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SCHWARTZ, Germano - Constituições Civis e Regulação
SCHWARTZ, Germano - Constituições Civis e Regulação
CONSTITUCIONAL.
Germano Schwartz∗
RESUMO
ABSTRACT
The present article intends to develop the Teubner’s idea of multiple civil contitutions.
With this, it has as objective to demonstrate that the hierarchy notion, essential for the
understanding of a Constitution of a State - Nation, can be observed in a different
perspective from the theory of autopoiese applied to the social systems (Law), generating
transformations to the State and also to the Constitution itself.
INTRODUÇÃO
∗
Doutor em Direito (Unisinos). Professor do Mestrado em Direitos Fundamentais da Universidade Luterana
do Brasil e do Curso de Direito da Universidade de Passo Fundo.
verticalidade) dizem respeito a uma sociedade que mantinha uma velocidade temporal
compatível com tais elementos. No entanto, cumpre ressaltar que a sociedade
contemporânea é outra, fruto de uma evolução funcional ,e, também, sistêmica. Daí a
necessidade de se perscrutar a validade no tempo da hierarquia da Constituição em um
ordenamento jurídico, uma vez que a sociedade atual trabalha com outras idéias
(circularidade, fluidez, redes, etc.)
1
Sobre a assertiva, veja-se CLAM, Jean. Questões Fundamentais de uma Teoria da Sociedade : contingência,
paradoxo, só-efetuação. São Leopoldo : Editora Unisinos, 2006, p. 166, nota de rodapé 30.
2
TEUBNER, Gunther. Droit et Réflexivité : l’auto-référence en droit et dans l’organisation. Bruilant :
Belgique ; L.G.D.J. : Paris, 1996, p. 149-170.
3
MELLO, Marcelo Pereira de. A Perspectiva Sistêmica na Sociologia do Direito : Luhmann e Teubner.
Tempo Social. São Paulo : USP, v.18, jun/2006, p. 357.
Essa é a juridificação, a nascença dos múltiplos corpos do Rei4, a razão da falência
da hierarquia e da supremacia das Constituições dos Estados-Nação. A co-relação sistema x
ambiente é, portanto, observada a partir de interpenetrações desse código inicial com os
subsistemas do Direito, da Política e da Economia.
Porém, toda essa análise, que inclui o problema constitucional, pressupõe uma
espécie de autopoiese em níveis, também defendida por Jean Clam5 em sua tentativa de
aclaração da teoria luhmanniana. Ao contrário de Luhmann, Teubner entende que há níveis
de autonomia diferenciados no sistema jurídico6.
Há, portanto, uma espécie de autopoiese gradativa do Direito, como, sob outra
perspectiva, também defende Jean Clam8. Todavia, os hiperciclos não são encontráveis de
forma pronta e acabada. Eles se autoconstituem. É o caso do fenômeno constitucional. No
nível da comunicação reflexiva e auto-reprodutiva, e no contexto de uma sociedade
4
Essa é a expressão usada por Teubner para explicitar a fragmentação do sistema jurídico em uma sociedade
global. Para tanto, veja-se TEUBNER, Gunther. The King's Many Bodies: The Self-Deconstruction of Law's
Hierarchy. In: Law and Society Review 31, 1997, 763-787.
5
CLAM, Jean. The Specific Autopoiesis of Law. In : PRIBÁN, Jirí; NELKEN, David. Law`s New
Boundaries. Cornwall : Ahsgate, 2001. p. 48.
6
Vide TEUBNER, O Direito como Sistema Autopoiético, 1989.
7
Idem, p. 68.
8
Para CLAM, Questões Fundamentais, 2006, p. 143-189, há uma autopoiese basal, estruturada circularmente,
cuja paradoxidade é pura e operativa, e existe uma autopoiese derivada, possuidora de uma circularidade
evolutiva e de uma semântica paradoxal, abrindo novos espaços de estruturação.
globalizada, resta constatável que a juridificação de determinada Constituição se dá, hoje,
em níveis diferenciados.
9
TEUBNER, Droit et Réflexivité, 1996, p.19.
