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LEGITIMAÇÃO DIVINA DO PODER JUDICIAL E SEU IMPACTO

ICONOGRÁFICO NA CULTURA OCIDENTAL1

Georges Martyn2

Resumo

Do ponto de vista histórico e antropológico, existe uma estreita ligação entre religião e a
função judicial, em muitas culturas em todo o mundo. Com efeito, como o homem poderia
ser competente para julgar seus iguais se ele não foi autorizado a fazê-lo por Deus? Em
muitas culturas, originalmente, os mesmos 'funcionários' administram assuntos religiosos
e judiciais. Na Europa medieval, a fé cristã e a Igreja Católica Romana desempenham um
papel de primordial importância no âmago da sociedade, não apenas pelos meros serviços
religiosos, mas também na política e na cultura. A influência da Igreja na administração
da justiça (tanto através de tribunais próprios como por sua interferência em tribunais
seculares) é enorme. Textos religiosos são usados como argumentos jurídicos3, mas
também para legitimar a função judicial e seus tomadores de decisão. E não apenas
textos! Também imagens (religiosas) são veículos de legitimação. O Juízo Final, em
primeiro lugar, é onipresente, em manuscritos e livros impressos, mas também como uma
clássica decoração para salões da justiça. Este artigo analisa vários exemplos concretos
da história da arte e tenta descrever e analisar como a palavra e a imagem divinas foram
usadas para legitimar os tribunais 'modernos' emergentes de príncipes e cidades. Esses
tribunais, usando o procedimento romano-canônico, são os precursores do judiciário
atual. Nos tribunais de hoje, o uso de togas vermelhas e cortinas verdes, ou o ritual do
juramento, são apenas alguns aspectos remanescentes e observáveis de uma antiga e
carismática, porque divina, legitimação, usando imagens como vetores de significado.

Palavras-chave

Iconologia Jurídica. Iconografia Jurídica. Legitimação. Função Judicial. Iconografia


Cristã. Árvore. Juramento.

Sumário

1. Testemunhos primeiros dos 'lugares da justiça'. 2. O surgimento do tribunal ‘moderno’


no final da Idade Média. 3. Organização espacial medieval tardia da justiça. 4. O Juízo
Final. 5 Legitimação e exemplo. 6. Conclusão: uma emancipação dupla, mas lenta.

1
Versão em português feita por Caetano Dias Corrêa, professor do Curso de Graduação em Direito e do
Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, do texto original
“Divine Legitimation of Judicial Power and its Iconographical Impact in Western Culture”, publicado em
Human(ities) and Rights, Global Network Journal. Vol.1 (2019), Issue 1, p. 231-271.
2
Professor Titular de História do Direito. Faculdade de Direito e Criminologia. Universidade de Gante -
Flandres (Bélgica). O autor agradece ao dr. Stefan Huygebaert (da Faculdade de Artes da Universidade de
Gante) por suas sugestões enriquecedoras.
3
RENOUX-ZAGAME 2015, 386.
1. TESTEMUNHOS PRIMEIROS DOS ‘LUGARES DA JUSTIÇA’

O logotipo da Corte Constitucional da África do Sul é um símbolo redondo com


pessoas negras e brancas se reunindo debaixo de uma árvore com onze ramos (referindo-
se às onze línguas oficiais do Estado)4. A árvore 'sagrada' é, ao longo da história, também
em muitas outras regiões um símbolo da justiça e seus arredores imediatos são mais
concretamente o lugar onde a justiça é administrada. Os juízes se reúnem debaixo de uma
árvore5. Em muitos países europeus, ainda hoje, certos nomes dos lugares se referem à
localização da antiga árvore da justiça. Muitas vezes, uma espécie histórica, ou seu
substituto, ainda está lá presente6.

Antropologicamente, não é de surpreender que indivíduos e grupos atribuam


características especiais a uma árvore grande, forte e impressionante no centro da
comunidade, ou pelo menos na vizinhança de seu habitat (às vezes em uma colina sagrada
ou perto de uma nascente mística). Antes da introdução de religiões monoteístas, quando
se pensava que a divindade habitava no sol e na lua, ou em trovões e relâmpagos, as
árvores irradiavam poderes especiais. Enquanto homens e mulheres morrem, assim como
animais e plantas menores, as árvores parecem adormecer todo outono e inverno, reviver
na primavera, e crescer mais e mais alto, a cada ano novamente. Gerações vêm e vão, mas
a árvore milenar sobrevive a todas elas. O mesmo tronco que testemunhou reuniões,
disputas e decisões dos antepassados, continua a inspirar os mais jovens. Tempestades e
inundações destroem plantações e casas, enquanto a árvore sagrada ainda permanece
depois de todos os desastres. Na Europa, especialmente os carvalhos e tílias parecem ser
os tipos mais populares para desempenhar esse papel7.

4
https://www.concourt.org.za/. O prédio do tribunal, além disso, possui várias características arquitetônicas
e artísticas que vinculam justiça e arte (incluindo outras referências à árvore da justiça), e possui uma
coleção de arte notável. Nesse sentido, consultar os sítios https://www.ccac.org.za/ e
https://www.constitutionhill.org.za/pages/constitutional-court-art-collection. Um belo livro ilustrado sobre
o tema é: Ben LAW-VILJOEN (ed.), Art and Justice: The Art of the Constitutional Court of South Africa,
Joanesburgo, 2008.
5
Embora concentrando-se particularmente na França, uma boa visão geral da história dos espaços da justiça
se encontra em JACOB e MARCHAL-JACOB 1992. Uma excelente visão geral mais recente da história
dos tribunais, desde os tempos antigos até os Estados Unidos de hoje pode ser vista em RESNIK e
CURTIS 2011, especialmente no capítulo intitulado 'Das prefeituras do século XVII aos tribunais do século
XX', 134-153. Na Europa pagã, celtas, escandinavos e alemães sentavam-se debaixo de uma árvore para
decidir (NETTEL 2005, 529-530). Veja também MULCAHY 2011.
6
Para a Alemanha, ver LENZING 2005; NETTEL 2005, 529; WEBER 1997, 149. Para a Holanda, ver
VISSER e MOENS 2006.
7
VISSER e MOENS 2006. JACOB 1994, 39-64, liga lindamente a árvore milenar ao 'pilar do mundo',
ligando o céu e a terra, frequentemente substituído nos séculos posteriores por uma coluna de pedra como
símbolo de justiça e poder, bem como pela Santa Cruz; MULCAHY 2011, 15-17.
Sob a árvore da vila é onde a justiça é administrada, porque a administração da
justiça é uma das tarefas mais elevadas da vida comunitária, assim como a religião. A
justiça tem, em certo sentido, uma aura sagrada e, portanto, precisa de rituais8. Nesses
rituais, a necessidade de um lugar sagrado para a justiça é de importância
primordial. Portanto, delimitar o espaço da justiça é um primeiro passo crucial no
processo de reunir as partes, juntando-as aos decisores ou aos mediadores, para chegar a
uma decisão9.

Não é objetivo deste trabalho investigar se o vínculo entre administração da justiça


e religião, reunindo-se geograficamente no 'local sagrado da justiça' (não confundir com
o local da execução) é um mero fato antropológico ou uma construção histórica
cultural10. Nem é possível descrever os vários passos concretos da longa história da
cristianização dos países europeus, hoje pertencentes ao que pode ser a chamada ‘cultura
jurídica ocidental’. Muito foi escrito sobre o quanto mais 'pagã' a ‘Idade Média Cristã’
poderia ter sido do que se pensava e se ensinava; bem como sobre como os símbolos e
rituais pré-históricos foram cristianizados, adaptando velhos costumes a novas crenças11.
O objetivo do presente artigo é descrever, referindo-se a algumas obras de arte concretas,
de que maneira, assim na Idade Média tardia como também na pré-Modernidade e na
Modernidade, símbolos religiosos (ou carismáticos, em termos weberianos) tornaram-se
símbolos da justiça, bem como o judiciário usou, e ainda usa, imagens (de inspiração
religiosa) para legitimar seu poder.

