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METODOLOGIA

DO ENSINO DE
HISTÓRIA

Ana Cristina Zecchinelli Alves


A História ensinada:
educação infantil e
anos iniciais do ensino
fundamental
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Desenvolver as noções de espaço e temporalidade a partir do ensino


de História.
 Discutir a noção de sujeito histórico e o lugar dos indivíduos na História.
 Analisar as estratégias de ensino dos conceitos de evidência, narrativa
e interpretação histórica.

Introdução
Neste capítulo, você será apresentado a alguns procedimentos que po-
dem ser utilizados com os alunos da educação infantil e dos anos iniciais
do ensino fundamental para auxiliar no desenvolvimento das noções de
espaço e temporalidade. Ademais, você conhecerá as noções de sujeito,
sujeito histórico e sujeito histórico atuante. Também descobrirá que alguns
indivíduos marcam seu lugar na História, a partir de si mesmos (carisma
pessoal), como resultado de uma condição de nascença, uma posição
político-econômica, ou, ainda, como resultado do que Weber denominou
“rotinização de carisma”, que se dá a partir da ocupação individual de
determinados cargos. Por fim, você aprenderá sobre estratégias utilizadas
para o desenvolvimento e a compreensão de conceitos como evidência,
narrativa e interpretação histórica. Qual a importância da compreensão
desses conceitos para que o educando possa realmente aprender os
ensinamentos da História?
2 A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental

Espaço e temporalidade a partir


do ensino de História
Espaço e tempo são questões centrais para a História, sendo esta o estudo
das ações do homem no espaço ao longo do tempo. As ações do homem
ocorrem em determinados espaços a partir de contextos que as provocam e/
ou as suportam. Assim, para ensinar História a crianças, na etapa da educação
infantil ou durante os anos iniciais do ensino fundamental, o primeiro passo
é introduzir os conceitos mais básicos da disciplina: tempo e espaço.
As crianças apreendem tais conceitos de forma difusa nas relações do-
mésticas e familiares, antes mesmo de entrar para a escola. Nos casos em
que vão à escola ainda muito bebês, também os apreendem de forma gradual
e pedagogicamente sistematizada, por meio das relações que estabelecem na
creche, no maternal e no período pré-escolar. Segundo os educadores João
Alberto da Silva e Júnior Saccon Frezza (2010, p. 45), “[…] a criança, desde
muito cedo, procura se adaptar ao espaço e ao tempo em que está situada. As
primeiras estruturas mentais se constroem em função das coordenações do
corpo no espaço e das sequências temporais das ações”.
Na verdade, o tempo e o espaço, enquanto realidades cotidianas, fazem-
-se presentes desde o nascimento: nos horários da amamentação, nos locais
onde a criança fica ou para onde é levada, nos espaços de brincar, de dormir,
de se alimentar, em ambientes de asseio. Quem nunca viu uma criança que
reconhece — seja porque gosta ou porque não — quando está chegando a hora
do banho? Mesmo na mais tenra idade, a criança percebe os locais, os tempos
e os contextos que lhe agradam. Tempo e espaço podem ser conceitos difusos,
mas suas realidades práticas são sentidas. Compreendendo isso, podemos
também entender que, entre a percepção difusa do bebê e a compreensão de
tempo e espaço enquanto conceitos, há um longo percurso a ser seguido: deve-
-se passar, paulatinamente, da mera percepção a conceitos intelectualmente
apreendidos e utilizados com a devida consciência de sentido e oportunidade.
Tais transformações de percepção em noção, e de noção em aprendizado e
conhecimento, são fruto da experiência, da educação e da (con)vivência. Por
exemplo, as crianças, mesmo as mais novas, reconhecem a diferença entre o
bebê-conforto e a cadeirinha de segurança do carro; entre seu berço e a cama
da mãe. Elas também têm noções de tempo que surpreendem. Poderíamos
dizer que, no que tange à alimentação, isso se dá, como alegam popularmente,
porque “há um reloginho” que indica a hora da fome. Mas como explicar que,
com ou sem horário de verão, muitas crianças sabem quando está na hora dos
pais e mães chegarem em casa?
A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental 3

