Você está na página 1de 5

Resenhas

7
Anísio Teixeira. Carta a Louren- primeira edição, mais um terceiro capí-
ço Filho (22-08-1930); Arquivo Louren- TEIXEIRA, Anísio. Educação não é tulo, “Educação e formação nacional do
ço Filho. Série Correspondência, LFc privilégio. São Paulo: Cia. Editora povo”; o pronunciamento da ABE é
[30/31]05.15. FGV-CPDOC. Nacional, 1957. mantido como anexo. A terceira edição,
8
Teixeira, Anísio S. publicada em 1971, após a morte de
“Commentarios sobre a Introducção ao Anísio, mantém a mesma estrutura da
Estudo da Escola Nova”, Arquivo Aní- Considerando a relevância das segunda. A quarta, datada de 1977, in-
sio Teixeira, Série Produção Intelectual. questões abordadas neste livro, embora clui o ensaio “Fundamentos democráti-
CPDOD-FGV. ele já tenha sido objeto de outros co- cos da educação”, que veio a constituir
9
Athayde, Tristão de. Debates pe- mentários e resenhas, dispus-me a o capítulo inicial do livro Educação é
dagógicos. Rio de Janeiro: Schmidt, reexaminá-lo, destacando aspectos que um Direito (Cassim, 1994, p. 22). Em
Editor, 1931, p. 150 e ss. podem despertar interesse para os lei- 1994, dando início ao projeto de
10
Fauconnet, Paul. Um livro brasi- tores. reedição das obras de Anísio Teixeira,
leiro sobre a Escola Nova. O Estado de Numa visão geral sobre a obra de foi publicada a 5a edição pela Editora
S.Paulo. São Paulo, 11 de nov. 1930. Anísio Teixeira e sua trajetória profis- UFRJ, organizada e comentada por
11
Fauconnet, Paul. Um livro brasi- sional, é comum reconhecer ter ele dei- Marisa Cassim e contendo um texto
leiro sobre a Escola Nova. In: Lourenço xado marcas não apenas como pensador analítico de Clarice Nunes sob o título
Filho, Manoel Bergström. Introducção e político da educação, mas também “Prioridade número um para a educação
ao estudo da Escola Nova. 3a ed. São como administrador. Tendo vivenciado popular”. Em 1999, é lançada a 6a edi-
Paulo: Melhoramentos, 1933, p. IX. os múltiplos problemas levantados pela ção, no mesmo formato.2
12
Lourenço Filho, Manoel realidade do ensino e da administração Feitas essas observações, centrarei
Bergström. La Escuela Nueva Trad. de pública, além de produzir reflexões, de- minha atenção nas duas conferências
Enrique de Leguina. Barcelona: Labor, finir posições, propor e construir mode- publicadas desde a primeira edição, por
1933 235p; e Lourenço Filho, Manoel los para a organização do sistema edu- considerá-las mais importantes, toman-
Bergström. Introducción al estudo de la cacional brasileiro dos anos 20 aos 60, é do por base a 5a edição. Leitura atenta
Escuela Nueva. Buenos Aires: Kapeluz, relativamente fácil distinguir a perma- das mesmas permite observar que em
