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1.

APRESENTAÇÃO DO E-BOOK

Olá amigas(os), alunas(os) do MEGE e futuros(as) Defensores(as) na


Bahia!

Estamos elaborando este material degustativo e de iniciação aos estudos


para que vocês tenham uma proximidade maior com a preparação para a
Defensoria Pública Baiana, instituição essa que se mostra como extremamente
relevante em nosso atual contexto social e que possui uma forte ligação e
identidade com os movimentos sociais e a população vulnerável, além das
minorias. Diante da proximidade cada vez maior com o edital de abertura do VIII
concurso para ingresso na carreira, não podemos deixar de nos preparar desde
já, para que este início ou retomada dos estudos seja aproveitado como um
diferencial até a nossa aprovação e posse.
1
Dessa forma, foi pensando em todo o carinho que temos pela instituição
defensorial baiana que passamos a elaborar este material, para disponibilização
gratuita, a fim de que possamos trazer um pouco mais de conteúdo a você, que
também é apaixonado(a) por esta instituição e que, certamente, se tornará
membro dela e auxiliará na prestação do serviço público de qualidade, em favor
de todos os necessitados, na intenção de construirmos um país mais justo e que
possibilite amplo, total e irrestrito acesso da população mais vulnerável (social,
econômica, culturalmente, etc.) ao Poder Judiciário.

Recentemente, foi dado mais um importante passo na evolução das


tratativas para este concurso, com a publicação do Regulamento do VIII concurso,
o qual trouxe as especificidades deste certame e, dentre elas, a expectativa de
constar expressamente o número de 18 (dezoito) vagas no edital, além da banca
ter sido definida como sendo a Fundação Carlos Chagas (FCC), mantendo, assim,
a tradição que já acompanha os concursos da Defensoria Pública Baiana.

Convidamos a todos(as) vocês para que conheçam um pouco mais sobre


a nossa Turma de Reta Final da DPE-BA, turma esta que está voltada totalmente
à realidade deste próximo concurso e que vai permitir que você calibre ainda mais
o seu sangue verde e parta com todo o gás para os certames vindouros da carreira
específica da instituição, turma esta que será lançada no dia 12 de maio de 2021,
ou seja, no mês da Defensoria Pública.

Sem maiores delongas, pois o tempo é curto e a preparação é grande,


apresentamos a vocês este material, para que sirva de instrumento no alcance do
seu objetivo, que é de se tornar Defensor(a) Público(a). Um grande abraço e bons
estudos!
2
Rafael Magagnin
Coordenador das Turmas de Defensoria Pública
@rafaelmagagnin no Instagram
@cursomege
2. DIREITO CONSTITUCIONAL
2.1 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

a) EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme artigo 5º, § 1º, da CF, “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”. O que isso significa? Há pelo
menos quatro posições na doutrina.

Entendimentos a respeito da interpretação do art. 5º, § 1º, da CF:


a) o texto teria sido mais preciso se dissesse “eficácia” imediata = aptidão para
produzir efeitos desde já (Virgílio Afonso da Silva).
b) todos os direitos fundamentais devem ser aplicados de forma imediata, ou
seja, são direitos subjetivos que podem ser desfrutados (Dirley da Cunha Jr.).
3
c) o dispositivo não deve ser interpretado como uma regra, mas sim como um
princípio, isto é, os direitos fundamentais devem ser aplicados de forma
imediata na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e
jurídicas existentes (Ingo Sarlet).
d) a regra geral é que os direitos fundamentais têm aplicação imediata; as
exceções são os casos em que o próprio constituinte exigiu expressamente uma
lei regulamentadora, por isso a necessidade de existência de Mandado de
Injunção (Novelino).

Note que apesar de estar no art. 5º, § 1º, da CF, a norma refere-se a todos
os direitos fundamentais, que, como já dito, estão espalhados pelo texto magno.
Claro que, diferentemente do que ocorre com as liberdades públicas, os direitos
sociais têm um custo alto (financeiro) e ainda um problema: podem ser
individualizados (alguém pode pedir uma prestação social para si, em seu
benefício). Por essas e outras razões, esses direitos gozam de menor efetividade
– quanto mais se amplia e se consagra formalmente os direitos sociais, maior é o
risco de que fiquem apenas no papel.

