Informação e Redundância

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Informação e redundância.

Os Quadros da Incerteza∗
António Fidalgo
Universidade da Beira Interior

Índice O modelo cartesiano de conhecimento


também assenta na noção de certeza, visto
1 Informação e certeza 1 que só conhecemos verdadeiramente aquilo
2 Os bits de informação 2 de que temos a certeza absoluta, de que de
3 A redundância necessária 4 todo não podemos duvidar. A intelecção
4 A redundância desejável 6 fundamental de Descartes é justamente a de
5 Os quadros variáveis da redundância 8 que o “cogito” é a base sólida da ciência en-
quanto edifício de conhecimento verdadeiro
1 Informação e certeza e de que essa primeira certeza é modelo,
critério e pedra de toque de todos os outros
Os dois conceitos fundamentais da Teo- conhecimentos posteriores. O que caracte-
ria Matemática da Comunicação, proposta riza a certeza e verdade do “cogito” são a
por Shannon e Weaver, a saber, informação clareza e a distinção da percepção em que
e redundância, são definidos mediante um é dado, pelo que todas as percepções claras
conceito filosófico de larga tradição, o con- e distintas podem e devem ser acrescentadas
ceito de certeza. É sabido que a teoria ao núcleo das primeiras certezas.
matemática da comunicação é fundamental- Poder-se-á dizer que em Descartes sabe-
mente uma teoria sobre a quantidade e a me- mos aquilo de que estamos certos e que, port-
dição da informação veiculada por um canal. anto, a tarefa do cientista ou do investigador
Ora a grande intelecção desta teoria é que a é a de alargar a esfera de certezas cujo núcleo
informação dada é inversamente proporcio- é o “cogito”, num movimento contínuo e in-
nal à sua probabilidade, ou seja, que a infor- finito de tornar conhecido o que é desconhe-
mação é uma propriedade estatística de um cido, ou seja, de tornar certo o que é incerto.
signo ou de uma mensagem. Quanto mais À primeira vista o cartesianismo e a teo-
provável for um signo, menor a sua infor- ria matemática da comunicação estariam em
mação. Informação é incerteza e redundân- campos completamente opostos na medida
cia é certeza. em que enquanto o primeiro associa o con-

Publicado em José Manuel Santos e João Car- hecimento à certeza o segundo identifica in-
los Correia, orgs, Teorias da Comunicação, Covilhã: formação com incerteza. Tal entendimento,
Universidade da Beira Interior, 2004, p. 15-28. todavia, não teria em conta a diversidade de
como os termos “informação” e “conheci-

1
2 António Fidalgo

mento” são aqui utilizados. Cometer-se-ia o de significado e outra não tenha qualquer
erro de reduzir o cartesianismo a uma con- sentido, podem ser exactamente equivalen-
cepção patrimonial de conhecimento, o que tes.”2 Ou, dito de uma forma mais exacta, o
sabemos é aquilo de que já estamos certos, e “termo informação na teoria da comunicação
de o contrapor a uma concepção processual não respeita tanto ao que de facto se diz, mas
de informação, do que ainda não sabemos. como ao que poderia ser dito. Isto é, infor-
São, contudo, coisas distintas e não podem mação é uma medida da liberdade de escolha
ser contrapostas sem mais. Aliás, nada im- quando se selecciona uma mensagem.”3
pede de considerar que o processo cartesiano É claro agora que, perante o sentido proba-
de adquirir certezas é um processo informa- bilístico de informação, não é possível con-
tivo, pois que a incerteza é condição de no- trapor a certeza cartesiana do conhecimento
vos conhecimentos. Conhecer não seria re- à incerteza da informação, nem tão pouco
pisar o já sabido, mas em tornar o incerto e o associá-las. O conhecimento cartesiano é um
desconhecido em certo e conhecido. conhecimento substantivo, ou seja, um con-
Uma e outra posição estariam erradas, ou hecimento certo de algo bem determinado.
seja, tanto a contraposição como a com- As percepções claras e distintas que consitu-
paginação dos dois modelos descuram ou tem o conhecimento cartesiano são unidades
ignoram a especificidade radical da noção de repletas de significado.
informação na teoria matemática da comu- Ora, e esta é a tese que me proponho de-
nicação, especificidade essa que impede de fender aqui, a incerteza informativa e proba-
estabelecer quaisquer associações apressa- bilística tem como condição a certeza sub-
das entre os dois modelos. É que a certeza stantiva enquanto quadro de incerteza. Só
cartesiana é substantiva, isto é, tem-se a cer- tem sentido falar de incerteza probabilística
teza do conteúdo de uma percepção, ao passo se houver um quadro não infinito de possi-
que a certeza da teoria matemática da co- bilidades, quadro esse que é escolhido por
municação é de cariz meramente probabilí- razões já não probabilísticas, mas de con-
stico, não tendo minimamente em conta o teúdo ou de estratégia. Veremos que é esse
conteúdo ou o sentido da informação. o sentido essencial de redundância.
Weaver chama explicitamente a atenção
para o facto de o termo “informação” ser
2 Os bits de informação
usado num sentido muito especial e não de-
ver ser confundido com o seu sentido habi- Sendo a informação unicamente probabilí-
tual.1 De um ponto de vista probabilístico, stica, uma unidade de informação não é uma
“duas mensagens, uma das quais seja repleta mensagem, a percepção ou a intelecção de
1 2
Claude E. Shannon and Warren Weaver, The ibidem.
Mathematical Theory of Communication, Urbana and 3
- ibidem, p.8. No ensaio original, Shannon es-
Chicago, University of Illinois Press, (1949) 1963. creve que: “These semantic aspects of communica-
“The word information, in this theory, is used in a tion are irrelevant to the engineering problem. The
special sense that must not be confused with its or- significant aspect is that the actual message is one se-
dinary usage. In particular, information must not be lected from a set of possible messages”. Ibidem, p.
confused with meaning.”, pg. 8 31.