1964. nente atualidade dos grandes temas com ambas o autor focaliza questões que já
13
Lourenço Filho, Manoel os quais Anísio se empenhou, na luta vinham sendo discutidas e trabalhadas
Bergström. Prefácio da 4a ed. In: ___ pela educação como um direito de todos por ele desde os anos 20, quando assu-
Introducção ao estudo da Escola Nova. e pela defesa da escola pública. Tais miu a Secretaria de Instrução Pública
São Paulo: Melhoramentos, 1937, p. VI- propostas estão presentes neste livro, da Bahia (1924-1928), pouco depois a
VII. defendidas como pressupostos de demo- do Distrito Federal (1931-1935) e de
14
Lourenço Filho, Manoel cracia. novo a da Bahia (1947-1951). A atuali-
Bergström. Introducção ao estudo da Em sua primeira edição, de 1957, dade das propostas defendidas por Aní-
Escola Nova. São Paulo: bases, siste- Educação não é privilégio reunia duas sio nessas conferências se expressa nos
mas e diretrizes da pedagogia contem- conferências: a primeira, sob o mesmo mais diversos aspectos de política edu-
porânea. 7a ed. São Paulo: Melhoramen- título, proferida na Escola Brasileira de cacional, como: organização do sistema
tos, 1961. 266 p. il. Administração Pública (EBAP), da público de ensino; gestão da educação
15
Edições Melhoramentos. In: Fundação Getúlio Vargas (FGV), no pública; papel e deveres do Estado em
Lourenço Filho, Manoel Bergström. Rio de Janeiro, em 1953, e a segunda, relação à educação; formação e aperfei-
Introducção ao estudo da Escola Nova. “A Escola pública, universal e gratui- çoamento do magistério; acesso e per-
São Paulo: Melhoramentos, p. 11 ta”, pronunciada, em setembro de 1956, manência na escola pública.
16
Leite Dante Moreira. Resenha no Primeiro Congresso Estadual de Florestan Fernandes, analisando
Bibliográfica”. O Estado de S.Paulo. Educação, em Ribeirão Preto, São Pau- esses dois textos, assinala que merecem
São Paulo, 7 jul. 1962, p. 2. lo.1 A referida edição traz também um atenção especial, porque, mesmo que os
17
Athayde, Tristão de. A escola anexo: “A Associação Brasileira de temas e idéias já tivessem sido aborda-
nova e O livro nôvo. Jornal do Brasil. Educação e o ensino público”. Além dos em outros momentos, “desta vez, o
Rio de Janeiro, 17 e 18 ago. 1961. desta, foram publicadas mais quatro balanço da situação educacional brasi-
18
Athayde, Tristão de. O livro edições: a segunda, revista e ampliada leira é feito de uma perspectiva unitária
nôvo. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, pelo autor, foi lançada em 1968, conten- e globalizadora, tanto no que concerne
18 ago. 1961. do as duas conferências incluídas na ao diagnóstico dos problemas e defi-

