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Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães  Francisco das Chagas Medeiros

Paulla Vasconcelos Valente  Luciano Silveira Pinheiro

ginecologia
baseada em problemas

Fortaleza – CE
2011
Ficha Técnica

Organizadores
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Luciano Silveira Pinheiro
Francisco das Chagas Medeiros

Coordenação editorial
Antônio Miguel Furtado Leitão

Revisão ortográfica
Antônio Edson de Alencar Libório
Ana Luisa Nunes Timbó Castro

Editoração eletrônica
Sheila Peixoto dos Santos Furtado

Coordenação de design
Jônatas Barros – John

Capa e projeto gráfico


Juscelino Guilherme

Catalogação na fonte
Tusnelda Maria Barbosa Coutinho - CRB-3 nº 423 /79

G492 Ginecologia baseada em problemas. Organizada por Maria


de Lourdes Caltabiano Magalhães et.all. Fortaleza:
Fortaleza: Faculdade Christus, 2011.
470p.

ISBN 978-85-99562-15-4

1. Ginecologia
2. Ginecologia - Problemas
I. Título
II. MAGALHÂES, Maria de Lourdes Caltabiano – Org.
III. MEDEIROS, Francisco das Chagas – Org.
IV. PINHEIRO, Luciano Silveira – Org.
V. VALENTE, Paulla Vasconcelos – Org.
VI. LEITÃO, Antônio Miguel Furtado – Coord.

CDD 618.1

Impressão:
GRÁFICA E EDITORA LCR
Tel. 85 3272.7844 | Fax. 85 3272.6069
Rua Israel Bezerra, 633 | Dionísio Torres | Fortaleza | CE
atendimento01@graficalcr.com.br | www.graficalcr.com.br
Agradecimentos
Uma das grandes preocupações da Instituição Christus tem sido, ao longo do tempo, manter
elevado nível no que tange à instrução e educação dos seus alunos. Com a publicação de atuali-
zado livro-texto de Ginecologia, a responsabilidade dos autores de capítulos, dos organizadores e
do editor se tornou muito grande, por constituir tarefa nada fácil de ser cumprida. Não obstante os
óbices inerentes a esse procedimento e que foram pouco a pouco superados, inclusive com a ativa
participação dos alunos, o livro chegou ao lumen.
Este livro-texto Ginecologia Baseada em Problemas, resultante da experiência pedagógica,
clínica e cirúrgica de docentes da Faculdade Christus, curso de Medicina, certamente deve apresen-
tar falhas despropositadas e que deverão ser sanadas nas edições vindouras.
Agradecemos à direção dessa Instituição e à Gráfica LCR, por terem tornado realidade os
sonhos e os objetivos dos participantes da elaboração de mais um livro-texto que fará parte da
literatura ginecológica brasileira.

Organizadores
Dedicatória
Como estudantes e profissionais, dedicamos esse livro aos nossos pais, pelo incentivo cons-
tante ao crescimento pessoal e profissional e aos nossos esposos, esposas, filhos e filhas, pelo cari-
nho e pela compreensão nos momentos de privação do convívio e do lazer.
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Luciano Silveira Pinheiro
Francisco das Chagas Medeiros
Autores
ÂNGELA CLOTILDE RIBEIRO FALANGA E LIMA
Graduada em Medicina. Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASCO. Título
de Habilitação em Ultrassonografia na área de ginecologia e obstetrícia conferido pela FEBRASGO
e Colégio Brasileiro de Radiologia. Mestre em Tocoginecologia pela Faculdade de Medicina da Uni-
versidade Federal do Ceará. Professora do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

ANTÔNIO MIGUEL FURTADO LEITÃO


Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Anatomia pela Univer-
sidade Federal do Ceará. Atualmente, Coordenador Adjunto do Curso de Medicina da Faculdade
Christus, Coordenador Pedagógico do Colégio Christus e Professor de Anatomia da Universidade
Estadual do Ceará.

ANTÔNIO RIBEIRO DA SILVA FILHO


Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Anatomia pela Escola Pau-
lista de Medicina. Doutor em Anatomia pela Escola Paulista de Medicina. Professor Titular pelo De-
partamento de Morfologia da Universidade Federal do Ceará. Coordenador do Curso de Medicina
da Faculdade Christus.

DIRLENE MAFALDA IDELFONSO DA SILVEIRA


Graduada em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba. Especialização em Saúde Pública pela
Fundação Oswaldo Cruz Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. Mestrado em Saúde Pública pela
Universidade Federal do Ceará. Residência Médica pela Maternidade Escola Assis Chateaubriand
UFC e Aperfeiçoamento em Introduccion en Salud Publica para El Area Perinat pelo Centro Latino
Americano de Perinatologia Y Desarrolo Humano. Atualmente é Estatutária da Secretaria de Saúde
do Estado do Ceará, Autônoma da Clínica São Marcos Assistência Integral em Saúde Ltda, Colabo-
radora da Fundação Instituto Cearense de Saúde Reprodutiva, Professora do Curso de Medicina da
Faculdade Christus e Professora da Faculdade Integrada do Ceará.

FRANCISCO DAS CHAGAS MEDEIROS


Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Farmacologia pela Univer-
sidade Federal do Ceará. Doutor em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente
é Chefe do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará e Professor do Curso de Medicina da Faculdade Christus. Tem experiência na área
de Medicina, com ênfase em Reprodução Humana, atuando principalmente nos seguintes temas:
Endometriose, Infertilidade, Histeroscopia, Ginecologia e Educação Médica.

FRANCISCO EDSON XIMENES GOMES PEREIRA


Graduado em Medicina. Especialista em Ginecologia. Preceptor do estágio de Cirurgia Ginecoló-
gico da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza. Staff do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do
Hospital Geral César Cals. Plantonista de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Distrital Governador
Gonzaga Mota José Walter. Preceptor, Professor e Coordenador do Módulo de Ginecologia e Obs-
tetrícia do Internato do Curso de Medicina da Faculdade Christus.
HELENA MARIA BARBOSA CARVALHO
Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente é Coordenadora de Me-
dicina Legal da Perícia Forense do Estado do Ceará, Professora da Faculdade de Medicina Christus
e Médica Pediatra, com atuação em Clínica Particular. Tem experiência na área de Medicina Legal
e Pediatria, com ênfase em Neonatologia e Puericultura, atuando principalmente nos seguintes
temas: recém-nascido, nutrição infantil, pacientes cirúrgicos, suporte nutricional e saúde perinatal.
É mestre em “Saúde da Criança e do Adolescente” e doutora em Saúde Pública pela Faculdade de
Saúde Pública da USP.

JOÃO MARCOS DE MENESES E SILVA


Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Ginecologia e
Obstetrícia pelo Hospital Regional da Asa Sul – Brasília-DF e Hospital Geral de Fortaleza-CE. Mestre
em Saúde Coletiva pela UFC. Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Ceará. Especialista
em Biotecnologia em Saúde, HZI-Alemanha e Células-Tronco – Instituto Valenciano de Infertilida-
de – IVI-Espanha. Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Geral do Exército de
Fortaleza – HGeF. Professor do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

JOSÉ DE ARIMATÉA BARRETO


Graduado em Medicina. Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia na Maternidade-Escola
Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará. Título de Especialista em Ginecologia e
Obstetrícia pela FEBRASGO E AMB. Mestre em Tocoginecologia pela Universidade Federal do Ce-
ará. Médico do Serviço de Medicina Materno-fetal da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da
Universidade Federal do Ceará e Professor do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

JOSÉ NIVON DA SILVA


Graduado em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Pediatria e Infectologia Pe-
diátrica pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Patologia pela Universidade Federal do Ceará e
Professor do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

LÍGIA HELENA FERREIRA E SILVA


Graduada em Medicina pela Universidade de Catanduva-SP. Residência Médica em Ginecologia
e Obstetrícia pelo Hospital Regional da Asa Norte – Brasília-DF e Hospital Geral de Fortaleza-CE.
Especialista em Biotecnologia em Saúde, HZI-Alemanha. Especialista em Ultrassonografia Geral.
Professora do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

LUCIANO SILVEIRA PINHEIRO


Graduado em Medicina. Mestre e Doutor pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Univer-
sidade de São Paulo. Professor Titular de Ginecologia e Obstetrícia na Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Ceará. Coordenador do Módulo Concepção e Formação do Ser Humano
no Curso de Medicina da Faculdade Christus.

MANOEL CLÁUDIO AZEVEDO PATROCINIO


Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (1992), Residência Médica pelo Hospi-
tal Geral de Fortaleza (1995), Mestre em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará (1997)
e Doutor em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará (2004). Atualmente é Professor do
Curso de Medicina da Faculdade Christus, Anestesiologista do Instituto Dr. José Frota e Anestesio-
logista da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand. Tem experiência na área de Medicina.
MARIA DE LOURDES CALTABIANO MAGALHÃES
Médica Ginecologista e Obstetra – TEGO. Mestre pelo Departamento de Obstetrícia da Escola Pau-
lista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - Fellow of the International Federation
of Pediatric and Adolescent Gynecology–FIGIJ. Docente da Faculdade Christus Curso de Medicina.
Pós-Graduada pelo “Consejo Superior de la Universidad de Buenos Aires”, “Sociedad Argentina
de Ginecologia Infanto Juvenil”, Argentina. Especialista em Violência Doméstica contra Crianças e
Adolescência – LACRI – Universidade de São Paulo. Especialista em Educação Sexual – Sociedade
Brasileira de Sexualidade Humana.

MARIA DO LIVRAMENTO LEITÃO VILAR


Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Saúde Pública (FIO-
CRUZ/RJ), Clínica Médica (UFC) e Dermatologia (SBD). Mestre em Clínica Médica (UFC). Doutora em
Medicina e Saúde Humana (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública). Professora e Coordena-
dora do módulo horizontal de Comunicação, Habilidades e Atitudes (CHA) do Curso de Medicina
da Faculdade Christus.

MARIA JOSÉ ARAÚJO GOMES CERQUEIRA


Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência em Clínica Médica pela
Universidade Federal do Ceará. Experiência em nefrologia clínica, diálise e transplante, tendo sido
aprovada em concurso público federal na UFC na área de Nefrologia, Residência em Endocrinoloi-
ga pela UFC. Mestre em Clínica Médica (área de concentração: Endocrinologia) pela Universidade
Federal do Ceará e Professora do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

MIGUEL NASSER HISSA


Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Endocrinolo-
gia. Mestre em Medicina e Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Ceará. Professor Asso-
ciado de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da UFC. Chefe do Serviço de Endocrinologia e
Diabetes do Hospital Universitário Walter Cantídio – UFC. Coordenador do Centro de pesquisas em
Diabetes e Doenças Endocrino-metabólicas da UFC. Fellow do Colegio Americano de Endocrinolo-
gista Clínico. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Diabetes e Professor do
Curso de Medicina da Faculdade Christus.

OLGA VALE OLIVEIRA MACHADO


Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (1982), Mestre em Patologia pela Uni-
versidade Federal do Ceará (1996). Atualmente é gestora dos sinais – Secretaria Estadual da Saúde
atuando principalmente nos seguintes temas: infecção, perfurocortantes, antibióticos, nosocomial
e bacilos gram negativos, AIDS e tuberculose. Professora e Coordenadora do Centro de Pesquisa e
Monitoria do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

PAULLA VASCONCELOS VALENTE


Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Ginecologia e Obste-
trícia (TEGO). Especialista em Mastologia (TEMA). Mestre em Tocoginecologia pela Universidade
Federal do Ceará e Docente do Curso de Medicina da Faculdade Christus.

RANDAL POMPEU PONTE


Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Especialização em Anatomia Humana
pela Universidade Federal do Ceará. Especialização em Gestão de Organizações e Sistemas de Saúde
pela Fundação Getúlio Vargas – RJ. Especialização em Ultrassonografia Geral pela Universidade Fede-
ral do Ceará. Residência Médica pela Universidade Federal do Ceará (1994). Atualmente é Professor
do Curso de Medicina da Faculdade Christus e Médico do Hospital Distrital Dr. Fernandes Távora.
SHEILA MÁRCIA DE ARAÚJO FONTENELE
Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência e Mestrado em Reumatolo-
gia pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Doutora em Ciências da
Saúde pela Fiocruz. Médica assistente em Reumatologia e Coordenadora da Unidade de Pesquisa
Clínica do Hospital Geral César Cals. Professora dos Cursos de Medicina da Universidade Estadual
do Ceará e Faculdade Christus.

TEREZA DE JESUS PINHEIRO GOMES BANDEIRA


Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Saúde Pública pela Univer-
sidade Federal do Ceará. Especialista em Patologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Patologia
Clínica. Atualmente é Diretora Médica Regional (Ceará) do LabPasteur - Diagnósticos da América
SA e Consultora Técnica e Presidente da CCIH do Hospital de Messejana da Secretaria Estadual de
Saúde. Professora do Curso de Medicina da Faculdade Christus e Assessora Científica da Associação
Cearense de Estudos para o Controle de Infecções Hospitalares - ACECIH.
Coautores
Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade Christus

Ádila Mitzi Oliveira Costa Lia Maria Bastos Peixoto Leitão


Adriana Paiva Marques Lima Lia Pontes de Melo
Adriano Saboia de Andrade Liana Capelo Costa
Aline Chaves Freire Liana Ferreira Alencar Silva
Aline Moreira do Vale Mota Livia Cintra Medina
Aline Tereza Carneiro Montenegro Lívia de Freitas Gurgel Alves
Alysson Sales Melo Livia Mara Almeida Silveira
Ana Cecília de Sousa Silva Luana Pontes Vasconcelos Lima
Ana Mônica Pinto Moreira Lucas Lima de Albuquerque
André Luis Nunes Albano de Meneses Luiz Gustavo Lucena Augusto Lima
André Pinho Sampaio Marcella Costa Maia Nogueira
Andréa Edwirges Pinheiro de Menezes Barreto Marcelo Labanca Delgado Perdigão
Ane Larissa Barreto Martins Maria Thereza da Frota Quinderé
Antônio Enéas Vieira Filho Mariana Rodrigues Landim
Antônio Pierre Aguiar Júnior Marta Gabriela Silvestre Coelho Carvalho
Augusto Saboia Neto Nathália Fernandes Rebouças
Camilla Viana Goes Arrais Patrícia de Freitas França
Camylla Felipe Silva Paula Neves Pimentel Gomes
Carla Franco Costa Lima Paula Soares de Mattos Carneiro
Caroline Franco Machado Paulla Sátiro Timbó
Chiári Teixeira de Mendonça Priscila Lopes Studart da Fonseca
Dandara Costa Santos Priscila Luna da Silva
Danilo Santos Guerreiro Rafaela Benevides Rodrigues
Daphinis Diana Brito Cavalcante Raíssa Quezado da Nóbrega
Denise Neiva Santos de Aquino Rálison Yure Soares Melo
Diego de Queiroz Tavares Ferreira Raoni Carlos Madeiro
Diego Lima Vasconcelos Raquel Fernandes Garcia
Eulália Diógenes Almeida Rebeca Dourado Porto Figueiredo
Fernanda Luna Neri Benevides Rebeca Mendes de Paula Pessoa
Fernando Sérgio Mendes Carneiro Filho Rebeca Santiago Duarte
Francisco Nilson Fernandes Cardoso Filho Renata Cavalcante Lima
Gabriela Nasser Louvrier Roberta Vieira da Nóbrega
Gabriella Girão Campos de Barros Rodrigo Carvalho Barroso
Germana Barros Oliveira de Freitas Albuquerque Rodrigo Francisco Magalhães Barbosa
Germana Bastos Pontes Rodrigo Randal Pompeu Sidrim
Giovana Araújo Borges Rômulo Cesar Costa Barbosa Filho
Guilherme Alencar de Medeiros Samantha Cavalcante de Brito
Guilherme de Holanda Cota Sanna Roque Pinheiro
Helena Nogueira Brasil Sara Lourinho Firmino
Igor Siqueira Cavalcante Sara Menezes Pinheiro
Ítalo Mendonça Lima Sarah Portella Costa
João Henrique Pinheiro de Menezes Barreto Suelen Rios de Melo
Juliana Costa Alencar Tayná de Lima Freire
Karolinne Saraiva de Araújo Thâmia Martins Marques
Larissa Vasconcelos Bastos Thays Mendes da Silva
Larissa Xavier Santiago da Silva Thiago Emannoel Nogueira Ramos
Leonardo Pereira Cabral Tiago Toscano Cavalcante
Leonardo Rodrigues de Morais Yuri Oliveira Machado
Apresentação
Ginecologia Baseada em Problemas é um livro diferente. Temos certeza que será extrema-
mente útil a todos os ginecologistas como um livro objetivo de consultas rápidas como também a
todos os acadêmicos de medicina na sua formação e nos seus concursos.
Ele nasceu de um sonho, o de proporcionar uma oportunidade aos alunos de participar de
uma obra que terá grande repercussão dentro da Ginecologia. Como uma gravidez, foi desejado,
planejado e construído, passo a passo, com muito carinho.
Aborda de maneira prática os principais temas da ginecologia, priorizando o raciocínio clíni-
co, sem, no entanto, abrir mão do conhecimento teórico e dando ênfase ao diagnóstico e à prope-
dêutica. Funda-se na experiência de seus autores, com suas especialidades e resulta em uma obra
de alta qualidade acadêmica e de um guia teórico prático assistencial. Este livro traz ao alcance
informações sérias, disseminando ao maior número possível de pessoas o conhecimento aprendido
e sistematizado em vários anos de trabalho dedicado.
Para nós, profissionais, foi um processo de aprendizagem constante e crescimento contínuo
escrever com os acadêmicos além de muito gratificante vê-los comprometidos com essa impor-
tante tarefa.
Agradecemos a todos os colegas que compartilharam do nosso sonho e o tornaram possível.

Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães


Paulla Vasconcelos Valente
Sumário
Agradecimento ....................................................................................................................................................................3
Dedicatória.............................................................................................................................................................................5
Autores.....................................................................................................................................................................................7
Coautores.............................................................................................................................................................................11
Apresentação......................................................................................................................................................................13
Prefácio.................................................................................................................................................................................21

CAPÍTULO 1
ANATOMIA APLICADA AO EXAME GINECOLÓGICO .......................................................................................... 23
Antônio Miguel Furtado Leitão, Antônio Ribeiro da Silva Filho, José de Arimatea Barreto, Tayná de Lima Freire

CAPÍTULO 2
SEMIOLOGIA GINECOLÓGICA .................................................................................................................................... 35
Francisco das Chagas Medeiros, Rálison Yure Soares Melo

CAPÍTULO 3
FARMACOLOGIA PARA GINECOLOGIA APLICADA À PRÁTICA GINECOLÓGICA ..................................... 45
Manoel Cláudio Azevedo Patrocínio, Paulla Sátiro Timbó, Thiago Emannoel Nogueira Ramos

CAPÍTULO 4
CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO E O EIXO NEUROENDÓCRINO ........................................................ 57
João Marcos de Meneses e Silva, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Luana Pontes Vasconcelos Lima,
Sara Lourinho Firmino

CAPÍTULO 5
ENDOCRINOLOGIA DO CICLO MENSTRUAL.......................................................................................................... 63
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Liana Capelo Costa, Luiz Gustavo
Lucena Augusto Lima

CAPÍTULO 6
A FLORA VAGINAL NORMAL NAS DIVERSAS FASES DA VIDA ...................................................................... 69
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Giovana Araújo Borges

CAPÍTULO 7
A IMPORTÂNCIA DA CITOLOGIA ONCÓTICA E SUA INTERPRETAÇÃO COLPOSCÓPICA...................... 73
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, André Luis Nunes Albano de Meneses,
Carla Franco Costa Lima

CAPÍTULO 8
COALESCÊNCIA DE PEQUENOS LÁBIOS ................................................................................................................. 81
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Ângela Clotilde Ribeiro Falanga e Lima, Samantha Cavalcante de Brito

CAPÍTULO 9
VULVOVAGINITES NA INFÂNCIA ............................................................................................................................... 85
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Gabriella Girão Campos de Barros, Maria Thereza da Frota
Quinderé Ribeiro
CAPÍTULO 10
VULVOVAGINITES NA ADOLESCÊNCIA ................................................................................................................... 93
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Lívia Mara Almeida Silveira, Marta Gabriela Silvestre Coelho Carvalho

CAPÍTULO 11
VULVOVAGINITES NO MENACME ............................................................................................................................. 97
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Juliana Costa Alencar

CAPÍTULO 12
VULVOVAGINITES NO CLIMATÉRIO .......................................................................................................................101
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Raoni Carlos Madeiro

CAPÍTULO 13
ÚLCERAS GENITAIS ........................................................................................................................................................103
Olga Vale Oliveira Machado, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Maria do Livramento Leitão Vilar,
Ana Mônica Pinto Moreira, Antônio Pierre Aguiar Júnior

CAPÍTULO 14
DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS ......................................................................................................113
José Nivon da Silva, Augusto Saboia Neto

CAPÍTULO 15
HPV ......................................................................................................................................................................................121
Olga Vale Oliveira Machado, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Marcella Costa Maia Nogueira,
Yuri Oliveira Machado

CAPÍTULO 16
DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA .........................................................................................................................127
José de Arimatea Barreto, Dandara Costa Santos

CAPÍTULO 17
DOR PÉLVICA CRÔNICA ..............................................................................................................................................133
João Marcos de Meneses e Silva, Lígia Helena Ferreira e Silva, Caroline Franco Machado, Thâmia Martins Marques

CAPÍTULO 18
ENDOMETRIOSE .............................................................................................................................................................141
Francisco das Chagas Medeiros, Diego Lima Vasconcelos

CAPÍTULO 19
DISMENORREIA ..............................................................................................................................................................149
Ângela Clotilde Ribeiro Falanga e Lima, Alysson Sales Melo, Thays Mendes da Silva

CAPÍTULO 20
MASSAS PÉLVICAS ........................................................................................................................................................155
Francisco Edson Ximenes Gomes Pereira, Guilherme de Holanda Cota, Sarah Portella Costa

CAPÍTULO 21
ABDOME AGUDO GINECOLÓGICO ........................................................................................................................161
Francisco das Chagas Medeiros, José Albuquerque Landim Junior, Rômulo Cesar Costa Barbosa Filho
CAPÍTULO 22
TENSÃO PRÉ-MENSTRUAL .........................................................................................................................................169
Lígia Helena Ferreira e Silva, João Marcos de Meneses e Silva, Aline Chaves Freire, Lia Maria Bastos Peixoto Leitão

CAPÍTULO 23
TELARCA E PUBARCA PRECOCE ...............................................................................................................................173
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Adriano Saboia de Andrade

CAPÍTULO 24
PUBERDADE PRECOCE .................................................................................................................................................179
Miguel Nasser Hissa, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Priscila Luna da Silva, Rafaela Benevides Rodrigues

CAPÍTULO 25
PUBERDADE TARDIA .....................................................................................................................................................185
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Aline Moreira do Vale Mota,
Nathalia Fernandes Rebouças

CAPÍTULO 26
SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLIMICROCISTOS
(Síndrome da Anovulação Crônica Hiperandrogênica) ..................................................................................195
Francisco das Chagas Medeiros, Idália Luzia Fortaleza Chaves Pedrosa, Valcler Antônio Cabral Rodrigues

CAPÍTULO 27
SÍNDROMES HIPERANDROGÊNICAS .....................................................................................................................203
Miguel Nasser Hissa, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Ádila Mitzi Oliveira Costa, Camylla Felipe Silva

CAPÍTULO 28
PERDA SANGUÍNEA GENITAL NA INFÂNCIA ......................................................................................................209
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Germana Bastos Pontes, Suelen Rios de Melo

CAPÍTULO 29
SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL NA ADOLESCÊNCIA ........................................................................213
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Rebeca Santiago Duarte

CAPÍTULO 30
SANGRAMENTO GENITAL NO MENACME ...........................................................................................................219
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Ana Cecília de Sousa Silva

CAPÍTULO 31
SANGRAMENTO GENITAL NO CLIMATÉRIO .......................................................................................................225
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Roberta Vieira da Nóbrega

CAPÍTULO 32
AMENORREIA PRIMÁRIA ............................................................................................................................................229
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, João Henrique Pinheiro de Menezes Barreto, Karolinne Saraiva de Araújo

CAPÍTULO 33
AMENORREIA SECUNDÁRIA .....................................................................................................................................237
João Marcos de Meneses Silva, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Patrícia de Freitas França, Paula Soares
de Mattos Carneiro
CAPÍTULO 34
SÍNDROME CLIMATÉRICA ..........................................................................................................................................243
Francisco das Chagas Meneses, Ane Larissa Barreto Martins

CAPÍTULO 35
MENOPAUSA ...................................................................................................................................................................249
Francisco das Chagas Meneses, Rodrigo Francisco Magalhães Barbosa

CAPÍTULO 36
MIOMATOSE UTERINA .................................................................................................................................................255
José de Arimatea Barreto, Leonardo Rodrigues de Morais, Lívia de Freitas Gurgel Alves

CAPÍTULO 37
CÂNCER DO COLO UTERINO ....................................................................................................................................261
Luciano Silveira Pinheiro, Lucas Lima Albuquerque

CAPÍTULO 38
CARCINOMA DE ENDOMÉTRIO ...............................................................................................................................269
Luciano Silveira Pinheiro, Danilo Santos Guerreiro, Sanna Roque Pinheiro

CAPÍTULO 39
SARCOMA UTERINO......................................................................................................................................................279
Luciano Silveira Pinheiro

CAPÍTULO 40
MASTALGIA ......................................................................................................................................................................285
Paulla Vasconcelos Valente, Daphinis Diana Brito Cavalcante

CAPÍTULO 41
DERRAME PAPILAR .......................................................................................................................................................289
Paulla Vasconcelos Valente, Fernanda Luna Neri Benevides, Germana Barros Oliveira de Freitas Albuquerque

CAPÍTULO 42
NÓDULOS BENIGNOS DA MAMA ...........................................................................................................................293
Paulla Vasconcelos Valente, Chiári Teixeira de Mendonça, Fernanda Luna Neri Benevides

CAPÍTULO 43
TUMORES MALIGNOS DA MAMA ..........................................................................................................................299
Paulla Vasconcelos Valente, Helena Nogueira Brasil, Liana Capelo Costa

CAPÍTULO 44
PROLAPSO DOS ÓRGÃOS PÉLVICOS .....................................................................................................................307
Luciano Silveira Pinheiro, Leonardo Pereira Cabral

CAPÍTULO 45
INCONTINÊNCIA URINÁRIA ......................................................................................................................................317
Luciano Silveira Pinheiro, Lia Pontes de Melo
CAPÍTULO 46
INFECÇÃO URINÁRIA NA MULHER (GRÁVIDA E NÃO GRÁVIDA) ...............................................................327
Tereza de Jesus Pinheiro Gomes Bandeira, Antônio Enéas Vieira Filho

CAPÍTULO 47
CONTRACEPÇÃO HORMONAL ................................................................................................................................337
Francisco das Chagas Medeiros, Livia Cintra Medina

CAPÍTULO 48
CONTRACEPÇÃO DE EMERGÊNCIA ........................................................................................................................345
Francisco das Chagas Medeiros, Rebeca Mendes de Paula Pessoa

CAPÍTULO 49
INICIAÇÃO SEXUAL E SEXO SEGURO .....................................................................................................................341
Dirlene Mafalda Idelfonso da Silveira, Ítalo Mendonça Lima, Mariana Rodrigues Landim

CAPÍTULO 50
SEXUALIDADE NA INFÂNCIA ....................................................................................................................................359
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, André Pinho Sampaio, Rebeca Dourado
Porto Figueiredo

CAPÍTULO 51
SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA ........................................................................................................................365
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Marcelo Labanca Delgado Perdigão,
Sara Menezes Pinheiro

CAPÍTULO 52
SEXUALIDADE NO MENACME ..................................................................................................................................373
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Larissa Xavier Santiago da Silva, Paula
Neves Pimentel Gomes

CAPÍTULO 53
SEXUALIDADE NO CLIMATÉRIO ...............................................................................................................................377
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Guilherme Alencar de Medeiros,
Renata Cavalcante Lima

CAPÍTULO 54
SEXUALIDADE NA GESTAÇÃO ..................................................................................................................................383
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Paulla Vasconcelos Valente, Fernando Sérgio Mendes Carneiro Filho,
Larissa Vasconcelos Bastos

CAPÍTULO 55
ASSISTÊNCIA À CRIANÇA E À ADOLESCENTE, VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA .................................................391
Helena Maria Barbosa Carvalho, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Francisco Nilson Fernandes Cardoso
Filho, Raquel Fernandes Garcia

CAPÍTULO 56
ASSISTÊNCIA À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA .............................................................................................399
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Eulália Diógenes Almeida, Gabriela Nasser Louvrier
CAPÍTULO 57
INFERTILIDADE CONJUGAL: PRINCIPAIS CAUSAS E IMPLICAÇÕES ...........................................................409
Francisco das Chagas Medeiros, Liana Ferreira Alencar Silva

CAPÍTULO 58
EXAMES DE IMAGEM NA CLÍNICA GINECOLÓGICA ........................................................................................415
Randal Pompeu Ponte, José de Arimatea Barreto, Rodrigo Randal Pompeu Sidrim, Tiago Toscano Cavalcante

CAPÍTULO 59
HISTEROSCOPIA – INDICAÇÕES ..............................................................................................................................421
Francisco das Chagas Medeiros, Igor Siqueira Cavalcante, Rodrigo Carvalho Barroso

CAPÍTULO 60
VIDEOLAPAROSCOPIA EM GINECOLOGIA ...........................................................................................................427
Francisco das Chagas Medeiros, Priscila Lopes Studart da Fonseca

CAPÍTULO 61
OBESIDADE NA CLÍNICA GINECOLÓGICA ...........................................................................................................437
Maria José Araújo Gomes Cerqueira, Adriana Paiva Marques Lima, Camilla Viana Goes Arrais

CAPÍTULO 62
PROGRAMA DE PREVENÇÃO DA OSTEOPOROSE ............................................................................................441
Sheila Márcia de Araújo Fontenele, Andréa Edwirges Pinheiro de Menezes Barreto

CAPÍTULO 63
PROGRAMA DE PREVENÇÃO DO CÂNCER DE MAMA ...................................................................................449
Paulla Vasconcelos Valente, Diego de Queiroz Tavares Ferreira, Raissa Quezado da Nóbrega

CAPÍTULO 64
PROGRAMA DE PREVENÇÃO DO CÂNCER DE COLO DO ÚTERO ..............................................................455
Luciano Silveira Pinheiro, Denise Neiva Santos de Aquino

CAPÍTULO 65
VACINAS NA ADOLESCÊNCIA....................................................................................................................................463
Olga Vale Oliveira Machado, Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães, Aline Tereza Carneiro Montenegro
Prefácio
Os cursos de Medicina tradicionais e aqueles surgidos nas duas últimas décadas no Brasil
têm vivido uma verdadeira profusão de novas metodologias e modelos pedagógicos consequen-
tes, tanto ao desenvolvimento da tecnologia (e da informática, em particular), como da necessida-
de de “ajustar” a formação médica ao modelo de saúde pública adotado no nosso país, tudo isso
acrescido da necessidade de formar bons profissionais dentro de um prazo limitado (seis anos) a
partir de um conhecimento científico que cresce em proporções exponenciais.
Os novos modelos pedagógicos propostos para a graduação em Medicina têm procurado
“otimizar” a interconexão das disciplinas básicas com as várias disciplinas aplicadas à clínica e
à cirurgia, facilitando a integração do conhecimento e a abordagem do binômio saúde-doença
com ênfase na pessoa a partir dos seus aspectos social, psíquico, físico e econômico. Tais avan-
ços, entretanto, não se fizeram acompanhar pela editoração de compêndios que contemplassem
essa nova realidade.
O livro Ginecologia Baseada em Problemas representa um marco nesse novo paradigma do
ensino médico – aborda os principais temas da Ginecologia de forma objetiva, estruturada e atual,
a partir dos objetivos de aprendizagem extraídos dos problemas que simulam as situações mais
prevalentes relacionadas à saúde da mulher brasileira. Indispensável registrar a relevância dos ca-
pítulos que abordam a sexualidade nas várias fases da vida, bem como aqueles que enfocam um
grave problema de saúde pública – a violência contra a mulher.
O livro é igualmente inovador em um outro aspecto marcante – cada capítulo foi editado
por professores experientes em coautoria com estudantes de Medicina que já haviam cursado a
disciplina de Ginecologia – o que ensejou o surgimento de um texto com fácil assimilação sem a
perda da qualidade e da adequada profundidade necessárias para a boa formação de um médico
generalista de excelência.

Antônio Ribeiro da Silva Filho


Antônio Miguel Furtado Leitão
Grijalva Otávio Ferreira da Costa
Olga Vale Oliveira Machado
Marcos Kubrusly

Coordenadores do Curso de Medicina
Faculdade Christus
Capítulo 1
ANATOMIA APLICADA AO
EXAME GINECOLÓGICO
Antônio Miguel Furtado Leitão
Antônio Ribeiro da Silva Filho
José de Arimatea Barreto
Tayná de Lima Freire

A- PROBLEMA 3. Rever a Anatomia da genitália externa feminina.


4. Conhecer a vascularização e a inervação dos
P.M., 63 anos, dona de casa, natural de órgãos do Sistema Genital Feminino.
Caucaia-CE, procurou atendimento ginecológico 5. Conhecer as formas mais prevalentes de
devido à sensação de peso no baixo ventre que, distopia genital e suas possíveis causas e fa-
segundo ela, acentua-se durante esforço físico, tores predisponentes.
piora ao longo do dia e melhora com o repouso.
Refere também obstipação, dificuldade no ato de
defecar, exteriorização de uma “bola” pela vagina, C- ABORDAGEM TEMÁTICA
ardor ao urinar, aumento da frequência das mic-
ções e incontinência urinária. Relata dois episó-
1. Osteoarticular
dios de infecção urinária nos últimos seis meses. O suporte dos órgãos pélvicos é deriva-
do de uma interação dinâmica dos ossos da
Paciente G8 P1 A1; seis partos por via va-
pelve, tecido conectivo endopélvico e muscu-
ginal e um por via abdominal para realização de
latura do assoalho pélvico. Anatomicamente
laqueadura tubária.
é plausível que tanto a perda de suporte ho-
Exame ginecológico – Inspeção estática: rizontal do assoalho pélvico quanto o alarga-
observa-se fenda vulvar entreaberta às custas de mento do hiato predispõem ao prolapso de
tumoração rosácea de 5cm de diâmetro. Inspe- órgãos pélvicos.
ção dinâmica: através de manobra de Valsalva ou
A pelve é um anel ósseo interposto entre
pinçamento do colo uterino observa-se distopia.
a parte móvel da coluna vertebral, a quem su-
O médico preceptor fez várias hipóteses porta, e os membros inferiores sobre os quais
diagnósticas como pólipos uterinos, mioma pa- se apoia. Compõe-se de quatro ossos: os dois
rido, cistocele, retocele, mas resolveu solicitar ossos do quadril (ossos ilíacos) lateral e ventral-
aos alunos uma revisão da Anatomia da pelve mente, o sacro e o cóccix, dorsalmente.
para melhor entender os achados e confirmar o
Em lactentes e crianças, cada osso do
diagnóstico de distopia genital.
quadril é formado por três ossos, o ílio, o ísquio
e o púbis, unidos por uma cartilagem trirradia-
da no acetábulo que se articula com a cabeça
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
do fêmur. Após a puberdade eles se fundem. Os
1. Rever a Anatomia dos órgãos genitais femi- dois ossos do quadril são unidos anteriormente
ninos e suas correlações topográficas. na sínfise púbica e articulam-se posteriormente
2. Rever a Anatomia dos sistemas osteoarticu- com o sacro nas articulações sacroilíacas para
lar e muscular da pelve feminina com ênfase formar o cíngulo do membro inferior.
no suporte dos órgãos intrapélvicos.
Capítulo 1

O ílio é a parte superior do osso do qua- pais: ântero-posterior, transverso e oblíquo. O


dril e tem forma de leque. A asa do ílio repre- diâmetro ântero-posterior ou anatômico esten-
senta a abertura do leque; e o corpo do ílio, o de-se do ângulo sacrovertebral à sínfise púbi-
cabo do leque. A crista ilíaca, a borda do leque, ca; sua medida habitual é de cerca de 11cm na
possui uma curva que segue o contorno da asa mulher. O diâmetro transverso estende-se pela
entre as espinhas ilíacas ântero-superior e pós- maior largura da abertura superior, do meio da
tero-superior. A face côncava, ântero-medial da linha terminal de um lado para o mesmo pon-
asa, forma a fossa ilíaca. Posteriormente, a face to no lado oposto; mede cerca de 13,5cm na
sacropélvica do ílio possui uma face auricular e mulher. O diâmetro oblíquo estende-se da emi-
uma tuberosidade ilíaca para, respectivamente, nência iliopectínea de um lado à articulação sa-
realizar a articulação sinovial e sindesmótica croilíaca do lado oposto; tem cerca de 12,5cm.
com o sacro.
A circunferência inferior da pelve é pos-
O ísquio possui um corpo e um ramo. O teriormente delimitada pela ponta do cóccix e
corpo do ísquio ajuda a formar o acetábulo e o lateralmente pela tuberosidade do ísquio. Os
ramo do ísquio forma parte do forame obtura- dois diâmetros da saída da pelve são ântero-
do. A grande protuberância póstero-inferior do -posterior e transverso. O diâmetro ântero-pos-
ísquio é o túber isquiático; a pequena projeção terior estende-se da ponta do cóccix para a par-
póstero-medial pontiaguda perto da junção te inferior da sínfise púbica; mede 9 a 11,5cm na
do ramo e do corpo é a espinha isquiática. A mulher e o diâmetro transverso, medido entre
concavidade entre a espinha isquiática e o tú- as partes dorsais das tuberosidades dos ísquios,
ber isquiático é a incisura isquiática menor. A tem cerca de 11cm.
concavidade maior, a incisura isquiática maior,
Alguns estudos radiológicos dos os-
é superior à espinha isquiática e é parcialmente
sos da pelve têm encontrado diferenças sig-
formada pelo ílio.
nificativas entre mulheres com prolapso de
O púbis é um osso angulado, formado moderado a severo e as com suporte pélvico
por um corpo e dois ramos: o ramo superior do intacto. Nas mulheres que apresentam uma di-
púbis, que ajuda a formar o acetábulo, e o ramo minuição da lordose lombar fisiológica e, por
inferior do púbis, que ajuda a formar o forame conseguinte, uma abertura superior orientada
obturado. Um espessamento na parte anterior mais horizontalmente, a maior parte do peso
do corpo do púbis é a crista púbica, que termi- das vísceras abdominais é suportada pelo as-
na lateralmente como um botão ou tumefação soalho pélvico. Outro achado importante é o
proeminente, o tubérculo púbico. Na parte late- fato de que alterações osteoporóticas signifi-
ral do ramo superior, o púbis possui uma estria cativas provocam um aumento na cifose dor-
oblíqua, a linha pectínea do púbis. sal fisiológica, que, por sua vez, tem associa-
ção com prolapso.
A pelve é dividida em pelve maior e pelve
menor por um plano oblíquo que passa através Especula-se que mulheres que possuem
da proeminência do sacro, das linhas arqueadas um maior diâmetro transverso (distância en-
e pectíneas (face interna do ílio e margem su- tre as faces superiores da linha terminal) e
perior do ramo superior e corpo do púbis, res- uma menor conjugada obstétrica (menor dis-
pectivamente) e da margem superior da sínfise tância entre o promontório do sacro e a sínfi-
púbica. A circunferência deste plano é denomi- se púbica) podem ser mais propensas a sofrer
nada linha terminal ou borda pelvina. lesões do tecido neuromuscular e conjuntivo
durante o trabalho de parto, predispondo à
A pelve maior ou falsa é a porção expan-
neuropatia pélvica, prolapso de órgão pélvi-
dida da cavidade, situada cranial e ventralmente
cos, ou ambos.
à linha terminal. A pelve menor ou verdadeira é
a parte da cavidade pélvica situada distalmente As articulações sacroilíacas são formadas
à linha terminal. Por conveniência de descrição, por articulação sinovial anterior e sindesmose
é dividida em uma cavidade, uma entrada limi- posterior. Elas apresentam mobilidade muito
tada pela circunferência superior e uma saída limitada e forte união entre os ossos. Os liga-
limitada pela circunferência inferior. mentos sacroilíacos anteriores representam a
parte anterior da cápsula fibrosa do compo-
A circunferência superior equivale à refe-
nente sinovial da articulação. Os ligamentos
rida linha terminal. Tem três diâmetros princi-

24 Faculdade Christus
Capítulo 1

sacroilíacos interósseos e posteriores fazem jacentes unindo os corpos dos ossos púbis no
parte da massa de tecido fibroso responsável plano mediano. O ligamento púbico superior
pela transferência do peso do esqueleto axial une as faces superiores dos corpos do púbis e
para os dois ílios e destes para esqueleto apen- disco interpúbico, estendendo-se lateralmente
dicular. Os ligamentos iliolombares são acessó- até os tubérculos púbicos. O ligamento púbico
rios desse mecanismo. inferior (arqueado) une as faces inferiores dos
componentes articulares.
O ligamento sacroespinhal insere-se na es-
pinha isquiática. Superiormente à espinha, a inci- As vértebras L5 e S1 articulam-se na sín-
sura isquiática maior é transformada em forame fise intervertebral anterior e nas duas articula-
pelo ligamento sacroespinhal que dá passagem ções dos processos articulares; os ligamentos
ao músculo piriforme, aos vasos e nervos glúteos iliolombares fortalecem essas articulações.
superiores e inferiores, aos nervos isquiático e
A articulação sacrococcígea é formada
cutâneo posterior da coxa, aos vasos e nervos pu-
por uma fibrocartilagem e os ligamentos sacro-
dendos internos, e aos nervos para o obturatório
coccígeos anteriores e posteriores.
interno e quadrado do fêmur. Inferiormente à es-
pinha, a incisura isquiática menor é transformada Até os 10 anos de idade existe um único
pelos ligamentos sacrotuberal e sacroespinhal em tipo de pelve para ambos os sexos, a antropói-
forame que dá passagem ao tendão do obturató- de. Após essa idade, iniciam-se as diferenças
rio interno, ao nervo que supre este músculo e aos sexuais, que se tornam evidentes entre 16 e 18
vasos e nervos pudendos internos. anos. Geralmente, nos homens, a pelve se torna
antropoide ou androide e nas mulheres forma-
A sínfise púbica consiste em um disco
-se a pelve ginecoide.
interpúbico fibrocartilagíneo e ligamentos ad-

Figura 1- Vista anterior da pelve óssea feminina.

Faculdade Christus 25
Capítulo 1

Figura 2- Vista superior da pelve óssea feminina.

Figura 3- Diâmetros pélvicos (pelve feminina).

26 Faculdade Christus
Capítulo 1

2. Muscular ao cóccix e suas fibras mediais fundem-se


àquelas do músculo contralateral para for-
As fixações dos músculos obturadores
mar uma lâmina tendínea.
internos cobrem e protegem a maior parte
ƒƒ Iliococcígeo: parte póstero-lateral que se
das paredes laterais da pelve. As fibras con-
origina no arco tendíneo posterior e na es-
vergem posteriormente, atravessando o fora-
pinha isquiática. É fina e também se funde,
me isquiático menor, para se fixarem no tro-
posteriormente, ao corpo anococcígeo.
cânter maior do fêmur.
Os músculos piriformes originam-se na
A cúpula vaginal é sustentada pelo liga-
parte superior do sacro, lateralmente a seus
mento cardinal bilateral que se estende até a
forames anteriores. Deixam a pelve menor
parede pélvica e pelo ligamento útero-sacro,
através do forame isquiático maior para se fi-
que fixa o ápice vaginal ao sacro. A parede
xarem na margem superior do trocânter maior
vaginal lateral é fixa à pelve pelo paracolpo
de cada fêmur. Profundamente a esses mús-
– conjunto de tecidos conectivos constituídos
culos estão os nervos do plexo sacral.
de espessamentos de fáscia endopélvica, à
O assoalho pélvico é constituído pelo semelhança do paramétrio, porém mais cur-
diafragma da pelve formado pelos músculos tos. Um espessamento da fáscia endopélvica,
isquiococcígeo e levantador do ânus e pelas chamado de fáscia vésico-vaginal, é fixado ao
fáscias que recobrem as faces superior e infe- arco tendíneo, bilateralmente. A fáscia endo-
rior desses músculos. Os músculos isquiococ- pélvica que se insere no arco tendíneo con-
cígeos originam-se nas faces laterais da parte tinua caudalmente formando um coxim su-
inferior do sacro e cóccix, suas fibras situam- buretral chamado ligamento uretro-pélvico e
-se subjacentes à face profunda do ligamento uma condensação do terço médio da uretra
sacroespinhal. O músculo levantador do ânus com o púbis, o ligamento pubo-uretral. O es-
é a parte maior e mais importante do assoalho pessamento da fáscia endopélvica localizado
pélvico. Uma abertura anterior entre as mar- entre o reto e a parede vaginal posterior que
gens mediais dos músculos levantadores do se insere superiormente no ligamento útero-
ânus de cada lado – o hiato urogenital – dá -sacro, inferiormente no corpo perineal e la-
passagem à uretra e, em mulheres, à vagina. teralmente no arco tendíneo, é chamado de
O tônus basal ativo do músculo levan- septo retovaginal.
tador do ânus mantém a porção superior da De grande importância anatomocirúrgi-
vagina e as vísceras pélvicas suportadas pelo ca é o ligamento largo do útero (paramétrio),
platô do levantador e conserva o hiato uro- que contém estruturas nobres entre as suas
genital fechado. Esses músculos também se duas camadas, como a parte distal dos ure-
contraem reflexamente em resposta à tosse teres, os vasos uterinos, o ligamento redondo
ou a outra atividade que aumente a pressão do útero e os vasos linfáticos. É importante ci-
intra-abdominal. tar que se encontram na parede lateral pélvica
O músculo levantador do ânus possui os vasos ilíacos internos e seus ramos, o plexo
três partes: nervoso hipogástrico, os nervos esplâncnicos
pélvicos e cadeias de linfonodos ilíacos de im-
ƒƒ Puborretal: parte medial, mais estreita e portância anatomocirúrgica.
mais espessa do músculo levantador do
ânus. Consiste em fibras contínuas entre as As cirurgias para correção de distopia
faces posteriores dos corpos do púbis di- genital podem ser benéficas por abolirem os
reito e esquerdo. Forma uma alça muscu- sintomas causados pela afecção, bem como
lar com formato de U que passa posterior à pela reconstituição da Anatomia, mas tais
junção anorretal limitando o hiato urogeni- procedimentos podem, em contrapartida, de-
tal. É tido como o verdadeiro músculo ele- sencadear disfunção sexual por causa orgâni-
vador do ânus. ca (dano neural, vascular, fibrose ou estenose)
ƒƒ Pubococcígeo: parte intermediária com ori- ou emocional.
gem lateral ao músculo puborretal. Segue
posteriormente; suas fibras laterais fixam-se

Faculdade Christus 27
Capítulo 1

Figura 4- Genitália externa.

Figura 5- Vista dos músculos superficiais do períneo e do assoalho pélvico feminino.

28 Faculdade Christus
Capítulo 1

3. Órgãos genitais internos femininos do plexo nervoso uterovaginal, que se estende do


plexo hipogástrico inferior às vísceras pélvicas.
3.1 Vagina
É um órgão tubular, ímpar e mediano, que
no menacme mede cerca de 7 a 8cm de compri- 3.2 Útero
mento. Prende-se superiormente à cérvice uteri- O útero tem o formato de pera invertida,
na, formando, com sua reflexão, os fórnices vagi- normalmente encontra-se antevertido e ante-
nais, e estende-se inferiormente até o vestíbulo fletido, de forma que o corpo fica sobre a bexi-
vulvar onde se abre entre os pequenos lábios. ga. Recebe sustentação passiva significativa dos
A vagina relaciona-se anteriormente com ligamentos transversos do colo e sustentação
a bexiga e a uretra; posteriormente, no terço ativa dos músculos do assoalho pélvico.
inferior, com a cunha perineal; no terço médio, Esta estrutura é formada pela junção dos
com o reto pélvico; e superiormente, com o fun- condutos paramesonefros ou de Muller e apre-
do-de-saco de Douglas, permitindo uma via de senta, às vezes, anomalias de importância prá-
acesso à cavidade pélvica, de grande importân- tica – útero didelfo, bicorno, unicervical, bicorno
cia clínica e cirúrgica. duplo, septado – e pode ser, eventualmente, re-
Nesse órgão, distinguem-se histologica- presentado tão somente por um maciço fibroso
mente a túnica mucosa, de natureza pavimento- típico da síndrome de Rokitanski-Kuster-Hauser.
sa estratificada e pregueada na mulher adulta, a A irrigação arterial se faz principalmente
túnica muscular e a túnica adventícia. pela artéria uterina (ramo da hipogástrica ou ilí-
A vagina da recém-nascida mede aproxi- aca interna) e pela artéria ovárica, ramo da artéria
madamente 3,5cm e suas paredes apresentam-se aorta abdominal. Os vasos linfáticos oriundos do
espessadas, amolecidas e úmidas, estimuladas fundo uterino acompanham a artéria ovariana e
pelos hormônios maternoplacentários; aos 6 drenam para os linfonodos paraórticos; os pro-
anos de idade, tem cerca de 4 a 5cm, e o epi- venientes do corpo e da cérvice se destinam aos
télio vaginal encontra-se adelgaçado, formado linfonodos pélvicos ilíacos internos e externos.
por algumas camadas celulares; as paredes va- A inervação origina-se, principalmente,
ginais são secas, atróficas, róseas e pregueadas. do plexo hipogástrico.
No período pré-puberal, ocorre um cres- É importante a relação entre o ureter e o
cimento acelerado da vagina, alcançando 8cm e útero, pois, no seu trajeto pélvico, após cruzar
no menacme, ela atinge 10 a 12cm de profun- anteriormente os vasos ilíacos, o ureter penetra
didade; aumenta sua elasticidade e apresenta na escavação pélvica e cruza a artéria uterina
leucorreia fisiológica. cerca de 1,5 a 2cm da cérvice supravaginal.
A maior parte da vagina está localizada O útero da recém-nascida pode apresen-
na pelve, recebendo sangue das artérias uterina tar-se em ligeira retroversão ou estar retificado,
e vaginal, ramos pélvicos da artéria ilíaca interna sem flexão axial. Está situado na parte estreita
e drenando o sangue venoso diretamente para superior da bacia e pesa cerca de 4g, medin-
o plexo venoso uterovaginal, enquanto a linfa do em torno de 3cm de comprimento. O colo
flui através das vias profundas (pélvicas) para é relativamente espesso em relação ao corpo e
os linfonodos ilíacos internos, ilíacos externos constitui dois terços do volume total do útero
e sacrais. A parte inferior da vagina está loca- (relação corpo/colo de 1:2). O orifício cervical
lizada no períneo, recebendo sangue da artéria encontra-se aberto. As glândulas cervicais, bem
pudenda interna. A drenagem linfática ocorre desenvolvidas, secretam muco em abundância,
através das vias superficiais (perineais) para os e seus cristais filiformes constituem o corrimen-
linfonodos inguinais superficiais. to fisiológico e transparente da recém-nascida
Apenas a quinta ou quarta parte inferior da que, contendo células epiteliais, torna-se es-
vagina tem inervação somática, que provém do branquiçado. Cinco a seis dias após o nasci-
nervo perineal profundo, um ramo do nervo pu- mento pode ocorrer sangramento genital por
dendo que conduz fibras aferentes somáticas. privação dos hormônios maternopla­centários.
Os três quartos a dois quintos superiores Na menacme, a relação corpo/colo é de 2:1
são de inervação visceral. Os nervos são derivados e a consistência do colo é maior que a do corpo.

Faculdade Christus 29
Capítulo 1

3.3 Tubas uterinas pubiano ou de Vênus que, em seu conjunto, cons-


tituem a vulva.
São formações tubulares que se estendem
a partir dos cornos uterinos, uma de cada lado, Os lábios maiores ou grandes lábios são
e se abrem na cavidade peritoneal, próximo aos pregas cutâneas que delimitam a vulva: terminam
ovários. Cada uma tem aproximadamente 10cm anteriormente no monte púbico e, posteriormen-
e localiza-se na margem superior do ligamento te, ao unirem-se, formam a fúrcula. No bojo dos
largo. Descrevem-se quatro porções: a intramu- grandes lábios estão o tecido conjuntivo e as fi-
ral, a ístmica, a ampular e a fímbrica. bras terminais do ligamento redondo.
São irrigadas pelas artérias uterinas e Os lábios menores, pequenos lábios ou
ovarianas, inervadas pelo plexo hipogástrico e ninfas, são duas pregas cutâneas dispostas sagi-
possuem vasos linfáticos que drenam para os talmente, com uma extremidade posterior que
linfonodos ilíacos internos e paraórticos. quase sempre se perde no contorno dos grandes
lábios. Anteriormente se bifurcam, envolvendo o
clitóris (prepúcio), e, imediatamente abaixo, for-
3.4 Ovários mam o freio do clitóris.
São as gônadas femininas, com formato O espaço interlabial é virtual e apresenta
e tamanho semelhantes aos de uma amêndoa, uma fenda – a rima vulvar. Quando os pequenos
nas quais se desenvolvem os óvulos. lábios são separados, visualiza-se o espaço cha-
Estão situados nos cavos retrouterinos, mado vestíbulo que apresenta, anteriormente, o
na parte lateral da escavação pélvica e atrás do orifício externo da uretra ladeado pelas glândulas
ligamento largo. Têm uma extremidade medial de Skene e, posteriormente, o óstio da glândulas
em relação com o útero, o ligamento útero-ova- de Bartholin (glândulas vestibulares maiores) e,
riano, e uma lateral, que se continua com uma em toda a sua extensão, as glândulas vestibulares
placa peritoneal lombovariana, o ligamento menores ou de Hugurer. Inserido no contorno do
suspensor do ovário, onde penetram os vasos orifício vaginal, encontra-se o hímen, que pode
ovarianos, nervos e linfáticos, envolvidos por ser bilabiado, fenestrado, puntiforme ou até im-
um tecido conjuntivo denso (albugínea). perfurado.

No ovário, observam-se duas camadas: a O clitóris, homólogo ao pênis, é formado


cortical e a medular. A primeira contém os folí- pela confluência dos órgãos eréteis: raízes dos
culos ovarianos – os primordiais, os secundários corpos clitoridianos e bulbos do vestíbulo.
e os terciários (de Graaf) – e as formas em re- Na recém-nascida, a vulva encontra-se hi-
gressão (corpora albicantia). A medular contém peremiada, os grandes lábios são espessos, ver-
vasos, nervos, linfáticos (hilo do ovário) e res- melhos ou levemente cianosados e se visualizam
quícios embrionários, área importante na etio- os pequenos lábios, o clitóris, o orifício uretral e o
patogenia dos tumores ovarianos. hímen. A mucosa do vestíbulo é rósea e túrgida. O
Os ovários, nas recém-nascidas, situam-se hímen apresenta-se como uma membrana espes-
na cavidade abdominal; a partir de mais ou menos sa com orifício de 4mm de diâmetro.
1 a 1,5 anos, quando a menina começa a caminhar, Nos primeiros anos da infância, os grandes
eles se alojam na pelve. Nesta fase, o ovário tem lábios perdem sua turgescência e transformam-
de 10 a 15mm de comprimento, 3mm de largura e -se em delgadas pregas cutâneas que se tocam e
2,5mm de espessura, pesando aproximadamente cobrem os pequenos lábios; os pequenos lábios
3,5g. Na perimenarca, os ovários alcançam o peso não recobrem o vestíbulo da vagina; o hímen en-
de 4g. Na mulher adulta, o ovário possui de 25 a contra-se adelgaçado e translúcido e a mucosa do
26mm de comprimento, 14 a 16mm de largura e vestíbulo é vermelha e atrófica.
10 a 12mm de espessura e tem forma ovoide, não
O crescimento mais pronunciado da vulva e
sendo coberto pelo peritônio.
do monte-de-vênus inicia-se em torno dos 7 anos
de idade. Na perimenarca, a vulva é mais poste-
4. Órgãos genitais externos femininos rior e horizontal, os grandes lábios se ingurgitam,
e os pequenos lábios se pigmentam, o hímen se
Correspondem aos lábios maiores, aos lá- engrossa, seu orifício alcança 1cm de diâmetro e
bios menores, ao vestíbulo, ao clitóris e ao monte sua elasticidade é maior. As mucosas vulvares são

30 Faculdade Christus
Capítulo 1

pálidas e úmidas devido à secreção das glândulas canal pudendo e chegando ao períneo abaixo do
de Bartholin e das parauretrais de Skene. túber isquiático, onde se ramificam.
A artéria pudenda interna, ramo da artéria Os linfáticos estão distribuídos em dois
ilíaca interna, é a principal artéria da vulva, dividin- grupos: o superior, que recolhe a linfa do clitóris e
do-se em ramos perineais, perianais, retais inferio- do vestíbulo, drenando para os linfonodos femo-
res, dorsal do clitóris e labiais posteriores. A iner- rais, e o inferior que abrange fúrcula, grandes lá-
vação provém principalmente do nervo pudendo, bios, pequenos lábios e vestíbulo, drenando para
que acompanha os vasos pudendos internos por os linfonodos inguinais superficiais e femorais.
baixo do ligamento sacrotuberal, passando pelo

Figura 6- Desenho dos órgãos genitais femininos – Hemi-pelve direita.

Figura 7- Órgãos genitais femininos – Hemi-pelve direita.


Fonte: SILVA FILHO, A.R.; LEITÃO, A.M.F.; BRUNO, J.A. Atlas-Texto de Anatomia Humana Aplicada. Fortaleza: LCR, 2009.

Faculdade Christus 31
Capítulo 1

Figura 9 – Desenho da genitália externa feminina.

Figura 8 – Genitália externa feminina.


Fonte: SILVA FILHO, A.R.; LEITÃO, A.M.F.; BRUNO, J.A. Atlas-Texto de Anatomia Humana Aplicada. Fortaleza: LCR, 2009.

32 Faculdade Christus
Capítulo 1

5. Correlações Topográficas tante distensíveis, se acolam abaixo da porção


vaginal do colo do útero que se salienta no teto
5.1 O períneo anatômico
da cavidade vaginal. Os recessos formados en-
Parte superficial da parede inferior do tron- tre o colo e as paredes vaginais são denomina-
co, suavemente encurvada entre o baixo ventre, dos fórnices vaginais.
anteriormente, e o cóccix, posteriormente, estan-
A parede anterior, menor que a posterior,
do limitada pelas coxas e nádegas, lateralmen-
está separada, na sua parte superior, da bexi-
te. O períneo anatômico é delimitado, anterior-
ga e dos ureteres por tecido conjuntivo frouxo.
mente, pelo ângulo púbico; posteriormente, pelo
Inferiormente, a parede anterior tem correlação
cóccix e, lateralmente, pelos túberes isquiáticos,
topográfica com a uretra, estando dela separa-
apresentando a forma de um losango quando as
da pela fáscia endopélvica.
coxas são abduzidas. Uma linha que passa trans-
versalmente na frente das tuberosidades isquiáti- A parede posterior da vagina estende-se
cas divide o períneo anatômico em um triângulo do vestíbulo vaginal até o colo uterino e está
posterior ou anal e outro anterior ou urogenital. separada do canal anal e do reto por tecido
conectivo pouco vascularizado. Com um dedo
na vagina, por um lado, e exercendo-se pres-
5.2 O períneo ginecológico são na parede abdominal anterior, por outro,
É o espaço situado entre a comissura dos pode-se palpar todo o colo e o corpo do útero.
lábios menores ou fúrcula vaginal e o ânus, em Se se introduzir um espéculo na vagina, podem
forma de cunha triangular, cuja parede anterior ser expostas, para o exame visual, as paredes
é formada pela face posterior da vagina peri- do canal vaginal, a porção vaginal do colo e o
neal e do vestíbulo vulvar. A parede posterior seu óstio externo.
corresponde à borda anterior do ânus, à face O óstio externo da uretra está situado an-
anterior do canal anal e do reto perineal. O teriormente à abertura da vagina, no vestíbulo.
vértice corresponde à extremidade inferior do Distante aproximadamente 2,5cm do óstio ex-
tabique vaginorretal. A base é formada pelo es- terno da uretra, anteriormente, estão a glande
paço entre a fúrcula e o ânus, sendo ocupado e o prepúcio do clitóris e, ainda mais anterior e
pela confluência dos músculos esfíncter externo externamente, o monte da pube.
(estriado) do ânus, transversos superficial e pro-
fundo, bulbo-esponjoso e fibras retais do levan-
tador do ânus. Importante na estática genital, D- Referências Bibliográficas
rompe-se frequentemente no trabalho de parto
e é onde se faz a episiotomia. ANDERSON, J. R. Anatomia e Embriologia. In:
BEREK, J. Berek & Novak: Tratado de Gineco-
logia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
5.3 Superfície p.57-97.
Na rima do pudendo, entre os lábios me- CASTRO. E. B. et al. Defeitos do compartimento
nores, estão os óstios da vagina e da uretra. Na vaginal posterior: fisiopatologia e tratamento
virgem, a abertura vaginal está parcialmente fe- da retocele. Femina, São Paulo, v.35, n.6, p. 363-
chada pelo hímen, sendo que depois da cópula 367, Jun 2007.
os resquícios do hímen são representados pelas
carúnculas himenais. Entre o hímen e os peque- CHAVES, F. N.; FURTADO, F. M.; LINHARES FILHO,
nos lábios, no vestíbulo vaginal, encontram-se, F. A. C. Noções de anatomia do aparelho genital
bilateralmente, os óstios das glândulas vesti- feminino. In: MAGALHÃES, M. L. C. Ginecologia
bulares maiores (de Bartholin). Essas glândulas, infanto-juvenil diagnóstico e tratamento. Rio
quando aumentadas, são palpáveis na parte de janeiro: MedBook, 2007. p.7-16.
posterior do óstio vaginal. GRAY, H; GOSS, C. M. Anatomia. 29. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
5.4 Exame vaginal MOORE, K. L.; DALLEY, A. F. Anatomia orienta-
A vagina tem paredes anterior, posterior da para a clínica. 5. ed., Rio de Janeiro: Guana-
e laterais. As paredes anterior e posterior, bas- bara Koogan, 2007.

Faculdade Christus 33
Capítulo 1

OLIVEIRA, I. M.; CARVALHO, V. C. P. Prolapso de


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Editora Atheneu, 2004. p.51-59.

34 Faculdade Christus
Capítulo 2
SEMIOLOGIA GINECOLÓGICA
Francisco das Chagas Medeiros
Rálison Yure Soares Melo

A- PROBLEMA segundo, o do cliente que tem o conhecimen-


to de fatores sociais e cultu rais que influen-
Paciente de 35 anos, casada, costureira, ciam efetivamente o tratamento e o cuidado.
procedente de Fortaleza, procura a emergência Abordaremos a seguir o modelo centrado no
de um Hospital com queixa de dor no “baixo paciente. Apresentaremos algumas estratégias
ventre”. É atendida por um clínico que consta- simples para promover a boa comunicação
ta que a patologia é ginecológica. Como não é com o paciente dentro do ambiente clínico
a sua especialidade e não há ginecologista de atual. É sabido que os médicos que acreditam
plantão no momento, tenta se lembrar da se- na importância dos aspectos psicossociais do
miologia correta. paciente são mais eficientes na comunicação
e atendem melhor a suas necessidades. No
entanto, alguns fatores estressantes como o
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM tempo, podem interferir na capacidade de
comunicação do médico com seus pacientes,
1. Apropriar-se dos conceitos básicos da co-
podendo levar a um mal resultado clínico. As-
municação médico-paciente.
sim, deve-se levar em conta o nível social, res-
2. Conhecer a consulta centrada na paciente.
peitar o ponto de vista da paciente, não fazer
3. Refletir sobra a importância da semiologia
julgamentos precipitados, evitar suposições,
ginecológica no diagnóstico de patologias
demonstrar empatia e respeito, compreender
ginecológicas mais comuns.
as barreiras, ajudá-la a superar obstáculos,
4. Conhecer os passos do exame físico geral e
envolver os familiares e nunca se esquecer de
ginecológico, incluindo o das mamas.
tranquilizar a paciente. O médico deve ser par-
ceiro de sua paciente/doente; para isso, deve
C- ABORDAGEM TEMÁTICA se mostrar flexível, negociar papéis quando
necessário e trabalhar em conjunto em prol da
1. Introdução saúde da mesma, devendo sempre explicar a
1.1. Comunicação com pacientes ela todo o andar da consulta e sempre se cer-
tificar de que está sendo realmente entendido
A comunicação é definida como a trans-
e de que ela também o entende. Um problema
missão de informações, pensamentos e senti-
que pode interferir nessa relação diz respeito a
mentos para que eles sejam satisfatoriamente
questões culturais; então, devemos sempre le-
recebidos ou entendidos. Uma boa comunica-
var em conta a cultura e a crença, assim como
ção com a paciente envolve reconhecer e res-
o ponto de vista da paciente
ponder à paciente como um todo, sendo essa
abordagem conhecida como cuidado centra-
do no paciente. Ela implica também em reco- 1.2. Por que uma boa comunicação com o
nhecer que de qualquer interação médico-pa- paciente é importante
ciente dois fatores estão presentes: primeiro, o
do médico que tem o conhecimento clínico e a) Satisfação do paciente. Há evidências de
que se desenvolve uma associação positiva
Capítulo 2

entre a satisfação da paciente com os médi- ƒƒ Após o exame físico comece o contato tera-
cos que demonstram capacidade e vontade pêutico somente quando a paciente estiver
de se comunicar com elas. completamente vestida.
b) Benefícios para a prática: As estraté-
gias para melhorar a comunicação com a
1.5. Monitore sua linguagem corporal
paciente podem produzir uma maior efi-
cácia na prática. Por exemplo, perguntar Uma boa comunicação contém elemen-
às pacientes sobre suas preocupações e tos verbais e não verbais. A linguagem corporal
permitir que elas concluam suas declara- geralmente tem mais significado para o pacien-
ções, aumenta em pouco tempo a con- te do que a linguagem falada.
sulta, enquanto aumenta enormemente ƒƒ Mantenha a área do peito aberta e os braços des-
a possibilidade de adquirir informações cruzados para evitar a formação de uma barreira
dos pacientes. à comunicação, assim como o corpo relaxado.
c) Uma melhor retenção de informação pelos ƒƒ Olhe sempre para a paciente.
pacientes e as reduções nas queixas de ne- ƒƒ Mantenha uma postura fletida em direção à
gligência são benefícios adicionais das prá- paciente e uma distância apropriada.
ticas que têm sido associadas com a comu- ƒƒ Evite olhar para a paciente por cima dos olhos,
nicação eficaz médico-paciente. pois pode demonstrar superioridade; retirar
os óculos pode demonstrar interesse.
1.3. Estratégias práticas para o ambiente clí- ƒƒ Continue focado na paciente que pode lhe estar
nico atual falando algo importante para o caso em questão.

A implementação de um número simples


de estratégias que adicionam pouco tempo ao 1.6. Pratique habilidades de uma escuta eficiente
encontro clínico pode melhorar a comunicação Ser um bom ouvinte é a chave para pro-
da paciente e ir além, entre eles, os requisitos ver um cuidado centrado na paciente; demons-
essenciais são ter o cuidado com a comunica- tre empatia, interesse e preocupação com os
ção pessoal ao interagir com o paciente e ter problemas da paciente. A paciente que sente
flexibilidade de saber se adequar à paciente. que o médico foi um bom ouvinte fica confor-
tada, segura e mais à vontade para fornecer as
informações sobre seu problema. Estudos mos-
1.4. Tornando o encontro com o paciente efi-
tram que a maioria dos diagnósticos podem ser
caz (consultas, visitas etc.).
dados somente com a anamnese. Além de ouvir
Nos encontros clínicos, como na maioria o que está sendo falado, devemos mostrar que
das outras interações humanas, as primeiras im- estamos fazendo isso, como uma forma de en-
pressões são as que ficam. Esteja sempre segu- corajar a paciente a continuar falando. Para isso,
ro do que você irá realizar e mantenha sempre podemos utilizar:
uma atitude amigável. Cumprimente a paciente
ƒƒ Mudanças súbitas de expressões faciais, uma leve
pelo nome e se refira a ela utilizando o prono-
abertura de olhos em resposta a uma descrição
me de tratamento adequado (Senhora). Per-
de algo doloroso, isso mostra que você além de
gunte como gostaria de ser chamada. Caso haja
ouvir, está dando a devida atenção.
acompanhante, cumprimente-o(a). Algumas es-
ƒƒ Acene com cabeça em pontos chaves das fra-
tratégias facilitam esse encontro como:
ses da paciente.
ƒƒ Faça contato pessoal; olhe diretamente nos ƒƒ Incline-se levemente para a frente e faça con-
olhos, uma exceção para esta regra ocorre em tato visual.
casos em que a cultura da paciente pode ver ƒƒ Faça confirmações breves para mostrar que
essa prática como uma atitude rude e inapro- você está ouvindo e entendendo.
priada. Respeite o comportamento da paciente.
ƒƒ Sente-se ao nível da paciente, nem mais alto
1.7. Escutando com empatia
nem mais baixo.
ƒƒ Use expressões faciais para responder aos co- Abordar os elementos emocionais da ex-
mentários da paciente como uma forma de periência da paciente pode demonstrar empatia,
demonstrar atenção. e não leva mais que 30 a 60 segundos, podendo,
ƒƒ Encare a paciente durante a entrevista. em alguns casos, reduzir o tempo de consulta.

36 Faculdade Christus
Capítulo 2

Para isso, é importante dizer frases de amparo 3. Sinais e Sintomas em Ginecologia


e suporte do tipo: “você está ansiosa”, deve-se
Antes de descrevermos os principais si-
perguntar como ela se sente e encorajá-la a falar
nais e sintomas, vamos inicialmente diferenciar
sobre suas preocupações em vez de escondê-las.
sinal de sintoma. Sintoma relaciona-se com o
Fazer perguntas é uma forma de demonstrar in-
que a paciente sente, são relatados pela pacien-
teresse e também serve para que o médico pos-
te com o intuito de esclarecer sua condição clí-
sa colher mais dados sobre a paciente ou sobre
nica. Sinal é aquilo que o examinador encontra
sua doença. É importante que as perguntas se-
na anamnese ou no exame físico.
jam abertas, a fim de encorajá-la a falar.
Durante a anamnese devem-se enfatizar
perguntas abertas com a finalidade de esclare-
1.8. Resultados clínicos cer ao máximo possível o problema da paciente,
Resultados que têm como base os cri- exemplos:
térios objetivos mostram uma melhora da co- ƒƒ Dor - Fale-me sobre sua dor! Sente essa dor em
municação quando os prestadores incorporam outro local? Qual? Você nota algum outro pro-
essas técnicas em sua prática diária. blema quando essa dor aparece? Qual?
ƒƒ Sangramento anormal - Como é seu ciclo
menstrual? Ocorre perda de sangue entre os
2. A História Clínica períodos? Quantos absorventes a senhora
Antes de iniciar a anamnese é necessário utiliza por dia; eles ficam muito encharcados?
que o médico se apresente. Você pode iniciar a ƒƒ Corrimento - Como é esse seu corrimento?
anamnese com uma conversa sobre a paciente Qual a cor? Apresenta algum odor? Poderia
como, por exemplo, perguntando o que ela gos- descrever? Seu parceiro apresenta algum sin-
ta de fazer, como se relaciona com as pessoas toma que possa associar-se ao seu?
ou comentando alguma notícia recente; com ƒƒ Sintomas pré-menstruais - A senhora nota
isso, você conseguirá conhecê-la melhor, o que algum outro sintoma? Há algo que o alivia?
interpretar as várias situações que aparecerem Ou que o piora? A senhora utiliza alguma me-
durante a consulta. Isso repercutirá no grau de dicação para esse problema? Quanto isso está
confiabilidade das informações cedidas pela interferindo em suas atividades diárias?
paciente. A identificação da paciente deve ser a ƒƒ Sintomas de menopausa - Quando foi sua
mais completa possível. última regra? A senhora sente algum sintoma
que associa com o caso atual? A senhora se
sente feliz com sua vida, atualmente? A se-
2.1. Motivo da consulta nhora faz uso de alguma medicação?
ƒƒ Sintomas urinários - A senhora tem algum
Deve ser registrado o motivo que levou a
queixa/problema quando vai urinar? Como é
paciente à consulta. Nem sempre o motivo da
sua urina, poderia descrever? A senhora sente
consulta é uma queixa principal.
mais algum problema? Está fazendo uso de
algum remédio? Fale sobre eles!
2.2. História da Doença (HDA)/ Problema atual
Nesse momento é importante deixar a 4. História Médica Pregressa
paciente falar livremente, o médico só deve in- 4.1. História menstrual
terromper com o intuito de esclarecer algo que
Começa-se buscando informações sobre
ficou nebuloso ou que necessite mais esclare-
a menarca, como, por exemplo, perguntando
cimentos. É imprescindível que na HDA, todos
quando ocorreu e se ela apresentou algum sinto-
os sintomas/problemas relatados pela paciente
ma associado. Se a paciente já estiver no climaté-
sejam caracterizados quanto a(aos): localização,
rio pergunte acerca da menopausa, como ocor-
início, fatores precipitantes, qualidade, irradia-
reu (cirúrgica ou espontânea), quais sintomas ela
ção, intensidade, periodicidade, manifestações
videnciou, se fez ou faz uso de terapia hormonal.
associadas. Nessa parte, as perguntas feitas
Caso a paciente esteja na menacme (período
pelo médico devem ser abertas e não devem
reprodutivo), deve-se investigar os ciclos mens-
induzir a uma resposta.
truais quanto à regularidade, o número de dias,

Faculdade Christus 37
Capítulo 2

a quantidade de sangue eliminado e sobre sinto- do da receptividade da paciente em relação


mas associados. Para facilitar essas observações o a essas perguntas, o médico pode pesquisar
médico pode pedir à paciente que relate quando também em relação ao orgasmo e ao grau de
foram as três últimas regras; assim, pode ter mais satisfação dela em relação a seu parceiro. Se a
certeza quanto à regularidade do ciclo. paciente já estiver no climatério é importante
perguntar sobre libido, orgasmo e se apresenta
algum sintoma durante a relação sexual como
4.2. História obstétrica (dispareunia ou sinusiorragia).
Deve-se indagar sobre o número de ges-
tações, de partos e abortos, essas respostas são
4.5. História familiar
registradas da seguinte forma, vamos supor que
a paciente tenha tido 3 gestações, 2 partos e 1 É dirigida aos aspectos genéticos e am-
aborto; na história colocaremos G3,P2,A1. De- bientais que podem de alguma forma interferir
ve-se fazer uma investigação completa de todas na saúde de sua paciente. As causas de morte
as gravidezes (data, forma do término e compli- de parentes de primeiro grau são importantes
cações). Caso a paciente relate algum aborto é na história da paciente. Algumas condições
necessário investigar se foi espontâneo ou in- devido a sua prevalência e importância clínica
duzido; caso tenha sido induzido deve-se conti- não podem deixar de ser investigadas como:
nuar a investigação com o intuito de desvendar diabetes, hipertensão arterial, câncer genital,
o que e como foi utilizado. Se a paciente já tiver gravidezes múltiplas, tuberculose, cardiopatias,
tido filhos é necessário saber se amamentou e anormalidades congênitas, entre outras.
por quanto tempo.

4.6. Revisão de sistemas


4.3. História ginecológica
Essa parte da anamnese serve para o en-
Registram-se informações acerca da úl- trevistador indagar sobre sintomas que ainda
tima regra, e se possível, das últimas duas ou não foram questionados na anamnese e que
três; com isso, o médico poderá ter informações devido a sua importância e prevalência não po-
acerca da regularidade ou não do ciclo da pa- dem deixar de ser investigados. Durante a in-
ciente. Indagar à paciente quanto à presença de vestigação por meio de órgãos e aparelhos, o
sintomas associados com a menstruação. É im- médico não deve demonstrar nenhuma expres-
portante sempre questioná-la quanto à preven- são com as respostas da paciente, porque isso
ção de câncer ginecológico ou mamário e esti- pode induzi-la a responder às perguntas para
mulá-la a fazê-los. É necessário perguntá-la se agradar ao médico, com o intuito de assim,
ela ou alguma parente próxima (principalmente conseguir algum beneficio com ele. Os órgãos
do 1° grau) já teve alguma doença ginecológica e aparelhos que não podem deixar de ser ava-
de provável origem familiar ou genética (câncer liados são: gastrintestinal, urinário, endócrino,
de mama, miomas, pólipos endometriais etc.). metabólico, cardiovascular e hematopoiético.
Caso a paciente relate alguma cirurgia, é pru-
dente caracterizá-la quanto à localização, tem-
po, motivo, se houve alguma complicação e co- 4.7. História passada
lher informações que o médico tenha dado na Deve-se pesquisar a história passada de
época. Não se pode deixar de investigar acerca alergias, ou de sensibilidade, se a paciente está
de doenças sexualmente transmissíveis. usando ou usou alguma medicação, qual cirur-
gia fez, se já precisou de transfusões de sangue
ou de derivados, se utiliza ou utilizou tabaco,
4.4. História sexual
álcool ou drogas ilícitas.
A investigação abrange informações so-
bre a regularidade das relações sexuais, idade
quando da primeira relação, o número de par- 5. Exame Físico
ceiros, se ela utiliza condon em suas relações ou 5.1. Exame das mamas
outro método anticoncepcional e se apresenta
algum sintoma durante as relações. Dependen- Para facilitar a comunicação entre os pro-
fissionais de saúde, a mama é dividida em qua-

38 Faculdade Christus
Capítulo 2

tro quadrantes, esses são limitados por duas O exame inicia-se com a inspeção estática; para
linhas imaginárias que passam pelo mamilo de isso, a paciente deve estar sentada com os bra-
forma perpendicular, formando-se assim o qua- ços paralelos ao corpo; é necessário que as duas
drante superior externo e interno e o quadrante mamas estejam descobertas, pois é fundamen-
inferior externo e interno. tal a comparação de uma mama com a outra. O
médico descreve as mamas quanto à forma, ao
volume, a simetria, aos contornos, a cor, ao pa-
drão venoso, a presença de mamas supranume-
rárias e edema. Os mamilos e aréolas são des-
critos quanto ao tamanho, à forma, à simetria, à
inversão, à eversão e a descargas. Inicia-se en-
tão a inspeção dinâmica; nessa etapa solicita-se
à paciente que pressione suas mãos contra o
quadril; com essa manobra podemos perceber
melhor se há alguma retração mamária. Depois,
pede-se à paciente para levar as mãos até a ca-
Figura 1- Frequência de câncer mamário beça; com isso podemos perceber melhor se há
nos respectivos quadrantes. alguma massa; a paciente é orientada a ficar em
uma posição fletida com o intuito de deixar as
Para iniciar o exame clínico das mamas é mamas pêndulas; com isso, veem-se melhor as
necessário explicar o procedimento a paciente. retrações, caso existam.

Hipodesenvovimento das Ausência de desenvolvimento


Mamas desenvolvidas
mamas das mamas

Pelos periareolares, Anatomia topográfica


Assimetria mamária
Galactorreia da mama

5.1.1. Exame dos linfonodos culo peitoral. A palpação começa na região mais
inferior e à medida que o médico movimenta o
A paciente deve ser informada sobre o
braço da paciente mais para medial, a palpação
procedimento e permanecer sentada de fren-
vai subindo para uma posição mais superior. As
te para o médico; para palpar a axila esquerda
regiões supra e infraclaviculares também são
o médico deve segurar o antebraço esquerdo
palpadas. Essa palpação busca principalmente a
da paciente com a mão esquerda enquanto a
presença de linfonodos, tendo em vista que a
direito palpa a região, esse tipo de posiciona-
região axilar é um sítio frequente de metástase
mento facilita a palpação porque relaxa a mús-
de cânceres mamários.

Faculdade Christus 39
Capítulo 2

5.1.2. Palpação das mamas ƒƒ Mobilidade: móvel (todas as direções), aderi-


dos a planos superficiais (pele) ou profundos
O examinador deve explicar para a paciente
(fáscia subjacente).
o procedimento que será feito; a paciente é então
ƒƒ Bordos: bem, moderadamente ou mal definidos.
orientada a deitar-se na cama e a colocar o braço
ƒƒ Retrações: presentes ou ausentes.
correspondente à mama que será examinada na
ƒƒ Contornos: alterados ou preservados.
cabeça, o uso de uma toalha sob o ombro pode
facilitar o exame, o médico inspeciona novamente
as mamas da paciente. Após terminar a inspeção, 5.1.4. Autoexame das mamas
cobre-se uma mama e realiza-se a palpação da O médico deve encorajar todas as suas pa-
outra. Há três técnicas para a palpação das ma- cientes acima de 20 anos de idade a realizar o auto-
mas; a primeira é conhecida como “raio de roda”; exame das mamas mensalmente, o exame deve ser
nessa técnica, a palpação tem início no mamilo, o feito 2-3 dias a uma semana após a menstruação.
examinador vai palpando na direção de 12 horas Para as mulheres pós-menopausais é aconselhável
e depois voltar sobre essa mesma linha, depois que elas escolham um dia do mês para a realização
vai para a posição de uma hora e assim sucessi- do exame; assim, fica mais difícil de elas esquecerem.
vamente. A segunda é conhecida como “circulo
concêntrico”. Nessa técnica, a palpação também
5.2. Exame do abdome
se inicia no mamilo, só que o exame prossegue
de maneira circular e contínua. Qualquer lesão en- Algumas patologias ginecológicas podem
contrada por uma dessas duas técnicas é descrita apresentar repercussões sobre o peritônio poden-
como a distância até o mamilo na hora do relógio, do evoluir de forma fatal; por isso, o exame abdo-
por exemplo, nódulo em mama esquerda a 1cm minal é tão importante em ginecologia. O abdome
do mamilo às 3 horas. A terceira técnica é conhe- costuma ser dividido em nove regiões (ver figura 4).
cida como faixa vertical ou grade; nesta técnica,
a mama é dividida em oito ou nove faixas, cada
uma tendo a largura de um dedo; o médico apal-
pa com os três dedos do meio que estão unidos
e um pouco fletidos, a palpação dá-se com uma
intensidade de pressão leve, moderada e profun-
da, por demandar muito tempo essa técnica não é
utilizada durante o exame clínico, mas é a ideal para
o autoexame das mamas. Após apalpar a mama, o
mamilo é examinado; primeiro, faz-se a inspeção
à procura de retrações, fístulas ou descamação.
Deve-se ordenhar o mamilo para buscar a presen-
ça de descargas, para isso, deve-se colocar uma
mão em cada lado do mamilo e fazer uma leve
compressão; se a paciente, ela mesma quiser fa- Figura 4 - Divisão do abdome em regiões.
zer, deve ser orientada sobre como deve ser feito
e ser permitido que ela o faça. 5.2.1. Inspeção
A paciente deve estar em decúbito dor-
5.1.3. Documentando massas mamárias sal, com a região do ventre descoberta, o mé-
dico posiciona-se de preferência à direita. O
Qualquer achado de massa durante o
abdome é então descrito quanto às caracterís-
exame físico das mamas deve ser caracterizado
ticas da pele, quanto à forma, quanto à sime-
da seguinte maneira:
tria, quanto ao volume e quanto à presença de
ƒƒ Localização: qual o quadrante e a distância circulação colateral.
até o mamilo.
ƒƒ Tamanho: deve ser dado em cm.
ƒƒ Forma: arredondado, discoide, lobulado, es- 5.2.2. Palpação
trelado, regular ou irregular.
Superficial: é realizada na mesma posição da ins-
ƒƒ Consistência: firme, macia, pétrea.
peção, o médico palpa com as mãos espalma-
ƒƒ Sensibilidade: muita ou pouca dor.
das, visando caracterizar a parede abdominal.

40 Faculdade Christus
Capítulo 2

Profunda: é realizada a fim de identificar áreas 5.4.2. Inspeção do meato uretral e vestíbulo
dolorosas e massas. Percussão: é uma forma de vaginal
complementar a palpação; com ela, é possível
O médico avalia a presença de pus ou
distinguir tumores sólidos, lesões císticas ou
secreção; se estiver presente busca a fonte. O
alças intestinais através dos sons maciços ou
material deve ser colhido e espalhado sobre
timpânicos. Por fim, a ausculta visa identificar
uma lâmina para posterior análise. Massas e si-
os ruídos hidro-aéreos assim como sopros. Na
nais flogísticos também são pesquisados, assim
ginecologia, pode ser utilizada ainda para dife-
como pólipos ou fístulas.
renciar uma massa de uma gravidez.

5.3. Exame pélvico 5.4.3. Palpação à glândula de Bartholin

Para a realização do exame pélvico, é O médico deverá estar utilizando luvas lu-
necessário que o médico trate a paciente com brificadas. A glândula do lábio direito deve ser
respeito. O médico deve ter o cuidado de expli- palpada com a mão direita, o dedo indicador
car como será o procedimento. Para a realiza- é colocado na vagina e o polegar fica fora; a
ção desse exame, a paciente pode ficar em uma glândula esquerda deve ser palpada com a mão
mesa ginecológica na posição litotômica, essa esquerda. O normal é que elas não sejam vistas
posição é obtida da seguinte forma, solicita-se nem palpadas, qualquer sensibilidade na região
à paciente que fique em decúbito dorsal com deve ser notada e caracterizada. O médico após
os glúteos próximo ao fim da mesa, os pés são palpar a glândula deve pedir à paciente que
colocados nos apoios, as coxas fletidas sobre o aperte o óstio vaginal contra seus dedos com o
quadril com o intuito de reduzir a tensão dos intuito de avaliar a musculatura vaginal.
músculos abdominais; os joelhos são fletidos e
afastados o máximo possível.
5.4.4. Distopias genitais
Enquanto o médico deprime o períneo e
5.4. Genitália externa separa os grandes lábios, solicita-se à pacien-
Na inspeção, o médico atenta para os te que tussa ou faça força para baixo; com isso,
pelos pubianos em relação a sua distribuição pode-se notar se há abaulamento nas paredes
(androide ou ginecoide), a quantidade e as suas vaginais em decorrência da descida de algum
características. Inspeciona e palpa os grandes e órgão; por exemplo, um abaulamento na pare-
pequenos lábios, descrevendo a cor, simetria, de vaginal anterior pode ser decorrente de que-
tamanho, forma, se há descarga, corrimento, si- da da bexiga. Nesse caso, temos uma cistocele,
nais flogísticos e escoriações. outros exemplos são: uretrocele, retocele.
5.4.5. Inspecione o períneo e o ânus
A inspeção busca identificar tumores, ci-
catrizes, sinais flogísticos, fissuras e fístulas. Já
no ânus buscam-se hemorróidas, sinais flogísti-
cos e fissuras. É necessário descrever as caracte-
rísticas da pele de ambas as estruturas.

5.5. Genitália interna


5.5.1. Exame especular
Figura 5 - Genitália externa.
Nesse exame, é necessário o espéculo, o
mais usado é o de metal, conhecido como Cusco
5.4.1. Inspeção do clitóris ou bivalvar, que consiste em duas valvas articula-
das, ao se colocar na vagina e após serem afas-
Busca-se a presença de lesões e avalia-se tadas; permitem a visualização dessa estrutura e
o seu tamanho. da cérvice; esse tipo de espéculo existe em dois
tipos: o de Graves, em que as valvas são mais lar-
gas apresentando curvas nas laterais (usado na

Faculdade Christus 41
Capítulo 2

maioria das mulheres), e o de Pedersen, em que enquanto os dedos esquerdos indicador e médio
as valvas são mais estreitas e achatadas, esse tipo separam os lábios e deprimem o períneo. O espé-
é utilizado em mulheres com o introito vaginal pe- culo é inserido fechado e calmamente até o fundo
queno. Há também o espéculo feito de plástico, da vagina; quando chegar nessa posição, o espé-
mas que são pouco utilizados no Brasil. culo deve ser rodado de volta à horizontal de tal
forma que o cabo fique apontando para baixo. O
médico vai abrindo calmamente o espéculo; com
5.5.2. Inserindo o espéculo isso, é possível visualizar a cérvice e a vagina.
O médico deve falar com a paciente ex-
plicando o procedimento que irá realizar, deve
5.5.3. Inspeção do colo uterino
apresentar-lhe o espéculo e encostá-lo na perna
dela, para que ela possa sentir a temperatura do A inspeção do colo uterino verifica a cor, posi-
instrumento. O médico deve inserir o espéculo ção, tamanho, características da superfície, ulcerações,
em um ângulo de 45 graus em relação à vertical; massas, sinais flogísticos, corrimento, tamanho e for-
o espéculo deve estar na mão direita do médico, ma do orifício externo do colo. Colher papanicolaou.

Colo padrão, normal, com Exame especular mostran- Colo uterino eliminando Câncer de colo uterino
muco límpido periovulatório do pólipo cervical pus, sugestivo de cervicite (NIC 3)

Coleta da citologia oncótica cérvico vaginal: A. coletar material do endocervice com


Ectopia cervical escova endocervical. B. Coleta do mateial da JEC ( junção escamo-colunar) com
espátula de ayre e C. disposição do material na lâmina

5.5.4. Inspecione as paredes vaginais 5.6. Toque bidigital


Com o espéculo ainda na vagina, o médi- O médico posiciona-se entre as pernas
co inspeciona as paredes vaginais buscando a cor, da paciente; deve estar utilizando uma luva de
as características da superfície, secreções, sangra- procedimentos lubrificada em sua mão direi-
mentos, úlceras e placas de monília. Ao se retirar ta. Após isso, coloca então os dedos indicador
o espéculo, o médico deve visualizar as paredes e médio da mão direita na vagina, o dedão é
anterior e posterior da vagina. Para retirar o es- estendido e os outros dedos fletidos. Começa
péculo, é necessário fechá-lo, mas não comple- então a palpar as paredes vaginais à procura de
tamente; em seguida, ele deve ser rodado a um áreas de sensibilidade e lesões como massas,
ângulo de 45 graus em relação à vertical e então cistos ou nódulos. A mão esquerda deve estar
ser retirado lentamente. no abdome, mais precisamente a um terço da
distância da sínfise púbica, a cicatriz umbilical.

42 Faculdade Christus
Capítulo 2

A palpação bimanual então ocorre da seguinte Com exceção dos ovários, as outras estruturas
forma: a mão direita empurra os órgãos e a es- anexiais não são dolorosas à palpação, após ter-
querda apalpa. minar um lado, apalpe o outro lado. Palpe os
ligamentos uterosacrais e o fundo de saco de
Douglas no fórnice posterior. Após retirar as lu-
vas, o médico deve analisar se há alguma secre-
ção ou sangue na luva.

5.6.4. Exame retovaginal


Essa técnica permite melhor avaliação da
porção posterior e do fundo de saco de Douglas.
O médico deve colocar uma luva de procedi-
osso púbico mentos lubrificada em sua mão direita; o dedo
indicador é inserido na vagina, indo o mais lon-
bexiga ge possível na superfície da parede posterior; o
dedo médio é colocado no ânus. Se a paciente
vagina for virgem pode ser utilizado somente o dedo
útero médio no ânus. O tônus do esfíncter anal é ava-
ânus
cervix liado. O septo retovaginal é palpado e descrito
quanto à presença de: espessamento, nódulos,
fístula, massas e áreas dolorosas. Nessa oportu-
nidade, o médico palpa a face posterior do úte-
ro, os paramétrios, descrevendo-os. A parede do
reto é palpada buscando-se massas, pólipos, nó-
dulos, estreitamentos, irregularidades e sensibili-
5.6.1. Palpação do colo uterino dade dolorosa. Após retirar os dedos da vagina
A palpação do colo uterino não é dolorosa e do reto, analise as secreções existentes na luva.
e ele é móvel mais ou menos de 2 a 4cm em to-
das as direções; qualquer restrição ao movimen-
to ou sensibilidade dolorosa deve ser investiga- D- Referências Bibliográficas
da. O médico descreve-o quanto ao tamanho, a
CULLINS, E.V.; PLUMBO, M; ROBIN, A; SCHNARE,
forma e o comprimento, a posição, a mobilidade
S. Communicating with patients a quick ref-
(se dolorosa ou não) e quanto à permeabilidade.
erence guide for clinicians. Washington,DC:
Association of Reprodutive Health Professionals
5.6.2. Palpação do útero (ARHP), 2000.

O médico empurra a cérvice superior e LÓPEZ, M. Anamnese. In: MARIO LÓPEZ, MEDEI-
posteriormente, dessa forma ele é mais bem ROS, J.L. Semiologia médica as bases do diag-
palpado. O útero é então sentido entre as duas nóstico clínico. Rio de janeiro: Revinter, 2004.
mãos e é descrito quanto à localização, ao ta- p. 23-38.
manho, a forma e contornos, a consistência, a
MACHADO, L.V. Ginecologia. In: MARIO LÓPE-
mobilidade e a sensibilidade.
ZA, MEDEIROS, J.L. Semiologia médica as ba-
ses do diagnóstico clínico. Rio de janeiro: Re-
5.6.3. Palpação dos anexos vinter, 2004. p. 958-976.

A mão direita é dirigida para o fórnice es- MEDEIROS, J.L. Exame físico. In: MARIO LÓPEZ,
querdo ou direito e a mão esquerda é dirigida MEDEIROS, J.L. Semiologia médica as bases
para o quadrante inferior esquerdo ou direito, do diagnóstico clínico. Rio de janeiro: Revinter,
dependo de qual lado será palpado primeiro. A 2004. p. 49-55.
palpação busca a presença de massa; no entan-
SILVA, M.J.P. O papel da comunicação na huma-
to, é necessário descrever o tamanho, a forma,
nização da atenção à saúde. Bioética, v.10 n.2,
a consistência, a mobilidade e a sensibilidade.
p.73-88, 2002.

Faculdade Christus 43
Capítulo 2

SWARTZ, M.H. As questões da anamnese. In:


______. Tratado de semiologia médica história
e exame clínico. Rio de janeiro: Saunders Else-
vier, 2006. p. 3-36.

SWARTZ, M.H. Exame físico. In: ______. Tratado


de semiologia médica história e exame clí-
nico. Rio de janeiro: Saunders Elsevier, 2006. p.
129-136.

SWARTZ, M.H. Genitália feminina. In: ______. Tratado


de semiologia médica história e exame clínico.
Rio de janeiro: Saunders Elsevier, 2006. p. 557-592.

SWARTZ, M.H. Mama. In _____. Tratado de


semiologia médica história e exame clíni-
co. Rio de janeiro: Saunders Elsevier, 2006. p.
457-478.

