cursos de especialização em Endodontia da APCD Central, São Recebido: 02/06/2016. Aceito: 17/01/2017.
Paulo/SP. Mestrando em Dentística pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São
Paulo, FOUSP (São Paulo/SP, Brasil).
2
Professor coordenador dos cursos de especialização Endodontia da APCD Central, São
Endereço para correspondência: José Edgar Valdivia
Paulo/SP. Professor Doutor em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade
de São Paulo, FOUSP (São Paulo/SP, Brasil). Rua Antônio Tavares 300 - Aclimação, São Paulo - Brasil
E-mail: jedgar30@usp.br

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Introdução cimentos resinosos facilitam o preenchimento da cavida-


A restauração de dentes tratados endodonticamente de com qualidade, resistência mecânica e com rapidez em
causa discussões entre clínicos e pesquisadores, e carac- poucos incrementos11.
teriza-se pela falta de um protocolo clínico padronizado. Na porção coronária do núcleo de preenchimento, a
Atualmente, a Odontologia tem se preocupado em defi- restauração definitiva é outro componente importante na
nir qual a técnica mais indicada para a restauração dos reconstrução final, tanto morfológica quanto esteticamen-
dentes despolpados. Tais elementos merecem um cuidado te. De fato, as resinas compostas atuais, no quesito estética
especial devido à sua menor resistência mecânica, quando e resistência mecânica, são uma ótima opção para restau-
comparados a dentes com vitalidade pulpar1. rações diretas ou como base para a futura coroa protética.
A preservação de um maior volume de dentina, tecido Existem vários materiais e várias técnicas para restau-
estrutural do dente e que confere resistência elástica ao ração do dente tratado endodonticamente; porém, o que
elemento dentário, deve ser objetivo de todo tratamento. não se questiona é a necessidade de se confeccionar uma
A substituição dessa dentina radicular perdida, por meio restauração que propicie o restabelecimento das funções
de pinos intrarradiculares e materiais resinosos, possibilita desse elemento dentário. É fundamental ter em mente que
uma reabilitação adequada do dente tratado endodontica- nenhum material restaurador substitui o tecido dentário
mente. Assim, a combinação adequada desses materiais com a mesma eficiência, o que nos obriga a selecionar
possibilita ao profissional realizar restaurações com des- uma técnica que seja, além de tudo, conservadora para a
gaste mínimo de estrutura dentária e sucesso clínico2. estrutura dentária remanescente e um material que seja
No que se refere à restauração “ideal”, não há consen- biocompatível, funcional e que forneça estética12.
so clínico nem científico para todos os casos3,4,5 quanto à Esse trabalho teve por objetivo apresentar, mediante
decisão da colocação de uma coroa completa, restaura- casos clínicos, o conceito BCR (blindagem coronorradicu-
ções indiretas, overlay, onlay, inlay ou restauração direta. lar simultânea), que é uma técnica de preparo e restaura-
Aspectos importantes devem ser considerados na res- ção simultânea tanto do sistema de condutos radiculares
tauração do dente portador de tratamento endodôntico, quanto coronária. Trata-se de uma preparo biomecânico
como a quantidade de remanescente dentário coronário planejado visando a instalação imediata de um retentor
cervical6, oclusão funcional, forças axiais, laterais, de ci- intrarradicular de fibra de vidro, concluindo com a restau-
salhamento entre outros7. Todos esses fatores são funda- ração definitiva do dente tratado endodonticamente, com
mentais para uma adequada restauração tanto coronária materiais resinosos, considerando-se aspectos clínicos,
quanto radicular. Ray et al.8 correlacionaram o sucesso mecânicos e biológicos do dente.
de uma adequada restauração coronária com o sucesso
do tratamento endodôntico. Relato de caso clínico
No que se refere à estrutura radicular, os pinos de Descrição do caso clínico 1
fibra de vidro apresentam rigidez muito semelhante à Paciente de sexo feminino, apresentou-se à consul-
dentina, absorvendo as tensões geradas pelas forças ta com incômodo no primeiro molar inferior esquerdo.
mastigatórias e protegendo o remanescente radicular, Ao exame clínico, observou-se uma restauração extensa e,
pois possibilitam a construção de uma unidade meca- radiograficamente, a presença de uma lesão apical exten-
nicamente homogênea9. sa nos condutos mesiais e distal, caracterizando um qua-
Na interface pino/restauração morfológica do dente dro de periodontite apical crônica (Fig. 1).
tratado, será inserido o núcleo de preenchimento em re- Após uma criteriosa avaliação do caso, consideran-
sina composta, que tem como finalidade reconstituir ele- do-se o diagnóstico, remanescente dentário e a neces-
mentos dentários que tiveram perda de dentina estrutural, sidade de tratamento tanto endodôntico quanto restau-
estando associados a pinos intrarradiculares. Essa recons- rador, foi assim planejado o tratamento endodôntico e a
trução é importante, não somente no intuito de prover blindagem coronorradicular simultânea.
sustentação e retenção para o material restaurador direto Antes de começar o tratamento, selecionou-se o diâ-
ou indireto, mas também na distribuição mais homogenea- metro do pino, de acordo com a anatomia radicular do
mente das tensões ao redor do remanescente dentário10. dente em questão — nesse caso, o conduto distal, que iria
Nesse contexto as resinas atuais, resinas bulk fill flow ou receber o pino de fibra de vidro.