No que diz respeito à administração da justiça, no século IV, as regras


procedimentais da administração da justiça e sua organização prática não mudam no
coração do Império Romano, quando a fé cristã é primeiro tolerada sob Constantino e
finalmente estabelecida como a religião oficial do Estado sob Teodósio. No entanto,
assim como os deuses romanos e

8
ARLINGHAUS 2004; GARAPON 1997, especialmente 23 e 38-39; OESTMANN 2006;
OSTWALDT 2006.
9
SCHMIDT 2006.
10
GARAPON 1997, 24, adverte explicitamente para não se encarar tal fato como um mero dado
antropológico.
11
Por exemplo, LE GOFF 1988; VAN ENGEN 1986 e 1991.
rituais sagrados acompanhavam a justiça, em uma constituição imperial, Justiniano dá
ordens explícitas para levar a Bíblia Sagrada ao fórum bem como para ouvir as partes e
decidir os casos 'na presença de Deus'.12 Essa regra do século VI, que consistia em levar
as Escrituras Sagradas ao lugar da justiça, pode ser visto um ritual precursor daquele
caracterizado pela presença do Juízo Final em tribunais medievais (infra), segundo o qual,
como 'sendo consagrados pela presença de Deus, [os juízes] decidem com a ajuda de um
poder superior'.
Grupos étnicos pagãos fazem o império ocidental colapsar já nos séculos IV e V,
enquanto leva quase um milênio para terminar o Império Bizantino. No início da Idade
Média, na Europa, com fortes divergências de norte a sul e de leste a oeste, o cristianismo
primeiramente retrocede, mas depois se restabelece, não apenas como religião, mas
também como instituição. Como estrutura organizada, a Igreja, com sede principal em
Roma, consegue sobreviver à queda do Império Romano do Ocidente. Para o
conhecimento em geral, mas particularmente no que diz respeito ao direito e à ciência
jurídica, não se pode superestimar o papel de ponte que a Igreja desempenha entre a
Antiguidade e a Idade Média. Via escolas catedrais e mosteiros, e mais tarde via
universidades, a Igreja era a guardiã dos 'livros'. 'O livro', é claro, é a principal fonte de
sabedoria. Mas, como "ecclesia lege romana vivit ", deve-se enfatizar particularmente a
salvaguarda do patrimônio jurídico romano. A Igreja usa e adapta lentamente a
terminologia, os conceitos, as regras e as estruturas romanas. E é também um transmissor
de muito simbolismo jurídico-iconográfico13.

12
No título do Código Justiniano que trata de Julgamentos (III.1), uma constituição de 530 estabelece (texto
em inglês de SP Scott, Cincinatti, 1932, aqui traduzido livremente): 'Não estamos apresentando nada de
novo ou incomum, mas apenas o que já foi estabelecido pelos antigos legisladores, pois sempre que essas
regras foram tratadas com desprezo, resultaram prejuízos não pequenos ao litígio. Quem ignora o fato de
que juízes em épocas anteriores não podiam aceitar o ofício judicial, a menos que jurassem anteriormente
que, em todas as ocasiões, decidiriam de acordo com a verdade e em conformidade com a lei? Portanto,
decidimos que […] falando em termos gerais, todos os juízes instruídos no direito romano não devem se
comprometer a ouvir um caso, a menos que as Sagradas Escrituras tenham sido previamente colocadas em
frente ao tribunal e permanecem lá, não apenas durante o início, mas também durante todo o exame, até a
promulgação da decisão final. Se, portanto, prestando atenção às Sagradas Escrituras e sendo consagrados
pela presença de Deus, eles julgam os litígios com a ajuda de um poder superior, que eles saibam que não
devem julgar os outros em nenhum outro maneira que eles mesmos estão sendo julgados, pois isso será
mais terrível para eles do que para os próprias partes; pois enquanto os litigantes são julgados pelos homens,
eles mesmos apresentam os casos a serem sopesados e determinados com a assistência de Deus. Este
juramento judicial será divulgado a todos, e deve ser acrescentado por nós à lei romana e observado por
todos magistrados [...]’.
13
CARLEN 2004.
Quando, grupo étnico por grupo étnico, ou território por território, é Cristianizado,
isso não apenas abre o caminho para a (re)romanização do direito por vários canais de
transplante jurídico – em uma visão bastante dogmática de cima para baixo –, mas
também abre o caminho para uma cristianização do ritual judicial – tendo em vista a
administração da justiça diária pelos bancos e pelos órgãos de solução de controvérsias
locais e costumeiros, de um ponto de vista mais sociológico e numa perspectiva de baixo
para cima. A árvore da justiça pagã, em particular, é fluentemente adaptada ao novo
contexto sociorreligioso, tanto na prática quanto na teoria.

Falando de forma bem pragmática, as árvores 'sagradas' podem continuar com sua
função sagrada. Um crucifixo, geralmente feito pelos próprios galhos da árvore, é fixado
ao tronco. Ou o tronco é o lugar onde está hospedada uma estátua da Virgem Maria. Nas
regiões germânicas, Maria está substituindo a deusa Freya14. Nas copas de algumas
árvores a aparição da mãe de Cristo é testemunhada, enquanto muitas árvores (com
símbolos anexados a eles ou capelas embaixo) tornam-se o centro de peregrinações e
adoração.

A distribuição da Palavra Sagrada também substancia teoricamente a relação entre


justiça e Deus, religião, sacerdotes e, particularmente, a vocação da árvore como local
sagrado para a administração da justiça15. Deuteronômio 17, 8-916, 15 afirma: “(8)
Quando alguma coisa te for dificultosa em juízo, entre sangue e sangue, entre demanda
e demanda, entre ferida e ferida, em negócios de pendências nas tuas portas, então, te
levantarás e subirás ao lugar que escolher o Senhor, teu Deus; (9) e virás aos sacerdotes
levitas e ao juiz que houver naqueles dias e inquirirás, e te anunciarão a palavra que for
do juízo”. Particularmente, o Livro dos Salmos, do Antigo Testamento, foi influente na
oferta de textos legitimadores, pois em tal livro o rei terrenal, o padre e o juiz são descritos
como representantes de Deus, investidos de poder jurisdicional17. A justiça, como o poder
em geral18, é delegada ao homem, mas é administrado em nome de Deus. De acordo com
2º Crônicas 19, 6: “E disse aos juízes: Vede o que fazeis, porque não julgais da parte do

14
VISSER e MOENS 2006.
15
CHASSAN 1847, passim.
16
Para todas as citações da Bíblia é usada a versão Almeida Revista e Corrigida, disponível em
https://www.bibliaonline.com.br/arc.
17
SCHILD 1995, 121-125 fornece várias outras referências bíblicas.
18
DEUTSCH 2012.
homem, senão da parte do Senhor, e ele está convosco no negócio do juízo”. E onde o
homem se senta para o julgar? Uma árvore de justiça é explicitamente mencionada na
Bíblia. Em juízes 4: 4-5, uma juíza é mencionada, sentada embaixo de uma palmeira19.

2. O SURGIMENTO DO TRIBUNAL MODERNO NO FIM DA IDADE MÉDIA

Quando, na Primeira Idade Média, os muitos grupos étnicos que viajam e se


estabelecem em toda a Europa são cristianizados, isso não traz imediatamente consigo
novas instituições e rituais para a administração da justiça. Contudo, dentro dos processos
de solução de controvérsias, a legitimação divina muda do paganismo à crença
cristã. Ilustrativa, por exemplo, é a sobrevivência de métodos irracionais de prova,
tomando conteúdo de elementos cristãos. A ordália com água fervente ou ferro quente
provavelmente tem raízes pagãs, mas o fato de que o suspeito tem que voltar ao tribunal
e mostrar suas feridas depois de três dias, é uma referência clara à Trindade e aos três dias
da morte de Cristo à sua ressurreição na Páscoa20. Métodos pagãos como o uso dos ramos
do oráculo perdem popularidade, enquanto provas irracionais claramente inspiradas pelos
cristãos são instaladas, como o iudicium crucis: as duas partes alegando pontos de vista
opostos tem que levantar os braços e ficar em forma de cruz. O que abaixa seus braços
primeiro perde o processo, já que se pensa que o mais forte tem o socorro de Deus21.

Enquanto o Quarto Concílio Lateranense, em 1215, proíbe esse tipo de ordália22,


deve ser sublinhado que provavelmente a prova mais irracional, pelo contrário, começa a
desempenhar um papel crucial: o juramento individual, um conceito com raízes teológicas
e canônicas. A força do juramento é exatamente o fato de que se baseia na relação entre
a alma individual de uma pessoa e a Justiça Divina. Quebrar um juramento ou não dizer
a verdade enquanto estiver sob juramento pode levar à condenação eterna. E isso faz, na
Idade Média cristã, uma arma muito forte na busca da verdade judicial.

