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Notas sobre o direito constitucional

pós-moderno, em particular
sobre certo neoconstitucionalismo
à brasileira
Manoel Gonçalves Ferreira Filho*

1. Introdução

No Brasil, entre os juristas dedicados ao direito constitucional, é extremamen‑
te difundida a tese da existência de um constitucionalismo pós‑moderno ou, como 
é comum dizer, um neoconstitucionalismo. A questão é complexa e delicada, traz 
vários desafios que merecem ser analisados objetivamente.
Cabe indagar, a bem da verdade, “em que consiste esse direito constitucional 
pós‑moderno”? Essa indagação, todavia, se desdobra em duas outras, nem sem‑
pre postas cada uma no seu lugar. A primeira delas pode ser expressa na seguin‑
te  interrogação:  “Há  um  Estado  pós‑moderno,  cuja  estruturação  justifique  falar 
em direito constitucional pós‑moderno”? A segunda, que não presume de modo 
absoluto a resposta negativa à primeira, pode ser traduzida no questionamento: 
“Que caracteriza o neoconstitucionalismo como uma corrente doutrinária”? Neste 
último caso: “Justifica‑se falar em neoconstitucionalismo”?
Neste breve artigo, procura‑se delinear a resposta a essas perguntas, de modo 
sucinto, embora elas justificassem fosse escrito um tratado a respeito.

*  Professor  titular  (aposentado)  de  direito  constitucional  da  Faculdade  de  Direito  do  Largo  de  São 
Francisco, da USP. Doutor em direito pela Universidade de Paris. Doutor honoris causa pela Universidade 
de Lisboa. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

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2. O Estado pós-moderno

A fronteira entre modernidade e pós-modernidade

A primeira dificuldade que surge na análise concerne à separação entre mo‑
dernidade e pós‑modernidade: Que é modernidade e até quando dura? Que é pós‑
modernidade e a partir de quando surge? A dificuldade, ademais, se intensifica, 
eis que os historiadores, os filósofos, os sociólogos e os juristas não estão de acordo 
sobre a caracterização desses tipos, nem sobre seus termos temporais.

A modernidade

A era moderna ter‑se‑ia iniciado com a queda de Constantinopla (1453), o que 
se deu, portanto, há mais de cinco séculos. O aparecimento do Estado é registrado 
por Maquiavel no limiar do século XVI e Estado aí aparece como um tipo novo de 
organização política, até então inexistente, o que dispensa o qualificativo de mo‑
derno que muitos a ele associam. Não falta, todavia, quem, com boas razões, veja 
a transformação desse Estado em Estado moderno, com os tratados da Westfália, 
em meados do século XVII. Vêm, no final do século XVIII, as revoluções que ge‑
ram o constitucionalismo, ou o “constitucionalismo moderno”, na terminologia de  
McIlwain, a Revolução Americana em 1776, a Revolução Francesa em 1789. Ora, 
esse constitucionalismo, embora inspirado em ideologias diversas e não raro con‑
traditórias, se estende pelo século XIX e pelo século XX — até quando?

O limite temporal da modernidade

Um jovem estudioso ousou sugerir datas para a instalação da modernidade e 
sua superação pela pós‑modernidade. Segundo ele, a modernidade se instaurou em 
1900 e durou até 1950, a pós‑modernidade vem a partir de 1950.1 A posição não é 
aceitável no que concerne tanto à configuração do Estado quanto à doutrina consti‑
tucional. No que diz respeito ao Estado, sua estrutura básica não apresenta qualquer 
mudança significativa, nem em 1900, a separá‑lo do Estado anterior a esse período e 
mais explicitamente do Estado constitucional iniciado no século XVIII, nem, a nosso 
ver, em 1950. É certo que, após a II Guerra Mundial, triunfa o normativismo com a 

1
 Siqueira Jr., 2008.

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consagração na Europa do controle de constitucionalidade, mas isso não passa de 
um desdobramento lógico da ideia anterior da supremacia da Constituição. E bem 
antes de 1950 essa supremacia já era assegurada pelo controle nos Estados Unidos, 
no Brasil etc., e mesmo na Áustria do “entre duas guerras”.2