SWARTZ, M.H. Respostas dos pacientes. In


______. Tratado de semiologia médica história
e exame clínico. Rio de janeiro: Saunders Else-
vier, 2006. p. 37-54.

44 Faculdade Christus
Capítulo 3
FARMACOLOGIA APLICADA À
PRÁTICA GINECOLÓGICA
Manoel Cláudio Azevedo Patrocínio
Paulla Sátiro Timbó
Thiago Emannoel Nogueira Ramos

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


Paciente, L.M.S, 24 anos, natural e proce- 1. Antimicrobianos
dente de Fortaleza, solteira, secretária, sexual-
XX β- Lactâmicos
mente ativa, múltiplos parceiros, G1P0A1, faz uso
Os antibióticos β-lactâmicos têm como
de anticoncepcional oral há 2 anos e refere não
principal característica a presença do grupa-
utilizar preservativo. Deu entrada na emergên-
mento químico heterocíclico denominado anel
cia com dor intensa em baixo-ventre associada
β-lactâmico. Apresentam atividade bacterici-
a náuseas, vômitos, febre 39,5 ºC. Queixava-se
da resultante da inibição da síntese da parede
de disúria, corrimento vaginal muco-purulen-
celular. Pertencem a esse grupo as penicilinas
to e dispareunia havia 2 semanas, entretanto,
(naturais e semissintéticas), cefalosporinas, car-
não procurou atendimento médico tendo fei-
bapenéns, monobactâmicos e suas associações
to uso de penicilina benzatina IM. Refere que
com inibidores de beta-lactamase.
há 24 horas a dor aumentou de intensidade e
se apresentou associada a náuseas, vômitos e As penicilinas interferem em uma etapa
febre de 39,7 ºC. Ao exame físico, encontrava- específica da síntese da parede celular bacteria-
-se orientada, agitada, pálida +/4, sudoreica, na. Os antibióticos β-lactâmicos têm estrutura
taquicárdica, PA 100x60 mmHg, com fácies de análoga à terminação de um pentapeptídeo
dor e sinais de irritação peritoneal, apresen- que serve de substrato às proteínas ligantes da
tando dor à mobilização de colo uterino e à penicilina (PBP), e se ligam de forma covalente
palpação de anexos. a estas proteínas inibindo a reação de transpep-
tidação o que leva a um bloqueio da síntese da
parede celular, bem como ao bloqueio de outros
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM tipos de PBPs, o que acarreta um desequilíbrio
entre a montagem do peptidoglicano e a ativi-
1. Conhecer os principais antibióticos utiliza- dade de autolisinas que decompõem a parede
dos em Ginecologia. celular, levando o micro-organismo à morte.
2. Conhecer os principais mecanismos de ação
dos mesmos O mecanismo mais comum de resistência
3. Selecionar um tratamento antibióticos ba- é a produção de β-lactamases que clivam o anel
seado na sensibilidade dos agentes etioló- β-lactâmico levando à perda da atividade anti-
gicos prevalentes aos mesmos. bacteriana. Outra forma é a alteração das PBPs-
4. Conhecer os vários protocolos de tratamen- -alvos que passam a ter baixa afinidade pelos
to da DIP. β-lactâmicos, mecanismo usado por algumas
cepas de enterococos e estaficocos resistentes
ao grupo da meticilina, os quais são resistentes
Capítulo 3

a todos os β-lactâmicos. Bactérias gram-nega- tos. A penicilina G atinge rapidamente sua con-
tivas também podem reduzir a penetração dos centração máxima no plasma, porém também
β-lactâmicos por meio da redução do número é rapidamente excretada. Então, para prolongar
de porinas por onde o fármaco penetra ou por sua permanência no corpo e reduzir o número
meio de bombas de efluxo que transportam de aplicações são utilizadas as preparações de
β-lactâmicos do periplasma de volta à mem- depósito, que incluem as penicilinas procaína e
brana externa. Os β-lactâmicos não têm efeito benzatina que têm administração intramuscular
em bactérias que não possuem peptidoglicano (IM) e são formuladas para retardar sua absor-
como Mycoplasma e Chlamydia e como não pe- ção, resultando em concentrações sanguíneas
netram bem no interior das células não afetam relativamente mais baixas, porém persistentes.
micro-organismos que são parasitos intracelu- A penicilina G procaína quando administrada
lares como Rickettsia e Legionella. em grandes doses pode levar a concentrações
tóxicas de procaína no plasma.
O espectro de ação inclui cocos gram-po-
XX Penicilinas
sitivos e negativos sensíveis como estreptoco-
As penicilinas consistem em um anel tia-
cos (mas S.pneumoniae e S. viridans resistentes
zolidina ligado a um β-lactâmico modificado por
à penicilina estão se tornando mais comuns),
cadeia lateral variável que confere propriedades
estafilococos não produtores de β-lactamases,
farmacológicas e espectro de ação variável en-
espécies de enterococos (mas é cada vez mais
tre as penicilinas. Possuem ampla distribuição
comum enterococos resistentes a β-lactâmicos)
nos tecidos e líquidos corporais e geralmente
e meningococo (a N. gonorrhoeae que no pas-
têm absorção rápida atingindo sua concentração
sado era sensível, hoje tem a maioria das cepas
máxima no plasma usualmente dentro de uma
resistentes). Também têm ação contra bastone-
hora e meia-vida curta entre 30-90min e a dose
tes gram-positivos, anaeróbios gram-positivos
deve ser ajustada de acordo com a função renal
(exceto C.difficile) e gram-negativos não produ-
(também com a função hepática caso haja insu-
tores β-lactamases (a maioria das cepas de B.
ficiência renal). A absorção via oral (VO) de peni-
fragilis é resistente) e espiroquetas.
cilinas é afetada por alimentos os quais devem
ser administradas por esta via 1-2 horas antes Na prática ginecológica a penicilina G
ou depois de o paciente se alimentar (exceto a benzatina administrada por via IM é a droga de
amoxicilina). São classificadas de acordo com seu escolha contra a sífilis.
espectro de atividade antimicrobiana em: Penici-
lina G, Penicilinas antiestafilocócicas, aminopeni-
cilinas e Penicilinas de espectro expandido. Penicilinas antiestafilocócicas
São representantes dessa classe a oxacili-
As reações adversas são relativamente
na, cloxacilina, dicloxacilina, nafcilina, meticilina
comuns, estimando-se que 3 a 10% das pesso-
(esta não é mais utilizada). Essa classe tem re-
as são alérgicas a esses agentes. Pessoas alér-
síduos volumosos em suas cadeias laterais que
gicas a uma penicilina devem ser consideradas
evitam sua ligação com as β-lactamases. As indi-
alérgicas a todas as penicilinas, e alergia cruza-
cações clínicas limitam-se ao tratamento de in-
da pode se estender a outros β-lactâmicos. Os
fecções ocasionadas por estafilococos produto-
efeitos adversos mais comuns são reações de
res de β-lactamases (grande maioria das cepas),
hipersensibilidade. As manifestações de alergia
porém já existem cepas de S. aureus e S. epider-
à penicilina incluem: febre, distúrbios hema-
midis que são resistentes ao grupo da meticili-
tológicos, doença do soro, nefrite intersticial,
na. Caso o antibiograma indique que o agente
erupções cutâneas de todos os tipos, vasculites,
é susceptível à penicilina G este deve ser usado
dermatite esfoliativa, eritema multiforme exsu-
como agente preferencial. Em infecções graves
dativo, angioedema e anafilaxia. Destas, a mais
por estafilococos, estas penicilinas devem ser
temida é a anafilaxia; contudo, é rara.
administradas apenas por via endovenosa (EV).
Essa classe apresenta excreção hepática não ne-
cessitando de ajuste na insuficiência renal.
Penicilina G
Possui três apresentações: cristalina, pro- Na pratica ginecológica, são utilizadas no
caína e benzatina. Devido à instabilidade em pH tratamento de mastites, infecções de tecidos mo-
ácido, não há apresentação oral destes compos- les, pele e sepse causadas por S. aureus sensíveis.

46 Faculdade Christus
Capítulo 3

Aminopenicilinas Ticarcilina e piperacilina também são


São representantes desse grupo a ampicili- disponíveis em associação com inibidores de
na e a amoxicilina que possuem o mesmo espec- β-lactamase, ampliando o potencial antimicro-
tro e a mesma atividade. Essas aminopenicilinas biano destes fármacos. Apresentam atividade
têm o espectro de atividade semelhante ao da contra a maioria das bactérias aeróbicas gram-
penicilina G, mas devido à sua cadeia lateral ami- -positivas e gram-negativas, bem como contra
no que aumenta sua hidrofilia, possuem maior todas bactérias anaeróbias, exceto o C. difficile.
capacidade de penetrar na membrana externa
Na prática ginecológica, as penicilinas de
de gram-negativos entéricos. Contudo, devido
espectro expandido são utilizadas associadas a
à sua vulnerabilidade às β-lactamases, muitas
inibidores de β-lactamase via EV no tratamento
bactérias gram-negativas, são hoje, resistentes. A
hospitalar da ITU complicada e também em infec-
amoxicilina apresenta melhor absorção intestinal
ções intra-abdominais e pélvicas e na septisemia.
que a ampicilina e não é afetada por alimentos.
A administração desses fármacos asso-
ciados a um inibidor de β-lactamase expande o XX Cefalosporinas
espectro de ação destes fármacos que passam a As cefalosporinas consistem em um anel
ter maior atividade contra S. aureus, H. influen- de 7-aminocefalosporânico ligado a um anel
zae, algumas enterobactérias e anaeróbios (in- β-lactâmico e que apresenta duas cadeias la-
cluindo Bacteroides spp). terais em que pode ser modificado, o que con-
fere propriedades farmacológicas e espectro
Na prática ginecológica, as aminopenicili-
de ação variável entre as cefalosporinas. Este
nas são utilizadas no tratamento de infecções do
anel de 7-aminocefalosporânico é mais resis-
trato urinário (ITU) não complicadas e no caso de
tente à clivagem por β-lactamases do que o de
ITU complicada durante o tratamento hospitalar,
tiazolidina das penicilinas, mas β-lactamases
em associação com inibidores de β-lactamases
de bactérias gram-negativas podem degradar
ou à gentamicina. A ampicilina/sulbactam (asso-
muitas cefalosporinas.
ciada à doxiciclina) também pode ser usada no
tratamento parenteral da DIP. Assim como as penicilinas, exercem seus
efeitos através da ligação e da inibição das
PBPs, mas algumas bactérias como a Listeria
Penicilinas de espectro expandido monocytogenes, enterococos, S. pneumoniae
Nessa classe estão contidas as carboxipe- resistente à penicilina, S. aureus resistente e S.
nicilinas e as ureidopenicilinas. Elas ampliam o epidermidis resistentes ao grupo da meticilina
espectro de ação das aminopenicilinas devido produzem PBPs que não se ligam com alta afini-
às suas cadeias laterais que permitem maior pe- dade às cefalosporinas assim estes micro-orga-
netração em gram-negativos, mostrando-se ati- nismos são resistentes a todas as cefalosporinas.
vos contra espécies de P. aeruginosa e algumas Algumas bactérias como Enterobacter, Citrobac-
enterobactérias resistentes à ampicilina, mas ter, Providencia e Morganella spp. contêm uma
também são sensíveis às β-lactamases. β-lactamase AmpC cromossomicamente codifi-
cada e induzível, algumas cepas mutantes des-
As carboxipenicilinas, carbenicilina e ticar-
sas bactérias que expressam constitutivamente
cilina, são inferiores à ampicilina contra cocos
altos níveis desta β-lactamase, podem ser se-
gram-positivos e não têm ação contra Klebsiella.
lecionadas pelo tratamento com cefalosporinas
As ureidopenicilinas representadas pela mezlo-
de terceira geração, tornando-se resistentes a
cilina e piperacilina têm espectro semelhante ao
todos os β-lactâmicos incluindo suas associa-
das carboxipenicilinas, mas mantêm a excelen-
ções com inibidores de β-lactamase, sendo sen-
te atividade das aminopenicilinas contra cocos
síveis apenas aos carbapenéns.
gram-positivos e também são ativas contra Kle-
bsiella. Devido à tendência da P.aeruginosa de- A maioria tem excreção predominante-
senvolver resistência durante monoterapia, as mente renal, sendo necessário ajustar sua dose
infecções graves por esse patógeno costumam à função renal. Em relação ao espectro de ação
ser tratadas por combinações de antibióticos de das cefalosporinas, podem ser feitas algumas ge-
efeitos sinérgicos como um β-lactâmico anti- neralizações (mas que apresentam exceções): Os
-pseudomonas mais um aminoglicosídeo ou agentes de primeira geração apresentam melhor
uma quinolona anti-pseudomonas. atividade contra bactérias aeróbicas gram-positi-

Faculdade Christus 47
Capítulo 3

vas e a cada geração se tem uma atividade mais fluenzae. A cefoxitina deve ser utilizada apenas
ampla contra bactérias gram-negativas. profilaticamente, pois pode induzir a produção
de β-lactamases cromossômicas que podem hi-
As cefalosporinas têm como atrativo sua
drolisar outras cefalosporinas de segunda e ter-
pequena toxicidade. Os efeitos colaterais mais
ceira gerações.
comuns são reações de hipersensibilidade a ce-
falosporinas, idênticas às das penicilinas, mas Na prática ginecológica, as cefalospori-
raramente estes agentes causam reação de hi- nas de primeira e segunda geração podem ser
persensibilidade imediata (exantema, urticária utilizadas no tratamento de ITUs, no tratamen-
e a reação adversa mais temida a anafilaxia). to de infecções de pele ou de tecidos moles
Cerca de 5% dos indivíduos alérgicos à penici- e na profilaxia cirúrgica. A cefalexina também
lina também têm reação às cefalosporinas, de pode ser usada no tratamento ambulatorial da
forma que indivíduos com história de reação mastite. As cefamicinas podem ser utilizadas
de hipersensibilidade imediata grave à penicili- associadas à doxiciclina no tratamento paren-
na não devem ser tratados com cefalosporinas. teral da DIP.
Cefotetano e cefoperazona podem causar hipo-
proteinemia, distúrbios hemorrágicos e quando
usados com álcool podem causar reações gra- Terceira geração
ves do tipo dissulfiram. Esse grupo inclui cefoperazona, cefota-
xima, ceftazidima, ceftizoxima, ceftriaxona, ce-
fixima, cefpodoxima proxetil, cefditoreno, cef-
Primeira geração tibuteno e moxalactama. Apresentam maior
Esse grupo inclui cefadroxil, cefazolina, ce- resistência à β-lactamases e têm maior pene-
falexina, cefalotina, cefapirina e cefradina. Essas tração na membrana externa das bactérias. Re-
drogas são muito ativas contra cocos aeróbios têm atividade significativa contra estreptoco-
gram-positivos como estreptococos e estafiloco- cos e em comparação com cefalosporinas de
cos, mas têm atividade limitada contra as bacté- segunda geração apresentam maior atividade
rias anaeróbias e contra as gram-negativas, ape- e espectro de ação contra bactérias gram-ne-
sar disso algumas cepas de E. coli, K. pneumoniae gativas, incluindo muitas enterobactérias. Tam-
e Proteus mirabilis são susceptíveis. Dentre as de bém possuem atividade contra espiroquetas. A
administração parenteral, a cefazolina é preferi- ceftizoxima e o moxalactama são os únicos que
da, pois pode ser administrada com menor fre- apresentam atividade contra um número sig-
quência. A cefalotina e a cefapirina causam dor nificativo de bactérias anaeróbias (incluindo B.
quando administradas por via IM, portanto cos- fragilis). A ceftazidima e a cefoperazona são as
tumam ser administradas via EV. únicas cefalosporinas de 3º geração que apre-
sentam atividade contra P. aeruginosa, porém
apresentam atividade limitada contra gram-
Segunda geração -positivos em comparação com outras cefalos-
Esse grupo inclui cefaclor, cefamandol, porinas de terceira geração. A cefoperazona e a
cefonicida, cefuroxima, cefprozil, loracarbef, ceftriaxona não necessitam de ajuste da droga
ceforanida e as cefamicinas (o que inclui ce- de acordo com a função renal e a ceftriaxona é
foxitina, cefmetazol e cefotetano). As cefalos- notável por sua longa meia-vida.
porinas de segunda geração em geral são tão
Na prática ginecológica, as cefalospori-
ativas quanto os agentes de primeira geração,
nas de terceira geração são utilizadas no tra-
enquanto que as cefamicinas têm atividade li-
tamento de ITU complicadas, na sepsemia, e
mitada contra este grupo de bactérias, contudo
quando associadas à doxiciclina no tratamento
são mais ativas contra bactérias anaeróbicas,
ambulatorial da DIP. A ceftriaxona também é
especiamente B. fragilis. As cefalosporinas de
utilizada contra cancro mole, infecção de fa-
segunda geração, em comparação com as de
ringe, cérvice, uretra, reto e disseminada por
primeira, têm maior atividade contra bactérias
gonococo, e é uma alternativa no tratamento
aeróbias gram-negativas, de forma que além
da sífilis. A cefixima também pode ser utilizada
de maior potência contra enterobactérias que
contra cervicites e uretrites por gonococo. O
poderiam ser susceptíveis as de primeira gera-
ministério da saúde recomenda tratar simulta-
ção, também têm ação contra Neisseria spp e as
neamente gonorreia e chlamydia.
cefalosporinas também são ativas contra H. in-

48 Faculdade Christus
Capítulo 3

XX Carbapenéns nicilina. Liga-se à porção D-alanil-D-alanina da ca-


Estes antibióticos estão entre os mais deia lateral peptídica evitando que as PBPs tenham
amplamente ativos contra micro-organismos acesso a elas. É uma molécula muito grande não
resistentes a outros agentes, sendo muitas ve- conseguindo passar através das porinas da mem-
zes utilizados como a última linha de defesa. A brana externa das bactérias gram-negativas, de for-
estrutura consiste em um anel β-lactâmico fun- ma que sua ação é restrita aos gram-positivos ae-
dido a um anel de 5 membros, diferente da tia- róbicos e anaeróbicos, tendo excelente cobertura
zolidina. As moléculas de carbapenéns são mui- contra esse grupo sendo eficaz até contra S. pneu-
to pequenas e têm certas características que as moniae resistente a penicilina, estafilococos resis-
permitem utilizar porinas especiais na membra- tentes ao grupo da meticilina e C. difficile. Ainda
na externa de bactérias gram-negativas, tam- assim existem alguns enterococos que apresentam
bém são resistentes à clivagem pela maioria das resistência a esse fármaco, devido a uma mudança
β-lactamases e apresentam afinidade contra da estrutura da porção da cadeia peptídica à qual
amplo espectro de PBPs. Esse grupo é represen- o fármaco se liga; também já foram identificadas
tado por imipeném, meropeném, ertapeném. falhas clínicas contra L. monocytogenes de forma
que à vancomicina não deve ser usada contra esse
O imipeném é ativo contra muitas espé-
micro-organismo. Infelizmente, os grupos de ge-
cies de bactérias patogênicas aeróbicas gram-
nes que conferem resistência aos enterococos po-
-positivas (incluindo S. pneumoniae resistentes à
dem ser transferidos e já foram identificados estafi-
penicilina) e gram-negativas tendo notável ação
lococos com sensibilidade reduzida a vancomicina,
contra enterobactérias (incluindo muitas das alta-
essas cepas são resistentes a vários antibióticos,
mente resistentes) e P. aeruginosa. Também têm
sendo um problema grave.
excelente cobertura anaeróbica (mas não são ati-
vas contra C. difficile). O meropeném tem espectro A vancomicina deve ser administrada por
de ação essencialmente igual ao do imipeném. O via parenteral para tratamento de infecções sis-
ertapeném é menos ativo contra bactérias aeróbi- têmicas, mas pode ser usada por via oral para
cas gram-positivas, P. aeruginosa e Acinetobacter tratamento de infecções intestinais. A dose
spp. em comparação com outros carbapenéns, deve ser ajustada de acordo com a função renal.
mas tem a vantagem de ser necessária sua admi-
Podem causar uma reação de hipersensi-
nistração somente uma vez ao dia. O imipeném é
bilidade com erupções cutâneas e até anafilaxia.
rapidamente destruído no rim pela enzima desi-
A infusão rápida pode causar diversos sintomas
dropeptidase I, de forma que esse fármaco deve
como síndrome do homem vermelho, taquicar-
ser administrado com cilastatina que inibe esta
dia e hipotensão. Concentrações excessivamen-
enzima; já o meropeném e o ertapeném não são
te elevadas no plasma podem causar perda da
afetados por esta enzima. É necessário o ajuste da
audição e nefrotoxicidade, devendo-se ter mui-
dose de acordo com a função renal.
ta cautela quando esse fármaco é administrado
As reações adversas mais comuns são com outros que também podem causar ototo-
náuseas, vômitos, diarreia, exantema e febre. xicidade e nefrotoxicidade.
Uma complicação mais preocupante são con-
Na prática ginecológica, a vancomicina não
vulsões que ocorrem especialmente em pacien-
deve ser utilizada de rotina, sendo indicada para
te com doença prévia em SNC (o meropeném
tratamento de infecções graves por S. aureus ou
tem menor risco para esta complicação) ou com
nas infecções por S. aureus resistentes ao grupo
insuficiência renal.
da meticilina. Também podem ser usadas em pa-
Os carbapenêmicos são agentes impor- cientes alérgicos à penicilina e à cefalosporina.
tantes no tratamento de infecções por bactérias
resistentes a antibióticos; na prática ginecológi-
ca são utilizados no tratamento de infecções de XX Aminoglicosídeos
ITUs complicadas e sepse grave. Os aminoglicosídeos consistem de amino-
açúcares conectados por ligações glicosídicas a
um anel central que contém grupos amino subs-
XX Vancomicina tiuintes. São representados por estreptomicina,
A vancomicina é um glicopeptídeo com- neomicina, canamicina, amicacina, gentamicina,
plexo. Age também inibindo a síntese da parede tobramicina, sisomicina, netilmicina. Têm ação
celular, porém por um mecanismo diferente da pe- bactericida, inibindo a síntese de proteínas. Sua

Faculdade Christus 49
Capítulo 3

molécula é grande (mas bem menor que a da administração desse fármaco no final da gravidez
vancomicina, conseguindo passar pelos poros da pode resultar em seu acúmulo no plasma fetal e
membrana externa de gram-negativos) e polar, a no líquido amniótico, de forma que durante a gra-
carga positiva permite que ele se ligue à mem- videz devem ser usados apenas em situações es-
brana externa (que tem carga negativa) causan- peciais. Recomenda-se que sejam administrados
do orifícios transitórios através dos quais o an- em dose única e que sua concentração plasmática
tibiótico se movimenta. Para atingir seu alvo, o seja monitorada, devido aos efeitos adversos que
ribossomo bacteriano, ele ainda precisa penetrar podem causar. São quase totalmente excretados
a membrana citoplasmática da bactéria, proces- pelos rins de forma que a dose deve ser ajustada
so que depende do transporte de elétrons que de acordo com a função renal.
gera um potencial de ação (com eletronegativi-
Todos os aminoglicosídeos podem induzir
dade no interior da membrana) que impulsiona
toxicidade renal, vestibular e coclear, sendo que
o transporte deste fármaco. Situações de anae-
a toxicidade dos aminoglicosídeos tem maior
robiose ou acidez (como ocorre em abscessos)
probabilidade de ocorrer quando houver con-
comprometem a capacidade da bactéria de
centrações persistentemente elevadas no plas-
manter o potencial de membrana e assim com-
ma, quando administrados com fármacos que
prometem o transporte do antibiótico.
também sejam tóxicos para essas estruturas, em
Os aminoglicosídeos estão entre os an- pacientes com comprometimento pré-existente
tibióticos mais antigos, mas ao contrário da dessas estruturas e em pacientes idosos.
penicilina têm mantido sua eficácia. Quando
A ototoxicidade é em grande parte irrever-
ocorre resistência pode ser resultado de: acú-
sível. Quando a lesão é coclear, cursa com zumbi-
mulo diminuído na bactéria (provavelmente
do e perda auditiva. Quando a lesão é vestibular,
devido a bombas de efluxo), alteração da es-
cursa com vertigem, perda de equilíbrio e ata-
trutura do ribossomo de forma que o amino-
xia. O comprometimento renal é quase sempre
glicosídeo não consegue mais se ligar (esse
reversível após a suspensão da droga e decorre
mecanismo é comum para a estreptomicina,
da concentração de aminoglicosídeos nas células
mas é raro para os outros membros da classe) e
tubulares renais. A toxicidade renal é mais prová-
a produção de enzimas que modificam a droga
vel quando administrada em cursos mais prolon-
de forma que ela não mais consegue se ligar
gados. Reações de hipersensibilidade são raras.
ao ribossomo, que é o mecanismo mais im-
portante. Eles têm excelente atividade contra Na prática ginecológica, utiliza-se os
bacilos gram-negativos aeróbicos (incluindo P. aminoglicosídeos associados a outros agentes
aeruginosa e enterobactérias), mas têm ação li- para infecções graves por bactérias aeróbicas.
mitada contra gram-positivos aeróbicos e não A gentamicina associados à ampicilina nas ITUs
têm ação contra anaeróbicos. Recomenda-se complicadas e associadas à clindamicina no tra-
que os aminoglicosídeos sejam utilizados com tamento hospitalar de DIP.
outros agentes ativos mesmo contra cepas
bacterianas sensíveis. Estreptomicina, amicaci-
na, neomicina são ativas contra algumas mi- XX Clindamicina
cobactérias. Gentamicina e tobramicina têm A clindamicina, introduzida em 1966, é
o mesmo espectro de ação. Enterococos são um derivado sintético da lincomicina. Apresenta
resistentes à tobramicina e à amicacina (mes- estrutura distinta das penicilinas, com um ami-
mo quando combinadas a agentes sinérgicos). noácido ligado a um açúcar amino.
A amicacina e netilmicina são mais resistentes A clindamicina liga-se à subunidade 50s
às enzimas inativadoras de aminoglicosídeos, dos ribossomos bacterianos e inibe a síntese de
sendo utilizadas em infecções graves por baci- proteína. Dependendo do microorganismo, age
los gram-negativos resistentes à gentamicina. como bactericida ou bacteriostática. O mecanis-
Por serem cátions polares não são absor- mo de ação é semelhante aos dos macrolídeos
vidos pelo TGI. Quando instilados em cavidades e do cloranfenicol.
com superfícies serosas ou quando aplicados to- O espectro de atividade inclui bactérias
picamente por período prolongado sobre solu- gram-positivas aeróbicas, como muitos estrep-
ções de continuidade muco-cutâneas pode ocor- tococos e estafilococos, e bactérias anaeróbicas
rer absorção rápida e toxicidade inesperada. A tanto gram-positivas e gram-negativas, incluin-

50 Faculdade Christus
Capítulo 3

do B. fragilis e C. perfringens. Não apresenta uti- local, mas tem um aquilaril adicional que se liga
lidade para gram-negativos, pois sua membra- ao outro local diferente no ribossomo.
na externa não permite a penetração da droga.
São agentes de amplo espectro de ação
Níveis séricos adequados são atingidos sendo eficazes contra alguns estafilococos e
após administração oral, IM ou EV. Atravessa estreptococos, bactérias atípicas e algumas mi-
rapidamente a barreira placentária. Apresenta cobactérias e espiroquetas. Bacilos gram-nega-
metabolização hepática e excreção na urina, tivos aeróbicos são resistentes, mas algumas ce-
na bile e em pequena quantidade nas fezes. A pas de Haemophilus, Neisseria e Bordetella são
dose oral de clindamicina para adultos é de 150 suscetíveis. A telitromicina é ativa contra cepas
a 300mg, a cada 6 h e para tratamento de infec- de S. pneumoniae, S. aureus e S. pyogenes resis-
ções graves é de 300 a 600mg a cada 6h. tentes a macrolídeos.
A principal toxicidade da clindamicina é o Apresenta absorção incompleta no intesti-
desenvolvimento de colite pseudomenbranosa no delgado, podendo ser retardada pelo alimen-
causada pelo C. difficile, pois essa destrói mui- to que aumenta a secreção de suco gástrico. A
tos componentes da flora normal do intestino, principal forma de eliminação é a biliar. A dose
permitindo o crescimento do agente causador. oral de eritromicina para adultos varia de 1 a 2g/
Seu uso está associado também à diarreia não dia fracionadas em 4 doses e a administração IM
causada por C. difficile e à erupções cutâneas mais é contra-indicada pela dor no local da injeção.
frequentes em pacientes HIV positivos. Outras
Os macrolídeos são considerados drogas
reações menos comuns são síndrome de Ste-
seguras, causando apenas algumas reações ad-
vens-Johnson, elevação dos níveis de enzimas
versas leves como febre, eosinofilia, erupções
hepáticas (ALT e AST), granulocitopenia, trom-
cutâneas e sintomas gastrointestinais. A hepa-
bocitopenia, reações anafiláticas e tromboflebite
tite colestática é o efeito colateral mais notável.
local quando há administração intravenosa.
O uso clínico em ginecologia é indicado
A clindamicina não constitui uma droga
para portadores de C. trachomatis, H. ducreyii e
de primeira escolha, mas uma opção terapêu-
uma alternativa para tratamento da sífilis.
tica para pacientes alérgicos à penicilina. Na
prática ginecológica, é utilizada no tratamento
de vaginose bacteriana, vaginite inflamatória e XX Tetraciclinas e Glicilciclinas
doença inflamatória pélvica. Este grupo é composto pela tetraciclina,
doxiciclina e minociclina e a estrutura quími-
ca consiste em quatro anéis fundidos com seis
XX Macrolídeos e cetolídeos
elementos. A tigeciclina é um membro de uma
O grupo dos macrolídeos consiste na eri-
classe relacionada com estrutura semelhante
tromicina descoberta em 1952 e na claritromi-
apenas com a diferença da adição de um grupo
cina e azitromicina, seus derivados semissintéti-
glicilamido ao anel terminal de seis elementos
cos. Possuem uma estrutura química, diferente
no núcleo das tetraciclinas.
das cefalosporinas e das penicilinas, com um
anel lactona macrocíclico. A telitromicina é um São antibióticos bacteriostáticos, pois
novo fármaco disponível de uma classe estrutu- agem inibindo a síntese de proteínas bacte-
ralmente relacionada os cetolídeos, entretanto rianas através de sua interação a subunidade
com espectro de ação aumentado. 30s do cromossomo bacteriano na qual impe-
dem a ligação de moléculas RNAt carregadas
Os macrolídeos são bacteriostáticos que
de aminoácidos.
impedem síntese de proteínas através da liga-
ção à subunidade 50s no cromossomo bacteria- A resistência às tetraciclinas pode ocorrer
no. A resistência a esse grupo está se tornando por diminuição do acúmulo do antibiótico, por
comum e resulta de um dos mecanismos: efluxo aquisição de genes que codificam bombas de
do fármaco por um mecanismo ativo de bom- efluxo, por genes que codificam proteínas prote-
ba; produção de enzimas que alteram o local de toras de ribossoma ou por inativação enzimática.
ligação do fármaco; mutação do local de liga- A diferença estrutural da tigeciclina evita que ela
ção no ribossomo e hidrólise dos macrolídeos sofra a ação de bombas de efluxo bacterianas,
por enzimas produzidas por determinadas bac- tornando seu espectro de ação bastante amplo.
térias. A telitromicina age também no mesmo

Faculdade Christus 51
Capítulo 3

A classe é ativa contra algumas bactérias A classe apresenta boa absorção após ad-
gram-positivas aeróbicas, gram-negativas aeró- ministração oral, sofrendo influência do alimento.
bicas e espiroquetas, mas sua maior atividade é São excretadas predominante pelo rim, entretan-
contra bactérias atípicas. to moxifloxacino e pefloxacino são metaboliza-
dos pelo fígado. Em adultos, as doses orais são
A absorção da maioria das tetraciclinas
de 200 a 750 mg a cada 12hs dependendo da
é incompleta, sendo sua maior parte no estô-
droga utilizada e norfloxacino e cirofloxacino
mago e na parte superior do intestino delgado
apresentam meia-vida de 3 a 5 horas.
ocorrendo mais em jejum. Atravessam a placen-
ta e são encontradas na circulação fetal e no O uso terapêutico na prática ginecológica
leite materno. A principal via de eliminação é é para pacientes com N. gonorrhoeae, C. tracho-
renal, mas também biliar. matis e H. ducreyi, sendo utilizada também para
uretrite e cervicite.
Todas as tetraciclinas apresentam como efei-
to adverso irritação gastrintestinal. A colite pseudo- Em geral, são drogas de baixa toxicidade,
menbranosa é uma complicação potencialmente sendo seus efeitos adversos mais comuns sinto-
fatal. Podem ocasionar fotossensibilidade e toxici- mas gastrointestinais. Pode apresentar também
dade hepática e renal. Não devem ser administra- como efeitos colaterais cefaléia leve e tonteira
das a mulheres grávidas e a crianças menores de 8 e, raramente, alucinações, delírios e convulsões
anos, pois levam a pigmentação dos dentes. em pacientes que recebiam teofilina ou AINEs.
Podem ocorrer exantema e, em idosos, há re-
Na clínica ginecológica é muito utilizada no
latos de ruptura do tendão de Aquiles. É con-
tratamento de infecções C. trachomatis e N. gonor-
traindicado o uso em grávidas e crianças, pois
rhoea e terapêutica alternativa para T. pallidum.
em animais jovens causam anomalias cartilagi-
nosas. O uso foi associado também a prolonga-
XX Quinolonas mento do intervalo QT.
A primeira quinolona disponível foi o
ácido nalidíxico, um subproduto da síntese da
XX Sulfonamidas e Sulfametoxazol-trimetropima
cloroquina. Todos os representantes da clas-
As sulfas foram um dos primeiros qui-
se apresentam uma estrutura química com um
mioterápicos utilizados para tratamento de in-
núcleo com estrutura dupla, no qual foi adicio-
fecções no homem no início do século XX. O
nada uma fluorina propiciando um aumento da
surgimento de novos antibióticos e o desenvol-
potência, surgindo assim as fluorquinolonas,
vimento crescente de resistência levaram as sul-
como ciprofloxcina, levofoxacina, ofloxacina,
fas a ocupar um lugar discreto no arsenal tera-
monofloxacina e gemifloxacina.
pêutico do médico. A utilização da combinação
Atuam inibindo a DNA-girase e a topoi- de trimetropima com sulfametoxazol, contudo
somerase IV, enzimas essenciais no processo de incrementou o uso das sulfonamidas.
replicação do DNA bacteriano, portanto levam à
As sulfonamidas impedem a síntese de
rápida morte celular.
acido fólico, visto que são análogos estruturais
Mostram-se eficientes contra amplo es- e antagonistas competitivos do ácido para-
pectro bacteriano, sendo altamente ativas con- -aminobenzóico (PABA); e a trimetropima é um
tra E. coli e várias espécies de Neisseria, Salmo- poderoso inibidor competitivo seletivo da en-
nella, Shigella, Enterobacter e Campylobacter. zima que reduz o diidrofolato a tetraidrofolato,
Apresentam atividade contra alguns estafiloco- a forma ativa do ácido fólico. A combinação
cos, entretanto não contra os resistentes à me- dos agentes, cotrimoxazol, inibe o crescimento
ticiclina e alguns antibióticos dessa classe agem bacteriano. A resistência a esse grupo reside no
contra estreptococos. São ativos também con- fato de bactérias produzirem formas alteradas
tra bactérias atípicas e algumas micobactérias. de suas enzimas-alvo ou alterarem sua permea-
Muitas bactérias podem apresentar resis- bilidade ou formarem PABA em excesso.
tência às quinolonas por mutações espontâneas O espectro bacteriano das sulfas é amplo,
nos genes que codificam a DNA-girase e topoi- mas por terem sido utilizadas por longo período
somerase ou por expressão de bombas de eflu- enfrentam o problema da resistência. São efeti-
xo. O desenvolvimento de resistência justifica a vas in vitro contra S. pyogenes, S. pneumoniae, H.
não utilização do medicamento. influenzae, H. ducreyi, Nocardia, Actinomyces, C.

52 Faculdade Christus
Capítulo 3

trachomatis. O cotrimoxazol é efetivo contra bac- O fármaco está disponível em prepara-


térias gram-positivas aeróbicas e gram-negativas ções orais, intravenosa, intravaginal e tópica.
aeróbicas, mesmo com o problema da resistência, Apresenta absorção completa e rápida após ad-
muitos estreptococos, muitos estafilococos, E. coli, ministração oral e distribui-se bem pelo corpo,
Salmonella spp., Shigella spp. são suscetíveis. com exceção da placenta. Apresenta meia-vida
plasmática de 8h. Apresenta, principalmente,
Apresentam boa absorção oral, entretan-
metabolismo hepático e excreção urinária. A
to, a administração concomitante de sulfame-
dose terapêutica de preferência é 2g em dose
toxazol e trimetropima pode retardar a absor-
única, mas para pacientes que não toleram há
ção do primeiro. As sulfonamidas atravessam
opção de fazer 250mg 3 vezes/dia ou 375 mg 2
rapidamente a placenta e alcançam a circulação
vezes/dia durante 7 dias.
fetal, podendo causar efeitos tanto antibacteria-
nos quanto tóxicos. Apresentam principalmente Os efeitos colaterais mais comuns são cefa-
metabolismo hepático e excreção renal. leia, náuseas, boca seca e gosto metálico na boca.
Podem ocorrer os sintomas gastrointestinais e
Os efeitos colaterais estão associados a
também queixas neurológicas que justificam a
efeitos gastrointestinais, febre, exantema, leuco-
interrupção do tratamento. Urticária, prurido e ru-
penia, plaquetopenia, hepatite e hipercalemia.
bor são indicativos de sensibilidade ao fármaco.
Glossite e estomatite são relativamente comuns.
O metronidazol pode causar efeito similar ao dis-
As sulfas podem levar à cefaleia, depressão e
sulfiram, sendo desaconselhado o uso de álcool
alucinações. Indivíduos com AIDS apresentam
durante ou após 3 dias do tratamento com esse
reação de hipersensibilidade quando adminis-
fármaco. É contraindicado no primeiro trimestre
trada a combinação.
de gravidez e durante o aleitamento.
O uso na terapêutica ginecológica limita-se
Na prática ginecológica, é droga de esco-
ao tratamento de donovanose, cancro mole, linfo-
lha para o tratamento vaginite por T. vaginalis e
granuloma venéreo e uretrocistite não complicada.
de vaginose bacteriana.

XX Metronidazol
O metronidazol, um derivado 5-nitroimi- 2. Hormônios
dazólico, descoberto nos anos 50, apresentava XX Estrógenos
ampla atividade contra protozoários anaeróbi- São hormônios esteroides originários do
cos, sendo posteriormente observado que tinha folículo ovariano em maturação e corpo lúteo,
atividade clínica contra bactérias anaeróbicas. do córtex da suprarrenal, da conversão perifé-
Possui em sua estrutura um grupo nitro rica de androgênios no tecido gorduroso e, na
que precisa ser reduzido, ou seja, aceitar elé- gravidez, do trofoblasto e placenta.
trons para que o metronidazol torne-se ativo. Agem através de dois receptores ER
Os patógenos anaeróbicos e microaerófilos que existem no núcleo das células-alvo. Têm
possuem pequenas proteínas Fe-S com baixo metabolismo primariamente hepático e de-
potencial redox de transporte de elétrons, capa- pois renal.
zes de doar elétrons ao fármaco, sendo susce-
Apresentam diversos efeitos fisioló-
tíveis ao metronidazol. Pode ocorrer resistência
gicos, sendo necessários para o amadureci-
por comprometimento da capacidade de remo-
mento sexual e crescimento normal da mu-
ver oxigênio que diminui a ativação redutiva do
lher, atuam no desenvolvimento da vagina,
fármaco ou por menores níveis de proteínas ca-
do útero, das trompas uterinas, do estroma e
pazes de doar elétrons.
no surgimento dos caracteres sexuais secun-
O metronidazol é eficaz contra ampla va- dários. Na puberdade, são responsáveis pelo
riedade de anaeróbios tanto protozoários para- crescimento acelerado e fechamento das epí-
sitos como bactérias gram-positivas e gram-ne- fises, estimulam a pigmentação da pele, prin-
gativas. É efetivo contra T. vaginalis, E. histolytica cipalmente, em aréolas e na região genital.
e G. lamblia. É clinicamente eficaz em infecções Possuem efeitos endometriais, pois atuam no
causadas por bactérias aeróbicas como Bacte- ciclo menstrual e levam a hiperplasia do en-
riodes e Clostridium e bactérias microaerófilas dométrio associada a sangramentos anormais
como Helicobacter e Campylobacter spp. quando há exposição contínua e prolongada.

Faculdade Christus 53
Capítulo 3

Têm efeitos metabólicos e cardiovasculares, ca, propiciando retenção hídrica e ação anabo-
visto que diminuem a taxa de reabsorção ós- lizante. Os efeitos dependem de receptores da
sea, estimulam a produção de lepitina pelo progesterona, cuja expressão depende da ação
tecido adiposo, agem no colágeno, mantendo de estrógenos. Como a metabolização da pro-
as características da pele jovem, aumentam gesterona por via oral é muito rápida reduzindo
as lipoproteínas de alta densidade, diminuem sua ação, utiliza-se na prática clínica, hormônios
discretamente as de baixa densidade e dimi- sintéticos com ação progestagênica mais dura-
nuem os níveis plasmáticos de colesterol. Têm doura, que são denominados progestágenos.
efeitos também no aumento da coagulabili-
Os progestágenos são classificados em 2
dade do sangue e induzem à síntese de re-
grupos: os derivados de progesterona e os da
ceptores de progesterona.
testosterona. O único efeito comum para todos
Possuem muitas vias de administração e os progestágenos é a habilidade de induzir a
as mais utilizadas por ordem de frequência são fase secretória em endométrio estrogenizado,
a oral, a transdérmica, percutânea, vaginal, im- mas dependendo de sua origem podem ter
plante e intramuscular. A via oral é a de maior além dos efeitos progestagênicos (em graus
aceitabilidade devido à facilidade e ao tempo variáveis), também efeitos androgênicos, estro-
de uso, sendo preferida em pacientes dislipidê- gênicos, antiandrogênicos e antiestrogênicos.
micos. Deve-se ter cuidado com a via vaginal Os derivados da progesterona não têm efeitos
que apresenta absorção sistêmica. Independen- androgênicos, enquanto os derivados da testos-
te do tipo e da via administração, há variação terona têm atividade androgênica e forte ativi-
na concentração sérica individualmente, pois dade progestagênica e androgênica.
depende de alterações hepáticas, alimentação,
Os progestágenos reduzem os receptores
estado da pele e trânsito intestinal.
de estrógeno e transformam E2 em E1, que é um
Existem tanto estrógenos naturais quan- estrógeno mais fraco. Assim os progestágenos
to sintéticos. Os naturais são estradiol (E2), es- estão indicados em patologias que têm seu de-
trógenos conjugados, sulfato de estrona (E1), senvolvimento estimulado por estrógenos. As-
valerianato de estrona, estriol, promestrieno e sim, o emprego ocorre na puberdade precoce,
esteres de estradiol, sendo indicados na puber- síndrome climatérica, endometriose, síndrome
dade atrasada constitucional ou patológica, na dos ovários policísticos, hiperplasia endome-
terapia de reposição hormonal em menopausa- trial, anticoncepção hormonal, carcinomas de
das, na prevenção e tratamento de osteoporo- mama e endométrio. Também são indicados
se, na prevenção da atrofia urogenital senil e em quando há falta de progesterona endógena.
doenças cardiovasculares, na regularização do
Podem apresentar muitos efeitos colate-
ciclo menstrual na menacme ou na perimeno-
rais como aumento de peso, diminuição da li-
pausa e no retardo no desenvolvimento dos ca-
bido, cansaço, depressão, acne ou seborreia, hi-
racteres sexuais secundários. Os sintéticos são
surtismo discreto, mastalgia, edema, monilíase
etinil-estradiol, mestranol, quinestrol e dietiles-
e secura vaginal.
tilbestrol, sendo utilizados quase exclusivamen-
te na anticoncepção hormonal.
São contraindicados em doença hepática XX Andrógenos
grave ou aguda, câncer de mama, sangramen- São hormônios esteroides originários do
to uterino não diagnosticado e alguns autores estroma ovariano, da teça interna dos ovários,
contra-indicam em no câncer de endométrio. das células do hilo e do córtex da suprarrenal.
A testosterona pode ter efeitos diretos
na genitália interna onde produz os canais de
XX Progestágenos
Wolf durante a gestação e no músculo esque-
A progesterona é um hormônio este-
lético onde aumenta a força e a massa muscu-
roide produzido pelo corpo lúteo, placenta e
lar durante a puberdade. Pode, entretanto, ser
suprarrenal e tem ação sobre o eixo hipotála-
transformada em outros esteroides ativos como
mo-hipofisário (feedback negativo), mamas (re-
a diidrotestosterona que age na genitália exter-
ação secretória) e endométrio (fase secretória).
na levando à diferenciação, maturação e doen-
Apresenta ação antagonista do estrogênio e
ças prostáticas no adulto e nos folículos pilosos
desempenha secundariamente ação androgêni-
acentuando o crescimento durante a puberda-

54 Faculdade Christus
Capítulo 3

de e o estradiol que age nos ossos levando ao A androgenioterapia está indicada na


fechamento das epífises. pós-menopausa, pois nessa época há uma que-
da na circulação total. Apresenta como benefí-
A testosterona e a diidrotestosterona
cios a melhora da libido, diminuição da depres-
agem por meio da ligação com o receptor de
são, melhora o humor, diminui a perda óssea e
androgênio e o estradiol liga-se ao receptor de
pode ser usado na distrofia vulvar.
estrogênio. A testosterona apresenta metabo-
lismo principalmente hepático, como o estróge- São contraindicados nas dislipidemias,
no, devendo ser modificada para administração, em pacientes com risco aumentado de câncer
pois possui meia-vida muito curta. Existem tan- de mama, no câncer de mama, hipotireoidismo
to preparações oral e parenteral. e disfunção hepática.

INDICADOR TERAPÊUTICO
Patologia Droga e posologia
Metronidazol VO 500mg a cada 12 h durante 7 dias (recomendada na gravidez).
Metronidazol a 0.75% via intravaginal, aplicador cheio (5g), 1 vez ao dia durante 5 dias.
Vaginose bacteriana Clindamicina VO 300mg a cada 12 h durante 7 dias (recomendada na gravidez).
Creme de clindamicina a 2% via intravaginal, aplicador cheio (5g), ao deitar, durante 7
dias
Metronidazol VO 2g em dose única (categoria B para gestação)
Tricomoníase
Tinidazol VO 2g em dose única (categoria C para gestação)
Ceftriaxona IM 125mg dose única
Cefexima VO 400mg dose única
Ciprofloxacina VO 500mg dose única ou Ofloxacina VO 400mg dose única ou Levoflo-
Gonococia
xacina VO 250mg dose única (contraindicados na gravidez)
Gestantes que não tolerem cefalosporinas devem ser tratadas com Espectinomicina IM
2g dose única
Infecção por Chlamydia Doxiciclina VO 100mg a cada 12hs por 7 dias (contraindicada na gravidez)
trachomatis Azitromicina VO 1g dose única
Penicilina benzatina IM 2,4 mi UI dose única (sendo 1,2 mi UI em cada nádega)
Sífilis primária, secundária Doxiciclina VO a cada 12h por 14 dias (contraindicada na gravidez)
e latente recente Tetraciclina VO a cada 6h por 14 dias (contraindicada na gravidez)
Gestantes alérgicas à penicilina devem ser dessensibilizadas e tratadas com penicilina
Penicilina benzatina IM 2, 4 mi UI por semana durante 3 semanas
Sífilis latente tardia e sífilis Doxiciclina VO a cada 12h por 28 dias (contraindicada na gravidez)
terciária Tetraciclina VO a cada 6h por 28 dias (contraindicada na gravidez)
Gestantes alérgicas à penicilina devem ser dessensibilizadas e tratadas com penicilina
Penicilina cristalina EV 18 a 24 mi UI por dia, sendo administrado por infusão contínua
ou 3 a 4 mi UI a cada 4 h, durante 10 a 14 dias
Penicilina procaína IM 2,4 mi UI uma vez ao dia mais probenecida VO a cada 6 horas,
Neurossífilis
ambos por 10-14 dias
Ceftriaxone EV ou IM 2g uma vez ao dia por 10-14 dias
Gestantes alérgicas à penicilina devem ser dessensibilizadas e tratadas com penicilina
Azitromicina VO 1g dose única
Ceftriaxona IM 250mg dose única
Cancro mole
Ciprofloxacina VO 500mg a cada 12 h durante 3 dias (contraindicada na gravidez)
Eritromicina VO 500mg a cada 8 h durante 7 dias
Doxicilina VO 100mg a cada 12 h durante 21 dias (contraindicada na gravidez)
Linfogranuloma venéreo
Eritromicina VO 500mg a cada 6 h durante 21 dias (droga de escolha na gravidez)
Doxicilina VO 100mg a cada 12 h pelo menos por 21 dias (contraindicada durante
gravidez)
Ciprofloxacina 750mg ou Sulfametoxazol-trimetropim VO 800/160mg a cada 12 h por
Donovanose pelo menos 21 dias (contraindicadas na gravidez)
Azitromicina VO 1g uma vez por/semana por pelo menos 3 semanas
Eritromicina base VO 500mg a cada 6 h por pelo menos 21 dias (droga de escolha na
gestação)

Faculdade Christus 55
Capítulo 3

D- Referências Bibliográficas PHILIPS, M.A.; STANLEY JR., S.L. Quimioterapia das


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56 Faculdade Christus
Capítulo 4
CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO E
O EIXO NEUROENDÓCRINO
João Marcos de Meneses e Silva
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Luana Pontes Vasconcelos Lima
Sara Lourinho Firmino

A- PROBLEMA se exacerba o período de crescimento e desen-


volvimento, que sofre influências genéticas, am-
M.A.G. procura ambulatório de ginecolo- bientais, nutricionais, hormonais, sociais e cul-
gia, acompanhada de sua filha Clara de 11 anos turais. A interação constante entre esses fatores
de idade, preocupada com o seu desenvolvi- resulta no crescimento.
mento e crescimento da criança e querendo sa-
ber quando sua filha ficará “moça”. Refere não Puberdade é o processo de maturidade
ter experiência em meninas porque seus outros biológica inserido na adolescência, correspon-
dois filhos são homens. Ao exame físico, cons- dendo ao período no qual ocorre a maturação
tatou-se desenvolvimento puberal pelos crité- sexual, que é o processo que envolve o desen-
rios de Tanner, M3 P2 e altura compatível com a volvimento das características sexuais primárias,
idade e com a genética familiar. IMC igual a 20,8 que estão relacionadas diretamente com a re-
kg/m². Como orientar a mãe sobre sua filha? produção. No entanto, os estudos da matura-
ção sexual concentram-se nas características
sexuais secundárias (ligadas ao dimorfismo se-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM xual externo) devido à impossibilidade de per-
cepção visual das características sexuais primá-
1. Descrever a idade e a ordem de apareci- rias (desenvolvimento interno de ovários, útero
mento dos caracteres sexuais secundários. e vagina).
2. Conhecer o funcionamento do eixo neuro-
A genética é o principal determinante
endócrino e como interferem no desenvol-
do início da puberdade. No entanto, para que
vimento e amadurecimento da puberdade.
os adolescentes possam alcançar o máximo de
3. Listar orientações básicas sobre o acompa-
seu potencial genético, é fundamental o favore-
nhamento da paciente na infância e na ado-
cimento dos fatores ambientais. Outros fatores
lescência.
tais como nutrição, saúde geral, localização ge-
ográfica, exposição à luz e fatores psicológicos
C- ABORDAGEM TEMÁTICA também influenciam a idade de início e a veloci-
dade de progressão da puberdade. Cita-se como
1. Informação sobre a Idade do Apare- exemplo de influência genética, situação em que
cimento dos Caracteres Sexuais Se- as crianças com história familiar de ocorrência
cundários precoce da puberdade, apresentam seu processo
de puberdade mais cedo. Crianças que moram
A adolescência, uma fase de transição
perto da linha do Equador, em baixas altitudes
gradual entre a infância e a idade adulta, é ca-
e em áreas urbanas tendem a iniciar a puberda-
racterizada por profundas transformações so-
de mais cedo do que aquelas que moram em
máticas, psicológicas e sociais. É a fase em que
latitude norte, grandes altitudes e zonas rurais,
Capítulo 4

evidenciando aí a influência da localização geo- ƒƒ Estágio I: discreta elevação da papila.


gráfica. A obesidade infantil também é um deter- ƒƒ Estágio II: elevação da mama e papila sob a
minante da puberdade precoce. forma de um montículo. Diâmetro da aréola
aumentado. Média de idade: 9,8 anos.
A puberdade tem como sequência de
ƒƒ Estágio III: aumento da mama e da aréola,
acontecimentos o estirão de crescimento, telarca,
sem separação de seus contornos. Média de
pubarca e menarca. As características sexuais se-
idade: 11,2 anos.
cundárias ocorrem um pouco mais cedo em me-
ƒƒ Estágio IV: crescimento da mama e da aréo-
ninas da raça negra do que nas de raça branca.
la, com a formação de saliência entre ambas.
Na maioria das vezes, o primeiro sinal da Média de idade: 12,1 anos.
puberdade é a aceleração do crescimento. O ƒƒ Estágio V: mama adulta, com aréola incorpo-
crescimento estatural é um processo que não rada ao contorno da mama. Média de idade
ocorre de forma linear ao longo da vida, pois 14,6 anos.
apresenta fases de aceleração e desaceleração.
Fatores familiares são importantes determi- Depois do broto mamário, a adrenarca,
nantes no ritmo de crescimento, na maturação crescimento dos pelos púbicos e axilares ocor-
esquelética e no momento da maturação e de- re devido a uma produção aumentada de an-
senvolvimento sexual. A estatura final de uma drogênios suprarrenais. Em geral, aparece em
pessoa depende da estatura dos pais e sua esti- média aos 10,5 anos através da pubarca, com o
mativa segue a regra: aparecimento dos pelos axilares dois anos de-
ƒƒ Meninas: (estatura paterna – 13) + estatura pois. Em aproximadamente 20% das crianças, o
materna, dividida por dois, +/- 8,5cm. aparecimento de pelos pubianos é o primeiro
ƒƒ Meninos: estatura paterna + (estatura mater- sinal da puberdade.
na + 13), dividida por dois, +/- 8,5cm. O período médio entre os estágios ini-
ciais de desenvolvimento das mamas (M2) e pe-
O estirão de crescimento no sexo femi- los pubianos (P2) e o estágio adulto é de três a
nino ocorre dois anos mais cedo que no sexo quatro anos nas meninas.
masculino, e em 1 ano sua velocidade de cres- O desenvolvimento dos pelos pubianos
cimento duplica proporcionando um incremento também foi documentado no trabalho de Tan-
de altura entre 6 e 11cm. Geralmente, a menina ner e Marshall (1969) e serve como parâmetro
atinge esse pico de crescimento aos 11,4 anos; no acompanhamento clínico:
em média cerca de dois anos após o brotamento
ƒƒ Estágio I: ausência de pelos púbicos.
mamário e 1 ano antes da menarca. No entanto,
ƒƒ Estágio II: pelos pigmentados, longos, escas-
o pico de velocidade de crescimento no sexo fe-
sos, principalmente nos grandes lábios. Média
minino é menor que no masculino, o que confere
de idade 10,5 anos.
cerca de 13cm de diferença entre a estatura final
ƒƒ Estágio III: pelos escuros, crespos esparsa-
do adulto jovem feminino e a do masculino.
mente localizados no monte pubiano. Média
Após a menarca, existe uma desacelera- de idade 11,4 anos.
ção do ritmo de crescimento, sendo o ganho ƒƒ Estágio IV: pelos do tipo adulto, abundantes, po-
máximo estatural de 6cm. O desenvolvimento rém limitados ao monte. Média de idade 12 anos.
mamário, conceituado de telarca, que ocor- ƒƒ Estágio V: tipo adulto espalhado na sínfise, perí-
re em uma média de idade de 9,8 anos, segue neo e raiz das coxas. Média de idade 13,7 anos.
uma sequência de eventos bem reconhecida.
Primeiro, observa-se o aumento e a elevação
Os dados nacionais evidenciam conside-
dos mamilos e aréola, depois ocorre a elevação
rável variabilidade quanto à idade da menarca,
da mama pela formação do monte mamário, a
variando de 12,2 anos a 13,98 anos, dependen-
formação do monte secundário pela aréola e
do da localização geográfica das meninas. Esta
formação dos contornos adultos aos 14,6 anos
variabilidade está possivelmente relacionada a
em média.
fatores ambientais (clima, relevo geográfico),
Marshall e Tanner (1969) estudaram mui- genéticos, sociais (nutrição, nível sócioeconô-
to bem essa sequência de desenvolvimento na mico, número de filhos na família), treinamento
década de 60 e ainda hoje é muito usada no físico, entre outros.
acompanhamento da puberdade:

58 Faculdade Christus
Capítulo 4

A tendência de redução da idade de me- Por ocasião da secreção dos esteroides


narca é um fenômeno universal que vem sendo sexuais pelo ovário, o FSH e o LH atuam sobre
observado há quase 150 anos tanto em países as membranas das células dos compartimentos
desenvolvidos como naqueles em desenvol- folicular e luteal. Sob o estímulo do LH, o teci-
vimento. Chamado de tendência secular, este do tecal passa a secretar andrógenos, que, ao
fenômeno parece dever-se a melhorias nas con- se transferir das células da teca interna para as
dições sanitárias, alimentares e habitacionais, células da camada granulosa, sofrem conversão
bem como ao controle mais efetivo de doenças. em estrógenos. O composto básico para a sín-
tese de esteroides sexuais é o LDL-colesterol, o
O marco endócrino final da puberdade
qual é produzido pelas células do folículo e do
é o desenvolvimento do feedback positivo do
corpo luteal, assim como outra parte é incor-
estrógeno sobre a hipófise e o hipotálamo, que
porada da circulação sanguínea. Inicialmente,
estimula o surgimento do pico de LH no meio
o colesterol sofre conversão em pregnenolona,
do ciclo, requisito para ovulação. Até 12 a 18
que, através da via delta-5, é responsável pela
meses após a menarca, as menstruações são
formação da 17-hidroxipregnenolona media-
anovulatórias, mas é comum para 25-50% das
da pela ação da enzima 17-α-hidroxilase. Já a
adolescentes ainda serem anovulatórias quatro
pregnenolona, através da via delta-4, vai dar
anos após a primeira menstruação.
origem à progesterona, sob a ação das enzimas
3-β-ol-deidrogenase e delta-4,5-isomerase. As
2. Desenvolvimento e Amadurecimento duas vias darão origem à androstenediona, que
é precursora da testosterona e da estrona. O
do Eixo Neuroendócrino
estradiol resulta tanto da conversão da testos-
A liberação das gonadotrofinas hipofi- terona como da estrona. (Figura 1)
sárias ocorre somente quando a secreção do
GnRH é pulsátil, comandada por pulso gerador
localizado na porção médio-basal do hipotála-
mo. O início da forma pulsátil de liberação das
gonadotrofinas acontece pouco antes do de-
sencadeamento da puberdade. Inicia-se com
pulsos significativos somente durante o sono,
passando à regularidade durante o sono e a
vigília. Por meio desses sinais, assim como de
outros sinais do SNC, pode ser modificada a se-
creção de GnRH por meio de neurotransmisso-
res, como dopamina, norepinefrina, endorfina,
serotonina e melatonina. Devido ao estímulo Figura 1 - Representação esquemática da esteroidogê-
do GnRH, a hipófise secreta duas variedades de nese adrenal e ovariana.
gonadotrofinas, o hormônio folículo estimulan-
te (FSH) e o hormônio luteinizante (LH).
Os produtos secretados pelo ovário exer-
Durante o ciclo menstrual, tanto a libe- cem feedback em nível do hipotálamo e da hi-
ração quanto a secreção das gonadotrofinas pófise, modulando a frequência e a amplitude
hipofisárias dependem da modulação exercida da liberação do GnRH, e a secreção e liberação
pelos esteroides sexuais e da ação da ativina e de LH e FSH em resposta aos pulsos do GnRH.
da inibina. O estradiol atua no estímulo ao au-
A ativação do eixo hipotálamo, hipófise e
mento da concentração de receptores de GnRH
ovário é o que promove o início da puberdade.
nos gonadotropos, além de estimular a secre-
Etapa caracterizada pelo conjunto de alterações
ção de LH e de FSH. A progesterona é incapaz
corporais que ocorrem no indivíduo em cres-
de interferir na secreção de LH quando atua iso-
cimento e desenvolvimento; quando a criança
ladamente, mas, associada ao estradiol, exerce
sexualmente imatura começa a apresentar ca-
efeito estimulante na secreção desse hormônio.
racteres sexuais secundários, que se desenvol-
Já em relação ao FSH, a progesterona estimula a
vem pela crescente ação hormonal, até adquirir
secreção, seja isoladamente ou combinada com
o completo amadurecimento sexual, caracterís-
o estradiol.
tico da fase adulta.

Faculdade Christus 59
Capítulo 4

Entretanto, a atividade do eixo neuroen- Logo, em consequência do reinício da


dócrino existe desde a vida intrauterina, quando liberação das gonadotrofinas hipofisárias, os
se detectam níveis de GnRH sintetizados pelo hi- ovários respondem com sua produção hormo-
potálamo a partir da sexta semana do desenvol- nal diretamente responsável pelas mudanças
vimento embrionário, com aumento significativo físicas da puberdade, pelo feedback positivo da
a partir da décima semana. Pela ação do GnRH, liberação das gonadotrofinas e pelo aumento
a hipófise fetal é capaz de secretar FSH em níveis dos níveis de seus próprios hormônios.
crescente até a 20ª semana de vida intrauterina,
Posteriormente, após o amadurecimento
caindo progressivamente e mantendo-se em ní-
funcional do eixo hipotálamo-hipófise-ovário e da
veis estacionários até o final da gravidez. A hipó-
ovulação, há perda da secreção noturna diferen-
fise, ainda, sintetiza LH a partir da 10ª semana,
ciada do LH, cerca de um ano após a menarca.
mantendo-se até a 15ª semana, momento em
Associado à maturação puberal, ocorre a secreção
que começa a cair, atingindo níveis estacionários
dos hormônios adrenais, responsáveis pelo surgi-
durante o restante da gestação.
mento dos pêlos pubianos e axilares. Tal produção
A queda nos níveis de gonadotrofinas continua aumentando até a idade de 13-15 anos.
fetais deve-se, provavelmente, ao amadureci-
mento de um mecanismo de feedback negativo,
através do qual os estrogênios maternos, circu- 3. Orientação e Acompanhamento da
lantes no feto, inibiriam a atividade do hipotála- Paciente na Infância e Adolescência
mo e da hipófise fetais.
O médico que atender a criança ou a ado-
O recém-nascido, pela separação com a lescente, seja ele pediatra ou ginecologista, de-
fonte materna de estrogênio, em torno do 5º verá saber criar uma condição favorável para o
dia após o nascimento, apresenta um aumento exame ginecológico, junto à paciente e a seus
de FSH e LH que se mantém por, aproximada- acompanhantes, enfatizando a importância e a
mente, três meses. Nas meninas, como resulta- necessidade do acompanhamento ginecológico
do da maior elevação de FSH, há uma secreção desde a mais tenra idade. Dessa forma, na ado-
aumentada de estradiol, que pode permanecer lescência, a menina receberá com naturalidade
até os 2-4 anos de idade, quando atinge níveis as modificações de seu corpo como parte natural
muito baixos, mantendo-se até os 6-8 anos. Tais do processo de amadurecimento e desenvolverá
períodos são chamados, respectivamente, de maior responsabilidade por sua própria saúde.
hipergonadotrófico e hipogonadotrófico.
As baixas secreções de LH e FSH são man-
tidas até o período pré-puberal por dois meca- D- Referências Bibliográficas
nismos: o hipotálamo e a hipófise são sensíveis BERGMANN, G. G.; GARLIPP, D. C.; SILVA, G. M.
aos baixos níveis de estrogênios (por feedback G.; GAYA, A. Crescimento somático de crianças
negativo), além de uma inibição central, que re- e adolescentes brasileiros. Rev Bras Saúde
duz as concentrações basais de gonadotrofinas Matern Infant., Recife, v.9, n.1, p.85-93, jan./
e limita a resposta ao GnRH. Por volta dos oito mar., 2009.
anos, começa o aumento do GnRH, principal-
mente, durante o sono, levando ao aumento da DUARTE, M. F. S. Maturação Física: Uma Revisão
secreção hipofisária de FSH e LH. da Literatura, com Especial Atenção à Criança
Brasileira. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9
O ressurgimento da atividade do eixo hi-
(supplement 1) p. 71-84, 1993.
potálamo-hipófise-ovário, provavelmente, tem
como responsáveis os estímulos provenientes GATTI, R. R.; RIBEIRO, R. P. P. Prevalência de ex-
do sistema nervoso central. O GnRH produzido cesso de peso em adolescentes segundo a ma-
no hipotálamo estimula a síntese das gonado- turação sexual. Revista Salus-Guarapuava - PR.
trofinas da hipófise a agirem promovendo a ati- jul./dez. 2007; 1(2): 175-182.
vidade ovariana. Dependendo dos seus níveis, os
esteroides ovarianos podem estimular ou inibir MARIATH, A.B. et al. Prevalência de anemia e
a atividade do eixo hipotálamo-hipófise. Já as níveis séricos de hemoglobina em adolescen-
secreções hipofisárias controlam a secreção de tes segundo estágio de maturidade sexual. Rev
GnRH, levando à auto-regulação do hipotálamo. Bras Epidemiol. Balneário Camboriú, SC. v. 9,
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60 Faculdade Christus
Capítulo 4

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Faculdade Christus 61
Capítulo 5
ENDOCRINOLOGIA DO
CICLO MENSTRUAL Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Liana Capelo Costa
Luis Gustavo Lucena Augusto Lima

A- PROBLEMA logia que aclararam a obscuridade de conceitos


reinantes. O progresso dos estudos histológicos
M.P.S., levou sua filha A.M.S, 12 anos, ao trouxe conhecimentos científicos embasados
ambulatório de ginecologia porque ela teve a sobre as gônadas e sobre o endométrio.
sua primeira menstruação havia 7 meses e o ci-
clo menstrual estava muito irregular. No primei- Segundo Camargo et al, o conhecimen-
ro mês, sangrou 2 dias em pequena quantidade; to da fisiologia do ciclo menstrual e de todas
depois passou 2 meses sem menstruar e no 4o as suas interações no organismo feminino é
mês, o fluxo menstrual foi de 3 dias e depois de suma importância, uma vez que as patolo-
não mais menstruou. Preocupada, a mãe per- gias decorrentes das alterações desse proces-
guntou ao médico se havia algo de errado e se so constituem-se em uma das causas mais fre-
a menina menstruara muito cedo, pois ela tivera quentes de queixa em nossos ambulatórios.
a sua menarca aos 14 anos. Exame físico e gine- Para Halbe et al, na mulher, o controle
cológico: sem alterações. neuroendócrino do sistema reprodutor é reali-
zado pelos ovários; por isso, os ovários são de-
nominados “relógio pélvico” em contraposição
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ao “relógio hipotalâmico” dos roedores e dos
animais de reprodução.
1. Conhecer a fisiologia endócrina do ciclo
menstrual. O relógio pélvico, representado pelo sis-
2. Interpretar as alterações menstruais segun- tema tecagranulosa dos folículos em desenvol-
do as disfunções endócrinas vimento e depois da ovulação pelo corpo lúteo,
3. Refletir sobre as alterações endócrinas nas que realizam a esteroidogênese, é modulado
várias fazer da vida da mulher. pela unidade hipotálamo-hipofisária. A comu-
nicação entre o relógio e a unidade é feita por
meio dos hormônios, cuja produção é regulada
C- ABORDAGEM TEMÁTICA pelos mecanismos de retroação.
1. Introdução Esse eixo hipotálamo-hipófise-ovário é
considerado a “espinha dorsal” que controla as
Segundo Giordano, a menstruação é fe-
funções endócrinas na mulher, em especial as
nômeno essencialmente ligado à vida repro-
reprodutivas. No controle dessas ações, existem
dutiva da mulher. O fluxo menstrual sempre
outras “influências” não menos importantes,
ocupou lugar proeminente de pesquisa para
mas que agem como fatores coadjuvantes. O
estudiosos que se interessaram em desvendar-
conhecimento sobre as funções endócrinas da
-lhe os mistérios. No início do nosso século,
mulher surgiu de maneira lenta e progressiva.
surgiram novos conhecimentos de endocrino-
Segundo Giordano et al, sumariamente, Harris,
Capítulo 5

em 1955, anteviu a influência de todo o SNC ƒƒ Catecolestrogênios, esteroides com ação no


no controle das atividades endócrinas: “É ób- SNC. Considerada a substância “tampão” do
vio que o SNC é largamente responsável pela SNC. A enzima monoamina oxidase (MAO)
inter-relação da atividade endócrina em outros degrada catecolaminas e catecolestrogênios;
sistemas orgânicos que demandem adaptações há, porém, o tropismo para os catecolestrogê-
devidas a mudanças no meio externo e interno.” nios, preservando-se as catecolaminas e ade-
quada atividade do SNC. Com a queda dos
Segundo Olive, a série de eventos, cuida-
níveis circulantes de catecolestrogênios, há
dosamente orquestrados, que contribui para o
maior degradação de catecolaminas.
ciclo menstrual ovulatório normal, requer pre-
ƒƒ Melatonina, hormônio que influencia negati-
cisão do momento e do controle de estímulos
vamente a síntese e a liberação de GnRH e das
hormonais do SNC, da hipófise e do ovário. Este
gonadotrofinas; age em nível de hipotálamo.
processo, mantido por delicado equilíbrio, pode
Seus níveis circulantes flutuam durante o ciclo
ser perturbado com facilidade e prejudicar a re-
menstrual; são baixos no período ovulatório
produção, o que é um grande problema clínico
e elevam-se durante a menstruação. Segun-
enfrentado por ginecologistas. Por esse motivo,
do Giordano, é bem conhecido que os níveis
é de grande importância que esse profissional
circulantes de melatonina são mais elevados
conheça a fisiologia normal do ciclo menstru-
na infância, caindo de modo progressivo na
al, as estruturas anatômicas e os componentes
proximidade da puberdade.
hormonais; as interações entre os dois têm papel
ƒƒ Leptina, hormônio com minuciosas e relevan-
fundamental na função do sistema reprodutivo.
tes funções em reprodução, hematopoiese,
Para que se entenda melhor toda essa reações inflamatórias, angiogênese e siste-
dinâmica, é importante que sejam abordados ma imunológico. Algumas substâncias como
alguns dados básicos: estrogênios, a insulina e os glicocorticoides,
elevam a síntese e a liberação de leptina pelos
adipócitos. No hipotálamo, ela acelera a sín-
XX Sistema nervoso central (SNC) tese de GnRH, ação possivelmente mediada
Exerce influência sobre as funções somá- pelo GABA e pelo neuropeptídio Y. Níveis bai-
ticas e endócrinas de nosso corpo, as quais são xos têm efeitos negativos no eixo HHO.
exercidas com síntese e liberação de numerosas ƒƒ Adiponectina, hormônio segregado pelos adi-
substâncias: neuroaminas cerebrais, hormônio, pócitos, importante na homeostase orgânica
substâncias com tropismo para o SNC. A dopa- e na reprodução. Parece ter relação inversa
mina, a norepinefrina, a serotonina, o ácido ga- com a insulina. Níveis elevados de insulina são
ma-aminobutírico (GABA), a histamina, a acetil- acompanhados de queda na concentração
-colina, as endorfinas e encefalinas, o polipeptídio plasmática de adiponectina com retrocontrole
vasoativo intestinal (VIP), as colecistocininas e a inadequado no eixo HHO.
substância P são algumas dessas substâncias. A ƒƒ Resistina, hormônio também segregado pelos
dopamina, a norepinefrina e o GABA, com ação adipócitos; controla diversas funções orgâni-
hipotalâmica, influenciam positivamente a libera- cas. Níveis elevados aumentam a resistência à
ção de gonadotrofinas. Já a serotonina a influen- insulina com elevação desse hormônio e, tam-
cia negativamente. A elevação dos níveis circu- bém, retrocontrole inadequado no eixo HHO.
lantes de endorfinas inibe a síntese e a liberação
das gonadotrofinas. É o que se verifica em atletas
com níveis aumentados desses opioides, diminui- XX Hipotálamo
ção da massa gorda e aparecimento de anovula- Pequena área diencefálica de grande im-
ção, irregularidade menstrual e até amenorreia. portância no controle de funções somáticas e
O AMPc (monofosfato cíclico de adenosina), as reprodutivas. É constituído por corpos celulares
prostaglandinas e os íons são importantes na ho- classicamente reunidos em núcleos com cone-
meostase do SNC. O ácido araquidônico (precur- xões mútuas e com todo o cérebro. Entre os vá-
sor das prostaglandinas) e derivados favorecem a rios núcleos, pode-se ressaltar: pré-optico, su-
secreção do GnRH (hormônio liberador de gona- praquiasmático, paraventriculares, arqueado e
dotrofina) hipotalâmico e das gonadotrofinas. eminência média. Segundo Giordano, em 1977,
Shally identificou no hipotálamo o GnRH, deca-
Outras substâncias com ação no SNC e peptídio importante no controle e na liberação
que também devem ser lembradas: das gonadotrofinas hipofisárias. A circulação

64 Faculdade Christus
Capítulo 5

porta-hipofisária faculta o livre trânsito desse maturação folicular é perturbada, ou no ovário


peptídio entre o hipotálamo e a hipófise com pós-menopausa, que o estroma ovariano assu-
retrocontrole mútuo. me importância como fonte de esteroides ca-
pazes de provocar manifestações androgênicas
detectáveis.
XX Hipófise
É importante que sempre seja lembrado
A adeno-hipófise controla a atividade de
que o ovário é um órgão dinâmico, que nunca se
todas as glândulas endócrinas e tem influência
encontra em repouso absoluto. Desde a 20a se-
em todo o metabolismo orgânico. Sintetiza e
mana de vida intrauterina até a pós-menopausa
libera hormônios glicoprotéicos (FSH, LH, hor-
tardia, ele apresenta sinais de intensa e ininter-
mônio tireoestimulante [TSH] e polipeptídios
rupta atividade; haverá sempre centenas de folí-
(hormônio adenocorticotrófico [ACTH], hormô-
culos em processo de maturação parcial e outros
nio estimulante de melanócitos [MSH], hormô-
tantos em regressão. Ao nascimento, cada ovário
nio de crescimento [GH], prolactina [PRL]). Toda
tem em média de 266.000 a 472.000 folículos; da
a atividade hipofisária está correlacionada com
população folicular inicial, somente cerca de 400
a conexão vascular e com o hipotálamo.
folículos serão destinados a atingir a maturação
completa e a subsequente ovulação.
XX Ovários Após esses breves lembretes pode-se dizer
Podem ser divididos anatomicamente em que duas importantes funções estão vinculadas à
3 regiões: córtex, medula e hilo. A região corti- atividade ovariana: foliculogênese e esteroidogê-
cal é revestida em sua superfície por um epité- nese. A primeira relaciona-se com o crescimento
lio composto por uma única camada de células e a maturação folicular e a segunda, direciona-se
cubóides, denominado epitélio germinativo, à síntese de esteroides ovarianos.
que se encontra assentado sobre a túnica albu-
O eixo hipotálamo-hipófise torna-se fun-
gínea; é deste epitélio que se originam as célu-
cionalmente ativo durante o 2º trimestre da
las da granulosa. Disseminados no estroma do
gestação, possibilitando a secreção das gona-
córtex, que é formado por tecido conjuntivo e
dotrofinas fetais sob o comando do GnRH. O
células intersticiais derivadas do mesênquima
feedback negativo dos esteroides sexuais sobre
embrionário, encontram-se os folículos ovaria-
o hipotálamo torna-se operante próximo ao
nos. A medula ocupa a área central da gônada;
termo da gestação, causando a diminuição da
ela fornece as células insterticiais que se dife-
secreção das gonadotrofinas. Durante a infân-
renciarão em células da teca interna dos folícu-
cia, apesar de ocorrer uma secreção noturna
los. O hilo é a região em que o ovário se liga ao
pulsátil, de baixa amplitude e baixa frequência,
mesovário.
de gonadotrofinas, as concentrações séricas de
Do ponto de vista funcional, o ovário FSH não são suficientes para sustentar o desen-
pode ser dividido em 3 compartimentos distin- volvimento além desse estágio, e esses folículos
tos: o folicular, cujo principal produto de secre- são fadados à atresia. Por ocasião da puberdade,
ção é o estrogênio; o corpo lúteo, cujo princi- a remoção de um fator de restrição sobre o sis-
pal produto é a progesterona e o estroma, de tema nervoso central possibilita a completa re-
onde se originam os androgênios. Esse último ativação do gerador pulsátil do GnRH. À medida
compartilha com o folículo e o corpo amarelo que a puberdade progride, a amplitude da pul-
suas atividades esteroidogênicas, mostrando satilidade das gonadotrofinas e a produção dos
tratar-se de tecido especializado complexo e hormônios esteroides aumentam, resultando no
produtor de androgênios, que são utilizados avanço da maturação folicular. Antes de ocorrer
como substratos para eventual conversão em a 1a ovulação, a hipófise terá que desenvolver
estrogênios, mediante a atuação das aromata- a habilidade de responder ao pico de estradiol
ses. Segundo Machado, a atividade secretora circulante. Isto requer uma diminuição na sensi-
do estroma ovariano durante os ciclos ovulató- bilidade do sistema de feedback negativo para
rios normais, é desprovida de significância clí- o LH, possibilitando que os níveis de GnRH e LH
nica perceptível, pela predominância das ações se elevem, em vez de caírem, em reposta aos
estrogênicas na fase folicular e da associação níveis crescentes de estradiol. Assim, o estradiol
estrogênio-progesterona na fase luteínica. É, exercerá sempre um feedback negativo sobre o
contudo, nos distúrbios anovulatórios, onde a FSH, mas condiciona uma ação bifásica em rela-

Faculdade Christus 65
Capítulo 5

ção ao LH, ou seja, negativo em baixos níveis e negativo sobre a hipófise e pode ser crucial para
positivo em níveis elevados. O desenvolvimento o desenvolvimento monofolicular.
dessa resposta positiva sinaliza a maturação do
Passados o período pré-natal e a infân-
eixo córtex-hipotálamo-hipófise-ovário.
cia, em que a atividade ovariana é pontuada
pela redução do número de folículos através da
apoptose, o ovário da adolescente responde ao
XX Foliculogênese e esteroidogênese
estímulo inicial do FSH por meio do crescimen-
Giordano divide didaticamente, o ciclo ova-
to de um número pequeno de folículos antrais
riano em três fases: folicular, ovulatória e lútea.
que escaparam da atresia apoptórica. Poucos
ƒƒ Fase folicular folículos pré-antrais eventualmente alcançam o
Segundo Machado, a maturação comple- estágio pré-ovulatório e ovulam em resposta ao
ta de um folículo primordial leva pelo menos pico pré-ovulatório do LH.
85 dias; sob influencia do FSH, há crescimen-
Sabe-se hoje que o LH (com outros hor-
to e maturação dos folículos ovarianos. O início
mônios e proteinas) estimula, nas células da
do crescimento folicular ocorre continuamente,
teca a síntese e a liberação de androgênios (ba-
e os folículos são selecionados aleatoriamen-
sicamente androstenodiona e testosterona). Es-
te. O primeiro estágio da fase de crescimento
tes últimos transitam por difusão para as células
envolve o aumento no tamanho do oócito e
da granulosa contíguas, onde serão aromatiza-
a proliferação das camadas de células da gra-
dos (ação da enzima aromatase). Surge, então,
nulosa que o envolvem, para formar o folícu-
o conceito de dupla célula ovariana (síntese de
lo primário. Após desenvolver seu suprimento
androgênios na teca e transformação em estro-
sanguíneo próprio, o estroma perifolicular se
gênios nas células da granulosa)
diferencia, formando a camada da teca interna.
Este estágio de desenvolvimento, denominado Também, de maneira didática, divide-se a
folículo secundário, é ainda caracterizado pela fase folicular em inicial (dias 1 a 4), média (dias
expressão dos receptores para o LH nas célu- 5 a 9) e tardia (dia 10 até a ovulação). A duração
las da teca interna. As células da granulosa, por média da fase folicular humana varia de 10 a
sua vez, começam a expressar receptores para 14 dias, e a variabilidade nesta duração é res-
o FSH quando inicia a formação da cavidade ponsável pela maioria das variações na duração
antral. Apesar de o crescimento inicial do folí- total do ciclo.
culo ser regulado independente da estimulação
gonadotrófica, os estágios finais do desenvol-
vimento são FSH-dependentes. Somente nos ƒƒ Fase ovulatória
estágios mais avançados de desenvolvimento É de conhecimento universal que índice
folicular é que as células da granulosa tornam- inferior a 0,1% das células germinativas pre-
-se sensíveis ao FSH. sentes nos ovários consegue alcançar o pleno
desenvolvimento e, na idade adulta, é extruído
Evidencia-se que, com a secreção aumen-
pelo fenômeno ovulatório.
tada de FSH nesta fase, ocorre o desenvolvi-
mento de vários folículos, mas acredita-se que Segundo Machado, a ovulação constitui
o mais bem aquinhoado com receptores de FSH o epifenômeno da fisiologia reprodutiva e tem
seja o predestinado à ovulação e que os 99% como objetivo final a perpetuação da espécie.
restantes sofrerão involução. Em paralelo ao Para que ela aconteça, é necessária uma fun-
amadurecimento folicular, há síntese aumenta- ção ovariana adequada, na qual a ovulação e a
da de estrogênios (atividade esteroidogênica). A secreção de esteroides sexuais ocorram de ma-
diminuição do FSH, coincidindo com a seleção neira regular, pulsátil e finamente sincronizada.
e o desenvolvimento do folículo, pode ser devi- Estes eventos dependerão da presença de uma
do ao efeito de feedback negativo do estradiol população folicular adequada, que obedecerá
sobre o eixo hipotálamo-hipófise. Coadjuvado a estímulos específicos de outros centros que
pela grande elevação de inibina B, observada na integram o chamado eixo córtex-hipotálamo-
fase folicular. Esse rápido aumento da inibina B -hipófise-ovário.
ocorre logo após a elevação do FSH, entre os Este eixo, por sua vez, é modulado e sin-
ciclos. Foi proposto que a inibina B limita a du- cronizado por delicados mecanismos de integra-
ração da elevação do FSH através do feedback ção, que envolvem emoções; neurotransmisso-

66 Faculdade Christus
Capítulo 5

res como dopamina, noradrenalina, serotonina, de clássica denominada insuficiência lútea.


GABA, endorfinas e outros menos importantes;
Não havendo gravidez, há regressão do
fatores liberadores ou inibidores hipotalâmicos,
CA em 12 a 14 dias após a ovulação
como GnRH, TRH, PIF; hormônios hipofisários,
como gonadotrofinas, prolactina, ACTH, TSH, 2. Ciclo Endometrial
GH; insulina, IGF-I e IGF-II; proteínas carreado- O ciclo menstrual humano normal pode
ras tipo SHBG e IGFBP-I; esteroides ovarianos e ser dividido em 2 segmentos: o ciclo ovulató-
da suprarrenal; enzimas específicas que atuam rio (abordado no início desse capítulo) e o ciclo
em cada passo da esteroidogênese; receptores uterino. Este último ainda pode ser subdividido
hormonais; proteínas adaptadoras específicas de nas fases: proliferativa e secretora.
cada tecido, e que atuarão como coativadoras ou
corepressoras nos “fatores de ativação de tran- Segundo Giordano, desde o trabalho
sição” (TAF-I e TAF-2); prostaglandinas; relações original de Noyes et als, em 1950, a datação
intrácrinas, autócrinas e parácrinas mediadas por histológica do endométrio foi considerada o
diversos fatores de crescimento e de transforma- padrão-ouro na identificação de anormalidades
ção; activinas e inibinas; citocinas, além de uma impeditivas de nidação. Eles descreveram as
adequada função hepática e de um peso corpo- alterações histológicas cíclicas do endométrio
ral próximo do ideal, não muito magro, nem mui- humano adulto.
to gordo. “Palavras de Machado (2006): “... veja Durante a vida reprodutiva da mulher, o
na teoria como é complicado ovular”. Na espécie endométrio desenvolve-se e regride de maneira
humana, de modo geral, um só folículo alcança cíclica. A periodicidade do fenômeno ocorre em
pleno desenvolvimento durante o ciclo mens- intervalos de, aproximadamente, 30 dias.
trual e é destinado à ovulação. Este, impede, por
mecanismos endócrinos variados, o desenvolvi- Diversas substâncias foram identificadas,
mento pleno de outros folículos no mesmo ová- segregadas de forma cíclica pelo endométrio,
rio e na gônada contralateral. com ação importantíssima na reprodução e
com repercussões no eixo HHO.
Nível adequado de estrogênio (24 a 36
horas antes da ovulação), superior a 200pg/ O ciclo histológico do endométrio pode
mL, desencadeia elevação do LH, que precede a ser mais bem visto em 2 partes: as glândulas en-
ovulação em 10 a 12 h. Outros elementos coad- dometriais e o estroma adjacente. Os dois ter-
juvam a eclosão folicular: enzimas proteolíticas ços superficiais do endométrio são a zona que
(entre elas, a plasmina) e ação da histamina e prolifera, sendo finalmente eliminada a cada ci-
das prostaglandinas, estas últimas favorecendo clo, se não houver gravidez. Esta porção cíclica
a contração das fibras musculares que circun- do endométrio é conhecida como decídua fun-
dam o folículo à ovulação. cional e é formada por uma zona intermediária
profunda (estrato esponjoso) e uma zona com-
pacta superficial (estrato compacto). A decídua
ƒƒ Fase lútea basal é a região mais profunda do endométrio.
Período desde a ovulação até o início da Não apresenta proliferação mensal significativa,
menstruação, com duração média de 14 dias. De mas é a fonte de segurança endometrial após
modo didático, esta fase subdivide-se em: inicial cada menstruação.
(ovulação até o 20o dia), média (2o ao 24o dia do
ciclo) e tardia (25o até o próximo fluxo menstrual).
ƒƒ Fase proliferativa
Após a liberação do oócito maduro, as Por convenção, o 1o dia de sangramen-
células somáticas do folículo se luteinizam e to vaginal é denominado 1o dia do ciclo mens-
transformam-se no corpo amarelo (ou lúteo). É trual. Após a menstruação, a decídua basal é
a principal fonte de produção de progesterona formada por glândulas primordiais e estroma
nesta fase, e a secreção de LH, nesse período, é escasso e denso em sua localização adjacente
fundamental para a manutenção do hormônio. ao miométrio. A fase proliferativa se caracteriza
O corpo amarelo (CA) é de soberana im- por crescimento mitótico progressivo da decí-
portância para a manutenção da gravidez inicial. dua funcional, no preparo para a implantação
CA defectivo é acompanhado de abortamento do embrião em reposta a níveis circulantes cres-
de repetição, irregularidade menstrual e entida- centes de estrogênio. No início da fase prolife-

Faculdade Christus 67
Capítulo 5

rativa, o endométrio é relativamente fino. (1 a GENUTH, S.M. As glândulas reprodutivas. In:


2mm). Durante a fase proliferativa, o estroma é BERNE, R.M; LEVY, M; KOEPPEN, B.M; STAN-
uma camada compacta densa, e raramente são TON, B.A. Fisiologia. 5.ed. Rio de Janeiro: El-
observadas estruturas vasculares. sevier, 2004.
ƒƒ Fase secretora GIORDANO, G.G.; GIORDANO, M.V.; BRAVO, I.L.;
No ciclo típico de 28 dias, a ovulação GIORDANO, E.B.; SILVA, R.O. Fisiologia sexual
ocorre no 14º dia, em 48 a 72 horas após a Feminina e Funções Endócrinas. In: GIORDANO,
ovulação. O início da secreção de progesterona M.G. Endocrinologia Ginecológica e reprodu-
produz uma modificação do aspecto histológico tiva. Rio de Janeiro: Rubio, 2009. Cap. 3, p.28-38.
do endométrio para a fase secretora, assim de-
nominada devido à nítida presença de produtos HALBE, H.W. et al. Controle neuroendócrino
secretores ricos em proteínas eosinofílicas na do Ciclo Menstrual. In: PINOTTI, J.A.; BARROS,
luz glandular. Ao contrário da fase proliferativa, A.C.S.D. Ginecologia Moderna. Rio de Janeiro:
a fase secretora do ciclo menstrual é caracte- Revinter, 2004. Cap. 18, p.137-46.
rizada pelos efeitos celulares da progesterona
MACHADO, L.V. Os ovários: estrutura anatômica
além do estrogênio.
e fisiológica. In: ______. Endocrinologia Gineco-
Receptores de estrogênio estão presen- lógica. 2.ed. Rio de Janeiro: Med Book, 2006.
tes no endométrio de forma progressiva até a Cap 1, p. 3-14.
ovulação, com declínio após esse evento. Os
receptores de progesterona aparecem na fase MACHADO, L.V. Esteroidogênese. In: ______. En-
proliferativa com elevação marcante no período docrinologia Ginecológica. 2.ed. Rio de Janei-
ovulatório e, em seguida declínio progressivo, à ro: Med Book, 2006. Cap. 2, p.15-23.
semelhança dos receptores de estrogênio. OLIVE, D.L ; PALTER, S.F. Fisiologia Reprodutiva.
In: BEREK, J.S. Tratado de Ginecologia. 14. Ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Cap.
3. Menstruação 7, p.122-39
A desagregação do endométrio acom-
SPRITZER, P.M. et al. Gônadas. In: AIRES, M.M. et
panha a queda nos níveis circulantes dos es-
al. Fisiologia. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara
teroides E e P. Todas as substâncias presentes
Koogan, 2008.
na mucosa uterina desaparecem. Há liberação
de enzimas lisossômicas, catepsina D, de pros- VIEIRA, C.S; SÁ, M.F.S. Endocrinologia do ciclo
taglandinas com isquemia e necrose tecidual. menstrual. In: ALDRIGHI, J.M. Endocrinologia
Surge, então, o fluxo menstrual, precedendo Ginecológia – Aspectos Conteporâneos. 1.ed.
fenômeno de regeneração e crescimento de v.1. São Paulo: Atheneu. 2005.
novo tecido endometrial no ciclo menstrual
que se inicia.
Os ciclos menstruais se sucedem em in-
tervalos regulares de 25 a 35 dias.

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neiro: Medsi, 1998, cap. 4, p.37-49

68 Faculdade Christus
Capítulo 6
A FLORA VAGINAL NORMAL NAS
DIVERSAS FASES DA VIDA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Giovanna Araújo Borges

A- PROBLEMA Fatores que modificam os mecanismos de defesa


do indivíduo (imunodepressão, estresse, drogas)
M.L.S., 29 anos, professora estadual do en- causam um desequilíbrio na microbiota vaginal
sino médio (G2P2A0) procurou o ambulatório de e favorecem infecções por bactérias patogênicas
ginecologia, preocupada porque suas duas filhas, ou pelas próprias bactérias saprófitas.
uma recém-nascida, e a outra de 11 anos, apre-
sentaram “corrimento” vaginal de coloração es- Observando-se a ecologia vaginal, pode-
branquiçada. Refere que a higiene é acompanha- -se constatar a flora endógena de colonização
da por ela e nunca deixou de levar as crianças ao permanente, intermitente e transitória. Essa flora
pediatra. Seu maior receio é porque às vezes tam- pode ser alterada pelo uso de tampões vaginais,
bém tem corrimento e acha que pode ter passado pelo coito, pelo anticoncepcional oral ou geléias
alguma “doença” para as filhas. Durante o exame espermaticidas. Ela possui um número de bac-
ginecológico das meninas, constatou-se: vulva de térias que varia de 105 a 106 por grama de fluxo,
aspecto compatível com a idade e presença de sendo que os anaeróbios aumentam muito nas
fluxo vaginal esbranquiçado e mucóide. infecções chegando a 109-1011/g de fluxo.
A interrelação dos micro-organismos da
flora endógena com patógenos exógenos pode
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ser de sinergismo, antagonismo ou indiferença.
O resultado destas relações determina a extin-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas
ção de algumas das bactérias ou a invasão tis-
2. Conhecer a propedêutica (dados clínicos e
sular e a infecção do hospedeiro.
exames complementares para se chegar ao
diagnóstico) A presença de conteúdo vaginal visível,
3. Compreender a conduta terapêutica sem sintomas ou sinais de inflamação vulvo-
vaginal, ocorre na neonata, geralmente, devi-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA do ao estímulo das glândulas endocervicais e à
transudação do líquido vaginal, secundária aos
A microbiota vaginal normal é um ecossis- estrogênios maternos. No período de desen-
tema dinâmico muito complexo, que pode va- volvimento e maturação genital, sua presença é
riar segundo a idade da mulher e a fase do ciclo devido ao processo fisiológico normal de ama-
menstrual. É dominada pelos lactobacilos (bacilo durecimento do organismo.
de Doederlein). Os lactobacilos são bastonetes
gram-positivos, imóveis e não encapsulados.
Provocam a fermentação do glicogênio celular Recém-nascida
em ácido láctico e contribuem para a manuten- A vagina da recém-nascida é estéril. Nas
ção do pH ácido (cerca de 4) do meio vaginal. primeiras horas de vida, ela é colonizada por
Capítulo 6

uma microbiota mista de bactérias não-patogê- descamação celular pelo estrógeno passam a
nicas. Após, aproximadamente, 48 horas, sob a ser responsáveis pela formação do conteúdo
influência dos hormônios estrogênicos mater- vaginal fisiológico que possui uma coloração
nos, o epitélio vaginal se torna rico em glico- branco-amarelada, não tem odor e seu aspec-
gênio e ocorre a colonização por lactobacilos. to é “mucóide”. Nessa faixa etária, é de suma
Nesse período, pode-se observar a chamada importância orientar e tranquilizar não só a pa-
“leucorréia fisiológica da recém-nata” que ten- ciente como principalmente a genitora ou pes-
de a desaparecer até a 6ª semana de vida; ge- soa responsável, a fim de prevenir tratamentos
ralmente na 3ª ou 4ª semana. Ela é mucóide desnecessários para uma suposta vulvovagi-
e de coloração esbranquiçada e se exterioriza nite. Na pré-púbere, a frequência relativa dos
através do orifício himenal. O epitélio vaginal vários germes da flora vaginal normal é dife-
se apresenta semelhante ao da mulher adulta; rente daquela observada em adolescentes e na
o pH é ácido; permanece entre 4 e 5. O conteú- mulher adulta. Como também, as lesões cervi-
do vaginal é composto de muco endocervical e cais, que frequentemente são responsáveis por
células epiteliais cervicovaginais descamativas. sintomas depois da puberdade, são raras vezes
À medida que os níveis de estrógeno caem, o observadas na infância.
conteúdo vaginal diminui.
Com o aparecimento dos ciclos ovulató-
rios, observam-se variações no conteúdo va-
ginal e na flora, de acordo com as diferentes
Infância
fases do ciclo. A quantidade e o tipo de lac-
Em torno de 1 mês de vida e durante toda tobacilos variam durante o ciclo menstrual. Os
a infância, com o desaparecimento dos estróge- lactobacilos aeróbicos predominam no meio
nos maternos, cessa a produção de glicogênio, do ciclo, e os anaeróbicos, no período pré-
o epitélio vaginal se atrofia, torna-se adelgaça- -menstrual. Durante a menstruação e no pe-
do, desaparecem os lactobacilos e o pH torna- ríodo pós-menstrual, existe grande diversida-
-se alcalino (6 – 7,5). A flora vaginal normal da de de microrganismos, com uma distribuição
menina passa a ser constituída por uma série de equilibrada entre aeróbicos e anaeróbios.
microrganismos (flora polimicrobiana normal)
Zeiguer descreve uma alteração de pH
que são inócuos e permanecem em equilíbrio
ao longo da vagina, sendo este mais alcalino
entre si: difteróides, estreptococos alfa hemo-
no intróito e mais ácido nos fundos-de-saco,
líticos, Escherichia coli, Klebsiella, estafilococos
com exceção do fundo-de-saco posterior, que
coagulase positivo, entre outros. O aspecto pré-
é alcalinizado pelo muco endocervical. A auto-
-puberal da vagina continua até que a produção
ra refere também que essas diferenças de pH
de estrógenos nos ovários se inicie.
levam a variações da flora em suas diferentes
porções, maior desenvolvimento de Mycoplas-
Adolescência / Menacme ma hominis na vagina do que no colo e maior
concentração de Streptococcus agalactiae no
Com a produção de estrógeno, recome- terço inferior da vagina.
ça a síntese de glicogênio, o que torna o meio
favorável à colonização por lactobacilos, que
passarão a ser os principais micro-organismos Climatério
presentes durante todo esse período. O pH
Nessa fase, os níveis de estrogênio vol-
volta a baixar (3,5 – 4,5) e a vagina passa a ser
tam a diminuir e o epitélio vaginal se torna
colonizada também por outros microorganis-
atrófico. O pH do meio vaginal sofre aumento,
mos: difteróides, Micrococcus, Streptococcus
em decorrência da menor liberação de glico-
epidermidis, Streptococcus faecalis, Streptococ-
gênio e da drástica diminuição da população
cus microaerofilus, anaeróbios, ureoplasmas,
de bacilos de Doederlein. A redução da acidez
leveduras e outros.
do meio vaginal favorece o aparecimento de
Após a telarca, o estímulo da produção microrganismos patogênicos.
do muco cervical, da transudação vaginal e da

70 Faculdade Christus
Capítulo 6

D- Referências Bibliográficas
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Buenos Aires, 1996.