10
TEUBNER, Global Bukowina: Legal Pluralism in the World-Society. In: Gunther Teubner (Hg.), Global
Law Without A State, Dartsmouth, London 1996, p.4.
11
Expressão utilizada por CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos. São Paulo: Editora Cultrix, 1996, para (re)definir uma sociedade em que o todo não pode ser
compreendido sem as partes e vice-versa. Com isso, denota-se que a fluidez e circularidade da sociedade
contemporânea são fatos incontestes. Constituem-se em características arraigadas à autoconstrução do sistema
social.
12
TEUBNER, Gunther. Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie.
Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht 63, 2003, p. 2.
13
Como SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa: qu'est-ce que le tiers état?. 4.ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2001, e LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6.ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001.
denominou de fatores reais do poder? Ela não correria riscos de se tornar uma folha em
branco14? Ela (re)institucionalizaria tempo?
14
A assertiva de OST, François. O Tempo do Direito. Lisboa : Piaget, 1999, p. 281-282, é elucidativa: “Como
evitar fazer da Constituição um <<arquivo>>, letra-morta em breve esquecida, sem com isso a tranformar
num <<documento de trabalho>>, incessantemente retrabalhado ao sabor da urgência e das paixões
políticas?”
15
OST, O Tempo do Direito, 1999, Prelúdio.
16
Idem, p. 283
17
TEUBNER, Gunther;FISCHER-LESCANO, Andreas. Regime-Collisions: The Vain Search for Legal Unity
in the Fragmentation of Global Law. In: Michigan Journal of International Law 25, 2004, p. 1039
18
Para um maior aprofundamento sobre a matéria, consulte-se TEUBNER, Gunther. Direito, Sistema e
Policontexturalidade. São Paulo : Unimep, 2005.
19
A respeito da limitação de danos como resultado de uma sociedade de risco, fruto da indeterminação e da
incerteza de suas estruturas, é aprofundada em LUHMANN, Niklas. Sociología del Riesgo. México: Triana
Editores, 1998.
mundo de subsistemas diferenciados funcionalmente. Logo, pretender a superioridade,
pressupõe racionalidade forçada, quando, ao contrário, deveria ser evolutiva. A construção
de regimes que ao invés de se colidirem, pressuponham a conexão citada, pode reconstruir
tanto o sistema jurídico quanto os subsistemas por ele influenciados mediante os
denominados acoplamentos estruturais.
20
LUHMANN, Niklas. Observaciones de la Modernidad., 1997, p. 13-48.
21
LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gessellschaft. Frankfurt : Suhrkamp, 1997, p. 407-415.
22
Para uma descrição cronológica do caso, veja-se SCHWARTZ, Germano. O Tratamento Jurídico do Risco
no Direito à Saúde. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2004, p.162-175.
23
O caso é narrado amiúde em TEUBNER, Gunther. Sociedad global, justicia fragmentada: sobre la violatión
de los derechos humanos por actores transnacionales 'privados'. In: Manuel Escamilla und Modesto Saavedra
(Hg.), Law and Justice in a Global Society, International Association for Philosophy of Law and Social
Philosophy, Granada 2005, 529-530.
24
A respeito, para citar apenas um, STEINMETZ, Wilson. A Vinculação de Particulares a Direitos
Fundamentais. São Paulo : Malheiros, 2004.
25
TEUBNER, Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie…, 2003, p.4.
possível? Um exemplo: códigos de conduta de empresas transnacionais que obrigam seus
empregados26, nos mais variados Estados da sociedade global, a respeitar certos direitos e
valores universais. Outro: os direitos autorais transnacionais, regulados por tratados
(TRIPs) que possuem equivalente normativo em cada país, podendo ser exigidos em
qualquer nível de jurisdição mesmo que a violação tenha sido dada em outro Estado-Nação.
26
É a “fundamentalização” da labour law no âmbito internacional de que fala TEUBNER em The King's
Many Bodies, 1997, p. 769-771
27
TEUBNER, Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie…, 2003, p.5.
28
Idem, p.7-13.
29
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2001.