A questão do Estado pós-moderno

Um estudo objetivo do (pretendido) Estado pós‑moderno foi apresentado (com 
a clareza gaulesa e não com as brumas germânicas), por Jacques Chevallier.3
Ele parte da posição de Max Weber para quem “a modernidade se caracteriza 
por um rol de elementos — técnico (o desenvolvimento científico e técnico), eco‑
nômico (a concentração dos meios de produção) e político (a aparição do Estado) 
— que traduzem um processo de racionalização das sociedades, em todos os pla‑
nos” (Chevallier, 2008:16).
Ora,  com  apoio  em  numerosos  pensadores,  ele  aponta  que  ocorre  uma  crise 
geral das instituições e valores da modernidade. Isto deve levar — põe no futuro du‑
bitativo, note‑se — a uma “ultrapassagem da modernidade” (Chevallier, 2008:17).
Na  realidade,  ele  já  vê  essa  ultrapassagem  praticamente  concretizada,  pois 
afirma que “as sociedades contemporâneas entraram numa nova lógica, que resu‑
me e condensa o conceito de pós‑modernidade” Chevallier, 2008:19).
Consequência  desse  fenômeno  seria  ativar‑se  uma  “reconfiguração”  do  Es‑
tado4  (o  que  levaria  a  falar  num  Estado pós‑moderno). Ressalva  que  o  processo 
atual  de  mundialização  (globalização)  pode  levar,  não  a  uma  “homogeneização 
das formas de organização política”, mas a “ativar as diferenças”.5
Assim, muito claramente põe no futuro, não na atualidade, um Estado pós‑mo‑
derno. É verdade que tal futuro lhe parece próximo, em processo de concretização.

Características desse Estado in fieri

Chevallier  (2008:89),  antes  de  abordar  o  Estado  propriamente  dito,  dedica 


largo espaço às mudanças que se insinuam na sociedade contemporânea. Insiste, 

2
 Quanto à doutrina, 1950 também não marca a definição de qualquer viragem.
3
 Chevallier, 2008. 
4
 O capítulo 1 do livro intitula‑se “La reconfiguration des appareils d’État”, o que de per se revela sua 
visão e o quadro das mudanças que prevê.
5
  Chevallier,  2008:13.  Refere‑se,  nesse  ponto,  às  observações  de  Huntington  sobre  o  “choque  das 
civilizações”.

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inclusive, nas “transformações do direito”. Seria muito longo mesmo resumi‑lo e 
fugiria ao escopo deste trabalho. 
Vale, todavia, reproduzir alguns aspectos do que ele vê como “redefinição do 
liame político” (Chevallier, 2008:139 e segs.). Avultam quanto a isso as considera‑
ções que faz acerca do estado de direito (Chevallier, 2008:153 e segs.) e da demo‑
cracia (Chevallier, 2008:162 e segs.). 
Em  relação  ao  primeiro,  registra  a  difusão  de  uma  visão  sincrética  que  in‑
corpora a tradição do État de droit e do Rule of Law. Redunda isto na “ideia de um 
poder fundado no respeito do direito, mas também limitado pelo direito, por meio 
de um conjunto de direitos internacionais” reconhecidos.6 É o que mostram cons‑
tituições ditadas no final do século XIX (Chevallier, 2008:156‑157).
Com  referência  ao  segundo  aspecto,  salienta  a  depreciação  da  democracia 
representativa, em razão de uma desmistificação da representação, causa e conse‑
quência do “descrédito” dos representantes (Chevallier, 2008:146). Disto advém, 
desde  logo,  a  desmistificação  da  “vontade  geral”  que  abalou  a  primazia  da  lei 
e abriu caminho, em contrapartida, ao juiz, especialmente o constitucional, para 
tornar‑se “ator”, a parte inteira, do jogo político (Chevallier, 2008:158). Assim, re‑
sulta um abalo na visão tradicional da separação dos poderes, já contrariada pela 
insofismável preponderância do “Executivo” (Chevallier, 2008:163).
A visão pós‑moderna da democracia a apresentaria como “uma democracia 
deliberativa repousando sobre a confrontação permanente dos interesses sociais e 
como uma democracia participativa, dando aos cidadãos um direito de supervisão 
(regard)  e  um  controle  (emprise)  mais  direto  sobre  a  coisa  pública”.7  O  elemento 
deliberativo viria da associação às decisões dos grupos interessados nas mesmas 
decisões, inclusive solicitando a opinião do público. Isto se refletiria na renovação 
das instituições, com o desenvolvimento de “fóruns cívicos” e também no apare‑
cimento de instrumentos de participação, a par dos partidos, como as ONGs.8 Tal 
levaria a uma “democracia dialógica”, que implica uma confrontação permanente 
das opiniões”.9
Certamente,  essa  ênfase  na  deliberação  já  importa  numa  participação,  por‑
tanto, numa democracia participativa. Chevallier, todavia, insiste nesse passo, no 
desenvolvimento  e  na  multiplicação  das  experiências  da  chamada  “democracia 
semidireta”, particularmente do referendo (Chevallier, 2008:174 e segs.).

6
 Chevallier, 2008:155. Aqui, o autor se apoia em Mockle e Conac.
7
 Ibid., p. 171. Aqui, o autor se refere a Papadopoulos.
8
 Ibid., p. 172. Mas as ONGs não seriam uma nova vestimenta dos grupos de interesse ou pressão?
9
 Ibid., p. 173. Nesse passo, Chevallier se arrima em Habermas e outros.