Faculdade Christus 71
Capítulo 7
A IMPORTÂNCIA DA CITOLOGIA
ONCÓTICA E SUA INTERPRETAÇÃO
COLPOSCÓPICA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Carla Franco Costa Lima
André Luis Nunes Albano de Meneses

A- PROBLEMA B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM


M.C.L., 48 anos, procurou a assistência 1. Demonstrar a importância da colpocitolo-
médica com queixa de sangramento vaginal gia oncótica
associado à dispareunia e dor no baixo ventre 2. Interpretar os principais laudos da colpoci-
de pequena intensidade há nove meses. Refere tologia oncótica
que o sangramento é de intensidade modera- 3. Listar as indicações de colposcopia
da com aspecto vermelho rutilante misturado 4. Listar aspectos colposcópicos malignos e
a líquido branco e inodoro. Relata nunca ter benignos
feito um exame ginecológico de prevenção,
pois mora no interior do Estado, e lá “nunca
tem médico”. Além disso, afirma que o exame a
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
deixa envergonhada. Preocupada, veio à Forta- Segundo Focchi (2009), o exame citopa-
leza procurar assistência após ter visto propa- tológico, associado aos exames colposcópico e
ganda televisiva informando a importância do anátomo-patológico, é de fundamental impor-
exame ginecológico no rastreamento de doen- tância para o diagnóstico, tratamento e segui-
ças potencialmente graves. A menarca ocorreu mento de doenças benignas, pré-malignas e
aos 14 anos, última menstruação aos 45 anos, malignas do trato genital inferior, especialmen-
primeira relação sexual aos 16 anos. G4P3A1; te do colo uterino e da vagina.
três partos normais. Esteve casada por 10 anos,
dos 16 aos 26 anos, e afirma que, após a sepa- As modificações citológicas do trato ge-
ração, teve mais oito parceiros. Nunca fez uso nital feminino tiveram os primeiros enfoques
de camisinha, pois usava comprimidos para em 1847 com a publicação de Frenchmann e
evitar a gravidez (sic). Foi submetida a exame Pouchet sobre as alterações do epitélio vaginal
de citologia oncótica, apresentando alterações no ciclo menstrual. O crédito, em nível mundial,
citológicas que sugeriram lesão intra-epitelial para desenvolvimento do método citológico
de alto grau. A médica que a acompanhava para diagnóstico de carcinoma cervical é dado
solicitou colposcopia a fim de estabelecer um a George Papanicolaou. Em 1928, ele verificou
diagnóstico mais preciso. que células malignas do colo uterino podiam
ser identificadas em esfregaços vaginais. Vários
anos após, com os trabalhos de Herbert Traut, a
citologia do trato genital feminino renasceu e,
Capítulo 7

em 1941 foi publicado “O diagnóstico do câncer vice e da ectocérvice. Coleta-se o material, de


do colo uterino pelos esfregaços vaginais”. preferência, com a espátula de Ayre, fazendo-se
uma rotação de 360º e recolhendo material da
Essas investigações se constituem na in-
ectocérvice e da junção escamo-colunar (JEC). A
trodução da citologia esfoliativa como um mé-
coleta endocervical é realizada com a introdu-
todo prático, simples e eficaz na detecção do
ção rotatória da escovinha de náilon no canal
câncer, susceptível de ser aplicada a grandes
cervical. Esses materiais devem ser espalhados
massas populacionais. Coube a Papanicolaou o
na superfície da lâmina, com movimento longi-
mérito de colocá-la no terreno prático do uso
tudinal em um único sentido.
rotineiro em larga escala. Não há dúvidas de
que o diagnóstico citológico em oncologia se A coleta de material no fundo-de-saco
revela a grande arma de combate ao câncer e vaginal é feita para detecção de patologia en-
outras neoplasias em termos de prevenção e de dometrial e para avaliação hormonal (na ausên-
diagnóstico precoce, que são fatores essenciais cia de processo inflamatório).
para o prolongamento da vida.
Imediatamente após a coleta, procede-se
A citologia oncótica deve ser realizada a fixação do material, com a finalidade de pre-
nas mais diversas fases da vida da mulher; tem servar a estrutura original das células. O fixador
o seu valor na detecção de anormalidades do de escolha é o álcool, em forma líquida ou de
trato genital, como alterações inflamatórias re- aerosol. A mistura de álcool e éter preconizada
parativas, pré-neoplásica, neoplásica e invasiva. por Papanicolaou foi abandonada por motivos
de segurança (o éter é volátil e inflamável).
A colposcopia é um exame que comple-
menta os achados citológicos; pode-se através A coloração é realizada por profissional
dele, estudar e, se necessário biopsiar as lesões técnico, em laboratório; utilizam a coloração de
detectadas pela análise citológica. Papanicolaou modificada. O corante nuclear é a
hematoxilina que, por oxidação pelo óxido de
mercúrio, se transforma em hemateína. A he-
1. Citologia Oncótica matoxilina cora o núcleo em azul; os corantes
O exame Papanicolaou, denominado citoplasmáticos mais empregados são a eosina
também colpocitologia oncótica ou citologia em combinação com o orange.
oncótica, é o escolhido para o rastreamento e Atualmente, a utilização do método ci-
prevenção do câncer cervical, devido a sua ex- topatológico em meio líquido tem possibilita-
celência na avaliação do grau de alteração celu- do melhorias na eficácia do rastreamento ci-
lar do epitélio escamoso cervical. tológico do câncer cervical uterino. Apesar do
Segundo Serrano e Ramires (2008), para o seu alto custo, tem como vantagem a maior
entendimento e a leitura correta dos esfregaços representatividade de células coletadas e pos-
cérvico-vaginais, deve-se ter conhecimento bási- sibilidade de utilizar o material para testes de
co da histologia do colo uterino. O canal cervical biologia molecular e maior sensibilidade para
é revestido por camada simples de células altas, detectar lesões de alto grau. As etapas de co-
cilíndricas e mucíparas, que apresentam núcleo leta e fixação, neste método, seguem proce-
oval e citoplasma claro, abundante e vacuolizado. dimentos variáveis que dependem das instru-
O epitélio que reveste a ectocérvice é chamado ções do fabricante e da tecnologia empregada
de epitélio pavimentoso pluriestratificado, por no preparo da amostra.
apresentar as camadas basal, parabasal, interme- Um estudo de revisão realizado pelo Na-
diária e superficial. A reepitelização que ocorre tional Center for Health Technology Assessment
na junção desses 2 epitélios constitui o epitélio da Inglaterra constatou que a citologia em meio
metaplásico, de suma importância no processo líquido obtinha taxas de espécimes insatisfató-
de displasia e carcinoma do colo do útero. rias menores que a citologia convencional em
24 dos 38 trabalhos analisados que traziam
informação a esse respeito: variação de 0% a
1.1. Coleta, fixação e coloração de material 58,5%, com média ponderada pela população
do colo uterino dos estudos de 1,63% enquanto a variação da
O esfregaço citológico cervicovaginal de citologia convencional foi de 0% a 27,5%, com
rastreamento deve incluir amostras da endocér- média ponderada de 7,64. Estudo realizado por

74 Faculdade Christus
Capítulo 7

Caetano et al. (2005) revelou taxas de exames • Satisfatória para avaliação: descrever pre-
insatisfatórios com a citologia em meio líqui- sença ou ausência de componentes endo-
do de 1,4%, comparada a 10,4% dos espécimes cervicais, de zona de transformação e de
avaliados pelo método de Papanicolaou. quaisquer outros indicadores de qualidade
(p. ex. parcialmente obscurecido por san-
Para preservar a sensibilidade e a especi-
gue, inflamação etc.)
ficidade do teste de Papanicolaou, a Sociedade
ƒƒ Insatisfatório para avaliação
Norte-americana de Câncer recomenda:
• Amostra rejeitada/não processada (especifi-
ƒƒ Utilizar espéculo não lubrificado car o motivo)
ƒƒ Visualização de colo e vagina no exame • Amostra processada e avaliada, mas insatis-
ƒƒ Não realizar o exame durante o período fatória para avaliação de anormalidade epi-
menstrual telial (especificar o motivo)
ƒƒ Não realizar a coleta cervicovaginal antes de 72 ƒƒ Categorização geral (opcional)
horas após a prática de relações sexuais, uso • Negativo para lesão intra-epitelial ou malig-
de medicamentos tópicos ou quaisquer proce- nidade
dimento que possam alterar o meio vaginal • Outras: (p.ex. células endometriais em mu-
ƒƒ Obter a amostra preferencialmente no perío- lher de idade igual ou superior a 40 anos)
do ovulatório • Alteração celular epitelial (especificar se es-
ƒƒ Identificar a lâmina antes de fixá-la imediata- camoso ou glandular, quando apropriado)
mente após a coleta ƒƒ Interpretação/resultado
ƒƒ Preencher o pedido de exame colpocitológico • Negativo para lesão intra-epitelial ou maligni-
com os dados pertinentes: dade: quando não existir evidência celular de
• idade; neoplasia, deve-se descrever o fato na catego-
• data da última menstruação; rização Geral e/ou na seção de Interpretação/
• antecedentes de doenças ginecológicas, resultado do laudo, e se existem ou não or-
principalmente do trato genital inferior; ganismos ou outros achados não neoplásicos.
• tratamentos realizados; ƒƒ Organismos
• medicações em uso. • Trichomonas vaginalis
• Organismos fúngicos morfologicamente
1.2. Interpretação e laudos dos achados ci- consistentes com Cândida spp
tológicos • Desvio de flora sugestivo de vaginose bac-
teriana
Segundo Focchi (2009), a interpretação • Bactérias morfologicamente consistentes
dos achados citológicos baseia-se no sistema com Actinomyces spp
de Bethesda (2001), que avalia essencialmente • Alterações celulares consistentes com vírus
os seguintes dados: herpes simples (HSV)
ƒƒ Qualidade da amostra e presença de fatores • Outros achados não-neoplásicos (descrição
limitantes para a avaliação oncótica. opcional; relação não inclusiva)
ƒƒ Amostragem da zona de transformação (célu- • Alterações celulares reativas associadas à
las metaplásicas e endocervicais). inflamação (incluindo reparo típico), irradia-
ƒƒ Organismos relevantes presentes. ção ou dispositivo intra uterino (DIU)
ƒƒ Alterações (reativas, reparativas ou atipias) em • Estado de células glandulares pós-histerectomia
células escamosas e glandulares (uterinas ou • Atrofia
genitais extra-uterinas). ƒƒ Outros
ƒƒ Atipias em outras células do trato genital (não epi- • Células endometriais em mulheres com ida-
teliais) e neoplasias secundárias (extra-genitais). de igual ou superior a 40 anos. Especificar se
negativo para lesão intra-epitelial
ƒƒ Alterações das células epiteliais
O diagnóstico citológico cervicovaginal, se-
• Células escamosas
gundo o sistema de Besthesda é o que se segue:
• Células escamosas atípicas
ƒƒ Tipo de amostra −De
− significado indeterminado (ASC-US)
• Esfregaço convencional −Não
− é possível excluir lesão intra-epite-
• Citologia em meio líquido lial escamosa de alto grau (ASC-H)
ƒƒ Qualidade da amostra • Lesão intra-epitelial escamosa de baixo grau

Faculdade Christus 75
Capítulo 7

−Efeito
− citopático do HPV/displasia leve/ câncer; em condições não adequadas, sua sen-
neoplasia intra-epitelial cervical grau 1 sibilidade reduz para 38%.
(NIC 1)
• Lesão intra-epitelial escamosa de alto grau
−Displasia
− moderada e acentuada e carci- 2. Colposcopia
noma in situ/NIC 2 e NIC 3) Hinselmann em 1925 foi o primeiro a
−Características
− suspeitas de invasão descrever o equipamento colposcópico básico
• Carcinoma espinocelular invasivo e seu uso, estabelecendo os fundamentos para
• Células glandulares a prática da colposcopia. Um colposcópio é um
• Típicas microscópio de campo estereoscópico, bino-
−Células
− endocervicais sem outras especi- cular, de baixa potência, com uma fonte de ilu-
ficações (SOE) ou especificar nos comen- minação de intensidade variável que ilumina a
tários área sob exame.
−Células
− endometriais SOE ou especificar
no comentários A colposcopia consiste na observação
−Células
− glandulares SOE ou especificar do trato genital inferior (colo do útero, vagina
nos comentários e vulva) por meio de lentes com diferentes au-
• Atípicas mentos; os aparelhos modernos permitem re-
−Células
− endocervicais, favorecendo neo- gular o aumento entre 6x e 40x. As variações
plasia dos aumentos são inversamente proporcionais
−Células
− glandulares, favorecendo neo- ao campo observado. Os aumentos menores
plasia permitem visão panorâmica das lesões e os
• Adenocarcinoma endocervical in situ maiores possibilitam observação de detalhes de
• Adenocarcinoma epitélio e vasos. Tais características também se
−Endocervical
− relacionam com a profundidade do campo, que
−Endometrial
− é tanto menor quanto maior o aumento.
−Extra-uterino
− Existem videocolposcópios sem oculares,
−SOE
− com observação exclusiva por meio de monitor, o
Quaisquer outras neoplasias malignas que parece diminuir a noção de profundidade no
devem ser especificadas. exame. O colposcópio pode ainda ser equipado
ƒƒ Testes auxiliares com aparelho de registro fotográfico e de vídeo.
• Fornecer uma breve descrição do método
do teste e relatar o resultado de modo a ser
facilmente compreendido pelo clínico 2.1. Indicações para a colposcopia
ƒƒ Revisão automatizada O motivo mais comum para o encami-
• Se o caso for avaliado com equipamento nhamento de mulheres para a colposcopia é a
automatizado, deve-se especificar o equi- citologia cervical anormal, em geral um achado
pamento e o resultado de triagem citológica.
ƒƒ Notas educativas e sugestões (opcionais)
De acordo com a Associação Brasileira de
• As sugestões devem ser concisas e consis-
Genitoscopia, são indicações do exame colpos-
tentes, com orientações do acompanha-
cópico:
mento clínico publicadas por organizações
profissionais (referências quanto às publica- ƒƒ Casos de pacientes com resultados de colpo-
ções relevantes podem ser incluídas) citologia oncóticas alteradas:
• Lesão intra-epitelial de baixo grau ou células
escamosas de significado indeterminado,
De acordo com a Organização Mundial de
em 2 citologias consecutivas
Saúde, a exatidão do exame citológico depende
• Alterações indeterminadas em células glan-
de inúmeras variáveis, sendo elas a qualidade
dulares
dos serviços, incluindo as práticas de coleta do
• Lesão intra-epitelial de alto grau, adenocar-
material, a fixação das células e a interpretação
cinoma in situ, suspeita de microinvasão e
laboratorial. Em condições ótimas, em países
citologia sugestiva de neoplasia invasiva
desenvolvidos, a citologia convencional permite
(escamosa ou glandular)
detectar quase 84% das lesões precursoras e do
ƒƒ Casos de pacientes que apresentem as se-

76 Faculdade Christus
Capítulo 7

guintes alterações: colunar e displásico não contêm glicogênio e,


• Lesão intra-epitelial de baixo grau ou ASC- portanto, não se coram após aplicação de lugol
-US em uma única citologia (teste de Schiller positivo ou iodo negativo); o
• Teste DNA/HPV positivo para vírur oncogênico epitélio escamoso metaplásico maduro origi-
• Sinusiorragia nal e o epitélio escamoso metaplásico maduro
• Alterações cervico-vaginais observadas a recém-formado contêm glicogênio, e este fixa
olho nu o iodo contido na solução de Lugol (teste de
• Eversões persistentes Schiller negativo ou iodo positivo).
• DST
Recomenda-se a aplicação sistemática de
• Imunosupressão
solução de lugol na prática colposcópica, já que
• Pré-operatório de cirurgias genitais e segui-
isso pode ajudar a identificar lesões que não fo-
mento pós-operatório
ram notadas durante o exame de solução salina
e com ácido acético.
2.2. Técnicas da colposcopia
Antes do exame do colo, inspeciona-se a
2.3. Terminologia colposcópica
vulva e a vagina. A seguir, insere-se o especulo au-
to-estável de tamanho pequeno ou ajustado; não O Comitê de Nomenclatura e a Federação
usar lubrificante; se necessário, utilizar soro fisioló- Internacional de Patologia Cervical e Cospos-
gico. copia aprovou no 11° Congresso Mundial em
Barcelona, em 2002, uma terminologia colpos-
Observar paredes vaginais, conteúdo va-
cópica única, a fim de descrever de um modo re-
ginal e aspecto macroscópico do colo e verifi-
produtível todos os aspectos que o observador
car se há lesões com sangramento espontâneo.
pode detectar. Foram padronizados e definidos
Convém aplicar solução salina fisiológica antes
conceitos, tornando-o um modo eficaz de co-
do ácido acético para o estudo minucioso da
municação entre os que a praticam e permitin-
arquitetura vascular subepitelial. É aconselhável
do empreender pesquisas, guiar o aprendizado
usar um filtro verde para facilitar a observação
e auxiliar na decisão diagnóstica e terapêutica.
do padrão vascular.
A terminologia colposcópica é a seguinte:
Técnica do ácido acético: aplicar solução
aquosa de ácido acético (2 a 5%) sobre todo o
colo do útero e paredes vaginais. Identificar os 2.3.1. Achados colposcópicos normais
aspectos normais e anormais, a localização, a
extensão, a coloração, a vascularização, os bor- a) Epitélio escamoso original - O epitélio es-
dos, os pormenores de superfície e a associa- camoso original é liso, onde não existem
ção de imagens e fazer registro minucioso dos remanescentes de epitélio glandulares ou
achados. O ácido acético provoca contração cistos de Naboth.O epitélio não se torna
vascular e edema de papilas no epitélio colunar. esbranquiçado após a aplicação de uma so-
No epitélio escamoso, ocorre coagulação tran- lução de acido acético, e cora em marrom
sitória das proteínas citoplasmáticas, conferindo após a aplicação do lugol (teste de Schiller
aspecto de opacidade esbranquiçada, denomi- negativo).
nado epitélio aceto-branco. Os padrões anôma- b) Epitélio colunar - É um epitélio de camada
los do epitélio acetobranco são consequentes única do tipo muco-secretor. Após a aplica-
à vascularização anômala subjacente ao epitélio ção de ácido acético tem aparência de ca-
atípico. A exploração da ectocérvice e do canal cho de uva. O epitélio colunar normalmente
endocervical permite a observação da junção está presente na ectocérvice (ectopia) ou
escamo-colunar (JEC) e da junção escamo-es- em raras ocasiões na vagina.
camosa; a exploração das paredes e dos fórni- c) Zona de transformação - A zona de trans-
ces vaginais é realizada após nova aplicação de formação é a área entre o epitélio escamo-
ácido acético. so original e o epitélio colunar onde podem
ser identificados diversos estágios de matu-
Técnica do iodo ou de Schiller: seu prin- ridade. O epitélio metaplásico pode adquirir
cípio consiste em aproveitar a propriedade que coloração esbranquiçada após a aplicação
as células que contêm glicogênio têm de captar de ácido acético e parcialmente marrom
iodo existente na solução de Lugol. Os epitélios após a aplicação de lugol. Podem-se en-

Faculdade Christus 77
Capítulo 7

contrar ilhas de epitélio colunar cercadas i) Vasos atípicos - Aspecto colposcópico focal
por epitélio escamoso metaplásico, orifícios anormal no qual o padrão vascular se apre-
glandulares e cistos de Naboth na zona de senta com vasos irregulares com um curdo
transformação normal. interrompido abruptamente e com aparên-
cia de vírgulas, vaso capilares espiralados,
grampos ou com formas variadas.
2.3.2. Achados colposcópicos anormais
a) Epitélio acetobranco - É o epitélio que se
2.3.3. Alterações colposcópicas sugestivas de
torna esbranquiçado após a aplicação da
câncer invasivo
solução de ácido acético, pela alta densida-
de nuclear que apresenta. Embora isto pos- A presença de uma superfície irregular
sa ocorrer em casos de metaplasia imatu- como cadeia de montanhas em áreas acetobran-
ra, geralmente quanto mais denso é a área cas densas e alterações vasculares extremamente
acetobranca, tanto mais rápida a alteração bizarras falam a favor de invasão tecidual.
acontece e quanto maior o tempo de dura-
ção mais severa pode ser a lesão.
b) Epitélio acetobranco denso - Área aceto- 2.3.4. Colposcopia insatisfatória
branca densa no epitelio colunar pode indi- a) Junção escamocolunar não visível.
car doença glandular. b) Inflamação severa, atrofia severa, trauma.
c) Pontilhado fino - Constitui o aspecto col- c) Cérvice não visível.
poscópico focal, no qual os capilares apa-
recem em um padrão pontilhado. Quanto
mais fino e regular é a aparência do ponti- 2.3.5. Miscelânea
lhado e com distância intercapilar pequena, a) Condiloma - Pode ocorrer dentro ou fora
é mais provável que a lesão seja de baixo da zona de transformação e indica infecção
grau ou metaplasia. pelo Papilomavirus Humano. A colposcopia
d) Pontilhado grosseiro - Quanto mais gros- mostra um grupamento de pequenas papi-
seiro for o pontilhado, mais provável ser a las de base única. A aplicação de ácido acé-
lesão de alto grau. tico produz área acetobranca e ao iodo se
e) Mosaico fino - Alteração colposcópica apa- cora parcial ou irregularmente.
rentemente focal na qual a neoformação b) Queratose - Alteração colpóscopica focal, a
vascular tem um padrão retangular como qual a hiperqueratose está presente e se pare-
um mosaico. Quanto mais fino e regular é o ce com uma placa branca elevada. A alteração
mosaico, mais provável ser a lesão de baixo branca aparece antes da aplicação de ácido
grau ou metaplasia. acético e pode impedir a visualização adequa-
f) Mosaico grosseiro - Quanto mais grosseiro for da da zona de transformação subjacente.
o mosaico e quanto maior a distância interca- c) Erosão - Uma verdadeira erosão represen-
pilar, mais provável ser a lesão de alto grau. ta uma área de epitélio desnudo. Pode ser
g) Epitélio iodo parcialmente positivo. causado por traumas e pode indicar que
h) Epitélio iodo negativo - Depois da aplicação o epitélio de superfície seja possivelmente
da solução de iodo, o epitélio maduro que anormal.
contém glicogênio apresenta uma cor mar- d) Inflamação - Alteração geralmente difu-
rom escuro. Áreas iodo negativas podem sa caracterizada por congestão vascular e
representar metaplasia imatura, neoplasia edema de mucosa. Podem ser pontilhados,
intra-epitelial cervical ou baixa taxa de es- diferenciando-se por apresentar capilares
trogênio. Uma aparência de salpicado mar- finos e muito próximos entre si em um colo
rom-iodo malhado em uma área com alte- avermelhado. Geralmente, cora-se parcial-
ração acetobranca leve pode representar mente ao iodo.
metaplasia imatura ou neoplasia intraepi- e) Atrofia - Alteração epitelial devido a um
telial de baixo grau. Completa negatividade baixo estado de estrogênio, representa-
ao iodo, que se revela com uma coloração da por uma mucosa pouco espessa que
amarelo mostarda em uma área acetobran- deixa transparecer uma fina rede vascular.
ca é altamente sugestiva de neoplasia intra- As petéquias são frequentes e coram-se
epitelial de alto grau. muito pouco ao lugol.

78 Faculdade Christus
Capítulo 7

f) Deciduose - Fenômeno conjuntivo-vascular D- Referências Bibliográficas


e edema estromal induzidos pela gestação.
g) Pólipos - Podem apresentar características BRITO, C. M. S.; NERY, I. S.; TORRES, L. C. Senti-
de epitélio colunar e/ou zona de transfor- mentos e expectativas das mulheres acerca da
mação, dependendo da metaplasia que Citologia Oncótica. Rev. Bras. Enferm. Brasília,
possa ocorrer em sua superfície. v.60 n. 4. July/Aug. 2007.

CABRAL, J. E. B.; FERREIRA, S. N. H. F. Colpocito-


2.4. Características colposcópicas sugestivas logia Oncótica e Hormonal. In: MAGALHÃES, M.
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-Juvenil – Diagnóstico e Tratamento. Rio de
ƒƒ Superfície lisa com vasos de calibre uniforme
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ƒƒ Alterações acetobrancas moderadas
ƒƒ Iodo negativo ou parcialmente positivo. CABRAL, J. E. B.; FERREIRA, S. N. H. Citologia va-
ginal e Hormonal. In: MAGALHÃES, M. L. C.; REIS,
2.5. Características colposcópicas sugestivas J. T. L. Ginecologia Infanto- Juvenil – Diagnós-
de alterações de baixo grau tico e Tratamento. Rio de Janeiro: MedBook.
2007. Cap. 6.
ƒƒ Superfície lisa com um bordo externo irregular.
ƒƒ Alterações acetobrancas leve, que aparecem Caetano, r.; CAETANO, C. M. M. Custo-efetivi-
tardiamente e desaparecem rapidamente. dade no rastreamento do câncer cérvico-uteri-
ƒƒ Iodo negativamente moderado; frequente- no no Brasil: Um Estudo Exploratório. Relatório
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ƒƒ Superfície geralmente lisa com bordo externo
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ƒƒ Alteração acetobranca que aparece precocemen-
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ƒƒ Acetobranqueamento denso.
poscopia. GIRÃO, M. J. B. C. Ginecologia. São
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Capítulo 7

SERRANO, D.R.; RAMIRES, R.C. Colpocitologia On-


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80 Faculdade Christus
Capítulo 8
COALESCÊNCIA DE PEQUENOS LÁBIOS
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Ângela Clotilde Ribeiro Falanga e Lima
Samantha Cavalcante de Brito

A- PROBLEMA 2. Etiologia
C.D.A., 5 anos, sexo feminino foi levada Segundo Campbell, essa alteração po-
ao ambulatório de ginecologia, por sua mãe, derá ser congênita ou adquirida. Se congênita,
porque há alguns meses apresentou dificulda- haveria uma fusão medial das pregas labioes-
de para urinar e tem a “vulva diferente”. A res- crotais entre o terceiro e quarto mês de vida
ponsável refere que nunca havia notado nada embrionária. A variedade adquirida é a forma
diferente e ficou preocupada porque essa filha sustentada pela maioria dos autores porque
era diferente das outras. Exame físico: sem al- um processo infeccioso e irritativo localizado
terações. Exame ginecológico: presença de fina nos pequenos lábios levará à perda do epitélio
membrana translúcida que se estende da fúrcu- de transição, e as superfícies se acolam man-
la ao meato uretral. tendo entre elas camada de tecido conjuntivo.
Porém, cada autor defende a sua teoria para os
fatores desencadeantes. Huffman e Magalhães
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM afirmam que a causa principal é o hipoestroge-
nismo fisiológico associado a infecções vulva-
1. Conhecer a fisiopatologia da coalescência res; Zeiguer compartilha da tese de Huffman e
de pequenos lábios Magalhães no que tange ao hipoestrogenismo,
2. Realizar a propedêutica adequada para o porém, em suas pacientes, não observou infec-
diagnóstico ções vulvares antecedendo a sinéquia vulvar.
3. Listar doenças para o diagnóstico diferencial Entretanto, a associação de hipoestrogenismo
4. Conhecer os tratamentos e seus mecansmos com higiene precária é defendida por Souza;
Vakar aventa a possibilidade de algum proces-
so inflamatório intra-uterino ou mesmo pós-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA -parto; Ochsenius sugere ser a coalescência de
1. Introdução pequenos lábios consequência local de infec-
ções sistêmicas como a cólera, varicela, difteria
A coalescência de pequenos lábios se e escarlatina, entre outras e Scharfe afirma que
caracteriza pela aderência entre as ninfas, os lábios podem se fundir em resposta a algum
deixando transparecer uma tênue membrana trauma genital, mesmo a dermatite por fralda.
translúcida na linha mediana, com o conse- A vulvite adesiva envolve a fusão dos lábios
quente desaparecimento da fenda vulvar, por menores, provavelmente causada pela irritação
vezes existindo apenas um orifício abaixo do crônica associada com a vulvite. Afirma ainda
clitóris por onde passam a urina e o sangue que o líquen escleroso também tem sido co-
menstrual. Existem outras denominações para nhecido como causa de aderência secundária
a alteração citada: aderência dos lábios, agluti- aos baixos níveis de estrogênio.
nação ou conglutinação dos pequenos lábios,
sinéquia vulvar.
Capítulo 8

3. Idade e Incidência ou totalmente (coalescência completa ou total).


Observa-se a fenda vulvar com ligeira depressão
Para Schneider, a coalescência de peque-
entre os lábios maiores, com ou sem orifício no
nos lábios constitui 19% das consultas na gine-
extremo superior; o meato uretral e vagina po-
cologia infanto-juvenil, sendo que, se for consi-
dem estar ocultos pela coalescência e se a união
derada somente as pré-púberes, esse valor será
é muito extensa, a urina fica retida no vestíbulo
de 37% dos casos. Afirma ainda que não exista
vaginal e é eliminada por transbordamento.
uma incidência real, mas em seus estudos com
meninas entre 1 e 18 meses, observou que a
ocorrência foi de 5% e conclui afirmando que a
6. Diagnóstico e Diagnóstico Diferencial
idade da primeira consulta ocorre, em 51% dos
casos, antes dos 12 meses de idade e apenas O diagnóstico de coalescência de peque-
4% após os 6 anos. nos lábios é feito por meio do simples exame
físico da vulva; a tênue linha translúcida que se
Na literatura, existem vários autores afir-
estende do clitóris à furquilha, é o sinal patogno-
mando diferentes faixas etárias. Para Zeiguer, a
mônico desta entidade e permite o diagnóstico
maioria das coalescências ocorre em crianças na
diferencial com hímen imperfurado, agenesia
primeira infância, na faixa etária de 3 a 23 meses.
de vagina, atresia vaginal inferior, persistência
Entretanto, Magalhães em um estudo, constatou
de membrana urogenital e senéquia vulvar.
que a incidência maior dessa patologia ocorre de
4 meses a 3 anos e 2 meses; para Ávila, a maior
frequência seria de 2 a 6 anos e depois se obser-
7. Tratamento
varia diminuição progressiva e Bastos, afirma que
pode ocorrer até os 4 anos de idade. O tratamento poderá ser expectante, clí-
nico ou cirúrgico. Magalhães preconiza o ex-
Os casos de sinéquia na adolescência
pectante e refere que o movimento de tração
ou mulheres no período reprodutivo são raros,
para separar a coalescência deverá ser evitado
porque geralmente caminham para a cura es-
porque poderá ter como consequência, trauma-
pontânea com o início da puberdade. No en-
tismos físicos e/ou psíquicos.
tanto, tem-se registrado em literatura pacientes
com 17, 18 e até mesmo com 30 anos. Em muitos casos, mesmo sem interven-
ção médica, se há melhora da higiene, grada-
tivamente ocorre o desaparecimento das siné-
4. Manifestações Clínicas quias. Segundo Wolf, a troca pouco frequente
das fraldas ou o cuidado excessivo com os ge-
A coalescência de pequenos lábios é assinto-
nitais como a aplicação de cremes que podem
mática na maioria dos casos e, portanto diagnosti-
ser irritativos, à base de óxido de zinco, poderão
cada em exames físicos de rotina ou pelos pais que
corroborar no aparecimento das coalescências.
temendo uma malformação procuram assistência
Para Ávila, se a paciente é assintomática, com
médica. Labrador observou que 70% dos casos en-
coalescência parcial, o tratamento se limitará a
contrados foram diagnósticos fortuitos durante o
eliminar o produto irritativo causador da vulvite
exame físico. Algumas manifestações podem estar
(sabão, parasitoses, abuso sexual) ou observar e
presentes como: dificuldade na micção, retenção
esperar a menarca.
de urina na vagina causando vulvovaginites de re-
petição e cistites, pielonefrites, pseudoincontinên- A conduta terapêutica mais utilizada con-
cia urinária, disúria e prurido. No entanto, vale res- siste em uma aplicação vulvar, diretamente na
saltar que não somente a coalescência pode levar à linha mediana formada pela adesão das ninfas,
instalação de processos inflamatórios e infecciosos, de cremes de estrogênio, uma ou duas vezes ao
mas o próprio processo pode ocasionar uma ade- dia durante 15 dias sem massagem local. Após
são de pequenos lábios, colaborando para a persis- a separação dos pequenos lábios, usar cremes
tência destas patologias. ginecológicos para tratamento da vulvite ou
cremes com vitamina A; em ambos os casos,
com a finalidade de diminuir a incidência das
5. Exame Físico recidivas; o êxito é de 51,3%. O uso de creme
ginecológico deve ser mantido por 60 dias, com
Os pequenos lábios podem estar unidos
acompanhamento quinzenal, inicialmente, e de-
parcialmente (coalescência incompleta ou parcial)
pois mensal até a alta.

82 Faculdade Christus
Capítulo 8

O tratamento com cremes de estrógeno a ansiedade que este quadro traz para os fami-
não deve ser realizado por um período mais liares, os quais, muitas vezes, associam essa pa-
longo devido a seus efeitos colaterais: pseu- tologia com malformações da genitália externa.
dopuberdade precoce iatrogênica, botão ma- É necessário esclarecer o real diagnóstico, o
mário, lanugem pubiana chegando até a perda tratamento e o prognóstico, além de orientar
sanguínea por via vaginal. No entanto, em um a criança e/ou o responsável quanto aos pre-
estudo, Lewitan constatou que com o uso de ceitos de higiene da genitália e a vestimenta
medicação estrogênica local por 3 meses não adequada. Dessa maneira, evita-se ao máximo
ocorreram efeitos adversos e foi bem sucedida o prolongamento dos processos inflamatórios e
a abertura de aderência vulvar. as recidivas.
Creme estrogênico de pouca absorção
foi estudado por alguns autores. Magalhães,
em estudo com promestriene, que possui uma
D- Referências Bibliográficas
molécula modificada do estradiol e age como ÁVILA, A.N.; NIETO, A. Coalescencia de lábios
um estrógeno constatou a incapacidade dessa menores. In: SANCHEZ DE LA CRUZ, B. Gineco-
substância de atravessar o epitélio vaginal ou logia Infanto Juvenil. v. II. p. 67-70. Caracas:
vulvar, portanto, de ação estritamente local; ve- Editorial Ateproca; 2000.
rificou que a resposta é mais lenta, a coalescên-
cia se desfaz, em média com 40 dias de uso e HUFFMAN, J.W. The Gynecology of Child-
não há modificação da mucosa vulvar. hood and adolescence. Philadelphia: W.B.
Saunders, 1968.
Petti preconiza o uso de vaselina sólida,
e diz obter resultado tão satisfatório quanto o KUO, D.M. Labial fusion in a thirty-year old
obtido com cremes a base de estrógeno. Mas woman. Acta. Obstet Gynecol. Scandi. v.77,
Magalhães não concorda com essa conduta, n.6, p.697-8, 1998.
pois nesse caso não há o tratamento do maior
fator desencadeante que é o hipoestrogenismo LABRADOR, M.; DELGADO, R.; LABRADOR,
e/ou processo inflamatório. C. Coalescência de los lábios menores. Col.
Méd estado Táchira, v.11, n.3, p.14-18. out-
Recentemente, estudo retrospectivo, com -dec. 2002.
uso tópico de betametasona, foi realizado por
Mayoglou com 151 meninas com idade média LEWITAN, G.; HENRIQUES, C.A.; LYSANDRO,
de 3 anos, mostrou que a separação labial ocor- A.E.A.A. Coalescência dos pequenos lábios-Aná-
reu em um período curto de tempo e sem os lise de 64 casos. Rev. Bras. Ginecol Obstet,
efeitos colaterais do estrogênio tópico. Da mes- p.105-7, maio/junho, 1985.
ma opinião, é Myers; afirma que a betameta-
MAGALHÃES, M.L.C. Coalescência de Peque-
sona a 0,05% pode ser indicada como terapia
nos Lábios. In: MAGALHÃES, M.L.C; ANDRADE,
inicial ou em pacientes com outros tratamentos
H.H.S.M. Ginecologia Infanto-Juvenil. Rio de
prévios, sem sucesso.
Janeiro: Medsi, 1998 p.279-83.
A indicação cirúrgica é rara; deverá ser
particularmente reservada aos casos não so- MAGALHÃES, M.L.C.; SEABRA, M.A.S. Coales-
lucionados pelo tratamento com creme tópico cência de Pequenos Lábios. In: MAGALHÃES,
ou em pacientes em que a fusão se encontra M.L.C.; REIS, J.T.R. Ginecologia Infanto-Juvenil
bastante espessa. Consiste na debridação ma- – Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro:
nual, com ou sem anestesia local à base de cre- MedBook, 2007. Cap. 9, p. 83-87.
mes contendo lidocaína com Prilocaína a 2,5%. MAYUGLOU, L.; DULABON, L.; MARTIN-ALGUA-
Antes dessa manobra, está indicado o uso de CIL, N. et. al. Success of treatment modalities for
creme de estrógeno por uma semana e Lewitan labial fusion: a retrospective. J. Pediatric Ado-
preconiza a continuação do seu uso por mais lesc Gynecol, v. 22, n.4, p. 247-50, Aug. 2009.
duas semanas. Refere ainda que antes da indi-
cação cirúrgica a paciente deve ser bem avalia- MYERS, J. B.; SORENSEN, C.M.; WISNER, B. P. et.
da porque muitas apresentam recidivas. al. Bethamethasone cream for the treatment pf
pre-pubertal labial adhesions. J. Pediatric Ado-
Provavelmente, o maior dano que a coa-
lesc Gynecol., v. 19, n. 6, p. 407-11, Dec. 2006.
lescência dos pequenos lábios pode trazer seja

Faculdade Christus 83
Capítulo 8

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84 Faculdade Christus
Capítulo 9
VULVOVAGINITES NA INFÂNCIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Gabriella Girão Campos de Barros
Maria Thereza da Frota Quinderé Ribeiro

A- PROBLEMA A inflamação vulvovaginal é a queixa gi-


necológica mais comum em meninas pré-púbe-
M.L.G., 4 anos, branca, natural e proce- res, sendo responsável por 40-85% das consul-
dente de Fortaleza-CE, foi levada por sua mãe, tas às clínicas ginecológicas. Não é uma afecção
Sra. Carolina, ao ambulatório de ginecologia grave, mas o resultado terapêutico nem sempre
porque há 15 dias apresentou corrimento de é satisfatório.
cor amarelada, acompanhado de prurido e ar-
dor vulvar. Encontra-se preocupada porque a São causadas por agentes infecciosos ou
filha pode estar com uma doença grave. Refere elementos físico-químicos; são decorrentes de uma
que, como trabalha fora de casa, sua filha fica alteração da homeostasia bacteriana vaginal.
em uma creche e faz sua própria higiene. Exame A vagina da recém-nascida é estéril (pH
físico: sem alterações. Exame ginecológico: vul- 5-5,7). Nas primeiras horas de vida, ela é colo-
va hiperemiada, com escoriações e presença de nizada por uma microbiota mista de bactérias
restos de papel higiênico na parte interna dos não patogênicas. Após 48h, com a secreção de
pequenos lábios, hímen hiperemiado e íntegro. glicogênio induzida pelos hormônios maternos,
ocorre a colonização por lactobacilos. Observa-
-se uma leucorreia fisiológica, que tende a de-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM saparecer até a 6a semana de vida; geralmente
na 3a ou 4a semana.
1. Descrever a importância das vulvovaginites
na infância. Em torno de 1 mês de vida, os estrógenos
2. Listar os fatores predisponentes. maternos são excretados e cessa a produção de
3. Conhecer as principais etiologias, métodos glicogênio, com isso desaparecem os lactoba-
diagnósticos e quadro clínico correspondente. cilos e o pH torna-se alcalino (6-7,5). A vagina
4. Indicar o diagnóstico diferencial passa a ser colonizada por uma microbiota mis-
5. Citar a terapêutica ta em equilíbrio: difteróides, estreptococos alfa
hemolíticos, Escherichia coli, Klebsiella, estafilo-
cocos coagulase positivo, entre outros.
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
A presença de fluxo vaginal ou de molés-
1. Introdução tias na vulva de uma menina é um grande mo-
tivo de preocupação para os pais que prevêem
A vulvovaginite é a inflamação dos teci-
as mais graves consequências. Tais sintomas são
dos vulvares e vaginais. São vários os fatores
raramente graves, mas podem ser motivo de
desencadeantes. Geralmente está associada a
consideráveis transtornos por sua persistência.
corrimento anormal. Pode ser secundária a uma
vulvite ou comprometer, desde o início, ambas Na pré-pubere, a frequência relativa dos
as mucosas. vários germes da flora vaginal normal é dife-
rente daquela observada em adolescentes e na
Capítulo 9

mulher adulta. Como também, as lesões cervi- ƒƒ uso frequente e muitas vezes desnecessário
cais, que frequentemente são responsáveis por de antibióticos que modificam o ecossistema
sintomas depois da puberdade, são raras vezes vaginal, desequilibrando-o.
observadas na infância. Por outro lado, a vagi- ƒƒ infecção dos tratos respiratório, urinário, in-
nite, devido à infecção por micro-organismos testinal, da pele, alergias, transtornos imuno-
inespecíficos, escassamente observada na fase lógicos, entre outros.
adulta é o achado mais comum nas meninas. ƒƒ doenças crônicas como diabetes que favore-
cem a instalação e manutenção de infecções.
ƒƒ parasitoses intestinais, sendo a mais frequente
2. Fatores Predisponentes as infecções por oxiúros. O enteróbio é muito
Do ponto de vista fisiológico, anatômico frequente e não está necessariamente relacio-
e comportamental, as crianças pré-púberes re- nado com precárias condições de higiene. O
presentam um grupo de risco bastante suscep- contato entre crianças nas escolas pode fa-
tível para o aparecimento das vulvovaginites. vorecer a transmissão em meninas de classes
socioeconômicas mais elevadas. Outros para-
Os mecanismos de defesa não são total- sitas do trato digestivo raramente invadem a
mente conhecidos na mulher adulta e são defi- cavidade vaginal. Entretanto, Huffman relata
cientes ou nulos na menina. As principais alte- que durante uma vaginoscopia, encontrou
rações evidenciadas nos mecanismos de defesa uma espécie de Ascaris lumbricóides enrolada
da criança são: na cúpula vaginal de uma menina.
ƒƒ desenvolvimento anatômico incompleto, mas ƒƒ malformações do trato urinário e intestinal
fisiológico, das estruturas vulvoperineais dei- baixo como, por exemplo, ureter ectópico, fís-
xa o trato genital inferior mais permeável a tulas retovaginais e retoperineais.
agentes agressores; a ausência de pilosidade ƒƒ incontinência urinária e/ou fecal.
pubiana, lábios menores e maiores pouco de- ƒƒ enurese.
senvolvidos, pequena abertura himenal obs- ƒƒ obesidade.
truindo a saída de conteúdo vaginal na infân- ƒƒ desnutrição e avitaminose.
cia inicial. ƒƒ dietas muito ricas em hidratos de carbono que
ƒƒ proximidade entre o ânus e a vagina favore- aumentam os nutrientes dos microorganismos.
cendo as infecções ascendentes por contami- ƒƒ influências no estado geral como tensão e stress.
nação com micro-organismos fecais. ƒƒ corticoides, quando usados em forma sistê-
ƒƒ ausência de mecanismos autodefensivos da mica, diminuem a resistência às infecções.
vagina devido a um pH inadequado em con- ƒƒ precariedade da higiene genito-anal levando
sequência da falta de lactobacilos. Por se tor- material fecal para a vulva e vagina.
nar alcalino, o conteúdo vaginal na infância ƒƒ adultos portadores de infecções e que cuidam
passa a ser um bom meio de cultura para o de crianças.
crescimento de bactérias patogênicas. ƒƒ roupa íntima mal lavada, com detergentes ou
ƒƒ diminuição ou ausência quase total do muco sabões que poderão atuar como agentes aler-
cervical devido aos baixos níveis hormonais gênicos.
e consequente falta de lisozima, substância ƒƒ uso de roupa íntima de fibras sintéticas que man-
que possui uma ação defensiva contra alguns têm os genitais úmidos e transformam a vagina
agentes bacterianos, micóticos e parasitários. em meio de cultura ideal para as infecções.
ƒƒ falta dos anticorpos que estarão presentes na ƒƒ irritantes locais como perfumes ou desodo-
adolescência. rantes vulvares.
ƒƒ asseio exagerado e duchas vaginais que mo-
dificam a flora vaginal.
2.1. Outros fatores predisponentes ƒƒ masturbação.
Além da diminuição dos mecanismos de ƒƒ abuso e agressões sexuais.
defesa locais da menina, as infecções podem ƒƒ corpo estranho na vagina.
ser favorecidas por vários fatores sistêmicos ou
tópicos. Segundo alguns autores, quase todas 3. Manifestações Clínicas
as meninas têm, em alguns momentos de sua
A sintomatologia não é característica; a
vida, certo grau de vulvovaginite. Os principais
gravidade dos sintomas das vulvovaginites varia
fatores para isso são:
consideravelmente e depende do quadro clínico.

86 Faculdade Christus
Capítulo 9

O sintoma mais frequente, representan- a anamnese, é fundamental orientar quanto à


do 95% dos motivos de consulta é a leucorreia, higiene vulvoperineal e dependendo da idade,
com características diversas em sua quantidade, preparar a menina para a menarca.
aspecto, cor, odor, e ocasionalmente acompa-
Após conquista da confiança da pequena
nhada por sangue. O prurido, quando presente,
paciente e dos que a acompanham, realiza-se o
pode ser leve, moderado ou intenso e, às vezes,
exame físico completo e, posteriormente, o exa-
associado a lacerações vulvares. A queixa de
me ginecológico.
ardor vulvar, principalmente à micção, poderá
ocorrer quando há um quadro de vulvite (disú- À inspeção vulvar, observam-se alterações
ria vulvar). Essa sintomatologia pode induzir o na coloração, presença ou não de corrimento e
profissional a um diagnóstico errôneo de infec- suas características, edema, escoriações, ulcera-
ção do trato urinário. ção, malformações, aspecto do clitóris, do hímen,
das ninfas e do ânus. Deve-se observar também
O eritema vulvar ou anal, dor à defecação
as condições de higiene, a presença de detritos
por irritação local, erosões, ulceração, edema,
e/ou fezes no interior dos sulcos interlabiais.
maceração e sinais de infecção secundária são
sintomas que algumas vezes estão presentes. Para se ter o diagnóstico preciso da cau-
Podem ocorrer pequenos sangramentos ou ge- sa da vulvovaginite, deve-se realizar a coleta do
nitorragias associados a infecções de qualquer conteúdo vaginal. São descritos vários méto-
etiologia. Complicações como salpingite e do- dos atraumáticos que podem ser utilizados em
ença inflamatória pélvica não são observadas. meninas pré-púberes e a escolha depende da
experiência do profissional. É importante que a
coleta do material não seja realizada no intróito
4. Diagnóstico vaginal porque poderia ocorrer contaminação
com micro-organismos gram positivos, compo-
O diagnóstico das vulvovaginites na in-
nentes da flora da pele circunvizinha.
fância se baseia fundamentalmente na anamne-
se, exame físico e exames complementares. Deve-se efetuar o exame microscópico
do conteúdo vaginal para pesquisa de bacté-
O clínico deve fazer uma abordagem
rias, fungos, hemácias, ovos de parasitas, trico-
racional, paciente e interessada ao deparar-
monas, leucócitos, bem como para avaliação do
-se com um quadro de vulvovaginite porque a
efeito estrogênico sobre o epitélio escamoso
presença de infecção genital e as implicações
vaginal. A cultura do conteúdo vaginal, a não
de uma possível relação com o exercício sexual
ser as específicas, não está indicada, pois não
podem ser muito significativas para a paciente
acrescentará informações clínicas úteis.
e seu responsável. Durante a anamnese inicial,
as perguntas devem ser pertinentes e em ter- O estudo microbiológico por meio de mé-
mos adequados à faixa etária da paciente. Esta, todos simples e de baixo custo, como o exame
quando abordada, fornece-nos quase todos os a fresco do conteúdo vaginal e a bacterioscopia
dados corretamente, sem omissões, o que nos por Gram podem ser esclarecedores na maioria
ajuda muito na hipótese diagnóstica. Conquis- dos casos. Assim, estudos utilizando tais métodos
tar a confiança da criança e ocupar sua atenção revelaram em pré-puberes com queixa de corri-
com conversa interessante e não ameaçadora mento vaginal que, em 22% dos casos, o quadro
proporciona grande ajuda, minimizando a pos- é normal e os morfotipos de patógenos mais ob-
sibilidade de fracasso na entrevista. É muito im- servados em quadros específicos são Cândida sp
portante investigar se a menina já fez uso de (em cerca de 10%), Gardnerella vaginalis (em cer-
alguma medicação e há quanto tempo a sinto- ca de 5%) e Mobiluncus sp (em cerca de 2%).
matologia apareceu. Deve-se também pensar na A vaginoscopia não está indicada na maio-
possibilidade de outros motivos para a consulta, ria dos casos, exceto em determinadas situações:
como, por exemplo, abuso sexual, DST e neo- sangramento vaginal, suspeita de corpo estranho,
plasias. Se a história é de fluxo sanguinolento e tumor, anomalia congênita, trauma vaginal, vulvo-
fétido, a hipótese de corpo estranho ou tumor vaginite recorrente e exposição a DES in útero.
necrótico (raro) não pode ser esquecida, bem
como a presença de fluxo sanguinolento e ino- Parasitológico de fezes para pesquisa de
doro pode caracterizar irritação ou traumatismo oxiúros e sumário de urina fazem parte da roti-
vulvar ou até uma puberdade precoce. Durante na de investigação.

Faculdade Christus 87
Capítulo 9

4.1. Diagnóstico diferencial de escolar. A enterobíase é causada pelo Entero-


bius vermicularis, um verme que, quando adulto,
Deve ser realizado com as seguintes pa-
habita a região cecal do intestino grosso e suas
tologias: vulvite seborreica, psoríase vulvar, der-
imediações, podendo migrar para outras regiões.
matite atópica, dermatite de contato, líquen
Após a cópula, as fêmeas seguem do cólon para
escleroso, líquen simples crônico (neuroderma-
a região perianal durante a noite, onde liberam
tite), líquen plano, condiloma acuminado, mo-
seus ovos. O transporte desse verme para a vagi-
lusco contagioso, escabiose, impetigo, malasse-
na da criança é facilitado pela proximidade entre
zia furfur, vírus herpes simples (HSV) e vitiligo.
ânus e vagina e pelo prurido perianal ocasiona-
do pelo enterobius. A reação alérgica ao verme
5. Tratamento e a inflamação devido às bactérias provindas do
intestino e carreadas pelo enterobius podem ser
Depende do processo etiológico e é o causa de vulvovaginite recorrente.
mesmo, independentemente da faixa etária. As
patologias mais frequentes são: vulvovaginites Em aproximadamente 5% dos casos de
causadas por Cândida e Tricomonas e a vagino- vulvovaginites estão presentes corpos estra-
se bacteriana. nhos endovaginais, que podem ser introduzidos
na vagina de forma casual, iatrogênica ou inten-
Na infância temos as vulvovaginites classi- cional, pela própria menina ou por outras pes-
ficadas como “inespecíficas” que praticamente soas, nas brincadeiras infantis ou com finalidade
não são encontradas nas outras faixas etárias. de agressão ou abuso sexual. O conteúdo vagi-
São responsáveis por 70% dos casos de vulvo- nal nesses casos é geralmente hemopurulento
vaginites pediátricas. A reação inflamatória é a e de odor fétido devido às erosões vaginais e
resposta defensiva do hospedeiro à agressão de infecção secundária.
diferentes micro-organismos (Estafilococos, Es-
treptococos, Proteus vulgaris, E. coli.), produtos Kocher et al. sugeriram que algumas vul-
químicos (sabonetes, talcos, desodorantes, entre vovaginites de causa desconhecida poderiam ser
outros) ou físicos (roupas íntimas de material sin- causadas por vírus. O tratamento é semelhante
tético, tampões vaginais, etc.) ou imunológicos ao indicado para os processos inflamatórios cau-
(imunodepressão, tratamento oncológico). Na sados pela má higiene perineal, mas as bactérias
maioria dos casos (68%), estão presentes as bac- geralmente são mais resistentes ao tratamento
térias fecais, sendo a E. coli a mais encontrada. do que em outras variedades de vulvovaginites.

Os fatores predisponentes associados à


conformação anatômica própria da infância faci- 5.1. Tratamento das vulvovaginites
litam o desenvolvimento de infecção por germes inespecíficas
“banais”. As vulvovaginites inespecíficas podem
É possível fazer o diagnóstico com a aju-
frequentemente associar-se às doenças sexual-
da da clínica e de exames laboratoriais, que nos
mente transmissíveis e afetarem de forma simul-
mostrarão o grau de inflamação para se poder
tânea, vários locais do aparelho genitourinário.
indicar um adequado tratamento. Deve-se reali-
Os sintomas mais frequentes são: fluxo zar a coleta do conteúdo vaginal para estudo da
vaginal anormal, cujo aspecto dependerá do citologia oncótica (Papanicolau), exame a fres-
agente etiológico; prurido genital e/ou anal; co, Gram e cultura, quando necessária.
hiperemia, edema vulvar e escoriações; lesões
Como a principal causa de vulvovaginite
hiperqueratósicas na vulva; úlceras vulvares e
inspecífica é a má higiene perineal, o maior alvo
vesículas (herpéticas); lesões condilomatosas na
do tratamento é a orientação para a sua melho-
vulva; despigmentação parcial ou total da pele
ra. Indicam-se medidas higiênicas como o uso
da vulva; sintomas urinários.
de sabonetes neutros e banhos de assento com
Quando as vulvovaginites são causadas soluções adstringentes ou anti-inflamatórias e/
por Enteróbios vermiculares, a paciente apresen- ou anti-sépticas. Aconselha-se evitar o uso de
ta prurido anal que pode ser acompanhado de produtos químicos irritativos e de roupas ínti-
sono intranquilo e “choros ou gritos” súbitos du- mas de material sintético. Em lactentes e crian-
rante a noite. Em muitos casos, a má higiene está ças pequenas, além da higiene precária obser-
presente e estudos mostram que 8% a 20% das vamos o uso de fraldas de material sintético que
meninas com enterobíase se encontram na ida- devem ser evitadas. Nas recém-natas, o asseio

88 Faculdade Christus
Capítulo 9

será realizado todas as vezes que a fralda for monstrar trichomonas ou fungos. Indicar aplica-
trocada, somente com água morna e algodão. ção endovaginal de creme ginecológico; realizar
As meninas devem usar calcinhas de algodão de maneira cuidadosa para não traumatizar a
ou malha de algodão que têm a vantagem de criança, com material adequado e por pessoas
absorver a umidade e de não conter substân- habilitadas. Pode ser utilizado cremes à base
cias corantes nem materiais sintéticos capazes de sulfonamidas ou tetraciclina e anfotericina B
de irritar a pele. Dependendo da intensidade que são particularmente efetivos nesses casos.
do quadro e do prurido, indicamos cremes com Quando o tratamento não é realizado correta-
antibiótico ou corticoide, para diminuir a sinto- mente, pode ocorrer uma melhora do processo
matologia e a inflamação. inflamatório e logo que a medicação é suspen-
sa, a sintomatologia aparece novamente.
Nos casos de vulvites agudas eritematosas
ou exsudativas, utiliza-se como primeira medida,
compressas úmidas frias, se possível com antis-
5.2. Vaginose bacteriana
sépticos. Após o alívio da sintomatologia aguda,
pode-se indicar creme endovaginal e/ou apenas É a causa mais comum de corrimento du-
vulvar, com anti-inflamatório e/ou corticoide. rante a idade reprodutiva e não muito frequente
nas meninas. O crescimento excessivo da flora
Huffman refere que 80% das crianças tra-
bacteriana vaginal anaeróbia altera a predomi-
tadas por vulvovaginite inespecífica ficam as-
nância normal dos lactobacilos e resulta em va-
sintomáticas por vários meses, quando a boa
ginose bacteriana, que é responsável por apro-
higiene perineal é mantida. Antibioticoterapia
ximadamente 1/3 de todas as vulvovaginites em
sistêmica via oral ou parenteral só deve ser utili-
mulheres. O pH ideal para a sua sobrevivência
zada quando um agente específico é identifica-
é de 5 a 5,5 não coincidindo com o da menina
do ou há infecção urinária associada.
que é de 6 a 7,5.
Se o agente for o oxiúros, todos os mem-
Quanto à forma de transmissão, afirma-
bros da família devem ser submetidos a trata-
va-se que o contágio aconteceria de forma di-
mento. Outros parasitas intestinais como Giardia
reta e a transmissão na infância (menores de
lamblia e B. hominis, se presentes, necessitam
10 anos) poderia ocorrer por meio de toalhas
também ser tratados concomitantemente.
úmidas, sem deixar de pensar na violência sexu-
Quando a causa da enfermidade é um al. Atualmente, muitos trabalhos têm mostrado
corpo estranho, este deve ser removido da va- que não há um contágio, mas uma colonização
gina o mais rápido possível, com cuidado e de- cujo desequilíbrio se daria provavelmente por
licadeza e concomitantemente tratar o processo um parasitismo de fagos na população bacte-
inflamatório. riana aeróbia. O CDC – Atlanta no seu último
protocolo não mais considera a possibilidade
A inoculação hematogênica da vulva e
de transmissão, principalmente sexual.
da vagina por germes causadores de infecção
localizada em outro ponto do organismo e a A vaginose bacteriana, nas pré-puberes,
transmissão por meio de mãos contaminadas pode estar associada à queixa de corrimento
são outras causas de vulvovaginites em crian- em cerca de 5% dos casos e de prurido em tor-
ças. História de infecção, comprometendo as no de 3% das vezes. O tratamento é idêntico ao
vias aéreas superiores, pele, trato urinário ou da infecção por Trichomonas vaginalis.
gastrointestinal ou outros locais, pode estar
Como já foi abordado anteriormente, a
presente. O tratamento depende da definição
sintomatologia e o tratamento são os mesmos
da fonte primária de infecção, obtendo-se os
em todas as faixas etárias. Para não se tornar
resultados de culturas e determinando-se o tra-
repetitivo, estenderemo-nos um pouco mais fa-
tamento indicado. A antibioticoterapia prescrita
lando sobre vaginose e vaginites, no capítulo de
para a infecção primária tende a curar também
vulvovaginite no menacme.
a infecção vaginal. Uma boa higiene perineal e
banhos de assento, como antes descrito, são
importantes para proporcionar o alívio dos sin- 5.3. Candidíase vaginal
tomas e evitar a recorrência. O tratamento local
com antimicrobianos deve ser iniciado nos ca- É o micro-organismo encontrado com
sos em que o exame bacterioscópico não de- maior frequência nas infecções da infância, na

Faculdade Christus 89
Capítulo 9

pré-menarca e pós-menarca, como único agen- de administração do creme tópico intravaginal.


te causal ou como etiologia mista. As leveduras As opções terapêuticas incluem diversos anti-
são fungos constituintes da microbiota vaginal, micóticos tais como nistatina, cetoconazol, mi-
mas em algumas mulheres e em circunstâncias conazol, clotrimazol, itraconazol e o fluconazol.
ainda obscuras, a população de Candida sp A medicação por via oral está indicada para eli-
aumenta e provoca uma vaginite intensa, com minar a infecção gastrointestinal que é conside-
uma descarga vaginal caseosa, que pode ser rada o “reservatório dos fungos”. Para pacientes
acompanhada por uretrite e disúria, simulando, maiores de 10 anos e com o peso acima de 40
em muitos casos, uma infecção do trato uriná- kg pode ser prescrito fluconazol oral, 01 cápsula
rio. A Candida sp é responsável por 20 a 25% de 150 mg em dose única, repetindo-se somen-
dos corrimentos genitais de natureza infeccio- te em casos de recidiva. Em meninas menores
sa. Na maioria das vezes, entre 60% e 70%, a de 10 anos, pode-se prescrever fluconazol 3 a 6
espécie C.albicans é a responsável por estes mg/kg de peso em 01 cápsula de 50 mg diária
quadros. Contudo, nos restantes dos casos, ou- ou 01 cápsula de 12 em 12 horas. Com essas
tras espécies de Cândida (C.glabrata, C. krusei, doses se produz melhora em cerca de 90% dos
C.tropicalis, C. parapsilosis, entre outras) ou ou- casos. Em geral, associa-se a terapia oral com o
tros fungos podem produzir idênticas manifes- tratamento tópico ou endovaginal, com cremes
tações clínicas. antimicóticos, que devem ser aplicados pela
“sonda- seringa”. A aplicação do creme deverá
Ainda não existem estatísticas da sua
ser realizada por um profissional experiente ou
incidência na infância. Na maioria dos casos,
pela mãe, quando orientada, para não trauma-
a doença se desenvolve em recém-nascidas e
tizar a criança, pois é um método atraumático,
crianças com poucos meses de idade, já que
indolor, rápido e de fácil aplicação.
durante essa época o meio vaginal contém gli-
cogênio, o seu pH é baixo e a vagina é mais es- Vários autores indicam, principalmen-
trogênica. te nessa faixa etária, violeta de genciana, mas
nós não compartilhamos dessa conduta. Um
O alto teor de glicogênio encontrado nas
complemento à medicação e que alivia muito a
células epiteliais vaginais, a antibioticoterapia, o
sintomatologia externa é o asseio da região ge-
diabetes, os imunossupressores e o tipo de ves-
nital com solução alcalinizante de bicarbonato
timenta íntima são condições predisponentes
de sódio (4g em 240 ml de água filtrada e/ou
ao aparecimento dessa patologia.
fervida em temperatura natural). A associação
À inspeção vulvar, observa-se hiperemia de cremes antimicóticos combinados com cor-
difusa, que pode se estender para a região ticoide é indicada por alguns autores, para apli-
perineal ou face interna das coxas. Podemos cação vulvar, quando os sintomas e sinais são
observar também edema vulvar, hiperemia muito severos.
vaginal e, às vezes, placas esbranquiçadas na
Em casos recorrentes pode-se instituir a te-
parede vaginal e que se desprendem com fa-
rapia preventiva prolongada, semanal ou mensal.
cilidade. O aspecto da vulva se assemelha ao
do líquen escleroso; deve-se fazer o diagnós-
tico diferencial.
5.4. Tricomoníase vaginal
O diagnóstico se faz principalmente por
Quando procuramos na literatura a tri-
meio de exame a fresco, citologia, Gram. A cultu-
comoníase na infância, a resposta é sempre a
ra (Sabouraud) só estará indicada quando os mé-
mesma: - é uma infecção inexistente ou pou-
todos anteriores não demonstrarem a presença
co comum em meninas, pois é um parasita que
de micélios e a clínica é indicativa de infecção mi-
prefere um ambiente estrogenizado para seu
cótica ou nos casos de candidíase vulvovaginal
desenvolvimento. Mas pode ser encontrado em
recorrente para identificação da espécie e de sua
neonatas (infectadas no canal de parto), meni-
capacidade de resistência à terapia.
nas que sofreram abuso sexual, quando familia-
Quanto ao tratamento, os fatores pre- res estão contaminados e em pacientes duran-
disponentes devem ser avaliados e, a pacien- te a pré-menarca. Entretanto, na tese de Livre
te orientada. Docência de Moreira, um estudo realizado em
8081 pacientes menores de 12 anos, verifica-se
O tratamento da vulvovaginite por Cân-
que 80,7% (6524) eram portadoras de vulvova-
dida em crianças está limitado pela dificuldade

90 Faculdade Christus
Capítulo 9

ginites e destas, 6,8% (442) apresentavam trico- D- Referências Bibliográficas


moníase vulvovaginal, mostrando assim que a
patologia não é tão rara nessa faixa etária. O BEHRMAN, R.E.; KLIEGMAN, R.M.; JENSON, H.B.
tricomonas é ativamente móvel no conteúdo Vulvovaginite. In:______. Nelson: Tratado de Pe-
vaginal, em solução salina e em ambientes com diatria. 16. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
temperatura de 39°C e pH entre 4,8 e 7,6.2 Pode gan, 2002. cap. 557, p. 1635-1638.
sobreviver em ambiente extragenital (como as-
BEREK, J. S. Berek & Novak: Tratado de Gineco-
sento de vaso sanitário), por até 45 minutos, no
logia. In: HILLARD, P. J. A. Doenças Benignas do
esperma por cerca de 6 horas e nas vestes úmi-
Aparelho Reprodutivo Feminino. 14. ed. Rio
das de infectados por até 24 horas.
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. cap. 14, p.
Apesar do habitat natural ser a vagina, o 333-336.
tricomonas pode ser encontrado ocasionalmen-
ELEUTÉRIO JR., J.; ELEUTÉRIO, R. M. N. Vaginites
te na uretra, bexiga, canal endocervical, glându-
na infância: valor do estudo do esfrgaco vaginal
las de Skene e glândulas de Bartholin.
por Papanicolaou e por Gram usando o escore
O quadro clínico varia de acordo com a de Nugent. Newslab, v.74 p.124-30, 2006.
intensidade do processo, seja ele agudo crônico
ou até assintomático. ELEUTÉRIO JR., J.; Vaginose bacteriana: e a falta de
infiltrado inflamatório vaginal um fator importan-
Ao exame ginecológico, a inspeção nos
te? Rev. Bras. Anal. Clin., v.37, p.219-21, 2005.
mostra lesões dermatológicas na região vulvo-
-perineal e adjacências. Edema e congestão ves- FONTOURA, A.R.H. Enterobius vermiculares:
tibular, com exsudado espumoso, são comuns uma importante causa de vulvovaginites na in-
nos casos agudos; se ocorrerem pequenas per- fância. Revista Baiana de Saúde Pública, Sal-
das sanguíneas, pode-se realizar a colpovirgos- vador, v. 27, n. 2, p. 277-286, jul./dez. 2003.
copia que evidenciará uma mucosa vaginal in-
flamada e com petéquias. GIRIBELA, A.H.G. et al. Vulvovaginite na infância
e puberdade. Pediatria Moderna, São Paulo, v.
Para a identificação do parasita, o método 41, n. 4, p. 151-156, jul./ago. 2005.
de eleição é o exame direto a fresco. O conteúdo
vaginal será diluído em solução salina a 0,09% e HUFFMAN, J. W.; DEWHURST, C. J.; CAPRARO,
poderá se observar a mobilidade do Trichomonas V. J. Premenarchial Vulvovaginitis In: ______. The
vaginalis. O material deve ser examinado imedia- Gynecology of Childhood and Adolescence.
tamente após sua retirada da vagina, uma vez que W.B.Saunders Company, Philadelphia, 1981. cap
a demora no exame imobiliza o protozoário. 6 . p. 121 – 40 .
As culturas são muito sensíveis (Diamond e/ KOTCHER, E.; KELLER, K.; GRAY, L.A. A microbio-
ou de Kupferberg), mas raramente são utilizadas. logical study of pediatric vaginitis. J Pediatr. v.
Diferentemente da vaginose bacteriana, podem 53, p.219, 1958.
estar presentes lactobacilos. O tricomonas também
é detectado no exame de Papanicolau, mas pode MAGALHÃES, M. L. C.; ELEUTÉRIO JÚNIOR, J.;
ocorrer uma alta incidência de falsos positivos. FURTADO, F.M. Vulvovaginites. In:______. REIS, J.
T. L. Ginecologia infanto-juvenil: Diagnóstico
Quanto ao tratamento, para as recém-nasci- e Tratamento. 1. ed. Rio de Janeiro: Medbook,
das a dose recomendada é: metronidazol 5 mg/ 2007. cap. 8, p. 68-72.
kg a cada 8 horas por via oral durante 05 dias.
Piato preconiza em meninas de 01 a 05 anos, MOREIRA, A. J. Tricomoníase Vulvovaginal na
5 mg/kg de 12 em 12 horas e nas de 05 a 10 Infância. Tese (Livre Docência). Disciplina de
anos de 8 em 8 horas ou se preferir, dose úni- Ginecologia, Faculdade de Medicina da Univer-
ca de 01g. Quando a idade se situa entre 08 e sidade Federal Fluminense, Niterói - Rio de Ja-
12 anos, pode-se prescrever comprimidos na neiro, 1976.
dose de 125 mg a cada 12 horas, durante 10
RRJME, M.F.B.; BEREZOWSKI, G; FONSECA, F. V.
dias, aumentado essa dose para 2g por dia em
Vulvovaginites na Infância. Femina Revista da
dose única, após os 12 anos. O tratamento local
Federação Brasileira das Sociedades de Gine-
concomitante está indicado com aplicação en-
cologia e Obstetrícia, São Paulo, v. 29, n. 3, p.
dovaginal de creme com metronidazol.
131-133, abr. 2001.

Faculdade Christus 91
Capítulo 9

SANFILIPPO, J. S.; MURAM, D.; DEWHURST, J.;


LEE, P. A. Pediatric and Adolescent Gynecology.
In: RAU, F. J.; MURAN, D. Vulvovaginitis in chil-
dren and adolescents. W.B. Saunders Compa-
ny. Philadelphia, 2001. chapter 13.p199-215.

ZEIGUER, N.; GRYNGARTEN, M.; PACHECO, B.P.


Infecciones genitales en la Recien nacida y
en la infancia - in Manual de Ginecologia In-
fanto – Juvenil. Sociedad Argentina de Gine-
cologia Infanto Juvenil. Buenos Aires: Edditorial
Ascune Hnos, 1994. p. 231-246. cap 16.

92 Faculdade Christus
Capítulo 10
VULVOVAGINITES NA ADOLESCÊNCIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Lívia Mara Almeida Silveira
Marta Gabriela Silvestre Coelho Carvalho

A- PROBLEMA rença é pouco relevante frente a todas as mo-


dificações biológicas, psicológicas e sociais que
A.F.P., 16 anos, compareceu ao consultó- caracterizam esse período da vida. Sexualmen-
rio ginecológico com queixa de corrimento em te, a adolescente atinge muito cedo a condição
grande quantidade, de aspecto bolhoso, com de adulta (capacidade de procriar). Entretanto,
odor, prurido vulvar e, às vezes, disúria. Refere precisa de mais tempo para assimilar emocio-
ter utilizado uma medicação antifúngica, orien- nalmente essas modificações.
tada por uma amiga, mas não houve melhora
do quadro. Como tem vida sexualmente ativa Conforme estimativa da Organização das
há 2 anos e não faz uso de preservativo, está Nações Unidas (ONU), os adolescentes repre-
preocupada. Será que estou com uma doença sentam cerca de 25% da população mundial.
grave, doutor? Exame físico, sem alterações. No Brasil, segundo dados do censo demográ-
Exame ginecológico: vulva hiperemiada, ede- fico do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
maciada. Presença de conteúdo vaginal abun- tística (IBGE) de 1991, esse grupo corresponde
dante e colo com intensa colpite focal. a 21,84% da população do país, sendo que nos
últimos 25 anos a distribuição de jovens nas re-
giões urbanas triplicou.
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A maior vulnerabilidade desse grupo aos
agravos, determinada pelo processo de cresci-
1. Enumerar as hipóteses diagnósticas para o caso
mento e desenvolvimento, coloca-o na condi-
2. Descrever como fazer o diagnóstico dife-
ção de presa fácil das mais diferentes situações
rencial
de risco, como gravidez precoce, muitas vezes
3. Listar os sinais e sintomas das diferentes
indesejada, DST/Aids, acidentes, diversos tipos
vulvovaginites
de violência, maus tratos, uso de drogas, eva-
4. Propor os exames para realização do diag-
são escolar, entre outros. Quando somados es-
nóstico
ses fatores à importância demográfica que esse
5. Relatar a conduta terapêutica para cada vul-
grupo representa, encontra-se plenamente jus-
vovaginite especifica da faixa etária
tificada a necessidade de atenção integral à sua
saúde, levando em consideração as peculiarida-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA des específicas dessa faixa etária.

Segundo a Organização Mundial da Saú- Para Halbe (2000), durante esse perío-
de (OMS), a adolescência compreende a faixa do, são várias as razões que configuram uma
etária entre 10 e 19 anos. De acordo com o Es- visita ao ginecologista: irregularidades no ci-
tatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069 clo menstrual, acne, contracepção, orientação
de 13/07/90), é considerado adolescente o in- sexual e, em um lugar de destaque, ficam as
divíduo entre 12 e 18 anos de idade. Essa dife- vulvovaginites. É responsável por aproxima-
Capítulo 10

damente 10 milhões de visitas por ano ao gi- saúde reprodutiva e enfatizar a importância do
necologista. exame ginecológico de rotina. Faz-se inicialmen-
te a inspeção vulvar, a classificação do desen-
Os processos infecciosos são mais fre-
volvimento dos pêlos, observa-se a presença ou
quentes nessa faixa etária devido às alterações
não de processo inflamatório e/ou traumatismo
hormonais. As sequelas dessas infecções incluem
e a condição do hímen. O método utilizado para
distúrbios mais sérios do trato genital superior
a coleta do conteúdo vaginal vai depender da in-
(por exemplo, salpingooforite com resultante
tegridade do hímen e de seu relaxamento.
infertilidade). Na avaliação de uma adolescente
que apresenta sinais e sintomas de vulvovagini- Em adolescentes, são comuns as infec-
te, precisa-se levar em consideração o estágio ções mistas. A avaliação do corrimento quanto
puberal, o envolvimento sexual atual ou recente à intensidade, cor, características, odor e pH é
(voluntário ou associado à agressão) e os mé- importante. As infecções da vagina, colo, útero,
todos de anticoncepção (caso sejam usados), já trompas de Falópio e do trato urinário produ-
que todos estes fatores podem influenciar no zem sintomas semelhantes, tais como disúria,
tratamento. A possibilidade de infecção sexual- prurido vulvar, dispareunia e aumento ou alte-
mente transmitida é motivo de significativa pre- ração do conteúdo vaginal.
ocupação para essas meninas e, dessa forma, a
A adolescente deve ser questionada sobre
consulta clínica proporciona a oportunidade de
o desejo da presença do responsável durante a
orientar a paciente e facilitar sua adesão ao trata-
consulta. É importante, também, explicar como
mento recomendado porque a atividade sexual
será realizado o exame bem como mostrar os
expõe as jovens a muitos patógenos.
instrumentos que serão utilizados.
A vulvovaginite na adolescente sem ati-
Na adolescência, as vulvovaginites de-
vidade sexual tem, em geral, as mesmas cau-
nominadas “inespecíficas” são encontradas
sas encontradas nas vulvovaginites da infância.
muito raramente.
Além disso, nesse período também é muito co-
mum a ocorrência de queixas de corrimento em
determinados dias do mês, correspondente ao XX Vaginose bacteriana
período da ovulação. Esse conteúdo vaginal, em Muitas pacientes portadoras de vaginose
geral, não apresenta sintomas associados. podem ser assintomáticas, mas a manifestação
Nas adolescentes com atividade sexual, clínica mais comum desta enfermidade é um
em geral, os micro-organismos são os mesmos corrimento vaginal fino, homogêneo, branco-
encontrados na mulher adulta: Cândida, Tricho- -acinzentado e com forte odor. A paciente pode
monas, Gardnerella. Podem também ocorrer apresentar também uma sensação de “queima-
as cervicites (Clamídia ou Gonococo), além de dura” na vulva e prurido, mas a característica
infecções por HPV, que devem ser adequada- principal é uma inflamação leve; daí o nome
mente acompanhadas. As infecções geralmente mais apropriado ser vaginose e não vaginite.
se iniciam como uma vaginite primária e o cor- A avaliação microscópica de uma gota do
rimento associado pode provocar uma vulvite conteúdo vaginal e de soro fisiológico nos mos-
secundária. É necessária uma investigação adi- tra células epiteliais vaginais pontilhadas, cujos
cional para se determinar se o processo infla- bordos se acham escurecidos pelas bactérias ade-
matório atingiu o trato genital superior. rentes. Esse aspecto típico é denominado “célu-
O uso de antibióticos, duchas, secreções las indicadoras” ou “clue cells”. Uma coloração do
alcalinas durante as menstruações, sabões alca- fluido vaginal pelo Gram revela microbiota rica em
linos e diabetes mellitus mal controlada estão elementos cocobacilares Gram variáveis, eventu-
entre as causas mais comuns de alteração da almente com bacilos curvos Gram negativos para
microflora vaginal. Gram variáveis, com poucos lactobacilos. As cul-
turas do conteúdo vaginal têm um valor limitado,
Durante a anamnese, é importantíssimo
porque esses organismos se encontram na flora
que o profissional estabeleça uma relação de
vaginal normal em mais de 50% das mulheres.
confiança com a adolescente.
Para Silveira, é mais frequente em mulhe-
Durante a anamnese e o exame físico, o
res que usam DIU (50%) do que nas que usam
profissional terá a oportunidade para orientar a
anticoncepcionais orais (20%).
paciente quanto ao desenvolvimento puberal, à

94 Faculdade Christus
Capítulo 10

Vaginose bacteriana é considerada por Nas adolescentes com vida sexual ativa,
muitos autores como uma síndrome que basica- nas formas leves, ao exame especular, observa-se
mente se associa a um desequilíbrio da micro- um fluxo semelhante ao da vaginose. O diagnós-
biota vaginal com mudança de sua população tico diferencial se faz pelo aspecto da mucosa;
bacteriana predominantemente aeróbia (Lacto- na tricomoníase, a mucosa vaginal é congesta
bacillus sp), na vagina normal, para anaeróbia e pode apresentar (20%) máculas semelhantes
(Gardnerella vaginalis, Prevotella sp, Bacteróides a pequenas framboesas muito típicas e distri-
sp, Mobiluncus sp e Peptostreptococcus sp). As buídas por toda a vagina e cérvice. À inspeção,
razões para este desequilíbrio são desconheci- geralmente, encontra-se eritema vulvar e vaginal
das, embora a perda de lactobacilos produtores além de hemorragias puntiformes da vagina e do
de peróxido de hidrogênio, que é tóxico para colo, que podem resultar em sangramento pós-
numerosos anaeróbios, deva ser um elemento -coito, alterando a cor do corrimento.
essencial. Atualmente o diagnóstico desta con-
Para adolescentes, o tratamento de elei-
dição reside em critérios clínico-laboratoriais
ção é o metronidazol ou secnidazol, via oral, 2
(critérios de Amsed (corrimento homogêneo
gramas em dose única, associado a medicação
e fino, teste das aminas positivo, bacilos supra
tópica, como o uso de asseio com substâncias
citoplasmáticos sugestivos de Gardnerella vagi-
acidificantes e cremes vaginais de metronida-
nalis e pH vaginal > 4,5). A presença de 3 dos
zol. O tratamento do parceiro sexual também
4 critérios permite o diagnóstico em 90% das
é recomendado. A terapia sistêmica visa ao tra-
mulheres ou pelo exame bacterioscópico por
tamento adequado dos reservatórios uretrais e
coloração de Gram.
periuretrais. Após o tratamento, deve-se orien-
O tratamento é idêntico ao da infecção tar a paciente no sentido de retornar para con-
por Trichomonas vaginalis, não havendo neces- trole, com o objetivo de nos certificarmos da
sidade de tratar o parceiro sexual. recuperação do fluxo normal.

XX Infecção por Trichomonas vaginalis XX Candidíase vaginal


Em adolescentes, a tricomoníase é respon- Estima-se que três quartos da população
sável por 15 a 20% dos casos de vulvovaginites. mundial de mulheres adultas manifestam a can-
didíase vaginal em alguma ocasião de suas vi-
Ainda que se afirme que o germe sobre-
das e, em muitas delas, a doença é recorrente.
vive durante várias horas em ambiente extrage-
nital, sabe-se que é transmitido principalmente Ainda não existem estatísticas da sua inci-
por meio do contato sexual. É frequente sua as- dência na adolescência.
sociação com outros patógenos como G. vagi-
As manifestações clínicas são semelhan-
nalis, candida, gonococos e clamídias.
tes em todas as faixas etárias: hiperemia vulvar,
O quadro clínico varia de acordo com corrimento branco-caseoso e prurido que pode
a intensidade do processo, seja ele agudo, ser intenso.
crônico ou até assintomático. A queixa da pa-
Os principais métodos diagnósticos são
ciente é a mesma em qualquer faixa etária. O
exame a fresco, citologia e Gram.
fluxo é abundante, espumoso (anaeróbios), de
cor amarelada, às vezes purulento e de odor O tratamento indicado para pacientes
desagradável. A leucorreia espumosa com pe- maiores de 10 anos e com peso acima de 10kg
quenas bolhas de ar é quase sempre sinal pa- é o fluconazol via oral, 1 cápsula de 150mg em
tognomônico de tricomoníase. Podemos tam- dose única, repetindo somente em casos de
bém observar sintomas como prurido, disúria recidiva. Pode-se associar a terapia tópica com
e dispareunia. uma das seguintes drogas: tioconazol (dose
única), nistatina, cetoconazol, miconazol ou clo-
Ao exame ginecológico, a inspeção nos
trimazol (duração de 3 a 7 dias). Para alívio da
mostra lesões dermatológicas na região vulvo-
sintomatologia externa, indica-se asseio da re-
-perineal e adjacências. Edema e congestão
gião genital com solução alcalinizante de bicar-
vestibular, com exsudado espumoso, são co-
bonato de sódio (4g em 240 mL de água filtrada
muns nos casos agudos; podem ocorrer peque-
e/ou fervida em temperatura natural).
nas perdas sanguíneas.
É importante reforçar as medidas de higiene.

Faculdade Christus 95
Capítulo 10

D- Referências Bibliográficas REHME, M.B. O exame ginecológico da criança


e da adolescência. In: HALBE, H.W. Tratado de
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96 Faculdade Christus
Capítulo 11
VULVOVAGINITES NO MENACME
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Juliana Costa Alencar

A- PROBLEMA A anamnese deve ser bem realizada, pois


sugere o diagnóstico em muitos casos. As queixas
M.C.R., 35 anos, G2P2, procurou o am- da paciente não devem ser desvalorizadas apenas
bulatório de ginecologia com queixa de corri- porque o diagnóstico de vulvovaginite é comum.
mento, em grande quantidade, prurido, disúria Devem ser sistematicamente pesquisados:
e dispareunia, que teve início há 7 dias. Refe-
re fazer a prevenção do câncer ginecológico ƒƒ Corrimento
anualmente e nunca apresentou quadro seme- • Cor (amarelada, esbranquiçada, esverdeada etc.)
lhante. Seus ciclos menstruais sempre foram • Aspecto (fluido, viscoso, grumoso, espumoso)
normais e faz uso de anticoncepcional oral há • Quantidade
5 anos. Exame físico, sem alterações. Exame gi- • Odor
necológico: vulva hiperemiada, edema vulvar; • Relação com o ato sexual
vagina com grande quantidade de conteúdo • Início e evolução temporal
branco, com grumos. • Associação a prurido
• Associação à dor pélvica
• Outros sintomas associados
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ƒƒ Disúria
ƒƒ Dispareunia
1. Enumerar as hipóteses diagnósticas para o caso ƒƒ Desconforto vulvar
2. Descrever como fazer o diagnóstico diferencial ƒƒ Prurido vulvar
3. Listar os sinais e sintomas das diferentes ƒƒ História pregressa (vulvovaginite de repetição)
vulvovaginites ƒƒ Tratamentos realizados e resposta/tratamento
4. Propor os exames para realização do diagnóstico do parceiro
5. Relatar a conduta terapêutica para cada vul- ƒƒ Antecedentes mórbidos e fatores predispo-
vovaginite especifica da faixa etária nentes (diabetes melittus, antibioticoterapia
sistêmica, gestação, imunodepressão)
ƒƒ Hábitos higiênicos e sexuais
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
1. Introdução Para corroborar o diagnóstico, tão impor-
Os sintomas causados pelas infecções tante quanto a anamnese, são os achados do
do trato genital inferior estão entre as quei- exame ginecológico. Devem ser avaliados:
xas mais comuns das pacientes ginecológicas; ƒƒ Vulva: hiperemia, lesões de pele (escoriações)
chega a 80% das hipóteses diagnósticas na e presença de corrimento
primeira consulta. Embora comumente não ƒƒ Vagina: hiperemia, edema, petéquias, ulcera-
constituam situação de gravidade, podem ções, atrofia, conteúdo vaginal (descrever as-
acarretar sintomas incômodos e, malgrado a pecto, odor, quantidade)
opção terapêutica adotada, recidivas e rein- ƒƒ Colo uterino: ectopia, petéquias, exsudato
fecções são comuns.
Capítulo 11

Muitas vezes, somente o quadro clínico é de 105 a 106 por grama de fluxo, sendo que os
insuficiente para determinar a etiologia do cor- anaeróbios aumentam muito nas infecções che-
rimento genital, de modo que, para o estabe- gando a 109-1011/g de fluxo.
lecimento do diagnóstico etiológico, é de fun-
A interrelação dos micro-organismos da
damental importância o estudo do ecossistema
flora endógena com patógenos exógenos pode
vaginal, o qual compreende a medida do pH e a
ser de sinergismo, antagonismo ou indiferença.
avaliação da flora.
O resultado destas relações determina a extin-
ção de algumas das bactérias ou a invasão tis-
sular e a infecção do hospedeiro.
2. Testes diagnósticos
Como nos capítulos anteriores sobre vul-
ƒƒ Avaliação do pH (papel de hidrazina)
vovaginite, abordaremos as principais causas de
ƒƒ Exame a fresco
corrimento vaginal.
• Preparo das lâminas:
• Montagem em solução salina (soro fisio-
lógico) 3.1. Vaginose bacteriana
• Montagem em hidróxido de potássio
(KOH a 10%) A abordagem não difere das adolescen-
• Cobrir com lamínula e levar ao microscópi- tes. Trata-se de uma síndrome caracterizada
co óptico, com aumento de 10 a 40 vezes por infecção polimicrobiana, cuja ocorrência
ƒƒ Teste das aminas (Whiff-Test): com KOH a depende do sinergismo entre a Gardnerella va-
10%, o teste é positivo quando há liberação ginalis e as bactérias anaeróbicas (Mobiluncus
do odor característico, de “peixe podre”, pela e bacteroides) que estão associados ao decrés-
liberação das aminas putrescina e cadaverina. cimo de lactobacilos.
ƒƒ Amostra endocervical (em casos especiais), Prefere-se o termo vaginose ao termo va-
para pesquisa de Chlamydia, Neisseria gonor- ginite, pois a resposta inflamatória é escassa, apa-
rhoeae, herpesvírus, micoplasmas: para inves- recendo em cerca de apenas 50% das infecções
tigação de cervicite. genitais baixas. A importância da vaginose não se
ƒƒ Colpocitologia oncótica: é obrigatória no se- deve apenas à sua elevada frequência, mas, prin-
guimento ambulatorial de todas as pacientes, cipalmente, ao relacionamento com enfermidades
para rastreamento do câncer cervical. Pode obstétricas, como a corioamnionite, trabalho de
colaborar para o diagnóstico etiológico das parto prematuro e endometrite pós-parto. Além
vulvovaginites. dessas entidades, há relação com endometrites
ƒƒ Bacterioscopia (Gram): indicada nas situações não puerperais, salpingites, infecções pós-opera-
indicadas para cultura. tórias e infecções do trato urinário.
Não se deve solicitar, de rotina, cultura
O quadro clínico: corrimento abundan-
do conteúdo vaginal; apenas está indicada em
te, homogêneo, branco-acinzentado, de odor
casos selecionados em que há forte suspeita clí-
fétido e com pequenas bolhas. O odor pio-
nica e testes diagnósticos negativos. A cultura
ra após o coito ou durante a menstruação,
do conteúdo vaginal simples geralmente só de-
quando o pH vaginal se eleva. Observa-se,
monstra os germes comensais da vagina (flora
eventualmente, disúria, dispareunia, prurido e
normal), que não necessitam de tratamento.
colpite discreta.

3. Diagnóstico Diferencial e Conduta


Testes diagnósticos: já abordados.
Terapêutica das Principais Queixas Medidas medicamentosas: com o uso dos
de Corrimento Vaginal derivados nitroimidazólicos, os índices de cura che-
É importante considerar que nem sempre gam a 90%. Quando o Mobiluncus curtis está en-
o fluxo vaginal é sinônimo de patologia e que volvido, costuma haver resistência aos nitroimida-
nem toda patologia é infecciosa. zólicos. Nesse caso, pode-se utilizar tianfenicol em
dose de 2,5g/dia, por 2 dias, ou clindamicina por 7
A ecologia vaginal é dinâmica, observan-
dias em doses de 300mg a cada 12 horas, VO.
do-se flora endógena de colonização perma-
nente, intermitente e transitória. A flora da va- Como opção terapêutica durante a gravi-
gina possui um número de bactérias que varia dez, usa-se a amoxacilina na dose de 500mg, a

98 Faculdade Christus
Capítulo 11

cada 8 horas, VO, durante 7 dias ou, pelo mes- das vulvovaginites. O Trichomonas é um orga-
mo período, a clindamicina, VO ou vaginal. nismo resistente, capaz de sobreviver em toa-
lhas molhadas e em outras superfícies, e, por-
Quanto ao parceiro da paciente, embora
tanto pode ser transmitido por via não sexual.
pareça controverso, prefere-se não tratá-lo ro-
O seu período de incubação varia de 4 a 28 dias.
tineiramente. Essa conduta alicerça-se no fato
de a vaginose ocorrer devido a um desequilíbrio A associação com gonococo é comum,
da flora vaginal e não pela introdução de algum provavelmente devido à sua capacidade de
agente agressor estranho ao meio vaginal. fagocitá-lo. O sinergismo infeccioso com flora
anaeróbica também é frequente.
O corrimento profuso, amarelo ou ama-
3.2. Candidíase vaginal
relo-esverdeado, bolhoso e fétido, pode ser
O quadro clínico também não difere das acompanhado de disúria, prurido e dispaurenia.
outras faixas etárias: corrimento branco, em pla- O aspecto bolhoso decorre da frequente asso-
cas, aderente, com aspecto de leite coalhado e ciação ao Micrococcus alcaligenies aerogenes.
prurido intenso, determinando hiperemia, mace- Os sintomas intensificam-se no período pré-
ração e escoriações na região vulvar, causando, -mentrual e a colpite, de natureza focal, expres-
às vezes, disúria e dispareunia. Os sintomas po- sa-se clinicamente pelo “colo em framboesa” e
dem ser decorrentes de reação alérgica á toxina pelo aspecto “tigróide” ao teste de Schiller.
da levedura (canditina) e surgem ou pioram na
O tratamento, também como já aborda-
fase pré-menstrual. Existe colpite difusa ao exa-
do, pode ser realizado por meio de nitroimi-
me ginecológico e, frequentemente, ocorre a
dazólicos, preferencialmente por via sistêmica,
forma ulcerativa, acompanhada de sintomas do-
para atingir a infecção uretral e vesical. Na ges-
lorosos, principalmente durante a micção. Essa
tação, aconselha-se clotrimazol tópico, de eficá-
forma clínica pode simular infecção herpética.
cia moderada, por ser inócuo ao feto.
Apenas uma minoria das mulheres com
Nas falhas do tratamento ou recidivas,
infecção clínica apresenta um dos fatores consi-
excluir a reinfecção; a causa mais comum é a
derados como facilitadores dessa doença como:
ausência de tratamento do parceiro. Cepas mais
gravidez, utilização de contraceptivos hormo-
resistentes respondem bem ao aumento da dose
nais com altas doses de estrogênio, diabetes
(1,2 até 2-3g/dia), ou ao emprego de tinidazol.
melittus, utilização de antibióticos sistêmicos de
largo espectro, vestuário inadequado com a uti- Os parceiros sexuais devem ser tratados e
lização de fios sintéticos, desodorantes íntimos as pacientes devem ser instruídas a evitar o in-
e absorventes perfumados, que predispõem à tercurso sexual até que o tratamento seja com-
reação alérgica local. pletado e os sintomas resolvidos.
O tratamento das candidíases nessa faixa
etária é idêntico ao preconizado às adolescen-
tes. Se o processo é recorrente, utiliza-se, na fase
D- Referências Bibliográficas
aguda, o tratamento oral e o creme intravaginal AMORIM, M.M.R. Vulvovaginites. In: SANTOS,
por 14 dias. Na etapa seguinte, o tratamento su- L.C.; FIGUEIREDO, S.R.; AMORIM, M.M. R. GUI-
pressivo deve perdurar por 6 meses. Se a opção MARÃES, V.; PORTO, A.M. Ginecologia Clínica
for via tópica, prescrever clotrimazol, 01 óvulo – Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro:
intravaginal de 500mg/semana; se for por via MedBook, 2007. Cap.21. p.207-218.
sistêmica, pode-se utilizar fluconazol 150mg/
semana ou itraconazol a 50 a 100mg/dia BARCELOS, M.R. et al. Infecções genitais em mu-
lheres atendidas em Unidade Básica de Saúde:
Não está indicado o tratamento do par-
prevalência e fatores de risco. Rev. Bras. Ginecol.
ceiro, a menos que ele também apresente algu-
Obstet., Rio de Janeiro,  v. 30,  n. 7, July  2008.
ma sintomatologia.
CAROLYN, J.; SMITH, A.J. Infecções do trato genital.
In: BANKOWSKI, B.J.; HEARNEM A.E.; LAMBROU,
3.3. Infecção por Trichomonas vaginalis N.C.; FOX, E.H.; WALLACH, E.W. Manual de Gine-
É considerada uma infecção sexualmen- cologia e Obstetrícia do John Hopkins. 2.ed.
te transmissível e responsável por cerca de 25% Porto Alegre: Artmed, 2006. Cap.24, p.326-342.

Faculdade Christus 99
Capítulo 11

HOLANDA, A.A.. et al. Candidíase Vulvovaginal:


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anal concomitante. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., 
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MAGALHÃES, M.L.C.; ELEUTÉRIO JÚNIOR, J.;


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Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro: Me-
dbook, 2007. Cap 8. p. 67-83

NAUD, P.; STUCZYNSKI, J.V.; MATOS, J.C.; HAM-


MES, L.S. Vulvovaginites. In: FREITAS, F.; MENKE,
C.H.; RIVOIRE, W.A.; PASSOS, E.P. Rotinas em Gi-
necologia. Porto Alegre: Artmed, 2006. Cap.13,
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TANAKA, V.A. et al . Perfil epidemiológico de


mulheres com vaginose bacteriana, atendidas
em um ambulatório de doenças sexualmente
transmissíveis, em São Paulo, SP. An. Bras. Der-
matol.,  Rio de Janeiro,  v. 82,  n. 1, Feb.  2007 .

ZAMITH, R.; NICOLAU, S.M.; SARTORI, M.G.F.;


GIRÃO, M.J.B.C. Corrimento genital. In: GIRÃO,
M.J.B.C.; LIMA, G.R.; BARACAT, E.C. Ginecologia.
São Paulo: Manole, 2009. Cap.15, p.153-164.

100 Faculdade Christus


Capítulo 12
VULVOVAGINITE NO CLIMATÉRIO
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Raoni Carlos Madeiro

A- PROBLEMA de tempo em sua vida. A carência estrogênica


progressiva observada no climatério acarreta al-
M.G.S., 59 anos, procurou o ambulatório de terações em todo o organismo, com sintomas e
ginecologia com corrimento em pequena quan- sinais característicos de cada órgão acometido.
tidade, sem odor e com discreto prurido acom-
panhado de sensação de “queimação nas partes O trato urogenital apresenta a mesma ori-
íntimas”. Já apresentou quadros semelhantes gem – seio urogenital. Portanto, as modificações
anteriormente, foi medicada e houve melhora. observadas na vagina em decorrência do hipoes-
Nesse episódio, utilizou a mesma medicação e a trogenismo podem refletir as da uretra, trígono e
sintomatologia persistiu. Refere também disúria bexiga. No entanto, as alterações no trofismo do
e dispareunia; menopausa aos 48 anos e nega trato genital baixo da mulher podem ser lentas e
terapia hormonal no climatério. Tem vida sexual perceptíveis para algumas, e rápidas e em curtos
ativa e devido à sintomatologia presente, às ve- períodos para outras. Em geral, as mulheres que
zes não consegue ter relação sexual. Exame físi- sofrem menopausa cirúrgica, actínica ou doença
co: sem alterações. Exame ginecológico: vulva e pélvica severa tendem a apresentar mudanças
vagina hipotrófica; ausência de conteúdo vaginal. mais rápidas e sintomatologia mais intensa.
Mulheres que se encontram em estágio tar-
dio do climatério pós-menopausa e na senilida-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM de, nas quais existe acentuado hipoestrogenismo,
comumente são acometidas por vaginite atrófica
1. Enumerar as hipóteses diagnósticas para o caso
senil e complicações urinárias, especialmente in-
2. Descrever como fazer o diagnóstico diferencial
fecção. Estes distúrbios caracterizam-se pelo apa-
3. Listar os sinais e sintomas das diferentes
recimento de manifestações clínicas relacionadas
vulvovaginites
à inflamação das mucosas da vagina e da uretra.
4. Propor os exames para realização do
Esta associação é explicada não só pelo fato de que
diagnóstico
as mucosas da vagina e da porção distal da uretra
5. Relatar a conduta terapêutica para cada vul-
assemelham-se em sua morfologia, mas também
vovaginite especifica da faixa etária
porque possuem receptores de estrógeno.
Com o agravamento do hipoestrogenis-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA mo, o pH vaginal sofre aumento, em decorrência
A síndrome da deficiência estrogênica na da menor liberação de glicogênio e da drástica
mulher no climatério constitui uma entidade clí- diminuição da população de bacilos de Doeder-
nica de relevante importância. lein. A redução da acidez do meio vaginal favore-
ce o aparecimento de micro-organismos patogê-
Com o aumento da expectativa de vida nicos, que são responsáveis pela vulvovaginite. O
nos países desenvolvidos e em desenvolvimen- processo inflamatório comumente estende-se às
to, a mulher ficará exposta às consequências da áreas da vulva em que a pele é mais delgada.
privação estrogênica por um importante período
Capítulo 12

Principais alterações que ocorrem na vulva e vulvovaginite por Trichomonas vaginalis ou Cân-
na vagina nessa faixa etária: dida, o tratamento é semelhante os já abordados
ƒƒ Vulva: a lubrificação do vestíbulo vulvar prove- nos capítulos anteriores de vulvovaginite.
niente das glândulas de Bartlholin diminui como
também a secreção de muco decorrente do es-
tímulo sexual, levando à dispareunia de introdu- D- Referências Bibliográficas
ção. Do ponto de vista histopatológico há atrofia
da pele, dos tecidos dérmicos, papilar e reticular. AMORIM, M.M.R. Vulvovaginites. In: SANTOS,
ƒƒ Vagina: o epitélio vaginal perde sua estratificação, L.C.; FIGUEIREDO, S.R.; AMORIM, M.M.R.; GUI-
havendo predomínio das células basais e inter- MARÃES, V.; PORTO, A.M. Ginecologia Clínica
mediárias. A mucosa vaginal torna-se adelgaçada, – Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro:
com desaparecimento de suas pregas, favorecen- MedBook, 2007. Cap.21. p.207-218.
do processo inflamatório e hemorrágico. O terço CAROLYN, J.; SMITH, A.J. Infecções do trato ge-
superior da vagina tende a se retrair e a vagina nital. In: BANKOWSKI, B.J.; HEARNE, A.E.; LAM-
inteira reduz seu comprimento e sua elasticidade. BROU, N.C.; FOX, E.H.; WALLACH, E.W. Manual
de Ginecologia e Obstetrícia do Johns Ho-
Diagnóstico pkins. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. cap.24.
As principais queixas referentes à vagini- p.326-342.
te são: dor espontânea em queimação, secura
HALBE, H.W. et al. Síndrome do Climatério. In:
vaginal, dor às relações sexuais e sensação de
PINOTTI, J.A.; BARROS, A.C.S.D. Ginecologia
calor local. As manifestações clínicas da síndro-
Moderna. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. Cap.
me uretral são: disúria, urgência miccional, po-
26. p.211-236.
laciúria e noctúria.
Por meio de o exame especular, observa- MACHADO, L.V. Endocrinologia Ginecológica.
-se que a mucosa vaginal apresenta-se hipere- Rio de Janeiro: MedBook, 2006.
miada. O conteúdo vaginal comumente é escas- MAGALHÃES, M.L.C.; ELEUTÉRIO JÚNIOR, J.;
so e tem aspecto purulento. FURTADO, F.M. Vulvovaginites. In: MAGALHÃES,
Na maioria das vezes, essa avaliação clí- M.L.C.; REIS, J.T. Ginecologia Infanto-Juvenil:
nica é suficiente para estabelecer o diagnósti- Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro: Me-
co de vaginite senil e de síndrome uretral. Em dbook, 2007. Cap 8. p.67-83.
situações especiais, pode-se realizar o estudo
NAUD, P.; STUCZYNSKI, J.V.; MATOS, J.C.; HAMMES,
do conteúdo vaginal; não se deve esquecer do
L.S. Vulvovaginites. In: FREITAS, F.; MENKE, C.H.; RI-
exame oncocitológico que também poderá cor-
VOIRE, W.A.; PASSOS, E.P. Rotinas em Ginecologia.
roborar com o diagnóstico.
Porto Alegre: Artmed, 2006. Cap.13. p.158-167.