Ainda assim, segundo o paradigma moderno, há um mínimo existencial


a ser garantido: conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana
digna. Segundo Ricardo Lobo Torres (trouxe para o Brasil essa noção do direito
alemão), não existe um conteúdo específico no mínimo existencial. Em cada
época e em cada sociedade vai se construindo um conjunto de bens que são
indispensáveis, observados os parâmetros: dignidade da pessoa, liberdade
material e estado social. Já Ana Paula de Barcellos elenca os direitos que
comporiam o mínimo existencial: educação fundamental, saúde, assistência
social, acesso à Justiça.

Ao cabo, conforme defende Ingo Sarlet, com relação aos direitos sociais
o artigo 5º, § 1º, da CF deve ser entendido como um princípio (não como uma 4
regra), de modo que as normas (programáticas) definidoras desses direitos
devem ter aplicação imediata na maior medida possível.

Para além disso, duas questões são bastante importantes no trato dos
direitos sociais: (a) a intervenção judicial para sua implementação (ativismo
judicial) e (b) a defesa estatal via reserva do possível. Vejamos.

Até meados da década de 90, entendia-se que o Judiciário não poderia


intervir para implementar diretamente direitos sociais. Os argumentos eram de
que esses direitos possuem eficácia apenas negativa (normas de eficácia limitada,
dependentes de lei para ganhar eficácia positiva), a intervenção judicial seria
antidemocrática e ofenderia a tripartição dos poderes (os direitos sociais têm
textura aberta, ou seja, cabe aos órgãos representantes da vontade do povo,
Legislativo e Executivo, definir as prioridades e quais deles receberão maior
atenção no momento).

Ocorre que, em seguida, o Judiciário passou a conceder prestações


sociais sem maior controle. Exemplo disso é a concessão irrestrita de
medicamentos (inclusive fora das listas padronizadas do SUS). É bom lembrar que
nesses casos não há justiça comutativa (bilateral), mas distributiva (multilateral):
há o requerente (cidadão), o Estado (erário) e a sociedade toda, seja custeando a
decisão, seja porque todos na situação do requerente devem possuir o mesmo
direito – não se pode lhe conceder vantagem apenas porque ingressou com a
ação.

Atualmente, busca-se um equilíbrio para o ativismo judicial. Os


argumentos favoráveis à intervenção pontual são: o déficit democrático das
instituições representativas da sociedade (percentual estarrecedor dos políticos 5
respondem a processo penal); o caráter normativo da Constituição, que não é
uma carta de intenções (não dá conselhos ou faz exortações morais), mas norma
(o Judiciário ao aplicar direito social está apenas cumprindo sua função de aplicar
a norma); a inafastabilidade da jurisdição (quando os Poderes Legislativo e
Executivo se omitem ou retardam indefinidamente o cumprimento de um direito,
torna-se necessária a intervenção judicial); o conceito substancial de democracia
(muitos entendem que para que haja efetiva liberdade de escolha é preciso
garantir o acesso a direitos básicos como educação, saúde, alimentação...).

Segundo o STF, o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode


determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos
constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure
violação do princípio da separação de poderes (RE 440.028/SP). Para tanto, traça
alguns requisitos:
a) natureza constitucional da política pública reclamada;
b) existência de correlação entre ela e os direitos fundamentais;
c) omissão ou prestação deficiente injustificável por parte da
Administração (STF, ADPF 45).

OBSERVAÇÃO: Informativo 633 do STJ - A concessão dos medicamentos não


incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos
seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado
e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da
imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia,
para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii)
incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii)
existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos
autorizados pela agência. Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma 6
que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente
quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão
embargado, ou seja, 4/5/2018. EDcl no REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/09/2018, DJe
21/09/2018 (Tema 106).