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3. Duas concepções do direito pós-moderno

O direito pós-moderno

É indubitável que as transformações da sociedade há pouco afloradas afetem 
o  direito  e  a  doutrina  do  direito.  Na  verdade,  essas  transformações  numa  certa 
medida resultam da maneira de conceber o direito e retroalimentam este direito, 
num processo que é hoje bem conhecido.
Chevallier — volte‑se a ele — analisa essas transformações do direito (p. 89 
e segs.). Assinala vários aspectos dignos de menção. Um deles é ser o direito con‑
temporâneo frequentemente um direito “negociado” (p. 123 e segs.), cuja legiti‑
midade advém da passagem por diferentes formas de discussão. Também tende 
a ser um direito “flexível” (souple),10 uma soo law, em que a dimensão coercitiva 
cede  a  diretivas,  recomendações  etc.  (o  que  abre  ao  juiz  o  papel  construtivo  de 
codeterminação).11
Tal direito pós‑moderno tende a ser um “direito reflexivo”. Quer dizer, um di‑
reito dependente de uma avaliação de seus efeitos reais e sobremodo de seu impacto 
social (Chevallier, 2008:135 e segs.). (É a partir disso que se desenvolve a chamada 
“legística”, preocupada com a previsão — aspecto ex ante — do resultado das nor‑
mas (eficácia e efetividade) e apuração — ex post — do quadro produzido).12

O entendimento de Canotilho

O ilustre mestre de Coimbra, depois de densas considerações concebe o di‑
reito em geral e o direito constitucional em particular, nessa perspectiva. Afirma 
ele “que o direito — desde logo o direito constitucional — é, não um direito ativo, 
dirigente e projetante, mas um “direito reflexivo” autolimitado ao estabelecimento 
dos processos de informação e de mecanismos redutores de interferências entre 
vários “sistemas autônomos” da sociedade (jurídico, econômico, social e cultural). 
Por isso se diz que o “direito constitucional pós‑moderno” é um “direito pós‑inter‑
vencionista” (= “processualizado”, “dessubstantivado”, “neo‑corporativo”, “eco‑
lógico”, “medial”) (Canotilho, 1998:1234).

10
 Chevallier, 2008:128. O autor cita aqui Zagrebelsky.
11
 Ibid.
12
 Para maior entendimento sobre o assunto, ver conferência do autor deste artigo, “Processo legislativo. 
Técnicas legislativas e legística”, publicada pelo Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do 
Município de São Paulo (Cejur). 

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4. O neoconstitucionalismo à brasileira

A afirmação enfática do novo constitucionalismo

O primeiro ponto a observar, nesta análise científica, concerne ao modo pelo 
qual  a  doutrina  é  exposta.  Esta  é  apresentada  como  uma  verdade  consagrada  e 
indiscutida.13 A ela somente se opõem alguns renitentes e ultrapassados “opera‑
dores  do  direito”,  todos  apontados  como  “positivistas”  (e  esse  termo  assume  a 
conotação de uma injúria).14 
Caso flagrante é o tratamento dado à Constituição de 1988. Esquecidos da tese 
de que seria uma constituição dirigente, que muitos dos neoconstitucionalistas até 
há pouco sustentavam, hoje veem nela o modelo de uma constituição pós‑moder‑
na, uma constituição de princípios que prevalecem sobre as regras, uma constitui‑
ção principiológica.
Ora, já foi demonstrado cabalmente que, no texto de 1988, predominam re‑
gras e não princípios.15 Seria ela, no máximo — e a observação é minha —, uma 
constituição aberta, no sentido que Canotilho (1998:1033) dá à expressão.
Outra afirmação infundada, mas, enfaticamente formulada, concerne a ser ela 
uma constituição de um Estado democrático de direito — expressão infeliz usada 
no texto vigente, é verdade. Extraem dessa expressão um sentido “pós‑moderno”, 
numa interpretação personalíssima de sua significação. Observe‑se que o conceito 
de Estado democrático de direito está ausente da maior, e melhor parte, da doutri‑
na universal. Foi cunhado por Elías Díaz (1984:111 e segs.) para designar o Estado 
de transição para o socialismo — numa perspectiva marxista. 
É  verdade  que  os  pronunciamentos  adiante  examinados  são  apresentados 
como concernindo ao Brasil.16 Mais ainda, como o registro do triunfo do direito 
constitucional em nosso país (Barroso, 2005:1‑42). Entretanto, o tom em que se 
exprimem denuncia a pretensão de descrever um modelo universal. Além disso, 
antecipe‑se que os marcos do neoconstitucionalismo que são apontados (a que 
se voltará), são identificados no estrangeiro, como está no texto citado na nota 
anterior.