176 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14


Resenhas

ciências da estrutura ou do funciona- balho, tendo-se presente que a escola Consciente da necessidade de mo-
mento do novo sistema educacional, primária não é, precipuamente, uma es- dernização do ensino primário, da esco-
quanto no que diz respeito à formulação cola preparatória para estudos ulterio- la básica, preocupa-se, igualmente, com
da política educacional a seguir, para a res. Sua finalidade é, como o próprio a formação do professor. Considerava
solução daqueles problemas e deficiên- nome revela, ministrar uma educação ele tão relevante e complexa a atividade
cias” (Fernandes, 1966, p. 561). de base, capaz de habilitar o homem ao do professor primário que sua formação
A primeira conferência teve um trabalho nas suas formas mais comuns deveria elevar-se ao nível superior.
público restrito – professores, alunos e (Ibid., p. 63). Assim sendo, Outro aspecto a salientar é que,
técnicos da EBAP/FGV – e caracteriza- complementa: “[...] não pode ser uma desde os anos 30, ele defende que “o
se como um momento em que o autor escola de tempo parcial, nem uma esco- ensino tem de se fazer pelo trabalho” e
realiza uma reflexão sobre a política la somente de letras, uma escola de ini- de, forma enfática, retoma esse tema na
educacional para o ensino básico. Nessa ciação intelectual, mas uma escola so- conferência “Educação não é privilé-
ocasião, apresentou de forma sucinta al- bretudo prática, de iniciação ao gio”. A questão é tratada com toda cla-
guns marcos históricos e as vicissitudes trabalho, de formação de hábitos de reza quando discute o problema do
de uma educação para a “formação do pensar, hábitos de fazer, hábitos de tra- dualismo escolar, na primeira conferên-
homem comum”, insistindo que “a es- balhar e de conviver e de participar em cia (Teixeira, 1994, p. 55 ss.).
cola não mais poderia ser a instituição uma sociedade democrática, cujo sobe- Nessa mesma linha, propõe
segregada e especializada de preparo de rano é o próprio cidadão” (Ibid., p. 63). reorientar o ensino secundário, como já
intelectuais ou ‘escolásticos’, mas deve- Com tais preocupações, insiste vinha pensando desde os anos 30, por
ria transformar-se na agência de educa- Anísio que não se pode cogitar de ofere- entender que esse ensino não deveria
ção dos trabalhadores comuns, dos tra- cer essa formação em uma escola de ser “um ensino especificamente seleti-
balhadores qualificados, dos tempo parcial, com períodos reduzidos vo, mas simplesmente um ensino para o
trabalhadores especializados em técni- ou curtos do ano letivo, tal como era e adolescente, o ensino que o país deve
cas de toda ordem e dos trabalhadores ainda é a escola brasileira. Como decor- ministrar aos indivíduos entre 11 e 18
da ciência nos seus aspectos de pesqui- rência defende a instituição do tempo anos [...]” e que o sistema de escolas
