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Bilinguismo

Podemos definir inicialmente como bilíngue aquele que fala duas línguas. Entretanto, dada a variedade de definições
e do espectro de indivíduos que essa definição pode ou não atingir, podemos considerar bilinguismo ou bilíngue:

Bloomfield (1935 apud Megale, 2005) conceitua bilinguismo a partir da noção de bilíngues perfeitos, ou seja, aqueles
que seriam proficientes em duas línguas. Para ele bilinguismo seria “[...] o controle nativo de duas línguas.”

No outro extremo, Macnamara (1967 apud Megale, 2005) propõe que “[...] um indivíduo bilíngue é alguém que
possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua
diferente de sua língua nativa.”

Entre estes dois extremos encontram-se outras definições, como por exemplo, aquela proposta por Titone (1972
apud Megale, 2005), para quem bilinguismo é “[...] a capacidade individual de falar uma segunda língua obedecendo
às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua.”

De forma análoga a Macnamara, Li Wei (2000 apud Megale, 2005) argumenta que o termo bilíngue basicamente
pode definir indivíduos que possuem duas línguas. Mas, deve-se incluir entre estes indivíduos com diferentes graus
de proficiência nessas línguas e que muitas vezes fazem uso de três, quatro ou mais línguas.

Devemos, portanto, admitir que o bilinguismo não tem classificação estrita e que pode variar segundo uma série de
fatores, admitindo-se a possibilidade de se considerar graus de bilinguismo. Seguindo na mesma direção, Mackey
(2000 apud Megale, 2005) pondera que ao se definir bilinguismo deve-se considerar:

 O grau de proficiência (o conhecimento de tais línguas não precisa ser equivalente em todos os níveis
linguísticos): por exemplo, posso ter um vocabulário amplo em L2 e não ter conhecimentos fonológicos
suficientes, como no caso do hispano-falante ao pronunciar “zelo” (gelo) ou “coca cero” (coca zero).
 A função e o uso das línguas (que podem variar): por exemplo, emprego português no dia a dia, inglês no
trabalho.
 A frequência com que se dá a mistura ou a alternância de código: com que frequência um indivíduo recorre
à L1 ou mesmo o inverso (por exemplo, quando se recorre a estrangeirismos).
 A interferência entre as línguas: pode ocorrer não só interferência da L1 (“circunstância com m”), mas
também a interferência da L2 no emprego da língua materna (analizar>analyze).

Aspectos extralinguísticos também competem à compreensão do fenômeno, que deve ser encarado como
multidimensional. Hamers e Blanc (2000 apud Megale, 2005) analisam, dessa forma, seis dimensões que concorrem
para a compreensão do fenômeno:

Competência relativa: Considera-se bilíngüe balanceado o indivíduo que possui competência lingüística equivalente
em ambas as línguas (L1 = L2). Deve ser ressaltado que ser considerado bilíngüe balanceado não significa possuir alto
grau de competência lingüística nas duas línguas, mas significa que em ambas o indivíduo em questão atingiu um
grau de competência equivalente, não importando qual grau de competência é este. Por bilíngüe dominante (L1 >
L2 e vice-versa) entende-se o indivíduo que possui competência maior em uma das línguas em questão, geralmente
na língua nativa (doravante L1).

Organização cognitiva: é considerado bilíngue composto o indivíduo que apresenta uma única representação
cognitiva para duas traduções equivalentes. No entanto, o indivíduo que apresenta representações distintas para
duas traduções equivalentes é classificado como bilíngue coordenado. Um indivíduo que aprendeu as duas línguas
quando criança, no mesmo contexto, provavelmente apresenta uma única representação cognitiva para duas
traduções equivalentes.