OLSSON, A.; SELVA-NAVAGAM, P.; OEHLER, M.K.


Tratamento Postmenopausal vulval disease. Menopause In-
Existem várias comprovações clínicas de ternational, v.14, p.169-172, 2008.
que a administração tópica exclusiva de estró-
genos ocasiona notáveis efeitos benéficos em RIBEIRO, R.M.; HEGG, R. Distúrbios urinários no cli-
relação à vaginite senil, uma vez que ocasiona matério. In: PINOTTI, J.A.; HALBR, H.W.; HEGG, R.
proliferação do epitélio da mucosa da vaginal, Menopausa. São Paulo: Rocca. Cap.29. p.263-268.
melhora do pH vaginal e, aumento da popula-
SHIFREN, J.L.; SCHIFF, I. Menopausa. In: BEREK,
ção dos bacilos de Doederlein.
J.S. Berek & Novak: Tratado de Ginecologia.
O tratamento da vaginite senil deve ser fei- 14.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
to por meio de aplicação intravaginal de cremes Cap 32, p.774-986.
contendo estrógenos. Pode-se optar pelo estriol
ou estrógenos conjugados ou promestrieno; as ZAMITH, R.; NICOLAU, S.M.; SARTORI, M.G.F.; GI-
aplicações devem ter o intervalo de 3 a 7 dias e o RÃO, M.G.F.; GIRÃO, M.J.B.C. Corrimento Genital. In:
tratamento deve ser realizado indefinitivamente. GIRÃO, M.J.B.C.; LIMA, G.R.; BARACAT, E.C. Gineco-
logia. São Paulo: Manole, 2009. Cap.15. p.153-164.
No caso de ser detectado ao exame do
conteúdo vaginal, a vaginose bacteriana ou uma

102 Faculdade Christus


Capítulo 13
ÚLCERAS GENITAIS
Olga Vale Oliveira Machado
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Maria do Livramento Leitão Vilar
Ana Mônica Pinto Moreira
Antônio Pierre Aguiar Junior

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


M.S.P., 22 anos, universitária, com vida 1. Introdução
sexualmente ativa desde os 16 anos procurou
A definição de úlcera genital é motivo de
assistência médica com queixa de “lesão na ge-
diversas interpretações clínicas em diferentes
nitália”. Mencionou que tudo começou há cinco
países. A definição mais consensual consiste em
dias, quando ao tomar banho sentiu uma lesão
perda da superfície cutânea da área anogeni-
na face interna dos pequenos lábios à direita.
tal, que atinge pelo menos a derme e está as-
Procurou olhar com um espelho e viu uma le-
sociada geralmente com sinais inflamatórios. A
são ulcerada. Refere ter vários parceiros sexu-
região genital feminina pode ser sede de várias
ais e que só usa preservativo ocasionalmente. A
patologias, sendo as úlceras genitais (UG) uma
paciente mostra-se bastante preocupada e tam-
das mais frequentes. Estas são as manifestações
bém teme estar grávida, pois sua menstruação
iniciais de muitas doenças, instalando-se a par-
está atrasada há dois meses. Nega febre, disúria
tir da necrose tecidual promovida pelo dano
e corrimento vaginal. Nega caso semelhante an-
celular em decorrência do intenso processo in-
teriormente. Nega história de câncer na família.
flamatório e isquêmico localizado. Em muitos
História Ginecológica: Menarca aos 12 anos. Iní-
casos, a lesão tecidual (necrose) poderá ser de-
cio da vida sexual aos 16 anos. G1P1 A0.
corrente de: fenômenos isquêmicos, autoimu-
Ao exame físico: vulva hiperemiada pre- nes ou mesmo irritativos e não simplesmente
sença de lesão ulcerada, única, localizada na das infecções de transmissão sexual. Tais úlceras
região dos pequenos lábios direita. O médico podem variar de apresentação de acordo com a
observou também a presença de adenomegalia etiologia, tempo de evolução da doença, idade
na região inguinal, bilateralmente. e imunidade do hospedeiro, acarretando dúvi-
das diagnósticas e resultado terapêutico insatis-
fatório, exigindo, portanto, em sua abordagem,
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM anamnese e exame físico detalhados, associa-
dos a exames complementares.
1. Identificar a epidemiologia das diversas
úlceras As úlceras genitais femininas (UGF) têm
2. Definir o quadro clínico. assumido grande importância dentro dos pro-
3. Estabelecer propedêutica e o diagnóstico gramas de saúde nos últimos anos, não só pelo
diferencial desconforto orgânico próprio da doença, mas
4. Conhecer a terapêutica também por estarem, intimamente, relaciona-
das a altas taxas de transmissibilidade da AIDS.
A presença dessas lesões aumenta em 18 vezes
o risco de transmissão do HIV. Paralelamente a
Capítulo 13

isto, essa afecção pode desempenhar um pa- 1.3. Etiologia


pel importante nos diagnósticos das neoplasias
As úlceras genitais podem ser determina-
malignas da vulva.
das por doenças sexualmente transmissíveis e
Diante dos vários diagnósticos diferen- por doenças não sexualmente transmissíveis.
ciais e das dificuldades práticas em se esta-
As causas das úlceras sexualmente trans-
belecer um diagnóstico etiológico, existe uma
missíveis são: sífilis primária, herpes, cancro
tendência acertada e prudente de considerar
mole, donovanose, linfogranuloma venéreo.
a princípio, toda úlcera genital feminina, como
uma possível Doença Sexualmente Transmissí- As causas das úlceras não sexualmente
vel (DST). Assim, a Organização Mundial da Saú- transmissíveis são: trauma, reações a drogas
de (OMS) e o Ministério da Saúde incentivam (Síndrome de Steven Johnson), acne, doença de
fortemente a prática da abordagem sindrômica Behçet, aftose bipolar e complexa, eritema mul-
das úlceras genitais, já no primeiro contato da tiforme, líquen plano, pênfigo, dermatose bo-
paciente com o serviço de saúde básico, a fim lhosa por IgA linear, Síndrome de Reiter, doença
de minimizar não apenas a evolução da doença, de Crohn, neoplasias, eritroplasias de Queirat,
mas também de diminuir os riscos da paciente doença de Paget, doença de Bowen, úlceras de
adquirir outras DST, em especial a AIDS. Lishtpuetz (ulcus), tuberculose vulvar.

1.1. Epidemiologia 1.4. Propedêutica

As doenças sexualmente transmissíveis As úlceras genitais são o principal sinal de


são a causa principal das úlceras genitais com inúmeras afecções. Por esse motivo, estabelecer o
exceção da população pediátrica e geriátrica, as diagnóstico correto é um desafio na prática clínica.
quais podem ser causadas por outras infecções, Grande parte dos diagnósticos das doen-
doenças inflamatórias, autoimunes, neoplásicas ças que cursam com úlceras genitais são elu-
ou serem idiopáticas. As doenças sexualmente cidados apenas com os achados clínicos, con-
transmissíveis reassumiram importância como sequentemente ao se realizar a anamnese e o
problema de saúde pública após a epidemia exame físico, deve-se ficar atento.
de AIDS. Estudos demonstraram que pessoas
com DST e infecções genitais não ulcerativas À anamnese deve-se interrogar a idade
têm risco aumentado de cinco a dez vezes de se da paciente, sua procedência, seu estado civil,
infectar pelo HIV, esse risco sobe para dezoito atividade sexual, dados gestacionais pregressos
vezes se a doença cursa com lesões ulceradas. e atuais, competência imunológica, tempo de
A prevalência dos agentes etiológicos das DST, evolução da doença, como percebeu a ulcera-
à semelhança de outras infecções, varia com ção e se há algum sintoma associado. Ao exame
as regiões geográficas consideradas. Na Euro- físico, à inspeção, deve-se examinar a genitália
pa Ocidental e Estados Unidos, as causas mais externa, afastar os lábios vaginais, visualizar o
frequentes de úlceras genitais são as infecções intróito vaginal, examinar a vagina e suas pare-
herpéticas e a sífilis. Na Ásia e na África, o tipo des, fundo de saco e colo do útero e procurar
mais comum de úlcera genital é o cancro mole, outras lesões pelo resto do corpo.
seguido pela sífilis primária e herpes genital.
1.5. Diagnóstico
1.2. Fatores de risco Sempre que possível, deve-se colher ma-
O risco de transmissibilidade de úlceras terial para o diagnóstico etiológico. Mesmo as-
genitais por doenças sexualmente transmissí- sim, nem sempre o exame histopatológico é um
veis aumenta muito devido a diversos fatores método diagnóstico eficaz, haja vista que é de
predisponentes, como multiplicidade de parcei- pouca acurácia quando se trata de úlceras por
ros, relações sexuais sem proteção, uso de dro- doenças não sexualmente transmissíveis, bem
gas, prostituição e o início precoce da atividade como por causas virais.
sexual. A mudança comportamental determina- Indubitavelmente, as doenças sexual-
da pelo aparecimento da AIDS tende a diminuir mente transmissíveis devem fazer parte da
essa transmissibilidade. hipótese diagnóstica dessa lesão, entretanto,

104 Faculdade Christus


Capítulo 13

não se deve descartar as causas não sexual- Brasil (MS) e a Organização Mundial da Saúde
mente transmissíveis. (OMS) preconizam o tratamento sindrômico das
úlceras genitais (Figura 1).
Os métodos diagnósticos específicos ine-
rentes às patologias relacionadas com úlcera ge- Apesar disso, sabe-se também que muitas
nital serão abordados no decorrer do capítulo. destas úlceras podem ter etiologias não sexual-
mente transmissíveis; logo, a confirmação diag-
nóstica é fundamental para o estabelecimento de
1.6. Tratamento um tratamento específico e consequentemente,
Considerando o fato de que as doenças o sucesso terapêutico. O tratamento específico
sexualmente transmissíveis são a principal cau- das patologias causadoras de úlceras genitais
sa das úlceras genitais, o Ministério da Saúde do será abordado no decorrer do capítulo.

Figura 1- Abordagem sindrômica das úlceras genitais.


Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de Bolso Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis DST, 2006.

2. Características Clínicas – Diagnóstico surgimento do cancro. A adenopatia tem lo-


– Tratamento das Úlceras Genitais calização frequentemente inguinal, caracteri-
zando-se por ser indolor, múltipla, bilateral e
2.1. Com etiologia sexualmente transmissível
sem sinais flogísticos.
SÍFILIS PRIMÁRIA XX Diagnóstico: o diagnóstico se dá por meio
XX Agente etiológico: é uma espiroqueta Trepo- da sorologia não treponêmica, como o VDRL
nema pallidum, uma bactéria Gram-negativa. (Venereal Diseases Research Laboratory) e o
XX Epidemiologia: a sífilis é mais comum em RPR (Rapid Plasma Reagin) e por meio da so-
adultos com vida sexual ativa, principalmente rologia treponêmica, como o FTA-Abs (Fluo-
na faixa de 20 a 29 anos. rescent Treponemal Antibody - Absorption) e
XX Quadro clínico: após um período de incu- por meio da microscopia de campo escuro.
bação de 10 a 90 dias, média de três sema- XX Tratamento: o tratamento da sífilis primária
nas, surge o cancro duro (protossifiloma), é feito com penicilina benzatina 2.4 milhões
lesão característica da sífilis primária. O can- UI, IM, em dose única (1.2 milhão U.I. em
cro duro apresenta-se, na maioria das vezes, cada glúteo).
como uma lesão indolor, única, erosada ou No final do tratamento, recomenda-se o se-
exulcerada, de bordos duros e elevados, com guimento sorológico quantitativo de 3 em
base limpa e avermelhada. O envolvimento 3 meses durante o primeiro ano e, se ainda
linfonodal ocorre geralmente 10 dias após o houver reatividade em titulações decrescen-

Faculdade Christus 105


Capítulo 13

tes, deve-se manter o acompanhamento de Nesses casos, pode-se administrar:


6 em 6 meses. Caso haja elevação a duas
• Aciclovir 400 mg, VO, 8/8 horas, por 5 dias;
diluições acima do último título do VDRL, é
• Valaciclovir 500 mg, VO, 12/12 horas, por 5
necessário um novo tratamento, mesmo na
dias;
ausência de sintomas.
• Famciclovir 125 mg, VO, 12/12 horas, por 5
XX Complicações: a sífilis, apresentando-se
dias.
como úlcera genital, torna-se fator predispo-
Caso a paciente apresente manifestações
nente para a infecção por outras DST, como
severas com lesões mais extensas, deve-se reali-
as de etiologia viral, como herpes simples
zar o tratamento sistêmico com: aciclovir 5 a 10
tipo 2, hepatite B e C, e HIV.
mg por kg de peso, EV, de 8/8 horas, por 5 a 7
dias ou até a regressão das lesões. Após o tra-
HERPES GENITAL tamento, deve-se marcar o retorno do paciente
XX Agente etiológico: Herpes Vírus simplex tipo após duas semanas para avaliá-lo.
1 e tipo 2 ( HSV-1 e HSV-2).
XX Complicações: em gestantes portadoras de
XX Quadro clínico: a área infectada apresenta-se
herpes genital simples, o risco de contamina-
hiperemiada e evolui para vesículas ou pús-
ção fetal durante a gestação é pequeno. Esse
tulas. Após alguns dias, as vesículas evoluem
risco aumenta significativamente durante a
para úlceras e posteriormente para crostas.
passagem do feto pelo canal de parto, por
Nas áreas acometidas há dor, parestesias e
isso se aconselha a realização da cesariana
disúria. Podem ocorrer sintomas sistêmicos,
quando a paciente apresenta lesão herpéti-
como prostração, febre e mal-estar.
cas ativas. Mesmo assim, há um risco de 50%
XX Diagnóstico: apesar de o diagnóstico ser
de contaminação do feto durante o parto
eminentemente clínico, a confirmação pode
normal em mães assintomáticas e caso a bol-
ser dada pelo teste citodiagnóstico de TZAN-
sa amniótica esteja rota há mais de quatro
CK. A fim de elucidar o fator etiológico, pode-
horas, realizar a cesariana seria ineficaz para
mos lançar mão de testes monoclonais para
evitar a contaminação do bebê. Na gestante
diferenciar as infecções por HSV-1 e HSV-2 e
portadora de herpes genital simples deve-se
técnicas de PCR.
considerar o risco de complicações obstétri-
XX Tratamento: para aliviar a dor, pode-se pres-
cas, caso a primoinfecção ocorrer durante a
crever analgésicos e anti-inflamatórios. O tra-
gravidez ou se a infecção primária materna
tamento local consiste em solução fisiológica
ocorrer no final da gestação, oferecendo um
ou água boricada a 3% para limpar as lesões.
maior risco de contaminação neonatal do
A utilização de antibiótico tópico (neomicina)
que o herpes genital recorrente.
pode ser útil para prevenir infecções secun-
dárias. Infelizmente, não há um tratamento
que proporcione a cura definitiva do herpes CANCRO MOLE:
genital. Deve-se evitar o uso de substâncias XX Agente etiológico: Haemophilus ducrey, co-
irritantes e de corticosteróides. No primeiro cobacilo Gram-negativo.
episódio das lesões utiliza-se: XX Epidemiologia: acomete especialmente a
• Aciclovir 400 mg, VO, 8/8 horas, por 7 a 10 dias; faixa etária de 20 a 30 anos. Apresenta um
• Valaciclovir 1g, VO, 12/12 horas, por 7 a 10 grande predomínio em homens, tendo uma
dias; ou proporção de 40 homens infectados para
• Famciclovir 250 mg, VO, 8/8 horas, por 7 a cada mulher infectada. Predomina na popu-
10 dias. lação com baixo nível socioeconômico, ape-
Em gestantes, no caso de primoinfecção sar de um número crescente de casos regis-
pode-se prescrever aciclovir 400 mg, VO, 8/8 trados em clínicas particulares.
horas, por 7 a 10 dias. Nos casos de infecção ne- XX Quadro clínico: após um período de incuba-
onatal deve-se tratar com aciclovir 5 mg/kg/dia, ção curto, 1 a 4 dias, observa-se a lesão ini-
via intravenosa, de 8/8 horas, durante 7 dias, cial (mácula, pápula, vesícula ou pústula) que
ou até a regressão das lesões. Quando houver evolui rapidamente para uma lesão ulcerada.
recorrência do herpes genital, deve-se iniciar A úlcera é inicialmente única, mas, devido ao
o tratamento de preferência durante o apare- mecanismo de autoinoculação surgem novas
cimento dos primeiros pródromos, como dores lesões ulcerosas. Essas lesões são dolorosas,
articulares, aumento da sensibilidade e prurido. com bordos irregulares, talhadas a pique,

106 Faculdade Christus


Capítulo 13

com base mole e fundo purulento com odor lação, surgem outras lesões que ao se juntarem
fétido. Após uma semana do aparecimento atingem grandes áreas. A úlcera apresenta-se
do cancro, cerca de 30% a 50% dos pacientes com bordos irregulares, endurados, elevados e
apresentam uma adenite inguinal satélite re- bem delimitados, tendo uma coloração verme-
coberta por uma pele eritematosa, denomi- lho vivo e sangrando com facilidade. Não há
nada bubão. O bubão inguinal é geralmen- adenopatia satélite, mas ocorre a presença de
te unilateral, muito doloroso e pode evoluir pseudobubões (granulações subcutâneas) que
para uma fístula de único orifício que drena podem ser confundidos com adenites.
um pus espesso. XX Diagnóstico: apesar de o diagnóstico se dar
XX Diagnóstico: quando as características da apenas pelos dados clínicos, é confirmado
úlcera não são bem estabelecidas, realizam- evidenciando bacilos no interior de histióci-
-se testes laboratoriais, como coloração de tos quando corados pelo Giemsa.
GRAM, por meio do qual se visualizam pe- XX Tratamento:
quenos bacilos gram negativos e a cultura, ƒƒ Doxiciclina 100 mg, VO, de 12/12 horas, até
este sendo um teste mais sensível, entretanto a cura clínica (no mínimo por 3 semanas); ou
não muito factível, pelas exigências de cresci- Sulfametoxazol / Trimetoprim (160 mg e 800
mento do bacilo. mg), VO, de 12/12 horas, até a cura clínica (no
XX Tratamento: mínimo por 3 semanas); ou
ƒƒ Azitromicina 1g VO em dose única; ou ƒƒ Ciprofloxacina 750 mg, VO, de 12/12 horas,
ƒƒ Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única; ou até a cura clínica; ou
ƒƒ Tianfenicol 5 g, VO, dose única; ou ƒƒ Tianfenicol granulado, 2,5 g, VO, dose única,
ƒƒ Ciprofloxacina 500 mg, VO, 12/12 horas, por 3 no primeiro dia de tratamento; a partir do se-
dias (contraindicado para gestantes, nutrizes gundo dia, 500 mg, VO, de 12/12 horas, até a
e menores de 12 anos); ou cura clínica; ou
ƒƒ Doxiciclina 100 mg, VO, de 12/12 horas, por ƒƒ Eritromicina (estearato) 500 mg, VO, de 6/6 ho-
10 dias ou até a cura clínica (contraindicado ras, até a cura clínica (no mínimo 3 semanas).
para gestantes e nutrizes); ou Caso não haja melhora na aparência da le-
ƒƒ Tetraciclina 500 mg, de 6/6 horas, por 15 dias são nos primeiros dias de tratamento com cipro-
(contraindicado para gestantes, nutrizes); ou floxacina ou eritromicina, aconselha-se adicionar
ƒƒ Sulfametoxazol / Trimetoprim (160 e 800 mg), um aminoglicosídeo, como gentamicina 1mg/
VO, de 12/12 horas, por 10 dias ou até a cura kg/dia, EV, de 8 em 8 horas. A resposta ao trata-
clínica; ou mento deve ser acompanhada. O único critério
ƒƒ Eritromicina (estearato) 500 mg, VO, de 6/6 de cura é o total desaparecimento da lesão. Caso
horas, por 7 dias. haja sequelas por destruição tecidual extensa ou
ƒƒ Além do tratamento sistêmico, deve-se fazer por obstrução linfática, pode-se realizar correção
a higienização das lesões. cirúrgica. Gestantes devem ser tratadas com eri-
tromicina (estearato) 500 mg, VO, de 6/6 horas,
até a cura clínica (no mínimo por 3 semanas).
DONOVANOSE
Nunca foi relatada infecção congênita devido à
XX Agente etiológico: Calymammatobacterium
infecção fetal. Pacientes portadores do vírus HIV
granulomatis.
são tratados de acordo com os esquemas cita-
XX Epidemiologia: a donovanose é rara, ocu-
dos acima; entretanto, nos casos mais graves,
pando o quinto lugar em frequência entre as
pode-se considerar o uso da gentamicina.
DST clássicas (gonorreia, sífilis, cancro mole e
linfogranuloma venéreo). Acomete principal-
mente a população com faixa etária entre 20
LINFOGRANULOMA VENÉREO
a 40 anos. Predomina em indivíduos do sexo
XX Agente etiológico: Chlamydia trachomatis-
masculino, na proporção de 3:1. Acomete
sorotipos L1, L2 e L3.
principalmente populações com baixo nível
XX Epidemiologia: a incidência é maior na po-
socioeconômico e com falta de higiene.
pulação com faixa etária entre 20 e 30 anos.
XX Quadro clínico: a donovanose apresenta um pe-
Predomina em populações com baixo nível
ríodo de incubação variável, podendo variar de
socioeconômico.
30 a 90 dias. A lesão inicial é subcutânea e carac-
XX Quadro clínico: o período de incubação va-
terizada por uma pápula, nódulo ou pústula que
ria de 3 a 32 dias. O quadro clínico caracte-
evolui para uma lesão ulcerosa. Por auto-inocu-

Faculdade Christus 107


Capítulo 13

riza-se por três fases: 1- Inicia-se por pápula, ção sine qua non para o diagnóstico. As úl-
pústula ou exulceração genital, no local de ceras geralmente são dolorosas e com base
penetração da Chlamydia. Esta fase costuma necrótica central, ocorrendo na mucosa oral,
involuir espontaneamente. 2- Após a lesão genital e eventualmente na mucosa do trato
inicial, ocorre o acometimento linfonodal. A gastrointestinal. As manifestações cutâneas
adenite inguinal é dolorosa e pode evoluir incluem foliculite, eritema nodoso, exantema
para nódulos inguinais superficiais dolorosos, acneiforme e mais raramente vasculite. O en-
os bubões, maior característica da doença. O volvimento ocular caracteriza-se pela uveíte,
gânglio afetado pode evoluir com supuração irite, oclusão de vasos retinianos, podendo
e fistulização por orifícios múltiplos (bico de evoluir para cegueira. Artrite não deforman-
regador). 3- É caracterizado por sequelas da te também pode ser característica da doença.
obstrução linfática causadas pela infecção Trombose venosa profunda pode ocorrer em
clamidiana, como elefantíase dos genitais, alguns pacientes. Apesar das ulcerações afto-
fístulas e estenose retal. sas serem típicas da doença de Behçet, muitos
XX Diagnóstico: apesar de o diagnóstico ser ba- pacientes podem apresentar-se com úlceras
sicamente clínico, a confirmação diagnóstica orogenitais e não apresentarem a doença de
se dá por meio da imunofluorescência direta Behçet, enquadrando-se, portanto, nas doen-
ou por antígenos monoclonais para Chla- ças pseudo-Behçet (autoimunes), como aftose
mydia trachomatis. complexa, pênfigos, erupções por drogas e
XX Tratamento: outras situações de enfermidades.
ƒƒ Doxiciclina 100 mg, VO, de 12/12 horas, por XX Diagnóstico: o diagnóstico da doença de
21 dias; Behçet é essencialmente clínico. Exames labo-
ƒƒ Eritromicina (estearato) 500 mg, VO, de 6/6 ratoriais específicos ou anatomopatológicos
horas, por 21 dias; ou não são usados para estes casos. Os achados
ƒƒ Sulfametoxazol / Trimetoprim (160 mg e 800 laboratoriais são índices inespecíficos de doen-
mg),, VO, de 12/12 horas, por 21 dias; ou,, VO, ça inflamatória, como leucocitose e elevação da
de 12/12 horas, por 21 dias; ou velocidade de hemossedimentação. Anticorpos
ƒƒ Tianfenicol 500 mg, VO, de 8/8 horas, por 14 dias. contra a mucosa oral podem ser encontra-
XX Complicações: a obstrução linfática no linfo- dos. Os critérios diagnósticos para doença de
granuloma venéreo pode levar a elefantíase Behçet são: ulcerações orais recorrentes e mais
genital que, nas mulheres, é chamado de es- dois dos seguintes critérios: ulcerações genitais
tiomeno. Além disso, o agravamento das le- recorrentes, lesões oculares, lesões cutâneas,
sões pode acarretar a fístulas retais, vaginais teste da Patergia (reação cutânea inespecífica à
e vesicais e estenose retal. O acometimento injeção intradérmica de solução salina).
retal ocorre mais comumente em mulheres e XX Tratamento: o tratamento é realizado basica-
em homossexuais masculinos. mente com corticoterapia tópica e sistêmica.

2.2. Com etiologia não sexualmente transmissível AFTOSE BIPOLAR COMPLEXA


A aftose bipolar complexa também pode
SÍNDROME DE BEHÇET
ser denominada de aftose, úlceras aftóides, úl-
XX Definição: é uma doença multissistêmica que
ceras orais recorrentes ou ainda estomatite af-
se caracteriza por ulcerações orais e genitais
tosa recorrente. As úlceras orais recorrentes têm
recorrentes, bem como alterações oculares.
como característica serem pequenas, redondas
XX Epidemiologia: homens e mulheres são aco-
ou ovaladas, com halo perilesional eritematoso
metidos igualmente. Predomina na região do
típico e, na maioria das vezes, recobertas por
Mediterrâneo. Não acometem negros.
fibrina acinzentada. O paciente portador da
XX Etiopatogenia: a etiopatogenia dessa do-
aftose complexa pode apresentar úlceras loca-
ença ainda não foi bem estabelecida. Sua
lizadas na região oral, genital e até anal. Essa
fisiopatologia baseia-se na vasculite, com
característica da doença de úlceras recorrentes
tendência a formação de trombos, e autoan-
na região oral e genital resulta, em alguns casos,
ticorpos contra a mucosa oral.
em um falso diagnóstico de doença de Behçet.
XX Manifestações clínicas: a característica
A aftose bipolar complexa é o diagnóstico mais
marcante da doença é a presença de ulcera-
frequente, na prática médica, das doenças de-
ções aftosas recorrentes, sendo uma condi-
nominadas pseudo-Behçet.

108 Faculdade Christus


Capítulo 13

TUBERCULOSE VULVAR Em geral, as manifestações clínicas de apresen-


A tuberculose vulvar é uma doença rara tação são prurido e úlcera vulvar. A lesão ma-
com um quadro clínico inespecífico e de diag- croscopicamente tem um aspecto eczematóide
nóstico geralmente tardio. Apesar de ser rara em e geralmente começa nas regiões da vulva que
alguns países, apresenta-se como uma causa im- possuem pelos, podendo estender-se para o
portante de doença inflamatória pélvica (DIP) e monte pubiano, as coxas e as nádegas. Também
de infertilidade em países sub desenvolvidos. já foi descrito acometimento da mucosa do
reto, da vagina e do sistema urinário.
A tuberculose extrapulmonar tem ocor-
rido mais frequentemente. Os órgãos da região
pélvica são infectados frequentemente a partir
DOENÇA DE BOWEN, ERITROPLASIA DE
de um foco primário, geralmente o tórax, por
QUEYRAT E CARCINOMA IN SITU SIMPLES
via hematogênica. A localização mais comum
No ano de 1976, a ISSVD (International
acometida é o trato urinário (cerca de 30%). Em
Society for the Study of Vulvar Disease) estabe-
relação aos órgãos genitais femininos, são aco-
leceu que a Eritroplasia de Queyrat, Doença de
metidos de forma decrescente, as tubas uterinas
Bowen e carcinoma in situ simples eram apenas
(90%), o útero (50%), os ovários (25%), o colo
variações macroscópicas da mesma entidade
uterino (5%) e com um número muito pequeno
patológica, assim essas patologias deveriam ser
de casos, (< 2%) a vagina e a vulva.
incluídas sob a denominação de carcinoma de
A tuberculose do trato genital feminino células escamosas. Em 1986, a ISSVD determinou
pode apresentar sintomas como: sangramento o termo neoplasia intraepitelial (NIV) vulvar para
vaginal anormal, irregularidade menstrual, dor essas patologias. Apesar de ser uma doença rara,
abdominal e sintomas constitucionais. A lesão os casos de NIV estão crescendo muito nos últi-
na vulva pode apresentar-se ulcerada e ter uma mos 20 anos, principalmente entre as mulheres
evolução crônica. Microscopicamente, a lesão jovens. A maioria das lesões da NIV se localiza
caracteriza-se por granulomas caseosos, mas em regiões sem pelos, em 30% dos casos são
este achado não é exclusivo da tuberculose. O multifocais e estão relacionadas com neoplasia
diagnóstico diferencial da doença granuloma- intraepitelial perianal em 40% dos casos. Apesar
tosa do colo do útero inclui amebíase, esquis- de não ser uma lesão pré-maligna, 3% das pa-
tossomose, brucelose, sarcoidose e reação a cientes acometidas podem desenvolver carcino-
corpo estranho. O diagnóstico da tuberculose ma de vulva. Os sintomas mais prevalentes são:
cervical e vulvo vaginal normalmente é feito prurido, ardência e dispareunia. O diagnóstico
por exame histológico do colo do útero e bi- das NIVs é realizado por meio de biópsia. O tra-
ópsia da vulva. O isolamento da micobactéria tamento baseia-se em uso de laser de dióxido de
é o padrão-ouro para o diagnóstico, apesar de carbono para lesões multifocais e cirurgia.
um terço dos casos apresentarem cultura nega-
tiva. Portanto, a presença de granulomas típicos
é suficiente para o diagnóstico quando outras LÍQUEN PLANO
causas de cervicite granulomatosa são excluí- Doença que pode ocasionar em sua evo-
das. A lesão deve responder aos seis meses de lução ulcerações orais e genitais. De uma manei-
terapia padrão. ra geral, ocorre uma vaginite descamativa com
erosão do vestíbulo. A realização de biópsia é
Embora rara, a tuberculose vulvar possui
fundamental para o diagnóstico. O tratamento
grande importância na prática clínica, pelo im-
é fundamentalmente à base de esteroides tópi-
pacto psicológico que causa na paciente e por
cos e sistêmicos.
necessitar de um diagnóstico preciso e trata-
mento correto.
DOENÇA DE CROHN
A doença de Crohn é uma doença infla-
DOENÇA DE PAGET
matória intestinal idiopática crônica, podendo
A doença de Paget extramamária é forma
acometer qualquer segmento do trato gastrin-
particular do carcinoma in situ de vulva, tendo sido
testinal entre a boca e o ânus. A doença de Cro-
descrita 27 anos após a doença de Paget mamária.
hn pode apresentar acometimento vulvar com
A doença de Paget acomete frequente- ulcerações, abscessos, fístulas, trajetos sinusais,
mente mulheres brancas na pós-menopausa. fenestrações e outras fibroses. O tratamento é

Faculdade Christus 109


Capítulo 13

à base de esteroides e de outros agentes sis- cilinas, fenolftaleína, fenobarbitúricos, alopuri-


têmicos, entretanto, pode ser necessário o tra- nol e dipirona. A etiologia herpética constitui a
tamento cirúrgico da doença intestinal e vulvar. mais comum. Apresenta lesões cutâneas e nas
mucosas de morfologia variada. Podem ocorrer
sintomas prodrômicos, como febre, indisposição
ÚLCERAS DE LISHTPUETZ (Ulcus) e dor de garganta; nas formas graves, podem
É uma manifestação cutânea devido a uma aparecer tosse, vômitos, mialgias, artralgia, sen-
infecção por Vírus Epstein-Barr (EBV). Trata-se de sação de prurido ou ardência. No início, as lesões
uma úlcera genital dolorosa que ocorre em ado- são eritematosas, com expansão centrífoga, po-
lescentes sem DST. São geralmente múltiplas e dendo atingir alguns centímetros. Forma-se um
acompanhadas de astenia, febre, linfoadenopatia halo eritematoso em torno da parte central, que
inguinal e que regridem espontaneamente. é mais plana, escura e purpúrica. Suas lesões são
clássicas, apresentando um aspecto em “alvo”
ou em “íris” composta por 3 zonas: uma púrpura
SÍNDROME DE REITER central, um halo pálido e elevado e um eritema
É uma doença de etiologia desconhecida, periférico. Nos casos mais intensos, podem sur-
possivelmente reacional a infecções em indivídu- gir bolhas, chegando à necrose da epiderme. As
os com predisposição genética, caracterizada pela localizações preferenciais são: dorso das mãos
tríade: uretrite inespecífica, artrite e conjuntivite. e pés, a face extensora dos membros; sendo as
A uretrite inespecífica, pode ser apenas mucosas atingidas em 20 a 45% dos casos. Em
mucóide ou purulenta e instala-se após uretrite 20% dos casos, o prurido e a sensação de ardên-
não gonocócica ou após disenteria por Shigella cia estão presentes.
e Salmonella. A artrite, geralmente é poliarticular A síndrome de Steven-Johnson trata-se
e assimétrica, atingindo as grandes articulações de uma forma mais grave do Eritema Multifor-
(principalmente as de membros inferiores e sa- me, sendo também conhecida como eritema
croilíaca). O acometimento oftálmico se dá em multiforme major. Drogas, em 58% dos casos
50% dos casos. As lesões vulvares raramente têm e infecções, em 15%, têm sido relatados como
sido descritas e não são bem caracterizadas. seus fatores causais. Nela, há comprometimen-
A proteína-C reativa é o indicador mais to intenso e extenso das mucosas (orofaringo-
sensível de atividade da doença. Apesar de a ar- esofágica, laringotraq ueobrônquica), com o
trite ser soronegativa, devemos solicitar as pro- paciente apresentando um estado geral grave
vas de atividade reumática e sorologia anti-HIV. com eventual acometimento pulmonar (pneu-
monia atípica), renal (glomerulonefrite aguda
XX Tratamento: é um tratamento sintomático:
e necrose tubular aguda) e cardíaco (arritmia
repouso, anti-inflamatório não hormonal.
e pericardite). Raramente acomete os olhos,
Indica-se fisioterapia a fim de evitar sequelas,
podendo acarretar conjuntivite e até necrose,
manter a mobilidade e prevenir anquilose. A
vesiculação e ulceração da córnea, irite e, tar-
prednisona 30-40 mg/dia está indicada nos
diamente, opacificação da córnea com perda da
casos mais graves. Nos casos mais difíceis,
visão; balanite e vulvovaginite.
indica-se o uso de imunomoduladores e imu-
nossupressores, como o metotrexato, ciclos-
porina, sulfasalazina ou azatioprina, inclusive NEOPLASIA
terapia com psolareno mais luz ultravioleta Carcinoma de vagina
PUVA (Psolareno + UVA). O carcinoma invasivo da vagina é uma
neoplasia rara representando 2% dos cânceres
ERITEMA MULTIFORME E SÍNDROME DE ginecológicos. Essa neoplasia acomete mais
STEVEN-JOHNSON frequentemente mulheres idosas. 70% a 80%
O Eritema Multiforme é uma síndrome ca- dos casos são encontrados em mulheres aci-
racterizada por ter uma instalação aguda, de etio- ma de 60 anos. Estudos evidenciam que 60%
logia muitas vezes desconhecida. Na sua forma a 65% das mulheres com carcinoma vaginal
minor, tem como principais causas: infecções (her- são infectadas pelo HPV. Grande parte desses
pes simples, Mycoplasma pneumoniae,psitacose, tumores pode ser nodular, ulcerativo ou pla-
influenza tipo A, adenovírus, histoplasmose) e cas exofíticas de qualquer tamanho. A maioria
secundariamente às drogas, como sulfas, peni- dos casos é assintomática, sendo, geralmente,

110 Faculdade Christus


Capítulo 13

diagnosticada por meio de achados anormais COSTA, I. M. C.; AZULAY, D. R. Síndrome de Rei-
no exame de prevenção. A presença de sangra- ter. In: AZULAY, D. R.; AZULAY, D. R.; AZYULAY, A.
mento anormal após relação sexual ou após o L. Dermatologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Guana-
uso de duchas vaginais está presente em 50% bara Koogan, 2008.
dos casos. Dispareunia, odor, massa palpável e
descarga vaginal são sintomas observados nes- COSTA, J.B. et al. Úlceras Genitais Causadas por
ses casos. No exame ginecológico, deve-se rea- Infecções Sexualmente Transmissíveis. Acta
lizar o exame minucioso da cérvice e da vagina Medica Portuguesa, Lisboa. 2006.
e o exame bimanual. Deve-se também solicitar DE VITA, V. T.; LAWRENCE, T. S.; ROSENBERG, S.
uma radiografia de tórax, hemograma completo A. De Vita, Hellman and Rosenberg’s cancer:
e perfil bioquímico para todas as pacientes. O principles & practice of oncology. In: EIFEL, P.
tratamento varia de acordo com o local, o tama- J.; BEREK, J. S.; MARKMAN, M. A. Ginecologic
nho e a distribuição do tumor dentro da vagina Cancers. 8.ed. Philadelphia: Lippincott Williams
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Úlceras genitais em crianças uma clássica DST: Relato de um caso de tuber-
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deve levar a suspeita de abuso sexual. Também v.18, p.85-88. 2006.
se deve considerar as úlceras genitais em crianças
como uma manifestação de uma doença não se- FRIEDMAN, S.; BLUMBERG, R. S. Doença Infla-
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Capítulo 13

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112 Faculdade Christus


Capítulo 14
DOENÇAS SEXUALMENTE
TRANSMISSÍVEIS (DST)
José Nivon da Silva
Augusto Saboia Neto

A- PROBLEMA B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM


“Será que estou com gripe forte, doutor?” 1. Identificar os principais diagnósticos dife-
renciais.
M.P.C., 17 anos, solteira, sem parceiro
2. Descrever a etiopatogenia, complicações,
fixo nos últimos três meses, procurou aten-
diagnóstico laboratorial e tratamento de
dimento ambulatorial ginecológico referindo
cervicite e uretrite gonococica e não gono-
corrimento vaginal abundante e purulento há
cocical.
três dias, precedida de relação sexual despro-
3. Correlacionar o padrão clínico do exantema
tegida. Informa ainda, que há quatro semanas
com suas respectivas possibilidades diag-
apresentou uma síndrome gripal com sinto-
nósticas.
mas constitucionais caracterizados por febre,
4. Descrever a epidemiologia, diagnóstico clí-
astenia, mialgia, artralgia, cefaleia, rash cutâ-
nico e laboratorial da síndrome da imuno-
neo, linfadenopatia cervical, occipital, axilar e
deficiência humana.
faringite. Nessa ocasião, fez uso de Penicilina G
5. Explicar o fenômeno causador da reação
Benzatina 1.200.000 UI intramuscular, com exa-
atribuída à administração da Penicilina G
cerbação da doença, piorando da dor muscular
Benzatina.  
e da vermelhidão no corpo.
6. Descrever a epidemiologia, formas de trans-
Exame físico: micropoliadenomegalia ge- missão, incidência e prevalência de neopla-
neralizada, alopécia em couro cabeludo e ma- sia hepática, profilaxia e tratamento para
darose em porções distais das sobrancelhas. Na hepatite B.
face e tronco, exantema difuso maculopapular
e morbiliforme em resolução. Exame especular
evidenciou descarga cervical volumosa franca- C- ABORDAGEM TEMÁTICA
mente purulenta genital.
1. Introdução
Exames laboratoriais: hemograma re-
Cervicite e uretrite
velou leucopenia, plaquetopenia e linfocitose
Os principais agentes envolvidos na
atípica. Transaminases elevadas em até três
etiopatogênese, são representados principal-
vezes os valores de referências. Reação em
mente por Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia
cadeia de polimerase (PCR) positiva para HIV
trachomatis, podendo ser causadas ainda por
e carga viral plasmática de 500.000 cópias/ml.
Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealiticum,
VDRL reagente 1:128; FTA-ABS reagente. So-
Herpes simples tipo I e tipo II e Trichomonas va-
rologias para hepatites AgHBs e anti-AgHBs
ginalis. Os escores de riscos para a aquisição de
IgM reagentes.
uma enfermidade desencadeante de descarga
cervical mucopurulenta incluem relações sexu-
Capítulo 14

ais, em que um dos parceiros apresente corri- oral (VO) em dose única, ou doxiciclina 100mg VO
mento uretral, multiplicidade de parceiros ou de 12/12 horas, durante 7 dias. Como segunda
sem parceiro fixo e idade feminina menor que opção, pode-se administrar eritromicina 500mg,
20 anos, condição favorecida por epitélio colu- VO, 6/6h, ou tetraciclina 500mg, VO, 6/6h, ou oflo-
nar que recobre a cérvice uterina, diferente do xacina 400mg, VO, 12/12h, durante 7 dias.
epitélio escamoso de mulheres acima dessa fai-
Para gonorreia indica-se ciprofloxacino
xa etária
500mg, VO dose única, ou ceftriaxone 250mg,
O período de incubação da infecção intramuscular (IM), dose única. Como segunda
causada por Neisseria gonorrhoeae varia entre opção usa-se cefixima 400mg, ou ofloxacina
dois e cinco dias e as queixas clínicas mais fre- 400mg, VO, em dose única.
quentes são a presença de secreção purulenta
volumosa, disúria e “esquentamento”. Mais de
60% das mulheres podem permanecer assinto- 3.1. Aids
máticas, complicando com doença inflamatória A Aids, ou Síndrome de Imunodeficiência
pélvica, bartholinite, endometrite, infertilidade, Adquirida, é causada pelo vírus HIV (human im-
conjuntivite por autoinoculação e síndrome de munodeficiency virus) e apresenta caráter pan-
Firtz-Hugh-Curtis (perihepatite gonocócica). dêmico, representando um dos maiores proble-
A Chlamydia trachomatis produz uma in- mas de saúde pública da atualidade. De acordo
fecção indolente, com presença de secreção hia- com o Ministério da Saúde, desde 1980 até ju-
lina, mucoide, e sintomatologia branda. O perío- nho de 2008 foram registrados 506 mil casos
do de incubação varia entre duas a três semanas da doença, 80% nas regiões sul e sudeste. Anti-
e está relacionada à síndrome uretro-conjuntivo- gamente, atingia principalmente homossexuais,
-sinovial ou síndrome de Fiessinger-Leroy-Reiter. usuários de drogas injetáveis ou indivíduos que
receberam transfusão de sangue. Nas últimas
décadas, a epidemia assumiu um novo perfil,
2. Diagnóstico Laboratorial no qual a transmissão heterossexual passou a
ser a principal via de transmissão do HIV. Após
Em pacientes com gonorreia, a bacterios-
a introdução da política de acesso universal ao
copia pelo Gram quando disponível, pode cor-
tratamento antiretroviral, a mortalidade caiu e a
roborar para a visualização de diplococos Gram
sobrevida aumentou. Desde 1986, a notificação
negativos intracelulares. A sensibilidade do exame
de casos de Aids é obrigatória.
é de apenas 60% para mulheres e de aproximada-
mente 95% dos homens sintomáticos. A cultura O HIV é um vírus de RNA que através
em meio específico de Thayer-Martin constitui o de transcriptase reversa produz sequências de
padrão ouro. A PCR com amplificação da sequên- DNA viral que são integradas ao genoma do
cia de DNA permite melhores resultados quando hospedeiro (pró-virus). As células alvo do ví-
realizada em conteúdo vaginal do que em urina. rus são as que possuem a molécula de CD4 em
suas membranas como macrófagos e linfócitos
A bacterioscopia para clamídia é negativa
T, pois serve de receptor para o vírus.
e a cultura pelo elevado custo não é viável, po-
dendo ser realizada imunofluorescência direta e A infecção pelo HIV pode ocorrer de três
ELISA, sendo a PCR o método considerado pa- formas: por meio de contato sexual, por ex-
drão ouro. posição parenteral a sangue ou outros fluidos
corporais e verticalmente da mãe para o filho
Na abordagem sindrômica de uretrites e
(durante gestação, parto ou amamentação). As
cervivites, na presença de mucopus endocervical
chances de infecção são duas vezes maiores de
ou colo friável ou escore de risco maior ou igual
homem para mulher (provavelmente pela alta
a dois pontos, oferece-se tratamento empírico
concentração de HIV no sêmen, pelo coito po-
concomitante para gonococo e Clamídia, pela
der romper a mucosa introital mais comumente
presença de coinfecção em 10 a 30% dos casos.
que a pele do pênis, além de expor maior área
de mucosa).
3. Tratamento De duas a quatro semanas após a infec-
ção, geralmente se desenvolve uma infecção
A primeira opção terapêutica para infecção
retroviral aguda induzida por HIV como uma
por clamídia trachomatis inclui azitromicina 1g via

114 Faculdade Christus


Capítulo 14

mononucleose-símile e seu reconhecimento cia laboratorial positiva contanto que não haja
e tratamento estão associados a um melhor outra explicação para a inumodeficiência.
prognóstico. Os sintomas geralmente são per-
da de peso, febre, artralgia, sudorese noturna,
faringite, rash eritemato-maculopapular, linfa- 3.1.2. Prevenção
denopatia, náuseas, vômitos, diarreia e tosse. Redução do número de parceiros sexuais,
Nessa fase, ocorre uma alta viremia com uma especialmente aqueles em grupos de alto
diminuição considerável de células CD4 periféri- risco, e uso de camisinha para qualquer ativi-
cas ocorrendo uma distribuição do vírus para os dade sexual. Aos pacientes infectados devem
diferentes tecidos podendo ser detectado por ser oferecidos vacinação contra hepatite B,
cultura, detecção de antígeno viral p24, PCR e influenza e pneumococo.
bDNA. Entre doze semanas e seis meses, dá-se
início à produção de anticorpos anti-HIV tor-
nando o paciente assintomático – fase latente. 3.1.3. Diagnóstico laboratorial
Nessa fase de baixa viremia, o tecido linfóide
O teste de anticorpos anti-HIV-1 e 2 deve
serve de reservatório para o vírus, cursando fre-
ser oferecido para mulheres: usuárias de drogas,
quentemente com linfadenopatia generalizada.
prostitutas, que moram ou nasceram em comu-
A carga viral no sangue aumenta progressiva-
nidades onde há uma alta prevalência de HIV,
mente durante anos, enquanto o número de
que receberam transfusões sanguíneas antes
CD4 diminui cursando com infecções oportu-
de 1985, com sinais de uma infecção por HIV,
nistas principalmente quando abaixo de 200
presidiárias, grávidas ou com parceiros com HIV
células/mm3. O tempo necessário para que isso
ou em grupos de risco de contrair HIV. O ELISA
ocorra varia, dependendo dos níveis de viremia
funciona como um teste de rastreamento para
iniciais, de profilaxia de infecções oportunistas
HIV; no entanto, dois testes positivos são confir-
e de drogas antiretrovirais. Se não tratado, a
matórios de infecção com 99% de sensibilidade
maioria dos casos desenvolve Aids em 17 anos.
e especificidade. Testes rápidos para HIV podem
No Brasil, as infecções oportunistas mais fre-
ser feitos em mulheres durante o trabalho de
quentes são pneumonia por Pneumocystis ji-
parto dando oportunidade para profilaxia de
rovecii, tuberculose pulmonar, candidíase oral
uma infecção previamente não diagnosticada,
e esofágica, toxoplasmose, citomegalovirose e
podendo-se obter os resultados em poucas ho-
criptococose no sistema nervoso central. Existe
ras com sensibilidade e especificidade compa-
uma forte associação entre HIV com sífilis e he-
ráveis ao ELISA.
patite B, bem como maior risco de coinfecção
HIV/outras DST, até 18 vezes mais em caso de
exposição sexual na presença de doença ulce- 3.1.4. Tratamento
rativa (Treponema pallidum, Haemophilus du-
creyi e herpesvírus simples), e 3 a 10 vezes mais O objetivo do tratamento é reduzir a vire-
em casos de doenças não ulcerativas genitais mia para níveis indetectáveis de forma estável e
(Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae aumentar os níveis de CD4 para níveis normais.
e Trichomonas vaginalis). A circuncisão está re- Qualquer paciente sintomático por infecção por
lacionada a uma redução de risco de transmis- HIV deve receber tratamento antiretroviral. No
são, tendo em vista que o prepúcio é um tecido entanto, não há consenso a respeito dos pa-
altamente vascularizado, rico em células de Lan- cientes que estão na fase assintomática. Hoje já
gerhans, tornando-se mais susceptível a micro se recomenda começar o tratamento para pa-
ulcerações durante o ato sexual. cientes com contagem de CD4 entre 200-350
células/mm3, ou caindo abruptamente (>50 cé-
lulas/mm3/ano) ou com viremia alta (>100 000
3.1.1. Diagnóstico cópias/ml). Antes disso, recomenda-se avaliar
os riscos e benefícios do tratamento, pois uma
Segundo o Ministério da Saúde, são ne-
má aderência precocemente pode eliminar pos-
cessárias evidências de infecção pelo HIV e
síveis opções terapêuticas futuras. Vale ressaltar
conjunto de sinais ou sintomas que somem no
que não deve ser feita a carga viral até 4 sema-
mínimo 10 pontos segundo critérios de OPAS/
nas após vacinação ou um processo infeccioso,
Caracas ou pelo menos uma doença definidora
inclusive gripe e herpes.
de Aids. Neste último, não é necessário evidên-

Faculdade Christus 115


Capítulo 14

A terapia antiretroviral baseia-se em qua- De 6 a 8 semanas após o aparecimento do


tro classes de drogas. Os inibidores nucleosí- cancro duro, podem surgir manifestações clíni-
deos da transcriptase reversa (INTR) zidovudi- cas de sífilis secundária caracterizadas por lesões
na (AZT), estavudina (d4T) lamivudina (3TC) e cutâneo mucosas não ulceradas, geralmente
abacavir impedem a transcrição do RNA viral no acompanhada de micropoliadenopatia genera-
citoplasma para DNA celular. Os inibidores não lizada, febre, artalgia, cefaleia, exantema mor-
nucleosídeos da trancriptase reversa (INNTR) biliforme encontrado na roséola sifilítica, lesões
nevirapina, delavirdina e efavirenz (EFZ) pos- papulosas palmo-plantares sugestivas de secun-
suem o mesmo mecanismo de ação acima. Os darismo luético, bem como alopécia no couro
inibidores da protease (IP) saquinavir, lopinavir/ cabeludo e nas porções distais das sobrancelhas.
ritonavir e atazanavir agem no estágio de matu-
Na sífilis tardia, encontram-se sintomas
ração viral, tornando o vírus incapaz de infectar
constitucionais 3 a 12 anos após a infecção pri-
outra célula. Os inibidores de fusão (IF) enfuvir-
mária. Lesões cutâneo-mucosas (tubérculos ou
tida atuam na molécula gp41 do vírus, inibindo
gomas), neurológicas (tabis dorsalis e demência),
sua entrada na célula do hospedeiro. Para iniciar
cardiovasculares (aneurisma aórtico) e articulares
o tratamento, considera-se o estado clínico, a
(artropatia de Charcot). Embora neurossífilis pos-
contagem de linfócitos e a carga viral do pa-
sa ocorrer em qualquer fase, ela é mais comum
ciente. O esquema terapêutico inicial combina
na fase de latência, durante o qual é importante
três medicamentos: dois INTR com um INNTR
avaliar o líquor cefalorraquidiano para pesquisar
ou um IP. Em geral, o enfuvirtida é usado como
neurossífilis assintomática com contagem de ce-
terapia de resgate.
lularidade global e diferencial, proteínas, glicose,
VDRL (Venerial Disease Research Laboratory) e
FTA-ABS (fluorescent treponemal antibody ab-
3.2. Sífilis
sorption). Acometimento neurológico dos siste-
É uma doença infecciosa sistêmica de mas auditivo e visual podem ser detectados, as-
evolução crônica sujeita a surtos de agudização sim como de pares cranianos e meninges.
e periodos de latência quando não tratada. Ela
Após o desaparecimento das lesões pri-
é causada pelo Treponema pallidum, uma espi-
márias e secundárias, os testes diagnósticos
roqueta (bactéria anaeróbia móvel) transmitida
dependem basicamente dos testes sorológicos
de forma sexual (mais comum) ou vertical que
que se tornam positivos várias semanas após o
pode produzir as formas adquirida ou congêni-
aparecimento das mesmas. VDRL tornando-se
ta da doença.
positivo de três a seis semanas após infecção ou
Classifica-se em sífilis adquirida recente duas a três semanas após aparecimento das le-
(menos de um ano de evolução: primária secun- sões primárias. A titulação geralmente é alta na
dária e latente recente), adquirida tardia (com fase secundária tornando-se baixa ou até nula
mais de um ano de evolução: latente tardia e na fase tardia. Progresso terapêutico satisfatório
terciária), congênita recente (casos diagnosti- pode ser verificado por uma queda de pelo me-
cados até o 2o ano de vida) e congênita tardia nos quatro vezes os títulos de anticorpos após
(casos diagnosticados após o 2o ano de vida). tratamento em fases iniciais ou queda ou esta-
O cancro duro ou protossifiloma é uma bilização em fase tardia.
lesão ulcerada indolor, geralmente única, com O FTA-ABS, que se positiva após 15 dias
bordos endurecidos, muitas vezes encontrada na da infecção, e o MHA-TP (microhemagglutina-
glande e sulco bálano-prepucial no homem mas, tion assay para Treponema pallidum) detectam
raramente percebida na mulher por encontrar-se anticorpos contra o Treponema. Ambos são
nos pequenos lábios, paredes vaginais e colo ute- mais sensíveis e específicos que os testes não
rino. É possível haver lesões extragenitais como treponêmicos. Como eles permanecem posi-
lábios e boca por prática de sexo oral. Por ser rico tivos mesmo após o tratamento, não são uti-
em treponemas, o risco de aquisição da doença é lizados para acompanhamento sorológico. O
de 60% durante a permanência do protosifiloma. VDRL torna-se positivo em 3 a 6 semanas após
Treponemas atravessam membranas mucosas in- a infecção e baseia-se em anticorpos contra
tactas ou pele com solução de continuidade, de- componentes cardiolipínicos do Treponema pa-
senvolvendo a lesão primária autolimitada após lidum, porém falso-positivos podem acontecer,
10 a 90 dias, em média três semanas. também em doenças do colágeno, hanseníase,

116 Faculdade Christus


Capítulo 14

vacinação, drogas, idade avançada, doença de alérgicas, ocorrendo em 1 a 2 casos/100 000


Chagas, malária, leptospirose e gravidez. ELISA habitantes. Podem ser de todos os tipos: 1. hi-
(Enzime-linked Immunosorbant Assay), pesqui- persensibilidade aguda - anafilaxia; 2. citotóxi-
sa direta por microscopia em campo escuro, cas - nefrite, anemia hemolítica positiva para
impregnação pela prata, teste de imunofluores- Coombs; 3. imunocomplexos - febre medica-
cência ou PCR, são outros métodos de identifi- mentosa, doença do soro; 4. celulares - derma-
cação de infecção. tite de contato; e 5. reações idiopáticas - erup-
ções maculopapulosas.
Os testes cutâneos para alergia a penici-
3.2.1. Diagnóstico diferencial
lina são baseados na administração de volumes
A sífilis secundária pode ser confundida mínimos de penicilina cristalina na concentra-
com pitiríase rósea, psoríase, líquen plano, tínea ção de 10 000U/ml podendo ser de duas for-
versicolor, infecções parasitárias, irite, neurorre- mas: o de puntura, em que é colocada uma gota
tinite, condiloma acuminado, exantema agudo, na face anterior do antebraço pressionando-a
mononucleose infecciosa, alopecia e sarcoidose. no centro com uma agulha de insulina fazendo
o mesmo com soro fisiológico com pelo menos
2cm de distância no mesmo antebraço ou na
3.2.2. Prevenção face anterior do outro. Na ausência de altera-
A divulgação de informação continua a ções locais quanto à cor da pele, pápula ou eri-
melhor forma de prevenir contra a doença. Re- tema, o teste é considerado negativo e indica-
comenda-se o uso de preservativo assim como -se o teste intradérmico injetando-se 0,02 ml da
lavagem com sabonete e água após coito como solução na derme na face anterior do antebraço.
prevenção, embora não seja eficaz 100% das Em caso de teste negativo, pode-se aplicar com
vezes. O aparecimento de uma lesão deve ser segurança a penicilina G benzatina IM. Caso um
comunicado a um médico imediatamente. To- dos testes seja positivo, deve-se fazer a dessen-
das as pessoas expostas devem ser procuradas sibilização utilizando-se fenoximetilpenicilina
e tratadas. É também recomendado screening potássica por via oral.
de todas as mulheres grávidas e pessoas de ris-
co de contrair a doença (por exemplo: profissio-
nais do sexo, detentos de prisões). 3.3. Hepatite B
Consiste em lesão hepática caracterizada
por invasão de células inflamatórias de etiolo-
3.2.3. Tratamento gia variada que pode ser aguda (< 6 meses), ou
ƒƒ Sífilis primária: penicilina benzatina 2,4 mi- crônica (> 6 meses). Ela pode ser causada por
lhões UI, IM, dose única (1,2 milhões UI em toxinas como o álcool, por drogas como isonia-
cada glúteo) zida, doença de Wilson, doenças autoimunes,
ƒƒ Sífilis recente secundária e latente: penicilina ou pelos vírus da hepatite. Os vírus da hepati-
benzatina 2,4 milhões UI, IM, repetida após 1 te podem ser agrupados em A, B, C, D e E. A
semana (total 4,8 milhões UI) forma crônica pode progredir rápida ou lenta-
ƒƒ Sífilis tardia (latente tardia e terciária): penicili- mente para cirrose podendo então culminar em
na benzatina 2,4 milhões UI, IM, semanal, por hepatocarcinoma. Essa cronologia nem sempre
3 semanas (total: 7,2 milhões UI). é obedecida.
A OMS estima que cerca de dois bilhões
Em até 50 a 75% dos pacientes com sífilis de pessoas já tenham entrado em contato com
aguda em tratamento com penicilina ou azitro- o vírus da hepatite B, dos quais 325 milhões se
micina desenvolvem uma reação febril em 4-12 tornaram portadores crônicos. Embora seja uma
horas e que melhora em até 24 horas, chamada doença encontrada em todos os lugares, sua
reação de Jarisch-Herxheimer. Sua causa parece prevalência varia muito dependendo de algu-
envolver a liberação de produtos tóxicos deriva- mas características. Segundo a Organização Pan-
dos da lise do treponema na circulação. -Americana de Saúde (OPAS), no Brasil, há 130
novos casos/100 000 habitantes/ano e que mais
Embora incomum, é possível haver rea-
de 90% das pessoas acima de 20 anos já tenham
ções adversas ao tratamento, principalmente
entrado em contato com o vírus. A implantação

Faculdade Christus 117


Capítulo 14

de uma política de vacinação contra VHB, no final ca que o paciente se recuperou da infecção e não
dos anos 80 e início dos anos 90, que inclui até transmite mais a doença. O anti-HBs é também
crianças abaixo de um ano tem mudado muito encontrado em pessoas vacinadas. Logo após,
o quadro desta doença que era considerado en- encontra-se também outro anticorpo, o anti-
dêmico em várias áreas. O estado do Amazonas -HBc. O IgM anti-HBc pode ser encontrado nas
chegou a ter uma prevalência de 15,3% em 1988 fases agudas e durante recaídas de hepatites crô-
que caiu para 3,4% em dez anos. nicas previamente assintomáticas. O IgG pode
permanecer positivo tanto após a resolução da
Já os índices de hepatite C variam desde
doença com aparecimento de anti-HBs, como na
1% como na Inglaterra, até 26% na região da ci-
cronicidade, persistindo o HBsAg positivo. Existe
dade do Cairo. Apesar da dificuldade de se esta-
ainda outro antígeno, HBeAg, que por ser uma
belecer a real prevalência de hepatite C no Brasil,
forma secretória de HBcAg, indica replicação e
alguns estudos com pré-doadores de sangue
infectividade. Logo, permanecendo positivo por
baseados em hemocentros estimam que a pre-
mais de 3 semanas é um forte indicativo de cro-
valência seja menor que 1%. Estudos populacio-
nicidade. Seus níveis plasmáticos tornam-se in-
nais em São Paulo e em Salvador apontam 1,42 e
detectáveis após o aparecimento de anti-HBe. Os
1,50% respectivamente. Infelizmente estes dados
exames para hepatite C incluem detecção de an-
não refletem a real prevalência de infecção, pois
ticorpos anti-VHC por imunoensaio de enzimas
dependem de um sistema de notificação de saú-
ou detecção de RNA viral por PCR (polymerase
de passivo, uma vez que a maioria dos acometi-
chain reaction).
dos são assintomáticos ou oligossintomáticos e
não procuram cuidado médico. Aproximadamente 5-10% das pessoas in-
fectadas com o vírus da hepatite B se tornam
O vírus da hepatite B consiste em uma
portadores crônicos do vírus, principalmente
molécula de DNA parcialmente dupla, prote-
imunoincompetentes. A maioria dos casos de
ínas internas (HBcAg) e uma parede externa
hepatite B crônica se dá em adultos que nunca
(HBsAg). É geralmente transmitido por contato
tiveram um episódio de hepatite viral aguda cli-
com sangue contaminado ou seus produtos e
nicamente relevante. Os níveis de DNA de VHB
por contato sexual, pois é encontrado no san-
no sangue são a melhor ferramenta para medir
gue, saliva, sêmen e secreção vaginal. Embora
o risco de cirrose ou carcinoma hepatocelular.
o maior número de casos se dê por contato
Menos de 1% desenvolvem hepatite fulminante
heterossexual, grupos de risco para hepatite B
com 60% de chance de óbito. Em torno de 85%
incluem usuários de drogas intravenosas, ho-
das pessoas infectadas com o vírus da hepatite
mossexuais masculinos, trabalhadores da saúde
C se tornaram portadores crônicos, indistinguí-
que lidam com sangue ou seus produtos, par-
vel clinicamente de hepatites crônicas de ou-
ceiros de portadores, prostitutas e presidiários.
tras etiologias. No entanto, 20% dos casos de-
Sete por cento das pessoas infectadas com o
senvolvem cirrose em 20 anos, principalmente
HIV também são positivas para VHB. O risco de
imunossuprimidos.
transmissão vertical de gestante para o feto é
de até 90%.
A classificação da hepatite crônica pode 3.3.2. Diagnóstico
ser feita por sua causa ou estágio, baseada em
Na fase aguda, incluem náuseas e vô-
estudo histológico de biópsia hepática, em que
mitos, diarreia ou constipação, febre baixa, ar-
se determina o grau de necrose periporta e a
tralgia, mialgia, fadiga e anorexia. Icterícia está
presença de células inflamatórias desintegrando
presente no início da doença ou até 5 a 10 dias,
a lâmina limitante dos hepatócitos periportais.
acompanhada de piora de sintomas seguida por
melhora clínica. Embora a síndrome aguda dure
apenas de 2 a 3 semanas, sinais laboratoriais
3.3.1. Exames
podem durar até 16 semanas para resolução.
HBsAg é a primeira evidência laboratorial O diagnóstico de hepatite crônica é essencial-
disponível da doença e é positivo durante o cur- mente laboratorial por testes de anticorpos e de
so agudo. Sua presença após a fase aguda indica ácidos nucleicos virais no sangue. Dada a lesão
cronicidade. Logo após o seu declínio encontra- hepática, as transaminases (ALT e AST) também
-se o anticorpo anti-HBs. Quando encontrado se encontram bastante aumentadas.
junto com o desaparecimento do antígeno indi-

118 Faculdade Christus


Capítulo 14

3.3.3. Prevenção 3.3.4. Tratamento


Consiste em lavagem de mãos de pro- O tratamento da hepatite aguda é sintomáti-
fissionais de saúde que lidam com material de co. Já na fase crônica utilizam-se análogos de nucle-
pessoas infectadas como lençóis e talheres, otídeos e/ou nucleosídeos que agem suprimindo o
exames de HBsAg e anti-HBc em doadores san- DNA do VHB no sangue, melhorando a histologia
guíneos e de HBsAg em grávidas, uso de pre- hepática, reduzindo os níveis de ALT e aumentan-
servativo, vacinas anti-VHB, assim como vacina do as chances de soroconversão. Embora seja ge-
anti-VHA para portadores de hepatite B crônica. ralmente necessário tratar de forma contínua para
Mais de 90% das pessoas que recebem a vacina evitar recaídas, infelizmente mutações no gene da
anti-VHB produzem anticorpos contra o vírus. polimerase viral geram resistência do vírus ao trata-
Ela geralmente é administrada no deltóide de mento (até 70% em 5 anos). Outra opção é o uso de
10-20mcg repetida após 1 e 6 meses. Imuno- interferon alfa 2a ou peginterferon (180mcg subcu-
globulina para Hepatite B (HBIG – 0,06mL/kg) tânea/semana por 48 semanas) e 2b (5 milhões de
pode ser usada até 7 dias após o contato com unidades/dia ou 10milhões de unidades 3x/sema-
material contaminado ou relação sexual com na por 4 a 6 meses). Alguns pacientes após o tra-
portador, seguido então de uma série de vaci- tamento desenvolvem anti-HBs e não demonstram
nas anti-VHB. É importante fazer exames para mais HBsAg sendo literalmente curados.
determinar se houve soroconversão. Essa con-
O tratamento para hepatite C consiste
duta também é usada para bebês recém-nasci-
em peginterferon alfa-2b com glicolpolietileno
dos com mães HBsAg positivas.
1,5mcg/kg/semana ou peginterferon alfa-2a
40kDa PEG, 180mcg, ambos subcutâneos.

Adefovil Interferon
Lamivudine Telbivudine Entecavir Interferon alfa 2b
Dipivoxil alfa 2a
5 milhões U/dia ou 10 mi-
100mg/dia 10mg/dia 600mg/dia 0.5mg/dia 180mcg 3x/semana
lhões U 3x/semana
VO VO VO VO 4 a 6 meses SC
4 a 6 meses IM

D- Referências Bibliográficas LAFOND, R.E.; LUKEHART, S.A. Biological ba-


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cine. 17.ed. USA: McGraw-Hill, 2008. cap 300.

Faculdade Christus 119


Capítulo 15
HPV
Olga Vale Oliveira Machado
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Marcella Costa Maia Nogueira
Yuri Oliveira Machado

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


J.S.S., sexo feminino, 22 anos, solteira, 1. Introdução
branca, universitária, católica, natural e pro-
Etiologia, transmissão e fatores de risco
cedente de Fortaleza. Procurou a unidade bá-
O Papilomavírus humano (HPV) é um ví-
sica de saúde, após descobrir que uma amiga
rus que está classificado, atualmente, na famí-
era portadora de uma Doença Sexualmente
lia Papillomaviridae, segundo a Internacional
Transmissível (não soube dizer qual). Iniciou
Committee on Taxonomy of Viruses (ICTV). Já
a vida sexual aos 15 anos e nunca fez exa-
foram identificados mais de cem tipos, desses,
me ginecológico. A mesma não se mostrou
quarenta acometem o trato genital pelo contato
queixosa afirmando apenas ter “corrimento”.
sexual e dezoito dos quarenta são considerados
Atualmente, não tem parceiro sexual fixo, mas
oncogênicos: HPV 16, 1 8, 26, 31, 33, 35, 39, 45,
afirma que já teve vários namorados e que
51, 52, 53, 56, 58, 59, 63, 66, 68 e 82. Esses tipos
eles não costumavam usar preservativo por-
listados são os de maior risco para neoplasias ma-
que não gostavam e ela não se sentia à von-
lignas, sendo em 70% dos casos os tipos 16 e 18.
tade para pedir.
O HP V é transmitido principalmente por
Exame Ginecológico:
contato direto durante a relação sexual. O vírus
ƒƒ Genitália externa: sem alterações. penetra no hospedeiro em locais mais suscetí-
ƒƒ Colposcopia: visualização de áreas acetobran- veis a microtraumas.
cas após a aplicação do ácido acético.
Os mecanismos de defesa para impedi-
ƒƒ Mamas: simétricas, pouco volumosas, sem
rem a entrada do vírus parecem envolver a res-
abaulamentos ou retrações.
posta imune mediada por células e a resposta
humoral. A falha na resposta imune e a associa-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ção de fatores de risco como: tabagismo, imu-
nossupressão, idade em que ocorre a primeira
1. Identificar a epidemiologia, as vias de trans- relação sexual, promiscuidade e o uso prolon-
missão e os fatores de risco do HPV. gado de contraceptivos orais, deixam a mulher
2. Definir o quadro clínico. susceptível ao câncer de colo uterino.
3. Estabelecer a propedêutica e o diagnóstico
diferencial. Esses fatores de risco ainda não são bem
4. Conhecer a terapêutica. explicados. Com relação ao tabagismo, sabe-se
que a nicotina e outros carcinógenos específi-
cos do tabaco foram encontrados nas células
cervicais das mulheres tabagistas, a imunossu-
pressão está relacionada à queda da defesa do
Capítulo 15

organismo, a idade da primeira relação sexual e mente, podendo estender-se ao clitóris e monte
a promiscuidade têm relação com o tempo de de Vênus, assim como para as regiões perineal,
exposição e com a exposição a vários tipos de perianal e canal anal. As infecções clínicas mais
vírus e os anticoncepcionais orais podem pro- comuns na região genital são as verrugas geni-
mover a integração do DNA do HPV ao genoma tais ou condilomas acuminados, popularmente
do hospedeiro. conhecidas como “crista de galo”.

2. Epidemiologia 4. Associação com o câncer de colo uterino


A saúde da mulher foi incorporada às po- A infecção pelo HPV tem uma associação
líticas nacionais nas primeiras décadas do sé- já comprovada com o câncer de colo uterino.
culo XX. No decorrer dos anos essas políticas Dentre todos os tipos, o câncer do colo do útero
foram se tornando mais eficazes, sendo intro- é o que apresenta um dos mais altos potenciais
duzidas as atividades preventivas do câncer de de prevenção e cura, chegando perto de 100%,
mama e de colo. As últimas três décadas têm quando diagnosticado precocemente. O pico
testemunhado o aumento da infecção pelo HPV de incidência situa-se entre 40 e 60 anos de ida-
como a mais importante e incômoda forma de de e apenas uma pequena porcentagem ocorre
doença de transmissão sexual. Estudos no mun- abaixo dos 30 anos. Embora estudos epidemio-
do comprovam que 50% a 80% das mulheres lógicos mostrem que a infecção pelo Papilloma-
sexualmente ativas serão infectadas por um ou vírus é muito comum (de acordo com os últimos
mais tipos de HPV em algum momento de suas inquéritos de prevalência realizados em alguns
vidas, sendo o pico máximo de incidência en- grupos da população brasileira, estima-se que
tre 20-24 anos. No Brasil predomina o HPV tipo cerca de 25% das mulheres estejam infectadas
16, com prevalência de 59% no Nordeste, 52% pelo vírus), somente uma pequena fração (en-
no Sul, 57% no Centro-Oeste, 43,5% no Norte e tre 3% a 10%) das mulheres infectadas com um
52% no Sudeste. tipo de HPV com alto risco de câncer desenvol-
verá câncer do colo do útero (INCA).

3. Quadro clínico
Um grande obstáculo para o diagnósti-
5. Diagnóstico diferencial
co precoce é o fato da forma mais comum da 1. Pequenos cistos de implantação
doença ser subclínica. Essa forma de infecção 2. Pólipos endocervicais
compreende 60% a 95% de todas as infecções 3. Tumores benignos (lipomas e fibromas)
por HPV. Os casos subclínicos têm o crescimen- 4. Cistos mesonéfricos simples (de Gartner)
to vascular insuficiente para formar projeções 5. Neoplasias malignas
estromais (lesões exofíticas), diferentemente, 6. Micropapilomatose labial
do que ocorre com os sintomáticos. Os casos 7. Cândida
subclínicos podem ser reconhecidos por meio 8. Trichomonas vaginalis
da Colposcopia após a aplicação de ácido acé- 9. Neisseria gonorrhoeae
tico a 3-5%, onde serão percebidas alterações 10. Vaginose bacteriana
acetobrancas ou padrões vasculares anômalos. 11. Chlamydia trachomatis
12. Doença Inflamatória Pélvica (DIP)
A infecção pelo HPV pode afetar principal-
13. Hiperplasia microgandular
mente a cavidade oral, órgãos genitais e região
anal, sendo este um dos principais locais acome-
tidos. Dentre os principais sintomas destacam- 6. Exames
-se o prurido anal e a presença de lesões exofí-
6.1. Papanicolau
ticas. A infecção anal tem nítida predileção por
alguns grupos de pacientes: com antecedentes Modalidade eficaz de triagem do câncer
de tratamento de HPV genital, antecedentes de de colo uterino. É um exame que é capaz de
outras DST, HIV positivos e pessoas com com- reduzir bastante a taxa de incidência do câncer
portamento de risco para DST. As lesões ocor- de colo, pois é de praxe ser feito rotineiramen-
rem primariamente em regiões úmidas, como o te por todas as mulheres sexualmente ativas
vestíbulo e a pele vulvar. Dissemina-se rapida- especialmente as que estiverem na faixa etária

122 Faculdade Christus


Capítulo 15

dos 25-59 anos. Inicialmente, deverá ser feito 8. Captura híbrida


a cada ano e, caso dois exames seguidos (em
O teste molecular de captura híbrida para
um intervalo de um ano) apresentarem resul-
HPV é capaz de detectar o DNA de 18 tipos vi-
tados normais, o exame pode passar a ser feito
rais que mais comumente infectam o trato ano-
a cada três anos. (INCA). O teste de Papanico-
genital (masculino e feminino), e são divididos
lau é capaz de detectar o HPV em fase pré–
em grupos de baixo risco e alto risco. É um teste
maligna ou incipiente, quando é curável com
quantitativo e o único aprovado pela Agência
medidas relativamente simples. Ainda que seja
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para
um exame rápido, de baixo custo e efetivo para
diagnóstico de HPV. Em comparação com o mé-
detecção precoce, sua técnica de realização é
todo da reação em cadeia da polimerase (PCR), a
vulnerável a erros de coleta e de preparação da
CH demonstra sensibilidade de 91,7% e especifi-
lâmina e a subjetividade na interpretação dos
cidade de 95,4%. Como o risco de câncer cervical
resultados. Contudo, há grande variabilidade
invasivo na mulher está diretamente relacionado
nas estimativas de sensibilidade e especificida-
à presença de HPV de alto risco, a pesquisa des-
de do exame, com uma média de 58% (varia-
ses tipos virais por meio de métodos moleculares
ção de 11% a 99%) e 68% (variação de 14% a
tem sido extremamente útil para o acompanha-
97%), respectivamente.
mento de mulheres com alterações citológicas.

6.2. Colposcopia
9. Tratamento
Esse exame permite visualizar a vagina e o
Atualmente, há diversos estudos, afirmando
colo do útero por meio de um aparelho chama-
que existe uma eliminação espontânea do vírus
do colposcópio, que é um instrumento óptico
em mais de 90% das pessoas infectadas no decor-
que permite aumentos de 5 a 50 vezes Durante
rer de um período de 24 meses. Tanto a infecção
a colposcopia, as pacientes podem ser subme-
pelo o HPV de baixo e alto risco pode regredir es-
tidas à biópsia dirigida, sendo o material, pos-
pontaneamente, o que sugere a eficiência da res-
teriormente, enviado para avaliação histológica
posta imune nos dois grupos de vírus, porém em
para ser então classificado como negativo, lesão
uma pequena parte, ocorre a persistência do HPV,
intraepitelial de baixo e alto grau.
o que pode levar à neoplasia e ao câncer genital.

6.2.1. Achados
9.1. Verrugas genitais
1. Epitélio acetobranco: é encontrado após
Não há tratamento curativo para o HPV,
aplicação de ácido acético;
mas há métodos de controle, sendo esse inicia-
2. Leucoplasia: epitélio branco visível antes da
do com a remoção dos condilomas visíveis. É
aplicação do ácido acético;
conhecido que em 20% dos casos existe a re-
3. Pontilhado: capilares dilatados que termi-
moção espontânea dos casos, entretanto se o
nam na superfície;
tratamento atrasar, as lesões podem ficar mais
4. Mosaico: capilares terminais que circundam
extensas havendo potencial de transmissão e
blocos aproximadamente circulares ou poli-
consequentemente mais grave.
gonais de epitélio acetobranco aglomerados;
5. Padrão vascular atípico: característico do São conhecidos diversos métodos para
câncer cervical invasivo, inclui vasos em removerem as lesões sendo eles: excisão, vapo-
alça, ramificados e reticulares. rização a laser, eletrocauterização, crioterapia,
podofilina, ácido tricoloacético, 5 Fluorouracil
(5-FU) e podofiloxina.
7. Biópsia
Em caso de condilomas, há necessidade
Exame que pode ser orientado pela col-
de biópsia quando:
poscopia ou realizado a olho nu. Tem a finali-
dade de retirar fragmentos do colo uterino para ƒƒ Dúvida no diagnóstico ou suspeita de neoplasia;
exame histopatológico. ƒƒ Falta de resposta ao tratamento convencional;
ƒƒ Aumento de tamanho das lesões durante ou
após o tratamento;
ƒƒ Em imunocomprometidos.

Faculdade Christus 123


Capítulo 15

Quando não for observado melhora após realizado por métodos destrutivos e excisionais.
quatro semanas ou resposta parcial após oito se- Sendo os destrutivos: realizar destruição física
manas é importante pensar na troca da terapia. focal, podendo ser usado o eletrocautério, crio-
cirurgia ou ablação a laser. Também é usada a
destruição química com ácido tricloroacético
9.2. Neoplasia intraepitelial da vulva e pênis
a 50%-90%. Os métodos excisionais: mulheres
Os tratamentos poderão ser: métodos com áreas extensas de NIC de baixo grau histoló-
citodestrutivos, excisionais, a combinação de gico e colposcopia insatisfatória - realizar excisão
excisão e técnicas citod strutivas, imunoterapia por cirurgia de alta frequência (CAF).
isolada ou podendo ser associada às terapias
Em NIC de alto grau: realizar CAF, tam-
excisionais/citodestrutivas.
bém denominada Large Loop Excision of Trans-
Há a precisão de levar em consideração: formasion Zone (LLETZ), Loop Electrosurgical
idade, sintomas, topografia das lesões, extensão Excision Procedure (LEEP) ou eletrocirurgia.
para anexos, potencial maligno, preservação
funcional, fatores psicológicos e recorrência.
10. Prevenção
9.3. Vagina e neoplasia intra-epitelial vaginal Como toda DST, a prevenção é um princí-
(NIVA) pio básico, principalmente quando se tem infec-
ção por HPV ou verrugas genitais:
A NIVA apresenta-se com aspecto ace-
toesbranqueado, tem superfície áspera ou es- ƒƒ diminuir o número de parceiros sexuais. O nú-
piculada. Cerca de 2,5% das mulheres com NIC mero de parceiros contribui para o maior risco
(neoplasia intra-epitelial), têm anormalidades de contrair/transmitir qualquer DST, como o
epiteliais vaginais coexistentes, sendo que estas HPV e o vírus da Aids.
lesões se localizam na maioria no terço superior. ƒƒ uso constante e correto de preservativos, para
todos os parceiros sexuais, desde o início até
Na infecção subclínica mínima (colpite o fim da relação sexual. O uso de preservati-
micropapilar) o tratamento é comumente des- vos reduz muito a probabilidade de se con-
necessário, sendo a conduta expectante. Deve- trair / transmitir uma DST, inclusive o HPV e
-se optar por agentes tópicos locais como ácido o vírus da Aids. Qualquer DST funciona como
tricloroacético nos casos de condilomatose ou fator facilitador na aquisição e transmissão do
NIVA 1. Para NIVA 2 e 3 uma boa opção é o laser, vírus da Aids (HIV).
pela alta precisão e superficialidade da vaporiza- ƒƒ se existe suspeita de que o parceiro sexual
ção. Não sendo possível a utilização do laser, a tenha alguma DST é altamente recomendá-
aplicação de ácido bicloracético e tricloroacético vel consultar o médico. Até que isto seja feito,
(ATA) regional ou setorial para lesões mais exten- também é recomendável evitar relações sexu-
sas. Uso do 5-FU a 5% é restrito a casos de exten- ais com este parceiro, até que o tratamento
so comprometimento por NIVA 3. Recomenda- seja realizado, se for o caso.
-se meia aplicação semanal por 10 semanas. Se ƒƒ nunca se automedicar, pois desta maneira a
houver sangramento deve ser interrompido. DST pode ser “mascarada”, ou seja, parece
que foi tratada, mas continua ativa.
ƒƒ não compartilhar objetos de uso pessoal com
9.4. Cérvice
outras pessoas e fazer higiene de objetos de
Ocorre em qualquer área da cérvice: uso comum antes do uso.
ƒƒ verrugas genitais, lesões subclínicas puras da
cérvice; 11. Vacinação
ƒƒ lesões subclínicas da cérvice associadas à ne-
Duas vacinas contra o HPV profiláticas
oplasia intraepitelial cervical: NIC de baixo
têm sido desenvolvidas. Uma das vacinas, Gar-
grau e NIC de alto grau.
dasil, protege contra o HPV tipos 6, 11, 16, e
Em mulheres com HPV e com NIC 1 de bai-
18 (quadrivalente), e o outro, Cervarix, protege
xo grau, cerca de 14% as lesões podem progre-
contra os tipos 16 e 18 (bivalente). Ambas as
dir. Após realizarem exames citológicos e biópsia,
vacinas são baseadas no recombinante expres-
e confirmada a patologia, o tratamento pode ser
são e de automontagem das grandes proteína

124 Faculdade Christus


Capítulo 15

capsidial, L1, em partículas de vírus (VIPs) que HALBE, H.W. Tratado de ginecologia. São Pau-
lembram o exterior capsidial de todo o vírus. lo: Rocca, 2000.
A meta de vacinação é reduzir a incidên- KINIRONS, M.; ELLIS, H. French- Diagnóstico
cia de casos de HPV genitais doença, incluindo Diferencial de A a Z. 14.ed. Rio de Janeiro: Gua-
cervical, pênis, vulvar, vaginal e anal, cancro, e nabara Koogan, 2007.
outras lesões pré-cancerosas.
PARELLADA, C. I.; PEREYRA, E. A. G. Papilomavi-
A eficácia e a segurança dos dados para
roses Humanas. In: FOCACCIA, R.; VERONESI, R.
estas duas vacinas estão disponíveis, mas ape-
Veronesi: tratado de infectologia. 3. ed. São
nas uma dessas vacinas é atualmente licencia-
Paulo: Atheneu, 2005, p.607-625.
da pelo FDA (Fundação Americana de Drogas),
sendo as recomendações, evidências e provas, RAMA, C. H. et al. Prevalência do HPV em mu-
principalmente no uso da vacina quadrivalente. lheres rastreadas para o câncer cervical. Rev.
Segundo os resumos das recomendações Saúde Pública,  São Paulo,  v. 42,  n. 1, Feb. 
Eurogin (European Research Organisation on 2008.
Genital Infection and Neoplasia) 2007, que fo- ROSA, M. I. et al. Papilomavírus humano e neo-
ram mostradas no Curso de Atualização em Pa- plasia cervical. Cad. Saúde Pública,  Rio de Ja-
tologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia neiro,  v. 25,  n. 5, May  2009 .  
ABG – RJ Instituto de Ginecologia da UFRJ 20 de
junho de 2009. As perspectivas clínicas a partir SASLOW, D.; CASTLE, P.E., COX, J.T. et alAmerican
da introdução das vacinas contra HPV são: Cancer Society Guideline for Human Papilloma-
virus (HPV) Vaccine Use to Prevent Cervical Can-
ƒƒ Vacinação de rotina em meninas entre 9-14 anos
cer and Its Precursors. CA Cancer J Clin., v.57,
ƒƒ Vacinação catch-up (vacinação de recupera-
n.1, p. 13-17, Jan/Feb 2007.
ção) em meninas entre 15-18 anos
ƒƒ Vacinação catch-up (vacinação de recupera- TULIO, S. et al . Relação entre a carga viral de
ção) em mulheres entre 19-26 pode ser apoia- HPV oncogênico determinada pelo método de
da pelo financiamento privado; no entanto, captura híbrida e o diagnóstico citológico de le-
financiamento público não é recomendado. sões de alto grau. J. Bras. Patol. Med. Lab.,  Rio
ƒƒ Os estudos clínicos em mulheres com idade de Janeiro,  v.43,  n.1, Feb.  2007.  
superior a 26 anos já terminaram, tendo com
desfechos clínicos a imunogenicidade e a pro- TUON, F. et al. Avaliação da sensibilidade e es-
teção da doença. No momento, aguarda-se a pecificidade dos exames citopatológico e col-
autorização das agências regulatórias respon- poscópico em relação ao exame histológico na
sáveis que visam suportar a ampliação da in- identificação de lesões intra-epiteliais cervicais.
dicação para essa população. Rev. Assoc. Med. Bras. v.48, n.2, p.140-4, 2002.

D- Referências Bibliográficas
ADDIS, I. B.; HATCH, K. D. ; BEREK, J.S. Tratado
de Ginecologia. 14.ed. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 2008.

CAETANO, R. et al . Custo-efetividade no
diagnóstico precoce do câncer de colo ute-
rino no Brasil. Physis,  Rio de Janeiro,  v. 16, 
n. 1, July  2006 .  

DA CRUZ, L. M. B.; LOUREIRO, R. P. A comunica-


ção na abordagem preventiva do câncer do colo
do útero: importância das influências histórico-
-culturais e da sexualidade feminina na adesão
às campanhas. Saúde soc.,  São Paulo,  v. 17,  n.
2, jun.  2008 .  