Importante também: RE 657.718/MG: O Estado não pode ser obrigado a fornecer


medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais.

É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro


sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo
superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de
medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras;
II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de
regulação no exterior;
III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na
Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.

Dito isso, passamos à reserva do possível, expressão que surge na


Alemanha em 1972 com o julgamento pelo Tribunal Constitucional Federal do
seguinte caso: um grupo de jovens queria ingressar em determinada
universidade. Não há na Constituição alemã o direito à educação. O grupo
promove a ação afirmando que se não conseguissem ingressar na Universidade
não teriam liberdade de escolher livremente suas profissões (o direito de
liberdade de escolha profissional estava consagrado na Constituição Alemã). O
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tribunal alemão reconheceu que para que as pessoas tenham plena liberdade de
escolher sua profissão, é mesmo desejável que tenham acesso à universidade. No
entanto, não se tem como exigir que o Estado forneça a todos esses acessos por
uma questão de reserva do possível. O Estado não tem como atender a todas as
demandas sociais, devendo se concentrar no que lhe é possível.

Andreas Krell (professor alemão radicado no Brasil) tem um livro


bastante citado, inclusive pelo Supremo, em que defende que a reserva do
possível se aplica à Alemanha, onde um conjunto de direitos (mínimo existencial)
é efetivamente garantido à população. No Brasil, não seria cabível tal aplicação.
Já Daniel Sarmento defende exatamente o contrário: a reserva do possível se
aplica no direito brasileiro com muito mais razão, porque as limitações
orçamentárias aqui são muito maiores do que na Alemanha.
DIMENSÕES da reserva do possível (Ingo Sarlet):
a) possibilidade fática = disponibilidade de recursos necessários à satisfação do
direito prestacional (ônus da prova do Estado).
b) possibilidade jurídica = os gastos a serem feitos devem estar previstos em
lei (no orçamento) e definidas as competências (por vezes o município não tem
como atender todas as pretensões, mas no âmbito da União haveria orçamento
suficiente para atender àquelas despesas).
c) Razoabilidade da exigência e proporcionalidade da prestação = é razoável
ou não exigir do Estado a prestação e em que medida deve ser exigida (é ônus
do Estado demonstrar de forma clara que se a prestação for universalizada não
teria como ser atendida).

Quanto à possibilidade fática, remanesce uma questão bem interessante:


a análise deve-se pautar nos recursos para pagar a prestação de forma individual
ou universal? Segundo Daniel Sarmento, a prestação deve ser universalizada. Não
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se poderia pensar de outra forma, sob pena de lesão à igualdade (benefício a
quem ingressou com ação). Deve-se verificar, portanto, se o Estado poderia
custear a prestação para todos naquela situação (por este prisma é inviável
custear tratamentos de saúde milionários, fora do país).

Agora, abordando os temas conjuntamente, indaga-se: e quando houver


conflito entre reserva do possível e mínimo existencial, o que fazer? Ingo Sarlet
entende que em relação ao mínimo existencial, não se pode alegar a reserva do
possível (o mínimo existencial tem caráter absoluto). Já Daniel Sarmento assenta
que o mínimo existencial exige um ônus argumentativo maior do Estado no que
se refere à reserva do possível, ou seja, cabe ao Estado demonstrar de forma
muito mais ampla e profunda que, realmente, não tem como atender ao direito
pleiteado (vide artigo: “Proteção Judicial dos Direitos Sociais – Alguns parâmetros
ético-jurídicos”).
Por fim, retomemos o princípio da vedação ao retrocesso. José Carlos
Vieira de Andrade, autor português, refere que os direitos sociais geralmente são
consagrados em normas abertas, de modo que dependem da concretização pelos
poderes públicos. Pois bem, a partir do momento que a concretização é feita, esta
passa a fazer parte do próprio direito social – o Estado fica limitado, não podendo
mais retirar a concretização. Gustavo Zagrebelski, juiz da Suprema corte italiana,
chega a falar em impedimento de redução do grau de concretização de uma
norma de direito social (só poderia haver ampliação, nunca redução). O problema
é: e se houver redução de arrecadação?