Elencados esses pontos, vamos discutir sobre como fazer para que esse
senso difuso, experiencial e intuitivo de tempo e espaço se torne saber e co-
nhecimento. Isso se dá por intermédio de uma série de técnicas pedagógicas
que são levadas a cabo por dedicados professores com método, didática e
muita observação de cada indivíduo sob seus cuidados.
Para Hilary Cooper, que valoriza as proposições de Piaget e Vigotsky quanto
ao processo de apropriação do conhecimento, deve-se começar a discussão
sobre tempo a partir dos elementos referentes às mudanças na vida da própria
criança: passa-se pelas mudanças nas histórias das pessoas mais próximas
da criança, abordando-se, depois, o passado mais distante (COOPER, 2006).
Esse pensamento possui afinidade com o disposto pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), que propõe uma gradual ampliação dos temas da História,
que parte do “eu” do aluno em direção a outras relações e, finalmente, ao todo.
Silva e Frezza sugerem o uso da música e seus compassos como prática para
a construção da noção de tempo na educação enfantil. Segundo eles (2010, p. 51),

[…] o compasso e o ritmo musical são, de fato, marcações de tempo, e o acom-


panhamento que as crianças pequenas fazem com palmas, batidas de pé ou
[…], com instrumentos, pode ser uma possibilidade de interação com a noção
de tempo. O tempo das crianças da Educação Infantil é o tempo de suas ações.

Cremos que o mesmo sistema também possa ser utilizado com crianças nos
anos iniciais do ensino fundamental, principalmente na fase de alfabetização.
Concordamos com Silva, Claro e Mendes quando propõem que o método
construtivista denominado “aprendizagem significativa” (ver Figura 1) seja
apropriado para a introdução do ensino histórico, visto que:

[…] o processo de aprendizagem significativa, de acordo com a teoria cog-


nitivista ocorre por meio de conhecimentos já estabelecidos na estrutura
cognitiva dos alunos por meio de suas experiências com o meio, ou seja, seus
conhecimentos prévios. Assim, novas experiências e informações podem
ser aprendidas e retidas na memória na medida em que esses conceitos se
tornam significativos, pois estão claros e disponíveis na estrutura cognitiva
do aluno e funcionam, dessa forma, como pontos de ancoragem para os novos
conceitos e conhecimento.
No contexto educativo deste novo milênio, em que há uma expansão das
informações e da tecnologia educacional são importantes utilizar estratégias
de ensino com enfoques na aprendizagem significativa no qual é possível
selecionar os conceitos relevantes, saber interpretá-los e ter a capacidade
de fazer novas associações na busca de resoluções de problemas (SILVA;
CLARO; MENDES, 2017, p. 22695).
4 A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental

Para conferir o quadro comparativo das concepções de aprendizagem de Piaget,


Vigotsky e Wallon, acesse o link:

https://goo.gl/hg6WLH

Para uma visão geral e resumida da teoria da aprendizagem significativa, acesse o link:

https://goo.gl/tw1qCv

Os melhores elementos para trabalhar os conceitos de tempo em sala de


aula são aqueles mais próximos às experiências e à vida cotidiana do educando.
Em outras palavras, aqueles que ele já usa, mesmo sem dar-se conta: dia e
noite, horários das refeições, dias de aula e finais de semana, feriados e festas,
calendários, ontem, hoje e amanhã, agora e depois. Essas noções também
podem ser trabalhadas relacionando tempo, espaço geográfico e culturas a
partir da moda de cada época, dos costumes, dos brinquedos, das utilidades
domésticas, dos meios de transporte e da arquitetura.
As relações com os espaços, que também já vêm desenvolvidas difusamente
pelos educandos, podem ser trabalhadas a partir de elementos como relações
com os colegas, “meu espaço”, “seu espaço”, casa, escola, cômodos, lugares
de passeio, perto e longe. O uso de mapas e do globo terrestre no ensino
fundamental ajuda os educandos na compreensão da noção de espacialidades
geográficas e das relações entre os fatos históricos e os locais onde ocorreram.
De fato, essas ferramentas permitem que os educandos imaginem as dimensões.
A BNCC indica que, tanto na educação infantil quanto no ensino funda-
mental, a História deve ser ensinada a partir de conceitos básicos, referentes ao
item “o eu o outro e o nós”, passando aos demais conteúdos de forma gradual.
Amplia-se, assim, o círculo de relações sociais e geográficas a cada ano. Da
mesma forma, introduz-se, a cada etapa anual, uma série de novos conceitos
e considerações sobre os já existentes. Esses conceitos estão estruturados de
modo a serem trabalhados para que a criança descubra a si mesma enquanto
“sujeito”, daí partindo para a interação com o “outro”. Em verdade, com vários
e diferenciados “outros”, a partir dos quais reforça sua visão sobre sua própria
individualidade e descobre as diferenças entre si e os outros e entre os outros.
Na sequência, introduz-se o próximo conceito: o “nós”. Nós: a família, a escola,
os amigos, a comunidade, o mundo.
A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental 5

Figura 1. Processos de aprendizagem significativa.


Fonte: Adaptada de Carlos (2011).

O sujeito histórico e o lugar dos indivíduos na


História
Sujeito é uma palavra que designa várias condições, conforme utilize-se o
termo nas várias áreas de conhecimento. O sujeito de que tratamos aqui é
aquele cuja definição provém da filosofia, como descritos a seguir:

sujeito (lat. subjectus)

1. Em um sentido lógico-linguístico, o sujeito de uma proposição representa


aquilo de que se fala, a que se atribui um predicado ou propriedade.
Ex.: Na proposição “Sócrates foi o mestre de Platão”, “Sócrates” é o
sujeito; “mestre de Platão”, o predicado.
2. Na metafísica clássica, sobretudo em Aristóteles, sujeito é sinônimo da
substância, do ser real como suporte de atributos: “O sujeito é, portanto,
aquilo de que tudo o mais se afirma, e que não é ele próprio afirmado
de nada” (Metafísica).
6 A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental

3. Em teoria do conhecimento, principalmente a partir de Descartes e do


pensamento moderno, o sujeito é o espírito, a mente, a consciência,
aquilo que conhece, opondo-se ao objeto, como aquilo que é conhecido.
Sujeito e objeto definem-se, portanto, mutuamente, como polos opostos
da relação de conhecimento.
4. Sujeito transcendental. Opõe-se a sujeito epistêmico e a sujeito psico-
lógico. Ver transcendental; epistêmico, sujeito.
5. Filosofia do sujeito ou da consciência: Na filosofia moderna, é a tradição
racionalista que atribui ao sujeito um papel central como fundamento
do conhecimento (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 180).

Todos somos sujeitos na e da história. Somos sujeitos enquanto seres pen-


santes, “[...] portadores do espírito, da mente, da consciência” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2001, p. 180). Porém, quando usamos o termo o “sujeito
histórico”, conforme trabalhado neste capítulo, referimo-nos àquele que tem
a consciência de sua agência na História, seja com relação à própria história,
a história familiar, comunitária, local, municipal, nacional ou internacional.
O sujeito histórico é marcado pela consciência histórica que possui. Segundo
Jörn Rüsen (2001, p. 59),

[...] a consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem para


tornar suas intenções de agir conforme os com a experiência do tempo. Esse
trabalho é efetuado na forma de interpretações das experiências do tempo.
Estas são interpretadas em função do que tencionam para além das condições
e circunstâncias dadas da vida.