Faculdade Christus 125


Capítulo 16
DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA
José de Arimatea Barreto
Dandara Costa Santos

A- PROBLEMA B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM


A.M.S, sexo feminino, 17 anos, natural 1. Listar as hipóteses diagnósticas possíveis
e procedente de Fortaleza, solteira, procurou para este caso
atendimento médico com queixa de dor na 2. Enumerar os exames para a propedêutica
região hipogástrica, que se iniciou há 20 dias apropriada
e tem aumentado de intensidade. Refere cor- 3. Descrever como fazer o diagnóstico diferencial
rimento branco-acinzentado, em moderada 4. Citar fatores de risco para a doença inflama-
quantidade, que se intensifica após o período tória pélvica
menstrual, com odor e sem prurido, há 6 meses. 5. Nomear as complicações decorrentes da DIP
Afirma que seus ciclos menstruais estão irregu- 6. Indicar os vários esquemas terapêuticos
lares e que ocorrem pequenos sangramentos para situações diferentes segundo a sua
intermenstruais. Refere também picos febris há classificação
10 dias e posteriormente disúria.
Menarca aos 14 anos e inicialmente os C- ABORDAGEM TEMÁTICA
ciclos foram regulares. Relata ter iniciado sua
vida sexual há dois anos; já teve vários parcei- 1. Definição
ros e nunca usou preservativo. Fazia uso de Doença inflamatória pélvica (DIP) é uma
ACO, mas suspendeu há um mês, com o fim do infecção aguda do sistema genital superior,
último namoro. que acomete, preferencialmente, mulheres se-
Exame físico: T= 38 oC, abdome plano, xualmente ativas. A patologia inclui endome-
ruídos hidroaéreos presentes, timpânico, dolo- trite, salpingite, peritonite pélvica, ooforite e
roso à palpação superficial e profunda. Presença perihepatite.
de massa palpável na região hipogástrica direita Nos EUA, a DIP, anualmente, é respon-
e não há sinais de irritação peritoneal. sável por aproximadamente, 2,5 milhões de
Exame ginecológico: vulva sem altera- consultas ambulatoriais, 200.000 internações
ções, presença de corrimento vaginal bran- e 100.000 procedimentos cirúrgicos. Estima-
co-acinzentado; refere dor à mobilização -se que o número de casos de DIP em mulhe-
cervical. res entre 15 e 44 anos nos EUA diminuiu de
189.662 em 2002, para 168.837 em 2003. A
Exames complementares: PCR e VHS ele-
prevalência na América Latina e no Caribe é de
vadas, material coletado da endocérvice com 7
36,8/100.000. É uma patologia subdiagnostica-
leucócitos/campo, β-HCG negativo.
da, portanto, com estimativas.
Capítulo 16

2. Etiologia e patogênese Micoplasma hominis, Haemophilus influenzae


e pneumococos. Setenta e cinco por cento das
Os principais mecanismos de defesa va-
infecções ocorrem dentro de sete dias após a
ginal são a produção de imunoglobulinas, o
menstruação devido ao aumento da contratili-
muco cervical e os bacilos de Doderlein, que
dade miometrial e da permeabilidade do colo
garantem o pH ácido. A doença inflamatória
do útero, promovidos pelo fluxo menstrual.
pélvica ocorre quando há falha desses meca-
nismos, possibilitando a ascensão de micro-or-
ganismos do trato genital inferior para o trato
3. Fatores de risco
genital superior.
Observa-se maior prevalência da doença
É uma infecção polimicrobiana, em que
inflamatória pélvica em pacientes jovens, prin-
os principais agentes etiológicos são os pató-
cipalmente entre 15 e 25 anos de idade, com
genos sexualmente transmissíveis N. gonorrho-
início precoce da vida sexual. As adolescentes
ea e C. trachomatis.
constituem um importante grupo de risco, pois
Nos EUA, em 2006, foram detectados além de fatores biológicos, como a protrusão
358.366 casos de gonorreia. A infecção pode da zona de transformação do colo uterino, pos-
envolver qualquer porção do trato genital, a suem comportamento sexual de alto risco. A
orofaringe ou tornar-se disseminada. Cerca de incidência de DIP em mulheres com mais de 37
50% dos casos em mulheres são assintomáti- anos é, aproximadamente, 1/7 da incidência em
cos, enquanto no sexo masculino, apenas 10%. mulheres mais jovens.
Quando sintomática, a infecção manifesta-se
Mulheres nulíparas possuem maiores ín-
por meio de prurido, uretrite, corrimento muco-
dices de DIP. História de DIP prévia aumenta o
purulento. Aproximadamente 15% das mulhe-
risco de episódios subsequentes. Aproximada-
res com gonorreia endocervical desenvolvem
mente uma em quatro mulheres com DIP irá so-
DIP.
frer reincidência.
A C. trachomatis é uma bactéria Gram ne-
Estudos confirmam a importância da mul-
gativa e parasita intracelular obrigatório. Quatro
tiplicidade de parceiros sexuais, com aumento
milhões de novos casos de infecção por clamídia
na frequência de DIP de 4,6 a 20 vezes. O mé-
são diagnosticados anualmente nos EUA, sendo
todo contraceptivo utilizado também relaciona-
a maioria assintomáticos. É responsável por um
-se com os índices de DIP. Métodos de barreira
terço do total de casos de DIP. N. gonorrhoea
funcionam como fator de proteção. O uso de
e C. trachomatis causam infecções sintomato-
ACO parece reduzir tanto a incidência como a
logicamente semelhantes, porém a clamídia
severidade da DIP. Anticoncepcionais à base de
associa-se a menos manifestações agudas e a
progesterona podem reduzir o risco promo-
complicações mais significativas a longo prazo.
vendo espessamento do muco cervical, dificul-
Os sintomas mais frequentes são: corrimento
tando, assim, a ascensão de micro-organismos.
vaginal, dor abdominal e disúria. Na gravidez, a
Já a associação com o DIU permanece contro-
infecção por clamídia pode aumentar o risco de
versa. Alguns estudos sugerem que durante as
ruptura prematura das membranas e de baixo
três primeiras semanas após a implantação do
peso ao nascer. Caso a mãe não seja tratada,
DIU, a mulher encontra-se em maior risco de
20 a 50% dos recém-nascidos irão desenvolver
ter doença inflamatória pélvica. O uso de DIU a
conjuntivite e 10 a 20%, pneumonia.
longo prazo pode favorecer o desenvolvimento
A maior parte da flora vaginal normal é de actinomicose pélvica. Contudo, não há evi-
composta por bactérias potencialmente patogê- dências que justifiquem a remoção do DIU em
nicas, como espécies de estreptococos e de es- mulheres diagnosticadas com DIP.
tafilococos, Klebsiella spp, E. coli, Proteus spp, G.
A prática de atividade sexual próxima ou
vaginalis. Portanto, condições como a vaginose
durante a menstruação aumenta os riscos de
bacteriana, onde há um desequilíbrio da flora va-
doença sexualmente transmissível (DST) e DIP.
ginal, são frequentemente associadas à DIP. A va-
A redução do muco cervical que ocorre durante
ginose bacteriana afeta de 15-30% das mulheres
esse período facilita a ascendência e a presen-
americanas, sendo metade assintomática.
ça de sangue funciona como meio de cultura
Outros micro-organismos envolvidos na para a proliferação bacteriana. O uso de duchas
etiologia da DIP são: Ureaplasma urealyticum,

128 Faculdade Christus


Capítulo 16

vaginais promove alteração na flora vaginal, fa- acurado de salpingite. Entretanto, como possui
vorecendo a ocorrência de vaginose bacteriana, alto custo e expõe a paciente a riscos cirúrgi-
funcionando, assim, como fator de risco para cos, é usada apenas em casos de confirmação
DIP. Infecção por gonorreia, clamídia ou vagino- diagnóstica. Biópsia de endométrio fornece o
se bacteriana representa um fator de risco para diagnóstico de endometrite, com sensibilidade
DIP subclínica, definida histologicamente pela de 92%, mas também não é realizada rotineira-
presença de neutrófilos e de células plasmáticas mente. A US pélvica é útil, podendo evidenciar
no tecido endometrial. borramento nos contornos dos órgãos genitais,
coleções líquidas ou formações sólidas, caracte-
rísticas de abscessos. Entretanto, a ausência de
4. Apresentação clínica imagens sugestivas de DIP não diminui a pro-
A maioria dos casos são assintomáticos. babilidade da doença nem justifica o atraso no
Entre as manifestações mais comuns, estão: dor início do tratamento.
no abdome inferior, corrimento vaginal, dispa- Deve ser realizado teste de gravidez para
reunia, metrorragia, menorragia. A dor abdomi- afastar gravidez ectópica e complicações da
nal é geralmente bilateral e tem pouco mais de gravidez intrauterina. Urinálise e pesquisa de
duas semanas de duração. Sangramento ute- sangue oculto nas fezes também podem ter uti-
rino anormal ocorre em um terço ou mais das lidade. O hemograma tem pouco valor diagnós-
pacientes com DIP. Além disso, a paciente pode tico. Menos de metade dos pacientes apresenta
queixar-se de sintomas urinários, como disúria. leucocitose. O marcador de tumor ovariano CA-
Episódios subclínicos são especialmente co- 125 é, aparentemente, se encontra elevado nos
muns entre as usuárias de ACO. Febre, calafrios casos de DIP.
e vômito são sugestivos de doença grave.
Todas as mulheres com diagnóstico de
Mulheres infectadas pelo HIV não apre- doença sexualmente transmissível devem reali-
sentam diferenças em relação à severidade dos zar teste anti-HIV. Também é importante a reali-
sintomas nem à resposta ao tratamento quando zação de sorologia para sífilis e hepatites B e C.
comparadas a mulheres não infectadas.
Há um conjunto de critérios mínimos, re-
comendado pelo CDC, para aumentar a espe-
cificidade e reduzir o atraso no diagnóstico da
5. Diagnóstico
doença, incluindo dor à palpação abdominal,
A grande variação de sinais e sintomas di- mobilização cervical dolorosa e dor à palpa-
ficulta o diagnóstico de DIP. Geralmente é feito ção dos anexos. Para aumentar a especificidade
baseado em achados clínicos. dos critérios mínimos, os seguintes parâmetros
É importante que uma história clínica adicionais podem ser usados: T oral > 38,3oC,
detalhada seja realizada, com avaliação de ma- corrimento vaginal mucopurulento, VHS e/ou
nifestações como dor abdominal, corrimento, proteína C reativa aumentados, leucocitose (>5
dificuldade ou queimação ao urinar, dor nas leucócitos/campo), massa pélvica, infecção por
relações sexuais, irregularidade menstrual, clamídia ou por gonococo laboratorialmente
febre. Deve-se investigar também episódios comprovada. Os critérios elaborados são: bióp-
prévios de DIP e a história sexual da paciente, sia endometrial com evidências histopatológi-
incluindo número de parceiros e uso de méto- cas de endometrite, anormalidades laparoscó-
dos contraceptivos. picas compatíveis com DIP e US evidenciando
abscesso tubo-ovariano. Pacientes com pelo
Ao exame físico, cerca de metade das pa- menos um dos critérios elaborados são consi-
cientes têm febre. Pode-se detectar dor à palpa- deradas casos confirmados de DIP.
ção abdominal direta ou à descompressão súbi-
ta. Sensibilidade no quadrante superior direito
não exclui DIP, já que aproximadamente 10% 6. Diagnóstico diferencial
das pacientes desenvolvem perihepatite. Pode
haver também dor à palpação de órgãos pélvi- Outras causas ginecológicas que cursam
cos ou à mobilização cervical. com dor pélvica aguda são: cistos ovarianos, tu-
mores, gravidez ectópica, torção de ovário, en-
A laparoscopia é considerada o exame dometriose e dismenorreia.
padrão-ouro, fornecendo o diagnóstico mais

Faculdade Christus 129


Capítulo 16

Causas renais, como cistos, pielonefrite, violino. As aminotransferases são normais em


nefrolitíase e uretrite, também podem provo- aproximadamente metade dos pacientes.
car dor no abdome inferior, além de febre e
Outra complicação é a dor pélvica crôni-
dor nos flancos.
ca, definida como dor no baixo ventre, com du-
Algumas patologias gastrointestinais po- ração mínima de seis meses, menstrual ou não-
dem entrar no diagnóstico diferencial de DIP, -menstrual e suficientemente grave para causar
como apendicite, colecistite, constipação, hér- incapacidade funcional. A etiologia precisa é
nia, gastroenterite, obstrução intestinal, doença desconhecida, mas pode resultar das cicatrizes
inflamatória intestinal. e aderências decorrentes do processo inflama-
tório. Aproximadamente 1/3 das mulheres com
DIP desenvolvem dor pélvica crônica. Outro fa-
7. Complicações tor de risco é o tabagismo.
A DIP, tanto na sua forma sintomática O abscesso tubo-ovariano ocorre em 1/3
como na assintomática, pode provocar lesões ir- das pacientes com DIP e a sua ruptura é a mais
reversíveis no epitélio tubário. Alterações como grave complicação da doença, podendo resultar
perda da função ciliar e fibrose levam à inferti- em sepse, choque e morte.
lidade tubária. Um terço dos casos de infertili-
Em uma coorte realizada com 100.000
dade está associado à salpingite. Quanto maior
mulheres que adquiriram DIP entre 20 e 24
o número de episódios, maior a gravidade e
anos de idade, foram encontrados 8.550 casos
quanto maior o retardo no início do tratamento
de gravidez ectópica, 16.800 casos de infertili-
da DIP, maior o risco de infertilidade. Esse ris-
dade e 18.600 mulheres que desenvolveram dor
co após o primeiro episódio, varia entre 8% e
pélvica crônica.
12%, e após o terceiro episódio, varia entre 40%
e 50%. Entre os micro-organismos causadores
de DIP, a C. trachomatis tem maior associação
8. Tratamento
com infertilidade. Aproximadamente uma em
cada quatro mulheres com fator tubário de in- As metas do tratamento de DIP são elimi-
fertilidade tem anticorpos séricos para clamídia nar a infecção e evitar as sequelas a longo prazo,
inversamente relacionados às taxas de gravidez. ainda que a cura clínica e/ou microbiológica da
doença aguda não impeça o desenvolvimento de
Uma complicação, principalmente entre
complicações. O início deve ser o mais precoce
as adolescentes, é a gravidez ectópica. Devido
possível e a etiologia polimicrobiana sempre deve
aos danos tubários, a doença inflamatória pél-
ser considerada. Mulheres jovens, sexualmente
vica aumenta os riscos de gravidez ectópica de
ativas, com dor em baixo ventre sem nenhuma
três a dez vezes. O risco aumenta com o número
causa aparente e com um ou mais critérios míni-
de episódios e com a severidade da doença in-
mos devem receber tratamento empírico.
flamatória pélvica.
Pacientes com DIP leve ou moderada re-
A perihepatite (Síndrome de Fitz-Hugh-
cebem tratamento ambulatorial, de amplo es-
-Curtis) é definida como infecção da cápsula do
pectro. Mulheres portadoras do vírus HIV, geral-
fígado e da superfície peritoneal do quadran-
mente, apresentam boa resposta ao tratamento
te superior direito, com mínimo envolvimento
ambulatorial. De acordo com o CDC, o regime “A”
do estroma hepático. Ocorre quando os micro-
consiste na administração de ofloxacina (400mg
organismos atingem a superfície hepática a par-
VO, 2 vezes ao dia, durante 14 dias), levofloxaci-
tir da propagação para a cavidade peritoneal ou
na (500mg VO, uma vez ao dia, durante 14 dias)
por disseminação através dos linfáticos retrope-
ou ceftriaxone (250mg IM, dose única). Já o regi-
ritoneais. A superfície anterior do fígado é, fre-
me “B” consiste na administração de doxiciclina
quentemente, a mais acometida. 10% dos casos
(100mg VO, 2 vezes ao dia, durante 14 dias) e
estão associados à infecção por N. gonorrhoea
ceftriaxona (250mg IM, dose única). Pode-se adi-
e 50%, por C. trachomatis. Observa-se apareci-
cionar metronidazol à ofloxacina, à levofloxacina
mento súbito de dor abdominal, que piora com
ou à doxiciclina quando se pretende fazer cober-
a inspiração e que pode irradiar-se para o om-
tura para anaeróbios. Quando combinadas com
bro, dor à palpação do quadrante superior di-
ceftriaxone, azitromicina e doxiciclina mostram-
reito e aderências com aspecto em cordas de
-se igualmente eficazes. N. gonorrhoea apresenta

130 Faculdade Christus


Capítulo 16

resistência às fluoroquinolonas; portanto, o uso PEIPERT, J. F; Madden T. Complications of pel-


dessas não é recomendado. vic inflammatory disease. Base de dados Up
To Date. Disponível em: <http://www.uptodate.
Caso a terapêutica ambulatorial seja ado-
com/online/content/topic.do?topicKey=gen_
tada, é extremamente importante que a pacien-
gyne/35807&view>. Acesso em: 20 jun. 2009.
te seja reavaliada no prazo de 48 a 72 horas. Se
não ocorrer melhora em 72 horas, a internação SAVARIS, R. F. et al. Comparing ceftriaxone
hospitalar deve ser considerada. plus azithromycin or doxycycline for pelvic in-
Pacientes alérgicas à penicilina e com ris- flammatory disease: a randomized controlled
co de infecção por N. gonorrhoea têm opções trial. Obstetrics & Gynecology, v.110, n.1,
de tratamento ambulatorial bastante limitadas. p.53-60, 2007.
Uma alternativa é a hospitalização da paciente
SOPER, D. E. Infecções Geniturinárias e Doenças
para realização de tratamento com clindamicina
Sexualmente Transmitidas. In: BEREK, J. S. Berek
(900mg IV a cada 8 horas) e gentamicina (2mg/
& Novak: Tratado de Ginecologia. RJ: Guana-
kg, seguida por uma dose de manutenção de
bara Koogan, 2008, p. 409-411.
1,5mg/kg a cada 8 horas). Após 24 horas de me-
lhora clínica, o tratamento pode ser substituído SWYGARD, H; Senã, A. C; Cohen, M. S. Neisse-
por doxiciclina associada ao metronidazol ou ria gonorrhoeae infections in women. Base de
por clindamicina, via oral. dados Up To Date. Disponível em: <http://
Os parceiros sexuais de mulheres com www.uptodate.com/online/content/topic.
DIP, independente da etiologia, devem receber do?topicKey=stds/5315&view> . Acesso em:8
tratamento empírico para N. gonorrhoea e C. jul. 2009.
trachomatis caso tenha havido contato sexual WORKOWSKI, K. A; BERMAN, S. M. Sexually
nos 60 dias que antecederam o início dos sinto- transmitted diseases treatment guidelines,
mas. Também é de extrema importância o acon- 2006. Morbidity & Mortality Weekly Report,
selhamento sobre os principais fatores de risco v.55, RR-11, p.1-94, 2006.
e sobre práticas sexuais seguras, contribuindo,
assim, para prevenir recorrências da doença.

D- Referências Bibliográficas
BANIKARIM, C.; CHACKO, M. R. Pelvic inflamma-
tory disease in adolescents. Seminars in pedi-
atric infectious disease, v.16, p.175-180, 2005.

LIVENGOOD, C. H. Pathogenesis of and a risk


factors for pelvic inflammatory disease. Base
de Dados Up To Date. Disponível em: <http://
www.uptodate.com/online/content/topic.
do?topicKey=stds/2264&view>. Acesso em 20
jun. 2009.

MOHLLAJEE, A. P.; CURTIS, K. M; PETERSON, H.


B. Does insertion and use of an intrauterine de-
vice increase the risk of pelvic inflammatory dis-
ease among women with sexually transmitted
infection? A systematic review. Contraception,
v.73, p.145-153, 2006.

NESS, R. B. et al. Condom use and the risk of


recurrent pelvic inflammatory disease, chronic
pelvic pain, or infertility following an episode of
pelvic inflammatory disease. American Journal
of Public Health, v.94, p.1327-1329, 2004.

Faculdade Christus 131


Capítulo 17
DOR PÉLVICA CRÔNICA
João Marcos de Meneses e Silva
Lígia Helena Ferreira e Silva
Caroline Franco Machado
Thâmia Martins Marques

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


M. L. C., 30 anos, feminina, solteira, ope- 1. Introdução
rária de indústria química, natural e procedente
A dor pélvica crônica (DPC) é uma doença
de Fortaleza. Há oito meses procurou atendi-
que acomete um grande número de mulheres,
mento ginecológico por estar apresentando do-
possuindo diagnóstico difícil e, geralmente, de
res de grande intensidade tipo cólica na região
exclusão. Pode-se definí-la como dor abdomi-
pélvica que se irradia para a região lombar e co-
nal ou pélvica com duração mínima de seis me-
xas. A dor tem caráter progressivo e contínuo e
ses, de caráter não menstrual ou acíclico, com
se exacerba durante o período menstrual, mas
intensidade variável, mas forte o suficiente para
cede com o uso de analgésicos. Há sete meses,
interferir em atividades habituais, causar limita-
passou a apresentar dispareunia no fundo da
ção e requerer tratamento médico.
vagina. Tem vida sexual regular com parceiro
fixo (media de 3x semana) sem nenhum méto- A importância desta patologia deve-se às
do contraceptivo há 2 anos, ainda não conse- alterações que a dor crônica pode provocar tam-
guir engravidar. Nega hipertensão arterial, dia- bém na saúde psicossocial da paciente, causan-
betes mellitus, dislipidemia, história de alergia, do um grande impacto na vida conjugal, social e
cirurgias e traumatismos prévios. Refere função profissional, o que transforma a dor pélvica crô-
intestinal normal. Menarca aos 10 anos, ciclos nica em um sério problema de saúde pública.
menstruais regulares e de curta duração. Exame É uma condição comum e importante na
físico: afebril, acianótica, anictérica, orientada e mulher, incidindo principalmente durante o me-
cooperativa. Refere dor à palpação abdominal nacme, fase que vai desde os 18 anos até os 50
superficial e profunda, sem descompressão do- anos. Segundo estudos americanos, acomete cer-
lorosa na região do hipogástrio. Exame gineco- ca de 1,6% desta faixa etária e 3,8% das mulheres
lógico: vulva, vagina e colo sem alterações. To- de 15 a 73 anos, maior que a prevalência estima-
que bimanual - mobilização cervical dolorosa. da de enxaqueca (2,1%) e asma (3,7%). Estima-se
que aproximadamente 60% das mulheres com a
doença nunca receberam diagnóstico específico e
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 20% nunca realizaram qualquer investigação para
1. Epidemiologia da dor pélvica crônica confirmar a causa da dor. Essa patologia surge em
2. Etiologia até 10% das consultas ginecológicas ambulato-
3. Semiologia riais, sendo responsável por aproximadamente 10
4. Diagnóstico a 35% das laparoscopias diagnósticas e gineco-
5. Tratamento lógicas e 12% das histerectomias realizadas nos
Estados Unidos. Não se sabe, de fato, sua real pre-
Capítulo 17

valência em países em desenvolvimento, como cinoma do cólon;


o Brasil, mas estima-se que seja superior àquela ƒƒ Urológicas: cistite intersticial, cistite/uretrite agu-
encontrada em países desenvolvidos. da recorrente, ITU crônica, cistite actínica, urolití-
ase, síndrome uretral, neoplasia vesical;
Alguns estudos têm tentado identificar
ƒƒ Músculoesqueléticas: síndromes miofasciais,
fatores de risco para a doença, mas os resulta-
espasmos da musculatura do assoalho pélvico,
dos são controversos, sendo em parte explicado
inadequação postural, fibromialgia, síndrome
pela particularidade dos dados epidemiológicos
piriforme, hérnia de disco, neuralgia do ílio-in-
de cada localidade e pela falta de qualidade no
guinal, ílio-hipogástrico, gênito-femoral;
acesso às informações dos estudos. Recentemen-
ƒƒ Sem causas orgânicas e psiquiátricas: história de
te, uma revisão sistemática concluiu que o abuso
violência sexual ou física ou ambas vida sexual
sexual, o uso de drogas ou álcool, abortos, fluxo
insatisfatória, desejo de atenção, carência afetiva.
menstrual aumentado, doença inflamatória pélvi-
ca, múltiplas cesáreas, comorbidades psicológicas
e cirurgias prévias estão associadas à doença. 2.1. Causas ginecológicas
Sob o ponto de vista biopsicossocial, es- As alterações ginecológicas mais comuns
tima-se que a dor pélvica crônica pode estar as- observadas à laparoscopia de dor pélvica crônica
sociada a um “ganho” pessoal, com obtenção de são endometriose e aderências. As outras pato-
“benefícios” como maior atenção por parte dos logias ginecológicas, como cistos ovarianos, leio-
familiares e afastamento de atividades indese- miomas uterinos, relaxamento pélvico devem ser
jáveis, levando a paciente a, inconscientemente, avaliadas e tratadas da forma apropriada para o
perpetuar suas queixas e supervalorizar sintomas. distúrbio subjacente. A dor associada a essas alte-
rações comumente não são de grande intensidade,
A identificação da etiologia e do trata-
e o tratamento cirúrgico apropriado é terapêutico.
mento da DPC é usualmente difícil e frustrante,
tanto para o médico quanto para o paciente, XX Endometriose
uma vez que os sintomas são vagos e as tenta- A endometriose se caracteriza pela pre-
tivas são desacreditados. Os tratamentos, com sença de tecido endometrial ectópico, ou seja,
frequência, levam a um alívio da dor por breves extrauterinos, com prevalência de 10 a 15% das
períodos de tempo. mulheres em idade reprodutiva, principalmente
aquelas com queixas de dor pélvica e infertili-
dade. Acomete entre 15 e 40% das pacientes
2. Etiologia submetidas à laparoscopia para o tratamento
da dor pélvica crônica.
A dor pélvica crônica (DPC) não tem uma
função biológica definida, não possuindo um alerta Sintomas a serem investigados: disme-
de uma agressão, sendo ela própria a doença. Não norreia, dispareunia, dor pélvica acíclica, inferti-
possui uma etiologia clara, resultando, geralmen- lidade e alterações urinárias e intestinais cíclicas.
te, de uma complexa interação entre os sistemas Ao se levar em consideração a queixa
gastrintestinal, urinário, ginecológico, músculo- principal das pacientes, observa-se que a mais
-esquelético, neurológico, psicológico e endócrino, frequente é a dismenorreia (86,5%), seguida de
influenciado ainda por fatores socioculturais. dor pélvica crônica (55,3%), dispareunia (54,9%)
Destacam-se então variadas causas: e infertilidade (40,2%). Cerca de 30 a 50% das
pacientes não sentem dor, qualquer que seja o
ƒƒ Ginecológicas: doença inflamatória pélvica, estágio das lesões. As endometrioses vaginal
endometriose, aderências pélvicas, congestão e útero-sacral geralmente estão associadas à
pélvica, relaxamento pélvico, cistos ovarianos, queixa de dispareunia profunda.
estenose do canal cervical, distopias e pro-
lapsos genitais, pólipos, miomas de grande Os achados durante o exame ginecológico
volume, DIU, massas pélvicas e anexiais, ade- variam, dependendo da localização e estágio da
nomiose; doença. Nos casos leves e moderados, de acometi-
ƒƒ Gastrintestinais: síndrome do cólon irritável, mento essencialmente peritoneal ou ovariano leve,
constipação crônica, doença inflamatória in- a avaliação clínica pode ser absolutamente normal.
testinal, colite, doença diverticular, hérnias, A endometriose é um diagnóstico cirúrgico
obstrução intestinal crônica intermitente, car- baseado na identificação de lesões características.

134 Faculdade Christus


Capítulo 17

2.2. Causas gastroenterológicas


O útero, o colo e os anexos possuem a
mesma inervação visceral que a parte inferior
do íleo, cólon sigmóide e reto, com os sinais de
dor seguindo através dos nervos simpáticos, o
que torna difícil determinar se a dor abdominal
baixa tem origem ginecológica ou enterocelía-
ca. É necessária habilidade na anamnese e no
exame para se fazer o diagnóstico diferencial.
Figura 1- Endodiag.
A síndrome do cólon irritável é um dos
Fonte: Reproductive Endocrine Association – fertili-
tydocs.com
diagnósticos mais comuns em mulheres com
dor abdominal baixa e pode ser responsável por
até 60% das pacientes encaminhadas ao gine-
XX Aderências cologista com dor pélvica crônica. Acredita-se
A formação das aderências ocorre de- que 35% das pacientes com essa queixa têm um
pois de trauma do peritônio visceral ou parie- diagnóstico concomitante de síndrome do intes-
tal, seja por um procedimento cirúrgico, uma tino irritável (SII). As causas exatas da síndrome
endometriose ou uma infecção. A intervenção são desconhecidas e o sintoma mais frequente
cirúrgica é responsável pela maior parte das for- é a dor abdominal, podendo ser ou não acom-
mações de aderências, correspondendo a 70% panhada por distensão abdominal, flatulências
do total. Nos casos em que ocorre o dano is- excessivas, diarreia e constipação alternadas,
quêmico no peritônio, há uma redução de ativi- aumento da dor antes da defecação, diminuição
dade fibrinolítica, não ocorrendo lise da fibrina após a defecação e exacerbação por eventos que
e surgem as aderências fibrosas. Os granulomas aumentem a motilidade gastrointestinal. A dor,
de corpo estranho, como talco, gaze ou mate- geralmente, é intermitente, algumas vezes, cons-
rial de sutura, também favorecem a formação tante do tipo cólica e predominantemente locali-
de aderências. zada no quadrante inferior esquerdo.
A sintomatologia não possui um padrão
específico, a dor abdominal acíclica é comum
em mulheres com essa patologia e pode se exa- 2.3. Causas urológicas
cerbar durante o coito ou atividade física. Acre- Uretrite crônica, cistite intersticial, insta-
dita-se que a dor produzida pelas aderências bilidade do detrusor e cistites recorrentes são,
resulta da restrição da mobilidade e distensão após a síndrome do cólon irritável, o segundo
intestinal, e as aderências densas envolvendo diagnóstico mais frequente nas mulheres com
o intestino podem causar obstrução intestinal dor pélvica crônica.
parcial ou completa.

Útero 2.4. Causas musculoesqueléticas


A condição mais frequente é a hipereste-
Endometriose
sia de áreas bem localizadas, comumente adja-
Aderências centes a incisões de cirurgias prévias, chamadas
ponto de gatilho da dor.
Tuba uterina

2.5. Causas não orgânicas


Diagnósticos psicológicos são evidenciados
em até 60% das mulheres com dor pélvica crô-
nica. O distúrbio psicológico pode ser considera-
do como reativo, resultado de sintomas crônicos,
Figura 2- Endometriosis and adhesion. mas, na maioria das vezes, a dor, a incapacidade
Fonte: Herenciageneticayenfermedad.blogspot.com
e as alterações do humor fazem parte do “círculo
vicioso” em que cada fator reforça os demais.

Faculdade Christus 135


Capítulo 17

3. Diagnóstico a realização do exame físico, de preferência,


sem a presença de acompanhante.
3.1. Anamnese
Como a anamnese será o primeiro con-
É de suma importância que o médico sai-
tato entre o médico e a paciente, é crucial que
ba o momento e a forma certa de perguntar,
se estabeleça um vínculo de cumplicidade entre
uma vez que a paciente pode acabar interpre-
os dois uma vez que, as pacientes portadoras
tando os questionamentos como uma dúvida se
de dor pélvica crônica encontram-se, na maioria
sua dor é “real ou imaginária”.
das vezes, frustradas devido a tratamentos an-
teriores mal sucedidos e podem agir de modo
agressivo e pouco colaborativo. Portanto, faz- 3.2. Exame físico
-se necessário que se questione de forma mi-
nuciosa e detalhada os aspectos clínicos dessa Segundo a Sociedade Internacional de
enfermidade. Dor Pélvica, o exame físico completo deve ser
composto de quatro etapas: exame na posição
1. Início da dor: de maneira abrupta ou insidiosa; ortostática, sentada, supina e posição de litoto-
2. Localização da dor: seria ideal que a pacien- mia. Além disso, deve ser realizada uma com-
te indicasse de modo preciso o local da dor pleta avaliação dos sistemas músculoesqueléti-
como, por exemplo, por meio da indicação co, gastrointestinal, urinário e psiconeurológico.
com as mãos;
3. Intensidade da dor: pode ser avaliada por O exame físico na dor crônica, diferente
meio de um questionário em que a pacien- dos quadros abdominais agudos, tende a ser
te possa classificar sua dor conforme escala extremamente inespecífico. De qualquer forma,
numérica, de graduação de cor ou verbal; o exame físico minucioso é indispensável para
4. Periodicidade: a dor pode ser classificada a tomada de decisões quanto à investigação
como cíclica (aquela que acompanha o pe- complementar e/ou tratamento.
ríodo menstrual) ou acíclica. Ciclicidade nos 1. Posição ortostática: avaliar a presença de
faz pensar em patologia de origem gineco- alterações posturais como lordose e esco-
lógica como endometriose, por exemplo. liose. Com ajuda da manobra de Valsalva,
Questionar também se a dor está relacio- procurar a presença de hérnias inguinais e
nada com trânsito intestinal, movimentação femorais. Deve ser dada também atenção
ou micção para que se possa excluir cistite, especial ao modo de andar e as característi-
síndrome do cólon irritável, entre outras. cas faciais de sofrimento da paciente;
Alguns autores sugerem que se inicie um 2. Posição sentada: analisar se a paciente en-
diário da dor para que se possa identificar contra-se em posição antálgica. É importante
uma dor cíclica não percebida ou situações também, palpar o dorso da paciente à pro-
de estresse desencadeadoras da dor. Entre- cura de regiões dolorosas a fim de descartar
tanto, esse diário pode aumentar a atenção fibromialgia, síndrome miofacial e outros pro-
à dor e ter efeito negativo; blemas posturais;
5. Passado clínico e cirúrgico: avaliar relatos de 3. Posição supina: deve ser realizado o exa-
cirurgias pélvicas, abdominais e angiológicas, me abdominal, que se inicia com uma ins-
patologias de base, aderências pélvicas, cál- peção detalhada à procura de cicatrizes
culos renais e biliares, manipulação vesical, e deformações e segue com a palpação
congestão pélvica, histórias passadas de do- superficial e profunda a fim de verificar a
enças sexualmente transmissíveis e de doença presença de massas, aumento do tamanho
inflamatória pélvica além de histórias de má das vísceras e distensão de alças intesti-
circulação e de eventos tromboembólicos; nais. A palpação da parede abdominal as-
6. História familiar e psicoemocional: questio- sociada à manobra de Valsalva ou elevação
nar se a paciente foi vítima de violência se- da cabeça com contração dos músculos da
xual e/ou física, se sofre de alterações de hu- parede abdominal (teste de Carnett) é ca-
mor e se faz uso de algum tipo de medicação paz de diferenciar se a dor é originária da
ou droga. Essa é uma das partes mais im- parede abdominal ou da cavidade pélvica
portantes da anamnese; portanto, deve ser já que, no primeiro caso, a dor se mantém
realizada com bastante cautela e, se necessá- ou se intensifica, enquanto no segundo, o
rio, nas consultas subsequentes ou durante paciente relata melhora da dor;

136 Faculdade Christus


Capítulo 17

4. Posição de litotomia: após avaliar todos os 1. Sumário de urina + urinocultura: quando há


outros sistemas, têm-se excluído diversas pa- suspeita de doenças do sistema urológico,
tologias, aumentando a sensibilidade e espe- em especial a cistite intersticial;
cificidade do exame ginecológico. O exame 2. Colpocitologia + bacterioscopia: quando há
da pelve deve ser realizado do modo mais suspeita de acometimento do sistema gas-
delicado e confortável possível devido ao trintestinal a fim de excluir neoplasias ou
elevado grau de sensibilidade que possuem doenças infecciosas e inflamatórias;
essas pacientes. A bexiga deve estar vazia. 3. Cultura do conteúdo vaginal para Chlamydia
Inicia-se pela inspeção da genitália externa e gonococos: importante para a confirma-
(vulva, vestíbulo e uretra) à procura de hipere- ção do diagnóstico de doença inflamatória
mia, leucorreia, abscessos, nódulos e fístulas; pélvica de difícil tratamento;
posteriormente faz-se o exame especular tra- 4. Sorologia para sífilis, HIV e hepatite B: para
dicional e por último o toque vaginal (inicial- a detecção de imunodepressão e de predis-
mente unidigital devido ao desconforto que posição para doença inflamatória pélvica;
gera na paciente). Avalia-se dessa forma a 5. Protoparasitológico de fezes: indicado para
uretra, a base da bexiga e a região do trígono a detecção de verminoses;
na parede vaginal anterior a fim de se identi- 6. Hemograma completo: importante para a
ficar pontos dolorosos de origem uretral ou detecção de alterações plaquetárias, leuco-
vesical. Segue-se com a avaliação dos múscu- citose e anemia falciforme;
los do assoalho pélvico (piriforme, coccígeo, 7. Glicemia: para a detecção de diabetes;
obturador interno, puborretais, iliococcígeos, 8. US abdominal e pélvica: indicada quando
pubococcígeos, entre outros). há suspeita de endometriose e massas pél-
5. No toque bidigital, é interessante que se vicas. Nota-se que alguns especialistas em
faça a compressão do útero contra o sacro a ultra-sonografia realizam nos casos de sus-
fim de se avaliar a forma, consistência e mo- peita de endometriose um exame bem mais
bilização do útero. Miomatose, adenomiose, detalhado e cuidadoso, capaz de visualizar
endometriose e aderências pélvicas podem lesões indetectáveis em exames “comuns”.
tornar o exame doloroso. Por fim, realiza-se Porém, ainda por falta de divulgação do
o toque retal sempre que necessário. Nestes método e pelo não reconhecimento ainda
casos, o septo reto-vaginal deve ser avalia- pela Classificação Brasileira Hierarquiza-
do cuidadosamente para verificar a presen- da de Procedimentos Médicos – CBHPM -
ça de nodulações dolorosas sugestivas de AMB, o método ainda é restrito;
endometriose. Desconforto exacerbado ao 9. Raio-X de tórax + abdome (incluindo perfil):
toque retal pode estar associado também para a verificação de fraturas vertebrais, os-
com a síndrome do intestino irritável. teopatias, cálculos, entre outras alterações.
Os exames mais complexos, de valores
3.3. Exames complementares mais elevados e mais invasivos devem ser so-
licitados conforme sejam encontrados achados
Os exames complementares devem ser
insuficientes nos exames de rotina.
solicitados de acordo com a história clínica e o
exame físico da paciente. Os mais usados são: colonoscopia, en-
doscopia digestiva alta, histerossalpingografia,
Para um melhor diagnóstico etiológico,
histeroscopia, estudo urodinâmico, enema ba-
o ideal seria realizar exames gastrointestinais,
ritado de duplo contraste, tomografia compu-
renais, exames sanguíneos completos e exames
tadorizada, ressonância nuclear magnética, pes-
de imagem para todas as pacientes com sus-
quisa de sangue oculto nas fezes, laparoscopia
peita de dor pélvica crônica. Entretanto, essa
entre outros.
realidade é praticamente impossível devido ao
alto custo. Realizam-se uma boa anamnese e A laparoscopia diagnóstica é o méto-
exame físico e solicitam-se somente os exames do padrão-ouro para a investigação da dor
complementares para as situações em que eles pélvica crônica, embora não existam evidên-
realmente possam interferir no diagnóstico. cias suficientes de diferença nos achados la-
paroscópicos entre mulheres com e sem dor
Os exames iniciais devem ser primor-
pélvica. Entretanto, é imprescindível sua rea-
dialmente de baixo custo e pouco invasivos; os
lização nos casos em que os outros métodos
principais são:

Faculdade Christus 137


Capítulo 17

diagnósticos não elucidem a causa da dor. das, exceto nos casos de pacientes com distúr-
Portanto, a laparoscopia é mais eficiente nas bios cardiovasculares ou em uso concomitante
situações em que encontramos exame físico de inibidores da monoaminoxidase.
anormal ou se o manejo inicial não acarreta
melhora dos sintomas.
4.2. Tratamento psicológico
Tem como objetivo tratar a dor exces-
4. Tratamento siva e a incapacitação, educar a paciente a
Após seis meses de duração, a dor, por conviver da melhor maneira possível com a
si só, deixa de ser apenas um sintoma e tor- dor e tratar as doenças psicológicas. A abor-
na-se uma doença com fisiopatologia própria dagem comportamental tem apresentado re-
devendo, dessa forma, ser tratada de maneira sultados promissores.
consistente. Ao contrário do que ocorre na dor
aguda, no tratamento da dor crônica, é neces-
sário aceitar o conceito de manejar a dor mais 4.3. Tratamento neuroablativo
do que curá-la. Pode ser feito por ressecção cirúrgica
Quando um diagnóstico específico pode nervosa, injeção de substâncias neurotóxicas
ser feito, o tratamento também é específico ou corrente elétrica suficiente para destruir o
para essa patologia; quando não, o tratamento tecido neural. Dentre as técnicas laparoscó-
deve ser dirigido para o controle da dor. picas, a LUNA, ablação do nervo uterino com
ressecção dos ligamentos útero-sacros, é a
Os principais objetivos do tratamento são: mais utilizada.
o alívio do sofrimento, a restauração da função
normal e a prevenção da incapacitação.
O manejo da doença pélvica crônica, ela D- Referências Bibliográficas
própria como patologia, envolve tratamento
AGUIAR, F.M.; ABREU, L.G.; SILA, J.C.R.; REIS, R.M.;
medicamentoso, psicológico e neuroablativo.
FERRIANI, R.A.; MOURA, M.D. Etiopatogenia da
endometriose: o que há de novo? Femina. v.33,
4.1. Tratamento medicamentoso n.6, p.415-420, jun. 2005.

Podem ser utilizados analgésicos, anti- BERGMANN, G. G.; GARLIPP, D. C.; SILVA, G. M.
-inflamatórios não hormonais e opioides. Os G.; GAYA, A. Crescimento somático de crianças
analgésicos de primeira linha, anti-inflamató- e adolescentes brasileiros. Rev Bras Saúde Ma-
rios não hormonais e acetaminofeno podem tern Infant., Recife, v.9, n.1, p.85-93, jan./mar.,
ser considerados as drogas de primeira esco- 2009.
lha. Seria interessante que se fizesse o uso de
BRUNO, R.V.; OLIVEIRA, L.A.; VILLAFANA, G.; BO-
pelo menos três drogas isoladas ou associadas
TELHO, B.G.; SOUZA, R.C. Atualização na abor-
antes de se iniciar o tratamento com opioides,
dagem da dor pélvica crônica. Femina. v.35, n.1,
deixando estes últimos somente para casos re-
p.29-33, jan. 2007.
fratários ao tratamento prévio. Analgésicos do
grupo dos narcóticos não devem ser usados CARTER, J.E. Chronic pelvic pain: diagnosis
rotineiramente no tratamento da dor pélvica and management. Golden: Medical Education
crônica porque relaxam a musculatura lisa e Collaborative; 1996.
podem exacerbar a dor provocada por distúr-
bios de motilidade intestinal, além de provo- CHEONG, Y.; WILLIAM STONES, R. Chronic pelvic
carem sedação, o que dificultaria o retorno às pain: aetiology and therapy. Best Pract Res Clin
funções habituais. Os antidepressivos tricícli- Obstet Gynaecol. v.20, n.5, p.695-711, 2006.
cos podem ser associados aos analgésicos no
FREITAS, F.; MENKE, C.H.; RIVOIRE, W.; PASSOS,
alívio da dor uma vez que, eles podem aliviá-la
E.P. Rotinas em Ginecologia. In: OPPERMANN,
por meio do bloqueio nervoso periférico, ele-
M.L.R. Dor pélvica crônica. 5. ed., Porto Alegre:
vando o limiar à dor, e por estimulação central.
Artmed, 2006.
A amitriptilina, um antidepressivo com efeito
sedativo é uma das primeiras escolhas utiliza-

138 Faculdade Christus


Capítulo 17

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Faculdade Christus 139


Capítulo 18
ENDOMETRIOSE
Francisco das Chagas Medeiros
Diego Lima Vasconcelos

A- PROBLEMA uma reação crônica inflamatória. O espectro de


agressão dessa doença é bastante amplo, varian-
J.N.S., 29 anos, nulípara, casada, deu en- do de quadros leves até quadros incapacitantes.
trada no hospital escola da Faculdade de Me- Estima-se que ocorra em 5 a 10% das mulheres
dicina Christus queixando-se de dismenorreia em idade reprodutiva nos Estados Unidos.
progressiva e de dispareunia de longa data. Re-
fere que a dismenorreia iniciou há cerca de dois É encontrada principalmente em mulhe-
anos e que atualmente não melhora com o uso res com idade reprodutiva, com média de 30
de ibuprofeno, chegando a afetar sua vida pro- anos, mas também foi descrita em adolescen-
fissional e social. Afirma ser sexualmente ativa, tes, geralmente associada à atresia do trato ge-
apresentando dificuldades para engravidar há nital inferior, em mulheres pós-menopausadas
cerca de 1 ano, quando parou o uso de anticon- em curso de tratamento de reposição hormonal
cepcional oral, anteriormente prescrito para alí- e até mesmo em homens tratados com estró-
vio da dor menstrual. Acredita que o problema genos para câncer de próstata. A doença pode
pode estar relacionado à dor que sente durante ser encontrada em todos os grupos étnicos e
o coito vaginal. Nega casos semelhantes na fa- sociais. Associa-se, com frequência à infertilida-
mília. O exame físico não evidenciou alterações. de, dor pélvica e dispareunia. Apesar de a endo-
A paciente apresenta grande preocupação com metriose ter sido reconhecida há muito tempo,
sua fertilidade e sobre a gravidade do caso. a sua patogênese só começou a ser esclarecida
nos últimos anos, além da evolução espontâ-
nea, do diagnóstico e do tratamento.
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Em mulheres assintomáticas, estima-se
de 2 a 20% de prevalência de endometriose e
1. Saber a definição de endometriose.
dentre as submetidas à ligadura tubária (pacien-
2. Identificar nos sintomas, os sugestivos da
tes com fertilidade comprovada), a prevalência
doença.
varia de 3 a 43%. Dentre as mulheres inférteis,
3. Entender a sua fisiopatologia e suas rela-
estima-se que 30 a 71% tenham endometriose
ções com a dor e infertilidade.
quando nenhuma outra causa para a infertili-
4. Interpretar os exames diagnósticos
dade é encontrada, já para dor pélvica, a pre-
5. Ter noções do tratamento clínico.
valência varia de 15 a 45%. Dentre as mulheres
com diagnóstico confirmado de endometriose,
C- ABORDAGEM TEMÁTICA estima-se que 30 a 50 % sejam inférteis.

1. Introdução
A endometriose caracteriza-se pela pre-
2. Fatores de risco
sença de tecido similar ao do endométrio, tecido Apesar de não estarem ainda bem esta-
endometriótico, fora da cavidade uterina, princi- belecidos, vários fatores de risco foram sugeri-
palmente ovários e peritônio pélvico, o qual induz
Capítulo 18

dos para a endometriose. A herança multigenéti- rinas e, então, implantam-se na superfície peritone-
ca da endometriose vem ganhando importância. al. Dados clínicos e experimentais sólidos apoiam
Achados recentes que apoiam a característica essa hipótese. Apesar de o fenômeno da menstru-
genética da endometriose incluem: concordân- ação retrógrada ocorrer em 70 a 90% das mulheres,
cia entre gêmeos monozigóticos, idade de início ele pode ser mais comum naquelas com endome-
dos sintomas semelhante em irmãs não gêmeas, triose que nas mulheres que não têm a doença.
incidência em parentes de mulheres afetadas
A teoria da metaplasia celômica diz que o
que é até sete vezes maior que em mulheres não
epitélio da superfície ovariana pode sofrer um
afetadas, um efeito fundador detectado na po-
processo de metaplasia por ativação de um ale-
pulação da Islândia, além de evidências de liga-
lo K-ras oncogênico, originando as lesões en-
ção aos cromossomos sete e dez, apesar de não
dometrióticas ovarianas; já a teoria da indução,
terem sido identificados genes relevantes nessas
uma extensão da teoria da metaplasia celômica,
regiões até a presente data.
propõe que as células peritoneais indiferencia-
Outros fatores têm, aparentemente, im- das transformam-se em tecido endometriótico
portante papel quanto ao fator de risco para induzido por um fator bioquímico endógeno
endometriose: mulheres que apresentam aber- não definido. Outra teoria propõe que o tecido
rações anatômicas ou bioquímicas das funções menstrual da cavidade endometrial é transpor-
uterinas também apresentam maior prevalência tado para outros locais por veias ou vasos lin-
de endometriose, como, atresia do trato geni- fáticos e uma quinta proposta diz, ainda, que
tal inferior; estilo de vida reprodutiva, sendo a células sanguíneas circulantes originadas da
doença mais frequente nas mulheres que espe- medula óssea podem diferenciar-se em tecido
ram mais tempo para engravidar; ciclo de curta endometriótico em vários locais do organismo.
duração, menstruação com fluxo mais intenso e Nenhuma teoria isolada pode explicar a locali-
fluxo de maior duração, relacionada provavel- zação da endometriose em todos os casos.
mente a uma maior ocorrência de menstrua-
Para explicar a implantação com suces-
ção retrógrada; fatores imunológicos ainda não
so e o crescimento do tecido endometriótico
bem compreendidos; alguns fatores ambientais,
por menstruação retrógrada, foram propostos
incluindo, provavelmente, exposição a uma va-
duas teorias: defeitos moleculares e anormali-
riedade de toxinas ambientais, tal como a dio-
dades imunológicas.
xina. A altura e o peso da paciente mostram as-
sociação positiva e negativa, respectivamente, A teoria dos defeitos moleculares explica
com o risco de endometriose. que o tecido endometriótico exibe defeitos mo-
leculares pequenos, porém biologicamente im-
Ainda outras doenças foram relatadas
portantes, podendo favorecer a ativação de vias
como tendo relações com a endometriose, sen-
oncogênicas ou de cascatas de biossíntese le-
do elas: lúpus eritematoso sistêmico, nevus dis-
vando a um aumento da produção de citocinas,
plásicos e história de melanoma nas mulheres
metaloproteínas, prostaglandinas e estrogê-
em idade reprodutiva.
nios. Tais anormalidades são ampliadas drasti-
camente quando o tecido endometriótico adere
às células mesoteliais do peritônio, favorecendo
3. Patogenia
a sobrevivência e o crescimento do implante.
Para que se inicie o desenvolvimento da en-
A teoria das anormalidades imunológicas
dometriose, é necessário que o tecido endometrió-
afirma que a sobrevivência do implante pode ser
tico chegue ao local extrauterino, que tal tecido se
possível por uma menor eliminação de células
implante com sucesso e cresça localmente.
endometriais do tecido peritoneal pelo sistema
Existem várias teorias que tentam explicar imunológico (principalmente por diminuição da
o deslocamento, ou a aparição, do tecido endo- atividade de células exterminadoras naturais (NK)
metrial no local da endometriose. A proposta por e de macrófagos). Além de que a endometriose
Sampson, em 1920, e também a mais aceita, é de também pode ser encarada como um distúrbio
que o tecido endometrial chega à cavidade pél- de tolerância imunológica, já que o endométrio
vica por meio de um fenômeno conhecido como ectópico é um tecido próprio. As duas teorias
menstruação retrógrada, na qual fragmentos do provavelmente atuam conjuntamente para o de-
endométrio menstrual retrocedem pelas tubas ute- senvolvimento da endometriose.

142 Faculdade Christus


Capítulo 18

Evidências sólidas sugerem que a endo- endometriose é uma doença em que ocorre a
metriose está associada à inflamação, que por ativação de múltiplos genes.
sua vez é associada a um aumento da produção
de prostaglandinas, metaloproteínas, citocinas e
quimiocinas. O aumento de algumas citocinas da 4. Diagnóstico
inflamação aguda, como interleucina-1ß, inter- Ainda um desafio diagnóstico para a me-
leucina-6 e fator de necrose tumoral (TNF) pro- dicina, a endometriose costuma ter um grande
vavelmente aumentam a adesão de fragmentos período de tempo entre o início dos sintomas e
do tecido endometrial na superfície peritoneal e a endometriose confirmada por cirurgia, cerca de
as metaloproteinases promovem, posteriormen- 8 anos no Reino Unido e de 12 anos nos Estados
te, a implantação desses fragmentos. Unidos, observa-se duração semelhante no Brasil.
Tanto a inflamação, como a sobrevivên-
cia do implante e a sua diferenciação deficiente
estão ligadas a defeitos na célula estromal, en- 4.1. Apresentação clínica
volvendo a formação excessiva de estrógenos A endometriose costuma aparecer em
e prostaglandina, além da resistência à proges- mulheres em idade fértil, quando as lesões são
terona. Entende-se hoje que todas essas alte- estimuladas pelos hormônios ovarianos. Dor
rações originam-se a partir de duas mudanças pélvica, dor lombar, dispareunia, dor nas costas,
epigenéticas diferentes, afetando um fator de disquezia e alginurese são sintomas comuns
transcrição, o fator esteroidogênico 1 (SF1) e o de sua apresentação. A endometriose também
receptor de estrógeno ß. Tal fator de transcri- pode estar associada a sintomas gastrointesti-
ção, quando exposto à prostaglandina E2 (PGE2), nais significativos como: dor, náusea, vômito,
promove a expressão de grandes quantidades saciedade precoce, edema e distensão abdo-
de enzimas presentes na esteroidogênese, prin- minal e alteração nos hábitos intestinais. Ainda
cipalmente a aromatase, o que leva a formação pode ser assintomática, mesmo em algumas
de grandes quantidades de estradiol. Já o estra- mulheres com doença mais avançada.
diol, vai agir, por meio dos receptores de estró-
geno ß estimulando a ciclooxigenase 2 (COX-2), A dor pélvica tipo dismenorreia, sintoma
levando a uma grande produção de prostaglan- mais frequente é particularmente sugestivo de
dina E2, assim, fecha-se um ciclo de retroali- endometriose quando começa após anos de
mentação positiva, com grandes produções de menstruação sem dor. Com frequência, a disme-
estradiol e de produtos da COX-2, incluindo a norreia inicia antes de ocorrer o sangramento e
PGE2, no tecido endometriótico. Além disso, a dura por todo o período menstrual. As possíveis
expressão aumentada de receptor de estrógeno causas de tal dor são: inflamação peritoneal lo-
ß inibe a expressão de receptores de progeste- cal, infiltração profunda com lesão tecidual, for-
rona, o que resulta em uma resistência a esse mação de aderências, espessamento fibrótico
último hormônio e em uma disfunção de uma e acúmulo de sangue menstrual eliminado em
das vias que inativa o estradiol. Ao fim, temos implantes endometrióticos.
grandes quantidades de estradiol acumulando- Uma significativa parcela das mulheres
-se devido a um aumento da sua produção e diagnosticadas com endometriose têm, como
uma diminuição da sua inativação no tecido motivo da consulta, infertilidade. A infertilidade
endometriótico, além de uma perpetuação do na endometriose moderada a grave está, geral-
processo inflamatório. Tudo isso leva a uma au- mente, associada a aderências que distorcem a
mento da expressão de moléculas de adesão anatomia pélvica, bloqueando a motilidade tu-
intercelular, diminuição da apoptose e aumento bo-ovariana e a captação do óvulo, porém estu-
da angiogênese e da neurogênese local. dos sugerem que, principalmente nos estágios
Além dessas diferenças entre o tecido en- mais leves da doença, outros fatores estariam
dometriótico e o tecido endometrial eutópico, envolvidos, como o aumento da ativação basal
estudos recentes mostram que existem também de macrófagos peritoneais levando à redução
grandes diferenças entre o tecido endometrial da motilidade dos espermatozoides, aumento
eutópico de mulheres com endometriose quan- da fagocitose dos espermatozoides ou a inter-
do comparadas a mulheres sem a doença. Tal ferência na fertilização, possivelmente pelo au-
fato apoia ainda mais a proposição de que a mento da secreção de citocinas, como o fator
de necrose tumoral α (TNF-α); além do que pa-

Faculdade Christus 143


Capítulo 18

cientes com endometriose aparentam ter me- peritoneal, o qual é tido como uma promessa
nor reserva ovariana com oócitos e embriões de diagnóstica pela sua sensibilidade de 100% e
menor qualidade. especificidade de 89%, porém requer um pro-
cedimento invasivo para a obtenção do líquido.

4.2. Apresentação cirúrgica


4.5. Imagem
O método diagnóstico preferido para a
endometriose é a visualização direta das lesões Algumas técnicas de imagem têm sido
do endométrio ectópico, seguido de confir- estudadas para auxílio do diagnóstico da en-
mação histológica da presença de pelo menos dometriose. A histerossalpingografia quando
duas das seguintes: macrófagos impregnados apresenta defeitos no enchimento, por endo-
com hemossiderina ou epitélio, glândulas ou métrio hipertrófico ou polipóide, apresenta um
estroma endometrial; apesar de existir uma cor- valor preditivo positivo de 84% e negativo de
relação relativamente fraca entre o diagnóstico 75% para endometriose.
visual e a confirmação histológica.
A ultrassonografia transvaginal foi prova-
A laparoscopia é a técnica padrão para a da como técnica útil no diagnóstico de cistos
inspeção visual da pelve. Os achados caracte- endometrióticos ovarianos e de endometriose
rísticos são lesões em “queimadura por pólvo- retovaginal (com sensibilidade de 97% e especi-
ra” ou “lesão por projétil de arma de fogo” nas ficidade de 96%).
superfícies serosas do peritônio. A confirmação
Outras técnicas, como a ressonância mag-
histológica é essencial no diagnóstico de en-
nética (RM) ou a tomografia computadorizada
dometriose, não somente para lesões discretas,
(TC), não mostraram ser modalidades de imagem
mas também para lesões típicas sendo 24% das
viáveis para diagnóstico, salvo o do cisto endo-
biópsias negativas histologicamente.
metrial em que a RM mostra grande acurácia.

4.3. Exame físico


4.6. Estratégia diagnóstica
Nenhum sinal demonstra grande evidên-
Não existe quadro clínico ou testes su-
cia da presença de endometriose. Ao exame
ficientemente sensíveis ou específicos para o
físico, sinais clínicos podem estar ausentes ou
diagnóstico clínico de endometriose, assim,
podem incluir nódulos macios no fórnice vagi-
nenhuma estratégia diagnóstica é apoiada por
nal posterior, mobilidade uterina dolorosa, úte-
evidencia de efetividade.
ro fixo ou retrovertido, massas anexiais cisticas
resultantes de endometriomas. O American Colege of Obstetricians and
Gynecologists recomenda a estratégia pré-trata-

mento para exclusão de outras causas de infla-
4.4. Laboratorial mação pélvica crônica. Além disso, causas não
ginecológicas devem ser excluídas; logo, o exa-
Não existe exame de sangue disponível,
me pélvico e retal deve ser realizado em todas
na atualidade, para se diagnosticar endometrio-
as pacientes em suspeita de ter endometriose.
se. O aumento nos níveis de CA 125, um mar-
O diagnóstico e tratamento empírico da endo-
cador encontrado em estruturas derivadas do
metriose tornam-se, então, aceitável. Aqueles
epitélio celômico e comum à maioria dos carci-
pacientes que persistirem com sintomas após
nomas ovarianos epiteliais não mucinosos, aci-
tratamento empírico, devem ser referidos para
ma de 35 UI/mL, tem valor diagnóstico limitado,
a realização de laparoscopia, o principal método
tendo uma sensibilidade de 20-50% na maioria
diagnóstico.
dos estudos. Contudo, devido a sua especifici-
dade acima de 80%, o CA 125 tem-se mostrado
útil como um marcador de monitoramento da
4.7. Classificação
doença e de acompanhamento do tratamento.
Outros marcadores estudados incluem: CA 19- A American Society of Reproductive Medi-
9, que tem sensibilidade inferior ao CA 125; in- cine estabeleceu uma classificação que se baseia
terleucina-6, que aparentemente é mais sensível na aparência, no tamanho e na profundidade dos
e específica que o CA 125; e o TNF- α no líquido implantes peritoneais e ovarianos; na presença,

144 Faculdade Christus


Capítulo 18

na extensão e no tipo das aderências anexiais; e 5.1. Tratamento clínico da endometriose


no grau de obliteração do fundo-de-saco; esta-
A endometriose é uma doença dependente
belecendo quatro estágios da doença: mínima
de estrógeno. O hipoestrogenismo sempre foi o
(estágio I), média (estágio II), moderada (estágio
foco principal no seu tratamento clínico, tentando-
III) e grave (estágio IV). Tal classificação foi muito
-se assim, causar uma atrofia do foco endometrió-
criticada, pois não apresenta correlação de seus
tico. Os principais objetivos desse tratamento são
estágios com o quadro de dor da paciente, tor-
a dor relacionada e a diminuição da progressão da
nando seu uso restrito na seleção do tratamento.
doença. Anticoncepcionais orais (ACO), agonistas
Tem-se a classificação morfológica dos im- do GnRH, progestágenos, e derivados de andróge-
plantes peritoneais e ovarianos como vermelha nos foram utilizados com sucesso no tratamento
(lesões vermelhas, rosa-avermelhadas e transpa- da endometriose, porém não a curam e só podem
rentes), branca (defeitos brancos, amarelo-acasta- ser utilizados por limitado período de tempo, com
nhados e peritoneais) e preta (lesões pretas e azuis) efeitos colaterais significantes. Com a melhora do
nosso entendimento a respeito da patogênese da
endometriose em nível celular e molecular, foi pos-
4.8. Diagnóstico diferencial sível o desenvolvimento de novas modalidades te-
Devido à não especificidade dos sintomas rapêuticas com a esperança de eliminar as lesões
da endometriose, o diagnóstico diferencial dela endometrióticas presentes ou mesmo prevenir sua
torna-se muito extenso, sendo os principais: dis- recorrência após procedimentos cirúrgicos.
menorreia primária ou secundária à, por exemplo,
adenomiomas, miomas, infecção ou estenose cer-
5.1.1. Anticoncepcionais orais
vical; dispareunia por: diminuição da lubrificação
vaginal ou expansão vaginal, causas gastrointes- Utilizados mundialmente como trata-
tinais como constipação, infecção, causas mus- mento de primeira linha para dor pélvica crô-
coloesqueléticas como relaxamento pélvico, con- nica, associado ou não a anti-inflamatórios não
gestão vascular pélvica e causas urinarias como esteroidais (AINE) cuja etiologia suspeitada é a
síndrome ureteral; dor pélvica generalizada por endometriose, os ACOs são geralmente bem
endometrite, neoplasia, causas não ginecológi- tolerados pelas pacientes. Seu uso resulta em
cas, torção ovariana, aderências pélvicas, doença uma diminuição dos níveis de gonadotrofina
inflamatória pélvica e abuso sexual ou físico; e in- com inibição da ovulação, redução do fluxo
fertilidade por anovulação, fatores cervicais (como menstrual e decidualização do tecido endome-
muco, esperma, anticorpos e estenose), deficiên- triótico, além de atrofia do tecido endometrial
cia da fase lútea, infertilidade por causas masculi- eutópico por diminuir a proliferação celular e
nas e doenças tubárias ou infecções. aumentar a apoptose dessas células.
Sempre se deve considerar a possibilida- Pode-se utilizá-lo de maneira contínua ou
de de doença maligna. cíclica. Apesar do maior custo, estudos observa-
ram que pacientes que apresentam dismenor-
reia associada à endometriose refratária ao uso
5. Tratamento de ACO de maneira cíclica podem beneficiar-se
A endometriose não deve ser tratada a não do uso de ACO de maneira contínua, com uma
ser que seja sintomática. Os tratamentos cirúrgi- diminuição significativa da dor. Deve-se sempre
cos e clínicos mostram efetividades equivalentes, ter em mente o fato de que os ACO possuem
salvo para a infertilidade que não evidencia me- estrógeno em sua composição, o que pode le-
lhoras com o tratamento clínico. O tratamento var a uma estimulação da doença, além de que,
empírico pode ser iniciado em toda mulher que as mulheres com mais de 35 anos, fumantes e
apresente suspeitas de endometriose, que não em uso de ACO têm um risco aumentado para
queira filhos e que não apresente evidencias de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular
massa pélvica ao exame físico mesmo sem con- cerebral e tromboembolismo venoso.
firmação laparoscópica do diagnóstico.
Neste capítulo, deter-nos-emos ao trata- 5.1.2. Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs)
mento clínico da endometriose.
Primeira linha de tratamento da dor pélvi-
ca associada à endometriose, os AINEs têm baixo

Faculdade Christus 145


Capítulo 18

custo e são amplamente utilizados para tratamen- tem-se: leuprolida, buserelina, nafarelina, histre-
to de dor. Agem bloqueando a via da ciclooxige- lina, goserelina, deslorelina e triptorelina.
nase (COX) na gênese da resposta inflamatória,
Como se pode esperar, o uso de agonis-
inibindo a produção de prostaglandinas e levando
tas do GnRH leva a efeitos colaterais hipoestro-
a uma diminuição da inflamação e da dor associa-
gênicos significantes. Os de curto prazo incluem
da. Apesar do seu uso rotineiro, uma revisão siste-
fogachos, secura vaginal, perda da libido e labi-
mática Cochrane de 2009 avaliou o uso dos AINEs
lidade emocional e o principal a longo termo é
no tratamento da dor associada à endometrio-
a perda substancial de densidade mineral óssea,
se, resultando inconclusivamente na sua eficácia
limitando a duração do tratamento com esses
quando comparado ao placebo. Vários efeitos ad-
agentes no máximo de 6 meses. Com a meta
versos são associados ao uso de AINEs, como san-
de diminuir a perda mineral óssea das mulhe-
gramentos no trato gastrointestinal (TGI), diarreia,
res em uso de agonistas do GnRH e aumentar
tontura, cefaleia e náuseas. O uso de AINEs seleti-
a duração do tempo máximo de terapia, o uso
vos para a enzima COX-2 reduziu a incidência de
da terapia de acréscimo ou “add-back” passou
efeitos colaterais, principalmente relacionados ao
a ser cada vez mais frequente. Esses regimes
TGI. As drogas mais estudadas na paciente endo-
incluem a adição de um progestágeno, de um
metriótica são: ácido acetilsalicílico, idometacina,
progestágeno mais um bifosfonado ou de um
ácido tolfenâmico e naproxeno sódico.
progestágeno mais estrogênio ao regime nor-
mal do agonista do GnRH. Apesar de o FDA re-
comendar que pacientes em uso por mais de 6
5.1.3. Derivados de andrógeno
meses de agonistas do GnRH devem iniciar o
O danazol é um agente androgênico que uso da terapia de acréscimo, tal terapia deve ser
induz amenorreia por meio de supressão do eixo iniciada mais cedo durante a terapia com ago-
hipotálamo-hipófise-ovariano, além de aumen- nistas do GnRH.
to na concentração sérica de andrógenos e di-
minuição da concentração sérica de estrógenos.
Apesar de eficácia bem evidenciada em vários 5.1.5. Progestágenos
estudos, o principal fator negativo do uso de da-
Os progestágenos vêm sendo usados
nazol no tratamento da endometriose é sua bai-
no tratamento da endometriose há mais de 40
xa tolerabilidade. Por ser um agente androgênico
anos. Agem de várias formas que beneficiam
com propriedades anabólicas, apresenta vários
essas pacientes: causam uma supressão do eixo
efeitos adversos como ganho de peso, edema,
hipotálamo-hipófise-ovariano levando à anovu-
mialgia, acne, hisurtismo e aumento da oleosi-
lação e à redução dos níveis de estrógeno séri-
dade da pele, levando a um limite de 6 meses
cos; levam à decidualização e atrofia tanto do
de tratamento com esse agente. Mulheres he-
tecido endometriótico como do endométrio eu-
patopatas ou hiperlipidêmicas não devem fazer
tópico; diminuem ou eliminam o fluxo menstru-
uso de danazol e mulheres em terapia com esse
al; demonstram inibir a angiogênese, necessária
agente devem usar contracepção efetiva durante
para manutenção do tecido endometriótico e
todo o tratamento.
diminuem os marcadores de inflamação intra-
peritoneal. Estão disponíveis em várias formas
de aplicação, incluindo pílulas, injeções, implan-
5.1.4. Agonistas do GnRH
tes endodérmicos e dispositivos intra-uterinos
Os agonistas do hormônio liberador de (DIU), e vários agentes foram estudados para o
gonadotrofina agem inicialmente ligando-se tratamento da endometriose. Deve-se sempre
aos receptores hipofisários de GnRH e estimu- ter em mente os potenciais efeitos colaterais
lando a síntese e a liberação do hormônio lu- do seu uso, como aumento do peso, depressão,
teinizante (LH) e do hormônio folículo estimu- acne, náusea, cefaleia e até diminuição da den-
lante (FSH), porém eles apresentam meia-vida sidade mineral óssea após 2 anos de uso.
muito maior do que o GnRH endógeno, levan-
do, a uma “down-regulation” a longo prazo dos
receptores hipofisários e, consequentemente, 5.1.6. Inibidores da aromatase
a uma diminuição da síntese e da liberação de
Como já dito, a aromatase é uma enzima
LH e de FSH, um estado de pseudomenopausa
que representa um passo crítico na síntese de
reversível. Dentre os disponíveis no mercado,

146 Faculdade Christus


Capítulo 18

estrogênio e a sua inativação, seria um método bloqueando permanentemente a ação da en-


racional no tratamento da endometriose. zima. Dentre os vários inibidores da aromatase
que estão disponíveis, temos o anastrozol e o
Os inibidores da aromatase são classifi-
letrozol, os quais são de terceira geração e tem
cados em dois tipos: tipo I e tipo II. Ambos os
vantagens substanciais quanto à eficácia e a to-
tipos de inibidores competem para ligar-se de
lerabilidade sobre os agentes mais antigos.
maneira irreversível ao sítio ativo da aromatase,

Quadro 1. Drogas utilizadas no tratamento da endometriose


Classe Mecanismo Efeito
Contraceptivos orais Decidualização e consequente atrofia do tecido Alívio dos sintomas
endometrial
Agonistas GnRH Down-regulation do eixo hipófise-ovário e hipoestro- Alívio dos sintomas e dimi-
genismo nuição da doença
Andrógenos Hiperandrogenismo inibe a esteroidogênese Alívio dos sintomas
Inibidor da aromatase Inibem a síntese de estrogênio Alívio dos sintomas
Antagonistas GnRH Bloqueiam os receptores de GnRH Diminuição da doença
Progestágenos Antagonistas anti-progesterona Diminuição da doença
Moduladores seletivos dos Suprimem o crescimento dependente de estrógeno Alívio dos sintomas
receptores de progesterona do endométrio
Sistema intrauterino de libe- Decidualização e subsequente atrofia do tecido Alívio dos sintomas
ração de Levonogestrel endometrial

Quadro 2. Dose e efeitos colaterais dos principais medicamentos para tratamento da endometriose

Medicamento Dose Efeitos Colaterais


1. ACO ≤35 μg contínuo ou cíclico, via oral (VO) Náuseas, cefaleia e mastalgia

Sangramento uterino anormal, mastalgia,


Medroxiprogesterona: retenção de fluidos, acne, náuseas, cefaleia
VO: 30-100 mg 1x ao dia e depressão
Ganho de peso, depressão, amenorreia,
2. Progestágenos Intramuscular de depósito: 1x 150 mg a sangramento anormal, diminuição da den-
cada 3 meses sidade mineral óssea
Amenorreia, dor, perfuração, expulsão,
DIU: um dispositivo a cada 5 anos efeitos colaterais da progesterona por
absorção sistêmica

Sintomas menopausais (fogachos, secura


vaginal), androgênicos (hirsutismo, ganho
3. Derivados de andrógeno Danazol: 3x 200 mg/dia/4-6 meses, VO de peso, acne, edema, clitoromegalia, en-
grossamento da voz), hepatite, mudanças
do padrão lipídico.
• Acetato de leuprolida: 1x 3,75 mg/
semana/3-6 meses, subcutâneo (SC);
• Buserilina: 3x 300 mg/dia/ 3-6 meses,
intranasal;
Sintomas menopausais e androgênicos,
• Gozerelina: 1x 3,6 mg subcutâneo 1x ao
4. Agonistas do GnRH sangramento irregular, diminuição da
mês ou 3x 3,6 mg subcutâneo a cada
densidade mineral óssea.
três meses.
• Como monoterapia: máximo de 6 me-
ses. Se mais tempo, associar à terapia
de acréscimo

Quadro 3. Exemplos de terapia de associação (add back)


• Acetato de noretindrona (5 mg);
• Acetato de medroxiprogesterona (20 mg);
• Estrógeno equino conjugado (0,625 mg) + acetato de medroxiprogesterona (2,5 mg);
• Estrógeno equino conjugado (0,625 mg) + acetato de noretindrona (5 mg).

Faculdade Christus 147


Capítulo 18

Figura 1. Lesões endometrióticas à videolaparoscopia.


Fig. superior à esquerda: (1) Lesões bolhosas nas pequenas setas e (2) aderencial em fundo de saco.
Fig. superior à direita: (1) Lesões elevadas e de conteúdo hemorrágico, recentes e (2) aderências no fundo de saco.
Fig. inferior à esquerda mostra lesões brancacentas, fibróticas, antigas e vascularização peritoneal intensa.
Fig. inferior à direita mostra endometriose superficial ovariana em várias fase como pode ser vista pelas diferentes
colorações assumidas no tempo

D- Referências Bibliográficas CROSIGNANI, P. et al. Advances in the manage-


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148 Faculdade Christus


Capítulo 19
DISMENORREIA
Ângela Clotilde Ribeiro Falanga e Lima
Alysson Sales Melo
Thays Mendes da Silva

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


M.R.F., 17 anos, procurou assistência mé- 1. Introdução
dica devido à dor de forte intensidade, em cóli-
Desde o início da humanidade, a dor
ca, na região suprapúbica, logo após o início de
menstrual é vista como um fardo inevitável que
seu período menstrual, sendo mais intensa nos
a mulher carrega.
dois primeiros dias da menstruação e aliviada
após uso de compressas mornas e medicamen- Acredita-se que culturas antigas conside-
tos analgésicos ou anti-inflamatórios. Relata ravam que os “tabus” da menstruação deviam-
ainda, neste mesmo período, náuseas, vômitos -se ao medo dos homens que entendiam que o
e cefaléia. A paciente refere início dos sintomas fluxo “misterioso” era uma força poderosa e que
desde os 14 anos de idade, dois anos após a deveria ser reprimida para a segurança tanto da
menarca. É nulípara, tem fluxo menstrual inten- mulher quanto das pessoas que a cercam. No sé-
so, além de ciclo com duração de cinco dias. In- culo XIX, eram vítimas de cirurgias radicais como
forma interferência em suas atividades diárias. histerectomia, ooferectomia e neurotomias pré-
Ao exame físico apresentou dor à palpação em -sacrais. Nos 50 anos seguintes, a dismenorreia
região hipogástrica. foi considerada uma desordem psicossomática.
Ultimamente a menstruação ganhou signi-
ficados diferentes para as mulheres. Para algumas,
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM indica uma perspectiva que define início e fim do
potencial reprodutivo, uma afirmação de “mu-
1. Compreender o significado de dismenorreia
lher”, maturação e/ou um período de celebração.
e diferenciar a dismenorreia primária da se-
cundária. As diversas crenças influenciam de for-
2. Reconhecer as principais manifestações clí- mas diferentes nas atitudes em relação aos me-
nicas relevantes para o diagnóstico. dicamentos ou outros meios para aliviar a dor.
3. Conhecer a epidemiologia da dismenorreia. As diferentes culturas também influenciam de
4. Descrever a etiopatogenia e citar os princi- forma bem incisiva, pois definem claramente se
pais fatores de risco. a mulher deve ou não buscar ajuda médica ao
5. Discorrer sobre o diagnóstico clínico e labo- enfrentar problemas no seu ciclo menstrual.
ratorial da dismenorreia e principais diag-
Enquanto as nossas mulheres ancestrais ex-
nósticos diferenciais.
perimentavam 30 a 40 ciclos menstruais durante
6. Comentar sobre as principais condutas tera-
seu tempo de vida, as mulheres atuais apresentam
pêuticas.
em média 400 ciclos durante sua idade reprodu-
tiva. Este crescente aumento no número de ciclos
motiva uma maior quantidade de estudos nos di-
versos aspectos do período menstrual.
Capítulo 19

2. Definição Não se encontra associação consistente


entre “status” socioeconômico e dismenorreia.
Etimologicamente dismenorreia, uma pa-
lavra de origem grega, significa: dis = dificulda- Um estudo longitudinal demonstrou que a
de, menorreia = menstruação, porém, na práti- dismenorreia melhora em mulheres após o par-
ca clínica diária, dismenorreia é uma dor crônica to; e um estudo, transversal, não demonstrou ne-
pélvica, que está intimamente relacionada com nhuma relação com a laqueadura tubária.
o período menstrual, e por este motivo, sua ca- A tentativa de perda de peso em mulhe-
racterística cíclica. Este distúrbio cursa com dor res de 14 a 20 anos também consta como um
em baixo abdome (hipogástrio), em cólica, que fator de risco para o aparecimento da disme-
ocorre justamente antes ou durante a menstru- norreia, enquanto que o sobrepeso não mostra
ação, iniciando-se logo após a menarca, uma nenhuma relação com a síndrome em questão.
vez estabelecido o ciclo ovulatório normal.
A dismenorreia é uma síndrome que asso-
cia sintomas gerais à cólica menstrual. É comum, 4. Etiopatogenia
principalmente nos casos mais acentuados, a A dismenorreia tem sua patogênese
queixa de sudorese, palidez, náuseas, vômitos, ainda não muito esclarecida. Busca-se a expli-
lipotimia ou cefaleia associada à queixa álgica. cação primeiramente relacionada à liberação
Essa síndrome é classificada em primá- de prostaglandinas no fluxo menstrual.
ria e secundária. A dismenorreia primária é de- As prostaglandinas estão envolvidas na
finida por dor menstrual em uma pessoa com regulação da ovulação e na fisiologia endome-
anatomia pélvica normal e que se inicia quando trial. Altas concentrações de prostaglandinas
os ciclos tornam-se ovulatórios. A dismenorreia estão associadas à contração uterina e dor.
secundária está relacionada diretamente a uma
patologia pélvica orgânica. A vasopressina também tem ação na con-
tração uterina e pode causar dor isquêmica.
Na maioria dos casos, a dismenorreia
3. Epidemiologia em adolescentes não tem nenhuma patologia
A prevalência da dismenorreia é bastante orgânica associada.
alta entre as adolescentes, sendo estimada de A endometriose, as anormalidades con-
20% a 90% dependendo do método de pesqui- gênitas e as doenças sexualmente transmis-
sa. Aproximadamente 15% das adolescentes re- síveis (DST) são causas secundárias possíveis
latam dismenorreia severa e esta patologia tem da dor menstrual. Dentre essas, a com menor
a liderança como causa em curto prazo, de falta prevalência são as anormalidades congêni-
de assiduidade à escola e ao trabalho. tas e os tumores dermoides. As etiologias in-
Estudos mostram que a prevalência da fecciosas são consideradas como causas de
dismenorreia na faixa etária dos 19 anos é de início abrupto, especialmente quando existe
90% e cerca de 67% aos 24 anos de idade. corrimento vaginal.

Os fatores de risco para a dismenorreia A endometriose é definida como a pre-


primária incluem idade abaixo de 20 anos, de- sença de tecido endometrial viável localizado
pressão, ansiedade, nuliparidade, intenso flu- fora do útero, sendo nessa patologia mais en-
xo menstrual, tabagismo e separações sociais contrado na cavidade peritoneal. O tecido en-
(Quadro 1). dometrial com localização patológica tem ati-
vidade biológica dependente do estrogênio.
Quadro 1 – Fatores de risco
Idade < 20 anos
Tentativa de perda de peso
Depressão
Ansiedade
Separação social
Fluxo menstrual intenso
Nuliparidade
Tabagismo

150 Faculdade Christus


Capítulo 19

Quadro 2 – Etiologias/Diagnóstico. Diferencial


Intrauterina Extrauterina Não ginecológica
Adenomiose Endometriose Desordens psicossomáticas
Menorragia DIP Depressão
Carcinoma Carcinoma ovariano Síndrome do intestino irritável
Endometrial Sinéquias Constipação crônica
Estenose cervical Gravidez ectópica Diverticulite
ITU
Litíase renal
ITU – Infecção do trato urinário
DIP – Doença inflamatória pélvica

5. Diagnóstico fundamentada na típica história de dor pélvi-


ca anterior, de início na adolescência, coinci-
O diagnóstico é fundamentado principal-
dindo com o período menstrual e exame físi-
mente na história clínica da paciente, segundo
co sem alterações.
uma anamnese bem detalhada e um exame fí-
sico minucioso. A possibilidade de dismenorreia secun-
dária deve ser descartada antes do diagnósti-
O exame pélvico pode ser realizado em
co de dismenorreia primária (Quadro 2).
mulheres que possuem vida sexual ativa para
o screnning de DST, como a infecção por Chla- O mais importante diagnóstico dife-
mydia trachomatis e Neisseria gonorrheae, pos- rencial é feito com a endometriose, princi-
síveis causas de dismenorreia secundária. pal causa de dismenorreia secundária, pois é
a condição mais comum e mais semelhante
Os exames complementares úteis ao
à dismenorreia primária. Entretanto, a típica
diagnóstico definitivo são: ultrassonografia pél-
apresentação da endometriose é uma dor
vica e/ou intravaginal, laparoscopia ou laparo-
pélvica em cólica, que ocorre durante a mens-
tomia exploratória e ressonância magnética.
truação, mas que não se limita apenas ao pe-
A ultrassonografia, por ser um método ríodo menstrual. Além disso, necessitaríamos
não invasivo e seguro é a primeira escolha para de mais evidências diagnósticas baseadas não
o diagnóstico. Em pacientes com dismenorreia somente na história clínica, mas também em
severa que não respondem à terapia inicial, a exames de imagem.
ultrassonografia é útil para detectar cistos ova-
Doenças sexualmente transmissíveis
rianos e endometriomas.
(DST), como a infecção causada por Chlamydia
Nos casos de dismenorreia severa, a lapa- trachomatis e Neisseria gonorrheae, assim
roscopia ou a laparotomia, padrão ouro para o como anomalias congênitas e tumores pélvicos,
diagnóstico da endometriose, podem ser consi- devem ser investigadas, uma vez que podem
deradas. É um método diagnóstico e, em alguns ser causas de dismenorreia secundária e mime-
casos, simultaneamente terapêutico. tizar o quadro de dismenorreia primária.
A ressonância magnética pode ser útil na Poderíamos pensar também em dor pél-
identificação de anormalidades obstrutivas. vica crônica; entretanto, tem duração mínima
de seis meses e não tem associação com os
períodos menstruais.
6. Diagnóstico diferencial
Uma vez que a dor é a queixa principal
da paciente, as hipóteses diagnósticas mais 7. Tratamento
prováveis estariam intrinsecamente relaciona- A terapia de escolha inicial para pacien-
das à evolução deste sintoma. tes com dismenorreia primária é o uso de an-
O raciocínio clínico nos guiaria primor- ti-inflamatórios não esteroides (AINES), uma
dialmente a pensar em dismenorreia primá- vez que possuem uma ação analgésica direta
ria, pois a idade da paciente, a nuliparidade, através da inibição da síntese de prostaglandi-
o início dos sintomas e as características da nas e diminuem o volume do fluxo menstrual.
dor, juntos baseiam uma forte suspeita clínica,

Faculdade Christus 151


Capítulo 19

O celecoxibe, inibidor seletivo da ciclo- vonorgestrel intrauterino que demonstrou de-


-oxigenase 2, está aprovado para o tratamen- créscimo na prevalência de dismenorreia de
to de dismenorreia, entretanto não é superior 60% antes do uso para 29% após 36 meses de
aos AINEs. Não há muitos estudos compa- terapia.
rando diferentes formulações, porém quan-
Alguns estudos têm examinado os efei-
do uma nova droga tem sido comparada com
tos da intervenção no estilo de vida das pa-
drogas de uso já estabelecido, tem se encon-
cientes. Terapias alternativas, como reeduca-
trado equivalência.
ção e suplementação alimentar com tiamina,
Duas metanálises de estudos contro- vitamina E e ômega-3, acupuntura, uso tópico
lados e randomizados sobre o uso de AINES de compressas mornas têm demonstrado me-
e acetaminofeno no combate à dismenorreia lhoras no sintoma.
demonstraram que todos os AINES utilizados,
Em raras ocasiões, intervenção cirúrgica
isto é, ibuprofeno, naproxeno, ácido mefenâ-
pode ser considerada para mulheres com dor
mico e aspirina foram efetivos no tratamento
pélvica severa e refratária aos medicamentos,
da dismenorreia, além disso, os AINES foram
entretanto não para dismenorreia apenas. Cirur-
superiores ao acetaminofeno.
gias de ablação de nervos pélvicos apresentam
A terapia com AINES pode ser mais efe- benefícios incertos e têm sido indicadas somen-
tiva quando iniciada antes do início da dor e te em raros casos refratários de dor pélvica.
do fluxo menstrual.
Caso contraceptivos hormonais sejam
desejados, anticoncepcionais orais (ACO) e
D- Referências Bibliográficas
acetato de depo-medroxiprogesterona po- FRENCH, L. Dysmenorrhea in adolescents. Pae-
dem ser considerados. O mecanismo de ação diatric drugs. New Zealand, v.10, n.1, p.1-7,
proposto baseia-se na redução da liberação 2008.
de prostaglandinas na menstruação.
FRENCH, L. Dysmenorrhea. American Fam-
O uso de ACO está associado com bai-
ily Physician. Michigan, v.71, n.2, p. 285-291
xos níveis de COX-2 e de marcadores da proli-
2005 Jan.
feração endometrial. Alguns estudos sugerem
ainda que as formulações monofásicas são JABBOUR, H.; KELLY, R.W.; FRASER, M.; CRITCH-
mais efetivas que as trifásicas. LEY, H.O.D. Endocrine regulation of mentruation.
ACO são contraindicados em pacientes Endocrine Reviews. Edinburgh, v.27, n.1, p.17-
com patologias pró-coagulatórias. O tabagis- 46, feb. 2006.
mo associado à ACO aumenta o risco de trom- LATTHE, P.; LATTHE, M.; SAY, L.; GULMEZOGLU,
boembolismo venoso em mulheres jovens, M.; KHAN, K.S. Who systematic review of preva-
porém o risco absoluto em adolescentes ainda lence of chronic pelvic pain: a neglected repro-
é muito baixo. ductive health morbidity. BMC Public Health.
O acetato de depo-medroxiprogestero- Birmingham, v.6, n.177, p. 1-7, 2006 Jul.
na é um supressor hormonal da menstruação,
LATTHE, P.M.; PROCTOR, C.M. et al. Surgical in-
a maioria das mulheres fica amenorreica com
terruption of pelvic nerve pathways in dysmen-
o primeiro ano de uso.
orrheal: a systematic review of effectiveness.
Outra possibilidade é a terapia de ex- Acta Obstetricia et Gynecologica. Auckland,
tensão do ciclo menstrual com ACO, geral- v.86, p.4-15, 2007 Marc.
mente composta de 12 semanas em uso de
ACO seguida de 1 semana com interrupção LIEDMAN, R.; GRANT, L.; IGIDBASHIAN, S.;
do uso, que resulta em períodos menstruais JAMES, I.; MCLEOD, A.; SKILLERN, L.; ÄKERLUND,
menos frequentes. M. Intrauterine pressure, ischemia markers, and
experienced pain during administration of a va-
Existem ainda outros métodos hormo- sopressin V1a receptor antagonist in spontane-
nais como a administração intravaginal de ACO ous and vasopressin-induced dysmenorrhea.
(30μg etinilestradiol e 150mg/dia de levonor- Acta Obstetricia et Gynecologica. Sandwich,
gestrel), que provoca poucos efeitos adversos v.85, p.207-211, 2006.
sistêmicos e diminuição da dismenorreia, e le-

152 Faculdade Christus


Capítulo 19

LIEDMAN, R.; HANSSON, S.R. et al. Reproductive


hormones in plasma over the menstrual cycle in
primary dysmenorrheal compared with healthy
subjects. Gynecological endocrinology. Sand-
wich, v.24, n.9, p.508-513, 2008 Sept.

OZGOLI, G.; GOLI, M.; MOATTAR, F. Comparison


of effects of ginger, mefenamic acid, and ibu-
profeno on pain in women with primary dys-
menorrhea. The journal of alternative and
complementary medicine. Isfahan, v.15, n.2, p.
129-132, 2009.

RAPKIN, A.J.; HOWE, C.N. Dor pélvica e disme-


norreia. In: Berek e Novak: Tratado de Gineco-
logia. 14.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2008. cap.15.

REDDISH, S. Dysmenorrhea. Australian Fam-


ily Physician. Melbourne, v.35, n.11, p.833-928,
2006 Nov.

Faculdade Christus 153


Capítulo 20
MASSAS PÉLVICAS
Francisco Edson Ximenes Gomes Pereira
Guilherme de Holanda Cota
Sarah Portella Costa

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


J.P.C., 32 anos, sexo feminino, casada, Consideram-se tumores pélvicos do trato
branca, natural e procedente de Fortaleza, pro- genital feminino o aumento de volume das trom-
fessora há 10 anos. A paciente queixa-se de uma pas e/ou dos ovários e/ou do corpo do útero.
diminuição do intervalo entre as menstruações,
Apresentamos a seguir as principais causas.
chegando a menstruar a cada 20 dias. Afirma
que ocorreu também um aumento do seu fluxo
menstrual, acompanhado de dor pélvica. Nega 1. Ovários
diabetes, hipertensão arterial, câncer, hábitos
de tabagismo e etilismo. Nega história familiar Os ovários podem apresentar alterações
de câncer. Mãe tem hipertensão arterial e pai de volume em várias situações, como: cistos de
apresenta diabetes. Menarca aos 10 anos, ciclos natureza funcional, tumores neoplásicos benig-
regulares. G0P0A0. nos e malignos. As patologias ovarianas são de
grande importância em virtude da alta incidên-
Ao exame físico: estado geral regular, nor- cia na prática clínica e também porque muitos
mocorada, eupneica, PA: 120x80 mmHg, FC: 80 tumores são de origem não patológica, podendo
bpm, peso: 65kg, altura: 1,60m. ACP: bulhas nor- levar a um erro de diagnóstico e tratamento.
mofonéticas em 2T, murmúrio vesicular univer-
sal. Abdome: indolor à palpação, sem massas ou
visceromegalias. Extremidades: pulsos periféricos 1.1. Tumores não neoplásicos
palpáveis; sem edema de membros inferiores.
1.1.1. Tumores de natureza funcional
Exame ginecológico: mamas sem altera-
ções. Genitália externa com trofismo normal. Os cistos funcionais correspondem 20 a 50%
Genitália interna com conteúdo vaginal nor- dos tumores ovarianos e não estão relacionados a
mal. Exame bimanual: útero em AVF, de volume nenhuma doença. Podem ser encontrados em qual-
normal; na projeção do anexo direito palpa-se quer momento do ciclo ovariano: durante a matura-
tumoração de consistência cística, de paredes ção folicular (cisto folicular); durante a formação do
regulares, móvel, limites bem definidos, com corpo lúteo (cisto de corpo lúteo) ou por meio de
aproximadamente 5 cm. hiperestimulação ovariana (cisto tecaluteínico).

XX Cisto folicular
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM O cisto folicular corresponde à maioria
1. Elaborar hipóteses diagnósticas dos cistos funcionais. Origina-se do folículo de
2. Identificar a etiologia das massas pélvicas. Graaf, que não rompeu e continuou a crescer,
3. Identificar o diagnóstico diferencial. acumulando líquido até tornar-se cisto. Rara-
4. Estabelecer a conduta terapêutica. mente ultrapassam de 5 a 6 cm de diâmetro.
Capítulo 20

Normalmente são assintomáticos. En- XX Luteoma gravídico


tretanto, podem ter atividade hormonal e pro- São pseudo-tumores ovarianos, que pa-
duzir estrógeno, levando, assim, a quadros de recem tratar-se de uma resposta exagerada, por
irregularidade menstrual (com aumento ou di- motivos ainda desconhecidos, do estroma ova-
minuição do intervalo entre as menstruações; riano aos hormônios da gravidez. A maioria das
prolongamento do número de dias ou aumento pacientes são assintomáticas, sendo diagnosti-
do fluxo menstrual), dor pélvica, dispareunia, al- cado por ultrassom ou por ocasião de cirurgias,
teração urinária ou constipação. parto cesariano e laqueadura pós-parto. Na se-
gunda metade da gravidez, algumas pacientes,
O diagnóstico é feito por meio da anam-
aproximadamente 25% destas, apresentam si-
nese, do exame ginecológico e por meio de exa-
nais de virilização, que podem ser evidenciados
mes de imagem, como a ultrassonografia pélvica
pelo aparecimento de acne, hirsutismo, clitori-
transvaginal. Na maioria dos casos, resolvem-se
megalia e voz grave.
espontaneamente em 1 a 2 meses. O tratamento
é clínico; a conduta pode ser expectante ou com Aproximadamente 50 a 60% dos fetos
anticoncepcionais orais (ACO), para repouso do femininos nascidos de mães virilizadas tam-
ovário. A presença de um cisto ovariano após três bém apresentam sinais de virilização, eviden-
meses de uso de anticoncepcional requer, muitas ciados por: aumento do clitóris e fusão labial.
vezes, sua extirpação porque pode ocorrer tor- Não é frequente a recorrência de luteoma e
ção do pedículo ou rotura do cisto, levando a um a repetição do quadro de virilização mater-
quadro de abdome agudo. na e fetal é excepcional. Os luteomas podem
atingir vários tamanhos, mas medem apro-
ximadamente 6 a 7cm. Microscopicamente,
XX Cisto de corpo lúteo evidencia-se hiperplasia reacional do estro-
Estes cistos geralmente são únicos e ma, com luteinização, característica muito in-
amarelados. Medem aproximadamente 2cm comum na patologia tumoral. Ao exame de
e desenvolvem-se a partir da metade do ciclo ultrassom, apresenta-se com aspecto de mas-
menstrual. Tendo vários aspectos, podendo mi- sa complexa.
metizar neoplasia, gravidez ectópica e dege-
Os luteomas regridem algumas sema-
neração de mioma. O cisto forma-se pela não
nas após o parto, devido ao término do estí-
absorção e cicatrização do corpo lúteo. São fre-
mulo hormonal.
quentemente assintomáticos e podem causar
dor pélvica.
O Doppler mostra vasos de baixa resis- XX Cisto hemorrágico
tência na periferia do cisto. Resolvem-se espon- Acontece devido a uma hemorragia
taneamento dentro de 1 a 3 ciclos menstruais. A dentro do folículo ou corpo lúteo. Normal-
conduta terapêutica é expectante com controle mente, o sintoma é dor pélvica de início sú-
de ultra-sonografia transvaginal. bito. Ao ultrasssom, podem observar-se dois
padrões de aspecto ecográfico: uma massa
ecogênica representando hemorragia aguda
XX Cisto tecaluteínico ou massa cística complexa, representando
São formados por estimulação excessiva uma hemorragia em processo de resolução.
do ovário pelo hCG em situações como: mola O aspecto da parede externa do cisto é liso.
hidatiforme, indução da ovulação por gonado- O ultrassom doppler mostra ausência de vas-
trofinas, coriocarcinoma e gravidez múltipla. cularização dentro da porção central sólida.
Podem chegar até 20cm de diâmetro. Pode encontrar-se líquido espesso em fundo
São geralmente bilaterais. Frequentemente são de saco posterior, indicativo de cisto hemor-
assintomáticos, mas podem gerar sensação de rágico; diferente do cisto simples, que apre-
peso pélvico. senta um aspecto anecóico. Uma das carac-
terísticas do cisto hemorrágico é a mudança
O diagnóstico é feito por meio da anam- do seu aspecto e diminuição de volume, ao
nese, do exame ginecológico e exames de ima- ultrassom. O tratamento é expectante.
gem, principalmente o ultrassom transvaginal.
O tratamento é expectante, com regressão do
cisto em, aproximadamente, 2 meses.

156 Faculdade Christus


Capítulo 20

1.1.2. Cisto de natureza não funcional e, frequentemente, referem dor pélvica. Toma-se
conduta cirúrgica erroneamente por não se ter
XX Cisto paraovariano
certeza de se tratar de um cisto de inclusão.
Apesar de não ser um cisto pertencen-
te ao ovário, é necessário o seu estudo aqui
devido a sua semelhança morfológica com
1.2. Tumores neoplásicos benignos
outras patologias deste órgão. São cistos sim-
ples que se formam no ligamento largo a par- Atingem as mulheres de todas as idades.
tir dos ductos remanescentes de Muller ou do Nas neoplasias benignas, não há infiltração nos
ducto de Wolff. Geralmente, tendem a ser uni- tecidos vizinhos, nem propagação à distância.
loculares com conteúdo fluido amarelo-claro Entretanto, podem sofrer, devido a fatores des-
e que em sua maioria, são assintomáticos, pois conhecidos, transformação maligna.
não leva a um quadro de disfunção menstru-
al, exceto nos casos de torção e rotura que
cursam com dor, e que na maioria das vezes, 1.2.1. Epiteliais
seu diagnóstico é dado de modo acidental Nascem do epitélio de revestimento
na realização de ultrassonografia, tomografia do ovário ou a partir de suas invaginações
computadorizada ou durante cirurgia. Apesar no estroma, denominados cistos de inclusão;
de seu caráter benigno, nos casos em que o correspondem a 60-70% dos casos. Caracte-
cisto é maior do que 5 cm ou não ocorrendo rizam-se por um crescimento progressivo e,
regressão, deve suspeitar-se de neoplasia, in- ao contrário dos cistos foliculares, não regri-
dicando, assim, sua abordagem cirúrgica para dem de forma espontânea, podendo atingir
sua ressecção. até 20 cm de diâmetro. Há vários represen-
tantes, porém apenas os dois principais se-
rão citados.
XX Endometrioma
Ocorre no ovário em decorrência da
endometriose, podendo ser confundido com XX Cistoadenoma seroso
o cisto hemorrágico. Ao ultrassom, apresen- Em 50% dos casos, são bilaterais. Apre-
ta ecos internos ecogênicos homogêneos e senta líquido transparente amarelado seme-
sua parede pode apresentar um leve reforço lhante ao soro sanguíneo. Normalmente é
acústico. Ao ultrassom Doppler, não apresen- assintomático, mas pode causar desconforto
ta vascularização no centro da massa, igual- pélvico e inchaço abdominal. O diagnóstico é
mente ao cisto hemorrágico. Na tentativa de feito por meio da anamnese, do exame físico,
diferenciar cisto hemorrágico de endometrio- do exame ginecológico e da ultrassonografia.
ma, pode atentar-se ao fato de que o cisto Pode se fazer uso do marcador tumoral CA-125.
hemorrágico apresenta modificação no seu
A conduta terapêutica é cirúrgica, poden-
aspecto e diminuição de tamanho durante
do utilizar-se da via laparotômica ou laparos-
seu acompanhamento. A presença de líquido
cópica, realizando somente a cistectomia ou a
espesso no fundo de saco posterior é indica-
ooferectomia.
tivo de cisto hemorrágico.
Como sintomatologia, a paciente apre-
senta dor pélvica crônica, irregularidade XX Cistoadenoma mucinoso
menstrual e infertilidade. O tratamento é a São unilaterais em 75% dos casos. Apre-
ressecção cirúrgica. senta líquido espesso castanho ou avermelha-
do. São maiores que os cistoadenomas serosos
e geralmente assintomáticos, mas podem oca-
XX Cisto de inclusão peritoneal (pseudocisto) sionar massa ou desconforto abdominal.
Este é um cisto que não pertence ao ová-
A conduta terapêutica é cirúrgica, via la-
rio, mas é necessário o seu estudo aqui devido a
parotomia ou laparoscopia, realizando somente
sua semelhança morfológica com outras patolo-
a cistectomia ou a ooferectomia.
gias deste órgão. O cisto de inclusão desenvolve-
-se devido a processos aderenciais que represam
o líquido peritoneal. As pacientes apresentam ti-
picamente história de cirurgia anterior ou trauma

Faculdade Christus 157


Capítulo 20

1.2.2. Não epiteliais O tratamento consiste na ressecção cirúr-


gica e na escolha da melhor quimioterapia para
XX Germinativos (folhetos embrionários)
o tumor encontrado. Radioterapia, hormoniote-
O teratoma ou cisto dermóide ocorre
rapia e imunoterapia são ainda pouco utilizados
mais comumente na fase reprodutiva, além
sejam pela baixa eficácia ou pela baixa quanti-
de ser o tumor ovariano mais comum na in-
dade de estudos específicos.
fância. São bilaterais em 10-25% nos adultos
e em 9% nas crianças. São compostos por O quadro a seguir mostra os critérios
tecidos bem diferenciados, derivados de cé- diagnósticos diferenciais entre benignidade
lulas embrionárias indiferenciadas. Normal- e malignidade.
mente são assintomáticos, mas podem pro-
duzir desconforto abdominal.
Diferenças entre tumores benignos e malignos
À ultrassonografia, os cistos dermoides
Quadro 1- Diferenças entre tumores malignos
apresentam-se como massas císticas com-
e benignos
plexas, que contêm elementos sólidos, como
Benignos Malignos
materiais sebáceos, dentes e pelos. Causam
imagens ecográficas cheias de debris e sombra Idade Menacme Menopausa
acústica. Como tratamento, pode ser necessá- Dor Aguda Insidiosa
ria uma ooforectomia.
Tamanho Pequeno Grande
Crescimento Lento Rápido
XX Cordões sexuais-estroma Mobilidade Móvel Fixo
São constituídos por células derivadas
Consistência Cístico/Líquido Sólido
dos cordões sexuais primitivos e estromais
do mesênquima da crista gonadal. A maioria Bilateralidade Unilateral Bilateral
dos tumores funcionantes do ovário derivam Fixação Não aderente Aderente
dos cordões sexuais-estroma e de células es-
Regularidade Liso/Regular Irregular
teroídicas (originadas do estroma ou células
hilares). Os tecomas e fibromas são as neo- Ascite Ausente Presente
plasias mais frequentes deste grupo. Em ge- Edema de vulva e MMII Ausente Presente
ral, 60% são sólidos. O tratamento consiste
na ooforectomia.
2. Trompas Uterinas
1.3. Tumores neoplásicos malignos Os aumentos de volume das trompas
normalmente estão relacionados a um pro-
1.3.1. Câncer de ovário cesso infeccioso com formação de abscesso
Epidemiologicamente é a sexta causa de (piossalpinge), hidrossalpinge que normal-
morte por neoplasia maligna, sendo a quarta mente é consequência do processo infeccioso
em mulheres e é considerado o de maior difi- e neoplasias.
culdade de diagnóstico precoce, fato este que As neoplasias malignas e benignas das
contribui para os 30-40% de sobrevida até 5 trompas de falópio são raras, representam de
anos após a verificação de sua existência. Seu 0,2 a 1,5% das neoplasias do trato ginecológi-
pico de incidência é entre 50-60 anos de idade. co. Em 80% dos casos, ocorre em mulheres com
Quanto à etiologia, o câncer de ovário é multi- mais de 50 anos.
fatorial, mas se acredita que o caráter familiar
seja um dos principais fatores de risco, princi- O tumor benigno mais frequente é o tu-
palmente quando há relato de caso em paren- mor adenomatoide, que apresenta 1 a 2 cm de
tes de primeiro grau. Os tumores podem ter diâmetro e normalmente é unilateral. Por ser
várias origens, dentre elas: tumores de origem assintomático ou por não apresentar sintoma-
epitelial, tumores de cordões sexuais-estroma e tologia específica, o diagnóstico clínico torna-se
tumores de células germinativas. O diagnóstico difícil. O tratamento é a excisão cirúrgica.
geralmente é tardio.

158 Faculdade Christus


Capítulo 20

3. Corpo do Útero ralmente não têm a característica de invadir o


miométrio possuindo sobrevida de 85,6% em
3.1. Tumores neoplásicos benignos
5 anos. A segunda em geral é pouco diferen-
3.1.1. Leiomioma ciada e possui tendência de invasão profunda
O leiomioma ou mioma uterino é o tu- do miométrio e com alta frequência de me-
mor pélvico sólido mais frequente do trato ge- tástase a linfonodos pélvicos, principal via de
nital feminino. É observado em 20 a 30% das disseminação, tendo sobrevida de 58,8% em
mulheres em idade fértil. É mais encontrado 5 anos. Há vários fatores de risco, dentre eles:
em mulheres de raça negra e com história fa- hiperplasia endometrial, teste do progestáge-
miliar de leiomioma. no positivo (pós-menopausa), tratamento pro-
longado de reposição com estrógeno, uso de
O leiomioma é uma neoplasia benigna tamoxifeno, nuliparidade, história familiar. O
das células musculares lisas do miométrio. São diagnóstico é feito por meio da ultrassonogra-
estrógenos dependentes e possuem um rápido fia transvaginal, videohisteroscopia e biópsia
crescimento na gestação e geralmente regri- dirigida. O tratamento baseia-se no estadia-
dem após a menopausa. mento proposto pela Federação Internacional
Podem levar a alterações menstruais, de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO); geralmen-
hemorragias, aumento do volume uterino, dor te é cirúrgico e radioterápico. O prognóstico
pélvica, dismenorreia e aumento do volume ab- depende do tamanho do tumor, tipo e grau
dominal. Devido às hemorragias, podem ocor- histológico, invasão miometrial e espaço vas-
rer anemia, fadiga e astenia. cular e citologia peritoneal.