13
 Trata‑se de uma conhecida técnica. Houve um jurista brasileiro — anterior ao neoconstitucionalismo 
— que a usava com perfeição. Começava suas palestras lançando a premissa maior que lhe convinha, 
acompanhada das frases: “Quem não sabe que tal coisa é assim? Quem não o sabe é um ignorante!”. 
Assim, punha de pronto os que no auditório poderiam duvidar de sua tese na posição pouco invejável 
de ignaros e, em decorrência disto, podia, sem temor de contradição, expor suas ideias, por esdrúxulas 
que fossem.
14
 Bom exemplo disso é o trabalho de Lênio Luiz Streck, 2009:203 e segs.
15
  Quanto a isso, é esmagadora a lição de Humberto Ávila, 2009:187 e segs.
16
  Streck  (2009),  por  exemplo,  fala  sempre  de  “terrae  brasilis”  (aliás,  num  latim  que  sugere 
questionamentos).

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Notas Sobre o Direito Constitucional Pós-Moderno 157

Não se negue, todavia, um mérito. A doutrina é frequentemente formulada 
com sedutora graça literária.17

O direito pós-positivista e o neoconstitucionalismo

Registrem‑se os principais pilares da referida doutrina à brasileira. Doutrina 
que, numa frase de belo efeito literário, é dita “pós‑tudo”, pós‑marxista, pós‑kelse‑
niana, pós‑freudiana (Barroso e Barcellos, 2001:43).
Desses pilares, um, quiçá o mais importante, trata da integração, se não da 
identificação, entre direito pós‑moderno e o chamado de direito pós‑positivista. 
Esse ponto é apresentado por um de seus epígonos, após um veredicto sobre 
a superação da dogmática jurídica tradicional, o elogio da teoria crítica do direito 
(com reverência a Mangabeira Unger), a postulação da ascensão e da decadência 
do jusnaturalismo, bem como da ascensão e da decadência do positivismo jurídi‑
co e a exaltação da normatividade dos princípios (Barroso e Barcellos, 2001:42 e 
segs.). Princípios — diga‑se — que eminente neoconstitucionalista brasileiro, dis‑
cordando de Dworkin, de Alexy e outros, nega serem “mandados de otimização” 
(Streck, 2009:213). Tal pós‑positivismo (Barroso e Barcellos, 2001:72) é caracteriza‑
do de modo “difuso” (o termo está no texto): 

O pós‑positivismo identifica um conjunto de ideias difusas que ultrapassam 
o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às característi‑
cas da razão subjetiva do naturalismo. Sua marca é a ascensão dos valores, 
o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos 
direitos fundamentais.

Noutro trabalho, típico da escola neoconstitucionalista (Barroso e Barcellos, 
2006:51), encarece‑se o papel da “nova” hermenêutica. Não há, todavia, mudança 
substancial na tese. É afirmado solenemente: “O pós‑positivismo é a designação 
provisória de um ideário difuso, no qual se incluem a definição da relação entre 
princípios  e  regras,  aspectos  da  chamada  nova  hermenêutica  constitucional  e  a 
teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade hu‑
mana” (Barroso e Barcellos, 2006:56).

17
  Luís  Roberto  Barroso  abre  um  artigo  sobre  os  fundamentos  teóricos  e  filosóficos  do  direito 
constitucional brasileiro, com a invocação: “Planeta Terra. Início do Século XXI. Ainda sem contacto 
com  outros  mundos  habitados.  Entre  luz  e  sombra,  descortina‑se  a  pós‑modernidade”  (Barroso  e 
Barcellos, 2001:42).

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158 Revista de Direito Administrativo

Enfim, o estudo de Barroso e Barcellos (2005:1‑42), certamente o de maior pre‑
tensão (no bom sentido do termo), examinando o neoconstitucionalismo, salienta 
possuir este três marcos. 
O marco histórico, ou seja, a vinculação do direito constitucional à democra‑
cia, com a Lei Fundamental de Bonn, em 1949, e a instalação do Tribunal Cons‑
titucional Federal, em 1951. (Surpreendentemente — aponte‑se — a democracia 
não teria estado presente em constituições muito anteriores. Quer dizer, a primei‑
ra democracia constitucional na história teria sido a alemã... Afirmação que sur‑
preenderia os próprios alemães, sem se falar nos suíços, escandinavos, franceses, 
americanos etc.) 
O marco filosófico é o pós‑positivismo (“um conjunto difuso e abrangente de 
ideias”) (Barroso e Barcellos, 2005:4) que marca a volta da ética e dos valores para 
o direito. Mais, ele vai além da legalidade estrita e inclui a “atribuição da normati‑
vidade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras” (Barroso 
e Barcellos, 2001:5). 
Enfim,  o  marco  teórico:  a  força  normativa  da  Constituição  (“a  atribuição  à 
norma constitucional do status de norma jurídica”) (Barroso e Barcellos, 2001:5), 
mais “a expansão da jurisdição constitucional”, e chega mais longe à “constitucio‑
nalização do direito”.