Rüsen a analisa como um “fenômeno do mundo vital”, estando, portanto,


“[…] relacionada imediatamente com a vida humana prática”. A consciência
histórica é entendida por ele como “uma das operações mentais com as quais
os homens interpretam suas experiências da evolução temporal de seu mundo
e de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida”
(RÜSEN, 2001, p. 58).
No entendimento de Rüsen, todos os homens (e não apenas os historia-
dores) tem pensamento e consciência histórica. Embora todo sujeito possua
pensamento e consciência histórica, a forma e a intencionalidade para a qual
dirigem seus atos a partir dessa consciência histórica é o que difere o sujeito
na e da história do que aqui chamamos de sujeito histórico. Este não é apenas
um sujeito na história, mas um sujeito que se percebe como agente ativo da
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construção histórica. É aquele que se conscientiza de sua existência como


ator, como ser atuante cujas ações interferem na História.
A historicidade é algo inerente à existência humana, algo que constitui o
homem como espécie, variando, no entender de Cerri, as formas como essa
historicidade é apreendida pelos homens. O autor encontra algo em comum
no pensamento de Heller e Rüsen: a ideia de que pensar historicamente é
um fenômeno comum à condição humana, sendo o pensamento histórico
vinculado à prática disciplinar, ou seja, uma perspectiva mais complexa para
enfocar a história. “A base do pensamento histórico, portanto, antes de ser
cultural ou opcional, é natural: nascimento, vida, morte, juventude, velhice
são as balizas que oferecem aos seres humanos a noção do tempo e de sua
passagem” (RÜSEN, 2001, p. 33), estando presentes nos seres humanos em
quaisquer posições sociais ou culturais.
No que tange ao sujeito, a BNCC comprometida, com a educação integral
e a construção do sujeito, determina como um objetivo importante da história
no ensino fundamental:

[…] estimular a autonomia de pensamento e a capacidade de reconhecer que


os indivíduos agem de acordo com a época e o lugar nos quais vivem, de for-
ma a preservar ou transformar seus hábitos e condutas. A percepção de que
existe uma grande diversidade de sujeitos e histórias estimula o pensamento
crítico, a autonomia e a formação para a cidadania (BRASIL, 2018, p. 400).

Ao estimular a autonomia, o pensamento crítico e a formação para a ci-


dadania, a norma está se referindo à formação do sujeito histórico consciente
de sua agência sobre o mundo. A norma também determina que as ciências
humanas devem:

 estimular uma formação ética;


 auxiliar os alunos a construir um sentido de responsabilidade para
valorizar:
■ os direitos humanos;
■ o ambiente;
■ a própria coletividade;
 fortalecer valores sociais como:
■ a solidariedade;
■ a participação social;
■ o protagonismo voltado para o bem comum;
8 A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental

■ a preocupação com as desigualdades sociais;


 cultivar a formação de alunos intelectualmente autônomos, com ca-
pacidade de articular categorias de pensamento histórico e geográfico
em face de seu próprio tempo, percebendo as experiências humanas
e refletindo sobre elas, com base na diversidade de pontos de vista
(BRASIL, 2018).

Trabalhar esse conceito de sujeito histórico com educandos passa por


conscientizá-los sobre a existência de seu eu (sua individualidade), mas também
sobre suas atuações nas relações como o outro, com grupos e com o mundo.
Como elencado pela BNCC, a educação deve levar o educando a compreen-
der que suas atitudes interferem no mundo de forma positiva ou negativa.
Percebendo-se como ator e agente da própria história, o aluno pode refletir e
agir conscientemente no cotidiano de forma intencional, ética e cidadã, am-
pliando seus âmbitos de atuação de forma consciente. No entanto, os homens
fazem sua própria história dentro do contexto histórico e do lugar onde vivem,
premidos pelas tradições, contra as quais atentam em períodos de revolução,
mas nas quais também acabam buscando apoio por meio de roupagens, gritos
de guerra e nomes (CERRI, 2001). Os homens constituem-se como sujeitos a
partir de suas culturas e experiências.