O diagnóstico é feito por meio da ana-


mnese, do exame ginecológico, de exames
D- Referências Bibliográficas
de imagem, principalmente a ultrassonogra-
fia transvaginal. O tratamento pode ser clínico ALMEIDA, A.B.; ALMEIDA, S.B. Doenças Benig-
(hormonal) ou cirúrgico, a depender de vários nas dos Ovários. In: HALBE, H.W. Tratado de
fatores como a idade da paciente, a sintomato- Ginecologia. 3. ed. São Paulo: Roca, 2000. v.
logia e o volume do útero. 2. cap. 124.

ALMEIDA, J.A.M. Tumores do Trato Genital Su-


3.2. Tumores neoplásicos malignos perior. In: OLIVEIRA, H.C.; LEMGRUBER, I.; COS-
TA, O.T. Tratado de Ginecologia Febrasgo. Rio
3.2.1. Sarcoma de útero
de Janeiro: Revinter, 2000. Cap. 37.
O sarcoma uterino representa de 2-4%
das neoplasias malignas do corpo do útero ALMEIDA, J.A.M.; REHME, M.F.B.; FILIPPETTO,
e são considerados raros. É uma doença de B.M. Tumores Genitais na Infância e Adolescên-
prognóstico reservado, já que sua sobrevida cia. In: MAGALHÃES, M.L.; REIS, J.T.L. Ginecolo-
em 5 anos é de apenas 30-40%. Isso se deve gia Infanto-Juvenil: Diagnóstico e Tratamen-
em grande parte à recorrência local, a metás- to. Rio de Janeiro: MedBook, 2007. Cap.28.
tases no peritônio ou, pela via hematogênica, Bozzini, N. Leiomioma uterino: manual de
nos pulmões. O tratamento consiste basica- orientação: FEBRASGO- Federação Brasileira
mente na histerectomia total abdominal com das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia.
salpingooforectomia bilateral seguido por ra- São Paulo: Ponto, 2004.
dioterapia para evitar sua recorrência local;
porém, ocorre recidiva em 60% dos casos, no CARVALHO, F.M. Histopatologia do Câncer
primeiro ano, com sobrevida de 6 meses após de Ovário e Tuba Uterina. In: PINOTTI, J.A.;
o re-aparecimento. FONSECA, A.M.; BAGNOLI, V.M. Tratado de
Ginecologia. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.
Cap. 129.
3.2.2. Carcinoma de endométrio
DUARTE, G. Doenças Benignas do Corpo do
É representado em sua maioria por duas Útero. In: HALBE, H.W. Tratado de Ginecologia.
neoplasias distintas. A primeira é relacionada 3. ed. São Paulo: Roca, 2000. v. 2. Cap. 122.
a endocrinopatias associadas com obesidade,
hiperlipidemia, diabetes e hipertensão e ge-

Faculdade Christus 159


Capítulo 20

FRANCO, C.D.R. et al. Carcinoma primario de las


trompas de falópio: a propósito de un caso. Rev
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Roca, 2000. v. 2. Cap. 123.

160 Faculdade Christus


Capítulo 21
ABDOME AGUDO GINECOLÓGICO
Francisco das Chagas Medeiros
José Albuquerque Landim Júnior
Rômulo Cesar Costa Barbosa Filho

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


A.P.A., 22 anos, sexualmente ativa, vem 1. Abdome Agudo Ginecológico
queixando-se há três dias de náusea, vômitos, per-
Entende-se por abdome agudo ginecoló-
da de apetite e dor em baixo ventre. Ela já havia
gico uma situação de dor abdominal repentina
apresentado um quadro semelhante há três anos.
que tem como causa uma afecção ginecológica
Nega disúria e corrimento vaginal. Tem dois par-
e que geralmente requer tratamento cirúrgico
ceiros sexuais, sendo um por relação. Seu último
de emergência. Essa dor pode dever-se a várias
período menstrual foi há uma semana. Ao exame
enfermidades, sendo quase sempre divididas
físico, encontrava-se febril (39,2ºC) e taquicárdica.
em duas categorias – relacionadas à gravidez e
Palpação dolorosa em toda a região infraumbili-
não relacionadas à gravidez.
cal. Sinal de Blumberg negativo. O exame espe-
cular evidenciou pequena quantidade de material A principal causa de abdome agudo gi-
mucopurulento no óstio do colo uterino, o qual necológico relacionado à gravidez correspon-
mostrava sinais de inflamação (cervicite). Ao to- de à gravidez ectópica. Quanto aos quadros de
que, a paciente apresentava dor à mobilização do abdome agudo não relacionados à gravidez, a
colo uterino. A bacterioscopia do material do colo principal causa condiz à doença inflamatória
mostrou como resultado Neisseria gonorrhoeae. pélvica (DIP). Outras causas como abortamento,
O hemograma mostrava leucocitose. A proteína ruptura de cisto ovariano, cisto de ovário he-
C-reativa estava elevada. A ultrassonografia pél- morrágico, torção de pedículo ovariano, torção
vica evidenciou coleção líquida em fundo de saco de tuba uterina e abscesso tubo-ovariano são
posterior e massa tubo-ovariana. mais raras.

B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 2. Gravidez Ectópica


1. Definir o que é abdome agudo ginecológico. Consiste em uma gravidez que ocorre fora
2. Citar quais as principais causas de abdome da cavidade uterina, decorrente da implantação
agudo ginecológico. de um óvulo fertilizado. As tubas uterinas são
3. Saber diagnosticar um caso de gravidez ec- o local de maior prevalência (97%), ocorrendo
tópica e um de doença inflamatória pélvica. principalmente na ampola (55%), istmo (25%) e
4. Saber conduzir e tratar um caso de gravi- fímbrias (17%). O restante (3%) pode acontecer
dez ectópica e um de doença inflamatória na cavidade abdominal, ou no ovário ou no colo
pélvica. uterino. Ocorre em aproximadamente 1,5 a 2,0%
5. Conhecer quais os principais diagnósticos das gestantes e sempre representa uma situa-
diferencias de abdome agudo ginecológico. ção de risco de vida. É a principal causa de mor-
te materna no primeiro trimestre e a segunda
principal causa de morte materna gestacional.
Capítulo 21

Graças à maior rapidez com que é diagnostica- também a depender do tempo e da quantidade
da e tratada hoje, a mortalidade causada pela de sangue presente na cavidade peritoneal.
gravidez ectópica diminuiu bastante, chegando
Achados como útero normal ou leve-
a 1 morte para cada 2000 gestações, contudo,
mente aumentado, dor à manipulação do colo
10 a 15% das mortes maternas ainda estão rela-
uterino e massas anexiais palpáveis, aumentam
cionadas à gravidez ectópica.
a possibilidade de tratar-se de um quadro de
Os maiores fatores de risco para a ocor- gravidez ectópica.
rência de uma gravidez ectópica são infertilida-
Somente o exame clínico não fecha o diag-
de, doença inflamatória pélvica, manipulação
nóstico, pois cerca de 30% das pacientes com
prévia das tubas uterinas durante procedimen-
gravidez ectópica não apresentam sangramento
tos na cavidade pélvica, gravidez ectópica pré-
vaginal, 10% somente têm massas anexiais palpá-
via e uso de dispositivo intra-uterino (DIU). Ta-
veis e cerca de 10% não apresentam alterações ao
bagismo, idade superior a 35 anos e múltiplos
exame pélvico. Desse modo, faz-se necessário o
parceiros durante a vida são considerados riscos
uso de alguns exames complementares.
menores. O uso de anticoncepcionais, interrup-
ção precoce de uma gravidez, abortamento e Os principais exames de escolha para
cesarianas não representam fatores de risco diagnosticar gravidez ectópica, por ordem de so-
para a ocorrência de uma gravidez ectópica. O licitação, são uma dosagem da subunidade beta
fato de mulheres inférteis mostrarem-se mais da gonadotrofina coriônica humana (beta-hCG)
suscetíveis a apresentar uma gravidez ectópica quantitativa, ultrassonografia (US) pélvica trans-
deve-se à possível alteração da integridade ou vaginal e dosagem seriada de beta-hCG quanti-
da função da tuba, uma das principais causas tativo sérico em casos específicos. Pode-se medir
de infertilidade, ou às técnicas de reprodução também níveis séricos de progesterona e realizar
assistida, principalmente a fertilização in vitro curetagem uterina, entretanto, esta pode termi-
(FIV). A FIV aumenta a incidência de gravidez nar uma gravidez uterina desejada e viável, se
ectópica mesmo em mulheres em que a causa não realizada no momento adequado, enquanto
da infertilidade não seja tubária. Vale ressaltar, aquele é um exame de baixíssima sensibilidade.
no entanto, que metade das mulheres diagnos- A dosagem quantitativa de beta-hCG ser-
ticadas com gravidez ectópica não apresenta ve somente para comprovar que a paciente está
nenhuma dessas causas. grávida e, desse modo, justificar a suspeita de
As mulheres com suspeita de gravidez gravidez ectópica e os demais exames.
ectópica apresentam, geralmente, um quadro A US representa o método mais indicado;
clínico inicial com manifestações inespecíficas, entretanto, apresenta certas limitações, sendo
como dor pélvica súbita ou cólicas abdominais, necessária a realização dos demais exames cita-
associada a sangramento vaginal após um pe- dos. Em gestações maiores do que 5 semanas,
ríodo de cerca sete semanas de atraso mens- a US transvaginal é o exame de maior acurácia.
trual. Essa dor pode ser unilateral ou difusa e Existem, entretanto, situações que podem false-
de intensidade variável – média a debilitante. O ar o resultado. As principais são gravidez intra-
sangramento é tipicamente intermitente, fino, -uterina com ausência de saco gestacional ou
amarronzado (pode aparecer avermelhado) e rompimento dele, gravidez ectópica muito ini-
raramente excede o volume do fluxo menstrual cial e com poucos sinais de hemorragia, inexpe-
normal. Além de gravidez ectópica, esses sinais riência do examinador, equipamento desregula-
e sintomas podem estar presentes em gravide- do e presença de anomalias uterinas, miomas e
zes intrauterinas ou abortamentos. hidrossalpinge.
Após a rotura, a paciente passa a apresentar A dosagem quantitativa de beta-hCG sé-
um quadro de choque hipovolêmico, com taqui- rica ajuda na interpretação dos achados ultras-
cardia, hipotensão e sensibilidade à palpação ab- sonográficos. Suspeita-se de gravidez ectópica,
dominal, esta localizada ou difusa. Esse quadro de pacientes em que não se constatou saco gesta-
instabilidade hemodinâmica decorre da hemorra- cional à US abdominal e com níveis séricos de
gia intraperitoneal maciça, uma vez que vasos são beta-hCG maiores do que 6.500 mUI/mL, ou pa-
lesados no momento da rotura. Dor à descom- cientes em que não se constatou saco gestacio-
pressão brusca e abdômen em tábua, sugestivos nal à US transvaginal e com níveis de beta-hCG
de irritação peritoneal, podem ser constatados iguais ou maiores do que 1.500 mUI/mL.

162 Faculdade Christus


Capítulo 21

Uma única dosagem quantitativa de be- to, o qual desativa o rápido processo de replica-
ta-hCG não diferencia gravidez intra-uterina, ção da célula trofoblástica por meio da inibição
abortamento ou gravidez ectópica. É mais in- da síntese protéica. O seu uso é muito controver-
dicado fazer a dosagem seriada. Numa gravi- so, não é à toa que existem vários protocolos que
dez intra-uterina normal, os níveis aumentam regem a aplicação do metotrexato. Desse modo,
53% a cada 2 dias, chegando a um platô com essa não é a forma mais comum de tratar a gravi-
valores maiores do que 100.000 mUI/mL. Nas dez ectópica, além de não apresentar vantagens
pacientes com diagnóstico de abortamento, em relação ao tratamento cirúrgico.
quanto menor os níveis iniciais de beta-hCG,
O tratamento cirúrgico pode ser feito de
menor a sua proporção de queda. Em cerca de
duas maneiras: por meio de ressecção da estru-
70% das pacientes com suspeita de gravidez
tura anatômica em que está se desenvolvendo
ectópica a dosagem sérica de beta-hCG apre-
a gravidez, no caso da tuba uterina – salpingec-
senta uma queda mais demorada do que os
tomia, ou, por meio de dissecção da estrutura
casos suspeitos de abortamento, e um aumen-
com retirada do concepto e preservação da-
to menor do que nos casos de gravidez intra-
quela, no caso da tuba uterina – salpingosto-
-uterina normal.
mia. A salpingostomia é chamada de cirurgia
Para dar o diagnóstico e definir a conduta conservadora, sendo geralmente realizada por
com maior acurácia e menor tempo, o médico via laparoscópica. Ela consiste no método mais
deve colher a história clínica, fazer o exame fí- utilizado, porém apresenta um pouco mais de
sico e determinar se a paciente está hemodina- riscos para uma nova gravidez ectópica. A esco-
micamente estável ou não. Se a paciente estiver lha da técnica depende da experiência do cirur-
chocada, a conduta será cirurgia imediata; mas, gião, da história de gravidez ectópica prévia da
caso esteja estável, continua a investigação por paciente e sua vontade de engravidar no futuro,
meio de exames complementares como descri- além da gravidade do quadro. A salpingectomia,
to na Figura 1. geralmente por laparotomia, está mais reserva-
da hoje para casos de hemoperitôneo maciço
O tratamento da gravidez ectópica pode
e extenso com quadro de choque associado,
ser clínico ou cirúrgico. O primeiro é feito utili-
má visualização durante laparoscopia pélvica e
zando-se um antagonista do folato – Metotrexa-
comprometimento de estruturas vasculares.

Figura 1: Algoritmo do diagnóstico e conduta na gravidez ectópica.

Faculdade Christus 163


Capítulo 21

Durante o tratamento, o médico deve barreiras contraceptivas (condom), baixo nível


continuar a dosagem sérica quantitativa de be- econômico e tabagismo. O de DIU de cobre
ta-hCG até os níveis zerarem, pois as células tro- aumenta a chance de desenvolver DIP duas a
foblásticas podem remanescer e se implatarem quatro vezes em relação às não usuárias desse
novamente, gerando nova gravidez ectópica. método contraceptivo. O ato sexual durante a
Em caso de os níveis não diminuírem, pode-se menstruação ou logo após, pode trazer risco
fazer o uso do metotrexato. para o surgimento de DIP.
Os principais fatores de proteção cor-
respondem ao uso de contracepção hormo-
3. Doença Inflamatória Pélvica (DIP)
nal, pois reduzem a severidade da DIP, e dos
A DIP corresponde a um espectro de métodos contraceptivos de barreira, princi-
alterações inflamatórias do sistema genital palmente a “camisinha”.
feminino que acometem as estruturas locali-
O diagnóstico é fundamentalmente
zadas acima do orifício interno do colo ute-
clínico e difícil devido à grande variação na
rino. Pode apresentar-se como endometrite,
apresentação dos sinais e sintomas. Mais de
salpingite, abscesso tubo-ovariano e perito-
33% dos casos são diagnosticados incorreta-
nite pélvica. Sua prevalência é de 100 a 200
mente. O quadro manifesta-se caracteristica-
casos por 100.000 mulheres nos EUA. Entre as
mente após a menstruação.
pacientes afetadas, um terço tem menos de
20 anos e 2/3 menos que 25 anos. A dor pélvica associada à dor da mobi-
lização do colo ou à palpação de anexo, em
As bactérias mais comumente envolvi-
pacientes de risco ou sem outra causa para
das são as sexualmente transmissíveis como
o quadro é considerado critério mínimo para
Neisseria gonorrhoeae e Clamydia trachomatis
que se possa fazer o diagnóstico. A presen-
(encontrada em 14-65% dos casos). Bactérias
ça de sintomas atípicos como sangramento
associadas com a vaginose bacteriana e co-
anormal, corrimento vaginal inespecífico e
mumente encontradas na flora vaginal habi-
dispareunia podem ser encontrados.
tual (anaeróbios, Gardnerella vaginalis, Hae-
mophilus influenzae, bacilos Gram-negativos Alguns sinais e exames laboratoriais são
entéricos e Streptococcus agalactiae) também considerados critérios auxiliares tendo como
podem ser agentes etiológicos da DIP. função aumentar a especificidade do diag-
nóstico (Figura 2).
A DIP se instala por meio da propaga-
ção ascendente de micro-organismos presen- ƒƒ Critérios mínimos para diagnóstico (pelo me-
tes na vagina e na cérvice uterina. Esta pode nos 1 desses)
ser por contiguidade, por via hematogênica • Dor abdominal baixa/dor pélvica
ou por via linfática. Existe uma teoria de que a • Dor anexial
endocervicite causada pela Clamydia tracho- • Dor à movimentação do colo
matis ou pela Neisseria gonorrhoeae alteraria
os mecanismos de defesa da cérvice permitin- ƒƒ Critérios diagnósticos adicionais
do, assim, a ascensão da flora vaginal patogê- • Febre (temperatura acima de 38,3°C)
nica ou não. • Corrimento cervical mucopurulento
• Leucorreia (mais de 10 células por campo)
Os fatores de risco para DIP são os mes-
• Leucocitose (>15.000 com desvio à esquerda)
mos relacionados diretamente à aquisição de
• VHS aumentado
doenças sexualmente transmissíveis (DST),
• Proteína C-Reativa aumentada
principalmente à clamídia e ao gonococo. São
• Infecção por gonorrhea/chlamydia docu-
eles: idade jovem, maior número de relações
mentada
sexuais com diferentes parceiros, não uso de

164 Faculdade Christus


Capítulo 21

Dor Abdominal Baixa

História sexual / risco de infecção


Risco para DST: Outros riscos:
– Parceiro com DST – Vaginose bacteriana
– Uso inadequado do preservativo – DIU de cobre
– Antecedentes de DST
NÃO
Gravidez concluída Considerar diagnóstico
SIM Diferencial:
História de Dor – Torção de pedículo ovariano
– Gravidez ectópica
Local - Pelve
– Abortamento
Tempo - Aguda, pode ser crônica
– Apendicite
Natureza - Constante ou intermitente
Exacerbação - Durante ato sexual, dispareu-
nia profunda
SIM NÃO

Outros sintomas
Corrimento vaginal
Sangramento vaginal anormal
Sintomas sistêmicos (febre, náuseas, vômitos)
SIM
Exame físico NÃO
Febre
Taquicardia
Rigidez abdominal
Massa anexial
Dor à mobilização do colo uterino
Cervicite
SIM
Presuntivo de DIP
– Testes para DST (Clamídia, gonococo, HIV)
– Alterações em US (pisalpingite, hidrosalpingite)

Figura 2- Critérios mínimos para diagnósticos.

A laparoscopia é o exame padrão ouro, sensibilidade e 89% de especificidade, mas seu


sendo bastante útil no diagnóstico de salpingite custo elevado e difícil acesso impedem sua uti-
e no bacteriológico completo. Apresenta, porém, lização de forma generalizada.
um empecilho em relação à dificuldade de se
O Power Doppler pode ser utilizado como
justificar esse procedimento em pacientes oli-
uma alternativa para aumentar a acurácia da US
gossintomáticas. Isso limita seu uso para tal fim,
transvaginal. Com essa a ssociação mede-se o
uma vez que é caro e impraticável em demanda.
fluxo sanguíneo local e faz-se com que a téc-
A US transvaginal é útil para a detecção nica seja sensível o bastante para se detectar
de coleções líquidas livres na cavidade pélvi- aumento de fluxo sanguíneo associada com a
ca, bem como para constatar abscesso tubo- inflamação das tubas uterinas. Assim como a
-ovariano ou piossalpinge. Ela, contudo, não RNM, todavia, sua utilização generalizada ainda
consegue visualizar a parede das tubas uterinas, não é possível.
o que limita seu uso no diagnóstico do quadro
Uma vez que mesmo as pacientes oligo ou
em seu estagio inicial ou menos grave.
assintomáticas correm risco de sequelas, em ge-
A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) ral, é melhor supertratar infecções baixas do que
supera a US transvaginal, pois apresenta 95% de subtratar as infecções altas. As sequelas consistem

Faculdade Christus 165


Capítulo 21

em aderências entre órgãos pélvicos, obstrução gram-negativos e os estreptococos (flora vagi-


tubárea, que representam um risco para a saú- nal endógena e flora gastrintestinal inferior). As
de reprodutiva da paciente (fator de infertilidade pacientes com sintomas leves ou moderados
tubário em 20% das pacientes), maior risco para podem ser tratadas ambulatorialmente com re-
gravidez ectópica (10% das pacientes), dor pélvica sultados de cura e prevenção de possíveis se-
crônica (20% das pacientes). Também já foi relata- quelas semelhantes às tratadas em ambiente
do aumento no risco de câncer de ovário. hospitalar (Quadro 1).
O diagnóstico diferencial da dor abdomi- Critérios de internação:
nal baixa e da dor pélvica inclui endometriose,
ƒƒ Impossibilidade de exclusão de emergências
rotura de cisto ovariano, dismenorreia e gravi-
cirúrgicas (Ex.: apendicite)
dez ectópica. Teste de gravidez deve ser consi-
ƒƒ Gestação
derado na suspeita de DIP.
ƒƒ Adolescente
A meta do tratamento da DIP, além da ƒƒ Falha da resposta ao tratamento ambulatorial
cura da infecção, é a prevenção de infertilidade, após 48 horas
de gestações ectópicas e da cronificação da DIP. ƒƒ Incapacidade de seguir o tratamento oral
Para o tratamento adequado, a paciente deve ƒƒ Piora do quadro inicial (queda do estado ge-
ser orientada a não interromper o tratamento ral, náusea, vômito ou febre alta)
mesmo com melhora precoce dos sintomas, ƒƒ Abscesso tubo-ovariano
evitar relações sexuais durante o tratamento e ƒƒ Diagnósticos coexistentes de HIV/AIDS
tratar também o(s) parceiro(s) sexual(is). ƒƒ DIU de cobre presente
Devem ser utilizados antimicrobianos
empíricos e de largo espectro que ainda atinjam Observação: a transição do esquema pa-
o gonococo e a clamídia, bem como os anaeró- renteral para o oral pode ser feito 24 horas após
bios (como o Bacterioides fragilis), os aeróbios a melhora clínica da paciente.

Quadro 1- Esquemas terapêuticos DIP


- Ceftriaxone, 250mg IM, dose única + Doxiciclina, 100mg VO, 12/12h por 14 dias
+ C/ ou S/ metronidazol, 500mg VO, 12/12h, por 14 dias
- Cefoxitina,2g IM, dose única + Probenecida,1g VO, dose única + doxiciclina 100mg VO,
Primeira Linha 12/12h, por 14 dias + C/ ou S/ metronidazol 500mg VO, 12/12h por 14 dias
IM/Oral - Cefalosporina parenteral de 3ª geração (ceftizoxime ou cefotaxime) + doxiciclina
Paciente ambulatorial 100mg VO 12/12h por 14 dias
- Levofloxacina 500mg VO 1x/dia por 14 dias
- Ofloxacina 400mg VO 12/12h por 14 dias + Metronidazol 500mg VO 12/12h por
14 dias

- Cefotetan 2g EV 12/12h ou cefoxetina 2g EV 6/6h + Doxiciclina 100mg VO ou EV


Primeira Linha 12/12h. Após alta hospitalar manter Doxiciclina 100mg VO 12/12h por 14dias.
IV - Clindamicina 900mg EV, 8/8h + Gentamicina, 2mg/kg EV ou IM, seguida de 1,5mg/kg
Paciente hospitalizado 8/8h. Dose completa 1x/dia. Após alta hospitalar manter Doxiciclina 100mg VO 12/12h
por 14dias.

Observação: o CDC não recomenda o uso da azitromicina 1g VO em dose única. Sugere-se que possa ser usado
desde que a Azitromicina 1g VO seja administrada no primeiro dia e no oitavo dia, para que se tenha cobertura com
tratamento por 14 dias.

Esquemas terapêuticos abscesso tubo-ovariano: Não há consenso quanto à melhor aborda-


Internação hospitalar e antibioticotera- gem cirúrgica, variando desde drenagem do absces-
pia polimicrobiana que inclua cobertura para so até histerectomias com anexectomias bilaterais.
bacterioides fragilis. O tratamento antibiótico
A taxa de gestações após o tratamento
consiste no uso de uma associação tríplice de
conservador varia entre 9,5 e 15%, e após trata-
clindamicina, ampicilina e gentamicina parente-
mento cirúrgico entre 3,7 a 16%.
ral por 21 dias.

166 Faculdade Christus


Capítulo 21

A paciente deve ser acompanhada a fim mento irá depender da apresentação clínica
de se observar sua melhora clínica, que deve e, na ausência de sinais de peritonite ou alta
ocorrer em três dias após o início da terapêuti- suspeita de torção, uma abordagem expectan-
ca, se há ausência de febre, diminuição da dor à te com analgesia será apropriada. Já em outras
palpação abdominal e à descompressão brusca. circunstâncias, uma abordagem cirúrgica é ne-
cessária. Geralmente é feita uma laparoscopia
Parceiros que tiveram contato sexual nos
inicialmente a não ser que a paciente esteja
últimos 60 dias anteriores ao início dos sinto-
chocada, ou se o cisto for muito grande.
mas devem ser tratados pelo risco de reinfec-
ção da paciente e infecção via uretral por cla-
mídia e gonococo. É sempre prudente perguntar pela histó-
ria ginecológica da paciente para se estabelecer
a conduta adequada caso um cisto seja encon-
4. Cistos ovarianos trado durante uma laparotomia ou uma lapa-
A maioria dos cistos ovarianos que cur- roscopia. Essa medida é particularmente impor-
sam com complicações são cistos funcionais. tante se há uma suspeita de malignidade.
São mais comuns em mulheres jovens e, em
mulheres idosas, apresentam maior possibilida-
Diagnóstico diferencial
de de serem malignos. As complicações dos cis-
Na avaliação do abdome agudo gineco-
tos incluem hemorragia, rotura, torção e infec-
lógico, deve-se sempre pesquisar outras causas
ção. Cistos infectados causando abscessos são
de dor abdominal aguda, uma vez que a apre-
geralmente resultados da doença inflamatória
sentação de suas etiologias são muito seme-
pélvica aguda (DIP). Cistos com complicações,
lhantes. A apendicite aguda é a principal causa
principalmente se forem do lado direito, fazem
de dor abdominal aguda com resolução cirúrgi-
um importante diagnóstico diferencial com
ca. Paciente apresenta história de dor abdomi-
apendicite aguda.
nal periumbilical que migrou para a fossa ilíaca
ƒƒ Hemorragia: cistos que sangram podem causar direita, associada a náuseas, vômitos, diarreia,
sinais e sintomas similares à gravidez ectópi- anorexia e febre baixa. Quando a febre surge,
ca com dor abdominal baixa severa e rigidez pode ser constatada leucocitose. Ao exame fí-
abdominal. A paciente pode encontrar-se anê- sico, evidencia-se sinal de Blumberg e sinal de
mica. Massa pélvica constatada à palpação du- Rovsing positivos. Essa apresentação ocorre na
rante o exame vaginal representa um achado maioria dos pacientes com apendicite aguda,
mais favorável a cisto ovariano do que a gravi- porém pode variar de acordo com a localização
dez ectópica. A realização do teste de gravidez do apêndice, em pacientes imunossuprimidos e
seria a melhor maneira para diferenciar esses em idosos. O exame físico, junto à história clíni-
dois possíveis diagnósticos. A US transvaginal ca tem uma acurácia de 95% para o diagnóstico
confirmaria a presença de cisto ovariano. de apendicite aguda. Exames de imagem como
ƒƒ Rotura: casos de rotura de cisto podem apre- US e tomografia computadorizada podem ser
sentar-se semelhantes aos casos, embora a utilizados, principalmente em casos atípicos. A
paciente esteja menos anêmica e o início da conduta é ressecção do apêndice inflamado. No
dor seria provavelmente mais agudo. A US caso de dúvidas quanto a um abdome agudo
transvaginal mostraria uma quantidade signi- ginecológico, a laparoscopia diagnóstica está
ficante de líquido livre na pelve. bem indicada.
ƒƒ Torção: cistos que cursam com torção podem
Além da apendicite, outras situações clí-
causar episódios de dor recorrente, que pode
nicas são diagnóstico diferencial de abdome
aparecer ou desaparecer durante um longo
agudo ginecológico. São elas: obstrução intesti-
ou curto período de tempo a depender de
nal, diverticulite e nefrolitíase.
o pedículo estar ou não torcido. A dor pode
tornar-se contínua se o suprimento sanguíneo A principal causa de obstrução intestinal
ovariano for impedido e o ovário tornar-se, são as bridas formadas após cirurgias ou pro-
por consequência gangrenoso. cessos inflamatórios na cavidade abdominal.
ƒƒ Tratamento: muitos cistos funcionais, particu- A paciente apresenta cólicas abdominais, náu-
larmente aqueles com diâmetro inferior a 5cm, sea, vômitos, distensão abdominal progressiva
irão desaparecer espontaneamente. O trata- e constipação. Esses sintomas podem variar de

Faculdade Christus 167


Capítulo 21

acordo com o local da obstrução. Quanto mais D- Referências Bibliográficas


distal, a paciente sente menos náuseas e mais
cólica abdominal. A constipação é o último pro- BARNHART, K. T. Ectopic Pregnacy. The New
cesso a se instalar, geralmente precedida de England Journal of Medicine, Massachusetts,
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apenas devem ser requisitados para avaliar o Journal of The National Medical Association,
grau de desidratação do doente. A radiografia Washington, DC, v. 50, n. 6, p. 455- 457, Nov. 1958.
simples em ortostase do abdome unida à histó- HAMMOND, R. Gynaecological Causes of Ab-
ria clínica bem detalhada são eficientes no diag- dominal Pain. Emmergency Surger, Oxford, v.
nóstico de obstrução intestinal. 23, n. 6, p. 228- 231, 2005
A diverticulite acomete mais pacientes a
LOZEAU, AM.; POTTER, B.; Diagnosis and Man-
partir da sexta década de vida e nada mais é
agement of Ectopic Pregnancy. American
do que uma complicação da doença diverticu-
Family Physician, Leawood, v. 72, n. 9, p. 1707-
lar do cólon por inflamação e infecção do di-
1714, Nov 1, 2005.
vertículo, podendo levar até a uma perfuração.
A sintomatologia varia de acordo com a locali- MURTA, E. F. C. et al. Análise Retrospectiva de
zação, sendo o sigmóide o local mais comum. 287 Casos de Abdome Agudo em Ginecologia
As pacientes geralmente queixam-se de dor no e Obstetrícia. Revista do Colégio Brasileiro de
quadrante inferior esquerdo que irradia para Cirurgiões, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 44-47,
região suprapúbica, genital ou costas. Altera- jan./fev. 2001.
ções nos hábitos intestinais, febre, calafrios e
urgência urinária também são queixas comuns. PRATHER, C. Inflammatory and Anatomical Dis-
Ao exame físico, a região acometida está dolo- eases of The Intestine, Peritoneum, Mesentery,
rida, com defeso abdominal. A história clínica já and Omentum. In: GOLDMAN, L.; AUSIELLO,
é suficiente para dar o diagnóstico; entretanto, D. (Eds.). Cecil Medicine, 23 ed., Philadelphia:
se restar dúvida, alguns exames de imagem po- Saunders Elsevier, 2007. cap. 145.
dem ser requisitados, como tomografia compu-
tadorizada, US e enema opaco.
A nefrolitíase acomete mais homens do
que mulheres, e é na maioria das vezes assin-
tomática, porém, pode manifestar-se com uma
cólica renal aguda. A paciente geralmente pro-
cura a emergência do hospital com queixa em
dor no flanco, acompanhada de náuseas e vô-
mitos. Essa dor pode irradiar, a depender da lo-
calização do cálculo. Se muito superior, a dor
irradia do flanco para o abdome anteriormente;
se mais distal, a dor irradia para os grandes lá-
bios homolaterais à obstrução. A paciente pode
também queixar-se de hematúria.

168 Faculdade Christus


Capítulo 22
TENSÃO PRÉ-MENSTRUAL
Lígia Helena Ferreira e Silva
João Marcos de Meneses e Silva
Aline Chaves Freire
Lia Maria Bastos Peixoto Leitão

A- PROBLEMA ções físicas e emocionais periódicas leves nesse


período, mas a condição de SPM pode implicar
M.J.S, 25 anos, branca, solteira, nuligesta, em ruptura nas atividades ocupacionais, fami-
procedente de Fortaleza-CE, procurou o serviço liares e pessoais. Além do impacto desses sin-
de ginecologia de um hospital local por apre- tomas na qualidade de vida, há também reper-
sentar cefaleia, mastalgia e dor tipo cólica em cussão negativa na produtividade e nos custos
baixo ventre antes e durante a menstruação, econômicos. Pode ocorrer em qualquer idade
além de sentir as “roupas apertadas”. Refere após a menarca, sendo mais frequente entre os
também nesse período, irritabilidade e um pou- 25 e 35 anos de idade.
co de depressão; algumas pessoas ficam recla-
mando que “ela está de TPM”. Utiliza analgésico Cerca de 85% das mulheres que se en-
para as dores de cabeça e cólicas, mas há pouca contram na fase reprodutiva, relatam pelo me-
melhora da sintomatologia. Informa ainda que, nos um sintoma; 2 a 10% têm queixas que pre-
os sintomas desaparecem após a menstruação judicam suas atividades diárias ou chegam a ser
e que a sintomatologia ocorre desde a menarca; incapacitantes. Mais de 200 sintomas já foram
a mãe e a irmã apresentam o mesmo quadro estudados na SPM; as principais queixas em
sintomatológico no período menstrual. ordem de frequência são: irritabilidade (98%),
mastalgia (88%), cefaleia (86%), eventos depres-
sivos (78%), lombalgia (66%), palidez (58%), oli-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM gúria (56%), fadiga (54%), ganho de peso (52%),
falta de concentração (34%), apatia (26%), diar-
1. Definir tensão pré-menstrual. reia (24%), e outros (17%).
2. Conhecer os achados clínicos e exames ne-
É importante diferenciar a SPM de trans-
cessários para se fazer o diagnóstico.
torno disfórico pré-menstrual (TDPM), que é
3. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial.
uma variante da SPM, também cíclica e que
4. Conhecer a conduta terapêutica.
ocorre no mesmo período, sendo, porém mais
severa e tendo como fator debilitante a altera-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA ção de humor, que interfere com mais intensi-
dade no comportamento social, ocupacional e
1. Introdução escolar da paciente. Deve-se também, nesses
A síndrome pré-menstrual (SMP) caracte- casos, fazer o diagnóstico diferencial com ou-
riza-se por sintomas clínicos recorrentes duran- tras patologias psiquiátricas, tomando por base
te a fase lútea do ciclo menstrual, que diminuem critérios rígidos e que fogem do objetivo desse
rapidamente com o início da menstruação. A capítulo. A prevalência de TDPM é estimada em
maioria das mulheres experimenta modifica- torno de 8%.
Capítulo 22

2. Diagnóstico riamente deverão estar presentes: irritabilidade,


humor deprimido, ansiedade e/ou labilidade emo-
Baseia-se exclusivamente no quadro clí-
cional.
nico; sua etiologia é desconhecida. Durante a
anamnese completa e detalhada, procura-se
eliminar quaisquer outras causas que possam
3. Diagnóstico diferencial
influenciar a sintomatologia. Para a confirmação
do diagnóstico é necessário que os sintomas se As entidades SPM e TDPM (transtorno dis-
repitam em pelo menos três ciclos consecutivos fórico pré-menstrual) devem ser diagnosticadas
e que desapareçam no período pós-menstrual. quando vários distúrbios físicos e psicológicos
já tiverem sido excluídos, incluindo transtornos
Recomenda-se que a paciente mantenha
afetivos (depressão, ansiedade, distimia, pâni-
um diário durante pelo menos dois ciclos mens-
co, etc), anemia, anorexia ou bulimia, condições
truais em que anotará todas as sintomatologias;
metabólicas crônicas (ex: diabetes mellitus), dis-
após esse período os dados anotados serão
menorreia, endometriose, hipotireoidismo, sin-
analisados e, por meio deles, o profissional terá
tomas secundários ao uso de anticoncepcionais
condições de reconhecer o que mais incomoda
hormonais orais (ACHO), perimenopausa, dis-
a paciente e lhe causa maior desconforto. Para
túrbios de personalidade, uso de drogas ilícitas.
uma melhor interpretação, os registros de emo-
ções e comportamentos devem ser feitos sepa- A SPM também deve ser diferenciada dos
radamente dos registros menstruais. A conduta sintomas pré-menstruais simples, como edema
terapêutica será específica para cada caso. e mastalgia, característicos do ciclo ovulatório
normal e que não interferem nas atividades di-
Não existem exames laboratoriais para
árias da paciente.
diagnóstico de SPM. Dependendo do quadro
clínico apresentado é de suma importância a
avaliação psiquiátrica. Pode-se por meio dela
4. Tratamento
afastar transtornos afetivos, alterações no ritmo
alimentar, distúrbios de personalidade e uso de O tratamento da SPM é muitas vezes frus-
drogas ilícitas. trante, tanto para a paciente como para os mé-
dicos, pois esta é uma entidade caracterizada
Segundo Mortola, para que se chegue
por ambiguidades. Uma etiologia pouco clara
a um diagnóstico devem-se seguir os se-
ou não universal, alguns fatores mais envolvidos
guintes critérios:
na gênese da síndrome em algumas pacientes e
ƒƒ Presença de pelo menos um dos sintomas, outros fatores em outras, tornam difícil estabe-
afetivos ou somáticos, cinco dias antes da lecer um tratamento único e adequado. Além
menstruação e em três ciclos prévios: disso, todos os determinantes etiológicos re-
• Sintomas afetivos: evento depressivo, irrita- querem uma terapia integrada e individualiza-
bilidade ansiedade, retração social, confu- da, baseada nas circunstâncias particulares de
são e explosão de raiva. cada paciente.
• Sintomas somáticos: mastalgia, edema ab-
Recomenda-se uma abordagem escalo-
dominal, cefaleia, edema em extremidades.
nada com o tratamento, refletindo o grau de
ƒƒ Alívio dos sintomas em quatro dias após o iní-
comprometimento associado aos sintomas.
cio da menstruação;
ƒƒ Ocorrência reprodutível dos sintomas durante Principais objetivos do tratamento da SPM:
dois ciclos de observação prospectiva; ƒƒ Redução dos sintomas;
ƒƒ Disfunção identificável do desempenho social ƒƒ Melhora nas atividades social e profissional;
ou econômico. ƒƒ Melhora na qualidade de vida.

Para o American College of Obstetrics and 4.1. Tratamento não farmacológico


Gynecology (ACOG), só se realiza um correto diag-
nóstico se o profissional seguir esses critérios e se a ƒƒ Abordagens mente/corpo: baseiam-se no
paciente registrar corretamente sua sintomatologia. princípio de que pensamentos e sentimentos
podem causar impacto na fisiologia e na saúde
Segundo o DSM-IV (1994) para o diagnós- orgânica. Entre elas, temos a psicoterapia, téc-
tico de TDPM, os seguintes sintomas obrigato- nicas de relaxamento, trabalho corporal (mas-

170 Faculdade Christus


Capítulo 22

sagens e reflexologia), hipnoterapia, biofeed- 4.2. Tratamento farmacológico


back, mentalização e ioga. Embora exercícios
ƒƒ Drogas serotoninérgicas: representam a clas-
aeróbicos e fototerapia não façam parte desse
se de primeira escolha para as mulheres que
tipo de abordagem, apresentam impacto posi-
não respondem a terapia conservadora.
tivo sobre o humor. É recomendável a prática
ƒƒ A fluoxetina foi o primeiro inibidor seletivo
de exercícios físicos regulares por 20 a 30 mi-
da recaptação de serotonina (ISRS) a ser es-
nutos, três a quatro vezes por semana, sendo
tabelecido para o tratamento de SPM e a ser
importante a manutenção do peso dentro de
aprovado pelo FDA para este fim. Recomen-
± 20% do peso ideal.
da-se a dosagem de 20 mg por dia; se uti-
ƒƒ Modificações dietéticas: podem causar im-
lizado intermitentemente (somente na fase
pacto benéfico perceptível na gravidade dos
lútea do ciclo menstrual) se mostra tão efe-
sintomas, principalmente tensão e depressão.
tivo quanto à administração contínua. Pode-
Principais orientações:
-se também prescrever a sertralina (50-150
• diminuir a ingestão de sal, açúcar, cafeína,
mg/dia), a paroxetina (10-30mg /dia) e cita-
carnes vermelhas e álcool;
lopram (10-30 mg/dia) sob a mesma poso-
• aumentar o consumo de frutas, verduras, le-
logia, intermitente ou contínua. É necessário
gumes, grãos e água;
prudência no uso desses medicamentos em
• realizar refeições menores, mais frequentes
adolescentes menores de 18 anos e em seu
(e ricas em carboidratos complexos).
uso concomitante a anticoncepcional hor-
ƒƒ Suplementos nutricionais: vários compos-
monal oral.
tos são recomendados pela imprensa leiga
ƒƒ Manipulação do ciclo menstrual: A classe de
para o alívio dos sintomas da SPM. Salvo
drogas mais utilizada é a dos agonistas do
exceções, pouca evidência científica dá su-
GnRH. Todavia, observou-se que seu uso a
porte a essas recomendações. Entretanto,
longo prazo foi associado a efeitos indese-
se utilizados em doses pequenas e seguras,
jáveis, como hipoestrogenismo e osteopo-
o uso de alguns complementos não precisa
rose. O esteroide sintético danazol parece
ser desencorajado. As suplementações com
reduzir os sintomas físicos e emocionais da
cálcio parecem promissoras no tratamento
SPM, mas deve ser associado a um método
da SPM, sendo recomendadas 1.200 mg de
contraceptivo confiável por risco de viriliza-
cálcio por dia para a redução dos sintomas
ção fetal.
de depressão. Como a ingestão de cálcio
ƒƒ Diuréticos: para as pacientes cuja principal
dentro das doses preconizadas possui ou-
queixa for o edema ou ganho de peso, o uso
tros benefícios (p.ex.: prevenção de osteo-
de diuréticos está indicado. Recomenda-se
porose) ela deve ser recomendada.
a espironolactona (25mg, 4x/dia), durante a
Há também evidências de benefício da vita-
fase lútea, assim como a clortalidona (12,5-
mina B6; doses de até 100 mg/dia proporcio-
25mg /dia) nos dez últimos dias menstruais.
nam alívio dos sintomas depressivos, sendo
ƒƒ Benzodiazepínicos: têm efeito terapêutico
importante assinalar que doses mais altas fo-
inferior ao dos ISRS, seu uso deve ser restri-
ram associadas com neuropatia periférica.
to à fase lútea e a paciente selecionada pelo
ƒƒ Outros suplementos dietéticos com evidência
grande risco de dependência química. Pode
favorável incluem vitamina E e magnésio. O
ser utilizado o alprazolam (0,375-1,5mg/dia)
manganês, o óleo de prímula vespertina (Oe-
durante a fase lútea ou a buspirona (25mg/
nothera biennis), o chasteberry (Vitex agnus-
dia) 12 dias antes da menstruação.
-castus), dong quai (Angélica sinensis), bla-
ck cohosh (Cimicífuga racemosa), wild yam
(Dioscorea villosa), St John’s Wort (Hypericum A opção final para o tratamento de mu-
perforatum) e kava-kava (Piper methirsticum) lheres com sintomas gravíssimos e ausência de
têm sido recomendados para a melhora da resposta a todas as outras modalidades tera-
sintomatoloiga de SPM, porém sem qualquer pêuticas é a ooforectomia, não sendo recomen-
evidência sólida para justificar seu uso. Podem dada na adolescência e devendo ser a última
apresentar efeitos deletérios e possível intera- arma terapêutica.
ção com outras drogas.

Faculdade Christus 171


Capítulo 23

D- Referências Bibliográficas
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em adolescente: um estudo transversal de fa-
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BEREK, J.S. Tratado de ginecologia. Rio de Ja-
neiro: Guanabara Koogan, 2008.

172 Faculdade Christus


Capítulo 23
TELARCA E PUBARCA PRECOCE
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Adriano Saboia de Andrade

A- PROBLEMA O aparecimento de pelos pubianos (pu-


barca) normalmente ocorre alguns meses após
J.P.S., preocupada com o quadro que sua a telarca, mas em algumas meninas os pelos po-
filha vem apresentando, leva-a ao ambulatório dem ser o primeiro sinal de puberdade.
de ginecologia para pedir orientação. Refere
que há 4 meses notou que as mamas de M.P.S.
de 2 anos de idade, “nasceram” e isso não ha- 2. Telarca precoce
via ocorrido com suas outras filhas. Notou tam-
É o desenvolvimento bilateral ou unilateral
bém, na irmã gêmea, aparecimento de pelos
das mamas em meninas com menos de 8 anos
pubianos. Mãe nega ter usado qualquer tipo de
de idade, não associado ao amadurecimento da
medicação, a não ser vitaminas, na gravidez de
papila ou aréola e sem outros sinais de puber-
suas filhas. As duas irmãs, até a presente data
dade. Apresenta-se como um botão mamário de
eram saudáveis. Será que é um problema grave,
2 a 4 cm que teve um crescimento lento após
pergunta a progenitora à doutora?
o décimo mês de vida. É observado mais comu-
mente em meninas com menos de 4 anos de ida-
de, autolimitado e tem caráter benigno. Ocorre
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
provavelmente em decorrência de um aumento
1. Definir telarca e pubarca precoce. transitório de estrogênio ou por uma maior sen-
2. Conhecer os achados clínicos e exames com- sibilidade mamária a níveis baixos de estrógeno.
plementares necessários para o diagnóstico. Alguns autores classificam a telarca em:
3. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial
com puberdade precoce. ƒƒ Telarca isolada: quando ocorre em meninas
4. Conhecer a conduta terapêutica com mais de 6 meses de idade e com menos
de 2 anos de idade.
ƒƒ Telarca prematura: quando ocorre em meni-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA nas com mais de 2 anos de idade e menos de
5 anos de idade.
1. Introdução
ƒƒ Telarca precoce: quando ocorre em meninas
Determinados eventos na puberdade com mais de 5 anos de idade e com menos de
servem de marcos na cronologia das modifica- 8 anos de idade.
ções físicas e são úteis na avaliação da norma-
lidade puberal.
2.1. Incidência
O primeiro sinal visível de puberdade é o
Van Winter et al (1990) mostraram que
surgimento do botão mamário (telarca). Habitu-
a telarca precoce ocorre em 21,2 para cada
almente esse evento surge entre os 8 e 13 anos
100.000 meninas ano, sendo que desses casos,
de idade (média 10,5 anos).
60% ocorre entre os seis meses e dois anos de
idade. Bestaglia, em um estudo realizado no
Capítulo 23

hospital de Ninõs em Caracas/Venezuela, com xas relacionadas a sinais de precocidade sexual


60 meninas entre 6 meses e 7 anos de idade, como: odor axilar, aumento estatural rápido e
que apresentaram crescimento mamário uni ou presença de pelos axilares e/ou pubianos.
bilateral isolado, sem outra característica de de-
É importante estabelecer uma curva de
senvolvimento sexual secundário, sendo excluí-
crescimento incluindo medidas anteriormen-
das as que apresentaram crescimento mamário
te realizadas pelo pediatra, obtendo-se, assim,
ao nascimento, chegou a seguinte conclusão: a
elementos que possibilitem determinar a velo-
maioria das pacientes (53,3%) tinha menos de 2
cidade de crescimento.
anos e era portadora de telarca isolada; 21,7%
tinham entre 2 e 4 anos e foram diagnosticadas Durante o exame físico, o profissional
como apresentando telarca prematura; 25% ti- deve estar atento aos sinais de maturidade
nham entre 5 e 7 anos e foram analisadas como genital, à maturação mamilar e areolar, assim
tendo telarca precoce. O crescimento mamário como as manifestações androgênicas e de dis-
foi bilateral em 80% dos casos. função tireoidiana.
O trofismo vaginal pode ser analisado
através da citologia hormonal (determina-se o
2.2. Quadro clínico
percentual de células profundas, intermediárias
Na telarca precoce, a menina apresenta e superficiais). A presença de células superficiais
brotos mamários uni ou bilaterais com menos indica ação estrogênica e pode ser encontrada
de 5cm de diâmetro e tecido mamário granu- em alguns casos de telarca precoce.
loso à palpação, que pode ser sensível ao tato.
Para corroborar o diagnóstico, deve-se
O crescimento mamário geralmente re- solicitar ecografia pélvica, por meio da qual se
gride dentro de poucos meses ou semanas, mas pode pesquisar a presença de massa ovariana, a
pode permanecer estacionário por anos até o morfologia uterina e principalmente, a presença
início da puberdade verdadeira. Pasquino de- e espessura da linha endometrial. A presença de
monstrou que, na telarca isolada, que ocorre cistos ovarianos com mais de 5cm de diâmetro
antes dos 2 anos de idade, há regressão com- pode estar relacionada com a secreção estro-
pleta; quando isso não ocorre, o aumento da gênica temporária deste órgão, resultante de
mama pode representar o primeiro sinal de pu- estimulação gonadotrófica também temporária.
berdade (telarcas prematura e precoce). Freedman comparou mediante ultrassonogra-
fia pélvica, crianças de 6 a 36 meses, um gru-
Se a glândula mamária não involui até os
po com telarca precoce e outro sem alterações
4 anos de idade, o risco da evolução do quadro
puberais. Em ambos, observou ovários com pe-
para uma puberdade precoce é maior, impondo
quenos cistos, geralmente menores que 9mm,
assim um controle clínico mais rigoroso. No caso
sem diferença no diâmetro, mas com frequen-
de aumento da mama entre 5 e 8 anos de ida-
cia significativamente aumentada de micro-
de, geralmente não ocorre regressão da mesma
cistos naquelas pacientes com telarca precoce
que permanecerá no estágio M2 (Tanner) até o
(56%). Constatou também a alta incidência de
início da puberdade precoce ou normal.
não visualização dos ovários nas crianças nor-
Na telarca precoce, a curva de cresci- mais (principalmente nas menores de 2 anos de
mento fica dentro dos padrões normais, em idade) e sugeriu que este fato poderia também
acordo com a idade cronológica, não haven- significar ausência de formações císticas ovaria-
do desenvolvimento de outros caracteres se- nas importantes.
xuais secundários.
Na telarca, o útero não apresenta mudan-
ças morfológicas, permanecendo suas caracte-
2.3. Diagnóstico clínico e avaliação rísticas infantis (corpo < colo); o diâmetro máxi-
complementar mo não ultrapassa 3,5cm.

Uma anamnese bem feita e minuciosa, Se há uma suspeita de neoplasia mamá-


sempre ajudará no diagnóstico e tratamento. ria, deve-se realizar a ecografia, por meio da
Devem-se afastar as hipóteses de uso de es- qual será analisado o parênquima mamário.
trógenos exógenos (ingestão ou tópico), o uso Fazendo parte da avaliação diagnóstica,
de drogas pela mãe durante a lactação e quei- pode-se ainda ser solicitado:

174 Faculdade Christus


Capítulo 23

Raio-X de punhos e mãos, para avaliação anos em crianças brancas, sem outros sinais de
da idade óssea. Considera-se como critério de estrogenização e/ou virilização. Não há desen-
normalidade um desvio de idade inferior a 10% volvimento mamário, mas pode ocorrer discreta
da idade cronológica. Nos casos de telarca pre- aceleração da velocidade de crescimento, evi-
coce, não se observa avanço na idade óssea. denciada pela estatura e maturação esquelética
avançadas para a idade, não comprometendo
O teste de estímulo com GnRH pode fazer
a estatura final. Geralmente representa um au-
o diagnóstico diferencial entre telarca e puber-
mento precoce e modesto de androgênios su-
dade precoce. Nas portadoras de telarca preco-
pra-renais. Segundo Mansfield, é mais comum
ce, têm-se como resposta valores de FSH mais
em crianças negras, hispânicas e obesas.
altos do que os encontrados nas meninas nor-
mais, enquanto nas portadoras de puberdade O início mais precoce da adrenarca em re-
precoce idiopática os valores de LH são signifi- lação à gonadarca pode sugerir que os andró-
cativamente mais elevados. genos adrenais exerçam um papel importante
na maturação do eixo hipotálamo-hipófise-ova-
riano. Entretanto, vários fatos nos levam a crer
2.4. Tratamento que a adrenarca seja um processo independen-
A telarca precoce é uma alteração mamária te da gonadarca. Já foi observado que, mesmo
sem gravidade, não exigindo qualquer tratamen- nos casos de hipogonadismo, tais como disge-
to. O importante é o exame clínico periódico, com nesia gonadal e deficiência isolada de gonado-
a análise do crescimento das mamas, a ultrasso- trofinas, a pubarca está presente e os níveis de
nografia pélvica, da curva estatural, da citologia SDHEA são normais. Outro fato que reforça a in-
vaginal hormonal e da idade óssea. A avaliação dependência entre esses dois fenômenos é que
deve ser realizada em intervalos de 6 a 18 meses. nos casos de insuficiência adrenal geralmente
não ocorre atraso no início da puberdade. Além
Merece investigação especial e mais cui- disso, a maioria das pacientes com adrenarca
dadosa as pacientes que apresentaram desen- precoce inicia a puberdade e tem sua menar-
volvimento das mamas antes de 2 anos de ida- ca em uma faixa etária normal. Contudo, níveis
de e não ocorreu a regressão. patologicamente elevados de andrógenos adre-
Quando o crescimento das mamas é uni- nais, tais como ocorre nos casos de hiperplasia
lateral, há um grande receio por parte dos fa- adrenal congênita, podem levar ao desenvol-
miliares, de neoplasia. Os responsáveis devem vimento de um quadro de puberdade precoce
ser orientados da benignidade do caso, sobre verdadeira e antecipação da menarca.
a importância do acompanhamento e a contra- Temeck encontrou, entre 19 meninas de
-indicação absoluta de cirurgia. 2 a 7 anos avaliadas com pubarca precoce, de-
ficiência da 21-hidroxilase em 26% dos casos. É
importante que formas não-clássicas de hiper-
3. Pubarca precoce plasia congênita de suprarrenal sejam pesqui-
Após os 6 anos de idade, antes da ati- sadas. Miller observou que adolescentes com
vação do eixo hipotálamo-hipófise-ovário (go- ovários policísticos tinham história de pubarca
nadarca) e do estirão do crescimento, o córtex prematura.
suprarrenal aumenta a sua secreção hormonal, A pubarca precoce, geralmente é idiopá-
fenômeno denominado adrenarca, a qual se tica, mas é frequente em crianças com patolo-
caracteriza pela elevação dos níveis de DHEA, gia do SNC. Pode ser também o 1º sinal de um
SDHEA e androstenediona. Esses andrógenos, tumor das suprarrenais ou dos ovários ou da
principalmente a androstenediona, são precur- forma tardia da hiperplasia adrenal congênita.
sores da testosterona e do estradiol, contribuin-
do assim para o aumento desses hormônios.
O mecanismo exato que promove o início da 3.1. Quadro clínico e diagnóstico
adrenarca ainda é bastante controverso.
O quadro clínico, caracterizado pelas ma-
Define-se como pubarca precoce ou nifestações decorrentes do aumento na produ-
adrenarca precoce, o aparecimento isolado de ção de andrógenos, sugere o diagnóstico. Além
pelos pubianos e/ou de pelos e odor axilares, do desenvolvimento de pelos pubianos, outros
antes de 6 anos de idade em crianças negras e 7 sinais de atividade androgênica podem estar

Faculdade Christus 175


Capítulo 23

presentes, tais como acne, odor axilar e cresci- D- Referências Bibliográficas


mento de pelos axilares. Como a pubarca pode
também ser o 1º sinal de puberdade precoce, a SOERIFFM K.; FRITZ, M.A. Abnormal Puberty
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citologia hormonal e ultrassonografia pélvica e/ BORGES, M F. et al . Premature thelarche: clinical
ou abdominal. Como não há ativação do eixo and laboratorial assessment by immunochemi-
hipotálamo-hipófise-ovários, as respostas das luminescent assay. Arq Bras Endocrinol Me-
gonadotrofinas ao teste de estímulo com GnRH tab,  São Paulo,  v. 52,  n.1, Feb.  2008.
são pré-puberais. Em casos específicos estaria
EYZAGUIRRE, F C et al . Pubarquia precoz: Ex-
indicado teste de estímulo com ACTH, mas os
perience in 173 cases. Rev. Med. Chile, Santia-
resultados devem ser interpretados com muito
go, v.137, n.1, enero  2009.
cuidado. Rheme indica sua realização quando os
níveis de androgenios estiverem elevados e/ou a GARCIA, H.; YOULTON, R.; BURROWS, R.; CA-
androgenização for excessiva e Garcia acrescenta TANNI, A. Consenso sobre el diagnóstico t trata-
para sua indicação, idade óssea adiantada, au- miento de la pubertad precoz central. Rev. Med
mento significativo da velocidade de crescimen- Chile, v.131, n.1, p.95-110, 2003.
to e 17-hidroxiprogesterona superior a 2 ng/ml.
Speroff não indica tratamento, mesmo com ace- LA CRUZ, B.S. Ginecologia Infanto Juvenil. Ca-
leração do crescimento e da idade óssea porque racas: Ateproca, 1997.
acredita que não haveria influência importante
MANSFIELD, J.F. Precocious Puberty. In: EMANS,
sobre a puberdade e a altura final, mas recomen-
S.J.; LAUFER, M.R.; GOLDSTEIN, D.P. Pediatric
da controle, pela maior incidência de anovulação,
and Adolescent Gynecology. Philadelphia:
hirsutismo e hiperinsulinemia nestas pacientes. O
Lippincott-Raven Publishers, 1998, p.141-162.
problema básico parece ser a hiperinsulinemia,
começando na vida fetal (baixo peso ao nasci- MARANHÃO, T.M.O.; ALMEIDA, F.M.L. Telarca
mento), persistindo na infância (resistência insu- Precoce. In: MAGALHÃES, M.L.C.; ANDRADE,
línica e dislipidemia) e piorando na adolescência. H.H.S.M. Ginecologia Infanto-Juvenil. Rio de
Garcia recomenda a pesquisa de resistência insu- Janeiro: Medsi, 1998. Cap.20, p.201-203.
línica (insulina/glicose basais ou após sobrecarga
oral de glicose). Para Speroff, só haveria indica- MILLER, D.P.; EMANS, S.J.; KOHANE, I. A follow-up
ção de tratamento para os casos diagnosticados study of adolescent girls with a history of pre-
como deficiência de 21-hidroxilase através da mature adrenarche. J Adolesc Health, v.18, 1996.
dosagem de 17-hidroxiprogesterona. MORAES, L.A.M.; MOURA, M.D.; FERRIANI, R.A.
Em consequência do exposto acima, Gar- Pubarca precoce. In: MAGALHÃES, M.L.C.; AN-
cia recomenda para pacientes com pubarca DRADE, H.H.S.M. Ginecologia Infanto-Juvenil.
prematura, controle a cada seis meses, mesmo Rio de Janeiro: Medsi, 1998. Cap.22, p.211-216.
depois da menarca, até que terminem seu cres-
PASQUINO, A.M.; TEBALDI, L.; CIOSCHI, L et al.
cimento e desenvolvimento.
Premature thelarque a follow up study of 40
girls, natural history and endocrine findings.
3.2. Tratamento Arch Dis Child, v.60, n.1, p.180-2, 1985.

Nos casos de pubarca precoce idiopática, REHME, M.F.B.; BEREZOWSKI G.; SOUZA, L.P. Pu-
não há necessidade de qualquer tratamento. A barca Precoce: Avaliação Clínica e Diagnóstico.
paciente e a família devem ser esclarecidas quan- Femina, v.28, n.4, p.201-03, 2000.
to à natureza benigna do quadro, que representa
REIS, J.T.L. Puberdade Precoce. In: Magalhães
simplesmente uma variação do normal, ou seja,
MLC; Reis, JTL Ginecologia Infanto-Juvenil
um processo fisiológico que está ocorrendo mais
– Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro:
precocemente. Nunca se deve esquecer a impor-
MedBook. 2007. Cap.17, p.195-209.
tância do acompanhamento periódico.

176 Faculdade Christus


Capítulo 23

SOARES JUNIOR, J.M.; BARACAT, E.C. Puberdade


precoce In: GIORDANO, M.G. Endocrinologia
Ginecológica e Reprodutiva. Rio de janeiro:
Rubio, 2009. Cap. 9, p. 99-106.

TEMECK, J.W.; PANG, S.; NELSON, C. et al. Genetic


defects of steroidogenesis in premature pubarche.
J. Clin Endocrinol Metab. v.64, p.609, 1987.

VAN WINTER, J.T.; NOLLER, K.L.; ZIMMERMAN,


D.; MELTON, L.J. Natural history of premature
thelarca in Olmsted Country, Minnesota. J. Pe-
diatr, v.116-278, 1990.

VERROTI, A.; FERRARI, M.; MORGESE, G.; CHI-


ARELLI, F. Premature thelarche a long-term fol-
low-up. Gynecol Endocrinol, v.10, p.241-7, 1996.

Faculdade Christus 177


Capítulo 24
PUBERDADE PRECOCE
Miguel Nasser Hissa
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Priscila Luna da Silva
Rafaela Benevides Rodrigues

A- PROBLEMA resultando na maturação sexual e permitindo ao


organismo atingir sua forma e capacidade funcio-
A.B.L., 5 anos e 9 meses foi levada pela mãe nal de adulto capaz para a reprodução.
ao consultório de ginecologia por apresentar au-
mento abrupto das glândulas mamárias e dos pelos O desenvolvimento puberal geralmente cos-
pubianos. A responsável refere estar muito preocu- tuma levar 4,5 anos em meninas e tem como o pri-
pada com o que pode estar acontecendo com sua meiro sinal a aceleração do crescimento, embora o
filha. Relata que há mais ou menos 2 meses, a crian- evento que se torna primeiramente perceptível seja
ça se queixou de aumento da sensibilidade mamá- o surgimento do broto mamário, seguidos então
ria; ao examiná-la, notou presença de um pequeno pelo surgimento dos pelos pubianos, pela veloci-
broto mamário, presença de pelos pubianos e dis- dade máxima de crescimento e pela menarca.
creta leucorreia. Nega qualquer outra patologia e Como auxílio para a caracterização da ma-
uso de medicações. Nega casos semelhantes na fa- turação sexual existe o estadiamento de Tanner
mília. Exame físico: Peso: 22,0kg. Altura: 1,15cm. M2 da puberdade que é usado amplamente na atua-
com hiperpigmentação e P2. Exame ginecológico: lidade e é feito, no sexo feminino, pela avaliação
vulva hiperemiada e com características incompatí- das mamas e dos pelos pubianos. (vide Quadro 1).
veis com a idade: clitóris e pequenos lábios ligeira-
Como visto, as alterações relacionadas à pu-
mente aumentados e o último de coloração escura,
berdade ocorrem de uma forma sequencial e ordena-
demonstrando ação estrogênica. Presença de muco
da de modo que quando o surgimento desses carac-
se exteriorizando pelo orifício himenal.
teres ocorre de forma acelerada e antes do período
esperado deve-se pensar em puberdade precoce.
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A puberdade precoce ocorre quando o de-
senvolvimento das características sexuais secundá-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. rias surge antes dos 8 anos no sexo feminino (abaixo
2. Conhecer os achados clínicos e exames ne- da média do início da puberdade definida por Mar-
cessários para se fazer o diagnóstico. shall e Tanner em 10,5 anos). Tem incidência estima-
3. Conhecer a conduta terapêutica. da em 1:5000-10000 casos, com 2000 casos novos
diag nosticados por ano e com a relação entre os
C- ABORDAGEM TEMÁTICA sexos feminino: masculino podendo chegar a 23:1.
Pode ser classificada em: completa, central, verda-
1. Introdução deira ou dependente de GnRH, consequente a uma
reativação prematura do eixo hipotálamo-hiófise-
A puberdade é a fase do desenvolvimento
-gonadal e em pseudopuberdade ou independente
humano que compreende o período de transição
do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH),
entre a infância e a vida adulta, na qual ocorrem di-
consequente à produção hormonal ovariana ou
versas mudanças neurológicas, hormonais e físicas
adrenal ou à exposição aos esteroides sexuais.
Capítulo 24

Quadro 1- Estadiamento de Tanner para o sexo feminino


Mama Pelos pubianos
Ausência de pelos pubianos.
Ausência de tecido mamário palpável Pode haver uma leve penugem semelhante à
observada na parede abdominal
Broto mamário: aumento inicial da glândula mamária, com
Pelos grossos, longos e crespos ao longo dos
elevação da aréola e papila, formando uma pequena saliência.
lábios maiores
Aumenta o diâmetro da aréola, e modifica-se sua textura.
Continuação do crescimento e da elevação de toda a mama.
Pelos grossos e crespos estendendo-se até o
A papila geralmente está no plano médio do tecido mamário
monte pubiano
ou acima deste quando vista de lado.
Projeção da aréola e da papila acima do contorno geral da Pelos com espessura e texturas iguais aos de uma
mama em um monte secundário. mulher adulta, mas a distribuição não é tão ampla.
Mamas com aspecto adulto. O contorno areolar novamente Pelos estendem-se até as coxas (mulheres asiáti-
incorporado ao contorno da mama. cas e índias norte-americanas)

2. Puberdade Precoce Verdadeira (com- 3. Pseudopuberdade (Puberdade Precoce


pleta, central ou dependente de GnRH) independente do hormônio liberador
A precocidade sexual resulta do amadu- das Gonadotrofinas)
recimento precoce do eixo hipotálamo-hipo- A precocidade sexual não resulta da ati-
fisário-gonadal, com liberação de gonadotro- vação do eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal
finas e consequente produção de esteroides nem da ação das gonadotrofinas sobre os ová-
sexuais ovarianos. O quadro clínico pode ou rios. A maturação sexual nesses casos pode ser
não seguir a progressão habitual da puber- devido à produção de esteroides sexuais pelos
dade fisiológica (aceleração do crescimento, ovários ou suprarrenais e mais raramente, por
surgimento do broto mamário, surgimento tumores produtores de esteroides. Portanto,
dos pelos pubianos, velocidade máxima de esse mecanismo independe de GnRH.
crescimento e menarca); a evolução é variável.
As etiologias mais comuns são:
Essas pacientes apresentam um aumen-
ƒƒ Tumor ovariano: presente em 11% das meni-
to no crescimento associado com níveis pu-
nas com puberdade precoce. O tumor é ge-
berais de fator de crescimento insulina símile
ralmente produtor de estrógeno, cístico ou
I. Uma vez que os ossos são muito sensíveis
sólido. Nos casos de cisto folicular ovariano o
mesmo a pequenas quantidades de estróge-
sangramento é irregular e menorrágico.
no; essas crianças são temporariamente altas
ƒƒ Tumores de suprarrenal feminilizante (ra-
para a sua idade, mas por causa do fechamen-
ros) ou tumores que secretam androgênios
to precoce das epífises eventualmente apre-
e glicocorticoides: apresentam aumento de
sentarão baixa estatura.
massa muscular, pubarca ou axilarca pre-
As etiologias mais comuns são: matura, clitoromegalia e aumento de dei-
ƒƒ Idiopática: mais frequente (80% dos casos), é droepiandrosterona (DHEA), de seu sulfato
um diagnóstico de exclusão. (SDHEA) e testosterona, não sendo geral-
ƒƒ Neurogênica: resultado de alterações ou le- mente suprimidos pela administração de
sões do sistema nervoso central (SNC) que dexametasona.
interfiram com os sinais do SNC para o hipo- ƒƒ Síndrome de McCune-Albright (displasia fi-
tálamo, como: trauma craniano, hidrocefalia, brosa pilóstica): caracterizada por múltiplos
paralisia cerebral, tumores cerebrais (glioma, cistos ósseos disseminados, com tendência
astrocitoma, neuroblastoma), malformações a fraturas, manchas café-com-leite de várias
congênitas (hamastoma) e infecções. formas e tamanhos e puberdade precoce.
ƒƒ Secundária à exposição prolongada a esteroi- Sendo que a última é resultado da produção
des sexuais: devido a uma terapia prévia de precoce e autônoma de estrógenos pelos ová-
distúrbios virilizantes resultando em um avan- rios resultando em níveis de FSH e LH baixos,
ço da maturação esquelética. respondendo mal à administração de GnRH.
ƒƒ Iatrogenia: resultante do uso prolongado de

180 Faculdade Christus


Capítulo 24

cremes de estrogênio ou ingestão inadvertida cial com a telarca prematura, situação na qual
de estrogênio oral. a curva mantém o seu ritmo fisiológico por não
ƒƒ Hipotireoidismo primário: causa provavel- haver produção estrogênica importante.
mente o desenvolvimento de cistos ovarianos,
No exame físico, avalia-se peso, altura,
devido à ação dos altos níveis de TSH nos re-
presença de acne ou manchas café-com-leite
ceptores ovarianos de FSH. Os caracteres se-
na pele, odor axilar e pilosidade pubiana e/ou
xuais secundários regridem com a regulariza-
axilar. Palpa-se a tireoide e investigam-se sinais
ção da função tireoidiana.
e hipotireoidismo severo. Nas mamas, avaliam-
-se o desenvolvimento glandular, o diâmetro e
4. Diagnóstico diferencial a coloração da aréola, e se essas mudanças são
uni ou bilaterais. Lembrando que o desenvolvi-
O diagnóstico diferencial é feito com a
mento mamário e a pilosidade pubiana devem
precocidade sexual incompleta que, geralmen-
ser estadiados segundo a classificação de Mar-
te, é composta por quadros não patológicos
shall e Tanner (Quadro 1). Palpa-se o abdome
que são a variação da puberdade normal sem
à procura de massas. Procuram-se, na genitália
a aceleração do crescimento e com os níveis
externa, sinais de ação estrogênica (desenvolvi-
hormonais adequados à idade cronológica. Os
mento de pequenos e grandes lábios, espessa-
principais são:
mento da mucosa vaginal, leucorreia) e de uma
ƒƒ Telarca prematura: desenvolvimento mamário possível ação androgênica (clitorimegalia). A
uni ou bilateral, com botão mamário medindo consulta neurológica específica deve ser reali-
de 2 a 4 cm, sem desenvolvimento areolar ou zada, quando necessária.
de outros sinais puberais, sendo mais comum
O estudo da idade óssea (IO) é muito útil
em menina com idade abaixo de 2 anos.
quando realizado de maneira sequenciada, tan-
ƒƒ Pubarca prematura: aparecimento isolado
to para o diagnóstico como para o controle do
de pelos pubianos e/ou pelos e odor axilares,
tratamento e a presença de avanço importante
antes de 6 anos de idade em crianças negras e
na IO indica que o processo está presente há
7 anos em crianças brancas, sem outros sinais
mais tempo.
de estrogenização e/ou virilização. Não há
desenvolvimento mamário, mas pode ocorrer Deve-se realizar, sempre que possível, a
discreta aceleração da velocidade de cresci- pesquisa da ação estrogênica por meio de um
mento, evidenciada pela estatura e maturação esfregaço de células vaginais, por ser prática e
esquelética avançadas para a idade, não com- objetiva. Coleta-se o material das paredes la-
prometendo a estatura final. terais do terço vaginal distal com cotonete ou
ƒƒ Menarca prematura: sangramento vaginal swab. A proporção entre as células superficiais,
em crianças com duração de um a cinco dias, intermediárias e profundas determinará o grau
em episódio único ou por vários meses, sem de ação estrogênica. Um resultado típico em
outros sinais de ação estrogênica. pacientes com puberdade precoce mostra 35%
de células superficiais, 50% de células interme-
diárias e 15% de células profundas, e valores su-
5. Diagnóstico periores a 40% de células superficiais sugerem
Para o diagnóstico deve-se proceder uma tumor produtor de estrogênio. Contudo, não
anamnese cuidadosa, apresentando dados in- ajuda a diferenciar a origem do estímulo estro-
dispensáveis como: episódios semelhantes em gênico, se central, periférico ou externo.
familiares da paciente, traumas ao nascimento A diferenciação entre a puberdade preco-
ou infecções afetando o SNC (encefalite, menin- ce verdadeira e a pseudopuberdade é feita por
gite...), aceleração do crescimento, dor abdomi- meio de dosagens hormonais, que podem in-
nal ou alterações urinárias ou intestinais, idade cluir pesquisa de níveis séricos de:
na qual os caracteres sexuais se evidenciaram e
a velocidade com que se desenvolveram. ƒƒ LH e FSH: é o exame de escolha para iniciar-se
a avaliação hormonal. Quando dosados du-
A curva de crescimento realizada de ma- rante o dia, não ajudam na diferenciação entre
neira regular e desde a infância, sugere, quando telarca prematura, pseudopuberdade precoce
alterada, aceleração no desenvolvimento ós- e puberdade precoce verdadeira em estágio
seo, sendo, assim, útil no diagnóstico diferen- inicial, porque, no início do processo puberal,

Faculdade Christus 181


Capítulo 24

FSH e LH são liberados em picos noturnos e rino, visualização do endométrio, volume ova-
podem estar baixos. Quando se encontram riano, presença de folículos em crescimento e
em níveis adultos caracterizam a puberdade cistos ovarianos, além de ser útil na pesquisa de
precoce verdadeira, sendo LH um marcador tumores adrenais.
superior ao FSH, que pode estar elevado no
Tomografia computadorizada e ressonân-
período pré-puberal.
cia magnética (RM) ajudam na identificação de
ƒƒ Teste de estímulo pelo GnRH: é o exame mais
lesões do SNC, sendo a última, o método de
importante para confirmar o diagnóstico de
escolha, devendo ser solicitada em todas as pa-
puberdade precoce verdadeira, mostrando
cientes com menos de 6 anos de idade. A RM
uma resposta puberal ao estímulo hipofisário
permite o diagnóstico de pequenos tumores do
pelo GnRH, na dose de 100ug, EV. Espera-se
hipotálamo como os hamartomas.
uma elevação de LH bem mais significativa
do que do FSH, quando comparadas a valores
basais. É a ausência de elevação de LH após 6. Tratamento
estímulo com GnRH que tem valor diagnósti-
co. Cuidado ao avaliar crianças de até 2 anos Os casos de pseudopuberdade precoce
de idade, quando níveis de gonadotrofinas deverão ser tratados de acordo com sua cau-
estão fisiologicamente aumentados, podendo sa de base. Já os casos de puberdade precoce
levar a um diagnóstico equivocado de PPV. verdadeira por tumores deverão ser acompa-
ƒƒ Estradiol: pouco conclusivo, apresenta-se fre- nhados pelo neurocirurgião, e para o hipoti-
quentemente em níveis dentro da normalida- reiodismo primário será utilizada medicação
de (abaixo de 20pg/mL). Se níveis elevados tireoidiana apropriada com retorno ao padrão
sugerem puberdade precoce, níveis normais da idade cronológica. Quando presentes cistos
não a excluem. A presença de tumores é su- ovarianos, pode ser difícil definir se seriam por
gerida por níveis acima de 75pg/mL. estímulo gonadotrofico ou não, e para tanto, o
ƒƒ Androgênios: o sulfato de deidroepiandros- teste pós estímulo com GnRH é útil.
terona funciona como marcador da produção A indicação do tratamento não está vin-
androgênica adrenal, com boa relação com o culada somente à idade do inicio das mudanças
início dos pelos pubianos, mas não possui qual- puberais, mas também a rapidez de sua pro-
quer valor preditivo sobre a maturação gonadal, gressão e a presença de indicadores de perda
não sendo útil na determinação do início pube- estatural um vez que na puberdade precoce
ral. Naquelas pacientes com pubarca precoce e verdadeira, o tratamento deverá acontecer tão
sinais de virilização importante, devem-se tam- logo se faça o diagnóstico, a fim de que uma
bém pesquisar testosterona e 17-hidroxipro- melhor estatura final seja obtida.).
gesterona, pensando-se em surpreender tumor
virilizante ou hiperplasia congênita de suprarre- O acetato de medroxiprogesterona (AMP),
nal forma tardia. Em casos de tumor adrenal, o acetato de ciproterona e o danazol eram utilizados
SDHEA é um excelente marcador. como tratamento de escolha para a puberdade
ƒƒ TSH: para confirmar quadro de hipotireoidis- precoce verdadeira; entretanto, em decorrência de
mo primário grave, em que níveis elevados de seus efeitos adversos e de sua pouca eficiência na
TRH, TSH e prolactina sensibilizam os recep- inibição do crescimento, têm indicações somente
tores gonadais de gonadotrofinas e desenca- em situações especiais, tendo sido substituídos
deiam a puberdade. Ocorre principalmente em pelos análogos do GnRH sendo esta, atualmente,
pacientes com presença de caracteres sexuais considerada melhor opção terapêutica.
secundários, baixa estatura e retardo na IO, Os análogos do GnRH estão sendo uti-
sendo a única situação em que puberdade pre- lizados como medicamento de escolha para o
coce cursa com desaceleração de crescimento. tratamento da puberdade precoce desde 1981.
Esses medicamentos são análogos sintéticos do
Outros métodos por imagem comple- decapeptídeo natural do GnRH e têm como sítio
mentam a avaliação diagnóstica, sendo a ultras- de ação a glândula hipófise levando a uma di-
sonografia a primeira opção para avaliação do minuição do número de receptores para GnRH
abdome e pelve. Estudam-se parâmetros que na mesma. Os análogos do GnRH mais conheci-
podem estar alterados na puberdade precoce, dos são: acetato de leuprolida, goserelina, trip-
como volume uterino, relação corpo/colo ute- torelina e nafarelina, dentre outros.

182 Faculdade Christus


Capítulo 24

Inicialmente existe uma estimulação CUNHA, S.B. et al. Diagnóstico Diferencial da Te-
na síntese e secreção da gonadotrofina po- larca Precoce: ainda um desafio. Revista Médi-
rém quando administrados cronicamente eles ca de Minas Gerais. v.18, n.4, p.229-235, 2008.
atuam suprimindo a produção da gonadotro-
nia com consequente repressão da produção LIMA, A. C. R. F. et al. Avaliação ultrassonográfi-
dos esteroides sexuais. Com isso teremos: a ca da genitália interna de meninas com puber-
regressão ou a estabilização dos caracteres dade precoce central idiopática antes e durante
sexuais secundários, a normalização da velo- o tratamento com análogo de GnRH. Revista
cidade de crescimento e a redução do avanço Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. v.28,
da idade óssea. n.7, p.410-415, 2006.

Os efeitos secundários da longa ação MUL, D.; HUGHES, I.A. The use of GnRH agonists
dos análogos do GnRH são: sangramento va- in precocious puberty. European Journal of
ginal depois das primeiras doses, náuseas e Endrocrinology. v.159, S3-S8, 2008.
sintomas vasomotores decorrentes do hipo-
PRÉTÉ, G. et al. Idiopathic Central precocious
estrogenismo. Reações de hipersensibilidade
puberty in girls: presentation factors. BMC Pe-
podem ser encontradas, nesses casos, o uso
diatrics. v.8, n.27, p.1-8, 2008.
deve ser suspenso e deve ser instituida outra
medicação como a medroxiprogesterona ou o REBAR, R. W. Puberdade. In: BEREK, J.S. Berek &
acetato de ciproterona. Novak: Tratado de Ginecologia. Rio de Janei-
O controle do tratamento deve ser rea- ro: Guanabara Koogan, 2008. p. 735-769
lizado por meio de exames clínicos, avaliações REIS, J.T.L. Puberdade Precoce. In: MAGALHÃES,
hormonais e avaliações de imagem. Vale res- M.L.C.; REIS, J.T.L. Ginecologia Infanto-juvenil
saltar que o tratamento deve ser iniciado pre- - Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro:
cocemente em relação ao início dos sintomas e Medbook, 2007. p.195-209.
ao diagnóstico pois irá proporcionar um maior
ganho na estatura final e consequentemente
ganhos também na altura da idade adulta redu-
zindo assim os danos psicológicos decorrentes
das alterações físicas nessas pacientes.

D- Referências Bibliográficas
ADAMI, F.; VASCONCELOS, F. A. G. Obesidade e
maturação sexual precoce em escolares de Flo-
rianópolis – SC. Revista Brasileira de Endocri-
nologia. v.11, n. 4, p.549-560, 2008.

BENETTI-PINTO, C. L. et al. Fatores determinan-


tes do ganho na altura em meninas com puber-
dade precoce central idiopática tratadas com
análogo de GnRH. Revista Brasileira de Gine-
cologia e Obstetrícia. v.30, n.12, p. 609-613,
2008.

BRÄMSWIG, J.; DUBBERS, A. Disorders of Puber-


tal Development. Deutsches Ärzteblatt Inter-
national, v.106, n.17, p.295-304, 2009.

BRITO, V. N. et al. Update on the Etiology, Di-


agnosis and Therapeutic Management of Sexual
Precocity. Arq. Bras Endocrinol Metab. v.52,
n.1, p.18-31, 2008.

Faculdade Christus 183


Capítulo 25
PUBERDADE TARDIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Aline Moreira do Vale Mota
Natália Fernandes Rebouças

A- PROBLEMA encontram-se o estado nutricional, a saúde ge-


ral, a localização geográfica, a exposição à luz e
A.B.P., 16 anos, sexo feminino, procurou o o estado psicológico.
serviço de ginecologia preocupada porque ainda
não menstruou. Sua mãe relata que, durante a Puberdade tardia corresponde à condição
infância, a paciente procurou o serviço médico clínica em que as manifestações físicas da pu-
para investigação de atraso de crescimento, e berdade aparecem atrasadas, geralmente mais
não foi encontrada nenhuma anormalidade fí- de 2,5 desvios padrão além da média; isso se
sica e o desenvolvimento neuropsicomotor es- deve ao atraso no início da atividade ovariana.
tava compatível com a idade. Refere telarca aos Sua investigação estará indicada nas seguintes
15 anos, pubarca e axilarca aos 16 anos. Exame situações: quando a menarca não tiver ocorrido
físico: peso (42 kg), altura (1,32 cm), IMC (23,74 até a idade de 16 anos ou quando os caracte-
kg/m2), PA (100x60 mmhg), PEG (Potencial Esta- res sexuais secundários não surgirem até os 14
tural Genético): 158,5 cm. Tórax: mamas (M2 pela anos de idade ou quando o peso e altura não
classificação de Tanner), pelos axilares presentes corresponderem de maneira significativa à ida-
e normais para a idade. Abdome/Pelve: acúmulo de cronológica ou ainda quando tiverem decor-
de gordura na região corporal, pelos pubianos rido três anos da telarca, sem o aparecimento
(P4/P5 pela classificação de Tanner). Exame gine- da menarca. Segundo Poli, usando-se esse cri-
cológico: genitália externa sem alterações. tério, aproximadamente 2,5% das adolescentes
saudáveis serão identificadas como tendo retar-
do puberal.
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Segundo Reis, algumas vezes, o bom-sen-
so do profissional pode indicar o início da inves-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas.
tigação diagnóstica, antes que os parâmetros
2. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial.
anteriores sejam atingidos. Para Speroff, crianças
3. Conhecer a conduta terapêutica
que apresentam atraso puberal têm uma estatu-
ra mais baixa e atraso na idade óssea.
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
1. Introdução 1.1. Classificação
Segundo Machado, o principal determi- Tendo como base os níveis gonadotrófi-
nante do início da puberdade é, sem dúvida, cos circulantes, pode-se classificar a puberdade
genético, mas outros fatores parecem influen- tardia em: hipogonadismo hipogonadotrófico,
ciar tanto o início quanto a progressão do de- hipogonadismo hipergonadotrófico e retardo
senvolvimento puberal. Entre estas influências puberal constitucional.
Capítulo 25

1.1.1. Hipogonadismo Hipogonadotrófico de outros hormônios, como TSH, HGH, ACTH,


prolactina ou vasopressina. Entre esses tumo-
Ocorre devido a distúrbios primários do
res, encontramos os germinomas, os gliomas
eixo hipotálamo-hipofisário; é definido como
e os astrocitomas (entidades raras), porém, o
a falta de início do desenvolvimento puberal
mais comum, é o craniofaringioma (pico de
associado à ausência de secreções gonadotró-
incidência entre 6 e 14 anos) que pode estar
ficas. Essa condição pode ser causada por anor-
associado à diabetes melito de origem central
malidades do hipotálamo ou da hipófise, em-
e a baixa estatura por deficiência de hormônio
bora seja mais provável a primeira. Geralmente,
do crescimento. Esses tumores embora sejam
envolve deficiência de hormônio liberador de
benignos, em decorrência do seu caráter ex-
gonadotrofina (GnRH) ou insuficiência, mais do
pansivo e de sua localização estratégica, pode
que deficiência primária de gonadotrofinas. Fre-
levar à manifestações neuroftalmológicas,
quentemente, é difícil distinguir-se puberdade
como cefaleia, diminuição da acuidade visual
retardada e retardo de crescimento constitucio-
e distúrbios da campimetria.
nal do hipogonadismo hipogonadotrófico, es-
ƒƒ Doenças adquiridas do Sistema Nervoso Cen-
pecialmente no início da adolescência e, além
tral: patologias como tuberculose, sarcoidose,
disso, se o hipogonadismo hipogonadotrófico
lesões inflamatórias pós-infecções e defeitos
for parcial.
congênitos podem levar à diminuição da se-
A etiologia mais comum do hipogonadis- creção de gonadotrofina e ao hipogonadismo
mo hipogonadotrófico é a idiopática, mas pode hipogonadotrófico. Defeitos congênitos do
resultar de lesões supra-selares e, também, de SNC como a displasia óptica e outros defeitos
anormalidades genéticas. da linha média também podem estar associa-
As alterações clínicas variam de acordo dos à disfunção hipotalâmica e à consequente
com o grau e a época do início do déficit go- diminuição das gonadotrofinas.
nadotrófico. Se este é parcial, a paciente poderá
apresentar algum desenvolvimento mamário e Deficiência isolada de gonadotrofinas
amenorreia primária, e se for mínimo, somen- Exemplificada pela síndrome de Kallmann
te uma amenorreia secundária. Segundo Reis, devido à aplasia ou hipoplasia dos bulbos olfa-
se houver um quadro de pan-hipopituitarismo, tórios (região de origem embrionária das células
outras alterações generalizadas poderão estar produtoras de GnRH). De transmissão genética,
associadas. Uso de drogas ilícitas, especialmen- é uma doença ligada ao cromossomo X, carac-
te Cannabis sativa deve ser considerado. Cor- terizada por um déficit funcional na produção
respondem a 31% dos casos de retardo puberal. de GnRH hipotalâmico, pode manifestar-se com
Causas mais frequentes: anosmia ou hiposmia e déficit de gonadotrofi-
nas e impuberismo geralmente completo. Po-
ƒƒ Distúrbios do SNC. de-se também se manifestar de várias outras
ƒƒ Tumores. formas, com relevância clínica, como discinesia
ƒƒ Doenças adquiridas. e movimentos anormais do olho, ictiose, rim
ƒƒ Malformações congênitas. único (30%) e surdez sensorial neural unilateral.
ƒƒ Deficiência isolada de gonadotrofinas.
ƒƒ Pan-hipopituitarismo.
ƒƒ Síndrome de Prader-Willi. Doenças genéticas
ƒƒ Síndrome de Laurende-Moon Biedl. Principalmente as síndromes de:
ƒƒ Doenças crônicas.
ƒƒ Laurence-Moon-Biedl (obesidade, polidacti-
ƒƒ Perda intensa de peso.
lia e retinopatia pigmentar). Em 50% dos ca-
ƒƒ Anorexia nervosa.
sos está associada à deleção ou translocação
ƒƒ Atividade física extenuante.
do cromossomo 15.
ƒƒ Hipotireoidismo.
ƒƒ Prader-Labhart-Willi (hipotonia congênita,
obesidade severa e debilidade mental). É uma
Distúrbios do Sistema Nervoso Central doença autossômica recessiva.
ƒƒ Tumores: qualquer processo expansivo atin- ƒƒ Outras causas de hipogonadismo hipogona-
gindo a região hipotalâmica-hipofisária com dotrófico, segundo Poli, englobam mutações
diminuição na produção de gonadotrofinas, em genes que são críticos no desenvolvimen-
associada ou não a alterações na produção

186 Faculdade Christus


Capítulo 25

to hipotálamo-hipofisário, incluindo a hipo- anorexia, amenorreia e osteoporose. Tradicio-


plasia congênita da suprarrenal com reversão nalmente o aumento da atividade física provo-
do sexo dosagem dependente (DSS-AHC), ca uma elevação do ACTH, da testosterona, da
região crítica no cromossomo X (DAX1), fator prolactina, do GH e das endorfinas, ao mesmo
esteroidogênico 1 (SF-1) e vários fatores de tempo em que diminuem o LH e FSH, os es-
transcrição da hipófise, como HESX-1, LHX3 e teroides ovarianos e o TSH. Sua interferência é
PROP-1. É claro, também, que o protormônio mais comum em esportes que valorizam baixa
conertase 1 (PC1) é importante no processa- estatura e baixo teor de gordura corporal, como
mento do GnRH, pois mutações nessa enzima por exemplo, em bailarinas, ginastas e corredo-
também levam ao hipogonadismo hipogona- ras. Nas primeiras, é frequente o atraso da telar-
dotrófico. O recente achado de que mutações ca e menarca com adrenarca na idade correta.
no GPR54 (proteína G acoplada ao receptor) Embora a baixa estatura de origem familiar e o
causam hipogonadismo hipogonadotrófico, tipo físico influenciem, o treinamento esportivo
identificada na importante rota de regulação e uma alimentação inadequada interferem na
da secreção de GnRH. velocidade de crescimento. Frisch demonstrou
que aquelas atletas que iniciam seu treinamen-
Doenças crônicas e desnutrição to antes da menarca apresentam um retardo da
A puberdade tardia pode ocorrer em de- mesma e alta incidência de amenorreia, quando
corrência de doenças crônicas e de desnutrição. comparadas àquelas que iniciaram seu treina-
A importância da nutrição na modulação da ati- mento depois da menarca concluindo que cada
vidade do eixo HHO é evidenciada pelo hipo- ano de treinamento antes da menarca corres-
gonadismo hipogonadotrófico que resulta dos ponde a cinco meses de atraso em seu apare-
defeitos na leptina ou no receptor da leptina, o cimento. Machado concorda que ocorre um
que, associado a outros dados, tem propiciado retardo da menarca de dois a três anos, rela-
a especulação de que a leptina é o gatilho do cionado à intensidade da atividade física, e em
início da puberdade. Mas, segundo Poli, a visão outros aspectos da maturação sexual mediados
mais ampla é a de que a leptina exerce função pelo ovário.
permissiva na regulação do surto pubertário.
ƒƒ Anorexia nervosa: quadro que envolve percep-
Hipotireoidismo
ção alterada da imagem corporal, obsessão
Além do retardo do desenvolvimento pu-
pela dieta, atitude de negação, constipação,
beral, pode interferir na maturação óssea e no
dores abdominais, bradicardia, hipotensão, in-
crescimento.
tolerância ao frio, hipercarotenemia e diabetes
insípido em adolescentes com dificuldade em
lidar com sua sexualidade e tipicamente com- 1.1.2. Hipogonadismo Hipergonadotrófico
pulsivas, introvertidas e má adaptação social.
Evitam a alimentação e geralmente induzem É caracterizado pela ausência de cres-
à regurgitação após a ingestão. A perda de cimento puberal, associado a baixos níveis de
peso pode ser tão severa que poderá causar esteroides sexuais e a altas concentrações de
situações fatais, com disfunção imunológica, gonadotrofinas; ocorre uma falência gonadal
desequilíbrio hidroeletrolítico e choque. primária. As genitálias externa e interna femi-
ƒƒ Doenças crônicas e desnutrição: perda de peso ninas são normais e de aspecto infantil, mas
para menos de 80% do peso ideal, voluntaria- os caracteres sexuais secundários podem estar
mente ou não, pode levar à diminuição na pro- ausentes ou incompletos, e é frequente alguma
dução de gonadotrofinas, que retornarão aos pilosidade pubiana em decorrência da ação dos
níveis normais com a normalização do peso. androgenios da suprarrenal. Correspondem a
43% dos casos de retardo puberal.