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um facto, de uma ocorrência ou de um estado gitos, 0 e 1. E porque estes dois números


de coisas, mas sim a possibilidade de es- podem representar quaisquer escolhas alter-
colha mais simples, isto é, de escolha entre nativas, então o “bit” é a unidade de infor-
duas mensagens, seja o conteúdo destas qual mação ao representar a situação de escolha
for. Como diz Weaver: “As duas mensagens simples entre duas mensagens.
entre as quais há que escolher, numa tal se- Definir a informação como o logaritmo do
lecção, podem ser o que quisermos. Uma po- número de escolhas possíveis tem desde logo
deria ser o texto da Bíblia, na versão de King a seguinte vantagem: se a um único circuito
James, e a outra poderia ser ‘Sim’.”4 aberto ou fechado, e representado por 0 ou
É esta unidade de escolha simples, alterna- por 1, corresponde apenas uma unidade de
tiva, entre duas mensagens que pode ser re- informação, a dois circuitos correspondem
presentada por “zero” e “um”, sendo “zero” duas unidades de informação ou dois bits.
o sinal para a primeira escolha da primeira Ora isso corresponde a 4 escolhas possíveis:
mensagem e “um” o sinal para a escolha da 00, 01, 10, 11. No caso de 00 os dois cir-
segunda mensagem. Um circuito eléctrico cuitos encontram-se desligados, no segundo
aberto ou fechado, uma lâmpada apagada caso o primeiro circuito está desligado e o
ou acesa, podem então funcionar como si- segundo ligado, no terceiro caso o primeiro
nais alternativos de não, correspondendo ao está ligado e o segundo fechado, e no quarto
“zero”, ou sim, correspondendo ao “um”. Se caso os dois estão ligados. Se tivermos 3 cir-
houvesse apenas uma mensagem então não cuitos teremos então 3 bits ou 8 possibilida-
haveria qualquer informação na medida em des, com 4 bits 16 possibilidades, e assim por
que não haveria qualquer incerteza. À par- diante. À sucessão, um a um, de bits cor-
tida saber-se-ia que era aquela e não outra. responde um aumento exponencial de pos-
O mínimo da informação, a unidade, é a es- sibilidades. Duplicando o tempo, o número
colha entre duas mensagens. de possibilidades é elevado ao quadrado, ou
É justamente daqui que nasce a ideia de seja, duplica-se o algoritmo; o que significa
medir a informação pelo logaritmo das es- duplicar a informação medida logaritmica-
colhas possíveis. Reduzindo a informação às mente.
unidades mínimas, a escolhas simples entre Medir a informação em bits significa,
duas alternativas, verifica-se que é propor- portanto, medir o número de escolhas possí-
cional ao logaritmo de 2 de base 2, ou seja veis. Um exemplo ilustrativo será o de en-
à unidade. Com efeito 1, a unidade, é o lo- contrar uma palavra num dicionário através
garitmo de 2 com base 2, cuja expressão ma- do número de escolhas alternativas em di-
temática é a seguinte: log2 2=1. É a esta un- visões sucessivas do dicionário: a palavra
idade de informação que se passou a chamar encontra-se ou na primeira ou na segunda
um “bit”, abreviação do termo inglês “binary parte do dicionário; depois na primeira ou na
digit”, isto é, de dígito binário. Enquanto segunda parte da divisão certa; e assim su-
o sistema decimal utiliza dez dígitos, do 0 cessivamente, até chegar à palavra. A quan-
ao 9, o sistema binário tem apenas dois dí- tidade de informação será o número de di-
4
visões e escolhas necessárias até chegar à pa-
- ibidem, p. 9.
lavra pretendida.