19
“(4) E Débora, mulher profetisa, mulher de Lapidote, julgava a Israel naquele tempo. (5) E habitava
debaixo das palmeiras de Débora, entre Ramá e Betel, nas montanhas de Efraim; e os filhos de Israel
subiam a ela a juízo.”
20
19 A pessoa submetida a esta ordália tinha que pegar um metal incandescente ou tinha que enfiar a mão
no fogo ou em uma panela com água fervente. As feridas eram enfaixadas e reveladas após três dias. A cura
das feridas significava que a pessoa estava "limpa/pura", isto é, sem culpa, enquanto a inflamação das
feridas representava culpa.
21
GANSHOF 1963; BARTLETT 1986.
22
SUTTER 2008, 97-99; VAN CAENEGEM 1990, 264 e 274.
Ao fazer o juramento, na maioria dos casos23, é preciso colocar a mão na Bíblia,
em um crucifixo ou em relíquias24, enquanto levanta a outra mão e mais particularmente
polegar, indicador e dedo médio, para o céu25. Os três dedos, mais uma vez, se referem à
Santíssima Trindade e também são usados tanto para o gesto de bênção, quanto para o
juramento. O gesto é representado em algumas pinturas muito significativas da justiça no
medievo-tardio. Notável é o painel Prestando Juramento, de Derick Baegert (1440-
1515)26. Na frente, no meio, podemos ver um funcionário do tribunal segurando algum
tipo de relicário, encimado por uma cruz, na frente de um homem que deve prestar
juramento. Ele já levantou a mão direita, mostrando três dedos. Na parte de trás, em um
banco elevado, sentam os juízes. O presidente do tribunal aponta explicitamente para a
pintura do Último Julgamento pendurado na sala do tribunal (é um quadro dentro do
quadro). O painel de Baegert testemunha a presença da representação do Juízo Final nas
salas de justiça (infra), mas também mostra de maneira muito explícita como os cidadãos
do medievo tardio eram ‘iconograficamente convencidos’ da importância vital do
juramento27. À esquerda e à direita do prestador de juramento central aparecem, a saber:
um diabo e um anjo. O primeiro desafia o homem a mentir, afirmando (traduzindo as
palavras escritas em letras douradas no painel): “Levante a mão, não se envergonhe, você
pode jurar em nome de todos os demônios!” O anjo, no entanto, sussurrando no ouvido
do homem, adverte: “Não faça um juramento falso, ou você perderá o seu bem eterno”.
É uma referência clara ao Último Dia, quando todas as almas serão julgadas pelo próprio
Deus.

A pintura de Baegert ilustra claramente que, no século XV (é difícil encontrar


pinturas em painel mais antigas, e também em manuscritos ilustrados representações de

23
Assim como existem diferentes tipos de juramentos, também existem muitos outros (no entanto, menos
comuns) rituais para prestar juramento, DILCHER 1971; SCHRAGE 2005, 32.
24
Para exemplos do uso de um crucifixo ao prestar juramento, consultar DE BUSSCHER 1866, 71 (Gante,
o crucifixo de juramento usado nos dois bancos da cidade); MOELANDS 2003, 172 e 176 (Bruges, o
juramento de um tutor).
25
CALLEWAERT 2009; DILCHER 1971. Pela representação iconográfica do juramento, ver
GOMBRICH 1986.
26
Wesel (Alemanha), Städtisches Museum-Galerie im Zentrum, 1493-1494, óleo sobre painel, 149,5x173,5
cm. Imagens das pinturas mencionadas neste artigo podem ser facilmente encontradas na rede mundial de
computadores, digitando o título e o nome do artista. Uma mulher prestando juramento, levantando três
dedos, é retratado em uma pintura muito análoga encomendada pelo juiz da cidade de Graz, Nicolas Strobel,
representando tanto o juiz terreno como o último julgamento acima. Ver KOCHER 1992, 103,
ilustração 152
27
Sobre a idéia de 'aprender a ver', ou quod legentibus scriptura, hoc idiotas pictura, ver ILLMAN
MEYERS 1996. FRANÇA 2018, 160, lindamente chama de muta eloquentia.
tribunais são muito escassas28), direito canônico e religião influenciam completamente a
administração da justiça. O direito letrado, estudado e lecionado por legistas e canonistas
nas universidades, havia penetrado no direito positivo e na justiça pouco a pouco,
principalmente a partir do final do século XI. Uma das principais construções desse ius
commune da cooperação intelectual e prática do medievo tardio é o procedimento
romano-canônico29. Regras semelhantes para os julgamentos civis e criminais se
espalharam por toda a Europa através de vários canais de recepção: o estabelecimento de
novas universidades, a divulgação de manuscritos e livros impressos (muitas vezes
manuais para uso local), a profissionalização do direito e da justiça, nova legislação
emergente dos governantes absolutistas, a codificação do direito consuetudinário etc.

A oportunização de recursos de decisões e a criação de tribunais centrais


estimulam a recepção das novas regras e dos novos conceitos processuais, baseados no
direito romano e no direito canônico. Enquanto nos antigos bancos locais costumeiros,
velhos sábios aplicavam regras não escritas, nos novos tribunais os homens instruídos
aplicam textos escritos.

Neste ponto, as imagens têm um papel a desempenhar. Enquanto a recepção faz


com que a linguagem jurídica não seja mais aquela habitual local, mas começa a se tornar
um jargão dos especialistas, as imagens podem ‘conversar’ com todos. “A linguagem
divide, mas a visãonne”, como escreve Goodrich30. Além disso, a mudança para um
sistema jurídico e judicial construído meramente com base na razão provavelmente pode
aumentar a necessidade de legitimação carismática. Nesse contexto, a iconografia tem
seus méritos. O uso de imagens é crucial para a grandeur e a gravitas da lei e da justiça31.

Um ótimo exemplo do papel fundamental do direito romano e canônico para a


administração da justiça do medievo tardio é o projeto iconográfico (1508-1511) de
Rafael (1483-1520) para aStanza della segnatura no Vaticano, um salão usado como sala

28
L'ENGLE 2001.
29
SCHMOECKEL 2008; VAN CAENEGEM 1973.
30
GOODRICH 2013, 508: “O visual é o principal utensílio e meio de transmissão da lei porque, como a
própria lei, o visual toca todos [...]”.
31
GOODRICH 2013, 498-499, relata um experimento com dois grupos de audiências judiciais; embora os
mesmos argumentos sejam usados em duas configurações completamente diferentes, a decisão tomada por
um tribunal decorado e belo é aceita com mais facilidade do que aquela dada/rendida por um sóbrio órgão
burocrático.
de audiências para o tribunal papal da Signatura Gratiae . No teto, literalmente exaltada
como maior virtude, está a Dama Justiça, com olhos baixos, espada e escalas. A entrada
da sala, no entanto, é ladeada por duas pinturas, compondo, juntamente com as três outras
virtudes cardeais acima da porta, o que foi chamado de 'muro da justiça' (como as outras
paredes estão ilustrando a outros três dos quatro aspectos humanistas da cultura e da
sabedoria: teologia, filosofia, poesia e justiça). Textos jurídicos fundamentais do direito
romano e canônico estão representados aqui, como o imperador Justiniano está recebendo
o Digesto de Triboniano e Raymond de Peñaforte está oferecendo seu Liber Extra ao papa
Gregório IX32. A parede ilustra lindamente a importância das fontes romano-canônicas,
nem legislação nem direito consuetudinário são representados aqui.

Mas a iconografia legal pode fazer mais do que apenas ilustrar. Um notável
exemplo de iconografia performativa é uma pintura de Gante (na região de Flanders, na
Bélgica) por volta de 1700 encomendada por uma banca local de comerciantes: O
Castigo do Perjurador33. A imagem foi realmente usada no tribunal e era colocada mais
exatamente na frente de alguém que tinha que prestar juramento. A imagem ajudou a
manter o ritual do juramento em continuidade34. Para convencer essa pessoa a ser honesta,
a pintura mostra, ou, na verdade, 'alerta' o que acontece aos perjuradores. Em certo
sentido, esta obra de arte no forum externium é direcionada para o forum internum de
quem a via35. Vemos um homem ajoelhado e levantando os três dedos da mão direita em
juramento. No entanto, como o homem está mentindo, todos os membros do tribunal (em
seus vestidos pretos), o escrivão do tribunal e os funcionários reagem completamente
surpresos. Sua consternação é causada pela entrada de uma figura diabólica, que apreende
o perjurador e o leva embora do tribunal ... para o canto direito da pintura. Isso não é
surpreendente: é o canto da mão esquerda, do lado sinistro ou ruim dos juízes (infra). Isso
é o que acontece com os perjuroadores: eles acabam no inferno. Como Lúcifer em pessoa
vem e prende o homem, o tribunal fede: um funcionário da justiça prende o nariz por
conta do cheiro de enxofre. É claro que a pintura usada nessa corte dos séculos XVII-

32
LACERDA 2010a, 15-16.
33
Gillis Le Plat (1656-1724), De bestraffing van de meinedige, 1675-1724, óleo sobre tela, 158x280 cm,
Gante, STA’M Museum (imagem disponível em www.erfgoedinzicht.be). Uma pintura similar foi feita por
Nicolas de Liemaeckere (1601-1646) em 1642 para a prefeitura de Assenede, na região da Flandres, onde
o contador local descreve a cena com sendo “para servir de advertência e exemplo às pessoas ignorantes ou
mâs que teriam a ousadia de falsificar um juramento”, DE USSCHER 1866, 149-150.
34
Um dos papéis da iconografia jurídica é, de fato, salvaguardar a memória dos rituais legais,
BUHLER 2004, 171-173; GOMBRICH 1986.
35
GOODRICH 2011, 784.
XVIII tem um papel prático, digamos ritual, e que, por volta de 1700, o papel da religião,
do céu e do inferno, ainda é crucial36. É uma boa ilustração da função exemplar de
imagens em tribunal em geral, e dos exempla iustitiae mais particularmente37.