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Iniciou-se, assim, o isolamento do campo operatório Em seguida, procedeu-se com o condicionamento


e a cirurgia de acesso ao sistema de condutos radicula- da cavidade radicular e coronária com gel de ácido fos-
res. Após preparo da entrada dos condutos, foi realizada fórico a 37% (Condac 37 FGM, Joinville/SC) durante 15
a odontometria com um localizador foraminal Propex segundos (Fig. 6), lavou-se abundantemente com água
Pixi (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça). e o conduto foi seco. Logo em seguida, aplicou-se o sis-
Em seguida, realizou-se o preparo químico–cirúrgi- tema adesivo (Ambar FGM, Joinville/SC), por meio de
co (PQC) da seguinte maneira: aplicadores extrafinos (Cavibrush FGM, Joinville/SC)
» Nos condutos mesiais, foi realizado o PQC com em todas as áreas condicionadas. Com a finalidade de
as limas Wave One primary e large (Dentsply-Maillefer, condicionar o pino, aplicou-se silano (Prosil, FGM, Join-
Ballaigues, Suíça). ville/SC) nele e aguardou-se um minuto.
» Para o conduto distal, o PQC foi realizado alter- Como material de cimentação do pino de fibra de
nando as limas reciprocantes com a broca Gates-Gli- vidro, foi inserido no canal o cimento resinoso dual
dden (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça) e o inserto Allcem Core (FGM, Joinville/SC) e o pino foi posiciona-
ultrassônico POST PREP (Trinks, São Paulo, SP), consi- do no comprimento (Fig. 7) e fotopolimerizado durante
derando-se o comprimento real de trabalho (CRT) e o 40 segundos. Cabe ressaltar que esse cimento, por suas
comprimento de trabalho para o retentor (CR), que vem propriedades mecânicas, serve como núcleo de preen-
a ser o CRT menos 5mm. chimento cavitário.
Foi realizado o acesso apical com a lima Wave One Finalmente, realizou-se a restauração definitiva em
primary (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça) no CRT. resina composta (Opallis, FGM, Joinville/SC) (Fig. 8) e
Em seguida, foi realizado o preparo com a lima Wave foi feita uma radiografia periapical do dente (Fig. 9).
One large (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça) no No controle radiográfico aos 24 meses, observou-se
CRT (Fig. 2), alternando-a com as brocas Gates-Gli- reparo da lesão perirradicular (Fig. 10), o paciente en-
dden II (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça) no CR contrava-se assintomático, com o dente em oclusão e
(Fig. 3). O inserto ultrassônico POST PREP (Trinks, São corretamente restaurado.
Paulo/SP) foi inserido no CR com a finalidade de deixar
o leito preparado para o pino de fibra de vidro Reforpost
I (Angelus, Londrina/PR). Nesse momento, se realiza a
prova do pino, tanto visual quanto tátil, para conferir sua
adaptação no leito preparado.
Durante o preparo, foi realizada irrigação abundan-
te com hipoclorito de sódio a 2,5% (Fórmula e Ação,
São Paulo/SP). Em seguida, foi realizada a prova do
cone de guta-percha, e realizado o protocolo de irriga-
ção final, alternando NaOCl e EDTA (Fórmula e Ação,
São Paulo/SP).
Após a irrigação final, realizou-se a obturação dos
condutos radiculares pela técnica de onda continua
de condensação vertical com o aparelho System B
(SybronEndo, Orange, CA, EUA) e o cimento endo-
dôntico de eleição foi Ah Plus (Dentsply-Maillefer,
Ballaigues, Suíça). Nos condutos mesiais, foram
inseridos os cones de guta-percha Wave One large
(Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça). No conduto
distal, foi posicionado o cone R50 (VDW-GmbH,
München, Alemanha) (Fig. 4) e deixou-se somente
o terço apical obturado (CRT – 5mm), comprovado Figura 1. Radiografia de diagnóstico, na qual observa-se uma extensa
radiograficamente (Fig. 5). lesão perirradicular.