Atividade física excessiva As causas mais frequentes são:


Segundo Reis, exercícios físicos são extre- Disgenesia Gonadal
mamente saudáveis quando realizados dentro É a causa mais comum de hipogonadismo
de limites do bom senso, passando a ser pre- hipergonadotrófico, sendo que, frequentemente,
judicial quando executados de forma muito a procura por assistência médica na adolescên-
intensa e precoce, podendo estar associados à cia ocorre devido ao retardo puberal e à ausência

Faculdade Christus 187


Capítulo 25

de fluxo menstrual. Entre as alterações disgené- Pode ocorrer disgenesia gonadal associada
ticas possíveis, a mais frequente é a síndrome de a cariótipo XY. Algumas dessas pacientes têm mu-
Turner (disgenesia gônado-somática), descrita tação no gene SRY. As pacientes com disgenesia
inicialmente em 1938, e que ocorre em 1 a cada gonadal com cromossomo Y ou com fragmento
2500 nascidos vivas do sexo feminino. Segun- do cromossomo Y no seu cariótipo, apresentam
do Reis, em 57% dos casos o cariótipo é 45,X; risco mais alto de desenvolvimento de câncer
em 17,2% dos casos há uma deleção completa gonadal em comparação às pacientes sem essas
do braço curto do cromossomo X, resultando anomalias. Por isso, é imperiosa a remoção das
em isocromossomia para o braço longo do X – gônadas dessas pacientes em idade precoce.
46,Xi(Xq); em 9,89% dos casos há deleção parcial
Na disgenesia gonadal mista há uma gô-
do braço curto do X – 46,X(Xp-); e nos 15,91%
nada em fita de um lado e um testículo imaturo
restantes encontramos mosaicismo (46,XX / 45,X
contralateral, avaliação cromossômica revelan-
em um ¼ destas pacientes). O desenvolvimento
do vários tipos de mosaico (mais comum 45,X
embrionário ovariano se encontra normal até 10
/ 46,XY), genitália habitualmente ambígua e
a 12 semanas de vida intrauterina, quando então
eventual virilização na puberdade.
se inicia um processo acelerado de atresia folicu-
lar, levando à falência ovariana e à consequente
formação do “ovário em fita”, que será formado Radioterapia e a quimioterapia
por tecido fibroso denso igual ao ovário normal e O tratamento de doenças oncológicas,
ausência de células germinativas (nas formas cro- em crianças, pode determinar retardo puberal
mossômicas puras), porém com algumas células e distúrbios da função endócrina. Segundo Poli,
germinativas nas formas de Turner em mosaico. danos causados tanto ao eixo hipotálamo-hi-
Não há produção de estrogênio pelo ovário e nem pofisário quanto às gônadas podem determinar
feedback negativo sobre o hipotálamo, levando falha puberal. As anormalidades do desenvol-
a altos níveis de gonadotrofinas. Caracteriza-se vimento puberal estão correlacionadas com a
pela tríade clínica: baixa estatura (em média 1,42 idade da paciente, com a dose de irradiação
a 146,5 cm), atraso no desenvolvimento puberal e ministrada, com os diferentes regimes terapêu-
alterações somáticas diversas como implantação ticos e com o fracionamento da irradiação.
baixa de cabelos e orelhas, pescoço alado, linfe-
dema de palmas e plantas ao nascimento, tórax A radioterapia e a quimioterapia têm sua
em armadura, hipertelorismo mamário, cubitus ação sobre o ovário durante o tratamento de di-
valgo, quarto metacarpiano curto, malformações versas patologias, especialmente leucemias, lin-
do trato urinário e do aparelho cardiovascular. fomas e tumores de ovário. Silva et al lembram
Ainda pela falta de estrogênio, não há desenvol- a toxicidade gonadal de agentes alquilantes (ci-
vimento dos caracteres sexuais secundários, mas clofosfamida, clorambucil, metotrexato) e que,
a pubarca acontece normalmente. Cardoso lem- em transplantes de medula óssea, a falência
bra que pacientes 45,X podem ter seu diagnós- ovariana é praticamente certa pelas altas doses
tico feito ao nascimento ou início da infância, as de quimioterápicos utilizados. Para Machado,
demais podem revelar aparência quase normal e é provável que o número de oócitos presentes
apresentar-se apenas com menstruação ausente. por ocasião da terapia determine se a função
Nos casos em que o cariótipo é de mosaico, há ovariana será mais ou menos afetada. Quanto
alguma produção estrogênica que levará a um mais jovem a paciente, menos intensos são os
desenvolvimento mamário variável e, em algu- efeitos deletérios sobre o ovário, uma vez que
mas situações, à menstruação. sua ação se faz mais intensa em células que es-
tão em processo de multiplicação, situação esta
Quando as alterações se restringem so- pouco observada no “ovário em repouso” da
mente à presença de gônada rudimentar (a infância. Adolescentes podem apresentar ame-
maioria é 46,XX), sem estigmas somáticos como norreia e níveis altos de gonadotrofinas durante
os descritos acima, vê-se diante dos casos de a quimioterapia, situação esta reversível meses
disgenesia gonadal pura: genitália externa femi- ou anos após a sua finalização. Em estudo com-
nina, genitália interna mulleriana, pelos pubia- parando pacientes de 12 a 19 anos submetidas
nos e axilares escassos, amenorreia primária e à quimioterapia em período pré-puberal com
infantilismo sexual. Pode estar associada à sur- adolescentes normais, Silva et al observaram
dez sensorial (síndrome de Perrault). desenvolvimento puberal adequado nas primei-

188 Faculdade Christus


Capítulo 25

ras, mas consideraram que há algum prejuízo na daquelas que apresentam distúrbios que con-
função gonadal dessas pacientes, principalmen- duzirão ao infantilismo sexual e necessitarão
te no que se refere à reserva ovariana, como de tratamento.
falência ovariana prematura. O ovário pode ser
protegido antes da terapêutica oncológica pelo
uso prévio de inibidores de GnRH (“congela- 2. Diagnóstico
mento” do ovário) e/ou transposição cirúrgica 2.1. Anamnese
dos ovários, retirando-os do campo de irradia-
ção. Um incômodo importante pós-irradiação Alguns pontos chamam a atenção, como
pélvica é o ressecamento vaginal. o ritmo de crescimento durante a infância e a
adolescência. As pacientes com retardo simples
apresentam um crescimento nos limites inferio-
Ooforite autoimune res da normalidade durante toda a infância; man-
Está mais associada à infertilidade e à têm uma velocidade de crescimento normal para
amenorreia secundária do que à falha do desen- a idade óssea e a maturação óssea é inferior a
volvimento puberal, mas deve ser sempre pes- 2DP da média. Em geral, há uma história no que
quisada no hipogonadismo hipergonadotrófico concerne ao padrão de crescimento e puberdade
com cariótipo normal. Frequentemente acompa- nos pais ou irmãos. Por outro lado, aquelas com
nha outras alterações autoimunes como suprar- hipogonadismo hipogonadotrófico geralmente
renais, tireoidianas, diabetes, anemia perniciosa e têm crescimento normal durante a infância, mas
vitiligo. Pode se apresentar de forma transitória, não apresentam o estirão puberal. Portanto, nes-
com recuperação espontânea ou estimulada por se caso, o retardo estatural é um acontecimento
meio de tratamento medicamentoso. recente. É fundamental conhecer-se a curva de
crescimento e o peso da paciente, a época de
aparecimento e a evolução dos caracteres se-
1.1.3. Retardo puberal constitucional xuais secundários, o uso de medicamentos, a
Na maioria dos casos, a puberdade re- existência de alguma patologia crônica, hábitos
tardada não é decorrente de alguma patologia, alimentares, a intensidade na prática de esportes
mas, em vez disso, representa final extremo de e atividades físicas, assim como, histórico pube-
uma puberdade normal (ou também chamada ral famíliar. É importante sempre se lembrar dos
por retardo simples da puberdade ou ainda, re- fatores socioeconômicos e psicossociais; o cres-
tardo puberal constitucional). Nesses casos, há cimento em qualquer época durante a infância
um atraso global, atingindo com a mesma in- e seguramente durante a puberdade pode ser
tensidade altura, idade óssea e puberdade, cor- marcadamente prejudicado por fatores dessa
respondendo a cerca de 10 a 30% dos casos de natureza, algumas vezes mascarando as influên-
puberdade tardia. Mais comumente, apresenta- cias genéticas. Geralmente, para sua obtenção,
-se como um retardo do crescimento, mas pode deve-se recorrer ao auxílio de uma assistente so-
interferir no desenvolvimento dos caracteres se- cial e/ou psicoterapeuta.
xuais secundários ou somente retardar a menar-
ca. Para Reis, essa alteração geralmente se deve
2.2. Exame físico
a fatores genéticos, com história familiar mater-
na semelhante ou associada a doenças crônicas, É básica a avaliação de peso e altura, pro-
como cardiopatias, enteropatias e desnutrição. porções corpóreas, caracteres sexuais secun-
As dosagens de gonadotrofinas e estradiol se en- dários, segundo a classificação de Marshall e
contram dentro da faixa normal para a infância, Tanner. A curva de crescimento realizada de ma-
e o teste de estímulo pelo GnRH apresenta re- neira regular desde a infância pode sugerir um
sultados bem variáveis e compatíveis tanto com retardo no desenvolvimento quando se apre-
padrão impúbere como com resposta puberal; senta a algum tempo em seus limites inferiores.
esses casos devem ser investigados segundo os Speroff recomenda a pesquisa de sinais clínicos
parâmetros estipulados no início deste capítulo, de doenças crônicas, hipotireoidismo (presença
para a confirmação do diagnóstico. de dentes de leite persistentes) e hipopituitaris-
mo (ausência de pilosidade pubiana), disgene-
Para Machado, é de suma importância
sia gonadal (baixa estatura e infantilismo sexu-
identificar aquelas pacientes que desenvolve-
al), avaliação neurológica (restrição do campo
rão uma puberdade espontânea, porém tardia,

Faculdade Christus 189


Capítulo 25

visual, alterações do olfato), defeitos anatômi- roff acredita que o uso de agonistas de GnRH
cos (descompasso entre desenvolvimento pu- como acetato de leuprolida e acetato de nafa-
beral e amenorreia primária). Durante o exame relina seria uma opção no diagnóstico diferen-
físico, deve-se ainda ser avaliada a presença cial entre hipogonadismo hipogonadotrófico e
de fissura palatina que pode estar presente na retardo simples da puberdade, na expectativa
síndrome de Kallmann. Lembrar também que a de encontrar quando do último quadro clínico,
associação de obesidade, baixa estatura e retar- elevação dos níveis de gonadotrofinas.
do mental é frequentemente encontrada na sín-
drome de Prader-Willi. A polidactilia e a retinite
pigmentosa são observadas em pacientes com 2.3.2. Cariótipo
a síndrome de Laurence-Moon-Biedl. Define o diagnóstico das disgenesias go-
nádicas e deve ser sempre realizado quando os
níveis de gonadotrofinas estão altos.
2.3. Exames Laboratoriais
2.3.1. Dosagens hormonais
2.3.3. Idade Óssea
Em princípio, o diagnóstico etiológico é
definido a partir das dosagens de gonadotro- Deve ser estimada segundo critérios de
finas. Quando se encontram em níveis baixos, Greulich e Pyle, RUS ou Tanner-Whitehouse
indicam uma causa central, hipotalâmica ou (TW-20). Uma diferença superior ou igual a
hipofisária, e se estão elevadas, apontam para dois desvios-padrões entre a idade óssea e a
uma causa ovariana. Quando estão em níveis cronológica indica estímulo estrogênico insu-
normais, deve-se suspeitar de anomalias na ficiente. Na prática, esta diferença é traduzida
fusão dos ductos de Muller ou pseudo-herma- como sendo de três a seis meses em pacientes
froditismo masculino forma completa com in- de até 1 ano de idade, de doze a dezoito me-
sensibilidade periférica total aos androgênios ses, em pacientes com idade entre 1 e 3 anos, e
(a puberdade instala-se na época esperada, de 2 anos, em pacientes com idade superior a 3
mas não há menarca). Reindolar em sua série anos. A idade óssea juntamente com as dosa-
com 326 pacientes encontrou 31% de casos de gens de FSH/LH nas pacientes com puberdade
hipogonadismo hipogonadotrófico, 43% de tardia ajudam o profissional no diagnóstico di-
casos de hipogonadismo hipergonadotrófico ferencial. Paciente com níveis baixos de gona-
e 26% de casos sem alteração no eixo hipo- dotrofinas e IO>13 anos muito provavelmente
tálamo-hipófise-ovário. Porém, estas dosagens são portadoras de uma patologia subjacente.
devem ser avaliadas com cuidado, porque a Por sua vez, meninas com níveis baixos de LH/
liberação das gonadotrofinas acontece de for- FSH, porém com IO em torno de 10 a 11 anos,
ma pulsátil, podendo, assim, induzir um erro provavelmente são crianças que irão desenvol-
de interpretação quando da realização de uma ver maturação sexual normal.
única dosagem. Além do mais, existem várias
situações intermediárias nas quais os níveis de
gonadotrofinas não estão tão definidos quan- 2.4. Outros métodos de imagem
to nos exemplos anteriores. Contudo, quando A ultrassonografia orienta quanto às
se encontram definitivamente aumentadas, malformações, como agenesia uterina e ano-
ajudam a definir o diagnóstico como disgene- malias Mullerianas, às massas anexiais e na
sia gonadal. A resposta ao estímulo por GnRH avaliação da genitália interna de pacientes nas
é muito variável e depende da capacidade de quais não é possível a realização do toque va-
produzir gonadotrofinas e da exposição prévia ginal. Tomografia computadorizada (preferível
ao GnRH endógeno. No retardo simples e no para pesquisa de massas adrenais e abdomi-
hipogonadismo hipogonadotrófico em 50% nais) e ressonância magnética (preferível para
dos casos, a resposta ao estímulo pelo GnRH é pesquisa de alterações hipotalâmicas e outras
do tipo impúbere. A hiperprolactinemia pode intracranianas) ajudam na identificação de le-
estar associada a hipotireoidismo primário. sões do SNC e a densitometria óssea, na iden-
Dosagens séricas de GH, IGF-1 e IGFBP-3, in- tificação e no controle de pacientes com perda
clusive com teste pós-estímulo, podem dife- óssea significativa.
renciar puberdade tardia e déficit de GH. Spe-

190 Faculdade Christus


Capítulo 25

2.4.1. Citologia hormonal vaginal Nos outros casos nos quais a deficiência
na produção estrogênica é irreversível, Spero-
Ajuda na determinação do grau de ação
ff, Molina e Zacharin concordam em fazer-se a
estrogênica, uma vez que a mucosa vaginal pré-
reposição objetivando desenvolver e manter os
-puberal é muito sensível ao seu estímulo. Útil
caracteres sexuais secundários, promover o es-
para confirmar os casos em que há uma discreta
tirão puberal aproveitando ao máximo o poten-
produção hormonal e no acompanhamento do
cial de crescimento, sem menosprezar o ganho
tratamento, pela proporção entre as células su-
de massa óssea adequado. Como boa parte da
perficiais, intermediárias e profundas (índice de
formação óssea acontece até o final da adoles-
Frost). Quanto maior a percentagem de células
cência (seu pico é por volta da menarca), o efei-
superficiais, maior o estímulo estrogênico.
to da reposição hormonal sobre sua estrutura-
ção é de fundamental importância. Dois terços
2.4.2. Laparoscopia destas pacientes têm redução significativa da
densidade mineral óssea, estando mais sujeitas
Em casos de disgenesia gonadal, quan- a fraturas espontâneas. Zacharin lembra que in-
do se deseja realizar biópsia da gônada em terações hormonais complexas, tratamentos à
fita e/ou gonadectomia. base de corticoesteroides e regimes quimiote-
rápicos contribuem para reduzir a massa óssea.
Molina e Zacharin ainda realçam a necessidade
3. Tratamento de manter um desenvolvimento adequado da
Segundo Reis, o tratamento, inicialmente, pele, musculatura e função dos órgãos sexuais,
visa a uma adequação social e emocional da pa- crescimento uterino normal e proliferação en-
ciente, além de reposição hormonal simulando dometrial (fertilidade futura), bom perfil lipídico
o processo fisiológico. prevenindo enfermidades cardiovasculares fu-
turas. Os riscos de sua utilização são similares
Para tanto, pode ser necessário um supor-
aos da paciente adulta, dependendo do estró-
te psicoterápico apropriado, uma vez que estas
geno utilizado, sua dose e via de administração.
adolescentes podem apresentar um sentimento
Zacharin acredita que para adolescentes com
de inferioridade em relação à feminilização e
risco de trombose ou coagulopatia, hiperten-
contato diminuído com adolescentes da mesma
são arterial ou alteração nas enzimas hepáticas
idade, mostrarem-se tensas, irritadiças ou de-
(alguns casos de síndrome de Turner), não se-
primidas, com rendimento escolar insuficiente,
riam recomendados os anticoncepcionais hor-
além de uma maior dependência e superprote-
monais orais, mas seria viável o uso de repo-
ção paternos com evidente imaturidade social.
sição hormonal por via transdérmica associado
Naquelas situações de hipogonadismo a progestágeno oral cíclico. Estrogenioterapia
hipogonadotrófico devido a tumores do SNC, transdérmica em lugar da via oral também es-
anorexia e desnutrição, atividade física excessiva taria indicada para pacientes com galactosemia.
ou hipotireoidismo, a causa básica que impede a Porém, não recomenda reposição por nenhuma
atividade hipotalâmica-hipofisária deve ser abor- via para aquelas pacientes com falha hepática
dada e solucionada. Para o craniofaringioma, está transitória ou permanente.
indicada combinação de cirurgia e radioterapia.
O momento de seu início depende da
Em pacientes com hipogonadismo hipergonado-
idade na qual o diagnóstico foi estabelecido,
trófico e presença de cromossomo Y, a gônada
mas a verificação da densidade mineral óssea
deve ser retirada tão logo seja feito o diagnósti-
(pela densitometria) e a observação do nível
co, como profilaxia contra o risco de sua malig-
de desenvolvimento dos caracteres sexuais se-
nizacão (poderá ocorrer em 20 a 30% dos casos,
cundários determinarão o esquema e as doses
na segunda ou terceira década de vida). Cardoso
hormonais mais adequadas. Ainda não há um
recomenda avaliar a possibilidade de gonadecto-
consenso sobre a melhor época de iniciar-se
mia em pacientes com disgenesia gonadal quan-
a reposição hormonal em pacientes anoréxi-
do houver calcificações na gônada disgenética,
cas e atletas. Cardoso salienta a prudência de
aumento de volume ou sinais de produção an-
aguardar a época da puberdade fisiológica para
drogênica, independentemente da forma clínica.
iniciar-se o tratamento em pacientes com dis-
O tratamento das alterações anatômicas do trato
genesia gonadal. Speroff lembra que a utiliza-
genital é específico para cada caso.
ção parenteral de GnRH pulsátil teria respaldo

Faculdade Christus 191


Capítulo 25

fisiológico, mas seu custo financeiro alto e uso tamento, com recomendação de Kalantaridou
incômodo e difícil, inviabilizam a prescrição. para que seja o acetato de medroxiprogestero-
na, 5 a 10 mg/dia ou conforme Zacharin que
A reposição hormonal deve ser realizada
indica o acetato de norestisterona, 5 mg/dia, de
em doses que não excedam às necessárias para
doze a catorze dias ao mês. Molina sugere o uso
permitir o desenvolvimento físico, simulando o
de progesterona micronizada na dose de 100
processo fisiológico, sendo, portanto, dividida
mcg/dia, associada em forma cíclica por sete
em três momentos. Pode ser necessária desde
dias durante o mês, ou catorze dias, três a qua-
seu momento inicial (quando não há nenhum
tro vezes ao ano, se não houver sangramentos
estímulo estrogênico) ou só no último, depen-
intercorrentes. Qualquer uma destas doses de
dendo das necessidades individuais da pacien-
estrogênio é capaz de promover menstruações,
te. Molina indica começar-se entre as idades
mas a dose de 1,25 mg/dia pode ser utilizada,
de 12 a 15 anos e idade óssea de 12 anos, re-
durante algum tempo, em adolescentes nas
tardando o início da medicação para favorecer
quais é necessário aumento real da massa ós-
um maior crescimento pelo GH. Não se devem
sea, e não simplesmente manter-se a densidade
esperar grandes mudanças físicas durante o
óssea. O uso desta dose elevada tem como van-
primeiro ano de tratamento, sendo a resposta
tagem, também estimular uma atividade folicu-
clínica acompanhada pelos critérios de Tanner,
lar espontânea, caso esta seja possível, permi-
idade óssea e crescimento uterino.
tindo inclusive gravidez em algumas situações.
Para induzir o desenvolvimento mamário,
Para manutenção do desenvolvimento
a reposição hormonal, pode ser utilizada duran-
físico obtido: pode-se manter a medicação an-
te um período de até doze meses, dependendo
terior ou optar pelo uso da pílula anticoncep-
do grau de desenvolvimento mamário já exis-
cional de 20 a 35 mcg de etinil estradiol. Esta
tente. A duração desta fase pode ser encurtada,
escolha apresenta como vantagem, além da
mas, o que se deseja são mamas que atinjam
praticidade do uso, a semelhança em atitude
o estágio clínico dois ou três, segundo a clas-
com outras adolescentes da mesma idade e sua
sificação de Tanner. Seriam utilizadas doses de
ação anticoncepcional para aquelas pacientes
estrogênios conjugados equinos, 0,3 mg/dia,
que não querem engravidar (quando isto for
via oral, ou estradiol transdérmico, 25 mcg/24
possível). A adequação das doses utilizadas de
hs, ou 17 beta estradiol, 0,6 mg/dia, em forma
estrogênio dependerá da observação de efeitos
de gel. Neste período não é aconselhável o uso
colaterais, do controle de densidade óssea e do
de pílulas anticoncepcionais uma vez que, pelo
perfil lipídico, sendo mantida assim até a épo-
processo fisiológico espontâneo, ainda não
ca em que ocorreria a menopausa fisiológica. O
haveria a produção de progesterona. Segun-
uso de anticoncepcionais hormonais justifica-se
do Zacharin, etinilestradiol é reconhecidamen-
especialmente em pacientes que se submete-
te melhor que os estrogênios conjugados em
ram à quimioterapia (ex: ciclofosfamida) ou irra-
promover melhor definição corporal e da forma
diação craniana, situações em que pode ocorrer
dos seios, além de melhor viabilidade biológi-
uma recuperação da função gonadal até anos
ca que o estradiol micronizado, mas promove
após o tratamento inicial. O uso de estrogênio
maior produção de renina e de seus efeitos ad-
sistêmico ou local não resolve eventual resseca-
versos como hipertensão (10 mcg etinilestradiol
mento vaginal decorrente de irradiação pélvica,
~ 1 mg valerato de estradiol).
condição que só melhora com gel lubrificante.
Para promover menstruações regulares Nestas mesmas pacientes, o estímulo hormonal
e mineralização óssea adequada: aumenta-se promovendo renovação cíclica do endométrio é
inicialmente a dose do estrogênio e posterior- uma prevenção em relação à sinéquias uterinas,
mente associa-se progestágeno (em adolescen- que podem ser suspeitadas se houver recorrên-
tes com útero intacto). Em intervalos semestrais, cia da amenorréia.
a dose é aumentada para 0,625 até 1,25 mg/
Nas pacientes com síndrome de Turner,
dia de estrogênios conjugados equinos, ou 50
caracteristicamente com baixa estatura, ainda
a 100 mcg/24 hs, de estradiol transdérmico, ou
persiste a dúvida sobre a idade em que se deve
1,2 a 1,5 mg/dia de 17 beta estradiol, em forma
iniciar a reposição estrogênica, uma vez que
de gel. Como a progesterona não é necessária
esta levará ao fechamento das epífises ósseas.
para induzir a puberdade, justifica-se sua asso-
Por outro lado, parece aceitável, que nelas seja
ciação a partir do final do segundo ano de tra-

192 Faculdade Christus


Capítulo 25

utilizado o hormônio do crescimento (GH) antes EMMANS, S.J. Delayed Puberty and Menstrual
do início do uso do estrogênio, com o objetivo Irregularities. In: EMANS, S.J.; LAUFER, M.R.;
de acelerar a velocidade de crescimento e uma GOLDSTEIN, D.P. Pediatric and Adolescent Gy-
questionável melhora na altura final. Porém, necology. Philadelphia: Lippincott-Raven Pub-
permanece discutível a utilização de doses bai- lishers, 1998, p.163-262.
xas de estrogênio para acelerar o crescimento
ósseo, a partir do final da infância. Ferràndez HISSA, M.N. Puberdade Atrasada. In: MAGA-
sugere o GH sintético, na dose de 1,0 U/kg/se- LHÃES, M.L.C.; ANDRADE, H.H.S.M. Ginecologia
mana, tão logo a estatura caia abaixo da curva Infanto-Juvenil. Rio de Janeiro: Medsi, 1998, p.
normal de crescimento e mostrou que sua as- 225-31.
sociação com oxandrolona, na dose de 0,1 mg/ JOB, J.C. Anomalies pubertaires. In: MAUVAIS-
kg/dia, levou a ganho estatural superior ao da JARVIS, P.; SITRUK-WARE, R.; LABRIE, F. Médi-
associação GH e etinilestradiol. cine de la reproduction. Paris: Flammarion
Em adolescentes sob suspeita de um re- Médicine-Sciences, 1982, p. 227-59.
tardo simples da puberdade, medidas intem-
KALANTARIDOU, S.N.; DAVIS, S.R.; NELSON,
pestivas devem ser evitadas. Podem ser utiliza-
L.M. Premature Ovarian Failure. In: ______. Endo-
das doses de estrogênios conjugados 0,3 mg/
crinology and Metabolism Clinics of North
dia, por três a seis meses, na esperança de que
America 1998.
o processo puberal prossiga espontaneamente
a partir deste momento. MARTINS, M.; VIANA, L.C.; GEBER, S. Puberdade
É importante lembrar a necessidade da Tardia. In: VIANA, L.C.; GEBER, S.; MARTINS, M.
ingestão adequada de cálcio, por volta de 1200 Ginecologia. Rio de Janeiro: Medsi, 1998, p.
a 1500 mg/dia uma vez que do total do cálcio 481-87.
corporal, 97% estão contidos no esqueleto e MASHALL, W.A.; TANNER , J.M. Variations in pat-
essa proporção aumenta durante o estirão pu- tern of pubertal changes in girls. Arch Dis Child,
beral. Se a dieta for inadequada, pode ser ne- 1969, p.44-291.
cessária sua reposição por um período de de-
zoito meses a três anos, salientando-se que este MOLINA, R; WENSIOE, K.R. Revisión de terapia
procedimento não substitui a reposição hormo- hormonal de reemplazo em la adolescente. Rev.
nal. Para se obter uma densidade óssea apro- Soc Chil Obst Ginec Inf Adoles. v.12, n.2, p.71-
priada, exercícios físicos regulares são também 7, 2005.
recomendados. Vale salientar que adolescentes
POLI, M.E.H. Puberdade Tardia. In: GIORDANO,
de maior estatura necessitam de 20% a mais de
G.M. Endocrinologia Ginecológica. Rio de Ja-
aporte de cálcio do que as mais baixas para per-
neiro: Rubio. 2009. Cap.10, p.107-115.
feita mineralização do seu esqueleto.
REINDOLAR, R.H. THO, S.P.T. McDONOUGH, P.G.
Delayed puberty: an updated study of 326 pa-
D- Referências Bibliográficas tients. Trans Am Gynecol Obstet Soc, 1989,
p.8:146.
SPEROFF, F.M.A. Abnormal Puberty and Growth
Problems. In: ______. Clinical Gynecologic En- REIS, J.T.L Puberdade Tardia. In: MAGALHÃES,
docrinology and Infertility, Philadelphia: Lip- M.L.C.; REIS, J.T.L. Ginecologia Infanto Juvenil
pincott Williams & Wilkins, 2005, p.361-99. Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro: Me-
dBook, Rio de Janeiro, 2007. Cap. 18, p. 211-221.
MACHADO, L.V. Puberdade Precoce e Tardia. In:
______. Endocrinologia Ginecológica. Rio de ZACHARIN, M. Use of androgens and oestrogen
Janeiro: MedBook, 2006, p.273-84. in adolescents – A Review of Hormone Replace-
ment Treatment. J Pediatr Endocrinol Metab-
CARDOSO, A.A.; PIAZZA, M.J. Disgenesias Gona-
ol. v.13, n.1, p.3-11, 2000.
dais – Revisão de Literatura. Femina. v.28, n.4,
p.193-99, 2000.

EISENTEIN, E.; COELHO, S.C. Nutrindo a saúde


dos adolescentes: considerações práticas. Ado-
lescência & Saúde, v.1, n.1, p.18-26, 2004.

Faculdade Christus 193


Capítulo 26
SÍNDROME DOS OVÁRIOS
POLIMICROCÍSTICOS
(Síndrome da Anovulação Crônica
Hiperandrogênica)
Francisco das Chagas Medeiros
Idália Luzia Fortaleza Chaves Pedrosa
Valcler Antônio Cabral Rodrigues

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


M.S., 23 anos, estudante, procurou médi- 1. Introdução
co com queixa de acne e de crescimento de pe-
A síndrome dos ovários policísticos (SOP)
los na face e no abdômen desde a adolescência.
é uma das desordens endócrino-metabólicas
Vem ganhando peso e apresentando irregulari-
mais comuns da idade reprodutiva. Pode estar
dade menstrual desde que interrompeu o uso
associada à obesidade e/ou a resistência insulí-
do anticoncepcional oral (ACO) há seis meses,
nica, diabetes mellitus tipo 1, tipo 2 ou diabetes
por desejo de gestação. Usava ACO desde os
gestacional, adrenarca prematura, parentesco de
15 anos para controle do ciclo e contracepção.
1º grau com pacientes que apresentam SOP, do-
Nega atividade física e relata ter uma tia com
enças cardiovasculares e drogas antiepiléticas.
cistos ovarianos e história semelhante à sua. O
Embora ovários morfologicamente policísticos
exame físico mostrou um IMC (Índice de Massa
possam ser encontrados em aproximadamente
Corpórea) de 29 kg/m2 e PA 100/70 mmHg. A
20% da  população feminina assintomática, eles
paciente trouxe alguns exames complementa-
não são diagnóstico de SOP. Essa síndrome está
res: triglicerídeos 130 mg/dl, HDL 45 mg/dl, LDL
presente em 75% das mulheres que apresentam
80 mg/dl, glicemia de jejum 70 mg/dl. Trouxe,
ciclos anovulatórios, podendo causar infertili-
também, uma ultrassonografia transvaginal re-
dade. Ocorre em 90% das mulheres com oligo-
cente que detectou a presença de ovários gran-
menorreia, está presente em 90% das mulheres
des e císticos.
com hirsutismo e está relacionada há mais de
80% das mulheres com acne persistente. 
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM É uma síndrome de etiologia pouco conheci-
1. Reconhecer os critérios diagnósticos da Sín- da, mas que apresenta hipóteses sobre a sua fisiopa-
drome dos Ovários Policísticos. tologia que auxiliam no seu diagnóstico e tratamento.
2. Compreender a fisiopatologia da Síndrome
dos Ovários Policísticos.
3. Descrever as principais manifestações clínicas. 2. Diagnóstico
4. Justificar o tratamento da Síndrome dos A SOP é diagnosticada clinicamente segun-
Ovários Policísticos. do os critérios de Rotterdam, além da exclusão de
outras causas de hiperandrogenismo (Quadro 1).
Capítulo 26

Quadro 1- Critérios revisados de 2003 As disfunções menstruais são observa-


Dois de dos seguintes: das em quase dois terços das adolescentes com
1. Oligo-ovulação e/ou anovulação SOP. Entre elas a oligoovulação e a anovulação
2. Sinais clínicos e/ou bioquímicos de hiperandrogenismo. que podem se manifestar como amenorreia se-
3. Ovários policísticos e exclusão de outras patologias. cundária (ausência de menstruação por 3 meses
O diagnóstico diferencial de ciclos mens- ou por um período equivalente a 3 ciclos mens-
truais irregulares e hiperandrogenismo são: hi- truais) ou como menos de nove menstruações
perprolactinemia, síndrome de Cushing, acro- por ano (oligomenorreia) e podem ser causas
megalia e hiperplasia adrenal congênita. de infertilidade, bem como de sangramento
uterino disfuncional. Em uma mulher sintomá-
A hiperprolactinemia causa anovulação, tica típica, a menarca ocorre em tempo normal
distúrbios menstruais e galactorreia. O aumen- ou em atraso, os ciclos iniciais são irregulares
to dos níveis de prolactina é fundamental para e a mulher mais tarde pode apresentar períodos
o seu diagnóstico. de amenorreia associados a ganho de peso. O
Na hiperplasia adrenal congênita de for- uso de contraceptivos orais camufla a anorma-
ma não clássica as manifestações clínicas são: lidade pelo fato da menstruação irregular ser
hirsutismo, acne e irregularidades menstruais. substituída pela regularidade menstrual. Após
Dessa forma, os níveis de 17-hidroxiprogeste- cessar o uso dos contraceptivos orais, o resulta-
rona elevados e o teste de estímulo com ACTH do é a oligomenorreia ou amenorreia, levando à
são essenciais para realizar o diagnóstico dife- consulta médica, muitas vezes por causa de um
rencial com SOP. desejo de engravidar. A prolactina sérica pode
estar moderadamente elevada e o estradiol sé-
A síndrome de Cushing pode se apresen-
rico será dentro da normalidade. A progestero-
tar com hirsutismo e posterior masculinização,
na deve ser dosada no meio da fase lútea (pós-
acne e irregularidades menstruais. Os sinais que
-ovulação) e seus valores devem ser maiores ou
devem chamar atenção para o seu diagnóstico
iguais a 10ng/ml. A resistência à insulina parece
são: fraqueza muscular proximal, atrofia cutâ-
ser a chave na etiologia do desenvolvimento da
nea, estrias violáceas e acúmulo de gordura nas
SOP e é observada em grande número de mu-
fossas supra claviculares e na região cervical
lheres, embora a gravidade varie entre obesas
posterior. Essa síndrome pode estar associada a
e não obesas com SOP. A acantose nigricans
diabetes mellitus e hipertensão.
(Figura 1) é uma dermatose caracterizada por
No início, a acromegalia pode se manifestar lesões escuras, papilomatosas e queratósicas
com hirsutismo. Pode estar associada com acne, de localização predominante na região cervical
aumento dos triglicérides, aumento do coleste- posterior, axilar e inguinal. É uma manifestação
rol total, hipertensão arterial e diabetes mellitus. cutânea da resistência insulínica.
Entretanto, seus sinais clássicos são: aumento do
nariz, lábios, mãos, pés e região frontal. A acro-
megalia pode ser confirmada quando o nível de
hormônio do crescimento está aumentado.
As principais manifestações para o diagnós-
tico clínico da SOP incluem os sintomas de irregu-
laridade menstrual juntamente com os de hiperan-
drogenismo, infertilidade e a obesidade (Quadro 2).
Quadro 2- Incidências de achados clínicos
Achados clínicos Incidência
Hirsutismo 65-75%
Distúrbios menstruais 60-85%
Acne 30%
Obesidade 50-60% Figura 1- Acantose nigricans em região cervical.
Alopécia androgenética 10-40%
Infertilidade 75%
Ciclos regulares 20-30% A obesidade androide (depósito de gor-
Acantose nigricans 3-5% dura na parede abdominal e vísceras mesen-
Apneia do sono 17% téricas) causa aumento da aromatização peri-

196 Faculdade Christus


Capítulo 26

férica de andrógenos e estrógenos, e redução lesões são geralmente dolorosas, e a sua evolu-
dos níveis de globulina ligadora de hormônios ção frequentemente resulta em cicatrizes.
sexuais (SHBG), resultando em um aumento de
Exames laboratoriais são realizados para
testosterona livre e estradiol. Por ser mais ati-
a verificação da elevação androgênica, dos ní-
va metabolicamente, causa aumento nas con-
veis de insulina e dos distúrbios ovulatórios,
centrações de ácidos graxos livres que levam a
como também objetivam a exclusão de outras
uma hiperglicemia. No consultório, a obesidade
causas do hiperandrogenismo e de irregulari-
muitas vezes é avaliada pelo IMC, entretanto, as
dades menstruais, como desordens tireoidia-
medidas da circunferência do quadril e da cin-
nas, prolactinoma e insuficiência ovariana. 
tura são mais úteis para avaliar a presença de
gordura do tipo androide, uma relação cintura/ A glicemia de jejum deve ser solicitada
quadril maior que 0,85 faz o diagnóstico. para pesquisa de diabetes e resistência à insulina.
A dosagem de colesterol total, LDL, triglicérides e
A avaliação clínica deve incluir história
HDL servem para auxiliar no diagnóstico de sín-
menstrual e informações sobre o início e dura-
drome metabólica e controle da obesidade.
ção dos sintomas de hiperandrogenismo. Ou-
tras importantes informações na história do pa-
ciente incluem a história pessoal ou familiar de
hiperplasia congênita da adrenal de início tar-
dio, que pode explicar o hiperandrogenismo e
doenças metabólicas.
O exame físico deve incluir uma avaliação
da pressão arterial, do índice de massa corpo-
ral (IMC) e medida da circunferência abdomi-
nal e do quadril, para que uma possível síndro-
me metabólica seja diagnosticada. A síndrome
metabólica, presente em cerca de 50-70% das
mulheres com SOP, tendo como condições ine-
rentes a obesidade, a resistência insulínica e o
elevado risco de doenças cardiovasculares. Os
parâmetros utilizados para sua caracterização
se constituem em circunferência abdominal
maior ou igual a 80cm ou relação cintura/qua-
dril maior que 0,85, e mais 2 dos quatro seguin-
tes: triglicerídeos maior ou igual a 150 mg/dl,
HDL maior que 50 mg/dl, PA maior ou igual a
130/85 mmHg e glicemia de jejum maior que
100 mg/dl. A pele também deve ser examinada 
na suspeita de resistência à insulina (podendo
se manifestar sobre a forma de acantose nigri- Figura 2- Hirsutismo.
cans) e para o hiperandrogenismo (hirsutismo,
acne, e padrão masculino de alopecia). O hir- A dosagem de testosterona total e de
sutismo (Figura 2) é definido como a presença SHBG são necessárias para o cálculo de tes-
de pelos sexuais no padrão masculino (região tosterona livre no sangue, que pode estar au-
terminal do cabelo, na face, superfície anterior mentada ou normal na SOP. A testosterona livre
do tórax, superfície anterior do abdome, super- calculada é o marcador mais útil e sensível de
fície posterior do dorso) sendo frequentemente hiperandrogenemia em mulheres, e pode ser
lento e progressivo, podendo os adolescentes usada para diagnóstico e seguimento conjunta-
não desenvolver sintomas significativos. Estima- mente com a avaliação clínica.
-se que aproximadamente um terço dos pacien- A ultrassonografia (Figura 3) é o exame
tes com SOP têm acne e que a maioria das mu- de imagem mais útil para o diagnóstico de SOP.
lheres com acne grave apresentam SOP. A acne A tomografia computadorizada e a ressonância
se desenvolve normalmente na face, e menos magnética são utilizadas para a exclusão de outras
frequentemente na região dorsal e peitoral. As patologias, como por exemplo, o tumor adrenal.

Faculdade Christus 197


Capítulo 26

nuição dos níveis de insulina pode aumentar os


eventos ovulatórios, potencialmente restauran-
do a ciclicidade da menstruação e a fertilidade.
Em conjunto, estes dados apoiam essa interven-
ção nessa população de alto risco.

3. Fisiopatologia
Vários mecanismos envolvidos na fisio-
patologia da SOP são conhecidos, mas não se
sabe o quanto cada um deles contribui para a
gravidade dessa síndrome.
Na SOP, a produção de gonadotrofinas
pode estar alterada. O hipotálamo, através da
Figura 3- Ultrassonografia. liberação pulsátil de hormônio liberador de go-
nadotrofinas (GnRH), estimula o aumento da
produção de hormônio luteinizante (LH) e hor-
Uma ultrassonografia pélvica e transvagi- mônio folículo estimulante (FSH). Quanto mais
nal pode ser útil na definição da morfologia ova- rápida for a secreção de GnRH, maior será a pro-
riana para o critério de Rotterdam e é de especial dução de LH e quanto mais lenta for a liberação
importância quando associada a níveis elevados de GnRH, maior a síntese de FSH (Figura 4).
de testosterona livre ou com hirsutismo ou vi-
rilização rapidamente progressivos. A ultrasso- Nas mulheres, os andrógenos são sinteti-
nografia transvaginal deve ser solicitada para a zados pelos ovários, fígado, adrenais, músculo,
detecção de ovários policísticos e ser realizada pele e tecido adiposo. Nos ovários, a ação do
entre a fase pré-menstrual e o terceiro dia do LH nas células da teca, corpo lúteo e estroma,
ciclo. Os achados de SOP incluem: mais de 12 e a ação do FSH nas células granulosas, con-
cistos foliculares com diâmetro entre 2 e 9 mm trolam a produção de estrógenos, a partir dos
no córtex ovariano, aumento da densidade no andrógenos. Na SOP, a secreção de GnRH está
estroma e volume ovariano maior que 10 cm3. desregulada, de modo que há um aumento na
relação de LH/FSH que muda de 2/1 para 3/1.
Após a detecção das morbidades associa- O aumento do LH eleva a secreção de andró-
das com a SOP, intervenções no estilo de vida genos ovarianos (androstenodiona e testoste-
como a dieta e exercícios físicos, devem ser rea- rona) causando desregulação em todo o eixo
lizadas de acordo com a apresentação clínica de hipotálamo-hipófise-ovários. Além disso, o au-
cada paciente. Vários estudos mostram que a re- mento da testosterona causa sintomas de hipe-
dução do peso corporal por meio da dieta e de randrogenismo e o aumento de androstenodio-
exercícios melhoram a sensibilidade à insulina e na causa um aumento no nível de estrona que
às taxas de ovulação. Em outras populações, a contribui para o desenvolvimento de câncer de
perda de peso em 5 a 7% diminui a conversão endométrio. A diminuição da secreção de FSH
de tolerância à glicose a diabetes tipo 2 em 58% impede a completa maturação do folículo le-
ao longo de um período de 3 anos. Além disso, vando à anovulação crônica. Além disso, há re-
numerosos estudos demonstraram que a dimi- dução da síntese de estrógenos.

198 Faculdade Christus


Capítulo 26

Figura 4- Fisiopatologia da síndrome dos ovários policísticos.

Outro mecanismo que contribui para o hi- aumentando os níveis de testosterona livre, que
perandrogenismo é o aumento da produção de causa hirsutismo, acne e alopecia, e o de estra-
andrógenos pelas adrenais, presente em 25% diol livre, que contribui como fator de risco para
das mulheres com SOP. Esse aumento ocorre câncer de endométrio. Finalmente, a insulina
devido a fatores genéticos ou em resposta à impede a ovulação, seja diretamente afetando o
elevada secreção de andrógenos ovarianos. desenvolvimento folicular, ou indiretamente au-
mentando os níveis intraovarianos de andróge-
A resistência à insulina é outro importan-
nos ou alterando a secreção de gonadotrofinas.
te elemento dessa síndrome. Mulheres obesas,
com SOP têm uma sobrecarga da resistência à
insulina relacionada com a sua adiposidade.
4. Tratamento
A resistência à insulina parece ser a res-
4.1. Contraceptivos orais
ponsável pela associação entre essa síndrome e
o diabetes tipo 2. Também, pode estar associada Os contraceptivos orais (CO) são utiliza-
com fatores de risco cardiovascular, como disli- dos para a prevenção de câncer de endomé-
pidemia e hipertensão. A resistência à insulina trio, reduzindo a incidência dessas doenças
associada com a hiperinsulinemia compensató- em 50% depois de dois anos de tratamento.
ria também são fatores importantes na fisiopa- Também são utilizados para regularização dos
tologia, estando relacionados com o excesso de ciclos menstruais e para tratar os sintomas de
andrógenos e anovulação. A insulina estimula a hiperandrogenismo por meio da diminuição
produção de andrógenos pelos ovários por meio da produção de andrógenos ovarianos e pelo
da ativação de receptores IGF-1 (fator de cresci- aumento da produção hepática do hormônio
mento insulina-símile-1), e as mulheres com SOP sexual vinculado à globulina, reduzindo a fra-
parecem ter uma hipersensibilidade a esse estí- ção plasmática de testosterona livre para ocu-
mulo, mesmo quando os tecidos muscular e adi- par o receptor de andrógenos.
poso manifestam resistência a insulina. Além dis- Pode ser realizada a combinação de ace-
so, a hiperinsulinemia inibe a produção hepática tato de ciproterona (2mg) mais etinil estradiol
de SHBG, enzima ligada a 80% da testosterona,

Faculdade Christus 199


Capítulo 26

(35 µg) por 21 dias ou drospirenona (3mg) diidrotestosterona no receptor de andrógenos,


mais etinil estradiol (30µg) por 28 dias. O efei- diminui a secreção de andrógenos ovarianos
to antiandrogênico é devido à redução do LH por inibir a liberação de gonadotrofinas e re-
e, consequentemente, da produção ovariana duz a concentração da 5α-redutase da pele. A
de andrógenos pelo componente estrogêni- melhora do hirsutismo ocorre após intervalo de
co. Os estrógenos também aumentam a sín- três a seis meses de tratamento.
tese de SHBG, reduzindo, assim, testosterona
A finasterida é um inibidor da 5α-  re-
livre. O resultado é melhor na acne (50%) e
dutase. É administrada, no hirsutismo, na
menor no hirsutismo, necessitando de mais
dose de 5mg/dia, e a melhora ocorre após
tempo de administração.
três meses.
Um estudo recente tentou determinar
A flutamida é um potente antiandrógeno
em mulheres com SOP o tempo que leva para
não esteroide efetivo no tratamento do hirsutis-
androgênios e SHBG retornarem aos níveis de
mo, administrada preferivelmente em dose bai-
pré-tratamento, após interrupção da terapêuti-
xa de 125 mg, duas vezes ao dia, por 6 a 12 me-
ca com um CO contendo drospirenona (3mg)
ses. Havendo a possibilidade de gravidez, deve
e etinil estradiol (30 µg). Observaram que a
ser associada com um contraceptivo trifásico.
descontinuação do CO foi seguida do regresso
Os efeitos colaterais mais comuns são asteatose
da testosterona total e do sulfato de dehidroe-
e aumento do apetite.
piandrosterona (DHEAS) aos níveis basais em 4
semanas. Por outro lado, os níveis de testoste-
rona livre e SHBG retornaram aos valores basais 4.3. Agentes Hipoglicemiantes
apenas 8 semanas após a descontinuação do
CO. Essas observações são pertinentes quando A metformina diminui a gliconeogê-
se mensuram andrógenos e SHBG em pacientes nese hepática e eleva a sensibilidade à insuli-
suspeitos de terem a SOP que, na verdade, es- na no tecido muscular e adiposo, reduzindo a
tão tomando CO. concentração da insulina e de glicose sérica e,
consequentemente, diminuindo a produção de
Os efeitos adversos dos anticoncepcio- andrógenos pelas células da teca. Também, di-
nais na resistência insulínica, tolerância à gli- minui a concentração de colesterol total, LDH
cose, reatividade vascular e coagulabilidade e triglicérides, aumenta a concentração de HDL
devem ser considerados, em especial após a e é a única droga capaz de prevenir os eventos
disponibilidade das drogas que diminuem a macrovasculares do diabetes tipo 2.
concentração de insulina.
A administração é realizada na dose de
500mg 3x/dia ou 850mg 3x/dia. A metformi-
4.2. Terapia antiandrogênica na, mesmo em altas doses, não causa hipogli-
cemia porque não aumenta a produção de in-
Espironolactona é um antagonista da al-
sulina pelo pâncreas. Os efeitos colaterais são
dosterona e trata efetivamente o hirsutismo,
as reações gastrointestinais (30% dos casos, na
na qual é frequentemente utilizada em com-
maioria dos casos, transitórios) como diarreia,
binação com contraceptivos orais pelo fato do
náuseas, vômitos, flatulência e anorexia, dimi-
efeito aditivo da supressão androgênica (con-
nuição dos níveis de vitamina B12 (6 a 9%) e
traceptivos orais) e bloqueio androgênico (Es-
gosto metálico (3%). As contraindicações são:
pironolactona). Administrada inicialmente na
doença renal, acidose metabólica, hepatopatia,
dose de 25mg 2x/dia e, se bem tolerada, au-
história pregressa de acidose láctica, insuficiên-
mentada para 50mg 2x/dia; caso não haja be-
cia cardíaca congestiva, doença pulmonar hipó-
nefícios após três meses, doses altas podem
xica crônica, uso abusivo de bebidas alcoólicas e
ser consideradas. Efeitos adversos mais comuns
hipersensibilidade à metformina. Ainda não há
são irregularidades menstruais e dolorimento
estudos que comprovem a segurança do uso de
mamário. A espironolactona também contribui
metformina durante a gravidez.
para melhorar a acne.
Em alguns estudos, a metformina dimi-
O acetato de ciproterona (25mg a 50mg
nuiu a conversão de tolerância à glicose no dia-
nos primeiros 10 dias do ciclo) é uma proges-
betes tipo 2. Assim, a metformina pode ser útil
terona potente, com ação antiandrógena mo-
nas mulheres com SOP e hiperglicemia.
derada. Inibe a ligação da testosterona e da

200 Faculdade Christus


Capítulo 26

As tiazolidinedionas (TZDs) aumentam a primeiro indutor da ovulação a ser utilizado


sensibilidade à insulina por meio da ativação e ainda está sendo indicado como fármaco
de múltiplos genes, incluindo o aumento dos de primeira linha no tratamento da infertili-
transportadores de glicose (GLUT-4), e estimu- dade na SOP. A ovulação é restabelecida em
lam o estoque de ácidos graxos livres no te- aproximadamente 80% dos pacientes. A dose
cido adiposo, poupando o fígado, o músculo inicial é de 50 mg diariamente por 5 dias, co-
esquelético e, provavelmente, as células β das meçando no 3º ou 5º dia do ciclo menstrual,
ilhotas pancreáticas da lipotoxicidade. Além e se a ovulação não ocorrer no primeiro ciclo
disso, aumentam os níveis de adiponectina do tratamento, a dose é aumentada para 100
e HDL-colesterol, exercendo ação anti-infla- mg e, subsequentemente, para um máximo de
matória (diminuição dos níveis de IL-6), anti- 150 mg. Os efeitos colaterais são raros, de-
-fibrinolítica (diminuição dos níveis de PAI-1) e pendente da dose, e raramente interfere com
vasodilatadora (diminuição dos níveis de ET-1). a terapia, nos quais incluem fogachos, visão
Na parede vascular, diminuem a produção das turva e a inibição do crescimento do endo-
moléculas de adesão, proteínas quimiotáxicas métrio mediada pelo estrogênio. O risco mais
dos neutrófilos e metaloproteinase matricial 9, significativo com o CC é a gravidez múltipla,
além de aumentar o efluxo do colesterol. Tal que ocorre em até 6% das gestações.
como acontece com metformina, as TZDs são
A metformina é comumente utilizada
relatadas a afetar síntese esteroidal ovaria-
para tratar a ovulação, quer isoladamente ou
na diretamente, embora a maioria das evidên-
em combinação com o citrato de clomifeno.
cias indique que a redução da insulina é res-
Pelo fato de aumentar a ovulação em algumas
ponsável pela diminuição das concentrações
mulheres, pode também aumentar a frequên-
circulantes de andrógenos.
cia de desprendimento do endométrio e pode
A administração de rosiglitazona (4 mg/ ajudar no controle do ciclo.
dia) ou de pioglitazona (30 mg/dia) a mulhe-
Um estudo recente, com 626 mulheres
res obesas e não obesas com SOP levou à me-
inférteis com SOP, mostrou uma taxa de 7,2%
lhora da resistência à insulina, diminuição da
de nascidos vivos no grupo das mulheres que
produção androgênica ovariana, independente
receberam metformina comparado a 22,5%
da alteração dos níveis de LH, restauração da
naquelas que usaram citrato de clomifeno,
ovulação espontânea e diminuição dos níveis
relatando a superioridade do clomifeno pe-
circulantes de SDHEA. Estudos avaliaram os
rante a metformina; entretanto observaram
efeitos da pioglitazona (45 mg/dia, durante 6
uma taxa de 26,8% naquelas que receberam a
meses) em pacientes com SOP normo e hipe-
terapia combinada de metformina com citrato
rinsulinêmicas e relataram melhora significan-
de clomifeno.
te do hirsutismo e restauração da ciclicidade
menstrual nos dois grupos de pacientes, suge-
rindo que a hiperinsulinemia não constitui um
D- Referências Bibliográficas
determinante da resposta clínica às TZDs.
As TZDs não devem ser usadas em pa- BARBER, T. M.; MCCARTHY, M. I.; WASS, J. A. H.;
cientes com hepatopatia. As enzimas hepáticas FRANKS, S. Obesity and polycystic ovary syn-
dos pacientes em uso desses medicamentos drome. Clinical Endocrinology, v.65, p.137-
devem ser monitoradas regularmente. Tam- 145, abri, 2006.
bém não é recomendado o uso em pacientes COSTELLO, M. F.; SHRESTHA, B.; EDEN, J.; JOHN-
com insuficiência cardíaca das classes 3 e 4 da SON, N. P.; SJOBLOM, P. Metformin versus oral
New York Heart Association. As TZDs causam contraceptive pill in polycystic ovary syndrome:
aumento de peso, anemia, edema e expansão a Cochrane review. Human Reproduction, p.1-
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O citrato de clomifeno (CC), um esti-
mulador indireto da secreção de FSH, foi o

Faculdade Christus 201


Capítulo 26

HOMBURG, R. Polycystic ovary syndrome. Best


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160, 2007.

202 Faculdade Christus


Capítulo 27
SÍNDROMES HIPERANDROGÊNICAS
Miguel Nasser Hissa
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Ádila Mitzi Oliveira Costa
Camylla Felipe Silva

A- PROBLEMA é suprido por quantidades anormalmente ele-


vadas de substâncias androgênicas.
Paciente do sexo feminino, 30 anos, cor
branca, solteira, procurou assistência médica com O hiperandrogenismo representa um
queixa de que há 1 ano não menstrua e vem apre- conjunto de distúrbios endócrinos comuns em
sentando um aumento de pelos por todo o corpo. mulheres em idade reprodutiva e adolescen-
Nega perda de peso e uso de medicamentos. Sua tes, afetando cerca de 7% desta população. O
história ginecológica não apresenta intercorrên- excesso de andrógenos resulta no desenvolvi-
cias: menarca aos 15 anos, ciclos menstruais re- mento de sinais clínicos androgênicos, em in-
gulares até há 1 ano; vida sexual ativa desde os 18 tensidades muito variáveis.
anos; G1 P0 A1. Exame físico: atrofia das mamas e O marcador mais sensível de produção
presença de pelos grossos e pigmentados na face em excesso de androgênio é o hirsutismo, se-
(região do mento e supralabial), intermamário, guido pela acne, a pele oleosa, o aumento da
parte interna das coxas e região suprapúbica. Ob- libido e a virilização (caracterizado por clito-
serva-se também acne e oleosidade excessiva na romegalia, aprofundamento da voz, calvície,
face. Não apresenta estrias abdominais nem gibo- aumento da massa muscular e hábitos corpo-
sidade. IMC de 23,5. PA 120/80 mmHg. O abdo- rais masculinos).
me à palpação era indolor e sem visceromegalias.
A causa mais comum de hiperandro-
Ausência de descarga papilar em exame mamário.
genismo é a síndrome dos ovários policísti-
Ao exame da genitália externa, observou-se apa-
cos (SOP), responsável por mais ou menos 70
rente clitoromegalia. Exame de ultrassonografia
a 80% dos casos. Cerca de 25% das pacientes
pélvico releva útero normal e tumoração em ová-
que procuram assistência médica por queixas
rio esquerdo de 6 cm.
hiperandrogênicas representam casos de hipe-
randrogenismo idiopático (andrógenos séricos
normais), geralmente de intensidade leve a mo-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM derada, que determinam repercussões estéticas
1. Identificar as hipóteses diagnósticas ou psicológicas, sem causar danos metabólicos
2. Conhecer os achados clínicos e exames ne- aos pacientes. Outras causas incluem a hiper-
cessários para se fazer o diagnóstico. plasia adrenal e os tumores ovarianos e adre-
3. Conhecer a conduta terapêutica nais secretores de andrógenos. A anovulação,
acompanhada ou não de alterações menstruais,
C- ABORDAGEM TEMÁTICA poderá estar presente.
Os androgênios podem ser produzidos
1. Introdução pelo ovário, glândula adrenal ou por conver-
Síndromes hiperandrogênicas são condi- são periférica.
ções biológicas nas quais o organismo feminino
Capítulo 27

Da infância até o início da puberdade, a prin- As de origem adrenal podem ser adqui-
cipal fonte de andrógenos é de origem adrenal. ridas ou congênitas. As principais são:
O sulfato de deidroepiandrotestosterona Tumores adrenais: são raros. A maioria
(DHEA-S) é derivado, quase exclusivamente, da das pacientes tem concentrações séricas eleva-
glândula adrenal. A diidrotestosterona (DHT) é das de DHEA e SDHEA e excreção urinária eleva-
metabolizada da testosterona pela 5-alfa-reduta- da de 17-cetosteróides, que não são suprimidos
se; uma atividade aumentada da 5-alfa-redutase em resposta à administração de dexametazona.
leva ao aumento da DHT e na estimulação do Alem das manifestações do hiperandrogenis-
crescimento dos pelos. Aproximadamente 78% mo, podem ocorrer as manifestações relaciona-
da testosterona circulante está ligada à globulina das ao excesso de cortisol.
plasmática [sex hormone binding globulin (SHBG)].
Hiperplasia adrenal congênita (HAC): afe-
Quanto maior a fração livre de testosterona, maior
ta uma em cada 14.000 pessoas/ano. É a causa
a possibilidade de haver sinais clínicos hiperan-
mais comum de genitália ambígua na infância. A
drogênicos. Assim, fatores que fazem diminuir a
HAC engloba um grupo de distúrbios autossô-
SHBG (androgênios, insulina, obesidade, hipoti-
micos recessivos que envolvem um numero de
reoidismo etc.) aumentam a fração livre.
deficiências enzimáticas em uma ou várias eta-
A obesidade é um importante fator de pas da síntese do cortisol a partir do colesterol,
risco para o desenvolvimento de resistência in- resultando em excessiva produção de andróge-
sulínica. A hiperinsulinemia aumenta a produ- nos. O bloqueio na síntese do cortisol diminui o
ção de andrógenos ovarianos, agindo sinergica- retrocontrole negativo da secreção do ACTH que,
mente com o LH (hormônio luteinizante) sobre por sua vez, induz uma estimulação crônica do
as células da teca ovariana. A hiperinsulinemia córtex adrenal, levando à hiperplasia glandular.
também causa diminuição da síntese hepática Aproximadamente 90% das HAC são causadas
da SHBG, levando a aumento da fração livre e pela deficiência da 21-hidroxilase, a qual poderá
biologicamente ativa da testosterona. ocorrer na forma clássica (simples virilização ou
perda salina) ou forma não clássica.
Síndrome de Cushing: devido a um esta-
2. Etiologia
do de hipercortisolismo, as pacientes apresen-
A etiologia do hisutismo pode ser de origem: tam além das manifestações hiperandrogênicas
ƒƒ Ovarianas (nem sempre evidentes), as características re-
• Hipertecose lacionadas ao excesso de cortisol [face em lua
• Tumores ovarianos virilizantes cheia, gibosidade, obesidade central, atrofia
• SOP muscular, estrias violáceas, pele delgada, altera-
ƒƒ Suprarrenais ções metabólicas (intolerância à glicose/diabe-
• Hiperplasia suprarrenal congênita tes, osteoporose)] e hipertensão dentre outras.
• Deficiência de 21-hidroxilase
• Deficiência de 3B-hidroxiesteróide dehi-
As de origem ovariana são:
drogenase
• Deficiência de 11-hidroxilase 1. Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP): é
• Síndrome de Cushing um dos distúrbios hormonais mais comuns
• Tumores secretores de ACTH ectópicos na mulher, com prevalência estimada em 5 a
• Tumores suprarrenais virilizantes 10%. O diagnóstico de SOP de acordo com
ƒƒ Iatrogênicas os critérios do Consenso Rotterdam (2003),
• Androgênios baseia-se na presença de 2 ou mais das 3
• Ciclosporina seguintes características: oligo-amenorreia,
• Danazol evidência clínica e/ou bioquímica de hipe-
• Diazóxido randrogenismo e ovários policísticos. Esse
• Minoxidil último se caracteriza pela presença ao ultras-
• Fenitoína som de pelo menos 12 folículos na superfí-
ƒƒ Idiopática cie de cada ovário medindo de 2 a 9 mm de
• Aumento da sensibilidade da unidade pilos- diâmetro, ou aumento do volume ovariano
sebácea aos androgênios acima de 10 ml. Este ultrassom deve ser feito
entre o 3º. e 5º. dia do ciclo menstrual. Não

204 Faculdade Christus


Capítulo 27

sendo a mulher virgem deve-se dar prefe- geralmente são lembrados e valorizados
rência para à técnica de ultrassom transva- pelas modificações bizarras que induzem
ginal. É importante definir que estes resulta- no organismo feminino: defeminização se-
dos não se aplicam a mulheres que estejam guida de virilização. São, entretanto, de
tomando anticoncepcionais orais. Se houver ocorrência extremamente rara (luteomas,
um folículo dominante ou um corpo lúteo arrenoblastomas, tumor de células hílares)
é importante repetir o ultrassom em outro
ciclo menstrual para realizar o diagnóstico.
3. Conduta Terapêutica
É importante notar que mulheres apresen-
tando apenas sinais de ovários policísticos A anamnese e o exame físico devem ser os
ao ultrassom sem desordens de ovulação ou mais completos possíveis. É importante ser ques-
hiperandrogenismo não devem ser conside- tionado sobre o aparecimento dos pelos (cresci-
radas como portadoras da síndrome de ová- mento rápido está mais relacionado a tumores,
rios policísticos. Cerca de 20% das mulhe- enquanto que surgimento lento, desde a menar-
res acometidas têm aumento de prolactina, ca, sugere SOP), padrão menstrual e os sintomas
podendo ocasionar galactorreia. A SOP está relacionados a tireoideopatias. Durante o exame
fortemente associada a distúrbios metabóli- físico, verificar alteração na pressão arterial, obe-
cos, sobretudo à síndrome metabólica (SM) sidade, gibosidade, aspecto e distribuição dos
e resistência insulínica (RI). Ambas as condi- pelos, presença de tireomegalia, secreção nas
ções estão implicadas em alterações no me- mamas, estrias abdominais, acantose, massas
tabolismo de carboidratos e lipídeos provo- anexiais ou abdominais e sinais de virilização.
cando uma constelação de fatores de riscos
para o desenvolvimento de doença cardio-
vascular. A presença de acanthosis nigricans 4. Diagnóstico Laboratorial
é um forte indicador de resistência insulínica. 4.1. Testosterona

2. Hipertecose: descrita como ilhas de células A determinação plasmática da testostero-


da teca intensamente luteinizadas, não neo- na livre ou biodisponível irá detectar a presença
plásicas, distribuídas no estroma, nada mais de hiperandrogenemia subclínica em pacientes
representa do que uma reação exagerada em que os níveis de testosterona total estão
deste estroma aos níveis elevados de LH po- dentro da faixa de normalidade.
tencializada pela frequente associação com a Hiperandrogenismo e hiperinsulinemia
resistência periférica à insulina e hiperinsuli- associados à obesidade reduzem a SHBG – alto
nismo, fazendo que haja maior produção de nível de testosterona livre.
androgênios ovarianos e, consequentemen-
Valores três vezes acima do limite superior
te, uma virilização mais acentuada, tornando
geralmente ocorrem em tumores e hipertecose.
esses casos mais difíceis de responderem ao
tratamento. Às vezes a única alternativa para
a remissão do quadro, é a castração.
4.2. 17-Hidroxiprogesterona (17-OHP)

3. Tumores ovarianos virilizantes: as neopla- 17-OHP na fase folicular devem ser me-
sias ovarianas produtoras de androgênios nores que 200ng/dl. Quando os níveis estão en-
são capazes de sintetizar testosterona e/ou tre 200ng/dl e 800ng/dl é indicado o teste de
androstenediona. Há suspeita de um tumor ACTH para distinguir a SOP da HSRA. Em níveis
virilizante quando ao se proceder a avalia- maiores que 800ng/dl está indicado o teste do
ção basal dos principais androgênios circu- ACTH, com diagnóstico quase certo de HSRA
lantes, ou seja, testosterona total e sulfato causada por deficiência de 21-hidroxilase
de deidroepiandrosterona (S-DHEA), estes
se encontram elevados. Nesse caso, reco-
menda-se realizar exames para a localiza- 4.3. Sulfato de Desidroepiandrosterona
ção anatômica do tumor: suprarrenal ou de (S-DHEA), Desidroepiandrosterona
ovário. Este último costuma ter dimensões (DHEA) e Androstenediona
pequenas e, muitas vezes, são localizáveis S-DHEA é o teste de triagem para detectar
apenas na cirurgia. Os tumores virilizantes a patologia adrenal. Tem maior especificidade que

Faculdade Christus 205


Capítulo 27

DHEA. O aumento exagerado de S-DHEA, acima de 5. Diagnóstico por Imagem


700,0 mg/dl, é indicativo de uma neoplasia adrenal.
Ultrassonografia de ovários é importante
A androstenediona poderá elevar-se nos no diagnóstico de SOP.
estados hiperandrogênicos de origem adrenal e
Ultrassonografia, tomografia computa-
ovariana. O nível basal alto de androstenediona
dorizada e ressonância magnética podem ser
(>200,0 ng/dl ou > 7,1 nmol/l) combinada com
necessárias para o diagnóstico de tumores na
o nivel normal de DHEA (< 34,8 nmol/l) é con-
suprarrenal.
sistente com uma possível causa ovariana. Por
outro lado, pacientes com hiperandrogenismo
de origem adrenal têm uma elevação da relação
6. Diagnóstico diferencial (para hirsutismo)
DHEA/androstenediona.
ƒƒ Fisiológica: gravidez, climatério.
Androstenediona pode estar aumentada
ƒƒ Genética: racial, familiar.
em SOP mesmo com testosterona normal.
ƒƒ Suprarrenal: defeitos de síntese, síndrome de
Cushing, adenoma, carcinoma.
ƒƒ Ovariana: anovulação por retrocontrole im-
4.4. Progesterona realizada no 21O dia do ci-
clo menstrual (se ciclos regulares) próprio (SOP), hipertecose, tumores produto-
res de androgênios.
Avaliação da ovulação e função do corpo ƒƒ Mista: causas suprarrenais e ovarianas.
lúteo. Hirsutismo idiopático ƒƒ Drogas: minoxidil, difenil-hidantoína, danazol,
gestrinona, estreptomicina.
ƒƒ Idiopática: aumento da sensibilidade da uni-
4.5. Dehidrotestosterona (DHT) dade pilossebácea aos androgênios.
A DHT resultante da ação da 5-alfa-reduc- ƒƒ Outras causas: digenesia gonadal, pseudo-
tase sobre a testosterona tem pouco valor clínico. -hermafroditismo masculino, hiperprolacti-
nemia, hiper e hipotireoidismo, acromegalia,
obesidade, alterações hepáticas.
4.6. Prolactina
Especialmente indicada em pacientes 7. Tratamento
com irregularidades menstruais, infertilidade ou
galactorreia. Aumento moderado na SOP. Varia de acordo com a causa; tem como
objetivo corrigí-la. Em se tratando de neopla-
sias, o tratamento inicial deverá ser cirúrgico.
4.7. LH e FSH Para tratar especificamente o hiperandrogenis-
mo de causa não cirúrgica, pode-se lançar mão
A secreção inapropriada de gonadotrofi- da terapêutica farmacológica e de acordo com
nas com predomínio de LH sobre FSH, outrora os objetivos da paciente. Os medicamentos
utilizada como diagnóstico de SOP, atualmente mais comumente usados são:
é pouco considerada devido a sua baixa sensi-
bilidade (<50%). 1. Progestagênicos: inibem a liberação gono-
dotropica e reduzem a atividade da 5-alfa-
-redutase. São eles a medroxiprogesterona, o
4.8. Avaliação metabólica (rotina em SOP) acetato de ciproterona e pílulas anticoncep-
conais, de preferência as com ciproterona.
ƒƒ Glicemia e insulinemia de jejum - avaliar resis-
2. Agonistas de GnRH: bloqueiam a liberação
tência à insulina.
de gonadotropina desativando os recepto-
ƒƒ A RI poderá ser avaliada pela homeostatic mo-
res gonadotróficos ao GnRH. Consequen-
del assessment (HOMA-IR: (insulina basal x
temente reduzindo a estimulação ovariana,
glicemia de jejum)/22.5. HOMA-IR >3.8 pro-
ocorrerá menor produção androgênica.
vavelmente reflete RI severa.
3. Metformina e Pioglitazona: aumentam a
ƒƒ Colesterol total, HDL-colesterol, triglicerídeos
sensibilidade periférica à insulina, reduzem
ƒƒ Resposta aos sensibilizadores de insulina (me-
a insulinemia, a testosterona livre e a total, a
tformina) (VPP)
androstenediona e o colesterol.

206 Faculdade Christus


Capítulo 27

4. Espirolonactona: é antagonista da aldoste- D- Referências Bibliográficas


rona e inibe a síntese da testosterona no
ovário e na suprarrenal, além de competir AZEVEDO, G.D.; DUARTE, J.M.B.P.; SOUZA, M.O. et al.
com a dehidrotestosterona nos receptores. - Irregularidade do Ciclo Menstrual no Menacme
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BARACAT, E.C. et al. Hirsutismo. In: GIRÃO,
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M.J.B.C.; LIMA, G.R.; BARACAT, A.C. Ginecologia.
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8. Nos casos em que se deseja gravidez, a in- valência da Síndrome Metabólica em Portadoras da
dução da ovulação é feita com clomifeno. Síndrome dos Ovários Policísticos. Revista Brasilei-
Há resposta positiva em 75% dos casos e se ra de Ginecologia e Obstetrícia; v.29, n. 1, 2007.
consegue gravidez em 30% a 40% das ve-
zes. Podemos, ainda, lançar mão da terapia DAYAL, M.; SONDHEIMER, S. - Contracepção. In:
farmacológica com gonadotrofinas para in- BADER, T.J.; ALLEN, R.; ARGENTA, P. - Segredos
duzir ovulação. em Ginecologia e Obstetricia. 3. ed. Porto Ale-
9. Nos casos de hiperfunção e hiperplasia da gre: Artmed, 2007. Vol. 2.
suprarrenal, far-se-á corticoterapia com FERREIRA, J.A.S.; FERNANDES, C.E.; AZEVEDO,
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ou predinisona além de fluorohidrocortiso- Crônica Hiperandrogênicos e Transtornos Psí-
na nas síndrome hipotensoras. quicos. Revista de Psiquiatria Clinica, v.33, n.3,
10 Em se tratando de hipo ou hipertireoidismo, o p. 145 - 151, 2007.
tratamento deve ser específico para a causa.
11. Obviamente, se a causa for externa, a sus- GORDANO, M.G. et al. Hirsutismo. In: GORDANO,
pensão da droga deve ser realizada. G.G. Endocrinologia Ginecológica e Reproduti-
va. Rio de Janeiro: Rubio, 2009. Cap.21. p.265-277.
A paciente deve ser avisada que a respos- HISSA, M.N.; BARROS, A.I.S.B. - Hiperandroge-
ta é lenta nos tratamentos com fármacos. nismo. In: MAGALHÃES, M.L.C.; REIS, J.T.L. - Gi-
O tratamento cirúrgico consiste na extir- necologia Infanto-juvenil Diagnóstico e Tra-
pação (quando possível) do tumor (adrenalec- tamento. Rio de Janeiro: Medbook, 2007.
tomia, ooforectomia adenomectomia hipofisá- HUA, C.K. - Hiperandrogenismo e Síndrome dos
ria, na depedência do sítio), na ooforectomia Ovários Policísticos. In: SILVEIRA, G.P.G. - Gine-
bilateral quando houver hipertecose. Hoje a cologia Baseada em Evidências. São Paulo:
ressecção cuneiforme de gônadas praticamen- Atheneu, 2004.
te não é mais utilizada na SOP. Pode-se realizar
cauterização do ovário com laser ou vapor por HUANG, I.; GIBSON, M.; PETERSON, M. - Distúr-
laparoscopia ao invés de ressecção. bio Endócrinos. In: BEREK, J.S. - Berek e Novak:
Tratado de Ginecologia. 14. ed . Rio de Janeiro:
Há ainda o tratamento complementar:
Guanabara Koogan, 2008. Cap. 28.
a perda de peso, o apoio psicológico, o trata-
mento local dos pelos por meio de clareamento, MACHADO, LV. Hirsutismo. In: ______. Endocri-
depilação ou substâncias que retardam o cres- nologia Ginecológica. Rio de Janeiro: Med-
cimento dos pelos são importantes para auxiliar Book. 2006. Cap.10, p.149-161.
no resultado.
MARCONDES, J.A.M. - Hirsutismo: Diagnóstico Di-
ferencial. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia
e Metabologia, São Paulo, v.50, n. 6, dez.2006.

Faculdade Christus 207


Capítulo 27

Rotterdam ESHRE/ASRM-sponsored Polycystic


Ovary Syndrome Consensus Workshop Group.
Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and
long-term health risks related to polycystic ovary
syndrome. Fertil. Steril. v.81, p.19-25, 2004.

SPRITZER, P.M. - Diagnóstico Etiológico do Hirsutis-


mo e Implicações para o Tratamento. Revista Brasi-
leira de Ginecologia e Obstetrícia; v.31, n. 1, 2009.

YARAK, S.; BAGATIN, E.; HUSSUN, K.M. et al. -


Hiperandrogenismo e Pele: Síndrome do Ová-
rio Policístico e Resistência Periférica à Insulina.
Anais Brasileiro de Dermatologia, São Paulo,
v.80, n. 4, 2005.

208 Faculdade Christus


Capítulo 28
PERDA SANGUÍNEA GENITAL
NA INFÂNCIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Germana Bastos Pontes
Suelen Rios de Melo

A- PROBLEMA Qualquer perda sanguínea por via vaginal


que ocorra antes da telarca e/ou pubarca tem
M.G.R., feminina, 4 anos, foi levada ao importância clínica, pois, mesmo em pequena
ambulatório de ginecologia pela mãe porque quantidade pode ser manifestação de alguma
apresentara havia 15 dias, um episódio de per- patologia mais grave.
da sanguínea por via vaginal. O sangramento
teve duração de 3 dias, era de coloração amar- O sangramento genital pode decorrer de
ronzada, em pequena quantidade e odor de- estímulo funcional do endométrio ou de uma
sagradável; na presente data, notou a calcinha patologia orgânica do aparelho geniturinário.
da criança suja novamente. Nega quadro se-
melhante anteriormente; refere que a filha tem
boa saúde, é ativa e todos os dias fica em uma
1. Principais Causas
creche onde gosta de brincar na areia. Exame A) Funcionais
físico: sem alterações. Exame ginecológico: vul- ƒƒ Sangramento vaginal da recém-nascida.
va hiperemiada, ausência de escoriações; hímen ƒƒ Desenvolvimento sexual precoce (forma in-
íntegro. Presença de pequena quantidade de completa)
sangue de coloração escura, exteriorizando-se a) Menarca prematura
pela vagina, e forte odor. • Desenvolvimento sexual precoce (forma
completa)
b) Eixo hipotálamo-hipófise ovário (imaturo)
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Exposição ao estrogênio
• Cadeia alimentar
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. • Medicamentos (mais frequente)
2. Conhecer a propedêutica. • Produção endógena de estrogênio
3. Conhecer os achados clínicos e exames ne- • Cistos ovarianos funcionais
cessários para se fazer o diagnóstico. • Neoplasias ovarianas
4. Conhecer a conduta terapêutica • Outras neoplasias produtoras de hormônio
c) Eixo hipotálamo-hipófise ovário (maduro)
C- ABORDAGEM TEMÁTICA ƒƒ Puberdade precoce idiopática
ƒƒ Lesões do Sistema Nervoso Central
A perda sanguínea por via vaginal na in- ƒƒ Síndrome de McCune-Albright
fância é sempre uma preocupação tanto para
o médico como familiares e necessita de uma B) Orgânicas
atenciosa avaliação da paciente. ƒƒ Distúrbios dermatológicos da vulva
Capítulo 28

ƒƒ Condilomas Nos casos de massa tumoral vulvar, deve-


ƒƒ Herpes -se fazer o diagnóstico diferencial com prolapso
ƒƒ Líquen escleroso etc. da mucosa uretral.
ƒƒ Prolapso de uretra
O estudo do útero e anexos poderá ser
ƒƒ Traumatismo vulvo-vaginal-perineal
realizado por meio da ultrassonografia pélvica e/
ƒƒ Vulvovaginites
ou transperineal ou ainda ressonância magnética.
ƒƒ Corpo estranho
ƒƒ Discrasias sanguíneas Alguns exames complementares, às ve-
ƒƒ Sarcoma Botrioide zes, são necessários, principalmente quando
ƒƒ Outros tumores (vulva, vagina, útero) ocorrer desprendimento endometrial:
ƒƒ Tumor de ovário ƒƒ Dosagens dos níveis sanguíneos do estradiol.
ƒƒ Avaliação citológica do esfregaço vaginal (índice
2. Diagnóstico de maturação), para que se possa determinar se
Quando a queixa é de sangramento geni- está presente a estimulação estrogênica.
tal na infância, a anamnese dirigida e os exames ƒƒ Curva do FSH e LH após estímulo do GnRH
físico geral e ginecológico podem ser de grande para ser avaliada a anormalidade puberal.
auxílio no diagnóstico. ƒƒ Tomografia computadorizada do abdome e
da pelve para excluirmos neoplasia gonádica
Durante a anamnese é importante investigar: ou adrenal.
ƒƒ História de corpo estranho na vagina. ƒƒ Tomografia computadorizada de crânio, para
ƒƒ Aceleração do crescimento e/ou peso antes ser eliminada a possibilidade de lesões do sis-
dos 8 anos (puberdade precoce). tema nervoso central.
ƒƒ Sinais de sangramento como epistaxes e pe- ƒƒ Avaliação hematológica.
téquias (discrasias sanguíneas).
ƒƒ Traumatismos na região genital.
3. Tratamento
ƒƒ Vulvovaginites (especialmente por streptoco-
cos beta hemolítico e Shiguella). A conduta terapêutica será específica
ƒƒ Prurido anal e/ou vulvar decorrente de conta- para cada caso.
minação por Oxiúros.
ƒƒ Líquen escleroso.
ƒƒ Casos de menarca precoce (são raros, mas de- 3.1. Sangramento vaginal na recém-nascida (RN)
vem lembrados no diagnóstico diferencial). O sangramento vaginal, em virtude de
descamação endometrial, pode ser considerado
Ao se realizar o exame físico geral, é im- fisiológico quando ocorre nos primeiros dias de
portante a pesquisa, por todo corpo, de sinais vida da recém-nascida. Esse episódio é conside-
de traumatismo como equimoses, hematomas rado normal se ocorre até um mês após o nas-
e abaulamentos abdominais. cimento e a sua duração é de 7 a 10 dias. Esse
quadro tem remissão espontânea e é muito raro
O exame ginecológico deve ser minucioso. após o terceiro mês de vida extrauterina.
Observar a presença de lesões como equimoses,
lacerações, traumatismos, processos inflamató-
rios e também tumores como hemangiomas, na 3.2. Atividade endometrial prematura
vulva, na vagina, no períneo e na uretra.
A produção endógena de estrógeno an-
Nos casos de sangramento vulvar intenso, tes dos 8 anos, quer seja por produção ovariana
para uma avaliação ginecológica adequada, às ve- autônoma ou por estímulo gonadotrófico, origi-
zes se faz necessária a sedação. Para a visualiza- na o quadro de puberdade precoce, que habitu-
ção dos dois terços superiores da vagina e do colo almente se inicia com telarca, pubarca seguida
uterino, pode-se utilizar o vaginoscópio ou histe- de estirão e menarca. No entanto, raramente se
roscópio ou cistoscópio ou ainda o otoscópio. pode observar descamação endometrial como
Deve ser dada atenção especial às le- primeira e única manifestação puberal. O tra-
sões penetrantes na metade superior da va- tamento de eleição para a puberdade precoce
gina, as quais podem não apresentar sinto- completa idiopática são os agonistas do GnRH;
mas evidentes. nos casos de pseudo-puberdade precoce, o

210 Faculdade Christus


Capítulo 28

tratamento será suprimir a causa. Raramente, ou de papel higiênico, cereais e grãos de areia.
observa-se a persistência de cistos ovarianos Após a retirada do corpo estranho pode-se re-
foliculares (funcionantes) que produzem quan- alizar colpovirgoscopia e, se necessário, trata-
tidades expressivas de estrógenos, podendo le- mento com creme tópico. (Ver capítulo de vul-
var à puberdade precoce; na maioria das vezes, vovaginites).
eles regridem espontaneamente, mas, se o ul-
trassom mostrar que permanecem inalterados
ou aumentados de volume, é necessária a res- 3.4.3. Prolapso uretral
secção cirúrgica. É a inversão da mucosa uretral através
do meato externo; torna-se edemaciada e ar-
roxeada, sangrando com facilidade. Como fa-
3.3. Iatrogênica
tores predisponentes, encontram-se o hipoes-
O uso inadequado de cremes à base de trogenismo e a pouca aderência desta mucosa
estrógeno na região vulvar pode levar a mani- ao tecido subjacente, agravados pela retenção
festações sistêmicas, até uma descamação en- urinária e episódios de aumento da pressão ab-
dometrial. dominal. Ocorre mais comumente em crianças
negras, com idade entre 4 e 5 anos. O diagnós-
tico diferencial com sarcoma botrioide é obri-
3.4. Causas orgânicas gatório, devendo-se identificar abaixo da lesão,
3.4.1. Infecções e infestações a membrana himenal e o orifício uretral. O tra-
tamento deverá ser realizado com creme à base
A vulvovaginite é o diagnóstico mais de estrógeno, por tempo limitado devido a seus
frequente na consulta de ginecologia infanto- efeitos colaterais, ou creme vaginal, na tentativa
-juvenil e quando a inflamação é intensa, pode de diminuir o processo inflamatório. Se a pa-
causar corrimento sanguinolento. Na infância, as ciente for sintomática com retenção urinária, ou
infecções genitais ocorrem geralmente devido se a massa for grande e necrótica, a ressecção
à higiene inadequada, podendo também estar do tecido prolapsado está indicada.
associadas a micro-organismos como estrep-
tococos beta hemolítico do grupo A, Shigella
e estafilococos. O parasita intestinal Enterobius 3.4.3. Traumatismos genitais e abuso sexual
vermicularis, além de prurido e hiperemia vulvar
São excepcionais no 1º ano de vida, mas
e anal, pode promover sangramento por esco-
com 4-8 anos, com a intensidade da atividade
riação. O tratamento dependerá do agente etio-
física, há uma maior frequência de traumatis-
lógico responsável pelo processo inflamatório.
mos genitais, principalmente os ocasionados
(Ver capítulo de vulvovaginites)
por queda a cavaleiro. Ao exame ginecológico,
podem encontrar-se equimoses, edemas, he-
3.4.2. Corpo estranho
matomas, como também lacerações himenais
Aos 3-4 anos de idade, as crianças des- e/ou perineais que devem ser bem investigadas,
cobrem os genitais manipulando-os com fre- pois pode haver lesão vaginal e/ou de fundo-
quência sem os devidos cuidados de higiene. A -de-saco, com perfuração de estruturas intra-
hipótese de corpo estranho nunca deve ser es- -abdominais. A hipótese de abuso sexual deve
quecida durante a consulta de perda sanguínea ser afastada em todo caso de traumatismo ge-
por via vaginal, mesmo porque, corresponde nital, independente da idade. O tratamento dos
a 4% dos problemas ginecológicos nessa faixa traumatismos vai depender da extensão e do
etária. A introdução de corpo estranho geral- grau de gravidade das lesões.
mente é acidental; ocorre sangramento escas-
so, não cíclico e muitas vezes, acompanhado de
secreção hemopurulenta e odor. Vários corpos 3.4.4. Discrasias sanguíneas
estranhos são introduzidos na vagina e, em pa-
Quando o sangramento genital se acom-
cientes colaborativas, podem ser retirados com
panha de gengivorragia, epistaxe, equimoses
cotonetes ou pinças apropriadas, e irrigação
faciais, dentre outras, deve-se afastar a hipóte-
vaginal com soro fisiológico, por meio de uma
se de uma discrasia sanguínea, como a púrpura
seringa ou sonda vesical. Os objetos mais en-
trombocitopênica, doença de Von Willebrand.
contrados são pequenos pedaços de brinquedo

Faculdade Christus 211


Capítulo 28

É importante sempre lembrar que a perda san- MEDEIROS, F.C. Hemorragia Uterina Anormal
guínea por via vaginal pode ser o 1º. sinal de na Infância e na Adolescência. In: MAGALHÃES,
um transtorno hematológico. M.L.C.; ANDRADE, H.H.S.M. Ginecologia Infanto
Juvenil. Rio de Janeiro: Medsi, 1998, p.301-312.

3.4.5. Neoplasias RAMOS, L.O. Sangramento Genital na Infância.


In: MAGALHÃES, M.L.C.; ANDRADE, H.H.S.M.
Embora sejam incomuns, sempre que Ginecologia Infanto Juvenil. Rio de Janeiro:
uma menina apresentar perda sanguínea por Medsi, 1998, p.293-299.
via vaginal, os tumores genitais precisam fazer
parte das hipóteses diagnósticas. O mais fre- SALOMÃO, C.L.B.; REIS, J.T.L.; MARINHO, M.V.W.
quente entre os malignos é o sarcoma botrioide Sangramento genital na infância. Revista da
e o tratamento é cirúrgico e poliquimioterápico, SOGIA-BR n.2, p.15-19, 2005.
com excelentes resultados. Entre os benignos,
temos os pólipos vaginais e uterinos, heman- SANDOVAL, J. Trantornos de los flujos rojos en
giomas vulvar e do clitóris e cistos foliculares. la niña y adolescente. In: MOLINA, R.; SANDO-
Os hemagiomas são geralmente invisíveis ao VAL, J.; GONZÁLEZ, E. Salud Sexual y repro-
nascimento, crescem rapidamente em seguida ductive en la Adolescencia. Santiago/Chile. Ed.
e se apresentam como uma mácula roxa e te- Mediterráneo, 2003. Cap.19. p.260-7.
langiectásica que se estabiliza até a idade de SCHARFE, A.C.; SEWELL, C.A. Ginecologia
18-20 meses, regredindo lentamente a partir pediátrica. In: BANKOWSKI, B.J.; HEARNE, A.E.;
de então. Os melanomas malignos, carcinoma LAMBROU, N.C.; FOX, H.E.; WALLACH, E.E.
endodérmico da vagina e o carcinoma meso- Manual de Ginecologia e Obstetrícia de Johns
néfrico; adenocarcinoma do colo uterino ou do Hopkins 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
endométrio também são tumores a serem lem-
brados. Podem também causar sangramento, TEMPLEMAN, C.; HERTWECK, S.P.; MURAN, D.
os tumores ovarianos derivados das células dos Vaginal Bleeding in childhood and Menstrual
cordões sexuais, às vezes também responsáveis Disorders in Adolescence, In: SANFILIPPO, J.S.;
pela puberdade precoce. MURAN, D.; LEE, P.A. DEWHURST, J. Pediatric
and Adolescent Gynecology. 2.ed. Philadel-
phia, Pennsylvania: Saunders Company, 2001,
D- Referências Bibliográficas p.237-247.

EMANS, S.J. Vulvovaginal Problems in the Prw-


puberal Child. In: EMANS, S.J.; LAUFER, M.R.;
GOLDSTEIN, D.P. Pediatric and Adolescent Gy-
necology, Philadelphia: Lippincott-Raven Pub-
lishers, 1998, p.75-107.

FLORES, D.M. Hemorragia genital em niñas y


adolescentes. In: LaCRUZ, B.S. Ginecologia
Infanto Juvenil. Caracas: Ateproca, 1997,
p.155-166.

HILLARD, P.J. Doenças Beniginas do Aparelho


Reprodutivo Feminino. In: NOVAK, J.S.; Berek
& Novak. Tratado de Ginecologia. 14 ed. Rio
de Janeiro. Guanabara Koogan, 2008. Cap 14.
p.325-331.

MAGALHÃES, M.L.C.; REIS, J.T.L. Perda Sanguí-


nea genital na Infância: In: ______. Compêndio
de Ginecologia Infanto Juvenil – diagnóstico
e tratamento. Rio de Janeiro: Medsi, 2007. cap.
22 p.223-8.

212 Faculdade Christus


Capítulo 29
SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL
NA ADOLESCÊNCIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Rebeca Santiago Duarte

A- PROBLEMA A variabilidade do padrão menstrual


observada logo após a menarca, bem como a
M.L.S., 15 anos, procurou o ambulatório constatação de que estas alterações tendem
de ginecologia, acompanhada pela mãe, preo- a desaparecer com o passar dos anos, fez que
cupada porque na última menstruação sangrou toda irregularidade menstrual observada na
em grande quantidade, durante 10 dias. Refere adolescência fosse considerada como uma con-
menarca aos 12 anos e ciclos irregulares, che- dição própria da idade e limitada a este perío-
gando ser de até 50 dias, mas sempre perdeu do. Acredita-se que a irregularidade menstrual
sangue em quantidade normal. Nega qualquer nesta fase seja causada principalmente pela
outra sintomatologia, mas a mãe a está achan- imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-gô-
do “anêmica”. Exame físico, sem alterações. Exa- nadas. Nesta situação, considerada fisiológica,
me ginecológico, vulva de aspecto normal, sem com expressão clínica de duração variável, o es-
sinais de inflamação; hímen íntegro. tabelecimento do equilíbrio hormonal garante,
posteriormente, o padrão cíclico menstrual re-
gular. Antes de se considerar a alteração como
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM fisiológica é importante descartar patologias
do aparelho genital, uterinas e pélvicas, doen-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas.
ças sistêmicas como distúrbios de coagulação,
2. Conhecer a propedêutica.
distúrbios endocrinológicos de origem ovaria-
3. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial.
na, tireoidiana, suprarrenal ou hipofisária e até
4. Conhecer a conduta terapêutica.
mesmo gravidez e suas complicações.
ƒƒ É oportuno lembrar a terminologia ampla-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA mente usada, que nos orienta em relação à
1. Introdução conduta a ser tomada e ajuda a nos posicio-
narmos diante da insegurança e ansiedade
O distúrbio menstrual costuma ser o da adolescente e sua família. Antes, é preciso
segundo motivo de consulta em ambulató- quantificar o que pode ser considerado como
rios de ginecologia infanto-juvenil e refere- normal: fluxo menstrual médio de três a oito
-se à irregularidade do ciclo menstrual, san- dias, ciclo médio entre 24 e 34 dias e perda
gramento uterino disfuncional, dismenorreia sanguínea de 30 a 80 ml. A terminologia se
e tensão pré-menstrual. Os dois últimos são baseia nas alterações de intervalo, de quanti-
abordados em capítulos à parte neste livro, dade e de duração.
enquanto que o sangramento anormal será ƒƒ Hipermenorreia ou menorragia: sangramento
avaliado a seguir. prolongado, por mais de oito dias, ou quantida-
de excessiva, maior do que 80 ml, ou ambos;
Capítulo 29

ƒƒ Hipomenorreia: duração do fluxo inferior a métrio. Na presença persistente de altos níveis


três dias, ou quantidade inferior a 30 ml, ou estrogênicos, ocorre proliferação endometrial
ambos; contínua. Quando os níveis estrogênicos tor-
ƒƒ Polimenorreia: fluxo em intervalos inferiores a nam-se insuficientes para manter o crescimento
24 dias; e a integridade do endométrio, este descama
ƒƒ Oligomenorreia: fluxo em intervalos superio- e causa o sangramento. Quando esse estímulo
res a 35 dias; é constante, o sangramento uterino em geral
ƒƒ Metrorragia: sangramento uterino fora do pe- é intenso e ocorre após um período de atraso
ríodo menstrual; menstrual. No entanto, se ele é flutuante, a cada
ƒƒ Menometrorragia: sangramento durante o diminuição desse hormônio o endométrio des-
período menstrual e fora dele, típico de pato- cama. Assim, os ciclos anovulatórios podem ser
logias uterinas. curtos e/ou longos. Essa irregularidade costuma
Esta classificação tem a dupla vantagem ser maior quanto menor é a idade ginecológica.
de facilitar o entendimento da fisiopatologia Estas pacientes não apresentam outros achados
das alterações menstruais de um modo geral, clínicos compatíveis com outras patologias.
e permitir inferir a etiologia destas alterações.
Nos primeiros dois anos pós-menarca, ní-
Para uma melhor compreensão dos fatores en-
veis progressivamente crescentes de FSH e LH,
volvidos e dos mecanismos fisiopatológicos do
em resposta ao GnRH, correspondem a níveis
sangramento uterino anormal na adolescência,
também crescentes de estradiol, adequados a
sua apresentação será dividida em dois grupos:
secreção pulsátil de gonadotrofinas desta fase.
o primeiro decorrente do desequilíbrio hormo-
Entretanto, o padrão pulsátil típico das gona-
nal, ou seja, disfuncional (SUAD) e o segundo,
dotrofinas observado em ciclos ovulatórios com
por causas orgânicas (SUAO). Machado chama
luteinização adequada é estabelecido somente
atenção que o diagnóstico etiológico é um de-
quando as concentrações de progesterona são
safio porque sangramento uterino disfuncional
superiores a 10ng/ml. Alcançada esta fase de
corrige-se com hormônios; se não corrigir, não
desenvolvimento funcional do eixo hipotálamo-
é disfuncional, é orgânico.
-hipófise gonadal, a regularidade menstrual é
estabelecida, com a fase lútea bem definida e
consistente, durando de treze a quinze dias.
Sangramento uterino anormal disfuncional
Na puberdade, a base biológica para as Adolescentes com menorragia são vistas
menstruações irregulares tem sido atribuída como um grupo de alto risco para apresentar
ao lento desenvolvimento dos mecanismos da anemia, necessitar de transfusões sanguíneas,
ovulação gradualmente estabelecidos após a sofrer abortamentos espontâneos e decréscimo
menarca. Em aproximadamente 90% dos ca- no potencial reprodutivo.
sos, o ciclo é anovulatório e em 10% é de na-
O sangramento uterino anormal manifes-
tureza ovulatória.
tado por aumento do intervalo menstrual, po-
Postula-se que a alteração menstrual dendo chegar à amenorreia, traduz geralmente
pós-menarca seja um distúrbio explicado pela as situações decorrentes de alterações funcio-
imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-go- nais do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. Em
nadal, que nesta fase é altamente vulnerável à 55% dos casos, estas situações associam-se à
influência de processos fisiológicos e patológi- disfunção hipotálamo-hipofisária, em 44% à
cos, sendo 75 a 95% das alterações menstruais anovulação crônica hiperandrogênica com ová-
secundárias a esta imaturidade e 5% a 25% de- rios micropolicísticos (ciclos oligomenorreicos e
vido a alguma condição anormal que já se ma- amenorreia) e em 1% à amenorreia hipergona-
nifesta nesta idade. No entanto, desconhece-se dotrópica de mulheres jovens.
o tipo de imaturidade ou se o defeito é em nível
A disfunção hipotálamo-hipofisária ocorre
hipotalâmico, na secreção de seus neuro-hor-
em situações frequentes na adolescência como
mônios ou hipofisário, na secreção de gonado-
regimes de emagrecimento extremamente res-
trofinas, ou na estereoidogênese ovariana.
tritivos e persistentes, exercícios físicos excessi-
A manifestação clínica desse sangramento vos ou em situações de estresse. Naquele grupo
uterino anovulatório depende da duração e da menor, em que o sangramento está relacionado
intensidade do estímulo estrogênico no endo- a ciclos ovulatórios, pequenos sangramentos no

214 Faculdade Christus


Capítulo 29

meio do ciclo, associados à dor ou não, podem Pacientes com insuficiência renal geral-
ocorrer pela queda transitória do nível crítico de mente apresentam alterações menstruais (hiper-
estrogênio no momento da ovulação. Encurta- menorragia) e infertilidade. Nesses casos, acredi-
mento da fase folicular e/ou diminuição da fase ta-se que além do número reduzido de plaquetas
lútea podem ainda resultar em polimenorreia. e alterações na sua função, ocorra também a
Os defeitos da fase lútea podem ser expressos alteração da secreção das gonadotrofinas hipo-
pelo pequeno sangramento pré-menstrual e talâmicas, com redução nos níveis de estradiol
menorragia por produção inadequada de pro- no meio do ciclo, diminuição da relação FSH/LH
gesterona. Uma fase pós-ovulatória curta pode e aumento na concentração de prolactina.
ser uma consequência da formação deficiente
Na cirrose hepática, a deficiência na con-
do corpo lúteo devido a níveis insuficientes de
jugação e a metabolização dos esteroides resul-
FSH no meio do ciclo. O episódio esporádico
ta em aumento dos níveis de estrogênio livre.
do alongamento da fase lútea, por persistên-
O incremento dos níveis de estrogênio atuando
cia do corpo lúteo, com manutenção dos níveis
de modo contínuo e prolongado leva a uma hi-
plasmáticos de progesterona e descamação ou
perestimulação endometrial. Nos casos graves
amadurecimento irregular do endométrio, pode
de cirrose hepática, pode ocorrer hipoprotrom-
resultar em hipermenorreia ou oligomenorreia.
binemia, resultando em deficiência nos meca-
nismos de coagulação e consequente predispo-
sição ao aumento do sangramento menstrual.
Sangramento uterino anormal orgânico
Entre as causas orgânicas de sangramento Os transtornos tireoidianos, tanto hipoti-
anormal ou irregular na adolescência, devem ser reoidismo como hipertireoidismo, mesmo ten-
lembradas a gravidez e suas complicações, as le- do sinais e sintomas leves ou pouco evidentes,
sões localizadas nos órgãos genitais, as doenças também podem induzir o sangramento uterino
sistêmicas, as causas iatrogênicas e as essenciais. anormal na adolescência. O hipotireoidismo é
Para Speroff, a causa mais comum de alteração responsável por aproximadamente 10 a 15% dos
de um padrão menstrual regular e definido, seria casos de alterações menstruais (mais observa-
uma complicação de gravidez, principalmente, das são polimenorreia, proiomenorreia e hiper-
gravidez ectópica e abortamento incompleto, menorreia). Já no hipertireoidismo, as alterações
causas que, prioritariamente, devem ser excluídas menstruais são aquelas relacionadas com o au-
em adolescentes. Alterações locais como trau- mento do intervalo ou a amenorréia. No entanto,
matismo genital, corpo estranho, endometriose, vale ressaltar que há registros de hipotireoidismo
malformações congênitas, doença inflamatória causando alongamento do intervalo menstrual e
pélvica e tumores como: sarcoma botrioide da amenorreia, principalmente os casos de hipoti-
vagina ou da cérvice e o coriocarcinoma do ová- reoidismo crônico ou acentuado que geralmente
rio também devem ser descartadas. se associam a hiperprolactinemia.
Aproximadamente 10% das adolescen- Diabetes mellitus tipo I pode estar asso-
tes com discrasias sanguíneas apresentam ciado à menarca tardia e às alterações menstru-
alteração menstrual do tipo metrorragia ou ais. A prevalência de irregularidades menstruais
menorragia, 20% delas necessitam de interna- nessas adolescentes varia de 11 a 20%, sendo
ção hospitalar e cerca de 30% de transfusão a forma clínica mais comum a amenorreia. Es-
sanguínea. A suspeita de coagulopatia advém tas alterações menstruais podem ser causadas
da história clínica de sangramento anormal en- por vários fatores, sendo o ganho de peso ex-
volvendo outros locais além do útero. A me- cessivo e o controle glicêmico inadequado os
narca pode ser a primeira oportunidade para mais comuns; outra hipótese relaciona-se com
testar-se o mecanismo de coagulação e assim, a inibição da liberação de GnRH hipotalâmica
alterações como doença de Von Willebrand, exercida pela dopamina e os opioides endóge-
deficiência de protrombina, púrpura trombo- nos. A Síndrome de Cushing deve ser incluída
citopênica idiopática, disfunções plaquetárias no diagnóstico diferencial de anovulação entre
só serão diagnosticadas neste momento. A adolescentes assim como a hiperplasia congê-
hemofilia, a leucemia e os diversos tipos de nita da suprarrenal (HCSR) na forma não clás-
anemia também são citadas. As anormalidades sica. As enfermidades sistêmicas como tuber-
hematológicas podem ser tanto a causa como culose (comprometimento endometrial), certas
a consequência de alterações menstruais. cardiopatias congênitas ou adquiridas, a doen-

Faculdade Christus 215


Capítulo 29

ça celíaca e a fibrose cística do pâncreas podem cidade da alteração, a história clínica e o exame
levar a alterações menstruais. físico são valiosos.
Os sistemas neuroendócrinos que facili- Nas adolescentes com idade ginecológica
tam a função cíclica hipófise-ovariana são sen- menor que um ano, afastadas as complicações
síveis a agentes farmacológicos que competem da gravidez, as lesões dos órgãos genitais e as
ou antagonizam os agentes neuro-humorais doenças sistêmicas, na ausência de obesidade,
envolvidos no processo de ovulação. Agentes uso de medicamentos, atividade física, perda
como a morfina, reserpina, fenotiazinas, inibido- de peso rápida, anemia, dietas, estresse, galac-
res de monoaminooxidase e os anticolinérgicos torreia, acne e hirsutismo, a conduta expectante
podem causar anovulação. O uso de anticoagu- com o controle do padrão menstrual é adotada.
lantes e hormônios deve ser investigado. Os an-
Ausência de regularidade menstrual após
ticoncepcionais hormonais (AHOC), geralmente
um ano de idade ginecológica pode indicar
aqueles contendo somente progestágenos ou
cronicidade no quadro de anovulação, sendo
os combinados de baixa dosagem, podem le-
necessária uma investigação mais detalhada.
var a sangramentos intermenstruais escassos na
Na presença de obesidade, acne, hirsutismo e
forma de spotting. As drogas mais comumente
alterações menstruais, independentes da ida-
registradas como interativas são os anticonvul-
de ginecológica, a possibilidade de anovulação
sivantes, a rifampicina e outros antibióticos.
crônica deve ser admitida desde o início. Do
Sangramento uterino essencial anormal mesmo modo, as adolescentes com amenor-
pode, ainda, ser resultado de fatores uterinos reia pós-menarca maior do que um ano devem
locais, endometriais e miometriais. ser investigadas.
A ocorrência de sangramento menstru- Na presença de desvio menstrual para
al excessivo na ausência de patologia óbvia, mais, as lesões dos órgãos genitais, o uso de
e, portanto sugerindo etiologia idiopática ou anticoagulantes, a doença hepática, o hipoti-
essencial, pode ser resultado de anormalida- reoidismo e os problemas hematológicos são
des nos mecanismos locais que autolimitam o as possíveis causas do sangramento uterino
sangramento menstrual. As alterações nestes anormal. Nas adolescentes com história de san-
mecanismos estariam relacionadas com a ação gramento profuso de origem não genital, os
não balanceada das prostaglandinas, atividade problemas hematológicos devem ser sempre
fibrinolítica exacerbada e densidade arteriolar investigados, preferencialmente antes da me-
anormal. O aumento e persistência da ativida- narca. Deve-se proceder do mesmo modo com
de fibrinolítica associada ou não a alterações na pacientes que apresentarem episódios agudos
produção de prostaglandinas vasoconstritoras de menorragia, principalmente se o fato ocorrer
e agregantes plaquetárias PGF2α e vasodilata- já por ocasião da menarca.
doras e antiagregantes plaquetárias PGE2 ou
A avaliação laboratorial inicial deve in-
prostaciclina PGI2, resultando em dificuldade
cluir um estudo completo da série vermelha e
na oclusão vascular e/ou relaxamento miome-
coagulograma, além da exclusão da gravidez,
trial prolongado, pode explicar um aumento da
quando necessária. Para adolescentes com ane-
perda sanguínea menstrual.
mia, a dosagem de hemoglobina é um bom pa-
râmetro de referência para acompanhamento
da paciente. Na presença de sinais e sintomas
2. Diagnóstico
sugestivos de tireoidiopatia, a função tireoidea
O primeiro passo na abordagem da adoles- deve ser avaliada.
cente com sangramento uterino anormal é a rea-
Na prática clínica a causa mais comum
lização cuidadosa da anamnese e do exame físico.
de sangramento intermenstrual ou spotting
Nas pacientes cujo exame ginecológico é o uso irregular dos anticoncepcionais hor-
for inconclusivo ou dificultado pela integridade monais ou a associação destes com outros
himenal, os órgãos genitais internos devem ser medicamentos. Como método complemen-
avaliados pela ultrassonografia pélvica. tar ainda pode ser necessário, em situações
Embora os critérios para o diagnóstico específicas: biópsia endometrial, curetagem
diferencial sejam extensos, alguns parâmetros uterina, vídeo-histeroscopia.
como a idade ginecológica da paciente, a croni-

216 Faculdade Christus


Capítulo 29

3. Tratamento rativo que o estrogênio, produzido pela adoles-


cente, promovia sobre o endométrio, que passa
A abordagem inicial deve ser baseada na
a ser secretor, mas sem interromper o sangra-
fisiologia da puberdade, o que quer dizer que,
mento. Isto significa que apesar de controlado,
adolescentes com sangramento intermens-
o sangramento ainda continua, e vai intensificar
trual, na maioria das vezes, não necessitam
quando o progestágeno for interrompido em
de tratamento, apenas de orientação e obser-
dez a doze dias (descamação fisiológica da ca-
vação. Para Machado, afastada a possibilida-
mada funcional do endométrio). Esta evolução
de de coagulopatia, provavelmente o quadro
deve ser devidamente esclarecida à paciente e
é de sangramento disfuncional anovulatório.
à sua família, bem como avaliada a possibilida-
Quando a história e o exame físico confirmam
de de anemia. A adolescente repetirá pelo me-
a presença de lesões dos órgãos genitais ou de
nos mais três ciclos semelhantes, começando
doenças sistêmicas, as pacientes devem ser tra-
o progestágeno no décimo sexto dia do ciclo,
tadas segundo os diagnósticos firmados.
contado a partir do primeiro dia de sangramen-
Nas situações de estresse, anorexia ner- to. A partir de então, a medicação é suspensa
vosa e obesidade, a normalização do peso e o para que ciclos espontâneos aconteçam, com
acompanhamento por uma equipe de profissio- supervisão médica adequada. Para Speroff, esta
nais especializada são necessários. Nos casos opção somente com progestágeno, funciona
graves de sangramento uterino disfuncional a melhor em pacientes completamente anovula-
internação é obrigatória para o restabelecimen- tórias.
to da volemia e interrupção do sangramento
Situação diferente é a da adolescente que
através da reposição hormonal.
sangra em grande intensidade ou por períodos
O objetivo do tratamento hormonal é muito longos, com risco importante de anemia,
“estrogenizar” (re-epitelizar) o endométrio, ci- na qual a conduta é a interrupção imediata do
catrizar os sítios sangrantes e acrescentar pro- sangramento. Neste caso, o estrogênio deverá
gestágenos para a estabilização endometrial. ser utilizado e mantido, isolado ou associado
Na prática clínica é medida frequentemente uti- a um progestágeno. Com a reepitelização do
lizada, mas depende do profissional assistente, endométrio promovida pelo estrogênio, o san-
para definir quando e como estrógenos e pro- gramento cessa. Segundo Machado, deve-se
gestágenos serão utilizados. Como as situações prescrever estrogênio conjugado 1,25mg a 2,5
clínicas são distintas, sua prescrição pode variar. mg, via oral, quatro vezes ao dia, por 24 horas,
O que não muda é a necessidade de manter- com interrupção da hemorragia em até 48 ho-
-se a medicação hormonal durante algum tem- ras. Interrompido o sangramento, mantém-se
po, evitando-se o erro comumente cometido, o estrogênio conjugado 0,625 mg a 1,25 mg/
de prescrever-se estrógeno em dose mais alta, dia, associado ao progestágeno (tipos e doses
com rápida interrupção do sangramento, mas citados anteriormente) a partir do décimo sexto
sem continuidade da medicação hormonal o dia, por dez a doze dias, para uma descamação
que levará a um novo sangramento pouco tem- fisiológica ao final da medicação. Na continui-
po depois. Assim, para a escolha terapêutica, dade, procura-se ciclar a adolescente, utilizando
pode-se tomar como referência a intensidade e AHOC, com 30 µg de etinil-estradiol (EE) ou so-
a duração do sangramento. mente o progestágeno por um período variável
Adolescentes com sangramento prolon- de três a seis meses, diminuindo-se progressi-
gado têm produção de estrogênio, o que falta vamente a dose de EE, se o AHOC for a opção.
é a progesterona, uma vez que na maioria das À medida que se faz a prevenção da
vezes, nesse momento, os ciclos são anovulató- recidiva, avaliam-se as necessidades da ado-
rios. Sendo assim, o que deve ser complemen- lescente. Se a anticoncepção for necessária,
tado é a progesterona, por dez a doze dias, via o AHOC é uma boa escolha. Se não, pode-
oral, por meio de um progestágeno: progeste- -se manter ou não o progestágeno, por dez
rona micronizada 300 mg/dia, medroxiproges- a doze dias ao mês, a partir do décimo sexto
terona 5 a 10 mg/dia, noretisterona 1 a 5 mg/ dia do ciclo, com interrupções periódicas para
dia, didrogesterona 10 mg/dia, nomegestrol 5 avaliação da regularidade dos ciclos espontâ-
mg/dia, trimegestona 0,5 mg/dia. A ação pro- neos da adolescente.
gestacional é a de interromper o efeito prolife-
Terapêutica complementar deve ser rea-

Faculdade Christus 217


Capítulo 29

lizada com sulfato ferroso, 250 a 500 mg/dia e CROSSIGNI, P.G.; RUBIN, B. Rubin B. Dysfunc-
ac. fólico, 2 a 5 mg/dia. Anti-inflamatórios não tional uterine bleeding. Hum Reprod. v.5, n.5,
esteroides (ácidos mefenâmico e naproxeno) p.637-8, 1990.
contribuem para diminuir tanto o volume de
sangramento, em cerca de 20 a 40%, quanto sua ELEUTÉRIO JÚNIOR, J.; FURTADO, F. M. Vulvova-
duração. Não há indicação para os derivados do ginites. In: MAGALHÃES, M. L. C.; REIS, J. T. Gine-
ergot e o ácido tranexâmico pode levar a efeitos cologia Infanto-Juvenil: Diagnóstico e Trata-
adversos gastrointestinais. Para Machado, não há mento. Rio de Janeiro: Medbook, 2007. Cap25.
lugar para a curetagem uterina no sangramento p. 291-299.
uterino disfuncional na adolescência. Em algu- FREITAS, F.; MENKE, A.H.; RIVOIRE, W.; PASSOS,
mas situações, como por exemplo, quando há E.P. Rotinas em Ginecologia. In: ACCETTA, S.G.;
diagnóstico de coagulopatias, pode ser necessá- ABECHE, A.M.; HERTER, L.D. Ginecologia infan-
ria amenorreia terapêutica que é obtida com o to-Puberal, 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
uso de acetato de noretisterona, 10 a 20 mg/dia, 1997. Cap. 4. p. 47-58.
via oral, sem interrupção; acetato de medroxipro-
gesterona, 150 mg, em aplicações trimestrais, via GALUCCI, J. Valor propedêutico dos distúrbios
intramuscular; desogestrel, 75 mcg/dia ou ainda menstruais. In: MEDINA, J. Fisiologia Menstrual.
implante subdérmico de etonogestrel. São Paulo: Manole, 1997. p.177-83.
Concluindo, sugere-se que em adoles- HALBE, H.W.; SAKAMOTO, L.C.; FONSECA, A.M.;
centes com sangramento uterino anormal, a fi- HEGG, R.; FREITAS, G.C. Irregularidades mens-
siologia da puberdade deva ser sempre respei- truais na adolescência: diagnóstico, tratamento
tada, a paciente orientada em relação aos seus e prognóstico. Sinop Ginecol Obstet. v.3, p.60-
ciclos pós-menarca e os diagnósticos diferenciais 4, 1995.
afastados. Ciclos ovulatórios não devem ser tra-
tados e atenção especial deve ser dada a pacien- LIMA, G.R.; BARACT, E.C. Disfunção menstrual.
tes com quadro de oligomenorreia persistente, In: ______. Ginecologia Endócrina. São Paulo;
anemia com hemoglobina inferior a 10 g/dl, ou Atheneu; 1995. p.105-13.
sinais clínicos de excesso de androgênios. MACHADO, L.V. Atividade Física e Reprodução.
In: ______. Endocrinologia Ginecológica. Rio de
Janeiro: MedBook, 2006, p.175-82.
D- Referências Bibliográficas
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ADCOCK, C.J.; PERRY, L.A.; LINDSELL, D.R.M.; cional. In: ______. Endocrinologia Ginecológica.
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Diabet Med. v.11, p. 465-70, 1994. L. C.; ANDRADE, H.H.S.M. Ginecologia Infanto
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North Am. v.28, n.2, p.369-79, 1981.