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4 António Fidalgo

A teoria matemática da comunicação ganização for elevada, e não houver grande


só ganha, porém, verdadeira pertinência margem para escolher, então a informação é
quando analisa as possibilidades a partir da baixa.
sua probabilidade. É que num conjunto
possível de escolhas há umas que são mais
3 A redundância necessária
prováveis que outras. Se tomarmos como
exemplo a língua enquanto sistema de múl- Muitas vezes o conceito de redundância é
tiplas e variadas combinações de signos lin- contraposto ao conceito de ruído, entendido
guísticos, então será fácil verificar que a pos- este como toda e qualquer perturbação que
sibilidade de a um adjectivo se seguir um interfira no processo comunicacional. En-
substantivo é muito superior à de se lhe se- tendido apenas neste aspecto, o conceito de
guir um advérbio. Quer isto dizer que a redundância será unicamente uma redupli-
língua é um sistema em que certas combi- cação da mensagem, ou de partes da men-
nações de signos são mais prováveis que ou- sagem, em ordem a confirmar a mensagem,
tras e que a tarefa da teoria matématica é a e a obviar ao ruído. Contudo, o conceito de
de medir essa probabilidade. É óbvio que redundância é mais abrangente do que o de
o grau de probabilidade de que, numa frase correlato de ruído, e muito mais importante
bem construída em português, às palavras “O quando relacionado com a noção de entropia.
homem que ontem ...” se siga um verbo, Se considerarmos todas as possibilidades
como por exemplo “esteve”, “falou”, é altís- como tendo a mesma probabilidade, então
sima, enquanto a probalidade de se lhe seguir temos entropia máxima. Neste caso, a falta
um substantivo é baixa, embora não igual a de organização é total e a liberdade de es-
zero. Seria possível, com efeito, continuar colha é completa. A este estado limite
com “sábado”. Mas a probabilidade de se lhe contrapõe-se a entropia efectiva de um dado
seguir uma forma verbal no futuro “estará”, estado de coisas ou de uma certa fonte de
“falará”, essa sim seria igual a zero. informação, onde existe condicionamento de
Numa sequência de signos o grau de liber- selecção. A relação da entropia efectiva com
dade de escolha é condicionado e limitado a entropia máxima é a entropia relativa da
pelas escolhas prévias. Há casos em que a fonte.5 Assim, por exemplo, se a entropia
determinação é total, como no caso em que relativa de uma determinada fonte de infor-
no português escrito à letra “q” se segue sem- mação for de 0.8, isso significa que a liber-
pre um “u”. Neste caso não há qualquer li- dade de escolha dos signos para constituir a
berdade de escolha e, portanto, a informação mensagem é de 80% relativamente aos 100%
é nula. de liberdade de selecção que a entropia má-
A razão por que podemos falar de entropia xima permitiria. A redundância é justamente
na comunicação é precisamente porque a se- a diferença que existe entre a entropia má-
lecção dos signos discretos de que se compõe xima e a entropia relativa.6
uma mensagem é comandada por probabili- 5
- ibidem, p. 13.
dades. Se houver uma grande liberdade de 6
- “One minus the relative entropy is called the
escolha, então a entropia é grande e pode- redundancy.” ibidem.
mos dizer que há muita informação. Se a or-