Literature world e mundo da Literatura = 


Literature world = mundo literário
mundo da Literatura = 
Idade de aquisição: a idade de aquisição das línguas pode afetar diversos aspectos do desenvolvimento do indivíduo
bilíngue, como o desenvolvimento linguístico, neuro-psicológico, cognitivo e sociocultural. Pode-se pensar aqui, de
acordo com Beardsmore (1982 apud Cristino, 2007) em bilinguismo infantil (até os 11 anos) e, após esse período
crítico, em bilinguismo tardio, adolescente (11 – 17 anos) e adulto (a partir dos 17 anos).
No bilinguismo infantil, o desenvolvimento de duas línguas pode ocorrer simultaneamente ao desenvolvimento
cognitivo, podendo conseqüentemente influenciá-lo. Nesse caso, até os três anos, podemos ter o bilinguismo
simultâneo, quando a criança adquire as duas línguas ao mesmo tempo, sendo expostas a elas desde o nascimento.
Por sua vez, após esse período crítico conforme McLaughlin (1978 apud Cristino, 2007), a criança será exposta a uma
segunda língua após a aquisição da língua materna, no bilinguismo consecutivo.
Segundo Grosjean (1985 apud Cristino, 2007), o bilíngue de infância, por ter adquirido os idiomas precocemente, no
lar ou na escola, tem um melhor desempenho linguístico do que um bilíngue tardio, podendo se aproximar de um
nível de proficiência de um falante nativo da L2. Acredita-se que bilíngues tardios tenham mais tendência de
apresentar características fonológicas da primeira língua ao empregarem uma segunda língua, além de aspectos
neurológicos, que mostram a não-intersecção entre L1 e L2 em áreas do cérebro responsáveis pela produção de
linguagem verbal.

Presença ou não de indivíduos falantes da L2 no ambiente de aquisição de linguagem: é possível que uma criança
que aprende duas línguas viva em um ambiente (escolar e familiar) em que as duas línguas sejam faladas pela
comunidade (diglossia e bilinguismo), como uma criança que aprende coreano (provavelmente L1) e depois
português na escola (L2) e que vive em uma comunidade que fale as duas línguas, o que permite a manutenção do
coreano, por exemplo. Ainda, é possível que essa criança viva em um ambiente no qual não são faladas as duas
línguas, o que acarreta prejuízo para a língua que não é falada nos seus ambientes de convívio (nos casos de
bilinguismo sem diglossia). Podemos pensar mesmo no nosso caso de bilíngues tardios – aqueles que não praticam a
L2 no cotidiano ou nas crianças que aprendem inglês, mas não o utilizam no seu ambiente familiar ou em outros
contextos.

Status das duas línguas envolvidas: influencia também o aprendizado de uma segunda língua, ou de duas línguas, o
prestígio conferido a elas. Existem casos em que as duas línguas são suficientemente valorizadas no
desenvolvimento cognitivo da criança e a aquisição da L2 ocorre, conseqüentemente, sem perda ou prejuízo da L1.
Por exemplo, podemos pensar no aprendizado de inglês por brasileiros ou de português por japoneses. No entanto,
pode haver desvalorização da primeira língua, gerando desvantagens cognitivas no desenvolvimento da criança e,
neste caso, durante a aquisição da L2, ocorre perda ou prejuízo da L1. Isso pode acontecer para aqueles que
consideram o aprendizado de português secundário; ou alunos indígenas; latinos nos EUA, casos todos vinculados a
aspectos socioeconômicos e culturais.

Identidade cultural: se aprender uma língua implica aprender uma cultura, pode-se pensar que há indivíduos que se
identificam positivamente com os dois grupos culturais e é reconhecido por cada um deles. Há casos em que o
indivíduo bilíngue se identifica e é reconhecido culturalmente apenas por um dos grupos em questão. Outros em
que o indivíduo renuncia a sua identidade cultural relacionada com sua L1 e adota valores culturais associados ao
grupo de falantes da L2. Finalmente, há casos em que o indivíduo bilíngue desiste de sua própria identidade cultural,
mas falha ao tentar adotar aspectos culturais do grupo falante da L2.