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Figura 2. Lima Wave One large (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça) Figura 3. Broca Gates-Glidden II (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça)
realizando o preparo químico-cirúrgico. realizando o preparo inicial do leito para o pino de fibra de vidro.

Figura 4. Calcador de Schilder realizando a compactação vertical da Figura 5. Radiografia da obturação apical, na qual pode-se observar a
guta-percha previamente aquecida. obturação somente do terço apical (CRT – 5mm), pois nos terços médio
e cervical seria cimentado o retentor intrarradicular.

Figura 6. Condicionamento da dentina e esmalte com ácido fosfórico Figura 7. Observa-se o pino de fibra de vidro Reforpost I (Angelus, Lon-
na concentração de 37% (Condac 37 FGM, Joinville/SC). drina/PR) cimentado no conduto distal.

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Figura 8. Restauração definitiva em resina composta (Opallis, FGM, Figura 9. Radiografia perirradicular final, onde observa-se um tratamen-
Joinville/SC). to endodôntico adequado, ótima adaptação do pino intrarradicular e um
excelente selamento do material restaurador definitivo.

Considerando-se a necessidade de retratamento


endodôntico, de um novo retentor intrarradicular e
uma coroa protética, foi planejada com o protesista
a reintervenção simultânea (BCR). Antes de começar
o tratamento, selecionou-se o pino de fibra de vidro
que seria instalado no conduto palatino.
A coroa protética e o núcleo metálico foram re-
movidos por meio de desgaste com brocas transme-
tálicas e insertos ultrassônicos. Logo iniciou-se o iso-
lamento do campo operatório e os condutos foram
desobturados com as limas Protaper Desobturação
(Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça).
Procedeu-se, então, o preparo químico-cirúrgico
(PQC) da seguinte maneira:
Figura 10. Radiografia de controle aos 24 meses, onde é possível ob- » Nos condutos mesiais, foi realizado o PQC com
servar reparação óssea perirradicular.
as limas Wave One large (Dentsply-Maillefer, Ballai-
gues, Suíça).
» Para o conduto palatino, foi realizado o preparo
com as limas reciprocantes Wave One large (Dentsply-
-Maillefer, Ballaigues, Suíça) e R50 (VDW-GmbH, Mün-
chen, Alemanha) no CRT, alternando-a com as brocas
Descrição do caso clínico 2 Gates-Glidden II (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça)
Paciente de sexo masculino apresentou-se à con- no CR. O inserto ultrassônico POST PREP (Trinks, São
sulta com forte dor pulsátil no primeiro molar supe- Paulo/SP) foi inserido no CR com a finalidade de deixar
rior esquerdo. Ao exame clínico, observou-se a pre- o leito preparado para o pino de fibra de vidro Refor-
sença de uma coroa protética; radiograficamente, a post® II (Angelus, Londrina/PR). Nesse momento, se
presença de um núcleo metálico, tratamento endo- realizou a prova do pino, tanto visual quanto tátil, para
dôntico insatisfatório e lesão apical na raiz mesial, checar sua adaptação ao leito preparado.
caracterizando um quadro de periodontite apical Durante o preparo, foi realizada abundante irri-
aguda (Fig. 11, 12). gação com hipoclorito de sódio a 2,5% (Fórmula e