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Weaver acrescenta que a redundância “é a tem na língua portuguesa em muito maior


fracção da estrutura da mensagem que não grau que na língua inglesa (às seis formas
é determinada pela livre escolha do emissor, pessoais dos verbos portugueses – de eu amo
mas antes pelas regras estatísticas aceites que a eles amam - correspondem no geral apenas
regem o uso dos signos em jogo.”7 Por ex- duas nos verbos ingleses – I, you, we, they
emplo, as concordâncias de número, singular love, he loves), é quase certo que a percen-
ou plural, de género, masculino ou feminino, tagem de redundância em português é supe-
de tempo, passado ou presente ou futuro, são rior aos 50% de redundância que Shannon
claramente redundâncias que regem a con- e Weaver atribuem à língua inglesa, em que
stituição de frases em português. Se alguém apenas metade das letras ou das palavras que
quiser definir com o artigo o substantivo “ho- escrevemos ou dizemos são de livre escolha
mens” tem de o fazer respeitando o género e de quem fala, e que a outra metade é ditada
o número, ou seja, tem de ser “os homens” pela estrutura estatística da língua.9
e não pode ser nem “o homens”, caso em Na parte redundante de uma mensagem,
que apenas respeitaria o género, nem “as ho- ou seja, na parte que escapa à livre escolha da
mens”, em que respeitaria o número, mas fonte de informação, há que distinguir entre
não o género. Porquê o termo redundância elementos imprescindíveis, estruturantes da
para designar esta parte da mensagem que própria mensagem, e elementos prescindí-
restringe a liberdade de escolha? Weaver veis. Weaver parece, com efeito, significar
diz que é porque essa parte da mensagem é que toda a redundância, pelo facto de o ser,
desnecessária no sentido de que se faltasse é desnecessária, mas esse não é o caso, nem
a mensagem continuaria a estar essencial- o pode ser. Tomemos de novo uma língua
mente completa.8 natural, o português, como exemplo, e tente-
De facto, as partes redundantes da men- mos numa mensagem, género telegrama, eli-
sagem constituem algo que não traz novi- minar todas as redundâncias possíveis. Ra-
dade e, portanto, serão desnecessárias nesse pidamente verificamos que, sob pena de in-
sentido. A não necessidade da citada redun- compreensão, há regras que têm de ser ne-
dância do artigo definido em português em cessariamente observadas. Essas regras não
género e número torna-se clara quando com- são da livre escolha da fonte de informação,
parado com o artigo definido inglês “the” antes lhe são impostas pela estrutura da lín-
que não conhece nem género nem número. gua e, como tal, redundantes.
Tendo isto em conta, e ainda e sobretudo a Quando Shannon escreve que a infor-
personalização das formas verbais que exis- mação não se reporta a uma mensagem, mas
7
sim à escolha dentro de um conjunto (set)
- ibidem.
8
- “It is sensibly called redundancy, for this frac- de mensagens possíveis, isso significa que
tion of the message is in fact redundant in something 9
- “It is most interesting to note that the redun-
close to the ordinary sense; that is to say, this frac- dancy of English is just about 50 per cent, so that
tion of the message is unnecessary (and hence repeti- about half of the letters or words we choose in wri-
tive or redundant) in the sense that if it were missing ting or speaking are under our free choice, and about
the message would still be essentially complete, or at
half are really controlled by the statistical structure of
least could be completed.” ibidem.
the language.” ibidem.

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esse conjunto tem de estar identificado no Seguindo o próprio modelo comunicacio-