Bilinguismo escolar

Comumente pensamos que uma escola bilíngue é aquela que ensina em duas línguas, mas existe uma
diversidade de programas educacionais ao redor do mundo que podem ser considerados bilíngues.
Harmers e Blanc (2000 apud Megale, 2005) descrevem educação bilíngue como “qualquer sistema de
educação escolar no qual, em dado momento e período, simultânea ou consecutivamente, a instrução é planejada e
ministrada em pelo menos duas línguas”. Ressalta-se que Harmers e Blanc não entendem como educação bilíngue
programas nos quais a L2 ou a língua estrangeira é ensinada como matéria e não é utilizada para fins acadêmicos –
como as escolas de idiomas ou o ensino de inglês no ensino médio. Também se excluem não somente os casos em
que uma mudança de código lingüístico ocorre no meio da instrução sem planejamento pedagógico adequado, mas
também os numerosos exemplos de submersão, nos quais crianças frequentam um programa ministrado na língua
nativa de um outro grupo etnológico, tendo sua língua ignorada pelo sistema educacional.
Já Mackey (1972 apud Megale, 2005) propõe uma complexa tipologia de programas educacionais bilíngues,
abrangendo desde a educação monolíngue na língua da população de minoria linguística (indígenas de Manaus), a
educação monolíngue na língua da população dominante (português para estrangeiros) à educação bilíngüe em
ambas as línguas.
É possível, no último caso, que a educação seja toda feita na L2, usando a L1 apenas como facilitadora
(escolas de idiomas); ou que a criança seja alfabetizada somente na L2, mas duas línguas sejam usadas no
aprendizado (escolinhas de português para filhos de coreanos, com profissionais que falem a língua); há casos em
que as duas línguas são faladas e escritas, mas a L1 é empregada integralmente apenas nas disciplinas “culturais”
como história, artes e folclore; há outros em que as habilidades são desenvolvidas em todas as línguas em todos os
domínios. É possível também que um programa se inicie com a L1, para depois se adotar a L2; ou que empregue
ambas as línguas desde o início da alfabetização e em todos os conteúdos.
Podemos pensar então nos dois principais tipos de programa: os programas de imersão e as escolas
internacionais multilíngues.
De acordo com Harmers e Blanc (2000 apud Megale, 2005) escolas internacionais multilíngues apresentam
uma metodologia diferenciada e combinam duas, três ou quatro línguas no programa educacional, como a escola
Suíço-Brasileira em São Paulo (alfabetização em português e alemão; depois vêm o inglês e o francês).
O outro modelo de educação bilíngue é denominado imersão. De acordo com eles, imersão significa
simplesmente que um grupo de crianças falantes de uma certa L1 recebe toda ou parte da instrução escolar através
de uma L2. A introdução da L1 ou L2 é variável (uma pode preceder a outra).
Em São Paulo, estimam-se 25 escolas bilíngues, com cerca de 2.800 alunos. Segundo a OEBI (Organização das
escolas bilíngues), “Escolas bilíngües formam alunos competentes academicamente em Português e noutro idioma,
por meio de um programa pedagógico integral, com imersão total da segunda língua durante a Educação Infantil e
parcial nos Ensinos Fundamental e Médio. Nas escolas bilíngües de São Paulo predomina a adoção do Inglês como
segundo idioma, em virtude do contexto sócio-econômico e político mundial.” (ORGANIZAÇÃO DAS ESCOLAS
BILÍNGUES, 2009, s.p.).
Deve-se observar que a escolha da educação bilíngue ou do idioma a ser aprendido é determinada por
fatores históricos, sociais, ideológicos, psicológicos e socioeconômicos. A propósito, podemos pensar que, dentre as
“desvantagens” do bilinguismo, como interferência, code switching ou mesmo dislexia, aponta-se para uma
indefinição cultural do aprendiz ou mesmo uma rejeição da cultura de sua comunidade, como no caso dos alunos
bilíngues brasileiros.

Fontes:
CRISTINO, Luciana dos Santos. Bilinguismo e code switching: um estudo de caso. Dissertação de mestrado. Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2007.
MEGALE, Antonieta H. Bilingüismo e educação bilíngüe – discutindo conceitos. Revista Virtual de
Estudos da Linguagem – ReVEL. v. 3, n. 5, agosto de 2005. ISSN 1678-8931 .
ORGANIZAÇÃO DAS ESCOLAS BILÍNGUES. Disponível em < http://www.oebi.com.br>. Acesso em out. 2009.
SCARIONI, Mariana. A fôrma de cidadão do mundo. Folha Online. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u419.shtml27/05/2003. Acesso em out. 2009.

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