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TRANSTORNOS ALIMENTARES
SOB A PERSPECTIVA
DA ANÁLISE
DO COMPORTAMENTO*
O
comportamento alimentar é considerado adequado quando cumpre o seu objetivo
de suprir o organismo de nutrientes necessários para manutenção das funções
vitais. Se assim, o alimento tem função tanto nutricional quanto emocional e
social, logo, é fator concorrente para a qualidade de vida. Por outro lado, quando o padrão
alimentar não atende a essas funções, quer pelo excesso (e.g., compulsão alimentar), quer
pela insuficiência (e.g., restrição alimentar), depara-se com os comportamentos-problema,
nomeados como transtornos alimentares (NÓBREGA; BUENO, 2014).
De acordo com o DSM-5 (APA, 2013), os transtornos alimentares são carateriza-
dos por uma persistente perturbação na rotina alimentar, isto é, alteração de comportamentos
relacionada à alimentação que resulta na alteração do consumo ou na absorção de alimentos,
e que prejudica de forma relevante a saúde física ou o funcionamento psicológico da pes-
[...] a verdadeira estrutura genética das células pode mudar como resultado da aprendi-
zagem se os genes que estiverem inativos ou dormentes interagirem com o ambiente de
tal maneira que se tornam ativos. [...] o ambiente pode ativar certos genes. É possível
que esse tipo de mecanismo leve a mudanças no número de receptores na extremidade
de um neurônio, que, por sua vez, afetaria o funcionamento bioquímico do cérebro
(BARLOW; DURAND, 2008).
ANOREXIA NERVOSA
BULIMIA NERVOSA
Conforme descrito por Vale e Elias (2011), o termo bulimia é originário de duas pa-
lavras gregas bous (boi) e limos (fome), correspondendo à expressão fome bovina, ou tamanha
fome capaz de levar alguém a comer um boi (CORDÁS; CLAUDINO, 2002). Desse modo, a
bulimia nervosa se caracteriza por um padrão de comportamento de restrição alimentar, entre-
tanto de pouca eficácia, visto que é seguido por episódios de excessos de ingestão alimentar que,
normalmente, precedem comportamentos de compensação (VALE; ELIAS, 2011).
A bulimia nervosa é descrita pelo DSM-5 (APA, 2013) quando o indivíduo apre-
senta: (a) episódios recorrentes de compulsão alimentar, ou seja, comer em um período li-
mitado de tempo (e.g., dentro de um período de 2 horas), um montante de comida que é
definitivamente maior do que o que a maioria das pessoas iria comer em um período de
tempo semelhante, sob condições semelhantes. Assim como apresentar a falta de controle
sobre o comer durante o episódio (e.g., sensação de que não poder parar de comer ou de não
controlar o que ou o quanto está comendo). (b) Apresentar alta frequência de comportamen-
tos compensatórios inadequados para prevenir o ganho de peso (e.g., vômitos autoinduzidos,
uso indevido de laxantes, diuréticos ou outros medicamentos, jejuns ou exercícios excessivos).
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Apresentar também a (c) compulsão periódica, seguida por comportamentos compensatórios
inadequados, que ocorrem, em média, pelo menos uma vez por semana, durante 3 meses.
Apresentar (d) autoavaliação indevidamente influenciada pela forma e pelo peso corporais e a
(e) perturbação não ocorrer exclusivamente durante os episódios de anorexia nervosa.
Para a Análise do Comportamento, a compreensão dessa classe de comportamentos
deve se pautar pela análise das variáveis externas às quais eles possam estar relacionados. Por
exemplo, entre os ocidentais contemporâneos é convencionado que a magreza é um atributo
essencial de beleza e de sucesso. Com o propósito de alcançar essas consequências reforçadoras
(e.g., ser considerado(a) belo(a); ser considerado(a) uma pessoa de sucesso), muitas pessoas,
em sua maioria mulheres, se engajam em dietas diversas, que nem sempre trazem resultados
satisfatórios. Logo, a bulimia nervosa emerge como um subproduto dessa exigência cultural
(COELHO-MATOS; COSTELINI; PITELLI, 2009).
Conforme descrito na literatura, as pessoas mais vulneráveis a desenvolverem esse
comportamento-problema são aquelas que apresentam repertório comportamental restrito,
baixa competência social e que, portanto, associam erroneamente a ideia do corpo perfeito
ao sucesso profissional, afetivo, social, acadêmico etc. (COELHO-MATOS; COSTELINI;
PITELLI, 2009; D’ASSUNÇÃO; D’ASSUNÇÃO, 2001; OLIVEIRA; BUENO, 2009). Por
sua vez, por apresentarem pouco comportamento eficiente, gerador de consequências reforça-
doras, essas pessoas estão mais propensas a desenvolverem outros comportamentos-problema,
como as respostas próprias de depressão (OLIVEIRA; BUENO, 2009). Então, ao considerar
a contínua interação entre o comportamento e o ambiente, a pessoa que apresenta bulimia
nervosa, ao perder constantemente o controle sobre o comportamento de comer – perda de
controle essa que, na maioria das vezes tem como agente causador o comportamento de fuga/
esquiva de alguma contingência aversiva – provavelmente emitirá mais autoavaliações nega-
tivas, o que colaborará para que ela se esquive do convívio social, de forma semelhante como
ocorre com quem apresenta anorexia nervosa (COELHO-MATOS; COSTELINI; PITELLI,
2009). O comer compulsivo pode também estar relacionado à obesidade.