processo de comunicação entre emissor e re- nal de Shannon – fonte de informação, trans-
ceptor. Esse conjunto é ele próprio de cariz missor, sinal emitido, canal, sinal recebido,
redundante, na medida em que não é objecto receptor, destinatário –, é condição funda-
de escolha, mas se encontra dado à partida. mental de uma comunicação efectiva que a
Voltemos ao caso dos circuitos. Se tivermos codificação da mensagem seja bem feita. O
3 circuitos sabemos que existem 8 combi- código constitui aqui um elemento essencial
nações possíveis na medida em que 3 bits são que deve ser partilhado por ambos os lados
23 . Mesmo tomando como entropia máxima do processo comunicativo. Ora é justamente
a liberdade de usar essas 8 combinações com essa partilha, esse ponto comum, que consti-
o mesmo grau de probabilidade, teremos ne- tui a redundância necessária subjacente à co-
cessariamente de ter em conta, isto é, como municação. Ou seja, apesar da redundância
um dado prévio, que há apenas 3 e não mais não representar qualquer informação, ela é
circuitos, que não pode aparecer um quarto fundamental para a exactidão da mensagem
circuito em jogo. Ou seja, a total liberdade e mesmo para a sua ocorrência.10
de escolha tem de ser feito a partir de um de-
terminado conjunto de possibilidades, e é ju-
4 A redundância desejável
stamente esse determinado conjunto prévio
que constitui o quadro necessário da infor- Atendendo a que informação ou incerteza
mação. e redundância ou certeza são imprescindí-
É certo que há sistemas em que o grau de veis numa mensagem, coloca-se a questão da
redundância é muito superior ao de outros. justa medida ou proporção entre informação
Uma língua natural, para ser compreensí- e redundância numa mensagem. Se por um
vel, tem de obedecer a regras de estrutura e lado, há tendência para que uma mensagem
de sentido, regras que ao serem conhecidas contenha a maior informação possível, por
de antemão por emissor e receptor represen- outro lado também se pretende que a mensa-
tam informação partilhada por ambos. São gem seja o mais rigorosa possível. São ten-
obviamente elementos redundantes em qual- dências que, de algum modo, se opõem, e daí
quer mensagem construída nessa língua. No que se coloque a questão sobre a redundância
totoloto, porém, o grau de incerteza é muito desejável de uma mensagem. Por outro lado,
maior. Mas mesmo aqui há um elemento red- a adequação dos códigos utilizados é extre-
undante, a saber, o número de elementos que mamente pertinente neste campo. Determi-
poderão ser seleccionados. Se a selecção de nado código pode ser muito mais eficaz a
seis números fosse feita a partir de 99 nú- 10
- "Shannon e Weaver mostram como a redun-
meros em vez de 49, então a incerteza seria dância facilita a exactidão da descodificação e for-
muito maior. Mas mesmo o maior número nece um teste que permite identificar erros. Só me é
possível de elementos não eliminaria toda a possível identificar um erro ortográfico devido à red-
incerteza. A definição dos elementos passí- undância da linguagem. Numa língua não redundante,
mudar uma letra significaria mudar a palavra."John
veis de serem seleccionados é condição de
Fiske, Introdução ao Estudo da Comunicação, Lis-
selecção e, portanto, um elemento de redun- boa: Edições Asa, 1993, p. 25.
dância.

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codificar uma mensagem na medida em que convêm ao significado desejado, e o nível da


aumenta o grau de informação, sem prejuízo eficácia, relativo à eficácia com que o signi-
do rigor. As linguagens especializadas são ficado da mensagem afecta da maneira dese-
um exemplo dessa adequação e eficácia.11 jada a conduta do destinatário.
Há códigos ou quadros mais adequados do Só os diferentes contextos, as razões, as
que outros para a formação de mensagens. causas e os fins de uma mensagem, po-
Existem quadros que dão menos origem a dem estabelecer qual a melhor relação entre
entropia, quadros que permitem mais criati- informação e rigor que a mensagem deve
vidade (escolha), quadros mais rígidos, qua- conter. Aliás, a optimização dessa relação
dros mais maleáveis. É que podemos subir pode ser diferente nos diferentes níveis de
uma escala mais e também escolher os qua- uma mensagem. Por exemplo, uma mensa-
dros dentro dos quais podemos formar uma gem repetida, que no nível técnico e no ní-
mensagem. vel semântico será pura redundância, pode
Provavelmente aqui poderíamos alargar o ser altamente informativa a nível de eficá-
sistema comunicacional de Shannon, dando cia, justamente porque inesperada. Even-
também um significado de redundância ao tualmente poderia julgar-se que os níveis téc-
canal, e não apenas ao código. A mesma nico, semântico e de eficácia, são etapas su-
mensagem pode ser enviada por diferentes cessivas do processo comunicativo. Que a
canais, e existe a liberdade de escolha des- resolução do problema técnico é prévia à do
ses canais. Posso telefonar a alguém para lhe problema semântico e esta à do problema da
dizer uma coisa, posso enviar-lhe um email, eficácia. Mas não é assim. O nível semântico
posso enviar-lhe uma carta ou um fax, ou pode constituir, e constitui normalmente, um
posso mandar um recado por outrém. Mas factor redundante importante na decifração
mesmo estas escolhas são feitas dentro de técnica da mensagem. Chega-se frequentes
um certo quadro de redundância e por isso vezes à decifração acústica de uma palavra,
temos de verificar as diferentes probabilida- pelo significado que lhe associamos. Por sua
des. vez, há circunstâncias em que se visa mais
Se uma relação adequada entre infor- a exactidão semântica do que a eficácia da
mação e redundância é crucial para o su- mensagem. Se alguém se dirigir a uma ou-
cesso comunicativo ao nível técnico, ou seja, tra pessoa para lhe dar uma ordem e esta
ao nível da exactidão com que os signos da não obedecer, o emissor da mensagem pode
comunicação podem ser transmitidos, sê-lo- então limitar-se a estabelecer que a mensa-
á ainda mais relativamente ao que Weaver gem era clara, que o destinatário entendeu
chama os níveis B e C do processo comu- bem a mensagem ou ordem veiculada.
nicativo, a saber, o nível semântico, relativo A redundância desejável é, assim, uma va-
à precisão com que os signos transmitidos riável que depende de muitos factores. A no-
11
vidade e exactidão que têm de compor qual-
- Sobre linguagens especializadas, veja-se Antó-
nio Fidalgo, “A economia e a eficácia dos signos”, em quer mensagem conciliam-se em grau e mo-
particular a secção intitulada “Os signos à medida. dos diferentes.
As linguagens especializadas.” Texto disponível em
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8 António Fidalgo