Para saber mais sobre o conceito de sujeito histórico, acesse o link a seguir.

https://goo.gl/vnS5sq

Miranda (1993), partindo de uma abordagem sócio-histórica, dispõe os


indivíduos em dois tipos contextualizados enquanto objetos de seu estudo:

1. os “homens reais”, “indivíduos concretos”, vivendo no mundo da alie-


nação que os deforma, mutila e limita sua evolução;
2. o “homem representativo”, “total” ou “verdadeiro”, que corresponde à
imagem de suas possibilidades históricas.
A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental 9

O primeiro indivíduo pode ser entendido como o sujeito na e da História,


inconsciente de sua agência. É do segundo indivíduo, “o homem representativo”,
que tratamos ao pensar o lugar do indivíduo na História. Não que os demais dela
não façam parte; o fazem, porém, como peças da multidão de sujeitos históricos.
Nildo Silva Viana, que reflete sobre o indivíduo sob viés marxista, situa-o a
partir de sua condição de espécie da natureza e de ser social. Para Viana (2013, p.
119-120), “o indivíduo é uma unidade da espécie humana […]” que compartilha
algumas características comuns com outros membros de sua espécie. “[…] Ele é
uma manifestação da essência ou natureza humana” e, igualmente, um ser social
moldado por sua cultura. Diferenciado em cada cultura, pode-se dizer que o
indivíduo é “determinado” socialmente. “Porém, enquanto indivíduo concreto,
ele é síntese de múltiplas determinações. Essas determinações promovem a
diferenciação dos indivíduos e de grupos de indivíduos”. Refletindo sobre o
assunto a partir dessa colocação, percebemos que a autonomia do indivíduo
é relativa, posto que moldada por uma série de padrões culturais, sociais ou
mesmo biológicos.
Ainda segundo Viana, o indivíduo exerce maior influência na História quando
representa forças sociais (em dado contexto que o favorece), o que, por outro
lado, não o impede de atuar de forma política e transformadora. O processo de
constituição dos indivíduos, assim como dos sujeitos históricos, é atravessado
pelo processo de reprodução da sociedade, o que deve ser levado em conta
quando se trata da questão da autonomia e de sua relatividade.
Para além da História Geral, muitas vezes a atuação do sujeito histórico,
enquanto ente individual, fica subsumida na multidão dos sujeitos históricos.
Há a um lugar para os indivíduos na História, no sentido da figura singular
e única que cada um é por si mesmo. Esse indivíduo aparece de forma mais
visível nas Histórias familiares e comunitárias, destacando-se do e no grupo
de pessoas que compõem esses agrupamentos. Ele pode aparecer igualmente
como uma grande figura histórica, de dada sociedade ou do mundo, por seus
valores e feitos. Há, também, aqueles indivíduos que, por conta do carisma de
seus cargos (WEBER, 2004) aparecem nos relatos históricos não por seus feitos
individuais ou por suas destacadas qualidades, mas pelos cargos ocupados. No
último caso, não é o valor do indivíduo que o faz visibilizado historicamente,
mas a posição ocupada, sem a qual não se destacaria.
Dessa forma, temos que o sujeito histórico está presente na História por
sua atuação, mormente quando está pautada na consciência de sua agência. O
indivíduo histórico se tornará mais visibilizado por suas características e feitos
pessoais em dado contexto.
10 A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental

Para exemplificar, imagine que os membros de uma comunidade se unam


para defendê-la em caso de invasão ou para a produção de festas comunitárias.
São sujeitos históricos atuando intencional e conscientemente. Imaginemos
agora o exército de Napoleão, o qual contava com vários militares capacitados.
A figura de destaque, por suas características próprias e individualidade,
que marcou a História foi Napoleão. Quantos presidentes teve o país? De
quais você se lembra e por quê? Alguns marcaram seu nome na História
e na memória do povo (para o bem ou para o mal); outros, mesmo tendo
ocupado o cargo máximo da nação, simplesmente são esquecidos, ainda que
contem como figuras proeminentes nos livros de História. Esses últimos têm
o que Weber denominou carisma do cargo, não o de sua individualidade. Esse
tipo de carisma despersonalizado ocorre a partir da institucionalização das
religiões, sistemas políticos, militares, etc. É um carisma que pertence ao
cargo exercido por alguém, independentemente de quem seja seu ocupante.
Ele está entre os vários tipos encontrados na classificação que Weber propõe
como substituição possível ao líder carismático original, que deu origem a
instituição a ser “rotinizada” para que continue quando o líder original não
mais estiver disponível.