José Carlos Vieira de Andrade e Jorge Miranda criticam o engessamento


das escolhas políticas: “a liberdade de conformação do legislador seria
praticamente eliminada se ele fosse obrigado a manter integralmente o grau de
concretização”, defendem que a vedação ao retrocesso “impede apenas a 9
revogação arbitrária ou desarrazoada que leve a um retrocesso injustificável”. A
liberdade de conformação do legislador é a regra. O legislador deve ter ampla
liberdade, exceto se for para agir de forma desarrazoada.

b) CLASSIFICAÇÃO

A teoria dos direitos fundamentais é repleta de controvérsias, sendo uma


delas a respeito da possibilidade de se classificar os direitos fundamentais.

Teoria UNITÁRIA Teoria DUALISTA Teoria TRIALISTA


- a profunda - divide os direitos - divide os direitos
semelhança entre fundamentais em: (1) fundamentais em: (1)
todos os direitos direitos de defesa direitos de defesa; (2)
fundamentais impede (incluindo os direitos direitos a prestações; e (3)
Teoria UNITÁRIA Teoria DUALISTA Teoria TRIALISTA
sua classificação em políticos) e (2) direitos a direitos de participação
categorias prestações (Ingo Sarlet). (Dimitri Dimoulis).
estruturalmente
distintas (Jairo
Schäfer).

Adotada a teoria trialista, temos:

a) direitos de defesa = aqueles que o indivíduo utiliza para se defender


do arbítrio do Estado (direitos individuais clássicos, ligados à liberdade e
à não intervenção estatal);

b) prestacionais = aqueles pelos quais o sujeito exige do Estado


prestações materiais, como saúde, educação, alimentação (caráter 10
positivo, demandando atuação estatal);

c) de participação = permitem a participação do indivíduo na vida política


do Estado (ligados à cidadania – direitos de nacionalidade e políticos).

Parte da doutrina traça um paralelo entre esta classificação e a teoria dos


quatro status de Jellinek.

Correspondência com a TEORIA DOS QUATRO STATUS:


a) direitos de defesa = o indivíduo goza de um espaço de liberdade diante das
ingerências dos poderes públicos.
* direitos e garantias individuais: status negativo – requer-se uma abstenção
estatal.
b) direitos prestacionais = o indivíduo tem o direito de exigir prestações
materiais (ex: saúde pública e moradias populares) e jurídicas (ex: leis
protetivas ao trabalhador e ao consumidor) do Estado.
* direitos sociais: status positivo – requer-se uma atuação estatal.
c) direitos de participação = o indivíduo possui competências para influenciar
na formação da vontade do Estado.
* direitos políticos: status ativo.

Jellinek ainda trata do status passivo, segundo o qual o indivíduo se


encontra submetido ao Estado na esfera das obrigações individuais (traça deveres
- ex: alistamento eleitoral). Pois bem, ao menos do ponto de vista formal (no texto
constitucional), os direitos fundamentais podem ser minimamente classificados.

Direitos e garantias fundamentais (gênero)  Título II:


Capítulo I: direitos individuais e coletivos (CF, art. 5º).
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Capítulo II: direitos sociais (CF, arts. 6º ao 11).
Capítulo III: direitos da nacionalidade (CF, arts. 12 e 13).
Capítulo IV: direitos políticos (CF, arts. 14 a 16).
Capítulo V: partidos políticos (CF, art. 17).

c) CARACTERÍSTICAS

Ainda que não haja unanimidade, a doutrina majoritariamente costuma


elencar algumas características dos direitos fundamentais, conforme segue:

UNIVERSALIDADE = a vinculação dos direitos fundamentais à dignidade,


liberdade e igualdade conduz à sua aplicação a todas as pessoas, independente
da cultura. Deve haver um núcleo mínimo de direitos a ser respeitado em
qualquer sociedade. Há severa polêmica envolvendo o multiculturalismo e
questões intranacionais (ex: regras internas dos grupos indígenas que levam
neonatos gêmeos à morte; mutilação genital feminina).