30
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
(b) Globalização Policêntrica – a globalização é um fenômeno de níveis variados e
não coordenado31. Um dos grandes contrastes, como é o exemplo da questão dos
medicamentos para o HIV, é o fato de os direitos fundamentais serem reafirmados em
palcos não-estatais. Forçoso reconhecer, pois, que é a sociedade civil que vem
(re)afirmando a Constituição em espaços fora e/ou dentro do Estado32. A hipótese de
Häberle33 é, portanto, correta, devendo, todavia, ser transplantada a um nível global.
31
A comprovar tal afirmação, veja-se o verbete “Globalização” em ARNAUD, André-Jean; JUNQUEIRA,
Eliane Botelho. Dicionário da Globalização. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006, p. 221-225.
32
Para ARNAUD, André-Jean. Critique de la Raison Juridique 2. Gouvernants sans Frontières. Entre
mondalisation et post-mondialisation. Paris : L.G.D.J, 2003, p. 271 – 356, o pouvoir en partage é a grande
característica do Direito nos tempos atuais, rechaçando-se assim, a lógica top down adotada pela
racionalidade moderna e se admitindo como correta a produção normativa botton up. Nesse espaço de lógica
estilhaçadas, a sociedade civil (re)assume um papel importantíssimo nas instâncias de produção normativa,
conjuntamente com o legislador estático, em níveis variados que constituem um direito negociado e não mais
imposto.
33
Em HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição :
contribuição para a interpretação pluralista e 'procedimental' da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2002.
34
Defendida em STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica : uma nova crítica do
Direito. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2002, p. 59-94.
35
Cf. NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
A proposta de Teubner36 é a de que as várias Constituições sem Estado (civis) são
estruturas sociais, constituindo-se em interfaces de movimentos sociais autônomos com as
operações juridificadas. Em outra forma de argumentar, a Constituição não é somente o
acoplamento entre Direito e Política, mas sim entre o Direito e os demais subsistemas
sociais.Assim sendo, a Constituição não é tão-somente “Política” ou “Carta Política”, muito
embora ainda preserve tal característica. De outros subsistemas provém irritações que
podem ser entendidas como constitucionais pelo sistema jurídico.
(2) Dessa forma, uma aspiração à construção de uma unidade jurídica global é,
frente às características da sociedade contemporânea, altamente improvável. Ao contrário, é
razoável supor uma maior fragmentação jurídica.
36
TEUBNER, Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie…, 2003 p.16.
37
TEUBNER,FISCHER-LESCANO, Regime – Collisions, 2004, p. 1004.
Nessa linha de raciocínio, a fórmula da argumentação/validade utilizada por
Luhmann38 pode ser verificada. A Constituição é um texto que acopla tanto a validade
como a argumentação, sendo a validade do texto (argumento) verificada em outros níveis
além do Político. A decisão, portanto, deriva desse contexto. Há, com isso, decisões
“constitucionais” no sistema econômico, quando, por exemplo, uma indústria fronteiriça
deixa de poluir um dos lados de um rio (pertencente a uma nação) porque afetará o outro
lado (de outra nação). Referida decisão trará prejuízos, mas será tomada em função dos
movimentos sociais (ONGs, sociedade civil organizada) e das Constituições de ambos os
Estados envolvidos. Note-se, porém, que se trata de uma “decisão constitucional civil”.
Nessa esteira, perde espaço a noção da possibilidade uma Constituição Federal que
se baseia na concepção precípua de hierarquia39. A observação do sistema social dá
algumas referências bastante consistentes a respeito. Veja-se, por exemplo, a falibilidade da
tentativa de leis nacionais que procurem limitar a Internet40. A digitalização renega
fronteiras e soberanias, atuando em um espaço essencialmente não-estatal,e, mais, virtual.
Com isso, colocam-se em xeque as construções modernas do Estado enquanto nação, e,
portanto, da própria essência do fenômeno constitucional.
38
LUHAMNN, Das Recht der Gessellschaft, 1997, p. 342.
39
Sobre o tema, consulte-se SCHWARTZ, Germano (Org.). Autopoiese e Constituição : os limites da
hierarquia e as possibilidades da circularidade. Passo Fundo : UPF Editora, 2005.