sa, teoria e tecnologia” (Teixeira, 1994, integral, tendo um programa enriqueci- secundárias fosse “organizado com a
p. 45). do com atividades práticas. Uma escola maior flexibilidade possível, para pro-
Mas Anísio não se preocupa ape- em que seriam dadas oportunidades de ver uma escola rica e livre, de acordo
nas com o ensino primário. Para ele: formação de hábitos de vida real, uma com as aptidões e interesses dos alunos,
“em todas as modalidades [...] o ensino escola como um espaço concreto de estu- aptidões e interesses que nascem do
se tem de fazer pelo trabalho, e não so- do, de atividades de trabalho, de recrea- intercurso de suas personalidades com o
mente pela palavra e pela exposição”. ção e de arte (Teixeira, 1994, p. 63). meio ambiente [...]”. Dentro dessa qua-
Reconhece ser tudo isso “[...] de certo Essa “escola comum” deveria ser, lidade ampla da escola secundária, ca-
modo ainda marginal e extraordinário. também, uma “instituição essencial- beria a finalidade seletiva: preparar a
Regulares e sistemáticas são as formas mente regional, enraizada no meio lo- elite do país. “Mas, tal elite longe de
arcaicas de ensino pela ‘exposição oral’ cal, dirigida e servida por professores ser única, a elite intelectual, diríamos
e ‘reprodução verbal’ de conceitos e no- da região, identificada com seus mores, intelectualista, deve compor-se de elites
menclaturas, mais ou menos digeridos seus costumes” (Ibid., p. 64). Quem parciais em todas as atividades, em to-
por simples ‘compreensão’, as quais do- faça um exame atento dessas questões e das as classes, inclusive a dos trabalha-
minam em boa parte a escola primária, propostas de Anísio certamente irá infe- dores intelectuais” (apud Luvisolo,
e, esmagadoramente, a escola média, rir que não é a primeira vez que o edu- 1990, p. 61-62). Apoiando-se nessas
sobretudo a secundária, e a maior parte cador apresenta uma solução para as vi- premissas, Anísio critica, naquela déca-
das escolas superiores” (Ibid., p. 46). cissitudes da escola básica no país. da, o projeto de reforma do ensino se-
No entanto, ele percebe que se o Gerindo a Instrução Pública do então cundário do ministro Francisco Cam-
ensino se opõe à prática, à experimen- Distrito Federal (1931-1935), Anísio lu- pos, em discussão em 1931, que se
tação e ao trabalho, se persiste o tou pela implantação de um verdadeiro voltava apenas para a formação de uma
dualismo escolar, impõe-se lutar por sistema de ensino, criando serviços cen- elite intelectual, por julgá-lo uma solu-
uma nova política educacional em que tralizados de matrícula, de freqüência e ção incompleta do problema e de certo
seja oferecida ao brasileiro uma escola obrigatoriedade escolar; organizou um modo perigosa, além de contribuir para
primária capaz de lhe dar a formação sistema de ensino que se estendia do manter a concepção dualista que, in-
fundamental indispensável ao seu tra- pré-escolar à universidade. conscientemente, é alimentada, “de

