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TEMA 4 - BILINGUISMO

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a Língua Brasileira de Sinais (doravante, Libras) vem sendo


reconhecida em diferentes espaços, ganhando novos espaços, principalmente no meio
educacional. Portanto, faz-se necessário conhecermos mais sobre essa língua e os
aspectos históricos que entremeiam a Língua de Sinais ao longo dos tempos.
É importante ressaltar que o presente estudo propõe fazer uma apresentação do
que é um sujeito bilíngue e o conceito de bilinguismo, bem como conhecer sobre a Libras.
Nesse contexto, a presente seção tem como objetivo conceituar e discutir características
da educação bilíngue, bem como explorar as possibilidades da constituição do sujeito
bilíngue e os aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais.
BILINGUISMO E O BILÍNGUE

Compreender o que é o bilinguismo e principalmente quem é o bilíngue é


fundamental para iniciar os estudos sobre a Libras. O sujeito surdo, usuário de Libras, é
um sujeito naturalmente bilíngue, quando nascido em uma família de ouvintes, e que tem
em seu próprio lar duas línguas, sendo a Língua Brasileira de Sinais sua primeira língua
e o Português Brasileiro a segunda.
Para muitos, o bilinguismo é algo já estabelecido onde existe uma pessoa que sabe
duas línguas; para outros, o bilinguismo é ter proficiência nas duas línguas. Por esse
motivo, o conceito do bilinguismo será revisado por nós, já que é um conceito de um
fenômeno complexo e que a literatura o apresenta com diferentes formatos.
Nas primeiras pesquisas registradas em 1923, Saer apresenta que o bilinguismo é
algo ruim, que acarreta prejuízo cognitivo e de aprendizagem. Ao mesmo tempo pode ser
bom para as pessoas, já que aumenta a tolerância e a habilidade de adaptação, conforme
relatam Kielhöfer e Jonekeit em 1983. Na busca ainda de compreender o fenômeno do
bilinguismo, Titone, em 1972, publicou um estudo em que observa o papel do bilinguismo
na sociedade, visualizando o quanto somos bilíngues e como utilizamos essas línguas.
Considerar os estudos anteriores é necessário, já que as pesquisas de Mackey
(1972) corroboram com os estudos atuais de bilinguismo surdo. Mas o que é um
bilinguismo surdo? Vamos explorar mais adiante essa ideia. Nesse momento,
continuaremos com a proposta de Mackey (1972), que considera o sujeito bilíngue como
aquele que alterna duas ou mais línguas, ou seja, que usa duas ou mais línguas conforme
a necessidade de comunicação. Ele estabelece que, conforme o uso, existem medidas e
graus para o mesmo.
Portanto, Mackey (1972) propõe que o sujeito não pode ser bilíngue apenas por
saber duas línguas, que o saber duas línguas seja o único requisito para ser bilíngue
estaria equivocado. O bilinguismo deve ser visto como um todo, considerar o grau, função,
alternância e interferência das línguas. Vejamos, o grau está relacionado ao quanto o
sujeito conhece das duas línguas, tanto na produção quanto na compreensão da língua.
Ou seja, o sujeito bilíngue poderá ter uma maior habilidade na escrita ou somente na
leitura, ou nas quatro habilidades da língua (leitura, escrita, produção e compreensão).
O item Função, para Mackey (1972), determina as finalidades de uso da língua,
considera as circunstâncias em que é utilizada as línguas pelo bilíngue, e a Alternância é
a possibilidade de trocas de língua, essa possibilidade do bilíngue poder determinar a
partir da função e do grau de conhecimento das línguas, o momento e com quem pode
usar determinada língua. Como percebe-se, o bilíngue é um sujeito que pode ser mais
proficiente em uma língua e menos na outra, já que pode escolher onde, quando e qual
língua usar.
Esse conceito de que o bilíngue não é altamente proficiente nas duas línguas é
algo que podemos dizer ser recente, já que surge através dos estudos de Fischman (1972)
e os estudos de Grosjean (1985, 1989) corroboram para que entendamos o que seria ser
bilíngue. Nesses estudos, defende a concepção de domínios de uso da língua,
desconsiderando a proposta de que para ser bilíngue o indivíduo teria que ser usuário de
duas línguas da mesma forma. Enfatiza que existe sim dife- rentes níveis de uso das
línguas considerando contextos e as necessidades de uso.