HISTORICIDADE = os direitos fundamentais são históricos por terem


surgido em épocas diferentes e por se modificarem com o passar do tempo,
conforme as necessidades sociais. Tal característica (se aceita) afastaria a
fundamentação jusnaturalista dos direitos fundamentais.

OBSERVAÇÃO: Dimensões ou gerações dos direitos fundamentais = direitos


políticos; direitos sociais, econômicos e culturais; direito ao meio ambiente
equilibrado e a paz; direitos genéticos e cibernéticos...

IRRENUNCIABILIDADE, IMPRESCRITIBILIDADE e INALIENABILIDADE =


não se admite renúncia, prescrição e negociação da titularidade (total e
perpétua), mas se admite tratativas em relação ao exercício (parcial e 12
temporária). Exemplo: pode-se ingressar no Big Brother Brasil ou abdicar dos
bens materiais e virar ermitão, o que não afastará o regresso à vida civilizada e à
futura aquisição de novas propriedades.

LIMITABILIDADE ou RELATIVIDADE = os direitos fundamentais


encontram limites em outros direitos (direitos de terceiros ou interesses da
comunidade) também consagrados na Constituição – princípio da convivência das
liberdades públicas. Algumas vezes o STF disse ser absoluto o direito de não ser
extraditado.

OBSERVAÇÃO: Norberto Bobbio considera absoluto o direito a não ser


torturado ou escravizado.
INTERDEPENDÊNCIA OU INDIVISIBILIDADE = a eficácia dos direitos
depende do conjunto (ex: os direitos individuais dependem dos direitos
econômicos).

NÃO TAXATIVIDADE = os róis de direitos são meramente


exemplificativos, havendo direitos fundamentais implícitos (ex: direito à busca da
felicidade - STF, RE 477.554/MG).

PROIBIÇÃO DE RETROCESSO = embora a história registre movimentos


pendulares no trato dos direitos fundamentais, como estes são produtos de lutas
e reconhecimento, não podem ser abolidos ou enfraquecidos (STF, ADI 1946).

CONCORRÊNCIA = é possível um único titular, ao mesmo tempo, exercer


vários direitos fundamentais (ex: procissão a céu aberto – liberdade de crença,
culto, reunião e locomoção). 13

d) SUJEITOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Sujeitos Ativos dos Direitos Fundamentais (Abrangência dos Direitos) –


Em regra, os direitos fundamentais se aplicam às pessoas físicas, brasileiras ou
estrangeiras residentes no País (caput do art. 5º da CF). Também se aplicam os
direitos fundamentais àqueles que estão no País, mas não são residentes, em
concordância com o princípio da máxima efetividade da CF. Segundo o STF o
termo “residentes no país” deve ser lido como “em território nacional”. Assim,
para o tribunal, nesse caso, o constituinte disse menos do que quis dizer (“dixit
minus quarum voluit”).

Ressalta-se que nem todos os direitos individuais e coletivos se aplicam


aos estrangeiros. Exemplos de direitos aplicáveis também aos estrangeiros:
direito de petição, habeas corpus etc. Exemplos de direitos não aplicáveis aos
estrangeiros: direitos políticos; ação popular; partidos políticos; nacionalidade
etc.

Os direitos fundamentais também se aplicam as pessoas jurídicas no que


lhes couber. Os próprios tribunais superiores já se pronunciaram afirmando que
as pessoas jurídicas possuem determinados direitos fundamentais (ex.: honra e
imagem).