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Ação, São Paulo/SP). Em seguida, foi realizada a pro- Como material de cimentação dos pinos de fibra
va do cone de guta-percha, e realizado o protocolo de vidro, foi inserido no interior dos condutos o ci-
de irrigação final alternando NaOCl com EDTA (Fór- mento resinoso dual Rebilda (Voco GmbH, Cuxhaven,
mula e Ação, São Paulo/SP). Alemanha), que foi agitado por meio do EndoActi-
Após a irrigação final, realizou-se a obturação dos vator (Dentsply Tulsa Dental Specialities, Tulsa, OK,
condutos radiculares pela técnica de onda contínua EUA) (Fig. 15). O pino Reforpost® II (Angelus, Londri-
de condensação vertical, com o aparelho System B na/PR) foi posicionado no conduto palatino e pinos
(SybronEndo, Orange, CA, EUA); o cimento endo- acessórios, nos condutos vestibulares para, assim,
dôntico de eleição foi Ah Plus (Dentsply-Maillefer, realizar a fotopolimerização durante 40 segundos.
Ballaigues, Suíça). Nos condutos vestibulares, foram Cabe ressaltar que esse cimento, por suas proprieda-
inseridos os cones de guta-percha Wave One large des mecânicas, serve como núcleo de preenchimento
(Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça). No conduto pa- cavitário (Fig. 16).
latino, foi posicionado o cone R50 (VDW-GmbH, Mün- Logo após, procedeu-se a realização do munhão
chen, Alemanha) e deixou-se somente o terço apical coronário em resina composta (GrandioSO, Voco
obturado (CRT-5mm) (Fig. 13). Em seguida, realizou- GmbH, Cuxhaven, Alemanha) (Fig. 17, 18), a remo-
-se a qualificação dentinária (remoção da dentina ra- ção do isolamento, a radiografia final (Fig. 19), a con-
dicular superficial e restos de guta-percha que ficaram fecção da coroa provisória e o encaminhamento para
no espaço do retentor) com o inserto ultrassônico QL- o especialista em prótese.
F-D (Trinks, São Paulo, SP-Brasil) (Fig. 14). No controle radiográfico aos 36 meses, obser-
Em seguida, aplicou-se o sistema adesivo Futurabond® vou-se reparo da lesão perirradicular (Fig. 20), o pa-
U (Voco GmbH, Cuxhaven, Alemanha), por meio de apli- ciente encontrava-se assintomático, o dente em oclu-
cadores extrafinos Endo Tim (Voco GmbH, Cuxhaven, são e reabilitado com coroa protética.
Alemanha), em todas as áreas condicionadas.

Figura 11. Imagem clínica onde observa-se uma coroa protética no Figura 12. Radiografia de diagnóstico, na qual observa-se uma extensa
primeiro molar superior. lesão perirradicular na raiz mesial.

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Figura 13. Imagem clínica da obturação apical no conduto palatino, onde Figura 14. Qualificação dentinária realizada com inserto ultrassônico
pode-se observar a obturação somente do terço apical (CRT – 5mm), pois QLF-D (Trinks, São Paulo/SP), com o objetivo de remover a dentina
nos terços médio e cervical seria cimentado o retentor intrarradicular. degradada e restos de guta-percha que podiam ter ficado no conduto
palatino, favorecendo a adesão.

Figura 15. Ativação sônica do cimento resinoso, com o aparelho Endo- Figura 16. Cimentação do pino de fibra de vidro Reforpost® II (Angelus,
Activator (Dentsply Tulsa Dental Specialities, Tulsa, OK, EUA). Londrina/PR) no conduto palatino e dos pinos acessórios nos condutos
vestibulares.

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Figura 17. Confecção do núcleo de preenchimento em resina composta Figura 18. Remoção do isolamento absoluto e encaminhamento para
(GrandioSO, Voco GmbH, Cuxhaven, Alemanha) (munhão coronário), que a reabilitação.
seria a base estrutural para a futura coroa protética.

Figura 19. Radiografia perirradicular final, onde observa-se um trata- Figura 20. Radiografia de controle aos 36 meses, na qual é possível
mento endodôntico adequado, ótima adaptação do pino intrarradicular observar reparação óssea perirradicular.
e um excelente selamento do munhão coronário.

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Discussão condutos é outro fator que poderá levar ao fracasso19,20.