5 Os quadros variáveis da temática da comunicação. Peirce não consi-


redundância dera que a clareza ou a certeza de uma ideia
se relacione com a probabilidade de uma
A redundância que necessariamente envolve mensagem, mas antes com o modo como
toda a informação e, em maior ou menor uma ideia se desenvolve e se revela nas con-
grau, enforma qualquer mensagem não é sequências que acarreta no proceder e no agir
fixa, nem constante. Ou seja, o conjunto de de quem a tem. O que importa todavia aqui
possibilidades no seio do qual se dá ou ob- realçar é a noção de contexto que a máxima
tém informação varia à medida de múltiplos pragmatista impõe na concepção da ideia:
tipos de circunstâncias e de estratégias. To- “considera quais os efeitos, que podem ter
memos novamente uma língua natural como certos comportamentos práticos, que conce-
exemplo. Em princípio, a língua é um qua- bemos que o objecto da nossa concepção
dro estabelecido de possibilidades linguísti- tem. A nossa concepção dos seus efeitos
cas. Gramáticas e dicionários delimitam os constitui o conjunto da nossa concepção do
elementos e as formas de expressões bem objecto.”12
formadas. No entanto, há áreas ou activi- Mesmo compreendendo a informação
dades em que se permite, e até se incentiva, como unidades de escolha entre múltiplas
ultrapassar e infringir as regras estabeleci- possibilidades, à maneira de Shannon, a in-
das, ou ir para além do quadro de possibi- terpretação pragmatista viabiliza uma com-
lidades dado à partida ao falante. A poe- preensão mais rica, porque mais plural, de
sia, o calão, são exemplos de áreas linguísti- comunicação, na medida em que as men-
cas onde a mutabilidade da língua é visível. sagens poderão ser inseridas em diferentes
Ou seja, o quadro de certeza que demarca as conjuntos de redundância, isto é, de cer-
possíveis incertezas é ele mesmo passível de teza. Os quadros redundantes da informação
alterações, modificações, e de reenquadra- cruzam-se e entrecruzam-se e, assim, au-
mento. menta a incerteza, e eo ipso a informação.
As noções que a linguística e filosofia
contemporâneas têm introduzido no estudo
das línguas e da linguagem, como contextos,
actos de fala, jogos de linguagem, estraté-
gias, representam contributos importantes
para perceber a mutabilidade dos quadros de
referências em que a comunicação é feita.
O modelo rígido e único de Descartes cedeu
o passo a modelos maleáveis, configuráveis,
em que não conta o tal fundamento sólido
e indubitável, mas em que predominam as
concepções estratégicas.
A crítica de Charles Sandres Peirce à ideia
cartesiana de certeza pode contribuir para 12
Charles Sanders Peirce, “Como tornar as nossas
enriquecer a leitura filosófica da teoria ma- ideias claras”. Texto disponível em www.bocc.ubi.pt.

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