A obesidade não está incluída entre os transtornos alimentares descritos pelo DSM-
5 (APA, 2013), mas como uma doença crônica relacionada a diversos fatores (e.g., comporta-
mento alimentar compulsivo, transtorno depressivo, problemas hormonais etc.). E é definida
basicamente pelo excesso de gordura corporal. Nesse sentido, a grande preocupação dos di-
versos órgãos de saúde está relacionada ao excesso de peso, que torna os indivíduos vulneráveis
a diversos problemas (e.g., diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, câncer e problemas
respiratórios). Isso em função de que a obesidade também pode prejudicar a qualidade de vida
de quem dela sofre, em virtude de favorecer a ocorrência de outros comportamentos-problema,
como a depressão e a esquiva social (ADES; KERBAUY, 2002).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é uma doença crô-
nica não transmissível (DCNT). Esse grupo de doenças, que inclui o tabagismo e as neopla-
sias (câncer) foi responsável por 72% dos óbitos no ano de 2007 no Brasil (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2013; SCHMIDT et al., 2011).
Com o objetivo de analisar a evolução temporal da situação nutricional dos bra-
sileiros, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou um levantamento
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de informações, por meio da Pesquisa dos Orçamentos Familiares dos brasileiros – POF –
2008/2009. Nesse documento foram comparadas pesquisas realizadas em períodos distintos,
a partir de 1974, a saber, 1974-1975, 1989, 2002-2003 e 2008-2009. Ao confrontar os
resultados da primeira pesquisa com os dados da última, estes apontaram para o aumento do
percentual tanto de pessoas com excesso de peso quanto de pessoas obesas. Entre homens esse
valor saltou de 18,5% para 50,1%, e entre as mulheres de 28,7% para 48%. Em relação aos
índices de obesidade, observou-se evolução de 2,8% para 12,4% entre a população masculina
e de 8% para 16,9% entre a população feminina (IBGE, 2010).
Ao se analisar as transformações sociais ocorridas no Brasil nesse período, observa-se
que a população deixou de ser predominantemente rural para se tornar cada vez mais urbana.
Por sua vez, o trabalho tornou-se mais sedentário, graças ao desenvolvimento tecnológico que
automatizou, em grande parte, as atividades que exigiam esforço físico. Nesse contexto, a oferta
de alimentos altamente calóricos tornou-se muito frequente nas cidades. Essa mudança propi-
ciou a substituição da alimentação padrão dos brasileiros que, até então, era à base de grãos e de
cereais, por alimentos ricos em gordura e açúcares (MACEDO; ESCOBAL; GOYOS, 2011)
que constituíram um novo padrão: o padrão alimentar industrializado.
Para Macedo, Escobal e Goyos (2011), essas transformações no estilo de vida de pes-
soas residentes nos países ocidentais, aliada à crescente busca por medicamentos inibidores de
apetite, e até por cirurgias bariátricas, denunciam a incipiência de intervenções eficazes para dar
conta desse problema de saúde tão intrinsecamente relacionado à vida contemporânea, que se
torna mais evidente a cada década e que tende a piorar segundo as previsões estatísticas.
Conforme apontado por Ades e Kerbauy (2002), desde a década de 1990 já se ad-
mitia a multiplicidade de fatores favorecedores da obesidade. Entre esses fatores destacam-se
a falta de exercício, a quantidade e qualidade de alimentos ingeridos e os padrões compor-
tamentais alimentares. Para Macedo, Escobal e Goyos (2011), as causas endógenas para o
ganho de peso, como problemas hormonais, são pouco representativas. Dito de outro modo,
ainda que influenciado por questões genéticas, é o comportamento impulsivo de comer que,
inegavelmente, levará alguém a se tornar obeso (MACEDO; ESCOBAL; GOYOS, 2011).
Martin e Pear (2009) advertem que o comportamento impulsivo se refere à emissão
de comportamentos controlados por reforçadores imediatos, quando a emissão de outros
comportamentos na mesma situação proporcionaria reforçadores a longo prazo, porém de
maior magnitude. Ferster, Nurenberger e Levitt (1962 apud HELLER; KERBAUY, 2000)
foram os analistas do comportamento pioneiros na investigação, descrição e intervenção do
comportamento alimentar impulsivo. Para esses autores, os comportamentos alimentares são
instalados no organismo por meio da aprendizagem. Assim o sendo, podem ser modificados
com o uso de técnicas de autocontrole. Comportamentos autocontrolados são, portanto,
respostas emitidas pelos indivíduos que têm a sua ocorrência controlada. Assim, o compor-
tamento de autocontrole é o oposto do comportamento impulsivo (HELLER; KERBAUY,
2000; MARTIN; PEAR, 2009).
