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Waldemir Rosa 18
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Waldemir Rosa
Palavras chaves: masculinidade, homem negro, racismo.
Assumindo como verdadeiro este ponto de vista, quando um ser humano é inserido
numa categoria de gênero, baseada em atributos anatômicos, isso é feito para controlar quais
“poderes” e, em que medida, serão permitidos a esse indivíduo. Desta forma, existe uma
diferenciação de poder inerente à diferença de gênero, de raça e de classe social. O que
apresento aqui é um exercício de articulação entre gênero e raça na constituição da
masculinidade do homem negro heterossexual em um país racista como o Brasil. A primeira
afirmação que se faz aqui é que a sociedade brasileira distribui de forma diferenciada o poder
tendo por base critérios de raça e gênero logo, entre homens e mulheres por um lado, e entre
brancos e não-brancos por outro e suas possibilidades de acesso / restrição aos mecanismos de
poder.
Em texto sobre o pensamento de Frantz Fanon e como este pensa à relação colonial,
Honi Bhabha escreve que “o estereótipo do nativo é fixado nas fronteiras deslizantes entre
barbárie e civilização; o medo e desejo insaciável pelo negro: ‘nossas mulheres estão a mercê
dos pretos... Sabe Deus como eles fazem amor’; o profundo medo cultural do negro figurado
no temor psíquico da sexualidade ocidental” (Bhabha, 2001: 71).
Quando se pensa a masculinidade hegemônica essa não inclui a maioria dos homens,
mas sim aquela parcela cuja masculinidade seja generalizável como concepção do que é ser
homem em uma sociedade. A virilidade é um componente importante da masculinidade
hegemônica. Os valores da virilidade são associados à posição de comando e de controlo. Lia
Zanotta Machado (1998) em artigo sobre a construção da masculinidade entre presos
apenados por estupro argumenta que a virilidade nem sempre é remetida a qualquer
desempenho de atividades sexuais. Ora é pensada como o desempenho de um comportamento
social vinculado à coragem, ao destemor, à independência e a iniciativa.
Pedro Paulo Oliveira afirma que a masculinidade é um dos caminhos possíveis para os
segmentos subalternos de conquistar o poder (Oliveira, op. cit, p. 109). Enfatizando a
articulação entre classe e gênero ele diz que a constituição de masculinidades não-
hegemônicas é comprometida com a posição de comando do homem de classe média, e em
última instância o que se busca é participar desta posição de status.
No caso dos apenados por estupros apresentados no texto de Lia Zanotta Machado o
que se percebe é uma grande intenção de culpabilizar as mulheres vítimas da violência sexual
pelos seus atos criminosos.
A noção de virilidade nos pode dizer sobre o estupro e o que a representação
de estupro nos pode dizer sobre a virilidade são perguntas que orientam
nossas reflexões. O imaginário da “sexualidade feminina como aquela que se
esquiva para se oferecer” parece ser a contrapartida do imaginário da
“sexualidade masculina como aquela que tem a iniciativa e que se apodera
unilateralmente do corpo do outro” (Zanotta Machado, op cit, p. 235).
Não basta dizer que essa adesão se dá em busca de status social. O “individualismo
social” não é capaz de explicar a reprodução das relações de gênero e raciais na sociedade
brasileira. Essa cadeia de “ações discriminatórias” operacionaliza a reprodução da sociedade.
Não nos é suficientemente nítido em que nível ocorre essa operacionalização. Pedro Paulo de
Oliveira (op. cit.) apresenta a restrição da possibilidade de busca de poder em outras esferas
da vida social para justificar a adesão a essa cadeia de “ações discriminatórias” como busca de
poder na esfera das relações de gênero. Outro elemento que ele apresenta é a eficácia da
reprodução simbólica dos estereótipos e na sua capacidade de modelar a face social dos
indivíduos.
Referência Bibliográficas
CARVALHO, Marília Pinto de. (1998) Vozes Masculinas numa Profissão Feminina. Im
Estudos Feministas Vol. 06 n. 1 Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ.
COSTA, Rosely Gomes. (1998) De Clonagens e de Paternidades: as entrecruzilhadas do
gênero. Im Cadernos Pagu. n° 11 Trajetórias de gênero, masculinidades... Campinas, Ed. da
Unicamp.
FANON, Frantz. (1983) Peles Negras, Mascaras Brancas. Rio de Janeiro. Fator.
MACHADO, Maria das Dores Campos (1998) Conversão Religiosa e a Opção pelam
Heterossexualidade em Tempos de AIDS. Im Cadernos Pagu. n° 11 Trajetórias de gênero,
masculinidades... Campinas, Ed. da Unicamp.
Notas
Mestre em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. Professor de antropologia e sociologia no Instituto de
Ensino Superior de Samambaia (IESA).
Este artigo é uma revisão do trabalho de final da disciplina Antropologia do Gênero oferecida pelo Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília no primeiro semestre de 2004 e ministrada pela
professora Rita Laura Segato.
1
Estamos considerando neste trabalho masculinidade negra como masculinidade heterossexual negra.
2
A argumentação que Pedro Paulo de Oliveira (op. cit) apresenta é que as masculinidades homossexuais poriam em
perigo a reprodução da família burguesa.
3
Não faz sentido definir uma feminilidade hegemônica referindo-se a posição da mulher branca de classe média, pois a
condição feminina nunca é tida como hegemônica na nossa sociedade. A argumentação mais plausível é sobre a
articulação de “variáveis discriminatórias” para de definir a diferenciação entre as mulheres brancas e negras.