O primeiro e mais inspirador exemplo durante o Ancien Régime, no entanto, é o


Juízo Final. Liga Deus no céu à justiça terrena, administrada por príncipes, juristas e
vereadores. Mais do que por dar um exemplo, legitima proeminentemente o ato da justiça,
como um dos elementos centrais do poder como tal.

3. ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA JUSTIÇA NO MEDIEVO TARDIO

No medievo tardio emergem tribunais centrais, como o Parlement de Paris e


outros parlements franceses, o Reichskammergericht no Sacro Império Romano, ou os
tribunais principescos territoriais da Holanda. Eles são compostos por juristas diplomados
e situados em salas especialmente dedicadas nos palácios do Príncipes. O que realmente
acontece é algum tipo de separação de poderes de fato. Rituais, cores e símbolos - pense
em heráldica - já foram usados pelos príncipes e cidades medievais, de modo que os
tribunais principescos e municipais também poderiam se beneficiar desse caráter
legitimador. Mas a iconografia religiosamente inspirada, em particular, aprimorou a
legitimação carismática.

Essas novas instituições, compostas por juristas profissionais e funcionários,


começam a decorar seus locais de trabalho. Eles não são os únicos nouveaux riches a
demonstrar o que eles podem pagar. Nas cidades de comércio crescente e nas
administrações distritais ricas, bancos de vereadores e outros corpos governamentais
também começam a se profissionalizar e se especializar. Um novo grupo social de
funcionários judiciais emerge.

36
E continuaria a sê-lo ainda depois da Revolução Francesa. Um notável exemplo de decoração de tribunal
do século XIX histórica e religiosamente inspirada, é a pintura La punition du parjure de Pieter van der
Ouderaa (1841-1915), 1888, Antuérpia, (antigo) Palácio da Justiça. Um perjurador arrependido é
posicionado centralmente, ajoelhado, junto com um monge, diante do Cristo crucificado. A pintura de
parede é uma dos únicos crucifixos ainda in situ em um tribunal belga, lá estando por ser uma obra de arte.
Ver Stefan HUYGEBAERT, “The Judge, the Artist and the (Legal) Historian: Théophile Smekens, Pieter
Van der Ouderaa, Pieter Génard and the Antwerp cour d’assises”, em: H UYGEBAERT 2018, 407-432.
37
MARTYN 2006; RODRÍGUEZ LÓPEZ 2003, 17-18.
Originadas na necessidade deste grupo de legitimar seu poder judicial, os rituais
e as decorações têm um impacto importante na organização concreta dos novos locais da
justiça. Depois de ter julgado abertamente, primeiro debaixo de uma árvore, depois nos
portais e pórticos da igreja38, tribunais passam para salas de justiça (internas) de palácios
principescos e prefeituras. Mesmo algum tipo de concorrência entre as cidades mais
importantes de uma região pode ser testemunhada, muitas delas encomendando obras de
arte relacionadas à lei e à justiça aos artistas mais famosos do seu tempo39. É o começo
de uma rica tradição iconográfica, que continua até o final do Antigo Regime e alcança
até mesmo os séculos XIX e XX40. Pode-se afirmar que o uso de imagens da lei, e
particularmente a decoração de lugares judiciais, acompanha a profissionalização,
especialização e burocratização da administração da justiça, impulsionada por múltiplos
fatores de construção do Estado, um deles sendo a recepção do ius comune. Sem perder
um vínculo estreito com a legitimação divina (infra), a justiça se afasta da religião:
embora em aldeias menores, bancos de vereadores continuam tendo sessão nos pórticos
da igreja, tribunais mais profissionais têm seus próprios edifícios; o uso de provas
irracionais se torna raro; assuntos meramente canônicos em sua origem (por exemplo,
testamentos) passam do fórum eclesiástico para o secular; clérigos são substituídos por
funcionários públicos nos escritórios administrativos etc.

Não é mera coincidência que, nesse mesmo período, também a própria arte se
profissionaliza (por exemplo, com o estabelecimento de guildas de artistas) e se
especializa (pintores de casas, iluminadores, pintores de painéis, gravadores, etc.),
rompendo, por assim dizer, com a Igreja. Enquanto (excetuado algum trabalho heráldico
encomendado pelos mais poderosos) quase toda iconografia na Idade Média é cristã,
representando santos e cenas da Bíblia, o século XV testemunha um tipo de secularização,
com encomendas que passam a ser feitas por um grupo social crescente, que poderia ser
visto como uma camada de nouveaux riches, compostas por comerciantes individuais e

38
ACKERMANN 1993; DEIMLING 2004, 324-327; WEBER 1997, 143-145. Não é coincidência que as
portas das igrejas sejam frequentemente pintadas de vermelho, pois o vermelho é a cor da justiça (infra).
Mesmo quando as cidades maiores tinham sua própria prefeitura, punições e perdões públicos, como o
ritual da amende honorável, geralmente aconteciam no alpendre da igreja, LECUPPRE- DESJARDIN
2013, 145. Há pelo menos um tribunal costumeiro ainda tendo sessões em seu antigo local: os juízes
do Tribunal de Águas da Vega de Valência, responsáveis por disputas de irrigação na Horte de Valencia
ainda se reúnem em um dos portais da catedral da cidade, reconhecido como patrimônio cultural intangível
da humanidade, https://tribunaldelasaguas.org.
39
MARTYN 2006, 339. Para um estudo recente sobre um grande exemplo alemão (Lüneburg), consulte
HUBRICH 2018.
40
HUYGEBAERT et al. 2018; PLEISTER e SCHILD 1988, esp. 86-171; RESNIK e CURTIS 2011.
guildas, mas também por órgãos de governo e governantes individuais, funcionários e
homens instruídos41.

Em qualquer museu ordenado cronologicamente, as primeiras salas são


preenchidas com mera iconografia religiosa, originária de igrejas e mosteiros. No século
XV e no início do século XVI, esses temas centrais, a princípio, realmente não se alteram,
mas homens mortais (e apenas excepcionalmente mulheres) aparecem à margem de uma
composição ou em um dos painéis de um políptico42. Eles são frequentemente retratados
como priant (ajoelhados e com as mãos levantadas em oração). Os encomendadores
identificados são estadistas, nobres e comerciantes, mas muitas vezes também vereadores
ou juristas. Quando anônimos, seus trajes pretos (advogados) ou vermelhos (magistrados)
indicam suas atividades jurídicas. Além dessas encomendas individuais, a tradição de
decorar prefeituras e salas de justiça é um tipo importante de trabalho, lentamente
afastando-se de temas puramente religiosos. O Juízo Final é a primeira e mais importante
representação da justiça para os tribunais, mas depois de um segunda onda de julgamentos
bíblicos, como os de Salomão e de Daniel (sobre a casta Susana), torna-se moda ter
imagens de justiça inspiradas na mitologia, na história ou em lendas43.

De maneira mais geral, quando os novos tribunais se instalam em prédios, o


cenário (e a legitimação) originais da administração da justiça ao ar livre continuam a
influenciar a organização da sala de justiça. Alguns veem a antes singular árvore da
justiça repetida nos pilares dos templos da justiça44, mas na minha opinião esta é uma
comparação exagerada, como se um único pilar fosse suficiente. Existem, no entanto,
outras comparações a serem feitas. Assim como foi o caso do Hegung do lado de
fora45, na maioria dos tribunais, um espaço é delimitado para o público, de um lado, e, de
outro, fica o assim chamado parc, onde apenas entram funcionários (a cancela ou cerca
de madeira está na origem da palavra francesa ‘parquet’ como um nome para o Ministério

41
O historiador de arte Hans Belting (1994) tornou-se famoso por proclamar a era histórica de arte antes
do Renascimento como sendo "anterior à era das artes", exatamente porque, antes do Renascimento, obras
de arte (puramente religiosas) não eram vistas como objetos estéticos, mas como ritualísticas objetos de
veneração.
42
Um exemplo mundialmente famoso é o rico vereador local Joos Vijd no plíptico do Cordeiro Místico de
Ghent. Ver recentemente PRAET e MARTENS 2019, 50-115.
43
DE RIDDER 1989; LEDERLE 1937; MARTYN 2006; SCHILD 1995, 176-192; SUTTER 2008, 29-
93; VAN DER VELDEN 1995.
44
GARAPON 1997, 41-42.
45
JACOB 1994, 94; NETTEL 2005, 530-531.
Público)46. Representações coloridas das salas de justiça do Ancien Régime mostram
como a mesa ou 'buffet' do juiz é principalmente coberto com um pano verde, ao passo
que, à primeira vista, poder-se-ia esperar um pano vermelho, sendo vermelho a cor da
justiça (infra). Verde, no entanto, refere-se às antigas sessões ao ar livre do
tribunal. Muitas vezes, também as paredes são pintadas de verde ou cobertas com cortinas
verdes47. Um belo e preservado exemplo de uma sala de justiça do Ancien Régime é o da
Liberdade de Bruges48, retratado pelo pintor Gillis van Tilborgh em 165949. Pode-se ver
que as paredes são cobertas com tapeçarias com design verdejante.