Sujeitos Passivos – Em sua trajetória histórica, os direitos fundamentais


foram concebidos para proteger os particulares em face do Estado. Não obstante,
atualmente, admite-se também que os direitos fundamentais possam ser
opostos nas relações entre particulares, conforme se verificará a seguir.

e) EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 14

Os direitos fundamentais surgiram como proteção do particular em face


do Estado (tanto que fazem parte dos elementos limitativos da constituição).
Como a relação entre os particulares e o Estado é de subordinação (não de
coordenação), a eficácia dos direitos fundamentais ficou conhecida como
vertical. Porém, hodiernamente, verifica-se que, em alguns casos, não só o Estado
é órgão opressor dos indivíduos, mas também outros particulares. E como a
relação entre particulares é, pelo menos teoricamente, de coordenação, de
igualdade jurídica, fala-se em eficácia vertical e horizontal (eficácia privada,
perante terceiros ou externa) dos direitos fundamentais.

Eficácia VERTICAL Eficácia HORIZONTAL


- aplicação dos direitos - aplicação dos direitos fundamentais
fundamentais às relações entre o às relações entre particulares.
indivíduo e o Estado.

Tal entendimento não é pacífico e há muitas divergências sobre a eficácia


horizontal, com ao menos três posições principais (ineficácia, eficácia indireta e
eficácia direta) além da teoria integradora.

TEORIA DA INEFICÁCIA HORIZONTAL = nos EUA não se admite a


aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares, sob os
seguintes fundamentos:

a) liberalismo;
b) autonomia privada; e
c) interpretação do texto Constitucional de 1787. 15

Como uma maneira de relativizar essa impossibilidade, o direito


americano admite a doutrina da chamada “state action”.

Doutrina da “state action”:


- pressuposto = os direitos fundamentais só podem ser violados por meio de
uma ação estatal.
- finalidade = buscar afastar a impossibilidade de aplicação dos direitos
fundamentais às relações entre particulares e definir, ainda que de forma
casuística, as situações nas quais eles podem ser aplicados.
- artifício = equiparação de alguns atos privados a ações estatais (ex: company
town = proibição de que os Testemunhas de Jeová realizem culto dentro da
empresa em que viviam os funcionários).
TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA = prevalece na Alemanha
(Günter Dürig), tendo como ponto de partida a existência de um direito geral de
liberdades – podem até mesmo afastar em suas tratativas os direitos
fundamentais. Os direitos fundamentais não ingressam no cenário privado como
direitos subjetivos, havendo necessidade de uma intermediação do legislador,
definindo as situações jurídicas de aplicabilidade dos direitos fundamentais.

A teoria da eficácia indireta entende que a aplicação direta dos direitos


fundamentais às relações privadas provoca:
a) a desfiguração do direito privado, com perda de sua clareza conceitual.
b) aniquilação da autonomia da vontade, que é um dos princípios basilares do
direito privado.
c) violação dos princípios da segurança jurídica, da separação dos poderes e do
princípio democrático  a amplitude dos direitos fundamentais dá grande
margem de discricionariedade ao julgador.
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TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA = desenvolvida pelo juiz do


trabalho alemão Hans Karl Nipperdey (década de 1950), adotada na Itália,
Espanha Portugal e Brasil (STF, RE 161.243, RE 158.215/RS e R$ 161.243/DF). Os
direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente às relações entre
particulares, independentemente de “artimanhas” interpretativas, conquanto
não deva ocorrer na mesma intensidade verificada na eficácia vertical em razão
da autonomia da vontade.

TEORIA INTEGRADORA = a aplicação dos direitos fundamentais às


relações entre particulares deve ocorrer por meio de lei; contudo, se essa não
existe é possível que ocorra a aplicação direta (Robert Alexy e Beckenförde).
A doutrina trata ainda da EFICÁCIA DIAGONAL dos direitos fundamentais,
teoria desenvolvida pelo chileno Sergio Gamonal com base na ideia de
“assimetria substancial” de poder entre empresas e trabalhadores, que implicaria
na eficácia direta de direitos fundamentais nas relações trabalhistas.