Revista Brasileira de Educação 177


Resenhas

uma educação profissional para o povo não parecem haver se empenhado nessa rior são apontados com grande argúcia e
e os elementos menos ambiciosos ou generalização, tanto que nem mesmo se penetração” (1966, p. 561). Nessa con-
menos afortunados da sociedade e uma cogitou de uma segunda Escola Parque. ferência, Anísio deixa passar a idéia da
educação acadêmica de classe” (apud Como enfatizava, educação boa e de incapacidade do país para estender a
Luvisolo, 1990, p. 62). Tal organização qualidade é cara, exige investimento à educação a todos, para criar um escola
escolar era considerada por ele antide- altura e é uma opção política. pública e democrática, ressaltando:
mocrática, originando-se “de um A saída mais fácil da tradição esco- “Não bastava, porém, que as escolas
dualismo filosófico entre cultura e tra- lar brasileira era manter a “nossa ten- não fossem más. Era necessário que fos-
balho” (Teixeira, 1997, p. 214). dência visceral para considerar a educa- sem bastantes. E aí é que falhou inteira-
É pertinente frisar, no entanto, que ção um processo de preparo de alguns mente a pregação republicana, que,
para Anísio, como educador e adminis- indivíduos para uma vida mais fácil e, muito a propósito, acabamos de evocar
trador, o segmento mais importante da em rigor, privilegiada”. E adverte: quanto a São Paulo. Sem pretendermos
educação era o primário. Talvez tenha “como este ensino não chega a formar o ser exaustivos na perquirição de causas,
sido essa a razão pela qual, durante sua ‘privilegiado’, aquela tendência provoca limitamo-nos sem falseamento a dizer
gestão como secretário de Educação da a deterioração progressiva deste ensino, que nos faltou vigor para expandir a es-
Bahia, de 1947-1951, o Centro Educa- sobretudo depois que passou ele a contar cola a seu tempo, quando os seus pa-
cional Carneiro Ribeiro, mais conhecido realmente com esmagadora freqüência drões eram bons ou razoáveis ainda, e o
como a Escola Parque, passou a ser a popular” (Teixeira, 1994, p. 50). Lamen- processo histórico não havia sofrido os
obra norteadora de uma política educa- tavelmente, é fácil observar ao longo impactos de aceleração dos dias atuais.
cional para o estado. Esse Centro é ins- desses anos que as advertências vigoro- Um persistente, visceral sentimento de
tituído como contraponto à improvisa- sas de Anísio continuam válidas ainda sociedade dual, de governantes e gover-
ção da escola primária existente, objeto hoje, quando a educação de qualidade nados, impedia que nos déssemos conta
das críticas de Anísio nessas conferên- que ele imaginava, a educação que dese- da urgência de expandir a educação do
cias e que ele já deixara muito claras no java comum ao povo brasileiro, ainda povo, parecendo-nos sempre que basta-
discurso por ocasião da inauguração do hoje não passa de privilégio de alguns. ria a educação das elites, já sendo sufi-
mesmo. É o que ele propõe naquela Como se pode depreender, os cientes (senão mais do que suficientes)
ocasião: “[...] desejamos dar, de novo, à pressupostos defendidos por Anísio, em as poucas escolas que mantínhamos
escola primária o seu dia letivo com- 1953, não eram meras abstrações, resul- para o povo e pelas quais nem ao menos
pleto. Desejamos dar-lhe o seu progra- tavam do pensamento e ação de um tínhamos o cuidado de preservá-las ou
ma completo de leitura, aritmética e educador e administrador que em vários aperfeiçoá-las, como boas amostras ou
escrita, e mais ciências físicas e so- momentos de nossa história tentara modelos” (Teixeira, 1994, p. 87).
ciais, artes industriais, desenho, músi- construir programas alternativos para o E acrescenta: “A República veio
ca, dança e educação física. Além dis- sistema de educação. Tudo isso, para acordar-nos da letargia. Iniciamos, en-
so, desejamos, também, que a escola ele, no entanto, era um processo em tão, uma pregação, que lembra a prega-
eduque, forme hábitos, forme atitudes, construção e exigia tempo. ção da segunda metade do século
cultive aspirações, prepare realmente a A segunda conferência, “A Escola dezenove nas nações então em processo
criança para a sua civilização [...]; de- pública universal e gratuita”, foi profe- de democratização e da qual nos deram
sejamos que a escola dê saúde e ali- rida em Ribeirão Preto, em setembro de uma amostra as citações que fizemos de
mente à criança, visto não ser possível 1956, durante o Congresso Estadual de educadores paulistas. Tal pregação não
educá-la no grau de desnutrição e Educação do Estado de São Paulo. As chegava, porém, a convencer sequer a
abandono em que vive” (apud Abreu, reações a essa conferência foram múlti- elite, supostamente lúcida. Ela conti-
1960, p. 57-59). plas, em particular da Igreja e dos edu- nuava a acreditar visceralmente, que o
Evidentemente, a generalização de cadores católicos, dando origem à defe- dualismo de estrutura social, a dicoto-
uma escola básica com tais requisitos sa da ABE, publicada anexa ao livro. mia de senhores e súditos, de elite
constituía, ontem como hoje, um desa- De acordo com Florestan Fernandes, governante e povo dependente e subme-
fio à administração pública da educação “no diagnóstico da situação educacional tido, havia de subsistir e de permitir ‘a
ante os múltiplos encargos que ela im- brasileira, o autor chega a resultados ordem e o progresso’, mediante a edu-
plica, particularmente em termos de re- brilhantes. Os fatores responsáveis pela cação apenas de uma minoria
cursos humanos e financeiros. Lá mes- deterioração ou pela perversão do ensi- esclarecida” (Ibid., p. 89).
mo no estado da Bahia, as no primário, do ensino secundário, do Anísio preocupa-se e empenha-se
administrações posteriores à de Anísio ensino profissional ou do ensino supe- não apenas em discutir, mas propor o