Evidência, narrativa e interpretação


histórica — conceitos e estratégias
para aplicação em sala de aula
Em uma conferência intitulada The challenge to be ‘evidence-based’ in
history teaching and curriculum design, realizada no SASHT Conference, na
Nelson Mandela Metropolitan University em outubro de 2016, Rob Siebörger
(2016) faz uma crítica aos professores e estudiosos de História por conta da
falta de clareza na especificação dos conceitos de fonte e evidência. Essas
são críticas bem atuais. Válidas não somente para esses conceitos como para
outros tantos que acabam associados como sinônimos quando não o são.
Para evitar a falta de clareza, utilizaremos o conceito de evidência conforme
apresentado no Dicionário Básico de Filosofia: evidência (lat. evidentia):
“em seu sentido corrente, tudo aquilo que se impõe ao espírito com uma
força tal que parece desnecessário demonstrá-lo ou prová-lo” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2001, p. 70).
Para trabalhar conceitos de evidência em sala de aula, faz-se necessário
trabalhar anteriormente o conceito de fonte. Podemos dizer que todo vestígio
deixado pelo homem pode vir a ser uma fonte. Estas são classificadas em
A História ensinada: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental 11

primárias e secundárias. As fontes históricas anteriormente vinculadas ao


documento escrito (no Ocidente), após os Annales, se ampliaram em um
imenso cabedal, incluindo vestígios dos mais diversos tipos. Assim sendo,
quase tudo pode ser fonte, mas nem todo vestígio se tornará fonte e nem toda
fonte (informação) se tornará uma evidência. Segundo Hinton, em What is
Evidence?, “[…] uma fonte se torna evidência se for usada para responder
pergunta sobre o passado” (HINTON, 1990 apud SIEBÖRGER, 2016, p. 2).
As evidências surgem da catalogação das fontes e de sua crítica interna e
externa, a partir da confirmação de uma série de itens, como veracidade de
conteúdo e plausibilidade.
As evidências podem ser exemplificadas de forma interessante por meio
do acompanhamento de notícias de jornal sobre dado fato com apresentação
das fontes de informação, seguindo-se os atos investigativos que comprovem a
veracidade das informações dadas pelas fontes para que se chegue à verdade,
no sentido de que o conteúdo se tornou evidência/prova, e não mais apenas
fonte/informação. Em tempos de fake news, é fácil explicar para os educandos,
a partir de seu próprio cotidiano, a importância da verificação dos conteúdos
das fontes para que estas se tornem evidências. Nesse ponto, as redes sociais,
mídias diversas e mesmo os comentários gerais ouvidos nas ruas, em casa e na
escola favorecem o envolvimento dos educandos na apuração da verdade e na
compreensão das diversas interpretações que um mesmo fato histórico pode
receber. O fato em si não muda; o que muda é o que se narra dos fatos, a partir
de que ângulo são abordados, a que perguntas correspondem as narrativas e
quais são as perguntas que podem ou poderiam ter sido feitas. Se o fossem,
quais seriam os resultados?
É necessário estar atento para que a evidência — ainda que possa ser
interpretada de maneiras diversas — esteja fundamentada na narrativa, não
deixando espaço para “achismos” ou desinformação.

Narrativa histórica e interpretação da narrativa


A narrativa histórica acontece de diversas formas. Ela pode se dar de forma
oral ou escrita. Está presente na literatura, na mitologia, na arquitetura, nas
alterações das paisagens, nos vestígios materiais, nos patrimônios imateriais,
etc. É a leitura que se faz da História narrada das habilidades e competências
de cada um. Para pensarmos em duas formas principais de narrativa, oral e
escrita, devemos levar em conta os fatores que as constituem.
A História oral que sustentou e ainda sustenta uma série de culturas prima
pela memorização dos fatos e está sujeita aos padrões de memória de seus griots
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(contadores de história). Ela também ocorre no seio das famílias e comunidades