Dessa forma, Grosjean (1994) inicia as discussões sobre a noção de “contínuo”.
Este conceito é uma variável importante para ser considerada na educação de surdos, já
que o bilinguismo é peça fundamental para pensar a educação bilíngue. O contínuo pode
ser compreendido em duas extremidades: a primeira seria de explicar sobre os bilíngues
sem habilidade de alternar as línguas, mas que possuem uma proficiência baixa em uma
das línguas em alguns contextos de comunicação; a segunda seria que o bilíngue possui
habilidade de alternar as línguas em diferentes contextos e domínios de uso, portanto os
bilíngues podem apresentar-se de formas diferentes a partir de suas experiências com as
línguas.
Destaco que ser bilíngue não é ter dois monolíngues em uma pessoa, mas sim, a
habilidade de poder usar as línguas conforme a necessidade de comunicação que o
contexto proporciona. Compreender a função de cada língua é essencial, por exemplo, o
sujeito surdo tem um contexto específico, onde 95% das crianças surdas nascem em lares
onde os pais são ouvintes e desconhecem a Libras (STROBEL, 2007). Nesse caso, o
bilinguismo é imposto socialmente, já que a própria família é composta por pessoas que
usam outra língua que não a sua. Nós ouvintes, quando desejamos, podemos fazer uma
escolha de língua para o contexto de trabalho, outra para conversar com amigos, sendo
que o uso de uma ou outra em contextos/situações diferentes pode ser definido por
diversos fatores, e um desses fatores pode ter sido uma decisão pessoal livre. No caso
dos surdos brasileiros, é uma escolha imposta sob a Lei Federal 10.436/2002, que
estabelece que o surdo deve ser bilíngue, utilizando a Libras, e o português brasileiro na
modalidade escrita como segunda língua.
O contexto de aquisição das línguas é importante, podendo definir o quanto e como
o bilíngue poderá utilizar as línguas, conforme Chin e Wigglesworth (2007). Os autores
defendem que a aquisição das línguas sofre influência social, gerando a percepção que
os bilíngues possuem do uso das duas línguas. Há duas formas de comunidades
linguísticas, sendo a primeira endógena, onde a segunda língua é presente na
comunidade, e a segunda a exógena, que é quando a segunda língua não está presente
no contexto em que o indivíduo se insere. Por exemplo, quando a língua é utilizada
somente na escola, poderá gerar um efeito sobre o grau de bilinguismo individual, já que
a segunda língua não é utilizada diariamente e em diversos contextos. O surdo, nesse
caso, é da comunidade exógena, pois a Libras é uma língua que não é amplamente
utilizada nos meios de comunicação e pela sociedade como um todo.
Outro ponto para pensarmos o bilinguismo é a idade de aquisição da Libras. Chin
e Wigglesworth (2007) distinguem entre bilíngues precoces e bilíngues tardios. Os
bilíngues precoces são caracterizados por serem indivíduos submetidos a duas línguas
antes da adolescência, ao passo que os bilíngues tardios são aqueles submetido à
segunda língua após a adolescência. Questões relacionadas à idade de aquisição
seguidamente surgem nas discussões relacionadas ao bilinguismo, principalmente devido
à forte associação que existe entre idade de aquisição e nível de proficiência na segunda
língua. Há estudos que apontam para a ideia de que o bilinguismo precoce possa oferecer
vantagens, principalmente no que se refere à aquisição de aspectos fonológicos da
segunda língua. Por outro lado, existem estudos que defendem que os indivíduos
maduros, os bilíngues tardios, estão em vantagem para adquirir a segunda língua de forma
mais rápida do que crianças, por demonstrarem atitude, aptidão, motivação diferenciados
e, principalmente, por compreenderem e analisarem as estruturas complexas das línguas.
O que uma criança surda perde em aprender a Libras tardiamente? A resposta
pode ser simples e complexa, já que quando adulta poderá aprender Libras e ter sucesso
na sua aprendizagem. Mas o fato de não ter uma língua estabelecida e clareza na
comunicação com seus familiares e com todos que o cercam poderá acarretar uma perda
de informações de sua comunidade cultural, informações familiares, conhecer a si e aos
que a rodeiam. Enfim, poderá ser uma pessoa estranha em um espaço familiar, já que
não consegue demonstrar seus sentimentos de forma clara para com todos.