Canotilho chama a atenção para a existência de um “núcleo irredutível


de autonomia pessoal”, que abarcaria direitos fundamentais que não podem
aspirar força conformadora no âmbito das relações privadas dado que isso
significaria, nas palavras do autor, “um confisco substancial da autonomia
pessoal”, citando como exemplo o pai que favorece um filho em relação ao outro
através de concessão da quota disponível, ou de um senhorio que promove ação
de despejo em face de determinado inquilino por falta de pagamento, mas que
abdica desse mesmo direito em relação a outro inquilino, nas mesmas
circunstâncias, pelo fato de este ter as mesmas convicções políticas. Não haveria
como impor a aplicação do princípio da isonomia no âmbito de tais relações 17
privadas, restringindo-se, assim, a eficácia horizontal de tais direitos.

f) “CROSS-FERTILIZATION” OU FERTILIZAÇÃO CRUZADA

Com o surgimento de questões que transcendem as fronteiras dos países


(ex.: refugiados), bem como com a facilidade de troca de informações entre
países, o direito comparado tem sido utilizado cada vez mais como um método
para solução de problemas que envolvam direitos humanos. Essa troca de
experiências no âmbito dos direitos fundamentais a doutrina tem denominado
cross-fertilization ou fertilização cruzada.
No Brasil, um exemplo da utilização do direito comparado na
jurisprudência do STF pode ser identificado na concessão de medida cautelar na
ADPF 347/DF, que reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” no sistema
penitenciário brasileiro baseando-se em jurisprudência da Corte Constitucional
colombiana.

CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO –


ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL –
ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito
fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil.
SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA –
CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e
persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e
falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas
abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o
sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas
inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – 18
CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse
público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional.
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados
juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e
Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a
realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de
24 horas, contado do momento da prisão. (ADPF 347 MC, Relator(a): Min.
MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016).

g) DIMENSÃO SUBJETIVA E OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A doutrina também classifica os direitos fundamentais a partir de dupla


perspectiva, uma subjetiva e outra objetiva, significando que os referidos direitos
são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem
constitucional objetiva.

Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos


titulares a prerrogativa de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados.
Por outro lado, em sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais formam a
base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.

De modo geral, quando nos referimos aos direitos fundamentais como


direitos subjetivos, temos em mente a noção de que ao titular de um direito
fundamental é aberta a possibilidade de impor judicialmente seus interesses
juridicamente tutelados perante o destinatário (obrigado). Desde logo,
transparece a ideia de que o direito subjetivo consagrado por uma norma de
direito fundamental se manifesta por meio de uma relação trilateral, formada
entre o titular, o objeto e o destinatário do direito. 19

Este tema foi expressamente cobrado na última prova objetiva do


concurso para ingresso na carreira da Defensoria Pública Baiana (FCC, 2016),
oportunidade em que a banca examinadora considerou correta a assertiva da
letra “E”, abaixo:

(DPE-BA, 2016 – FCC) No âmbito da Teoria dos Direitos Fundamentais,


(A) em que pese a doutrina reconhecer a eficácia dos direitos fundamentais nas
relações entre particulares (eficácia horizontal), a tese em questão nunca foi
apreciada ou acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.
(B) a cláusula de abertura material do catálogo de direitos fundamentais expressa
no § 2o do art. 5o da Constituição Federal não autoriza que direitos consagrados
fora do Título II do texto constitucional sejam incorporados ao referido rol.
(C) o princípio da proibição de retrocesso social foi consagrado expressamente no
texto da Constituição Federal.
(D) os direitos fundamentais de primeira dimensão ou geração possuem função
normativa de natureza apenas defensiva ou negativa.
(E) a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais está atrelada, na sua origem,
à função clássica de tais direitos, assegurando ao seu titular o direito de resistir à
intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual.

Há doutrina que divide os direitos fundamentais em sua dimensão


subjetiva em duas classes principais: Os direitos de defesa e direitos à prestação.
Os direitos de defesa impõem um dever de abstenção do estado, que deve
respeitar a autonomia individual do particular, como na hipótese do direito de
propriedade, inviolabilidade de domicilio, respeito à intimidade, e as liberdades
em geral.
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Já os direitos à prestação impõem uma conduta positiva por parte do
estado, que deve atuar no sentido de concretizar uma prestação em favor do
particular, como no caso no direito ao acesso à justiça.