O pós-positivismo como ideário

Vale formular algumas observações de índole científica sobre essas posições. 
Delas, o núcleo essencial é o pós‑positivismo. Não é, evidentemente, fácil discutir 
um “ideário difuso”.
Cabe  trazer  à  colação  um  reparo  de  destacado  autor  norte‑americano,  Cass 
Sunstein: “Algumas vezes o pós‑modernismo valoriza a fluidez e a transformação 
por si mesmas e as oferece como fundamento para a prática constitucional” (Suns‑
tein, 2009:160). E esse reparo visa claramente a Unger e a seus adeptos. 
Ademais,  acrescenta  o  mesmo  autor  que  “As  alegações  pós‑modernas  de 
maior  valia  tendem  a  não  ser  pós‑modernas  por  completo,  mas,  pelo  contrário, 
são parte da herança filosófica do pragmatismo” (Sunstein, 2009:160). E — ouso 
acrescentar  —  de  outras  correntes  jurídicas  do  passado,  bem  como  de  lições  de 
autores próximos no tempo.

Inadequação da expressão

Uma  observação  preliminar  concerne  à  impropriedade  da  expressão  “pós‑


positivismo”. Ela induz à ideia de que, antes da pós‑modernidade, a prevalência 
do positivismo era absoluta. Ora, isto está longe da verdade. Numerosas eram as 

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Notas Sobre o Direito Constitucional Pós-Moderno 159

correntes que com ele competiam e, sem dúvida, grandes filósofos do direito não 
eram  adeptos  dessa  doutrina.  Para  citar  alguns,  Gustav  Radbruch,  John  Rawls, 
Giorgio del Vecchio, Miguel Reale etc.
Tal expressão, em consequência, faz caricatura simplificativa, e simplória, da 
realidade jurídica, o que evidentemente serve de expediente para o combate con‑
tra o direito moderno. E, em contraste com os demais traços apontados do pós‑
positivismo, é distorcido esse direito moderno como um direito formalista, cego 
para os princípios, maquinal na interpretação e sem dar força jurídica às normas 
constitucionais. Tudo isso inexato.

O direito moderno e os valores

Ora, outro ponto a salientar é exatamente o fato de que o direito moderno não 
era cego para valores, nem para a ética. Influente escola alemã da primeira metade 
do século passado (alemã, comme il faut, senão não seria levada a sério) foi a da Fi‑
losofia dos Valores (Wertphilosophie), prevalente na escola de Baden, também cha‑
mada de sudocidental alemã, que, inspirada em Windelband e outros, foi liderada 
por Gustav Radbruch.18
Aponta este, por exemplo, que “o direito é um fato ou fenômeno cultural, isto 
é, um fato referido a valores” (Radbruch, 1974:51). Mais, para ele, a moral é o fun‑
damento da obrigatoriedade do direito (Radbruch, 1974:132‑135).
Lembre‑se, ademais, que, na outra margem do Reno, na mesma época, Ge‑
orges Ripert escrevia o clássico La règle morale dans les obligations civiles, que tanta 
influência teve. O mestre francês lembra que as normas jurídicas hão de ajustar‑se 
à moral, na medida em que o objeto lícito (moral, pois) é condição de validade de 
todos os atos.19
E será necessário recordar o alterum non laedere, de Ulpiano?

A normatividade dos princípios

A normatividade dos princípios não é igualmente descoberta pós‑moderna. 
Nem os juristas, nem os códigos a ignoravam. Seria longa a enumeração dos textos 

18
 Leia‑se a substanciosa introdução a seu pensamento, apresentada como prefácio à edição portuguesa 
de Filosofia do direito (Coimbra, 1974) pelo tradutor, o eminente professor L. Cabral de Moncada.
19
 Ver a atenção dada por Vicente Ráo (1952) a esse jurista.

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160 Revista de Direito Administrativo