A literatura tem descrito que o dente tratado en- Ng et al.21, em sua meta-análise, comprovaram que a taxa
dodonticamente merece um cuidado especial em de sucesso composta por dentes que apresentaram res-
sua restauração. Um dente despolpado enfraquece taurações satisfatórias é maior do que a de dentes que ti-
devido a uma alteração biomecânica, pois ele sofreu nham restaurações de má qualidade21.
uma modificação em sua arquitetura e morfologia, Pinos intrarradiculares de fibra de vidro são ampla-
tornando-se mais frágil devido à perda de estrutu- mente utilizados para a restauração dos dentes trata-
ra dentária por cárie, fraturas, preparação cavitária, dos endodonticamente quando não há estrutura dentá-
além do acesso e instrumentação excessiva do ca- ria suficiente para reter uma restauração definitiva22, e
nal radicular13. As orientações para a restauração dos tornaram-se mais populares pelos resultados estéticos
dentes com tratamento endodôntico são, por vezes, satisfatórios, pois possuem propriedades ópticas van-
controversas. Existem alguns critérios a se considerar tajosas em relação aos sistemas de metal23. Os pinos
para a indicação de certos procedimentos restaura- de fibra de vidro apresentam módulo de elasticidade
dores ou protéticos. No entanto, não há estudos que semelhante ao da dentina, absorvendo as tensões ge-
apontem critérios bem definidos para todos os casos, radas pelas forças mastigatórias e protegendo o rema-
devido à grande variedade de casos e situações nas nescente radicular, pois formam uma unidade mecani-
quais os dentes são submetidos14. Essa falta de con- camente homogênea24. Vale ressaltar que o uso direto
senso, com base em evidências científicas sobre as desses pinos dispensa etapas laboratoriais. Segundo
indicações propostas, muitas vezes limita os clínicos Assif et al.25, núcleos metálicos fundidos não atendem
a decidirem por uma ou outra opção. às necessidades dos dentes despolpados, pois são fei-
Os pinos metálicos fundidos associados a coroas tos com metais que possuem um alto módulo de elas-
protéticas são, sem dúvida, os mais tradicionalmen- ticidade, podendo induzir, portanto, um elevado índice
te utilizados no processo de restauração de dentes de fraturas radiculares. Sabe-se que pinos endodônti-
tratados endodonticamente. No entanto, esses pinos cos não aumentam a resistência da estrutura dentária
apresentam a desvantagem de sua cor ser prateada. remanescente nos dentes tratados endodonticamen-
Outro fator é o maior número de sessões necessárias te26. Pelo contrário, de acordo com o desenho do pino,
para sua confecção, quando comparado com o tem- esses podem enfraquecer a raiz em relação à quantida-
po utilizado com um pino pré-fabricado. Nos casos de de dentina removida durante a preparação. No mes-
aqui descritos, mostrou-se a importância de uma téc- mo sentido, pinos cônicos têm uma configuração que
nica aplicável no contexto atual, sendo uma opção é compatível com o preparo cônico do canal radicular
viável na reabilitação imediata de dentes tratados após a instrumentação e, dessa forma, permitem uma
endodonticamente, de forma minimamente invasiva, adequada preservação da estrutura radicular do dente,
associando-se pinos de fibra a restaurações diretas especialmente na região apical.
em resina composta. Essa associação representa Sem dúvida, um dos objetivos restauradores do
uma excelente alternativa, principalmente pelas boas tratamento endodôntico é a conservação de dentina
propriedades mecânicas e estéticas dos pinos de fi- radicular e a adaptação do pino ao interior do ca-
bra de vidro e das resinas compostas atuais15. nal, independentemente da anatomia radicular. Nesse
A microinfiltração coronária pode produzir penetra- artigo, mostrou-se uma técnica planejada de instru-
ção bacteriana para o interior dos condutos radiculares16. mentação visando a instalação de um futuro retentor
Sem uma vedação adequada, o sucesso em longo prazo intrarradicular. O uso alternado do inserto ultrassô-
do tratamento endodôntico ainda permanece questioná- nico POST PREP, inserido durante a instrumentação
vel17,18, e a falha em manter o selamento coronário pode do conduto radicular, visou preparar o leito radicular
expor os canais obturados aos microrganismos do meio onde se cimentaria o pino intrarradicular. O uso da
bucal. Essas bactérias podem iniciar e manter o processo ponta QLF-D permite uma qualificação dentinária,
inflamatório dos tecidos perirradiculares denominado pe- que consiste na remoção da dentina radicular superfi-
riodontite apical. Por outro lado, a suscetibilidade à fratura cial, restos de guta-percha que podem ficar na parece
coronária e, consequentemente, infiltração bacteriana nos do conduto e irregularidades — lembrando-se que a