Outra referência à configuração milenar sob a árvore da justiça é a forma adornada


de muitas bancadas, onde juízes, e especialmente o presidente do tribunal ou o
representante do príncipe, estão sentados50. Assim como em alguns tronos reais, o assento
do juiz é adornado com um baldaquino. Esse tipo de cobertura é uma reminiscência da
antiga copa das árvores e, de fato, muitas delas têm desenhos de folhas ou galhos51.

Pela mesma razão, não surpreende que, em muitos casos, a vara de justiça, como
símbolo da justiça, tem a forma de um galho, com nós e cortes, como se tivesse sido tirada
recentemente de uma árvore (da justiça)52. Quando séculos atrás, uma decisão era tomada
'debaixo da árvore' e tinha que ser executada, a vara, isto ém um galho - literalmente
como pars pro toto para toda a árvore da justiça – foi um símbolo perfeito para o juiz,
oficial de justiça ou executor legitimar seu poder de executar a decisão tomada. Ao longo
dos séculos, o gancho do pastor, o cajado do bispo, a vara militar, o cetro do rei, a vara

46
JACOB e MARCHAL- JACOB 1992, 27-28 e 40-41. DUBOIS e DE BURCHGRAEVE 2018, 392-393,
descrevem como o caráter 'divino' continua presente na organização de tribunais no século XIX.
47
Por exemplo, MARTYN e PAUMEN 2018, 219.
48
VAN AUDENAEREN 2016, 121.
49
Gillis van Tilborgh, Sessão do Tribunal na Câmara dos Magistrados de Brugse Vrije, 1659, óleo sobre
tela, 235x170 cm, Bruges, Museu Brugse Vrije.
50
Ver, por exemplo, gravuras usadas como frontispícios para livros de direito (Hugo Grotius, Johannes a
Sande, Gerard Wassenaer) em BECKER-MOELANDS 1989; BROOD 2012; WIDENER e
WEINER 2017, 96-111.
51
SUTTER 2008, 14, explica como Carlos Magno, em 809, emitiu a regra de que a justiça pública deve ser
prestada sob teto, para que o local da justiça possa ser usado no verão e inverno, ... um objetivo que levou
quase mil anos para ser realizado, escreve Sutter. No entanto, em muitas regiões, os espaços abertos foram
cobertos, 'Gerichtslauben , foram construídos no coração da vila, muitas vezes como um anexo à
prefeitura. Muitos desses telhados foram decorados sob a forma de um 'telhado de folhas'.
52
BURNELL 1948, 160-161; FISCHER 1982, 7-8, 13 e 19. Ver, por exemplo, o ' iudex ' sentado no
gravura no Pupillorum patrocinium de Joos de Damhouder (Antuérpia 1564), reimpresso em WIDENER e
WEINER 2017, 96; MOELANDS 2003, 167.
da justiça e outros símbolos semelhantes, como a hasta do pretor romano53, foram
misturados (até com certas variações de lugar para lugar), mas há certamente é um elo
entre a árvore e a vara.

Bancos, baldaquinos, parcs e buffets ajudam (dizendo em uma categoria


weberiana54) a legitimar tradicionalmente a, por assim dizer, 'interiorização' da
administração da justiça, antes feita ao ar livre. A decoração dos gabinetes dos juízes
(salas de audiência e deliberação) com pinturas, tapeçarias e estátuas reforça ainda mais
essa legitimação, principalmente pelo fato de que a primeira e mais popular
imagem55, uma representação do Juízo Final, já tinha sido usada em sessões de tribunais
em igrejas e em pórticos de igrejas. Acima de tudo, entretanto, essa representação também
conferiu legitimação carismática para os juízes. Da mesma forma, foi o primeiro e
principal ‘exemplo de justiça’, incentivando o início de uma nova e longa tradição de
dar exempla iustitiae em tribunais56.

4. O JUÍZO FINAL

Como Deus – de acordo com a tradição cristã - é a fonte da vida e do amor, a


origem de todo poder celestial e terreno57, ele também é o supremo e definitivo juiz. Deus
é justiça. Portanto, se juízes seculares tomam decisões, eles realmente cumprem uma
tarefa divina58. Em Romanos 2: 1-4, está escrito: '(1) Portanto, és inescusável quando
julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que
julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo. (2) E bem sabemos que o juízo de
Deus é segundo a verdade sobre os que tais coisas fazem. (3) E tu, ó homem, que julgas
os que fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo de Deus? (4) Ou

53
LUBBERS 2019, 124.
54
WEBER 1991, 78.
55
Segundo JACOB 1994, 48, o Último Julgamento é mais típico para o Sacro Império Romano, enquanto
o Cristo crucificado seria a imagem mais importante da justiça na França. Certamente há tendências a
preferir uma representação à outra, mas, na minha opinião, a cisão não é tão claramente desenhada. Há
muitas representações do Juízo Final, usadas judicialmente, no sul da Europa, enquanto a imagem do Cristo
crucificado é verificada em várias regiões do norte e leste. No sul dos Países Baixos, o Juízo Final e a cruz
estão normalmente presentes nos tribunais. Assim como no Juízo Final (seja menos anedótico), o
crucificado tem um papel exemplar. JACOB 1994, 56, cita Mateus 7: 2: “porque com o juízo com que
julgardes sereis julgados”, e salienta que a condenação de Cristo foi o primeiro, isto é, o mais importante,
erro judicial da história.
56
DE RIDDER 1989; MARTYN 2006; RESNIK e CURTIS 2011, 38-61.
57
JACOB 1994, 24-33; RENOUX-ZAGAME 2015, 383-384.
58
RENOUX-ZAGAME 2015, 380-381.
desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência, e longanimidade, ignorando
que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento?’A mensagem segundo a qual a
administração da justiça é uma tarefa dada por Deus é iconograficamente expressa de
maneira explícita na decoração das salas de justiça com representações do Juízo Final. Em
toda a Europa, desde a Idade Média até o final do Antigo Regime, essa foi a imagem mais
popular da justiça. Além disso, pode-se afirmar que, como a lei e a justiça são como Deus,
só podem ser vistas através de imagens59.

Existe uma vasta quantidade de bolsas de conhecimento acerca da iconografia, da


composição, das fontes inspiradoras, do uso de cores e símbolos, das variantes locais e
das evoluções históricas na representação do Último Dia, quando todas as almas serão
julgadas e os bons homens terão permissão para entrar no céu, enquanto os maus serão
direcionados ao purgatório e ao inferno. Historiadores tanto da arte quanto do direito
também se concentraram no 'uso' judicial das representações do Juízo Final60. Por
séculos, o Juízo Final já havia sido destaque nos portais da igreja, antes de assumir uma
mera função judicial fora dela, quando apareceu dentro da infraestrutura emergente do
Estado. Dito de outra maneira: antes de a representação do Juízo Final vir para o tribunal,
o tribunal estava indo em direção à representação do Juízo Final. A cena, de fato, era uma
decoração popular de portais de igrejas, mais especificamente do lado oeste. Não do lado
leste do céu do edifício eclesiástico, onde o sol revela seu poder divino a cada manhã,
mas do lado ocidental secular, direcionado para a comunidade, esse era o lugar por onde
o homem geralmente entrava na casa de Deus. Ao fazer isso, ele tinha que pensar bem
em seu comportamento terreno. Uma cena de Juízo Final acima da porta o alertava para
se arrepender e se comportar bem, muitas vezes explicitamente
mostrando as torturas no inferno e a alegre recepção no céu. Na Europa cristianizada,
muitos tribunais julgavam exatamente neste local. Isso significa que, desde o início, o
Juízo Final foi uma decoração comum para lugares da justiça. Ele deveria inspirar os
juízes, que poderiam espelhar sua sabedoria e poder no exemplo divino61.