40
TEUBNER, Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie…, 2003 p.1.
41
Idem, p.2.
42
Nas palavras de TEUBNER. King Many Bodies, 1997, p, 769: “The recurrent doubts about law’s hierarchy
so easily silenced in the nation-states’ past can be silenced no more”.
Disso tudo resulta que a Constituição ainda não esgotou sua funcionalidade
sistêmica, que, no entanto, devido às comunicações oriundas dos demais sistemas sociais,
se transformou a partir de uma abertura cognitiva e de uma auto-reprodução interna. Trata-
se, pois, de uma nova forma constitucional advinda de uma aquisição evolutiva social. Essa
nova racionalidade é capaz de (re)orientar temporalmente a Constituição e as decisões dela
advindas.
Dessa forma, para que seja possível evitar um interregno, o espaço de tempo
existente entre dois monarcas (falecimento de um e assunção de outro) e para que se torne
viável a constatação de que um único king não é possível para tantos corpos, é factível a
utilização adaptada de uma regra proveniente do Reino Unido e que tem por objetivo a
continuidade:
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
43
Assevera LUHMANN, La Constitution comme Acquis Évolutionnaire, 1995, p. 113-114: “La validité de la
constitution ne peut plus guère mais n’a pas non plus besoin d’etre fondée de l’exterieur. La validité
hypothétique, dessinée à partir d’une analogie scientifique, d’une norme fundamentale (Kelsen). Il s’agit em
tout cas d’une construction inutile. Il n’est pas difficile de comprendre qu’il y ait peu de sens à reposer
toujours de nouveau la question du commencement ou du fondament de validité, de l’arché ou du principium.
Abandonner cette problématique ne fait nullement le lit de l’arbitraire (Beliebigkeit) ou, comme onle craint
facilement en Allemagne, n’ouvre la porte aux nationaux-socialistes. On acquiert ainsi plutôt la possibilite
d’analyser plus précisement les exigences auxquelles um texte partiallement autologique doit satisfaire au sein
d’um système autoréférential , opératoirement clos. ”
Dessa forma, o Direito também pode ser observado como unidade de diferença entre
o direito constitucional e o restante do Direito44. O Direito está orientado conforme a
Constituição. Ou está de acordo, como já dito, ou está em desacordo45 com o texto
constitucional. Na primeira hipótese, a auto-referencialidade segue seu ciclo normal, e as
decisões de caráter constitucional permeiam o sistema, reconstruindo-o. Na segunda,
também ocorrerá a autopoiese, porém de forma negativa: o que está em desacordo com a
Constituição reafirma o Direito por não ser Direito.
(1) É a Constituição, por intermédio de seus princípios e normas, que possibilita sua
própria auto-referência;
(3) A Constituição regula a produção do Direito e ela mesma prevê sua revisão,
atualizando as normas inferiores e ela mesma;
44
Cf. Ibidem, p. 114
45
Conforme Idem, a idéia de Constituição “transforme l’idée déjà possible selon laquelle tout droit pourrait
être conforme ou contraire au droit em l’idée selon laquelle tout droit est ou bien conforme à la constitution
ou bien lui est contraire.”
46
LUHMANN, La Constitution comme Acquis Évolutionnaire, 1995, p. 112.
47
Apontadas por LUHMANN, La Constitution comme Acquis Évolutionnaire, 1995, p. 116.
(5) A Constituição independe do sistema político no momento de sua aplicação no
sistema jurídico, mas sofre sua influência no momento de sua feitura;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São
Paulo: Editora Cultrix, 1996.
CLAM, Jean. The Specific Autopoiesis of Law. In : PRIBÁN, Jirí; NELKEN, David.
Law`s New Boundaries. Cornwall : Ahsgate, 2001.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da
constituição : contribuição para a interpretação pluralista e 'procedimental' da
constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
TEUBNER, Global Bukowina: Legal Pluralism in the World-Society. In: Gunther Teubner
(Hg.), Global Law Without A State, Dartsmouth, London 1996.