sobre o assunto. Basta, por síntese, lembrar o art. 4o da Lei de Introdução brasileira 
com sua referência aos “princípios gerais de direito”, que o juiz poderia aplicar. 
É claro que não contra legem, pois não fora esquecido, o que hoje parece posto de 
lado, que a densificação dos princípios, numa democracia, cabe ao Poder Legislati‑
vo, não ao juiz. Este, quando o faz, cria norma ad hoc para o caso concreto, podendo 
resvalar para a arbitrariedade.
Além disso, todos os “velhos” mestres da hermenêutica sempre apontaram 
que das regras se extraem princípios a elas anteriores e que as subsumem, prin‑
cípios que devem ser aplicados em matérias em que a lei é omissa e nas situações 
novas, não previstas pelo legislador.
Carlos Bastide Horbach (2006) traz texto de Carlos Maximiliano (2005:99). Ci‑
tando Jhering, assinala que o intérprete tem a difícil tarefa de “deduzir de disposi‑
ções isoladas o princípio que lhes forma a base, e desse princípio as consequências 
que dele decorrem”.
É certo que é bem próprio do neoconstitucionalismo sustentar “a superação 
da regra pelo princípio” (Streck, 2009:204). Isso não pode significar outra coisa se‑
não que o aplicador do direito pode ignorar a regra expressa na lei — na lei expres‑
são da vontade geral, portanto da democracia, pelo que lhe parece a conveniente 
adequação do princípio ao caso. 
Esse menosprezo pela lei contraria o art. 6o da Declaração de 1789, que concebe 
a soberania popular manifestando‑se pela lei e sua supremacia: “A lei é a expressão 
da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou 
por seus representantes à sua formação”.20 Em realidade, o neoconstitucionalismo, 
apesar da pretensa valoração dos direitos fundamentais, não parece familiarizado 
com essa declaração paradigmática.21
Na verdade, a prevalência do princípio sobre a regra consiste na transforma‑
ção do arbítrio em princípio jurídico, em detrimento da (reacionária...) segurança 
jurídica, em detrimento da (superada) democracia representativa... 
Ao contrário, as regras normalmente oferecem a precisão necessária para im‑
pedir o arbítrio. E, longe de demandarem sempre um tudo ou nada, podem ser 
conciliadas e mesmo corrigidas pela equidade.22

20
  Tradução  livre:  “La  Loi  est  l’expression  de  la  volonté  générale.  Tous  les  citoyens  ont  droit  de  concourir 
personnellement, ou par leurs représentants à sa formation...”
21
 A observação é feita em razão da tradução que um dos expoentes desse neoconstitucionalismo dá 
sobre  o  citado  art.  6o.  Nesta,  segundo  essa  versão,  o  texto  diz:  “A  lei  é  expressão  da  vontade  geral 
institucionalizada” (grifei). Cf. Barroso e Barcellos, 2001:53, nota 28. 
22
 Mas quem se recorda, entre os neoconstitucionalistas, da “velha“ equidade?

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Notas Sobre o Direito Constitucional Pós-Moderno 161

A força normativa da Constituição

Outra  “descoberta”  do  pós‑positivismo  é  a  força  normativa  da  Constitui‑


ção — veja‑se que isso aparece como “marco teórico do neoconstitucionalismo” 
— com a obrigatória referência a Konrad Hesse.23 Ou seja, a obrigatoriedade das 
normas constitucionais nasceria na Europa apenas na segunda metade do século 
passado; antes essas normas eram vistas como meramente políticas e sem força 
cogente. 
Isso  não  espelha  a  realidade.  São  incontáveis  os  europeus  que  antes  da  II 
Guerra sustentaram a força normativa da Constituição, além da sua supremacia.24 
O que faltavam eram os meios de efetivação de sua cogência.
Cabem,  ademais,  alguns  reparos.  A  Europa,  ou  mais  restritamente  a  Ale‑
manha, não é o mundo. Quem estudou em Yale, ou no Brasil, sabe muito bem 
que  essa  força  normativa  estava  reconhecida  desde  as  primeiras  constituições. 
Faltava,  na  maior  parte  da  Europa,  não  nos  Estados  Unidos,  nem  no  Brasil,  o 
meio jurídico de efetivação dessa força normativa — o controle de constituciona‑
lidade. Aliás, antes da II Guerra, constituições europeias previam esse controle: 
ou Áustria e Portugal não ficam na Europa? É certo que é um desenvolvimento 
importante  para  a  efetividade  das  constituições  o  desenvolvimento  da  justiça 
constitucional, a partir da Constituição italiana de 1947, antes, portanto, da Lei 
Fundamental da República Federal da Alemanha (1949). O modelo foi consagra‑
do na Itália, depois imitado e desdobrado.

A valoração dos direitos fundamentais

Curioso, no mínimo, é o pós‑positivismo invocar para si a valoração dos di‑
reitos  fundamentais.  Essa  valoração  é  um  ponto  definido  do  constitucionalismo 
moderno. Vincula este, de modo claríssimo, a ideia de Constituição à de guarda 
dos direitos fundamentais. Leia‑se o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem 
e do Cidadão de 1789: “Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está 
assegurada, nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição”.25 

23
 Konrad Hesse (1991) dedica‑se a refutar a tese de Lassalle quanto à “Constituição real”. Está assim no 
texto dos neoconstitucionalistas como Pilatos no credo.
24
  Ver,  por  exemplo,  as  considerações  sobre  “a  noção  jurídica  de  Constituição”,  que  Paul  Bastid 
(1985), meu mestre em Paris, apresenta no livro L’idée de Constitution. Em particular, a análise de sua 
“supralegalidade” (p. 24).
25
  Tradução  livre:  “Toute  société  dans  laquelle  la  garantie  des  droits  n’est  pas  assurée,  ni  la  séparation  des 
pouvoirs déterminée, n’a point de constitution”. 