59
GOODRICH 2011, 790: 'Deus – e a verdade e a lei - não podem ser vistos, mas apenas manifestados em
suas emanações e delegação. [...] As imagens dão à lei seu poder e glória, sua aura e efeito.'
60
Por exemplo, EDGERTON 1980; GRÖTECKE 1997; HARBISON 1976; RESNIK e CURTIS 2011,
33-37; SCHMOECKEL 2008; TRÖSCHER 1939; VAN LEEUWEN 1998; WACKE 2007.
61
DEIMLING 2004, 324-327.
Sendo a imagem mais importante de um julgamento, tanto num contexto
meramente religioso, como num contexto secular e para fins judiciais seculares, o Juízo
Final desempenhou um grande papel na criação ou transição de símbolos de
justiça. Basicamente inspirado no Apocalipse de João, numa representação do Juízo Final
do medievo tardio, o Cristo ressuscitado está sentado em um arco-íris62. O Filho de Deus
é a figura central63. Ele é ladeado por sua Mãe à direita e por João Batista à esquerda. Isto
é a deisis clássica, também chamada de pequena deisis, em oposição à grande deisis, em
que também outros santos e mártires estão presentes. Se a representação era feita para
fins judiciais, alguns santos pareciam ser muito populares: Moisés, com as Tábuas da Lei,
mas também alguns santos padroeiros dos juristas, como São Lourenço (com sua grade)
originalmente, mas acima de tudo, depois de sua rápida canonização no século XIV, Santo
Ivo, com seu livro e/ou documento judicial (muitas vezes enrolado)64.

Tradicionalmente, próximo à cabeça de Cristo, um lírio (símbolo de misericórdia)


é visto ao lado de Maria, uma espada (símbolo da justiça severa e poderosa) ao lado de
João. O lírio, mais conhecido como símbolo de pureza e castidade nas Anunciações, não
sobreviverá à secularização do simbolismo judicial, mas a espada sobreviverá. A espada,
que já era um símbolo de poder na Mesopotâmia Antiga e é mencionada em toda a Bíblia,
foi crucial na Doutrina das Duas Espadas, bem como, não nos esqueçamos, um
instrumento de execução da pena capital no medievo tardio e no início da Era
Moderna65. Espada e balança são ainda hoje atributos da Dama Justiça. A espada hoje
tem função simplesmente simbólica e perdeu completamente seu uso prático na tradição
jurídica ocidental66.

Também para o símbolo da balança, a representação medieval do Juízo Final


desempenha um papel importante na transmissão histórica de significados. A ideia de
equilibrar valores e interesses, como metáfora para sopesar direitos e deveres das partes
em uma solução de controvérsias tem uma história milenar. Múltiplas são as citações da

62
SCHWARZ 1981.
63
E, como tal, continuando seu papel como axis mundi, que ele já tinha na iconografia de manuscritos
medievais, JACOB 1994, 34.
64
BALDUS 2004; CASSARD 2004; MARTYN 2010; SCHEMPF 2014.
65
FISCHER 1982.
66
CHRISTENSEN 2001.
Bíblia que usam as palavras equilíbrio, balança ou pesagem67. Na época romana, a
balança significava aequitas68 . Como atributo da Dama Justiça, a alegoria que representa
uma das virtudes cardeais, em combinação com a espada, a balança não aparece antes do
meio do século XIII69. Já antes, porém, as escalas são usadas por São Miguel, um dos
protagonistas das representações medievais do Último Dia. A imagem do Arcanjo
Miguel, mencionada no Antigo Testamento, é, por assim dizer, uma 'construção' da
Primeira Idade Média, e é parcialmente inspirada na deusa egípcia Ma'at, que pesou as
almas da morte70.

A popularidade da representação do Juízo Final (que adornava tribunais e igrejas,


mas também foi vista nos frontispícios de livros teológicos e jurídicos, bem como estava
presente na cidade)71 fez dele um veículo perfeito para a transmissão de símbolos como
espada e balança, mas, na minha opinião, teve uma influência ainda mais forte para toda
a formação e a definição do que vem a ser uma sessão de tribunal, isto é, os lugares dos
protagonistas, o uso de vestidos e cores. Dito com algum exagero, toda sessão de tribunal
romano-canônico é um espelho do Juízo Final. Sentado centralmente, em algum tipo de
elevação, está o juiz presidente (no caso de uma instituição colegiada, o grupo de juízes).
O fato de um juiz estar sentado, a fim de chegar tranquilamente a uma boa resolução, é
enfatizado pelos juristas do início da Modernidade72. O uso, pelos altos juízes das cortes
principescas, de uma toga vermelha, é inspirado no exemplo divino73. Vermelho é a cor
do sangue. É o sangue mencionado em Apocalipse 19: 11-13: '(11) E vi o céu aberto, e
eis um cavalo branco. O que estava assentado sobre ele chama-se Fiel e Verdadeiro e

67
Por exemplo, Jó 31: 6: ‘Pese-me em balanças fiéis, e saberá Deus a minha sinceridade’; Provérbios 11:
1: ‘Balança enganosa é abominação para o Senhor, mas o peso justo é o seu prazer'; Ezequiel 45:10:
‘Balanças justas, e efa justo, e bato justo tereis'; Daniel 5:27: ‘Tequel: Pesado foste na balança e foste
achado em falta’. E, claro, um dos cavaleiros do Apocalipse segura uma balança. Apocalipse 6: 5: ‘E,
havendo aberto o terceiro selo, ouvi o terceiro animal, dizendo: Vem e vê! E olhei, e eis um cavalo preto;
e o que sobre ele estava assentado tinha uma balança na mão'.
68
OSTWALDT 2009, 31-70; ver também HARJU 2000, 32, Ilustração 7; JACOB 1994, 220.
69
HARJU 2000, 51-64 e 284-285.
70
JACOB 1994, 221; LACERDA 2010B , 54; LACERDA 2012, 36; RESNIK e CURTIS 2011, 18-
25; RODRÍGUEZ LÓPEZ 2003, 4-6.
71
Por exemplo, em Praga (República Tcheca), o Juízo Final é um mosaico dourado na catedral, visível num
largo central da cidade; em Talin (Estônia), está afixado na parede externa da prefeitura; em Monsaraz
(Portugal) é visto no topo do afresco com o bom e o mau juiz; o Juízo Final é representado em 'mesas de
confissão', em livros de oração, nas paredes do cemitério; acompanha as bem-aventuranças, as sete virtudes
e os sete pecados capitais, etc. Ver, entre muitos outros, KORPIOLA 2018, 93-
100; RODRÍGUEZ LÓPEZ 2003, 18-19.
72
SCHOTT 2006, 55.
73
FELZ 2001.
julga e peleja com justiça. [...] (13) E estava vestido de uma veste salpicada de sangue,
e o nome pelo qual se chama é a Palavra de Deus’. Em todas as representaçãoes do
Último Julgamento, Cristo veste um manto vermelho. Vestidos vermelhos tornam-se
comuns para magistrados (superiores). Em geral, o vermelho é considerado a cor da lei e
da justiça. É, por exemplo, a cor dos ornamentos e decorações das faculdades de direito
em todo o mundo hoje.

No lado direito de Cristo, fica Maria. Ela principalmente levanta as mãos em


oração, assim como está orando pela alma do homem. O que ela realmente faz é pedir por
todos os pecadores arrependidos no mundo. Maria é nossa advogada, nossa defensora,
nossa procuradora, ela é advocata mundi ou advocata populi. Não admira, hoje, o
Ministério Público da Europa continental ainda estar do lado direito do juiz. O Ministério
Público, com títulos como avocat-général, é na verdade, aquele que tem que defender a
comunidade humana. O lado da mão direita do juiz - nos tribunais cristãos o juiz único e
presidente é o officialis como substituto do bispo - é onde o promotor se senta nos
tribunais eclesiásticos. No lado esquerdo do juiz, fica o registrador ou o funcionário do
tribunal. É um funcionário inferior do tribunal, preparando e testemunhando o processo
judicial, assim como João Batista abriu o caminho para Cristo e testemunhou sua vida
terrena. O lado esquerdo, em geral, é de menor importância. Nas representações do Juízo
Final, as boas almas, salvas para a vida eterna, são bem-vindas no céu, no lado superior
esquerdo da pintura (lado da mão direita do Cristo julgador), enquanto os condenados vão
para o inferno na parte inferior, no canto direito (à esquerda do juiz
celeste). Analogamente, o bom ladrão, arrependido, foi crucificado no lado direito de
Cristo e lhe foi prometido ser bem-vindo no céu (Lucas 23: 39-42), enquanto o mau ladrão
morreu no lado esquerdo de Jesus. Direita e esquerda representam o bem e o mal na
religião, política, justiça e cultura74.