Schachter e Gross (1968) desenvolveram um estudo com o objetivo de verificar
o efeito da manipulação do tempo sobre o comportamento de pessoas de peso normal e de
pessoas obesas. Os participantes foram divididos em dois grupos mistos (obesos e não obesos) e
receberam a informação de que participariam de um estudo para averiguar a relação entre rea-
ções fisiológicas e características psicológicas. Com essa finalidade, esses participantes fizeram
uso de eletrodos. Uma instrução foi-lhes repassada e cumprida: para evitar corrosão pelo ma-
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terial usado no instrumento de pesquisa, entregaram seus relógios de pulso. Os participantes
foram distribuídos em salas com relógios propositalmente grandes e visíveis. Para o primeiro
grupo (condição lenta), os relógios foram programados para marcar 15 minutos no período
verdadeiro de 30 minutos. Para o segundo grupo (condição rápida) o relógio foi manipulado
para passar 60 minutos durante o mesmo intervalo. Após essa etapa, o pesquisador entrava
na sala e deixava uma caixa de biscoitos com os participantes e questionários para que eles
respondessem. Passados 10 minutos, o pesquisador retornava à sala para recolher os biscoitos.
O objetivo da manipulação do tempo na condição lenta era o de induzir os participantes a
acreditarem que os biscoitos eram servidos antes da hora do jantar (tradicionalmente servido
às 18h). Para o outro grupo, objetivou-se fazê-los pensar que os biscoitos eram servidos pouco
depois do horário da referida refeição.
Os resultados demonstraram efeitos inversos da manipulação do tempo sobre a
ingestão de biscoitos pelos obesos e pelos não obesos. Os obesos, na condição rápida, ingeriram
aproximadamente duas vezes a quantidade de biscoitos ingerida pelos obesos na condição len-
ta (37,6 g/19,9 g). Por sua vez, entre os não obesos, na condição rápida, a ingestão de biscoitos
foi de menos que a metade da ingestão do grupo na condição lenta (16 g/41,5 g). Schachter e
Gross (1968) concluíram então que, estímulos normalmente inibidores do comer em pessoas
não obesas não controlam o mesmo comportamento nos obesos. Dessa forma, concluíram
os pesquisadores que o comportamento alimentar de pessoas obesas estaria mais sob o efeito
de estimulação externa (e.g., visão de alimentos, horários etc.) do que de estimulação interna
[e.g., estômago vazio] (HELLER; KERBAUY, 2000).
Uma classe de comportamentos-problema frequentemente apresentada por pessoas
obesas é a compulsão alimentar. Essa classe é descrita no DSM-5 como transtorno da com-
pulsão alimentar. Conforme postulado na edição atual do DSM-5 (APA, 2013), um episódio
de compulsão alimentar pode ser caracterizado por: (a) ingestão, em um curto período de
tempo de quantidade de alimento definitivamente maior do que a maioria das pessoas co-
meria no mesmo período de tempo e nas mesmas circunstâncias e (b) sensação de falta de
controle sobre o comportamento de comer durante o episódio. Para atender aos critérios do
transtorno da compulsão alimentar é necessário que sejam episódios recorrentes. Os episódios
de compulsão alimentar são seguidos por três ou mais dos comportamentos seguintes: (a)
comer muito mais rapidamente do que o normal; (b) comer até se sentir desconfortavelmen-
te cheio; (c) comer grandes quantidades de comida, mesmo sem estar com fome; (d) comer
sozinho, por se sentir constrangido com a quantidade de alimento ingerida; (e) sentir repulsa
por si, depressão ou muita culpa após o episódio. Além disso, é necessário (f ) haver a presença
marcante de angústia em relação à compulsão alimentar; (g) a compulsão alimentar acontece
em média, pelo menos uma vez por semana, em um período de três meses; e (h) a compul-
são alimentar não pode estar relacionada com a ocorrência recorrente de comportamentos
de compensação, como na bulimia nervosa e não ocorre exclusivamente durante o curso da
bulimia nervosa ou da anorexia nervosa.
O comportamento de comer excessivamente possui topografias diferentes do vo-
lume de alimentos ingeridos por um indivíduo. Martin e Pear (2009) definiram o excesso
comportamental como muito comportamento de determinado tipo. Dessa forma, além dessa
classe de resposta ser recorrente e persistente, o comer excessivo pode ser tanto na forma da
quantidade de caloria ingerida como na frequência em que ele ingere alimentos (NETO,
DALEFFE; BEZERRA, 2010).
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CONCLUSÃO
Abstract: Eating behavior is appropriate when nourishes the body to sustain life. When not answe-
ring to this function, faced with the so-called eating disorders, which are understood by the Beha-
vior Analysis as problem behaviors. The objective of this article is to discuss eating disorders as
behaviors controlled by the consequences. Thus, the control will occur through behavioral and
environmental modification.
Keywords:Eating Disorders. Eating Behavior as Operant Behavior. Behavior Change. Behavior
Modification. Behavior Analysis.
Referências