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162 Revista de Direito Administrativo

A nova hermenêutica26

O último ponto concerne à “nova” hermenêutica.27
Esta,  por  um  lado,  importaria  na  rejeição  da  ideia  de  que  o  juiz  seria  me‑
ramente  a  “boca  da  lei”.  Ignora  essa  posição,  ou  faz  de  conta  fazê‑lo,  a  posição 
de inúmeras escolas de interpretação que superaram a escola da exegese.28 Para 
o  neoconstitucionalismo  à  brasileira,  até  hoje  somente  existiu  esta  última  escola 
interpretativa, simplificação que muito lhe facilita a argumentação... De qualquer 
modo, como ainda sublinha o mestre Vedel, o próprio “juiz constitucional... é um 
censor, não um decididor”, ou seja, um aplicador, não um criador do direito.29
Parte, por outro lado, essa “nova hermenêutica” da negação de que as normas 
—  e  principalmente  as  normas  constitucionais  —  tenham  um  sentido  definido, 
apreensível pelo intérprete. Ao contrário, sustentam os neoconstitucionalistas que 
“as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extrema‑
mente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e 
objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar”. Elas são uma mera 
“moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas” 
(Barroso e Barcellos, 2006:53). O que traz implícito que o intérprete entre elas li‑
vremente escolhe.
Tal ideia peca, antes de mais nada, pela generalização quanto às normas cons‑
titucionais. Ou seja, ela vê todas como princípios, quando, inegavelmente, seja na 
linha de Dworkin, seja na linha de Alexy, a grande maioria delas é formada por 
regras. Aliás, é excepcional que apontem princípios abstratos, como o faz a Cons‑
tituição de 1988.
Uma segunda objeção vem do fato óbvio de que as normas se exprimem em 
palavras que têm sentido na língua usada. Se não, como os homens se comuni‑
cariam?  Conforme  Sunstein  observa:  “As  pessoas  que  rejeitam  os  princípios  se‑
mânticos (de interpretação) revelam que apenas não entendem o que significam 
determinadas palavras” (Sunstein, 2009:127).
Mais, “a Constituição” — cite‑se ainda Sunstein — “não significa o que deter‑
minadas pessoas querem que ela signifique, caso contrário não seria lei alguma” 
(Sunstein, 2009:11).Tais posições condenam de modo peremptório uma das teses 

26
 Ver, sobre o tema, Barroso e Barcellos, 2006.
27
 Carlos Bastide Horbach disseca a nova hermenêutica em Horbach (2006).
28
 Por exemplo, a escola de Kantorowicz com a Freirechtslehre. 
29
  A  observação  do  prof.  Georges  Vedel,  que  orientou  minha  tese  em  Paris,  é  por  inteiro:  “Le  juge 
constitutionnel n’est une Muse, ni un chef d’orchestre, ni un généralissime. Il est un censeur, non un décideur” 
(destaquei). Mathieu e Verpeaux, 1998.

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Notas Sobre o Direito Constitucional Pós-Moderno 163

de neoconstitucionalistas brasileiros, como o que decreta o “abandono das possibi‑
lidades de se alcançar verdades conteudísticas” em direito (Streck, 2009:212).
Na verdade, essa “livre interpretação” serve para que os intérpretes façam pre‑
valecer seus valores, compromissos, posições ideológicas sobre os do legislador.
Acrescente‑se que os princípios de interpretação (Barroso e Barcellos, 2006:69 
e segs.), que, ao menos na opinião de um dos neoconstitucionalistas mais em evi‑
dência, caracterizam esse novo estilo, se encontram nos especialistas da matéria, 
como o brasileiro Maximiliano,30 ou o belga Chaïm Perelman.31 Ou não passam de 
desdobramentos de tais princípios. Com exceção de dois. 
Um é o princípio de “proibição do retrocesso” (Barroso e Barcellos, 2006:76). 
Vedaria este à revogação ou à restrição de normas que concedam direitos. Trata‑se 
de uma ideia cujo alcance não foi medido pelo autor, pois, com base nela não se 
admitiriam novas restrições ao direito de propriedade. Ou este não é direito, e fun‑
damental, nos termos do art. 5o, caput, da Constituição? Este princípio bloquearia a 
adaptação do direito a novos tempos e a novas exigências.
Trata‑se aqui não de um princípio interpretativo, mas um princípio ideológico 
ou político. Que é na ordem das coisas o “avanço” ou o “retrocesso”? O que era 
ontem “avanço”, hoje é “retrocesso”, o que é hoje “avanço”, poderá ser amanhã 
“retrocesso”. É paradoxal que o pós‑positivismo que renega o iluminismo, reitere 
uma das ideias‑forças deste, a de progresso. De progresso constante, irreversível, 
para um mundo sempre melhor.
Outro é o princípio da “dignidade da pessoa humana” (Barroso e Barcellos, 
2006: 77 e segs.). Essa dignidade é o fundamento dos direitos humanos, como tenho 
apontado em outros estudos (Ferreira Filho, 2008:1 e segs.). O problema é que essa 
dignidade é concebida de modo diferente pelas filosofias, religiões e culturas, o que 
põe em risco a objetividade da interpretação. Muitas vezes já tem servido abusiva‑
mente de “chave falsa” (perdoe‑me a imagem) para que o intérprete arbitrariamen‑
te faça prevalecer sua concepção ideológica contra legem ou praeter legem. Isto “sem 
uma justificação política substantiva”, como reclama Sunstein (2009:127).