178 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14


Resenhas

que fazer para restaurar o sentido de- Essa segunda conferência, como uma escola primária organizada e séria
mocrático da expansão educacional assinala Nunes (1994), constituiu “um para a formação básica do povo brasi-
brasileira. Nessa perspectiva, reconhe- estopim” que desencadeou reações em leiro”, distribuído à imprensa pelo edu-
ce não ser suficiente apenas a mudança cadeia contra as posições de Anísio, du- cador em 15 de abril de 1957. 5 O presi-
do conceito de escola, mas que ela ramente criticado por conservadores – dente da República, mesmo com a
seja, “no campo da educação comum, católicos e privatistas – e, em contra- pressão de membros da hierarquia cató-
para todos, dominantemente pública” partida, enaltecido por educadores, lica, mantém Anísio Teixeira na Dire-
(1994, p. 98). De forma clara, assinala: cientistas e instituições comprometidos ção do INEP e da CAPES.
“Não advogamos o monopólio da edu- com a escola pública Enfim, o pensamento e a atuação
cação pelo Estado, mas julgamos que Entre as reações mais contunden- de Anísio, expressos nessas duas confe-
todos têm o direito à educação pública, tes destaca-se o memorial assinado pelo rências, podem ser sintetizados em três
e somente os que quiserem é que pode- arcebispo metropolitano e pelos bispos grandes eixos: a defesa da escola públi-
rão procurar a educação privada. Numa da Província de Porto Alegre encami- ca universal, a defesa da democracia e a
sociedade como a nossa, tradicional- nhado ao presidente Juscelino defesa da liberdade, como espaço pró-
mente marcada de profundo espírito de Kubitscheck, discordando das posições prio da educação.
classe e de privilégio, somente a escola de Anísio em defesa da escola pública e
pública será verdadeiramente democrá- solicitando ao presidente “as providên- Maria de Lourdes de A. Fávero
tica e somente ela poderá ter um pro- cias necessárias e inadiáveis para cessa- Coordenadora do PROEDES/FE/UFRJ
grama de formação comum, sem pre- ção desse estado de coisas, tão nefasto
conceitos contra certas formas de [...] aos mais legítimos e excelsos inte- Referências bibliográficas
trabalho essenciais à democracia” resses nacionais” (RBEP, n. 70, p. 67).
(Ibid., p. 99). Em julho de 1958, reunida em Goiânia, ABREU, Jayme, (1960). Anísio Teixeira e
Ou seja, o que o autor vislumbra- a cúpula da Igreja Católica divulgou a educação na Bahia. In: Anísio
va, numa sociedade como a nossa, é uma declaração, em que reitera seu po- Teixeira : pensamento e ação. Rio de
uma escola pública entendida como um sicionamento no sentido de que educar Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
espaço de “igualização” das classes, é obra da família e que a escola do Es- p. 1-68.
aproximação social e eliminação de tado deve existir onde não pode existir BEISIEGEL, Celso, (1984). Resenha do li-
preconceitos. Para tanto, propunha solu- a escola particular. vro “Educação não é Privilégio” Revis-
ções como a municipalização da escola Tais fatos provocaram também ma- ta Brasileira de Estudos Pedagógicos,
primária, a autonomia da escola média nifestações de apoio e de solidariedade v. 65, n. 150, p. 491-493, maio/ago.
e da superior. Mas a prioridade básica é de cientistas e professores, através de CASSIM, Marisa. “Apresentação”. In:
a escola primária – pública, universal e manifestos, mensagens e moções, como: Teixeira, Anísio. Educação não é Pri-
gratuita –, espaço de sólida educação “Manifesto de 529 Educadores”, docu- vilégio. 5a ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,
comum, com currículo completo e horá- mento enviado a Anísio Teixeira, em p. 17-35.
rio integral. 22.4.1958, e publicado na imprensa diá- EDUCAÇÃO, AÇÃO SOCIAL E POLÍTI-
Essas colocações reiteradas de ria; “ Mensagem de um Grupo de Cien- CA, (1958). Declaração de Cardeais,
Anísio levaram-no a afirmar com suave tistas”; “Moção da Diretoria da Associa- Arcebispos e Bispos do Brasil, reunidos
ironia, em 1958: “Costuma-se dizer ção Brasileira de Educação”; “Manifesto em Goiânia, julho. Revista Brasileira
que, para um autor, pior do que repetir de Professores da Universidade de São de Estudos Pedagógicos, v. 30, n. 72,
os outros, é repetir a si mesmo. Ai de Paulo”; “Manifesto dos Professores da p. 84-88, out./dez. 1958.
mim! Que, neste trabalho, nada mais Faculdade de Filosofia de São José do FERNANDES, Florestan, (1966). Educa-
faço do que repetir-me. Várias outras Rio Preto”, entre outros.4 ção e Sociedade no Brasil. São Paulo:
publicações minhas, embora sob outro Reagindo ao “Memorial dos Bis- Dominus Editora.
ângulo, abordam, com efeito, o mesmo pos do Rio Grande do Sul”, Anísio dei- INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS
tema. Escrevendo, porém, sempre sob a xa claras mais uma vez as diretrizes que PEDAGÓGICOS, (1958). O I.N.E.P e
pressão das circunstâncias e da ação, orientavam sua vida de educador e suas o Ensino Público. Revista Brasileira
não consigo facilmente afastar-me dos atividades à frente do INEP. Para evitar de Estudos Pedagógicos, v. 29, n. 70,
temas centrais que inspiram toda a mi- reiteradas incompreensões, enuncia seu p. 64-83, abr.-jun.
nha atuação. Essas teses vão e vêm em posicionamento em simples afirmações LUVISOLO, Hugo, (1990). A Tradição de-
meus escritos como um leit-motif de e negações do que ele propugna e o que safortunada: Anísio Teixeira, velhos tex-
toda uma existência de educador”.3 combate, em documento intitulado “Por tos e idéias atuais. In: Almeida, Stela