através das gerações como memória e história. Esteve presente nas mitologias
e histórias antigas. Caso clássico para exemplificar o poder dessas memórias
transformadas em histórias é o da existência de Tróia. Durante séculos contada
de forma oral, depois colocada no papel por Homero, a história e a existência
de Tróia foram consideradas ainda por muitos séculos como mera história
literária ou mítica, até que Heinrich Schliemann (1822–1890) a desenterrou.
No que diz respeito ao orixá Xangô, deus-rei de Oyó da Mitologia Africana,
sua existência histórica também foi comprovada.

Griots são pessoas educadas para serem guardiões da memória e da história de suas
comunidades na África. Eles aprendem a contar as histórias de forma estética para
que não se esqueçam.

A narrativa histórica escrita começa com as pinturas rupestres, petroglifos,


desenhos em elementos arquitetônicos, evoluindo para hieróglifos e diversas
formas de escrita. De início contou lendas, histórias de grandes eventos, reis,
rainhas, conquistas e cataclismas. Depois passou a contar com mais detalhes
as histórias dos povos, revelando suas culturas e crenças, sua política, relações
econômicas, etc.
As narrativas mais antigas se destinam à memória dos reinados e de seus
soberanos, de modo a imortalizá-los. A maior punição e o maior temor da
antiguidade ocidental é ter seu nome apagado da História (vários faraós o
tiveram) e ou não gerar descendência, visto que a esta caberia não só o cuidado
com o ascendente idoso, mas a memória de sua existência e a continuação
de seu nome.
No ocidente, com o passar dos séculos e o desenvolvimento da História
como disciplina, as narrativas históricas passaram a se preocupar com ou-
tros assuntos, além daqueles que moveram a História nos primórdios de seu
reconhecimento como disciplina: a vida de grandes figuras e grandes feitos,
anais dos reinos e repúblicas e busca de um método científico próprio (que se
pretendia espelhado nos das ciências naturais). As formas de narrativas his-
tóricas se modificaram ao longo dos séculos XIX e XX. A narrativa de cunho
positivista tradicional, esquemática e linear pautada nos escritos documentais
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oficiais de viés político-administrativo foi abalada pelos pressupostos colocados


pelo materialismo histórico, passando a conviver com narrativas que levavam
em conta a economia, os meios de produção e os agentes de produção — os
trabalhadores. No início do século XX, uma nova forma de narrativa histó-
rica, surgida a partir dos questionamentos e posicionamentos dos Annales,
entrava no circuito, trazendo consigo uma série de inovações, compartilhando
métodos de outras ciências, olhando para outros objetos de estudo e utilizando
novas abordagens. Passou-se a pensar para além da linearidade, valorizando
a diacronia e a sincronia; para além da História macro, valorizando a História
micro, local. Diversas temporalidades. Diversas temáticas.
Um mesmo assunto/fato pode ser trabalhado por abordagens diferentes,
resultando narrativas diversas entre si. A História constituída no século XX
permite uma amplitude jamais vista antes em termos de análise e interpretação
histórica. Interpretar a História por diversificados ângulos permite ir além do
óbvio. Questionar as interpretações e abordagens das narrativas possibilita
novas descobertas. Um mesmo texto, lido com os alunos em ocasiões diferentes,
pode resultar novas perguntas.
As melhores estratégias para introduzir ideias de narrativas históricas
e suas constituições aos alunos é pelo uso de fontes em sala de aula, com
posterior debate, interpretação e criação de texto narrativo constituído a
partir das evidências dadas pelas fontes. Pode-se, ainda, convidar uma pessoa
mais experiente para trabalhar memórias ou fazer entrevistas, lidando com
a história oral.

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Leituras recomendadas
EVIDÊNCIA: In: SIGNIFICADOS. [Matosinhos: 7Graus Lda], 2013. Disponível em: https://
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SUJEITO. In: DICIO. [Matosinhos: 7Graus Lda], c2019. Disponível em: https://www.dicio.
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