Bilíngue bimodal

O sujeito surdo, usuário de Libras, como visto anteriormente, não nasce em lares
bilíngues, os mesmos nascem na sua maioria em famílias que aprenderão a Libras junto
com a criança surda, outras não aprenderam a Língua de Sinais, outras rejeitarão a Libras
e optarão por um método oralista de comunicação, onde a criança surda fará leitura
orofacial (leitura labial) para comunicar-se.
Nesse cenário diverso, deve-se considerar que a educação de surdos começou no
Brasil em 1857, com a criação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que
inicialmente foi chamado de Instituto Nacional de Surdos-Mudos. E, logo em 1880, o Brasil
participou do Congresso de Milão, onde se estabeleceu que a Língua de Sinais deveria
ser proibida e que o método oralista fosse adotado em diversos países, incluindo o Brasil.
O INES inicia, portanto, a proibição da Libras utilizando a oralização como meio de
comunicação. Sem êxito, por volta da década de 80, inicia o método de Comunicação
Total, que estabelece uma comunicação com diferentes meios, sendo uma mescla de
Libras com oralização, podendo usar de mímica e qualquer outro recurso comunicativo.
O método bilíngue começa a ser aplicado por volta do ano de 1986, surgindo a
filosofia bilíngue na década de 90, que concebe o uso de duas línguas no espaço escolar
para surdos, evidenciando a primeira língua, que é a língua de sinais (GOLDFELD, 1997).

A alternância de línguas para os surdos brasileiros somente é possível quando


sua escolarização é baseada verdadeiramente nos princípios de uma educação
bilíngue de qualidade. Que se responsabiliza pelo desenvolvimento linguístico e
cognitivo do seu alunado, de forma a proporcionar a aquisição da língua de sinais
como primeira língua e, por meio, dela o ensino dos conteúdos e a produção de
conhecimento na escola, incluindo o ensino do português, na modalidade escrita.
(SANTIAGO; ANDRADE, 2013, p. 160).

O bilinguismo precisa ser discutido e tratado com muito cuidado, poderá ser a forma
de conceituá-lo que poderá fazer a diferença. Vejamos que para Swanwick (2000) existem
três modalidades de língua presentes nos estudos de bilinguismo: (1ª) a modalidade oral-
auditiva, que abrange as línguas orais; (2ª) a modalidade visual-gráfica, que compreende
ao registro da língua; e (3ª) a modalidade visuoespacial, que abarca às línguas de sinais.
Quando discorremos sobre bilinguismo, portanto, esse pode ser unimodal, quando se
utiliza uma modalidade de língua, ou bimodal, no qual um indivíduo utiliza línguas de
modalidades diferentes, sendo uma língua na modalidade oral-auditiva e a outra na
modalidade visuo espacial. Que, no caso de surdos, o normal é o bilinguismo bimodal, por
serem raras as situações em que o surdo estará em situação de bilinguismo unimodal
(utilizando duas Línguas de Sinais).
Fenômenos linguísticos

Existe o mito de que a Língua de Sinais é composta por mímica, gestos e que seria
universal. De fato, são mitos, já que a Língua de Sinais é uma língua que possui uma
gramática independente da língua de modalidade oral e cada país possui uma ou mais
Línguas de Sinais. No Brasil, temos a Língua Brasileira de Sinais – Libras, que é uma
língua urbana, usada nos grandes centros e nas cidades, e a Língua Urubu-Kappor, que
é utilizada por índios surdos em aldeias em alguns estados brasileiros.
A Libras possui algumas características peculiares, como por exemplo, poder falar
em Libras e Português Brasileiro ao mesmo tempo, já que outro bilíngue usuário de duas
línguas na modalidade oral-auditiva não conseguirá produzir as duas línguas
simultaneamente, visto que na oralidade os sons são produzidos em um mesmo espaço
articulatório. Da mesma forma, não é possível que um bilíngue utilize duas línguas de
sinais simultaneamente, pois as duas são da mesma modalidade, o que torna inviável
produzi-las ao mesmo tempo. Entretanto, é comum vermos situações em que um bilíngue
utiliza duas línguas de diferentes modalidades de forma alternada, podendo expressar-se
em uma língua na modalidade oral--auditiva ao mesmo tempo que registra sua produção
em uma modalidade visual-gráfica de outra língua.