Revista Brasileira de Educação 179


Resenhas

Borges de (org.). Chaves para ler Aní- ção é um Direito, 2a ed. 1996; Educa- por Paulo Freire em seu ensaio Educa-
sio Teixeira. Salvador: EGBA/UFBA, ção no Brasil, 3a ed. 1999; Educação ção como Prática da Liberdade, em que
p. 11-85. para a Democracia: introdução à ad- o autor expõe o “Método” de Alfabeti-
NUNES, Clarice, (1994). Prioridade núme- ministração educacional, 2a ed. 1997 e zação de Adultos de maneira minuciosa,
ro um para a educação popular. In: Educação e Universidade, 1998. Todas contextualizando historicamente a pro-
Teixeira, Anísio: Educação não é Pri- contêm apresentação escrita por um posta e expondo seus pressupostos filo-
vilégio. 5a ed. Rio de Janeiro: Editora educador familiarizado com o pensa- sóficos e políticos.
UFRJ, p. 197-250. mento e a ação de Anísio Teixeira. Na introdução do livro, Weffort
3
TEIXEIRA, Anísio, (1956). Educação não Apresentação da tese Educação destaca as experiências do método na
é Privilégio. Revista Brasileira de Es- é um Direito destinada ao concurso ja- cidade de Angicos, no Rio Grande do
tudos Pedagógicos, v. 26, n. 63, p. 3- mais realizado para a cátedra de Admi- Norte, em 1962, onde 300 trabalhadores
31, jul.-set. nistração Escolar e Educação Compara- rurais foram alfabetizados em 45 dias.
_______., (1956). A escola pública, uni- da da Faculdade Nacional de Filosofia, Entre junho de 1963 e março de
versal e gratuita. Revista Brasileira de da Universidade do Brasil, 1958. 1964, desenvolveram-se cursos de capa-
4
Estudos Pedagógicos, v. 2, n. 64, p. 3- Os pronunciamentos menciona- citação de coordenadores em várias ca-
27, out./dez. dos, bem como o “Memorial dos Bispos pitais dos estados. No início de 1964,
_______., (1958). Educação é um Direi- do Rio Grande do Sul”, foram publica- estava prevista a instalação de 20.000
to. Tese apresentada para o concurso da dos na Revista Brasileira de Estudos círculos de cultura para dois milhões de
Cadeira de Administração Escolar e Pedagógicos, v. 29, n. 70, abr.-jun. analfabetos. O Golpe Militar interrom-
Educação Comparada da Faculdade Na- 1958. A primeria parte da declaração peu os trabalhos e reprimiu toda a mo-
cional de Filosofia da Universidade do dos prelados da Igreja Católica, saiu na bilização popular já conquistada. Paulo
Brasil. Rio de Janeiro. mesma revista v. 30, n.72, p. 84-88, Freire ficou detido por 70 dias e depois
________., (1994). Educação não é Pri- sob o título “Educação, ação social e foi exilado.
vilégio. 5a ed. Organização e apresen- política”. Weffort analisa que o Golpe de
5
tação de Marisa Cassim. Rio de Janei- A respeito, consultar a mesma Estado teve entre seus resultados (e
ro: Editora UFRJ. Revista Brasileira de Estudos Pedagó- também entre seus objetivos), a deses-
________., (1996). Educação é um Direi- gicos, v. 29, n. 70, p. 68-70, abr.-jun., truturação do que foi o maior esforço de
to. Apresentação de Clarice Nunes; 1958. Outros pronunciamentos pró e democratização da cultura já realizado
posfácio de Marlos B. Mendes da Ro- contra os princípios e propostas desse no Brasil. Apesar disso, ficou a semente
cha. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. educador, em defesa da escola pública que transcendeu os marcos do período e
_______., (1997). Educação para a De- e gratuita, poderão ser examinados no as próprias fronteiras do país.
mocracia : introdução à administração texto de Clarice Nunes, citado (1994, Durante o período de exílio, Paulo
educacional. 2a ed. Apresentação de p. 197-250). Freire participa de diversos projetos de-
Luiz Antônio Cunha. Rio de Janeiro: senvolvendo o Método de Alfabetização
Editora UFRJ. de Adultos e escreve algumas obras. É
_______., (1998). Educação e Universi- FREIRE, Paulo. Educação como prá- nesse momento que conclui o ensaio
dade. Organização, apresentação e in- tica da liberdade. 23a ed. Rio de Educação como Prática da Liberdade.
trodução de Maria de Lourdes de Janeiro: Paz e Terra, 1999. O livro está organizado em quatro
Albuquerque Fávero e Jader de capítulos:
Medeiros Britto. Rio de Janeiro: Edito- 1. A Sociedade Brasileira em
ra UFRJ. “A educação é um ato de amor, Transição – o autor apresenta sua inter-
por isso, um ato de coragem. Não pode pretação a respeito das forças políticas
Notas temer o debate. A análise da realidade. que disputavam o poder no início da dé-
Não pode fugir à discussão criadora, cada de 1960;
1
As duas conferências foram sob pena de ser uma farsa.” 2. Sociedade Fechada e
publicadas pela primeira vez na Revista Paulo Freire Inexperiência Democrática – Para justi-
Brasileira de Estudos Pedagógicos, n. ficar sua avaliação sobre o Golpe de Es-
63 e 64, 1956. Apresentação tado, Paulo Freire resgata vários mo-
2
Como parte desse projeto, a Edi- mentos da história do Brasil;
tora UFRJ publicou até o momento, Esta resenha se propõe a apresen- 3. Educação Versus Massifica-
além dessa obra, as seguintes: Educa- tar as reflexões e avaliações elaboradas ção – o autor explica sua concepção pe-

180 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14

Você também pode gostar