A perspectiva objetiva vai além da subjetiva, identifica nos direitos


fundamentais o verdadeiro "norte" de "eficácia irradiante" que sustenta todo o
ordenamento jurídico. O reconhecimento de uma dimensão objetiva para os
direitos fundamentais traz consequências: os direitos deixam de ser considerados
exclusivamente sob uma perspectiva individualista e os bens por eles tutelados
passam a ser vistos como valores em si, a serem preservados e fomentados no
ordenamento.

 MULTIFUNCIONALIDADE
Sarlet, com base nos apontamentos de Canotilho, indica a circunstância
de os direitos fundamentais apresentarem uma dupla dimensão subjetiva (como
posições subjetivas, isto é, direitos subjetivos, atribuídas aos seus titulares), além
da feição objetiva subjacente, no que implica em uma multiplicidade de funções
dos direitos fundamentais na ordem jurídico-constitucional, não restrita a uma
visão unívoca.

Logo, estes se apresentam em variadas perspectivas, não havendo como


apontar uma dimensão estritamente subjetiva unilateral estanque, nem como
olvidar que o caráter objetivo estará sempre presente.

OBSERVAÇÃO: RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – LIMITES DOS


LIMITES

Conforme apontado, os Direitos Fundamentais não se revestem de um 21


conteúdo absoluto, notadamente em função do potencial conflito entre o
exercício de direitos fundamentais contrapostos em determinadas situações
fáticas, ou mesmo a colisão destes com outras normas de caráter fundamental
e estruturante dentro do ordenamento jurídico constitucional. Neste sentido,
cumpre destacar que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, porém
estas limitações devem observar segundo a doutrina um limite, consistente na
preservação do núcleo essencial destes direitos.

Para a teoria externa, os limites não teriam uma relação direta com a norma
fundamental, e podem ser os direitos fundamentais limitados de acordo com
as circunstâncias fáticas e jurídicas, na medida em que haja a necessidade de
compatibilização entre os direitos fundamentais no caso concreto. O direito e
a restrição seriam observados em perspectivas distintas e autônomas.
Já a teoria interna enxerga a limitação como inerente ao próprio direito. Assim,
indicar o limite da restrição seria em verdade delimitar o conteúdo do direito,
de maneira que eventual dúvida sobre o limite do direito não se confunde com
a dúvida sobre a amplitude das restrições que lhe devem ser impostas, mas sim
em relação ao próprio conteúdo do direito.

Em suma, para a teoria interna os direitos individuais consagram posições


definitivas (Regras), e para a teoria externa os direitos fundamentais apontam
posições “prima facie” (princípios).

h) DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

O rol de direitos e deveres individuais previstos capítulo 1 do título II da


Constituição Federal é exemplificativo (não taxativo), pois direitos dessa espécie
podem ser observados em outras passagens da Constituição. Como exemplo 22
podemos citar o art. 16, da Constituição Federal (princípio da anterioridade
eleitoral), que segundo o STF é uma garantia individual do eleitor e o art. 150, III,
"b" (princípio da anterioridade tributária), que de acordo com o STF é uma
garantia individual do contribuinte.

Doutrinariamente se considera que os direitos individuais são aqueles


titularizados pelo sujeito individualmente considerado. Por seu turno, direitos
individuais de expressão coletiva são aqueles direitos que cada pessoa,
individualmente considerada, possui, mas que somente podem ser exercidos de
forma coletiva. O direito de reunião (art.5º, XVI) e o de associação (art. 5º, XVII)
exemplificam esta espécie. Por fim, temos os direitos coletivos, que são
titularizados por uma categoria de pessoas, ainda que elas não possam ser
individualizadas de modo preciso.
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Rafael Magagnin
Coordenador das Turmas de Defensoria Pública
@rafaelmagagnin no Instagram
@cursomege

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