Olhando para uma pintura como A Fonte da Vida , baseada em Apocalipse 22 e


atribuída a Van Eyck e seu escritório75, através dos óculos da iconografia jurídica,
aplicando o que foi dito sobre a influência do Juízo Final sobre o procedimento romano-
canônico, a composição nos mostra uma história clara, usando linguagem judicial. O que
vemos, é um juiz, vestindo uma toga vermelha, sentado em um trono elevado. As várias

74
HALL 2008, com base em Mateus 25:33.
75
1441-1443, óleo sobre painel, 181x119 cm, Madri, Museu Nacional do Prado.
camadas do primeiro plano podem ser interpretadas como os níveis de uma tribuna, nos
degraus em que os anjos estão tocando música. É claro que este é realmente um tribunal,
presidido por Deus (o pai neste caso, não o filho, como no Juízo Final, o Filho é aqui
simbolizado pelo Cordeiro, e a água completa a representação central da Trindade como
sendo o Espírito Santo). No lado direito do juiz fica a advocata mundi, enquanto João
assume o papel de escrivão judicial. Não vestindo um manto vermelho, nem sua capa
peluda tradicional, esse claramente não é João Batista, mas um João muito mais
conveniente para a situação na corte: João Evangelista. Ele provavelmente não está
escrevendo o Evangelho (nem o livro de Apocalipse), mas tomando notas das decisões
divinas76. Se finalmente vermos os dois grupos de homens no nível mais baixo, em ambos
os lados da fonte da vida como duas partes contrárias e litigantes, então fica muito claro
quem está certo e quem está errado. A comunidade cristã com o papa, um bispo, um
abade, um cardeal, mas também o imperador, um rei e um duque, está do lado direito do
juiz divino. Este é o lado dos vencedores. O lado oposto é o dos condenados, o lado dos
judeus, cujo sumo sacerdote está com os olhos vendados e não vê a verdadeira
luz. Enquanto a mensagem é religiosa, a arte e sua expressão são claramente jurídicas e
judiciais.

A cor vermelha da justiça, os lugares dos juízes, dos funcionários judiciais e das
partes, o significado de esquerda e direita, todos esses elementos são baseados em textos
religiosos, mas artisticamente divulgados em grande número. Olhar para as imagens deve
ter inspirado muitos. Os juízes em primeiro lugar deveriam se inspirar nelas. Isso é
manifesto nos casos de 'dupla justiça', combinando o Juízo Final com uma cena da corte
secular77. Em algumas pinturas do Último Julgamento, os doze apóstolos estão
presentes78. Doze, é claro, tinha sido um número simbólico há séculos (por exemplo, as
doze tribos de Israel), mas vendo o Juízo Final como cena do tribunal, na presença de

76
Os irmãos Van Eyck pintaram João Batista e João Evangelista para o Retábulo do Cordeiro Místico de
Gante. Ambos são representados como estátuas de alabastro ou mármore nos painéis externos do políptico
fechado. O Batista segura o Cordeiro e tem barba. O Evangelista mantém o cálice venenoso de seu martírio,
mas não tem barba. Isso confirma a hipótese de que o escrivão da corte sem barba do painel do Prado não
é o Batista, mas João Evangelista. Nos painéis centrais internos do Cordeiro Místico, Deus é ladeado por
Maria e pelo (barbudo) Batista (com livro e capa peluda).
77
MARTYN e PAUMEN 2018. Um painel de Wurzburg (ca. 1400) com dupla justiça é descrito por
JACOB 1994, 61 e placa VII.
78
Por exemplo, o painel do século XV que provavelmente foi feito para o Conselho da Flandres: Lieven
van den Clite (1375-1422), O Juízo Final, 1413, óleo sobre painel, 231,5x186 cm, Bruxelas, Museu Real
de Belas Artes, DE RIDDER 1989, 19-34.
doze testemunhas privilegiadas ou co-decisores, não surpreende que o mesmo número
tenha sido escolhido quando foi decidido instalar julgamentos por júri.

5. LEGITIMAÇÃO E EXEMPLO

A cena do Juízo Final também era frequentemente acompanhada por outras


imagens, como a dos sete pecados capitais. Essas representações também, e até mais
diretamente, tiveram uma função muito exemplar. Tanto os juízes quanto a plateia,
quando presente no tribunal, testemunhava bons e maus exemplos. A função de exemplo
seria mais completamente desenvolvida nas chamadas exempla iustitiae, que foram
adicionadas às representações do Juízo Final como tradicionais decorações de salas de
justiça: histórias sobre Salomão, Daniel, Cambises, Zaleucus, Trajano, Herkinbald e
outros ensinaram juízes a não serem corruptos, vaidosos, desejosos de poder, parciais,
indulgentes ou pouco cuidadosos79.

Considerando que a maioria das outras exempla iustitiae, em primeiro lugar,


queria lembrar os juízes de sua tarefa, o Juízo Final não apenas inspirou como a decisão
divina definitiva, mas acima de tudo também legitimava o poder dos juízes, um poder
sobre a vida e a morte. Um grande painel exemplificando esse papel legitimador é a
versão de Jan Provoost do Último Dia, pintada para a câmara de magistrados da prefeitura
de Bruges80. Ele possui alguns aspectos originais comparado às cenas tradicionais do
Juízo Final, como expressões de clemência, misericórdia e humanidade, não pelo símbolo
do lírio, mas pelo estabelecimento de um sacra conversatio entre a facada no peito de
Cristo e o seio direito nu de Maria, que havia amamentado o Filho de Deus. Com a mão
esquerda, Jesus está brandindo a Espada da Justiça.

Atenção especial, no entanto, deve ser dada para a estrutura, e mais propriamente
o quadro, desta pintura de justiça divina. O magistrado da cidade encomendou o painel
de madeira e a moldura a ser feita por um carpinteiro local, e depois pediu a Provoost
para pintar nele. Para os juízes alfabetizados, a estrutura era provavelmente tão
importante quanto a imagem em si, tal que eles pediram explicitamente para esculpir

79
DE RIDDER 1989; JACOB 1994; MARTYN 2006; SCHILD 1995, 176-192.
80
Jan Provoost (1465-1529), The Last Judgement, 1525, óleo sobre painel, 177,5x204,5 cm, Bruges,
Groeningemuseum, DE RIDDER 1989, 70-73; SPRONK 1989.
alguns versículos da Bíblia nele. Debaixo do painel, como algum tipo de legenda ou
"lição", pode-se facilmente ler: 'videte quid faciatis, no(n) eni(m) ho(mi)nis exercetis
iudiciu(m) sed D(omi)ni parali'. É o texto de 2 Crônicas 19: 6: ‘Vede o que fazeis, porque
não julgais da parte do homem, senão da parte do Senhor, e ele está convosco no negócio
do juízo’. A legitimação divina da função judicial não poderia ser mais explícita: 'vocês,
juízes de Bruges, tenham cuidado ao julgar, pois não estão exercendo o poder do homem
para julgar, mas o de Deus’81.
No que diz respeito à legitimação divina da tarefa judicial, o Salmo 81: 1-8 é
explícito: (1) Deus está na congregação dos poderosos; julga no meio dos deuses. (2)
Até quando julgareis injustamente e respeitareis a aparência da pessoa dos ímpios?
(Selá) (3) Defendei o pobre e o órfão; fazei justiça ao aflito e necessitado. (4) Livrai o
pobre e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios. (5) Eles nada sabem, nem
entendem; andam em trevas; todos os fundamentos da terra vacilam. (6) Eu disse: Vós
sois deuses, e vós outros sois todos filhos do Altíssimo. (7) Todavia, como homens
morrereis e caireis como qualquer dos príncipes. (8) Levanta-te, ó Deus, julga a terra,
pois te pertencem todas as nações!

“Vocês são deuses”, ou “Dii estis”, diz a citação bíblica82. Juízes são chamados à
função judicial de Deus e, portanto, podem contar com a assistência do Espírito de
Deus83. É a razão pela qual uma missa ao Espírito Santo é rezada no início dos trabalhos
do tribunal e, mais tarde no início do ano judiciário; e isso causa a necessidade haver uma
capela no tribunal ou nas suas proximidades.

Se Deus é a fonte de toda justiça84 e, embora a justiça secular não deva ser
identificada com a justiça divina, Deus é o exemplo a seguir. Joos de Damhouder (1507-

81
Os outros textos marginais diziam: 'exaltabuntur cornua iusti ps.74' ('os chifres [as forças] dos justos
serão exaltados', Salmo 75:10, à esquerda),'de celo auditu (m) fecisti iudiciu (m) terra tremuit e quievit cu
(m) exurgeret in iudi(cium) Deus'(‘Desde os céus fizeste ouvir o teu juízo; a terra tremeu e se aquietou',
Salmo 76: 8, no topo) e 'cornua pecatoru(m) confringam ps.74'(‘E quebrantarei todos os chifres [as forças]
dos ímpios’, Salmo 75:10).
82
No evangelho de João (10:34), quando Jesus visita o templo de Salomão e discute com os judeus, ele diz
explicitamente que ele e seu pai divino são um, pelo que os judeus querem apedrejá-lo por blasfêmia
('porque você, sendo homem, se faz Deus'). Mas Jesus responde: 'Não está escrito na sua lei, eu disse: Vocês
são deuses?'
83
RENOUX-ZAGAME 2015, 394-395.
84
Também sob o protestantismo essa assimilação do juiz com Deus continua. Calvino enfatiza ainda mais
o papel de Deus nas questões terrenas. Mesmo que, de acordo com Calvino, haja é uma separação entre
Estado e Igreja, não há separação entre Estado e religião, DIAS CORRÊA 2015, 90.
1581), influente autor instruído do século XVI, que fez uma síntese do direito
consuetudinário e do procedimento romano-canônico, ao explicar o procedimento civil
passo a passo, inicia seu livro com uma descrição de Deus como justiça, bem como dos
deveres e qualidades de um juiz85. Ele abre o capítulo II (Vande rechters, Sobre juízes)
afirmando que um juiz não diz sua própria verdade, mas fala por 'Justiça e Deus' (cap. II,
1). Tal como uma balança, um juiz dá a cada um a sua parte (cap. II, 2); uma referência
ao ditado romano popular que diz ius suum cuique tribuere, enquanto se refere à imagem
das escalas.