Vemos que a produção da fala em língua oral e em língua de sinais (LS) realiza-
se de maneiras bem distintas. Nas LS, diferentemente das orais, a produção da
fala articula-se de maneira externa ao corpo do falante, as partes do corpo é que
se articulam e dão forma à língua. Nesse sentido, o falante torna-se fisicamente
visível na produção da fala. Além disso, tem-se na produção das LS dois
articuladores independentes e iguais – as mãos – as quais permitem uma
diversidade de combinações e construções simultâneas. Portanto, se nas línguas
orais, os articuladores da fala são internos, ficando, quase totalmente, ocultos, nas
línguas de sinais eles se destacam, sendo aparentes e explícitos. Assim, tanto a
produção, quanto a recepção se dão de formas distintas nessas duas modalidades
e isso tem implicações. (RODRIGUES, 2013, p. 129).

É imprescindível registrar que falar o Português Brasileiro e Libras ao mesmo


tempo é possível fisicamente, e é totalmente inviável cognitivamente produzi-las de
maneira simultânea. Sendo duas línguas com gramáticas distintas, onde a estrutura
sintática, o uso do verbo, a organização do discurso ocorre de forma diferente, faria o
bilíngue eleger uma língua como dominante e a outra língua ficaria prejudicada, gerando
prejuízo para uma delas. Contudo, devemos observar um fenômeno que pode ocorrer
tanto em surdos como em ouvintes, o code--blending, conhecido como mistura de códigos.
Esse fenômeno, que é muito comum e se caracteriza pela produção de duas línguas ao
mesmo tempo, com sobreposição de uma à outra, somente é possível por serem as duas
línguas de modalidades distintas, sendo que a estrutura sintática de uma das línguas ficará
preservada (GROSJEAN, 2008). O code-blending difere de outro fenômeno comum entre
os bilíngues que dominam duas ou mais línguas de modalidade oral-auditiva, o code-
switching, nome dado à inserção de palavras ou expressões de, por exemplo, duas línguas
orais em uma mesma frase, sendo que a estrutura sintática de uma das línguas é sempre
preservada (língua base) e algumas palavras ou trechos da frase são substituídos por
expressões da outra língua.
O fato de a modalidade das línguas Português Brasileiro e Libras ser distinta fica
evidente quando estudamos a gramática da Libras, que por sua vez possibilita que
possamos compreender a estrutura de um signo (palavra) em Libras, bem como uma frase
estruturada nessa língua.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desta reflexão é importante termos claro que não basta traçar uma linha do
tempo sobre a história da língua de sinais para compreender a surdez e sua relação com
a língua de sinais. É necessário um exercício de compreensão do que é o sujeito bilíngue
bimodal.
Compreender a diferença de modalidades e as diferenças entre línguas nos
permitem refletir sobre a comunidade surda e como o sujeito surdo, em inúmeros
momentos e situações, é considerado um estrangeiro dentro do próprio país, já que,
mesmo sendo usuário do Português Brasileiro escrito, ele utiliza uma língua distinta da
nossa em território brasileiro.
Neste sentido cabe relembrar que o bilinguismo bimodal é quando temos um sujeito
que utiliza duas línguas de modalidades diferentes, no caso do surdo, Libras e Português
Brasileiro. Portanto, é essencial buscarmos compreender que as línguas são distintas e
independentes, já que o bilíngue pode ter mais habilidade ou conhecimento em uma língua
que em outra. Assim, o surdo nem sempre será proficiente da mesma forma nas duas
línguas, podendo ser mais em uma que em outra.
REFERÊNCIAS

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SANTIAGO, V.A.A.; ANDRADE, C.E. Surdez e sociedade: questões sobre conforto
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STROBEL, Karin, As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora da
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[1972]

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