A constitucionalização do direito

O neoconstitucionalismo, na versão que estudo, não inclui a “constituciona‑
lização do direito” entre os traços típicos do pós‑positivismo. Insere‑a — é certo 

30
 Maximiliano, 1951.
31
 Veja, por exemplo, Perelman (1976).

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164 Revista de Direito Administrativo

— no neoconstitucionalismo (Barroso, 2005:4). No espaço jurídico atual, entretan‑
to, uma peculiaridade flagrante é exatamente o que se vem chamando especifica‑
mente de “constitucionalização do direito”.
Pode‑se  dizer,  tomando  em  sentido  geral  o  termo  constitucionalização,  que 
esse  fenômeno  está  presente  desde  os  primórdios  do  constitucionalismo,  já  que 
todo direito legislado sob uma constituição tem de atender a esta, inclusive res‑
peitando os seus princípios substantivos (mesmo implícitos) e, especialmente, os 
direitos fundamentais. Tendo em vista esse fato, já ensinavam os mestres france‑
ses que todo o direito, incluído o direito privado, tem sua “tête de chapitre” na Lei 
Magna.
Hoje,  todavia,  é  outro  o  sentido  que  se  dá  à  expressão.  Designa‑se  como 
“constitucionalização do direito” um fenômeno novo. Trata‑se da aplicação direta 
e imediata das normas constitucionais pelo juiz no equacionamento dos casos con‑
cretos, pondo‑se de lado a legislação infraconstitucional cabível (sem que ocorra a 
declaração de inconstitucionalidade desta). 
Esse posicionamento é, todavia, condenável. Tal menosprezo à lei (já aponta‑
do) contraria, por um lado, a separação dos poderes, por outro, a própria demo‑
cracia. A separação dos poderes, porque o juiz se substitui ao legislador e é função 
deste densificar os princípios constitucionais e intermediar pela regulamentação 
que edita a sua aplicação a casos concretos. A democracia, porque ele faz do juiz 
um  governante,  não  tendo,  contudo,  legitimidade  para  tanto.  Como  registra  a 
Constituição  brasileira,  o  povo  exerce  o  poder,  ou  diretamente,  ou  por  meio  de 
representantes eleitos (art. 1o, parágrafo único).

Observações finais

Persistência do constitucionalismo moderno

Como se mostrou no corpo deste trabalho, ainda não existe um novo tipo de 
Estado, o que se convencionou chamar de Estado pós‑moderno. Na verdade, isto 
é comprovado pelo direito comparado, pois não há diferenças importantes entre 
as constituições mais recentes e o modelo do constitucionalismo moderno. Este, 
nascido no liberalismo, adaptou‑se sem maiores problemas ao signo do social e, 
provavelmente,  às  exigências  da  chamada  pós‑modernidade.  Não  há,  portanto, 
deste ângulo, razão para justificar um constitucionalismo pós‑moderno ou um neo‑
constitucionalismo.

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Notas Sobre o Direito Constitucional Pós-Moderno 165

Um direito constitucional pós-moderno?

Não está definida, no plano doutrinário, a existência de um direito constitu‑
cional pós‑moderno. A lição de Canotilho apresenta‑se antes como um desiderato 
do que como uma realidade demonstrada.

O neoconstitucionalismo

Já  a  doutrina  brasileira  do  neoconstitucionalismo  —  ao  menos  nos  ensina‑


mentos  que  apreendi  —  não  se  sustenta.  O  seu  pós‑positivismo  —  peça  central 
do  modelo  —  é  simplista  e  não  traz  inovações,  mas  usa,  sem  dizê‑lo,  de  ideias 
de há muito conhecidas no plano do direito. Na verdade, para o bem da causa, a 
doutrina anterior é referida de modo caricatural e simplista, quando não conve‑
nientemente ignorada.
O  neoconstitucionalismo  à  brasileira  —  apesar  da  sustentação  científica  de 
sua principal estrela — não é, essencialmente, senão uma ideologia, uma roupa‑
gem pretensamente científica, para coonestar um ativismo de operadores do direi‑
to. Ele serve de instrumento para implantar o politicamente correto, “reformar” o 
mundo e, de passagem, o país, num arremedo de socialismo utópico (para lembrar 
a lição de Marx).

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