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utilização de cimentos resinosos para a cimentação preenchimento para a futura coroa protética. Além dis-
dos pinos de fibra de vidro requer as paredes den- so, vale ressaltar que, no caso clínico 1, esse conjunto
tinárias preparadas, para formação da capa híbrida, restaurador poderia funcionar, futuramente, como nú-
assim favorecendo o mecanismo de embricamento cleo para a confecção de coroa unitária, de acordo com
do sistema adesivo nas paredes radiculares27,28. as necessidades restauradoras do paciente.
Cabe ressaltar, nesse contexto, que a grande van- Em ambos os casos, observou-se radiograficamente
tagem do endodontista em realizar procedimentos o extravasamento de cimento endodôntico na região
restauradores intrarradiculares é que esse especialista periapical. Deve-se considerar que o extravasamento
está familiarizado com o sistema de condutos radi- de cimento endodôntico nessa região, independente-
culares e pode realizar preparos para retentores com mente de sua composição, é um irritante aos tecidos
base na anatomia radicular de cada caso, com o uso periapicais, e pode causar inflamação de maior porte
de isolamento absoluto, assim mantendo a cadeia as- ou promover necrose tecidual de maior extensão nes-
séptica e evitando uma contaminação dos condutos sa área. Assim, todo o tratamento endodôntico seria
radiculares pela saliva. Por outro lado, o fato de usar prejudicado e, como consequência, a capacidade de
isolamento absoluto elimina a umidade e fluidos do reparação da região periapical poderia sofrer interfe-
meio bucal que podem prejudicar a adesão29. rências significativas30. Nos controles radiográficos em
Na interface pino/restauração morfológica do dente ambos casos, observou-se reabsorção do cimento en-
tratado, seria realizado o núcleo de preenchimento em dodôntico e reparação das rarefações apicais, o que
resina composta, que tem como finalidade reconstruir deixa evidente que o extravasamento, nesses casos,
elementos dentários que tiveram perda estrutural, es- não prejudicou no sucesso do tratamento.
tando associado a pinos intrarradiculares. Essa recons- Um grande número de artigos científicos e clíni-
trução é importante não somente no intuito de prover cos têm sido publicado, discutindo os benefícios dos
sustentação e retenção para o material restaurador dire- pinos de fibras e materiais adesivos. A divulgação de
to ou indireto, mas também na distribuição das tensões casos clínicos que descrevam técnicas e que demons-
de forma mais homogeneamente ao redor do remanes- trem longevidade dos seus resultados é de fundamen-
cente dentário. Vários materiais têm se mostrado efica- tal importância para a credibilidade e segurança para
zes na construção de núcleos de preenchimento, como os profissionais que irão usar esses sistemas.
amálgama, resina composta ou cimento de ionômero
de vidro, os quais têm sido largamente descritos na li- Conclusão
teratura10. Com a evolução das características ópticas Conclui-se que a técnica de preparo apresentada,
e mecânicas das resinas compostas, tem-se uma maior em conjunto com os materiais restauradores atuais
previsibilidade das restaurações de dentes tratados en- e um bom planejamento endo-restaurador, permite
dodonticamente. No primeiro caso clínico apresentado, uma adequada restauração do dente simultaneamen-
o uso da resina composta associada aos pinos intrar- te ao tratamento endodôntico. A visão da Endodontia
radiculares possibilitou a recuperação da função e da no que se refere ao preparo e à restauração tanto ra-
estética, que foram perdidas pela presença das cáries, dicular quanto coronária, sempre que possível, pode
com um mínimo de desgaste dentário. Já no segundo ser considerada uma abordagem para reabilitação de
caso clínico, permitiu a confecção de um núcleo de dentes tratados endodonticamente.

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Referências

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