6. CONCLUSÃO: UMA EMANCIPAÇÃO DUPLA, MAS LENTA

Como Antoine Garapon descreveu magistralmente: por mais lógica, racional e


científica que a administração da justiça de hoje possa ser, sempre necessitou e continua
necessitando de algum ritual para ser aceita. Falando em categorias weberianas, direito e
justiça, assim como o poder de onde emanam, devem sempre ser legitimados, não apenas
racionalmente, mas também tradicionalmente e carismaticamente86. O simbolismo da
justiça de hoje é tributário de muitas camadas de influência: antropológica, mitológica,
bíblica, histórica ... Cada novo paradigma do direito e da justiça, de maneira hegeliana,
responde à tese precedente com uma nova antítese, nunca chegando, no entanto, a uma
situação completamente nova, mas apenas a uma síntese que inclua elementos antigos e
novos. Os atuais simbolismos e tradições da administração da justiça têm raízes de anos
de idade, algumas das quais são puramente religiosas ou divinas. A administração da
justiça é por assim dizer emancipada da religião, saindo da árvore da justiça, passando
pelos alpendres da igreja e pelas prefeituras com decoração religiosa, para ser hospedada
em seus próprios templos, a partir do século XVII87. Da mesma forma, a recém-adquirida
posição central da Dama Justiça, como uma virtude clássica transformada em ideal
político88, na iconografia jurídica moderna e contemporânea, constitui um dos principais
passos no caminho da independência da justiça (e seu decoro) de suas raízes religiosas
originais. Como mais um passo no mesmo caminho, a iconografia das tábuas da lei de

85
DE DAMHOUDER 1626, sp [parte introdutória do livro] (fazendo referências ao Salmo e a outros livros
bíblicos), ver também WIDENER e WEINER 2017, 44.
86
WEBER 1991.
87 GARAPON 1997, 29, chama isso de um processo de abstração.
88
HUYGEBAERT 2016, 138-153; SCHILD 1995, 82-116.
Moisés, de origem judaico-cristã, foi secularizada pela revolução francesa e, finalmente,
evoluiu para vir a ser a forma cívica símbolo do constitucionalismo moderno.

A administração da justiça moderna, em certo sentido, também se emancipou da


religião medieval e do direito canônico. No entanto, o direito processual ocidental de hoje
ainda é muito tributário de suas raízes romano-canônicas e, sobretudo, religiosas. O
processo in scriptis, métodos racionais de prova, a prova irracional do juramento, a
citação, ou a instituição do Ministério Público, que conduz os procedimentos
inquisitoriais, etc., todos eles não existiriam se não a partir do direito canônico da Igreja
e dos tribunais eclesiásticos. Em tribunais medievais e do início da Modernidade, citações
de direito canônico e das Escrituras eram usadas como argumentos. Da mesma forma,
juristas vincularam muitas instituições, regras e conceitos jurídicos a textos fundamentais
do Antigo e do Novo Testamento: a necessidade de citação pessoal do réu antes de iniciar
um processo estava ligada ao 'Adam ubi es?'(Gênesis 3: 9)89, a decisão de Deus de destruir
Sodoma foi tomada somente depois de ter verificado pessoalmente os fatos in loco90, a
nomeação de juízes com base no caso Jethro91, etc.

Continuando uma tradição secular, ao contrário dos tribunais de direito comum, o


procurador público do processo penal continental, por exemplo, literalmente ainda fica
do lado direito do juiz. Embora seja apenas uma das duas partes no julgamento, o
Ministério Público não vai e se senta na sala, onde estão todas as outras partes,
processadas e civis. Pode-se imaginar quanto tempo isso pode perdurar ainda sob a égide
do artigo 6 do Pacto Europeu sobre Direitos Humanos, que declara explicitamente que o
juiz deve ser independente e imparcial. O juiz é imparcial, quando sentado ao lado do
promotor público, na mesma mesa, ambos de frente para o público?

Nos tribunais belgas contemporâneos, o Ministério Público continua a ter seu


assento elevado. Muitas outras características clássicas do lugar da justiça, no entanto,
desapareceram. Não se pode mais falar de templos, por exemplo. As salas de justiça

89
SCHRAGE 1998, 365-367; RENOUX -ZAGAME 2015, 388.
90
RENOUX-ZAGAME 2015, 388-389.
91
RENOUX-ZAGAME 2015, 389. A cena é lindamente representada em uma das gravuras de Thronus
iustitiae, reimpressas recentemente como DEN TONKELAAR, J.D.A. e DEN TONKELAAR, F.S.E
(eds.), Thronus iustitiae. 400 jaar inspiratie voor rechters (Thronus iustitiae. 400 anos de inspiração para
juízes), Deventer, 2014, ver HELLIESEN, 1977.
construídas na Bélgica do século XXI (por exemplo, Gante, Kortrijk), tem uma enorme
quantidade de paredes de vidro, convidando o público em geral a vir e dar uma
olhada. Seus limites são baixos, seus serviços facilmente acessíveis. Essa transparência é
a resposta arquitetônica à crise que a justiça belga sofreu no final do século XX, quando
magistrados, advogados e outros protagonistas judiciais foram criticados por estarem
vivendo em uma torre de marfim como funcionários alienados, que não estavam mais
cientes do importante serviço público que estavam prestando. Hoje, quase todos os
símbolos históricos desapareceram. Já nos anos 90, os últimos crucifixos foram retirados
dos tribunais belgas - com exceção das verdadeiras 'obras de arte', cuja retirada deixou-
se para ser decidida caso a caso. O Estado afirma ser neutro, o judiciário alega ser
independente. No état laïc francês, crucifixos foram banidos dos templos da justiça há
algum tempo, fato criticado por artistas como Georges Rouault (1871-1958)92. Em muitos
países, porém, como o Brasil, por exemplo, os crucifixos ainda estão pendurados nos
tribunais, assim como a presença e o uso de uma capela dentro de um palácio da justiça
não são questionados. Por quanto tempo ainda?

A evolução dos símbolos e da iconografia jurídica em geral evolui muito


lentamente. Em muitos prédios de tribunais existentes, as tábuas continuam simbolizando
a força e a preeminência da lei - secular - escrita ... mesmo que essas tabuletas tenham
sido dadas a Moisés como a palavra de Deus93. Na Bélgica, também os retratos do Rei e
da Rainha ainda estão pendurados nos tribunais, como consequência de uma história que
começou na era do Absolutismo, quando a justiça de Deus legitimava a do rei. Mas seria
possível falar de independência do executivo hoje, se o rei, como chefe e símbolo do
executivo, permanecer olhando por cima do ombro do juiz? Nos logotipos de
funcionários judiciais e advogados, a espada continua a servir de símbolo, embora a
última decapitação na Bélgica (por guilhotina, não pela espada) remonte à Primeira
Guerra Mundial, e embora seja proibido carregar tal arma em público.

92
MOLINARI 2010, 164-166: Rouault pintou muitos juízes e cenas dos tribunais, principalmente 'em
vestes vermelhas aterrorizantes', e nestas cenas muitas vezes um impressionante Cristo crucificado chama
por uma sensação de clemência do juiz em relação ao acusado, ambos seres humanos simples, com cuja
alma o pintor disse estar preocupado, eod., ilustrações 127 (Les Justiciers, 1913) e 132 (Jésus sera en croix
jusqu'à la fin des temps, 1952-1956). Com essas pinturas, Rouault criticou explicitamente a separação entre
Estado e Igreja e a retirada do crucifixos dos tribunais, ‘rendant plus flagrant encore l’éloignement de la
justice du regard miséricordieux de Dieu’, eod. 166. Outros exemplos artísticos famosos que testemunham
a presença de crucifixos nos tribunais são Le Pardon de Honoré Daumier (1808-1879) e Les Bons Juges de
James Ensor, (1860-1949).
93
Na França, em 1792, a Assembléia Legislativa decretou que suas insígnias assumiriam a forma das
tábuas, NETTEL 2005, 534.
Os símbolos parecem durar mais que as leis.

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