218 Faculdade Christus


Capítulo 30
SANGRAMENTO GENITAL
NO MENACME
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Ana Cecília de Sousa Silva

A- PROBLEMA das pacientes com sangramento uterino anormal,


50% estejam ao redor de 45 anos de idade e 20%
M.M.S., 38 anos, obesa, procurou atendi- sejam adolescentes.
mento médico queixando-se da sua menstrua-
ção. Afirmou que seus ciclos são regulares des- Machado afirma que, para conceituar um
de a menarca, mas a perda sanguínea sempre sangramento uterino anormal, é necessário pri-
foi abundante, chegando até 7 dias. Há 2-3 me- meiro estabelecer o que se considera um sangra-
ses, o fluxo aumentou muito e perde até coágu- mento menstrual normal. O fluxo menstrual mé-
los. Tem vida sexual ativa, mas nunca conseguiu dio dura de 3 a 8 dias, com uma perda sanguínea
engravidar. Exame físico: sem alterações. Exame de 30 a 80ml. O ciclo médio varia entre 24 e 34
ginecológico: vulva e vagina de aspecto normal. dias. Portanto, sangramento uterino anormal é
Ao toque bimanual, útero de volume aumenta- aquele que apresenta uma alteração em um ou
do para uma nuligesta, e parede anterior irregu- mais destes três parâmetros. Existe ampla variação
lar; consistência lenhosa. nos parâmetros menstruais de uma mulher para
outra. O mais importante é a queixa de mudança
de padrão, pois, em geral, uma paciente apresenta
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM os mesmos parâmetros durante todo o menacme.
Terminologia universal utilizada para des-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas .
crever um sangramento uterino anormal:
2. Conhecer a propedêutica.
3. Saber estabelecer os diagnósticos diferenciais. ƒƒ Oligomenorreia – ciclos que ocorrem em in-
4. Conhecer a conduta terapêutica. tervalos maiores que 35 dias.
ƒƒ Polimenorreia – ciclos com frequência inferior
a 24 dias.
C- ABORDAGEM TEMÁTICA ƒƒ Menorragia ou hipermenorreia – sangramento
prolongado, por mais de 8 dias, ou quantidade ex-
1. Introdução
cessiva, maior que 80ml, ou a associação de ambos.
Perda sanguínea anormal ou sangramen- ƒƒ Menometrorragia – ocorre durante o ciclo
to uterino anormal é uma denominação muito menstrual ou fora dele; geralmente começa
abrangente; refere-se ao sangramento produzido com hipermenorreia e, com a evolução, trans-
por inúmeras causas orgânicas e disfuncionais. forma-se em menometrorragia.
O sangramento uterino anormal é uma ƒƒ Metrorragia – sangramento uterino que ocor-
queixa frequente em consultório de ginecologia, re fora do período menstrual.
acometendo todas as faixas etárias, desde a ado- ƒƒ Hipomenorreia – fluxo de duração inferior a 3
lescência até a perimenopausa. Estima-se que, dias, ou quantidade inferior a 30ml, ou asso-
ciação dos 2 parâmetros.
Capítulo 30

No Quadro 1, encontram-se as principais causas de sangramento uterino anormal que podem


nos auxiliar no diagnóstico diferencial:

Gestação e situa- Medicamentos e


Doenças sistêmicas Doenças ginecológicas
ções relacionadas causas iatrogênicas
Descolamento de Hiperplasia adrenal e Doença inflamatória
Anticoagulantes
placenta Cushing pélvica
Neoplasias benignas:
Gestação ectópica Discrasias sanguíneas adenomiose, pólipos, Antipsicóticos
leiomiomas
Abortamento Coagulopatias Corticosteroides
Neoplasias pré-malignas:
Ervas e outros su-
neoplasia intraepitelial
Placenta prévia Hepatopatias plementos (ginseng,
cervical, hiperplasia en-
ginkgo biloba)
dometrial
Doença trofoblástica Supressão hipotalâmica Terapia hormonal
Anticoncepcional oral
Estresse Neoplasias malignas: combinado
colo, endométrio, ovário,
Perda de peso produtor de estrogênio Inibidores da recapta-
ou testosterona, leio- ção de serotonina
Atividade física excessiva miossarcoma Tamoxifeno
Adenoma de hipófise
Trauma ou corpo estranho
ou hiperprolactinemia
Síndrome de ovários
policísticos Hormônio tireoidiano
Sangramento uterino
Nefropatia disfuncional
Doenças da tireoide
Quadro 1: causas de sangramento uterino anormal.
Fonte: Adaptado de Freitas, F. et al., p.103, 2006.

Os exames laboratoriais serão solicitados estimulado pela progesterona, se há hiperpla-


de acordo com a história e a suspeita clínica, sia, e de que tipo.
podendo orientar o diagnóstico em direção a
As causas orgânicas de perda sanguínea
uma ou outra causa específica.
por via vaginal são discutidas em outros capítu-
As causas ginecológicas vaginais ou cer- los e serão aqui brevemente citadas (vide Fig.1).
vicais podem ser identificadas pelo exame es-
pecular ou colposcópico.
2. Sangramento uterino disfuncional
A ultrassonografia é um dos primeiros
passos diagnósticos que permite avaliar a es- Quando se fala em sangramento disfuncio-
pessura da lâmina endometrial, assim como o nal, pressupõe-se que todas as causas orgânicas
miométrio, a forma e o volume uterino e dos já tenham sido afastadas. É, pois, um diagnóstico
anexos. Consegue também determinar com de exclusão, feito após cuidadosa eliminação das
alguma precisão pólipos, miomas submuco- causas ligadas à gravidez e suas complicações,
sos e tumorações. patologias uterinas e pélvicas, benignas e malig-
nas e problemas extragenitais, como distúrbios
Raramente outros métodos propedêuti-
da coagulação, doenças sistêmicas, endocrino-
cos são necessários, como a curetagem uterina
patias extraovarianas ou uso de medicamentos
e/ou a histeroscopia com biópsia dirigida. Não
que interferem com a ação hormonal ou com os
se pode esquecer que a avaliação histopatoló-
mecanismos de coagulação.
gica é o padrão-ouro para o diagnóstico das pa-
tologias endometriais. A biópsia do endométrio Segundo Machado, quanto mais minu-
praticada na vigência do sangramento mostra- ciosa e apurada for a propedêutica, mais cau-
rá, com precisão, se o ciclo é ovulatório ou ano- sas orgânicas serão encontradas, especialmente
vulatório, se o endométrio foi adequadamente nas pacientes acima de 35 anos.

220 Faculdade Christus


Capítulo 30

Por meio da análise retrospectiva de mu- 2.1.1. Quadro clínico e tipo de manifestação
lheres inglesas, com idade entre 30 e 49 anos, do sangramento uterino disfuncional
os pesquisadores do Royal College of General
Agudo ou crônico, anovulatório ou ovu-
Practitioners constataram que 5% apresenta-
latório e quanto às variações observadas nos
ram-se à consulta com queixa de excessivas
ciclos. A forma aguda é importante quando a
perdas menstruais.
intensidade do sangramento for excessiva, im-
As repercussões orgânicas e psicológicas pondo uma conduta ativa e imediata. É crônico
da menorragia constituem-se em importantes quando se repetir mais de 3 vezes no período
temas em relação à saúde da mulher. Os san- de 1 ano e esporádico quando ocorrer apenas
gramentos menstruais excessivos são a cau- 1 ou 2 vezes.
sa mais comum de anemia por deficiência de
ferro em mulheres férteis e sadias. Além disso,
a ansiedade decorrente usualmente ocasiona 3. Sangramento disfuncional ovulatório
considerável impacto negativo em relação à Segundo Munro, nem sempre é possível
qualidade de vida. estabelecer o fator responsável pelo apareci-
Baracat e colaboradores afirmam que mento de menorragia em mulheres que apre-
para entender a fisiopatologia e a terapêutica sentam ciclos ovulatórios. Machado refere que
do sangramento disfuncional do endométrio, é 15% das pacientes com sangramento uterino
preciso conhecer o conceito de nível “hemorra- disfuncional apresentam ciclos ovulatórios. São
gíparo”. Teoricamente, toda paciente tem uma descritos os seguintes tipos de sangramento:
concentração plasmática mínima de estrogênio ƒƒ Sangramento na ovulação
que, quando atingida, provoca o sangramen- ƒƒ Polimenorreia
to por descamação do endométrio. Quando ƒƒ Descamação irregular
essa concentração é crescente (acima do nível ƒƒ Sangramento pré-menstrual
hemorragíparo), como ocorre na primeira fase ƒƒ Hipermenorreia ou menorragia
do ciclo menstrual, o sangramento não ocorre ƒƒ Persistência do corpo lúteo (Sindrome de Halban)
e o nível hemorragíparo é ultrapassado rapida-
mente, já que, nesse momento, o endométrio
encontra-se recém-descamado e, portanto, em 3.1. Sangramento na ovulação
fase inicial de proliferação. Todavia, após a con- Caracterizado por pequenas perdas san-
centração sérica de estrogênios permanecer guíneas na metade do ciclo menstrual, coinci-
acima desse nível por algum tempo, o endomé- dindo com a época da ovulação; ocorre com
trio estará proliferado. Quando o hormônio cair mais frequência no fim da vida reprodutiva e
lentamente e equiparar-se a esse nível, ocorrerá pode durar de um a três dias. O fator responsá-
o sangramento endometrial por privação, como vel por esta variedade de sangramento disfun-
ocorre durante a menstruação. Para que o san- cional é a queda mais acentuada que a habitu-
gramento por privação transcorra de maneira al, da secreção do estradiol pelo folículo, por
regular, com descamação uniforme do endomé- ocasião da postura ovular. Devido à transitória
trio, deve existir estímulo progestacional ade- queda do estradiol, surgem pequenos focos
quado associado ao estrogênio. A progesterona de necrose no endométrio, que ocasionam o
é o hormônio responsável pelas características sangramento. A conduta frente a sangramen-
normais e constantes do fluxo menstrual. to de pequena intensidade pode ser apenas
Portanto, haverá sangramento sempre expectante, uma vez que os mesmos não ofe-
que existir desequilíbrio entre esses dois hor- recem riscos para a saúde e muitas vezes de-
mônios, principalmente no que tange a sua in- saparecem espontaneamente. Devem receber
terrupção (ou queda), tanto em altos quanto em tratamento hormonal, as mulheres que tenham
baixos níveis. sua qualidade de vida prejudicada e/ou as que
pretendem engravidar, uma vez que o sangra-
É importante lembrar que o sangramento mento coincidente com a ovulação pode ser
uterino anormal pode ocorrer de atrofia endo- prejudicial para a concepção. Prescreve-se es-
metrial. É causado pela descamação irregular do trógeno conjugado 0,625mg/dia do 12o ao 16o
endométrio, na presença de níveis muito baixos dia do ciclo.
de estrogênios.

Faculdade Christus 221


Capítulo 30

3.2. Polimenorreia 3.6. Persistência do corpo lúteo


Refere-se a ciclo ovulatório com menos É um diagnóstico esporádico; é confun-
de 24 dias de intervalo; geralmente decorre do dida frequentemente com gravidez ectópica,
encurtamento da fase folicular, embora possa pois pode ocorrer um atraso menstrual segui-
ocorrer uma diminuição da fase lútea ou de am- do de perdas irregulares, dor na região hipo-
bas. A temperatura basal identificará com preci- gástrica e presença de uma massa anexial re-
são essas alterações. presentada pelo corpo lúteo hemorrágico que
a regressão é espontânea. Para diagnóstico
diferencial, além da ultrassonografia, deve-se
3.3. Descamação irregular solicitar o beta HCG.
Ocorre também em mulheres com ciclos
anovulatórios; consiste em perdas sanguíneas
endometriais contínuas ou intermitentes, pro- 4. Sangramento disfuncional anovulatório
longadas e abundantes, na ausência de doenças A variedade anovulatória correspon-
uterinas orgânicas. O fator responsável pelos de de 80 a 90% dos casos de sangramento
sangramentos metrorrágicos é a regressão re- uterino anormal e os ciclos são sem proges-
tardada do corpo lúteo, fazendo com que ainda terona, de modo que o sangramento ocorre
persistam áreas sob a ação da progesterona do apenas pela privação do estrogênio ou por
ciclo anterior, juntamente com áreas de prolife- níveis de estrogênio incapazes de manter um
ração do ciclo atual. A biópsia de endométrio estímulo endometrial constante e adequado;
realizada no início da menstruação evidenciará assim, a descamação endometrial é irregular,
um endométrio misto, onde se identificará histo- justificando o sangramento. A estimulação
logicamente áreas de secreção avançada, reepi- contínua do estrogênio induzirá à progres-
telização endometrial incompleta e proliferação são da resposta endometrial, que transitará
inicial. Não costuma ser um quadro repetitivo, de proliferado à hiperplasia, em suas diversas
pois depende essencialmente da função do cor- formas (podendo chegar, eventualmente, ao
po lúteo daquele ciclo específico. Mas caso a adenocarcinoma). A partir do momento em
paciente se apresente à consulta na vigência de que o folículo sofre involução, inicia-se a des-
sangramento, deve-se realizar a curetagem hor- camação endometrial. Como essa involução
monal, no sentido de ocasionar hemostasia e de costuma não ser abrupta, a desintegração da
eliminar o endométrio anômalo. camada funcional do endométrio faz-se de
maneira mais prolongada do que em ciclos
normais. Somado esse fato à maior espessura
3.4. Sangramento pré-menstrual do endométrio e à vascularização sanguínea
Caracteriza-se por perda escassa de san- acentuada, resulta na ocorrência de excessivo
gue, geralmente escuro que antecede em al- sangramento menstrual.
guns dias o sangramento menstrual. Nas mu- No menacme, período de maturidade
lheres que apresentam essa complicação, o sexual, essa anovulação é, geralmente, con-
fenômeno da luteólise apresenta-se alterado. sequência da interferência de inúmeras cau-
Em vez de involução abrupta do corpo lúteo, sas orgânicas ou funcionais, nos mecanismos
ocorre sua falência de forma irregular (insufi- de feedback do eixo, cujo resultado, invaria-
ciência luteal); sendo assim, tem-se uma pro- velmente, levará aos ovários policísticos.
dução deficiente de progesterona. É mais fre-
quente acima de 35 anos. O sangramento pode ser leve ou in-
tenso, constante ou intermitente, geralmen-
te são associados a sintomas de tensão pré-
3.5. Hipermenorreia ou menorragia -menstrual ou dismenorreia.

Geralmente associada a uma causa orgâ- O diagnóstico é eminentemente clínico,


nica (pólipos, adenomiose, distúrbios de coagu- baseando-se nos dados obtidos na anamnese
lação, entre outras). É um diagnóstico essencial- e nos exames físico e ginecológico. Na anam-
mente por exclusão. nese, é a própria paciente que, ao comparar
os ciclos anteriores, identificará as mudanças
no seu padrão normal. Na história da doença,

222 Faculdade Christus


Capítulo 30

deve-se valorizar a informação da presença modificações endometriais passam a ser mo-


de coágulos no fluxo menstrual, uma vez que duladas pelos esteroides dos contraceptivos;
indica que a perda sanguínea é excessiva e dessa forma, os intervalos entre os ciclos tor-
esgotaram as enzimas líticas produzidas pelo nam-se regulares e o fluxo menstrual apre-
endométrio. senta-se próximo ao normal. O tratamento
deve estender-se pelo menos por 6 ciclos.
Nessa faixa etária, o diagnóstico dife-
rencial com as patologias orgânicas como O uso de citrato de clomifeno está indi-
miomatose, adenomiose, entre outras, é fun- cado em mulheres que se encontram no me-
damental. Por meio do exame ginecológico, nacme e externam desejo de gravidez.
especialmente o toque vaginal combinado,
Outra forma de tratamento consiste no
pode-se diferenciar o útero de volume nor-
uso de progestágenos VO ou por meio de en-
mal das mulheres afetadas por menorragia
doceptivo intra-uterino. Administra-se na 2ª
disfuncional, daquele aumentado de tama-
fase do ciclo menstrual; esse hormônio atua
nho das portadoras das referidas ginecopa-
sobre o endométrio ocasionando bloqueio
tias orgânicas.
dos receptores de estradiol; este efeito an-
tiestrogênico ocasiona inibição da prolifera-
ção da camada funcional do endométrio e
4.1. Tratamento
promove o aparecimento do quadro de en-
Pode ser medicamentoso ou cirúrgico, dométrio secretor.
dependendo da intensidade do sangramen-
Em casos especiais, pode-se utilizar aná-
to e da característica aguda ou crônica da
logos de GnRH no tratamento de hemorragia
anormalidade. Quando o quadro clínico exi-
disfuncional.
gir, medidas gerais devem ser tomadas, como
manutenção do equilíbrio hemodinâmico, re- Nas menorragias não-intensas, pode-se
posição de ferro, correção de desvios e, se optar apenas pelo anti-inflamatório não hor-
necessário, psicoterapia, entre outras. monal; estima-se que ocorra diminuição de 30
a 50% na quantidade de sangue perdido.
Várias estratégias hormonioterápicas
podem ser utilizadas no tratamento conser- Como tratamento cirúrgico, tem-se a
vador de pacientes com menorragia, conso- curetagem uterina que está indicada quando
ante a idade e o desejo, ou não, de gravidez. o sangramento anormal recidivar após a para-
da do hormônio ou quando a intensidade e a
No menacme, o tratamento é o mesmo
repercussão do sangramento tiver contornos
que se preconiza para a adolescente. É im-
dramáticos, impedindo que se espere por al-
portante ressaltar que os contraceptivos orais
gumas horas o resultado da hormonioterapia.
constituem-se em excelente opção para ado-
lescentes e mulheres adultas jovens. Durante Opção cirúrgica que vem ganhando espa-
o uso desses medicamentos ocorre bloqueio ço é a ablação do endométrio por via endos-
da liberação das gonadotrofinas hipofisárias; cópica. A indicação de histerectomia deve ficar
como consequência, o folículo ovariano man- restrita aos casos em que ocorreu malogro dos
tém-se em estágio prematuro de desenvol- tratamentos conservadores.
vimento durante todo o ciclo menstrual. As

Faculdade Christus 223


Capítulo 30

Figura 1. Diagnóstico diferencial e conduta no sangramento uterino anormal.


Fonte: Abnormal uterine bleeding, ALBERS, 2004.

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224 Faculdade Christus


Capítulo 31
SANGRAMENTO GENITAL
NO CLIMATÉRIO
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Roberta Vieira da Nóbrega

A- PROBLEMA da mulher, a sua “reserva folicular” é o elemen-


to nobre que comandará sua função, até seu
A.C., sexo feminino, 48 anos, branca, ca- completo esgotamento, o que será identifica-
sada, refere última menstruação há mais ou do pela menopausa.
menos 10 meses. Há aproximadamente 2 dias
vem apresentando sangramento intermitente A menopausa é um marco do climatério;
semelhante à menstruação acompanhado de corresponde ao último período menstrual e é
dor no baixo ventre durante tais episódios. Não somente reconhecida depois de passado 12
realizou exames de prevenção ginecológica nos meses da sua ocorrência. Acontece, geralmente,
últimos 5 anos porque pensou que não seria entre 40 e 55 anos de idade.
necessário nessa faixa etária. Refere vida sexual A mulher nasce com a população folicular
ativa e tem apresentado dispareunia. Nega te- ovariana que a acompanhará pela vida. À época
rapia hormonal. Exame físico: abdome doloroso do climatério, os folículos não mais são suficien-
à palpação profunda na região do hipogástrio. tes para a manutenção da função ovariana. Apa-
Exame ginecológico: vulva e vagina, sem altera- recem os ciclos anovulatórios, as hemorragias
ções; toque vaginal bidigital, corpo uterino de disfuncionais e as amenorreias. A amenorreia
volume compatível com a faixa etária; ausência que se segue à menopausa é definitiva, visto
de massas palpáveis. que não mais existem folículos para adequado
estímulo endometrial.
Como foi abordado nos capítulos ante-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM riores de sangramento uterino anormal, os ci-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. clos anovulatórios podem ocorrer em qualquer
2. Conhecer a propedêutica. época do menacme, mas são particularmente
3. Saber estabelecer os diagnósticos diferenciais. frequentes nos extremos da vida reproduti-
4. Conhecer a conduta terapêutica. va, seja logo após a menarca, seja no período
pré-menopausal. No período do climatério, a
anovulação se deve à falência progressiva da
C- ABORDAGEM TEMÁTICA função ovariana, quando as pacientes produ-
As diversas etapas da vida da mulher zem estrogênios, mas não mais ovulam e, con-
são regidas pela função ovariana. O climatério, sequentemente, não produzem progesterona.
caracterizado pela falência progressiva da fun- Sob a estimulação contínua dos estrogênios,
ção ovariana, é o período de transição entre a o endométrio transitará de proliferado a uma
fase reprodutiva e a senilidade. Se o ovário é a hiperplasia, podendo chegar ao adenocarcino-
glândula que rege as diversas etapas da vida ma. Na ausência da progesterona, o endométrio
continuará crescendo e ocorre um aumento da
Capítulo 31

vascularização e das glândulas que se apresen- falha do tratamento clínico convencional, em


tam coladas uma às outras, sem o devido arca- pacientes com sangramento uterino disfun-
bouço do estroma de sustentação e sua malha cional recidivante e de difícil controle (pode
reticular. Este tecido torna-se frágil e sofre solu- haver adenomiose não diagnosticada asso-
ções de continuidade na superfície, por onde se ciada). Em caso de associação com hiperpla-
exterioriza o sangramento. sia, a histerectomia é o tratamento de esco-
lha; a ressecção endometrial pode dificultar
As principais causas de sangramento
a detecção de um câncer endometrial, oculto
anormal no climatério são:
entre as áreas de fibrose.
ƒƒ Atrofia endometrial (causa muito comum) Nos casos graves (hemorragia aguda):
ƒƒ Endométrio proliferativo (estímulo estrogêni-
ƒƒ A curetagem uterina é o tratamento de esco-
co persistente pelas fontes extraovarianas)
lha, permitindo a hemostasia rápida e eficaz.
ƒƒ Pólipos
O material deve ser enviado para estudo his-
ƒƒ Endometrite (mais rara)
topatológico a fim de orientar o seguimento
ƒƒ Hiperplasias endometriais
(terapêutica clínica ou cirúrgica).
ƒƒ Carcinoma endometrial
ƒƒ A opção por métodos radicais (ablação en-
Para o diagnóstico, a recomendação é a
dometrial/histerectomia) deve sempre ser
mesma das outras faixas etárias; inicialmente,
precedida pela avaliação anatomopatológi-
afastam-se as causas orgânicas por meio de
ca do endométrio; é imprescindível a esti-
uma anamnese detalhada e exame físico com-
mativa da real gravidade do quadro, antes
pleto. No diagnóstico diferencial, devem entrar
de definir a cirurgia.
todas as neoplasias dos tratos geniturinário e
O prognóstico no climatério é menos
gastrointestinal, já que frequentemente as mu-
favorável, devido à maior incidência de hiper-
lheres não conseguem distinguir o sangramen-
plasia, à progressão do quadro de insuficiência
to uretral e retal do sangramento vaginal. Não
ovariana, à associação com outras patologias
menos importantes são os distúrbios benignos
orgânicas (adenomiose, miomatose uterina) e,
como adenomiose e leiomioma uterino e as hi-
eventualmente, à presença de outros fatores de
perplasias que ocorrem em cerca de 5% dos ca-
risco para neoplasia endometrial.
sos de sangramento anormal no climatério.
Os exames complementares e o trata-
mento também são os mesmos das outras fai- D- Referências Bibliográficas
xas etárias, mas o estudo histopatológico prévio
do endométrio é indispensável, a menos que a AMORIM, M.M.R. Sangramento uterino disfun-
ultrassonografia endovaginal revele uma espes- cional. In: SANTOS, L.C. et al. Ginecologia clíni-
sura inferior a 5mm, o que não é comum nesses ca – diagnostico e tratamento. Rio de Janeiro:
casos, já que quase sempre estaremos diante MedBook, 2007. Cap. 32. p.333-351.
de um endométrio proliferativo ou hiperplásico
ARAUJO JUNIOR, N. L. C.; ATHANAZIO, D. A. Te-
devido à ação não oposta dos estrogênios.
rapia de reposição hormonal e o câncer do en-
A conduta terapêutica fica na dependên- dométrio. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
cia do resultado do exame histopatológico do v. 23, n. 11, Nov. 2007.
endométrio (biópsia histeroscópica ou cureta-
gem) e do laudo histeroscópico. BRAUNWALD, E. Harrison medicina interna.
17. ed. Rio de Janeiro: McGraw Hill, 2009.
Nos casos leves e moderados:
CAMPANER, A.B. et al . Avaliação histológica de
ƒƒ Endométrio proliferativo: iniciar terapêutica
pólipos endometriais em mulheres após a me-
hormonal com progestágenos (AMP, 10mg/
nopausa e correlação com o risco de maligniza-
dia por 12 dias). Em casos de manifestações
ção. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janei-
vigentes de privação estrogênica ou outros
ro, v. 28, n. 1, Jan. 2006.
sintomas climatéricos, associar estrogênio por
via oral ou transdérmica; administrados con- COSTA, H. L. F. F.; COSTA, L. O. B. F. Histeroscopia
tinuamente com a progesterona cíclica ou no na menopausa: análise das técnicas e acurácia
esquema combinado contínuo. do método. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de
ƒƒ Histerectomia/ ablação endometrial: os méto- Janeiro, v. 30, n. 10, Oct. 2008.
dos cirúrgicos têm indicação mais liberal, na

226 Faculdade Christus


Capítulo 31

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Faculdade Christus 227


Capítulo 32
AMENORREIA PRIMÁRIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
João Henrique Pinheiro de Menezes Barreto
Karolinne Saraiva de Araújo

A- PROBLEMA As amenorreias podem ser divididas se-


gundo a época de instalação (primária ou se-
“Sou diferente das minhas amigas. “O cundária) ou de acordo com o sistema orgânico
que será que tenho doutor?” defeituoso (sistema nervoso central, hipotála-
Adolescente, 15 anos, preocupada, procu- mo, hipófise, ovário, útero e outros. (Tabela 1)
rou um ginecologista porque se sentia diferente Quanto ao início Quanto à origem
das amigas e da irmã; ainda não havia mens- Primária Neural hipotalâmica
truado, as mamas eram pouco desenvolvidas e Secundária Hipofisária
apresentava discretos pelos pubianos e axilares. Ovariana
Relatou que tanto a mãe quanto a irmã tiveram Canalicular
a sua menarca aos treze anos de idade. Exame Uso de medicamentos
físico e ginecológico: estatura e peso no per- Endocrinopatias
centil 25, mamas em estádios 2 de Tanner, pelos Tabela 1: Classificação das amenorreias.
em estádio 1 e genitália externa sem alterações Fonte: Giordano MG, 2009.
anatômicas e desenvolvimento físico inferior à
idade cronológica. Exames laboratoriais: FSH, Machado destaca um ponto básico: como
LH e estradiol fora dos padrões da normalidade. sua etiologia é extremamente variada, é funda-
mental identificar sua causa para uma orienta-
ção objetiva do tratamento.
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Define-se “Amenorreia primária” como
1. Identificar as principais hipóteses diagnósticas. a ausência de menstruação em mulheres que
2. Proceder com os exames laboratoriais. nunca tiveram fluxo menstrual. Alguns autores
3. Conhecer a conduta terapêutica. a definem como um atraso no aparecimento da
menarca, considerando-se 14 anos como a ida-
de limite para pacientes com ausência de cresci-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA mento ou que não desenvolveram os caracteres
1. Introdução sexuais secundários de forma adequada. Para
Speroff, o profissional médico deve ser sensa-
O termo amenorreia deriva do vocábulo to ao seguir estes critérios identificando situa-
grego: “α” (de alfa) com significado de privação; ções em que outros sinais clínicos permitem um
“men” (de mês, mensal) e “rhoia” (de fluxo). diagnóstico mais imediato.
O estudo da amenorreia é particularmen- Machado lembra a fisiologia necessária
te relevante na Ginecologia, pois a menstruação para que a menstruação se exteriorize:
é o resultado final de intensa e complexa intera-
ção entre vários sistemas do organismo, sobre- ƒƒ que o trajeto entre a cavidade uterina e o ex-
tudo do aparelho genital feminino. terior esteja permeável,
Capítulo 32

ƒƒ que haja um endométrio capaz de responder imperfuração himenal, septos vaginais trans-
aos estímulos dos hormônios ovarianos, versos e alguns casos de agenesia cervical, não
ƒƒ que haja produção adequada de estrogênios constituem uma amenorreia verdadeira, pois o
para proliferar o endométrio, endométrio se encontra presente e funcional-
ƒƒ que os ovários sejam estimulados pelo FSH e mente responsivo. O que ocorre é a retenção
LH hipofisários, a montante do fluxo menstrual, caracterizando
ƒƒ que a hipófise seja estimulada pelo GnRH hi- uma criptomenorreia. A história clínica é típica e
potalâmico que, por sua vez, sofre influência pontuada por crises progressivas de dor pélvica,
de emoções e do sistema nervoso central. consequentes a acúmulo e distensão cavitária
do sangue menstrual retido.
Segundo Reis, uma situação às vezes fi- A forma clássica da amenorreia primária
siológica, clinicamente comum, e que pode uterina é representada pela falha total dos fe-
ser confundida com a amenorreia primária, é o nômenos de fusão, canalização e reabsorção
atraso da menarca. A maioria das adolescentes dos cordões de Muller, conhecida como ute-
tem a sua primeira menstruação entre os 11 e rus bicornis rudimentarius solidus. Estes casos
14 anos, e Machado e Goldstein consideram o são também chamados de Síndrome de Mayer-
seu atraso possível até os 16 anos. Uma história -Rokitansky-Kuster-Hauser. Ainda não se conhe-
familiar semelhante pode sugerir origem cons- ce o mecanismo exato da agenesia dos ductos
titucional, porém a adolescente que não mens- de Muller, mas parece haver mutação do gene
truou até os quinze anos deve ser devidamen- do fator antimulleriano ou do receptor. Parece
te observada e examinada, considerando-se o haver anormalidades no metabolismo da galac-
tempo de evolução desde o aparecimento dos tose, com mutação no gene da enzima galac-
caracteres sexuais secundários. Se uma adoles- tose-1-fosfato-uridil-transferase. Como a pa-
cente de 15 anos teve o início de desenvolvi- tologia se restringe exclusivamente aos canais
mento puberal aos 14 anos, ela provavelmente de Muller, os ovários encontram-se presentes e
poderá esperar a menarca até 16 ou 17 anos. funcionando normalmente, promovendo o de-
Por outro lado, aquela que aos 16 anos ainda senvolvimento dos caracteres sexuais secundá-
não menstruou, mas iniciou seu desenvolvi- rios femininos, inclusive ovulando. Essa síndro-
mento por volta dos 12 anos, merece uma ava- me está muitas vezes associada com anomalias
liação completa. Alterações extremas de peso, do trato urinário. Pode ocorrer rim ausente em
stress e depressão parecem interferir na ativi- 15% dos casos, duplicidade ureteral em 40%
dade hipotalâmica atrasando o início dos ciclos das vezes e 10% de alterações ósseas.
hormonais.
Giordano afirma que o diagnóstico na
Pacientes com amenorreia primária podem maioria dos casos é realizado através do exa-
ser divididas em três grandes grupos básicos. me físico, ultrassonográfico e, se houver dúvida,
cariótipo (46XX). Urografia excretora e US renal
podem identificar alterações ureterais ou renais.
2. Primeiro Grupo Etiológico
O tratamento consiste em ampliar a ca-
As pacientes desenvolvem caracteres se- vidade vaginal, quando for necessário; está in-
xuais secundários normais, mas não chegam à dicada principalmente nos casos de queixa de
menarca. Principais causas: dispareunia. Como há gônadas funcionantes,
não há indicação de terapia hormonal.

2.1. Anomalias congênitas


Podem ser responsáveis por 15 a 20% de 2.2. Histerectomia pré-menarca
todos os casos da amenorreia primária, sendo o A retirada do útero às vezes é necessá-
diagnóstico frequentemente realizado durante ria, como tratamento de alguns tumores ma-
exame ginecológico de rotina ou no início da lignos como os de origem mesodérmica mista,
vida sexual. Geralmente estão associadas a ano- por exemplo, o sarcoma botrioide da vagina,
malias dos canais de Muller; o distúrbio bási- do útero ou da bexiga. Nestes casos, sendo os
co situa-se no útero/endométrio e nas vias de ovários preservados, os caracteres sexuais se-
comunicação: colo e vagina. Segundo Macha- cundários vão desenvolver-se, mas a paciente
do, essas anomalias que se apresentam como não menstruará.

230 Faculdade Christus


Capítulo 32

2.3. Insensibilidade periférica aos andróge- altas concentrações das gonadotrofinas; ou os


nos (síndrome de Morris) ovários não são responsivos aos altos níveis de
FSH, ou o FSH secretado é incapaz de estimulá-
É um pseudo-hermafroditismo masculino
-los. Na maioria dos casos, parece haver um ca-
em que as pacientes têm testículos e uma cons-
ráter autossômico recessivo, causado por mu-
tituição cromossomal XY, mas possuem fenóti-
tações do receptor de FSH em seu domínio de
po bem definido, genitália externa e caracteres
ligação hormonal. Estas mutações podem resul-
sexuais secundários femininos, inclusive mamas.
tar no início da puberdade normal ou retardada,
Apresentam-se sem ou com pouca pilosidade
mas acompanhada da amenorréia e das altera-
axilar e púbica; vulva morfologicamente normal,
ções ovarianas acima referidas.
mas imatura; vagina curta, terminando em fun-
do cego, e ausência de colo e útero. Segundo Machado, devido à raridade des-
se quadro, associada à falta de resposta ao tra-
Como as gônadas são testículos, haverá
tamento, o exame histopatológico é dispensável
síntese de androgênios (células de Leydig) e
do ponto de vista da orientação clínica, devendo
hormônio antimulleriano (células de Sertoli) na
ficar restrito às finalidades acadêmicas.
vida intrauterina. Como há insensibilidade aos
hormônios masculinos (provável defeito no re-
ceptor ou alteração pós-receptor), a testostero-
3. Segundo Grupo Etiológico
na não terá ação no seio urogenital, portanto
há diferenciação em genitália externa feminina Os caracteres sexuais secundários não se
(vulva e terço inferior da vagina). Porém, não desenvolveram em consequência de uma alte-
são os androgênios que inibem o desenvolvi- ração originalmente genital, provavelmente go-
mento do ducto de Muller e sim o hormônio nadal. Principais causas:
anti-mulleriano, e este tem ação hormonal. Por-
tanto, há inibição do desenvolvimento dos duc-
tos paramesonéfricos. Por esse motivo, há vulva 3.1. Disgenesia gonadal (ver capítulo Puber-
(seio urogenital) e não útero (ductos parameso- dade Tardia)
néfricos ou de Muller). A amenorreia primária, o desenvolvimento
Os testículos podem estar no abdômen, na normal ou incompleto dos caracteres sexuais se-
região inguinal ou nos lábios maiores e, pelo seu cundários e a baixa estatura são as características
alto potencial de degeneração maligna (poderá mais comuns para adolescentes com disgenesia
ocorrer em 20 a 30% dos casos, na segunda ou gonadal. São incluídos neste item aqueles indiví-
terceira década de vida), devem ser profilatica- duos com fenótipo feminino, cuja característica
mente retirados depois que a adolescente tenha fundamental é a presença de gônadas aplásicas
atingido a sua altura máxima e desenvolvimen- ou rudimentares. Entre as alterações disgenéticas
to mamário completo. As pacientes devem ser possíveis, a mais frequente é a Síndrome de Tur-
emocionalmente preparadas para a sua incapa- ner (disgenesia gônada-somática) e em que 57%
cidade de engravidar e menstruar; a orientação dos casos o cariótipo é 45X0. O mesmo aspecto
sexual desses indivíduos é feminina. Por isso, o das gônadas pode ser encontrado em indivíduos
médico assistente deve ser extremamente cuida- de estatura normal ou de aspecto eunucoide,
doso no uso das palavras quando for informar o porém sem nenhum dos estigmas de Turner, e
diagnóstico. A notícia da presença de testículos estes casos são denominados “disgenesia gona-
pode desencadear distúrbios psicológicos graves dal pura”. Na disgenesia gonadal mista, há uma
para a mulher, o parceiro e a família. gônada em fita de um lado e um testículo ima-
turo contralateral. Em alguns casos, na puberda-
de, ocorre a virilização em decorrência da ação
2.4. Síndrome dos ovários resistentes (Sín- dos androgênios produzidos pelos testículos,
drome de Savage) que poderão estar localizados no abdômen, na
região inguinal ou nos grandes lábios. Nesses
É caracterizada clinicamente por imatu-
casos o cariótipo é 46XY (Síndrome de Swyer); as
ridade sexual, amenorreia primária, hipoestro-
meninas acometidas têm estatura média e não
genismo e gonadotrofinas elevadas. Os ovários
apresentam esses estigmas turnerianos. A extir-
são pequenos, com uma população de folículos
pação cirúrgica das gônadas deve ser realizada
primordiais aparentemente normais, mas que
evitando-se transformações malignas. O trata-
não mostram sinais de maturação, apesar das

Faculdade Christus 231


Capítulo 32

mento é feito com reposição hormonal, à seme- aumento dos níveis de androgênios. São mais
lhança da Síndrome de Turner. comuns bloqueios na síntese dos esteroides da
adrenal por alteração das enzimas 21 e 11-hi-
droxilase (nove em dez casos pela primeira en-
3.2. Falência ovariana primária zima). Quando se manifesta durante a vida fetal,
Caracterizada por ausência ou deficiên- é responsável pela masculinização da genitália
cia no desenvolvimento dos caracteres sexuais externa feminina, desde este momento. Depois
secundários, amenorreia, infertilidade, deficiên- do nascimento, a excessiva produção de andro-
cia nos níveis séricos de hormônios esteroides gênios pela suprarrenal interfere no desenvolvi-
sexuais e elevação de gonadotrofinas; pode ser mento somático, podendo levar à virilização e à
idiopática, associada a processo auto-imune amenorreia primária das pacientes não adequa-
(observado com a Doença de Addison, hipoti- damente diagnosticadas e tratadas. Essa pato-
reoidismo, hipoparatireoidismo e/ou candidíase logia poderá não se manifestar durante toda a
muco-cutânea), com anormalidades nos recep- infância, revelando-se somente na adolescência.
tores de gonadotrofinas e nas gonadotrofinas, O tratamento será realizado com administração
com deficiência de enzimas que participam da de corticoides para diminuição dos níveis de
síntese do estrogênio, ou ainda resultante da ACTH e controle do hiperandrogenismo adre-
ação de quimioterapia e radioterapia sobre o nal. Há preferência pela dexametasona na dose
ovário. O tratamento padrão é a terapia hormo- 0,25 a 0,5mg, à noite, pois há melhor supressão
nal combinada para controle do hipoestroge- do eixo neuroendócrino quando comparado à
nismo (vasomotores, atrofia urogenital, inconti- hidrocortisona. O tratamento cirúrgico pode ser
nência urinária, osteoporose precoce). indicado nos casos mais graves.

3.3. Insensibilidade parcial aos androgênios 4.2. Pan-hipopituitarismo pré-menarca

São pacientes com cariótipo 46 XY que Como regra, está associada a evidências
possuem testículos funcionantes, mas os andro- clínicas da deficiência na elaboração de uma sé-
gênios produzidos por estas gônadas têm uma rie de hormônios. Geralmente, não se identifi-
ação incompleta nos órgãos-alvo. Os portado- cam fatores etiológicos, mas podem ser citados
res dessa patologia apresentam algum grau de como causas a destruição de partes da glândula
desenvolvimento dos caracteres sexuais mascu- por tumores na hipófise, no hipotálamo ou em
linos, desenvolvimento mamário menor do que áreas adjacentes, aneurismas intracranianos, to-
o esperado, pilosidade pubiana e vulva normais xoplasmose e infecções intracranianas.
e clitóris aumentado. O tecido testicular tam- A adolescente apresenta sinais e sintomas
bém pode ser encontrado no abdômen, na re- da diminuição da secreção dos hormônios hi-
gião inguinal ou nos grandes lábios, devendo pofisários, como baixa estatura, pouco desen-
ser retirado cirurgicamente na adolescência. volvimento mamário, desenvolvimento de pilo-
As principais formas incompletas de in- sidade axilar e pubiana deficiente ou ausente,
sensibilidade periférica aos andrógenos (insen- ausência de ação estrogênica vaginal e geni-
sibilidade parcial): S. de Lubs, Gilbert-Dreyfus, tálias interna e externa normais, mas imaturas.
Reifenstein e Wilson. Quando existe uma insuficiência significativa de
outros hormônios hipofisários, diferentes acha-
dos endocrinológicos vão muitas vezes se so-
4. Terceiro grupo etiológico brepor à amenorreia primária e à ausência do
desenvolvimento sexual.
Pacientes em que a amenorreia primária é
reflexo de uma alteração extragenital (endócrina,
hipotalâmica ou hipofisária). Principais causas: 4.3. Disfunção hipotalâmica e hipofisária
Tumores ao redor do quiasma óptico
4.1. Hiperplasia congênita de suprarrenal – ou do próprio hipotálamo, tumores encefáli-
HCSR cos ou anomalias congênitas, levando ao mau
funcionamento hipotalâmico e interferindo na
É causada por um defeito congênito na secreção normal de gonadotrofinas, podem ter
biossíntese de alguns esteroides adrenais, com

232 Faculdade Christus


Capítulo 32

como consequências amenorreia primária, in- ginal (amplitude, profundidade), verificação


fantilismo sexual, alterações no mecanismo de da ação estrogênica genital, avaliação do
regulação da temperatura corporal, diabetes e útero e anexos (em pacientes com vida se-
obesidade. Entre as causas da amenorreia hipo- xual por meio de exame especular e toque
talâmica, encontram-se a Síndrome de Kallmann bimanual). Mesmo em pacientes com ame-
(lesão genética congênita com déficit funcional norreia primária, a possibilidade de gravi-
na produção de GnRH associado à anosmia ou dez deve ser afastada.
hiposmia), a promovida por estresse ou altera-
ções emocionais, a anorexia nervosa e a relacio-
6. Exames complementares e testes
nada com atividade física excessiva.
hormonais
Quanto à amenorreia hipofisária, os tu-
mores da própria hipófise e de sua haste supras- Para Speroff e Machado, o primeiro passo
selar (craniofaringioma) representam a principal de toda a propedêutica é a dosagem de prolac-
causa. Podem ser suspeitados quando houver tina e TSH.
queixa de cefaleia, perturbações visuais ou hi- ƒƒ Dosagens de FSH e LH também são úteis: se
pertensão intracraniana. Tumores malignos de os níveis estão normais ou baixos, sugerem
hipófise e outras lesões não neoplásicas como hipogonadismo hipogonadotrófico, enquan-
cistos, tuberculoma, goma sifilítica ou sarcoido- to que níveis altos nos levam a pensar em hi-
se são raros. pogonadismo hipergonadotrófico.
ƒƒ Teste do progestágeno: a menstruação
pode ser induzida com o uso de um proges-
4.4. Hipotireoidismo tágeno como o acetato de medroxiproges-
Tanto o hiper como o hipotireoidismo terona, 10mg/dia, via oral ou a progestero-
poderão associar-se à amenorreia; ela, porém, na micronizada, 300 mg/dia, via oral, ambos
é mais frequente no hipotireoidismo. Pacientes por 5 dias. Speroff contraindica o uso de
com história ou aparência de severo hipotireoi- anticoncepcionais hormonais orais porque
dismo pré-menarca podem apresentar baixa não reproduzem a ação progestacional pura
estatura e infantilismo (retardo na maturação necessária neste momento. Ocorrendo o
óssea e no desenvolvimento puberal). sangramento, confirma-se a presença de
estrogênio endógeno circulante e, indire-
tamente, também, uma hipófise e hipotála-
5. Diagnóstico mo funcionantes. Se a paciente não sangrar,
procura-se por alguma malformação do tra-
Anamnese e exame físico cuidadoso e
to genital.
criterioso já permitem suspeição diagnóstica.
ƒƒ Outros exames complementares: métodos
Por meio deles, solicitam-se alguns exames
de imagem (ecografia pélvica, malforma-
subsidiários pertinentes ao quadro clínico exi-
ções genitais, radiografia de sela turca, to-
bido pela paciente.
mografia computadorizada – TC e ressonân-
Avaliações pertinentes durante a anam- cia magnética - RM), cariótipo (disgenesia
nese e o exame físico: gonadal), laparoscopia e avaliações neu-
rológica e oftalmológica. Machado orienta
ƒƒ História médica pregressa: doenças e cirurgias
para que TC e RM só sejam solicitadas para
durante a infância, cefaleia, distúrbios visuais,
esclarecimento de lesão suspeitada pela ra-
idade do aparecimento e desenvolvimen-
diografia de sela turca.
to dos caracteres sexuais secundários, dieta
Dependendo da suspeita etiológica,
atual com ganho ou perda de peso, estresse
outros exames estarão indicados: prolactina,
emocional, relações familiares e emocionais.
SDHEA (é útil nas suspeitas de tumores adre-
ƒƒ Exame físico: peso, altura, sinais de doença
nais), insulina (SOP), TSH e T4 livre, cariótipo,
sistêmica ou alterações endócrinas, estágio
entre outros.
de desenvolvimento dos caracteres sexuais
secundários, distribuição de pilosidade cor-
poral, presença de acne e/ou hirsutismo e/
ou virilismo, galactorreia, anatomia da ge-
nitália externa, exploração da cavidade va-

Faculdade Christus 233


Capítulo 32

7. Fluxograma de Diagnóstico de Amenorreia Primária

Fonte: MASTER-HUNTER, T., HEIMAN, D.L. Amenorrehea: Evaluation and Treatment. American Family Phisician, Unit-
ed States, v.73, n.8, p.1374-1382, abril, 2006.

8. Tratamento gramento cíclico mensal. Indivíduos sem útero


não necessitam de terapia progestagênica (in-
Segundo Giordano, o tratamento da
sensibilidade androgênica completa).
amenorreia dependerá da identificação do fa-
tor etiológico. Poderá ser clínico, cirúrgico ou A terapia hormonal estroprogestínica
apenas acompanhamento: atraso fisiológico do também estará indicada na FOP, minimizando
desenvolvimento sexual. os efeitos do hipoestrogenismo no trato uroge-
nital, na massa óssea, no SNC e perfil lipídico.
Quando há deficiência na síntese estro-
gênica (síndrome de Turner, FOP, insensibilida- Mulheres com hipogonadismo hipogona-
de androgênica, a terapia hormonal substitutiva dotrófico, de origem central, poderiam benefi-
deve ser empregada. ciar-se do tratamento com GnRH. Mas também
são tratadas na prática clínica diária com terapia
Nos casos de amenorreia primária com hi-
hormonal combinada; se desejam engravidar,
pogonadismo, iniciar a estrogenioterapia isolada
devem ser submetidas à indução da ovulação.
(0,625 a 1,25mg de estrogênios conjugados ou
1 a 2mg de 17-beta-estradiol) para estímulo ao O tratamento cirúrgico é indicado em
desenvolvimento dos caracteres sexuais secun- situações especiais: agenesia uterovaginal –
dários. Após período de seis a oito meses, acres- síndrome de Rokitansky, (confecção de neova-
centam-se progestágenos por 14 dias; acetato gina) ou insensibilidade completa aos andro-
de medroxiprogesterona 10mg ou progesterona gênios – S. de Morris (ablação das gônadas
natural micronizada, 200mg, para promover san- após a puberdade).

234 Faculdade Christus


Capítulo 32

D- Referências Bibliográficas
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Ginecologia. 14.ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2008, p.770-790.

Faculdade Christus 235


Capítulo 33
AMENORREIA SECUNDÁRIA
João Marcos de Meneses e Silva
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Patrícia de Freitas França
Paula Soares de Mattos Carneiro

A- PROBLEMA ra amenorreia como a falta de menstruação por


três meses em mulheres previamente normais
M.F.S., 22 anos, sexo feminino, corredora, ou de nove meses para mulheres com oligome-
em treinamento intenso para as Olimpíadas de norréia prévia.
2012 compareceu ao ambulatório com queixa
de falta de menstruação. Desde a menarca aos A prevalência de amenorreia varia depen-
13 anos, sempre perdeu pouco sangue duran- dendo da faixa etária. Em mulheres entre 13-18
te a menstruação; com o aumento da atividade anos a prevalência é em torno de 9% e em mu-
física, aos 15 anos, o fluxo menstrual diminuiu lheres de 25-35 e 36-44 anos a taxa é de 3 e 5%,
mais ainda e há 4 meses não menstrua. Relata respectivamente. Sua incidência é de aproxima-
ser vegetariana e apresentar dieta nutricional- damente 0.7%.
mente pobre para o seu metabolismo de atleta. Um ciclo menstrual regular e previsível
Exame físico: peso abaixo do normal com pouca ocorre quando os hormônios ovarianos estra-
gordura corporal; sem sinais de doenças sistê- diol e progesterona são secretados em respos-
micas; distribuição de pelos normais, sem sinais ta ao estímulo do eixo hipotálamo-hipófise. O
de hirsutismo e de virilismo, ausência de ga- estradiol circulante estimula o crescimento do
lactorreia. Vida sexual normal; usa preservativo endométrio. A progesterona, produzida pelo
com regularidade. corpo lúteo após a ovulação, transforma esse
endométrio de proliferativo para secretório. Em
não ocorrendo a fecundação, há queda dos ní-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM veis hormonais, levando à descamação do en-
dométrio, ocorrendo a menstruação.
1. Identificar as hipóteses diagnósticas.
2. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial. Amenorreia secundária pode ocorrer de-
3. Conhecer a propedêutica. vido a diversas causas e são relacionadas com
4. Compreender a conduta terapêutica. os órgãos que fazem parte desse ciclo, ou seja,
hipotálamo, hipófise, ovários e útero. Todos os
anos, aproximadamente, 5-7% das mulheres
C- ABORDAGEM TEMÁTICA em idade reprodutiva apresentam três meses
de amenorreia secundária. A supressão mens-
1. Introdução
trual devido ao uso de anticonceptivos orais
Amenorreia secundária é uma cessação não é considerada amenorreia secundária. As
no ciclo menstrual após, pelo menos, um episó- principais causas, depois da gravidez, são as
dio menstrual e, por um período de três ciclos. relacionadas com o eixo hipotálamo-hipófise
Ainda existem divergências quanto ao conceito que correspondem a aproximadamente 23%
de amenorreia. A maioria dos autores conside- das causas, seguido de causas ovarianas (12%),
Capítulo 33

outras doenças sistêmicas (8%), anormalidades sugere uma necrose hipofisária – Síndrome de
anatômicas (7%) e menos frequentemente os Sheehan – e pode ser causa de amenorreia. De-
defeitos de receptores e enzimas (1%). tectar essa patologia é importante, devido a sua
alta associação com a insuficiência adrenal se-
Quando a regularidade do ciclo menstrual
cundária, que pode ser uma condição delicada.
é perdida, significa que tanto a função repro-
dutiva quanto a função endócrina dos ovários Fadiga, anorexia, perda de peso, febre,
podem estar comprometidas. A falta da mens- tosse e dispneia podem sugerir sarcoidose. Fra-
truação também está relacionada com a redu- queza, perda de peso e mudanças na coloração
ção da densidade óssea e o aumento do risco da pele podem sugerir hemocromatose.
de fratura.
Deve-se questionar sobre os hábitos
alimentares da paciente e o tipo e frequência
de exercícios físicos praticados. Uma restri-
2. Diagnóstico
ção alimentar, principalmente de carboidra-
A perda da regularidade menstrual deve tos e gordura, pode causar essa perda da
ser um indicador de uma revisão cuidadosa de regularidade menstrual, assim como o exer-
alguns sistemas que controlam o ciclo ovariano cício físico vigoroso praticado por mais de 8
assim como a anatomia dos órgãos genitais fe- horas por semana.
mininos. A perda do ciclo menstrual pode ser o
Sintomas psiquiátricos podem ser avalia-
primeiro sintoma de algumas doenças, deven-
dos de uma forma subjetiva durante a consulta,
do-se então ficar atento para o diagnóstico pre-
pois algumas vezes também estão associados
coce e para a correta intervenção.
ao diagnóstico de amenorreia. O uso de dro-
gas ilícitas e o abuso de álcool devem sempre
2.1. História clínica ser questionados.

O tempo de consulta hoje em dia tornou-


-se mais curto, não permitindo uma revisão 2.2. História física
detalhada de todos os sistemas. Logo, muitas
O exame físico deve começar pela ava-
vezes, mais de uma visita para conseguir com-
liação do peso e altura da paciente. O exame
pletar a avaliação do paciente é necessária.
da pele auxilia a evidenciar sinais de excesso
Como a gravidez é a principal causa de de androgênios, como o hisurtismo, alopécia
amenorreia secundária, determinar se o pacien- e acne. Em alguns casos pode-se visualizar
te é sexualmente ativo e se usa métodos contra- “acantose nigrans”, relacionada à resistência
ceptivos é de extrema importância na hora da insulínica. Vitiligo ou o aumento da pigmenta-
consulta. É muito comum relacionarem a perda ção palmar podem sugerir insuficiência adre-
do ciclo menstrual exclusivamente a eventos es- nal primária. Pele fina, estrias e hematomas
tressantes, porém essa conduta pode retardar o podem ser sinais da síndrome de Cushing.
diagnóstico de patologias significantes. Pele quente e úmida, taquicardia e bócio po-
Em um primeiro momento, deve-se dem sugerir hipertireoidismo.
questionar o paciente sobre diversos aspec- Deve-se examinar a presença de pelos
tos na busca de um diagnóstico. Por exemplo: axilares e pubianos, que são marcadores da
uma história prévia de procedimento cirúrgico secreção androgênica adrenal e ovariana. Em
envolvendo a cavidade endometrial pode au- casos de pan-hipopituitarismo, as fontes de an-
mentar as chances da amenorreia ser devida a drogênio são baixas e causam a perda de pelos
aderências uterinas (Síndrome de Asherman); nessas áreas.
sintomas como vagina seca, ondas de calor, su-
dorese noturna, alterações do sono podem su-
gerir insuficiência ovariana primária. Sintomas 2.3. Causas
como galactorreia, dores de cabeça ou redução As causas de amenorreia secundária po-
da visão periférica podem estar associados a dem ser agrupadas em dois grandes grupos:
tumores intracranianos e merecem uma melhor aquelas sem evidência de excesso de androgê-
avaliação. nio associado e aquelas com evidência de an-
História de hemorragias após o parto drogênio associada.

238 Faculdade Christus


Capítulo 33

Como já mencionado, a gravidez é a drome dos ovários policísticos que decorre


principal causa de amenorreia secundária. As de alterações do eixo neuroendócrino e as
outras causas geralmente são mencionadas neoplasias funcionantes do ovário que acar-
agrupadas de acordo com os locais de controle retam hiperandrogenismo.
do ciclo menstrual.
A síndrome de Asherman é consequên-
As principais causas: cia de manipulações da cavidade endometrial
originando sinéquias, comumente associadas
Processos Gravidez
fisiológicos Efeitos de medicações
a abortos.
Anorexia nervosa Dentre as causas extragenitais estão al-
Doença crônica terações da tireoide (hipertireoidismo, hipo-
Histiocitose tireoidismo), hiperplasia congênita tardia da
Hipotálamo Linfoma
suprarrenal, doenças crônicas como leucemia,
Efeito de medicações
tuberculose pela perda de proteínas e desvios
Estresse
ponderais (tanto a obesidade quanto a desnu-
Exercício físico vigoroso
Síndrome da Galactorreia trição podem levar à amenorreia secundária).
Síndrome da sela turca vazia
Hipófise Hiperprolactinemia
Adenoma de hipófise 3. Diagnóstico diferencial
Síndrome de Sheehan
O diagnóstico diferencial deve ser feito en-
Doença ovariana autoimune
tre essas principais causas por meio da avaliação
Síndrome de ovário policístico
dos sinais e sintomas clínicos, achados laborato-
Ovário Síndrome de Turner
Radioterapia
riais e em alguns casos estudos de imagens.
Quimioterapia Como afirma Speroff, - “Poucos proble-
Útero Síndrome de Asherman mas na ginecologia são tão desafiadores como
Hímen imperfurado
Anatômicas a amenorreia, os profissionais devem preocu-
Septo vaginal transverso
par-se com uma vasta lista de doenças possí-
Hipertireoidismo
Doenças veis e várias delas envolvem órgãos sistêmicos
Hipotireoidismo
sistêmicas não tão familiares aos ginecologistas”. Algumas
Depressão
etiologias são muito simples, porém outras
Fonte: BADER, T J.; ALLEN, R; ARGENTA, P. Segredos em Gi-
apresentam certa morbidade e podem até ser
necologia e Obstetrícia.3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
letais ao paciente.

O fato de já ter previamente um ciclo


menstrual normal significa que o eixo hipotála- 4. Exames laboratoriais
mo-hipófise-ovário é anatomicamente funcio-
O teste de gravidez (B-HCG) é de extrema
nante, que o trato genital não está obstruído.
importância, excluindo facilmente a principal
O hipotálamo pode ter sua função altera- etiologia. Uma vez excluído gravidez, e se com
da devido a alterações psicogênicas que atuam a anamnese, outra etiologia não foi sugerida,
no sistema límbico, bloqueando sua ação; tam- deve-se pedir um hemograma completo, sumá-
bém devido ao bloqueio temporário do fator de rio de urina, prolactina sérica, FSH, LH, estradiol,
secreção de gonadotrofinas que pode ser de- TSH e T4 livre.
corrente de causas iatrogênicas, ou prática exa-
Quando os níveis de prolactina forem
gerada de exercícios físicos.
maiores que 200ng/mL, deve-se pensar em
A hipófise pode ter sua função alterada adenoma hipofisário (prolactinoma), uma vez
devido a endocrinopatias, alterações vasculares que níveis tão altos são raros. Em geral, o ní-
ou alterações destrutivas locais. Normalmente, vel de prolactina está diretamente relacionado
são alterações irreversíveis que prejudicam a se- ao tamanho do tumor. Vale salientar que dro-
creção de gonadotrofinas. gas psicotrópicas, hipotireoidismo e estresse
Entre as alterações ovarianas, desta- e a síndrome dos ovários policísticos também
cam-se: o climatério precoce que correspon- podem elevar a prolactina, porém não tão alto
de à falência do patrimônio folicular; a sín- quanto esses níveis.

Faculdade Christus 239


Capítulo 33

O nível de FSH aumentado (> 25mUI/ml) 4.1. Exames de imagem


em mulheres no período do climatério é um in-
Para avaliação de alterações no trato ge-
dicativo de insuficiência ovariana. Repete-se o
nital, deve-se solicitar, de acordo com o caso,
teste com um mês e se o nível continuar o mes-
histerossalpingografia e/ou histeroscopia diag-
mo está confirmada a insuficiência ovariana. O
nóstica, ecografia pélvica e/ou abdominal, to-
hormônio luteinizante (LH) encontra-se eleva-
mografia pélvica e/ou abdominal. Além de auxi-
do na insuficiência ovariana e na deficiência de
liar no diagnóstico, a medida do útero e anexos
17,20-desmolase.
obtida por ecografia pélvica será de especial
Os níveis de TSH e T4 livre auxiliam no importância para o acompanhamento do trata-
diagnóstico de hipertireoidismo ou hipotireoi- mento.
dismo. Ambas as condições estão relacionadas
A ressonância nuclear magnética (RNM)
com amenorréia secundária.
de hipófise é importante e muito indicada nos
Os níveis de testosterona e o de sulfato casos de amenorreia hipofisária – hipogonadis-
de dehidroepiandrosterona não são necessários mo hipogonadotrófico. A RNM deverá ser re-
para aquelas mulheres que não apresentam evi- alizada quando a paciente apresenta profunda
dências de excesso de androgênios. deficiência de estrogênio, hiperprolactinemia
ou dores de cabeça e perda de campo visual. A
Havendo sinais sugestivos de síndrome
ressonância magnética identifica lesões meno-
de Cushing, dosar também o cortisol livre uriná-
res do que a tomografia.
rio em amostra de 24 horas e/ou o cortisol sé-
rico às 8 horas após supressão “overnight” com
1 mg de dexametasona. Como alternativa, pode
5. Tratamento
ser dosado o cortisol salivar entre 23 horas e
meia-noite. Como as causas de amenorreia secundá-
ria são tão diversas, a paciente beneficia-se de
Como algumas síndromes genéticas po-
uma equipe multidisciplinar (endocrinologista,
dem causar amenorreia secundária, o carióti-
geneticista, psiquiatra e nutricionista) para a
po da paciente pode ser estudado em alguns
avaliação do caso e sugestão de conduta. Essa
casos selecionados.
parceria é sempre recomendável nesses casos,
O teste da progesterona é usado para havendo uma divisão de responsabilidades e
avaliar se a origem da amenorreia é alta (sis- uma soma de esforços para a solução do caso.
tema nervoso central) ou baixa (trato geni-
Causas irreversíveis: tratamento hormo-
tal). Usa-se acetato de medroxiprogesterona
nal substitutivo.
10mg/dia, via oral ou progesterona microniza-
da, 300mg/dia, via oral, ambos por 5-10 dias. Causas reversíveis: tratamento do fator
Aguarda-se pelo sangramento por até 14 dias, etiológico.
mas geralmente ocorre em três a sete dias.
Ocorrendo sangramento vaginal, o teste é con-
siderado positivo, concluindo-se que o útero é 5.1. Anovulação crônica estrogênica
normal com colo e canal vaginal permeáveis e A síndrome dos ovários policísticos (SOP)
o endométrio é responsivo. Se o sangramento é a causa mais comum de anovulação crônica
for em pequena quantidade, o teste deve ser estrogênica, depois de excluída a gravidez. Os
repetido em trinta dias. Se não ocorrer san- anticoncepcionais orais são os fármacos mais
gramento, deve-se usar estrogênio conjugado utilizados e com benefícios comprovados no
1,25mg/dia ou estradiol, 2mg/dia, por 20 a 30 tratamento dos distúrbios menstruais e hipe-
dias, associado a progesterona nos últimos dez randrogênicos em mulheres que não preten-
dias. Se o sangramento não ocorrer, é provável dem engravidar.
que exista alguma alteração no trato genital
baixo. O teste do estrogênio conjugado com O tratamento inicial de infertilidade
medroxiprogesterona é uma opção quando devido à disfunção ovulatória na maioria das
não é possível a dosagem de estradiol ou a mulheres tem sido o citrato de clomifeno, que
avaliação com exames de imagem. aumenta a liberação de gonadotrofinas hipo-
fisárias, promovendo o recrutamento folicular.
A dose recomendada é de 25-50 mg/dia por 5

240 Faculdade Christus


Capítulo 33

dias, podendo chegar a 200 mg/dia. Com seu baseado na terapia hormonal, especialmente
uso ocorre ovulação em até 70% das pacien- para preservação da massa óssea e do trofismo
tes. Terapias combinadas envolvendo citrato urogenital, o alívio dos sintomas da deficiência
de clomifeno e outros agentes (metformina, estrogênica e uma melhora significativa na qua-
glicocorticoides, gonadotrofinas exógenas) lidade de vida.
podem ser efetivas nas falhas de indução da
ovulação. O uso de metformina tem ganho
muito destaque e seus resultados são bastante 5.5. Causa anatômica uterina
promissores. Ela diminui os andrógenos livres O tratamento das aderências intrauterinas
pela diminuição da produção e pelo aumen- é a ressecção das sinéquias, por histeroscopia ci-
to da produção hepática da SHBG. A dose de rúrgica, seguida da administração de estrógeno
metformina inicial é de 500 mg/dia e deve ser e progestágeno após a lise das aderências para
aumentada semanalmente para evitar seus estimular a nova epitelização do endométrio.
efeitos gástricos até a dose de 500 mg 3x/dia.
Seu uso está contraindicada em caso de doen-
ça hepática ativa, insuficiência renal moderada D- Referências Bibliográficas
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5.2. Hiperprolactinemia Low Serum Luteinizing Hormone and Follicle-
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(doses divididas, nas refeições). A cabergolida
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GENAZZANI, A.; RICCHIERI, F.; LANZONI, C.;
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5.4. Causas ovarianas MEYER, A.C.; PAPADIMITRIOU, J.C.; SILVERBERG,


S.G.; SHARARA, F.I. Secondary amenorrhea and
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tante da falência ovariana não tem tratamento
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nética ou doença autoimune, o tratamento é

Faculdade Christus 241


Capítulo 33

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242 Faculdade Christus


Capítulo 34
SÍNDROME CLIMATÉRICA
Francisco das Chagas Medeiros
Ane Larissa Barreto Martins

A- PROBLEMA No climatério ocorrem mudanças físicas e


emocionais. Vários fatores, como antecedentes
H.M.P., 47 anos, casada, professora, natural pessoais, ambiente e cultura, afetam cada uma
de Fortaleza procurou o ginecologista queixando- das mulheres de forma diferente, repercutindo
-se de ondas de calor e suor noturno frequentes em seus sentimentos e na qualidade de vida.
e angustiantes. Relata estar com insônia devido a
esses eventos, o que a deixa bastante irritada e Quando essa fase de transição é acompa-
cansada no dia seguinte, prejudicando suas ativi- nhada de sintomas, ela é denominada de “sín-
dades diárias. Quando indagada, disse que está drome climatérica”, que pode estender-se além
tendo dificuldades na relação sexual com seu ma- do término do climatério (“síndrome pós-clima-
rido, pois sente muita dor. A paciente parece bas- térica”). Os sintomas são atribuídos à deficiên-
tante preocupada e afirma ter medo de que essa cia do estrogênio ocasionada pela exaustão dos
situação interfira em seu casamento e no trabalho. folículos ovarianos.
A gravidade e a frequência dos sintomas
são variáveis e tendem a durar cerca de dois
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM anos após o aparecimento.

1. Definir climatério e síndrome climatérica.


2. Descrever as manifestações clínicas na sín- 2. Manifestações clínicas da síndrome
drome climatérica.
climatérica
3. Citar esquemas terapêuticos para as princi-
pais manifestações da síndrome climatérica. 2.1.1. Sintomas vasomotores
Os fogachos correspondem ao sintoma
C- ABORDAGEM TEMÁTICA mais comum do climatério e ocorrem em até
75% das mulheres na perimenopausa, sendo
1. Introdução definidos como uma sensação súbita e tran-
sitória de calor, que se irradia para as regiões
O climatério é um fenômeno endócrino
da face, cervical e torácica, em ondas, geral-
definido como o intervalo de tempo que com-
mente acompanhada por sudorese, rubor fa-
preende a transição do período reprodutivo para
cial, palpitações e cefaleia, e pode ser seguida
o não reprodutivo da mulher, envolvendo as fa-
de calafrios.
ses pré e pós-menopausa, sendo o diagnóstico
da menopausa firmado após um ano seguido de O mecanismo fisiológico dos fogachos
amenorreia. Esta fase de transição da menopausa ainda não é totalmente esclarecido. Estes são
é caracterizada por elevados níveis de hormônio resultados de uma disfunção central da termor-
folículo-estimulante (FSH) e variação da duração regulação, no hipotálamo, o que leva ao au-
do ciclo menstrual. Todas as mulheres de meia mento da temperatura corporal central e cutâ-
idade são acometidas, principalmente, aquelas nea e do metabolismo, causando vasodilatação
que estão por volta dos 45 anos. periférica, taquicardia transitória e sudorese em
Capítulo 34

algumas mulheres. Este evento pode ser desen- podem causar dispareunia. O epitélio torna-se
cadeado por ativação noradrenérgica, serotoni- menos celular, ocasionando a perda do gli-
nérgica ou dopaminérgica. Frequentemente há cogênio e a diminuição do ácido láctico, nos
um pico de hormônio luteinizante (LH) no mo- quais, resultam na mudança do pH ácido da
mento do fogacho, porém esta não é a causa, vagina para um pH mais alcalino. Isto aumenta
porque ele também ocorre em mulheres sub- o risco às infecções.
metidas à ressecção da hipófise, mostrando que
Na prática, as mulheres referem dispareu-
não há relação entre o pico de LH e os fogachos.
nia, irritação e ausência da lubrificação vaginal.
O papel exato dos estrogênios na mo- Sinais da atrofia vaginal podem ser detectados
dulação desses eventos não é conhecido. Os no exame físico: palidez epitelial, petéquias, au-
fogachos são resultantes da interrupção do sência de pregueamento vaginal e de elasticida-
estrogênio e não apenas da deficiência dele. de. Ao contrário dos sintomas vasomotores, os
Por exemplo, uma mulher jovem com insufi- sintomas vaginais geralmente persistem ou se
ciência ovariana primária decorrente da Sín- agravam com o envelhecimento.
drome de Turner, com elevado nível de FSH
Já os sintomas urinários não estão clara-
e baixo nível de estrogênio, só manifesta o
mente correlacionados com a transição da meno-
fogacho quando o tratamento com estrogê-
pausa. As principais queixas urinárias são: urgência
nios é interrompido.
miccional, noctúria, polaciúria, disúria e infecções
Os fogachos duram de 30 segundos a 5 urinárias recorrentes. Infecções reincidentes na
minutos e ocorrem com maior frequência à noi- bexiga podem comprometer sua função e condu-
te, geralmente acompanhados de sudorese no- zir a um quadro de incontinência urinária.
turna, interferindo na qualidade do sono levan-
do ao cansaço, irritabilidade no período diurno
e dificuldades com a memória e a concentração. 2.1.3. Sintomas psicológicos
Tendem a ser mais prolongados e severos em Os sintomas psicológicos são queixas
mulheres que tiveram uma menopausa induzida frequentes de algumas mulheres durante o cli-
cirurgicamente, devido à interrupção abrupta matério. Os principais sintomas são depressão,
do estrogênio. ansiedade, perda da concentração, alteração do
Na maioria das mulheres, os fogachos são humor e na função cognitiva.
transitórios. A melhora dos sintomas podem Receptores de estrogênio estão presentes
ocorrer em poucos meses em cerca de 30 a 50% no sistema nervoso central, porém, não se pode
das mulheres e resolvem-se em 85 a 90% das afirmar que o decréscimo do nível do estrogê-
mulheres dentro de 4 a 5 anos. nio contribui diretamente na intensidade dos
Os fogachos podem ser agravados por sintomas psicológicos relatados no climatério.
alguns fatores, como estresse, alcoolismo, taba- Mulheres com antecedentes de transtornos afe-
gismo, cafeína, alimentação e clima quente. tivos têm risco aumentado para ter depressão.
Os fogachos e a insônia podem influen-
ciar negativamente nos sintomas psicológicos,
2.1.2. Atrofia urogenital
como na irritabilidade e no cansaço para reali-
O trato urogenital é sensível aos efeitos zar as atividades diárias.
dos hormônios sexuais femininos, pois contém
receptores de estrogênio na vagina, uretra, be-
xiga e musculatura do assoalho pélvico. Logo, a 2.1.4. Alterações da atividade sexual
deficiência estrogênica no climatério pode levar Existe uma tendência para a diminuição
à atrofia dos tecidos epiteliais, redução da vas- na frequência de relações sexuais e para o de-
cularização, diminuição da massa muscular e clínio do desejo sexual com o aumento da ida-
aumento da deposição de tecido adiposo, cau- de que, somados aos sintomas da menopausa -
sando sintomas como ressecamento e prurido por exemplo, a dispareunia - podem influenciar
vaginal, dispareunia, disúria e urgência miccional. desfavoravelmente na atividade sexual.
A atrofia da mucosa vaginal é responsá- A diminuição da atividade sexual tem
vel pela diminuição do fluxo sanguíneo, per- etiologia multifatorial envolvendo problemas
da da elasticidade e do tônus muscular, o que

244 Faculdade Christus


Capítulo 34

psicológicos como depressão e ansiedade, con- e a gravidade dos fogachos, reduzindo a fre-
flitos no relacionamento e problemas físicos quência em até 95%. Todos os tipos e vias de
que tornam o ato sexual desconfortável, como a administração de estrogênio são efetivos. O be-
dispareunia e vaginite atrófica. Ou seja, há uma nefício é dose relativa, porém mesmo as baixas
interação entre fatores biológicos e motivacio- doses já são muitas vezes eficazes.
nais que podem contribuir para a perda da libi-
Geralmente há o alívio dos sintomas em
do e afetar o ato sexual.
4 semanas após o início padrão das doses de
A diminuição da libido e da resposta se- estrogênios (1mg por dia de estradiol oral ou
xual, podem ser atribuídas ao declínio nas taxas equivalentes). Doses mais baixas podem não ter
de estradiol e de testosterona durante o clima- os efeitos máximos de 8 a 12 semanas; entre-
tério. Entretanto, os fatores psicológicos apre- tanto estão associadas com menores taxas de
sentam maior impacto sobre a função sexual do efeitos colaterais, como hemorragia uterina e
que as próprias alterações hormonais. sensibilidade nos seios.
A terapia hormonal deve ser feita com
a menor dosagem e durante o mínimo tempo
3. Tratamento na síndrome climatérica
possível para atingir seus objetivos. Recomen-
3.1. Sintomas vasomotores da-se que o tratamento hormonal dos fogachos
3.1.1. Terapias alternativas e comportamentais deve ser feita em até cinco anos, e que após
esse período, seja feito a suspensão gradual das
O tratamento paliativo para os fogachos doses do medicamento. A interrupção abrupta
é a adoção de práticas que diminuam a tem- do tratamento pode trazer de volta os incômo-
peratura do corpo, como uso de roupas leves dos fogachos.
e exposição a ambientes mais arejados. É im-
portante o incentivo à prática de atividade física É importante que a paciente seja orien-
e ao abandono do fumo. A prática de exercí- tada quantos aos efeitos adversos e as contra-
cios físicos regulares é uma boa opção durante -indicações da terapia hormonal. O estrogênio
o climatério, pois além de aliviar os fogachos, deve ser evitado em mulheres com história ou
influencia no aumento da densidade óssea, na que estão em risco aumentado para doença
preservação da massa muscular, atua no perfil cardiovascular, câncer de mama, câncer uteri-
lipídico e melhora o humor. no, doença tromboembólica venosa e naquelas
com doença hepática ativa.
Estudos demonstraram que o alonga-
mento é mais benéfico do que a prática de exer- O estrogênio transdérmico, que evita
cício físico moderado quanto à diminuição do a primeira passagem do metabolismo hepá-
rubor. A respiração lenta (respiração ritmada), tico, tem menos efeitos sistêmicos e estão
que pode reduzir o tônus simpático em geral, associados ao menor risco de tromboembo-
reduziu a frequência do rubor em 35% a mais lismo venoso.
do que o relaxamento muscular. Os estrogênios associados à progesti-
Não existe comprovação científica do bene- na estão relacionados ao risco aumentado de
fício do uso de produtos naturais (fitoestrogênios), eventos coronarianos, embolia pulmonar e
da vitamina E e derivados da soja no tratamento câncer de mama, quando comparados ao uso
dos fogachos na menopausa. Muitas mulheres pre- do estrogênio isolado. Isto sugere que o uso
ferem medicamentos alternativos por acreditarem de progestágenos pode agravar os riscos. Po-
que eles são mais seguros, porém os fitoestrogê- rém, o risco de hiperplasia do útero e câncer,
nios podem causar efeitos adversos semelhantes aumenta significativamente com o tratamen-
aos observados na terapia estrogênica. to à base de estrogênios em mulheres com
útero, bem como dos procedimentos gineco-
lógicos e da histerectomia. Daí a importância
3.1.2. Terapia hormonal de sempre indicar a associação de estrogênio
com a progestina para mulheres que não se-
A terapia hormonal, quando não há con- jam histerectomizadas.
traindicações, é o tratamento de primeira linha
para o controle dos sintomas vasomotores. O As progestinas (Acetato de medroxipro-
estrogênio melhora sensivelmente a frequência gesterona – Provera 20mg/dia e Acetato de Me-
gestrol – Megace 40mg/dia) são eficazes para

Faculdade Christus 245


Capítulo 34

o tratamento dos fogachos, porém são comuns 3.2. Atrofia urogenital


os efeitos adversos (náuseas, vômitos, sonolên-
A reposição estrogênica melhora os sin-
cia, depressão, sensibilidade dos seios, sangra-
tomas em 1 mês e, a recuperação do tecido
mento uterino e possível aumento dos riscos de
epitelial pode ser feita em 6 meses a 1 ano.
tromboembolismo venoso, eventos cardiovas-
O tratamento pode ser realizado por via oral
culares e câncer de mama).
ou local.
A menor dose de progesterona, que pro-
A aplicação tópica é preferida quando
tege o endométrio depende da dose do estro-
comparada à via oral, pois necessita de meno-
gênio, da preparação da progesterona, da dose
res doses para o mesmo efeito, sem apresentar
e da frequência de administração. A fim de mi-
efeitos colaterais sistêmicos. Os estrogênios va-
nimizar a exposição, em alguns casos são admi-
ginais, disponíveis em cremes, comprimidos ou
nistradas progestinas a cada 3 a 4 meses, por 14
anéis de liberação de estradiol, são altamente
dias, em vez de mensal, mas a segurança desses
eficazes com melhora ou alívio relatado por 80
regimes para o endométrio é incerta.
a 100% das mulheres tratadas. Quando eles são
A tabela 1 fornece uma lista de medica- utilizados nas doses e frequência recomenda-
mentos hormonais combinados com segurança das, não é necessária a adição de progestágeno
endometrial documentada para o tratamento para a proteção do útero.
dos fogachos.
As opções de terapia estrogênica tópica são:
1. Estrogênio em creme vaginal: Estrogênios
3.1.3 Outras drogas prescritas conjugados (Premarin 1-2g usados 2 a 3 ve-
zes por semana) e 17β-Estradiol (Estrace®
Estudos demonstraram resultados variados
– 0,5g – usadas 1 a 3 vezes por semana);
quanto ao uso de Inibidores Seletivos de Recapta-
2. Comprimido vaginal de estradiol (Vagifem®
ção de Serotonina (ISRS) e Inibidores Seletivos de
– 25mg – introduzidos 2 vezes por semana).
Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (ISSN).
3. Anel vaginal de estrogênio (Estring® 7,5mg/
Citalopram e Sertralina obtiveram resultados ne-
dia – introduzido na vagina a cada 3 meses
gativos, resultados inconsistentes para a Fluoxeti-
e liberando baixas doses de estradiol lenta-
na e para a Velanfaxina e modesto benefício para
mente ou Femring 5 a 10 mg/dia durante 90
a Paroxetina (Paxil 12,5 e 25 mg/dia).
dias) – atualmente não disponível no mer-
A gabapentina (300mg-3 vezes ao dia) cado brasileiro.
apresenta modesta eficácia contra os fogachos,
e está associada a efeitos secundários, como
O tratamento com estrogênio vaginal
náuseas, vômitos, tonturas, sonolência, rash,
tópico reduz os sintomas urinários e diminui o
ataxia, fadiga e leucopenia.
risco de infecções urinárias recorrentes. O bene-
A Clonidina (0,1mg transdérmica), me- fício máximo é obtido entre 1 a 3 meses após o
dicamento que reduz o tônus noradrenérgico início do tratamento. A sua desvantagem seria a
central, foi sugerido como tratamento para os incapacidade de atingir concentrações sistêmi-
sintomas vasomotores, mas estudos têm de- cas capazes de tratar os sintomas vasomotores.
monstrado pouco ou nenhum benefício, sendo
O uso de lubrificantes vaginais é acon-
comuns os efeitos colaterais (boca seca, sono-
selhado para alívio do ressecamento vaginal e,
lência e tonturas).
principalmente, dispareunia.
O tratamento dos fogachos objetiva
O tratamento da atrofia do trato geniturinário
também melhorar os sintomas cognitivos e
com consequente redução da dispareunia contribui
do humor, quando estes são causados pela
para aumentar a excitação e a resposta sexual.
insônia e consequente fadiga diária. Quando
os fogachos forem atípicos ou resistentes ao
tratamento, a tireoide deve ser investigada à
procura de alterações.
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246 Faculdade Christus


Capítulo 34

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Faculdade Christus 247


Capítulo 35
MENOPAUSA
Francisco das Chagas Medeiros
Rodrigo Francisco Magalhães Barbosa

A- PROBLEMA dutiva ou um período fisiológico em que ocorre


a última menstruação, devido à falência ova-
Dona Márcia, 51 anos, branca, casada é riana. Note que leigos, erroneamente, definem
atendida no ambulatório de Ginecologia com menopausa como uma fase longa e duradoura,
queixas de amenorreia. A paciente relata que quando na verdade ela é bem pontual e defini-
há mais de um ano não apresenta ciclos mens- da. Portanto, a mulher não está na menopausa,
truais. Afirma que a interrupção das menstrua- ela teve a sua menopausa, teve sua última regra,
ções foi precedida por sintomas como: ondas seu último período menstrual.
de calor e perda da libido com a intolerância de
atividade sexual, devido à dor e ao desconfor- Porém, para se ter certeza de que se tra-
to. Está preocupada com sua situação e deseja ta da menopausa, é preciso que esta última
saber informações sobre terapia hormonal. No menstruação seja seguida por doze meses de
exame físico ginecológico foram observados si- amenorreia. Então, o diagnóstico de menopau-
nais de atrofia vaginal: coloração pálida, seca, sa é retrospectivo, tem-se que voltar no tempo,
com diminuição do pregueamento vaginal. um ano, e verificar se aquela foi mesmo a últi-
ma menstruação, isso se deve ao fato da grande
irregularidade menstrual característica próxima
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM desse evento.

1. Descrever como diagnosticar uma paciente


na menopausa (anamnese, clínica e labora- 2. Epidemiologia
torial). O último período menstrual ocorre aos
2. Identificar os principais sinais e sintomas re- 51 anos de idade. Esse dado é apenas uma mé-
lacionados à menopausa. dia, já que 10% das mulheres têm sua última
3. Definir quando e para quem indicar a tera- menstruação antes dos 45 anos. A menopausa
pia hormonal. é chamada precoce quando ocorre antes dos 40
4. Conhecer os benefícios, riscos e contraindi- anos, e tardia quando ocorre após os 55 anos
cações da terapia hormonal. de idade. A menopausa precoce atinge 1% das
mulheres e sempre deve ser investigada para
C- ABORDAGEM TEMÁTICA excluir outras causas de amenorreia.
Existem alguns fatores e condições que
1. Introdução
podem provocar menopausa precoce. Estudos
O termo menopausa teve origem na Gré- comprovaram que o tabagismo é um dos prin-
cia e etimologicamente significa men (mês) cipais fatores de risco. Além do hábito de fumar,
pausis (pausa, parada), ou seja, é a interrupção a hereditariedade, as doenças auto-imunes, hi-
natural ou artificial e permanente dos ciclos pertireoidismo, diabetes mellitus, ooforectomia,
menstruais e da função ovulatória. Menopausa quimio e radioterapia pélvica também podem
também é definida como o fim da vida repro- causar insuficiência ovariana prematura (me-
Capítulo 35

nopausa precoce). A histerectomia, apesar de 4. Diagnóstico


interromper os períodos menstruais, não afeta
O diagnóstico é clínico e retrospectivo. A
a função ovariana, a produção de hormônios
paciente, em média de 40 a 50 anos, deve ter
permanece inalterada. As mulheres que apre-
uma historia de amenorreia pelo menos por 12
sentaram menopausa precoce possuem maior
meses. Na anamnese, pode estar associado a si-
risco de desenvolver doenças cardiovasculares
nais e sintomas como rubores e fogachos.
e osteoporose.
Exames laboratoriais como dosagem de go-
Como a expectativa de vida das mulhe-
nadotrofinas (principalmente FSH) indicarão seus
res vem aumentando, é importante uma cor-
níveis elevados (FSH maior que 30 U/L). Essa me-
reta abordagem clínica e terapêutica na me-
dida deve ser feita em pelo menos duas consultas.
nopausa, pois a paciente viverá cerca de 30
anos após a interrupção dos ciclos menstruais.
Nessa fase, a mulher pode viver 1/3 de sua vida 4.1. Prevenção da osteoporose
com sintomas que podem diminuir sua qua-
lidade de vida ou desenvolver mais precoce- Na menopausa, ocorre aceleração da per-
mente outras patologias como, por exemplo, a da de massa óssea e alteração da arquitetura
osteoporose. do osso que acarretam a fragilidade óssea e o
aumento do risco de fraturas. Essas alterações
estão relacionadas à deficiência de estrogênio
3. Fisiologia que mantém a formação (osteoblastos) e a re-
absorção óssea (osteoclastos) em equilíbrio.
Os ovários são estruturas responsáveis
Acomete 55% das mulheres com mais de 50
pela produção de diversos hormônios como
anos. As principais fraturas são as de vértebra,
estrógeno, progesterona e andrógenos. Na me-
parte distal do antebraço (fratura de Colles) e
nopausa, restam pouquíssimos folículos ova-
quadril (colo do fêmur).
rianos; com isso a produção de estrógeno pelo
ovário diminui drasticamente. A diminuição do Os fatores de risco são importantes para
estrógeno é responsável pelos sintomas carac- prevenção, para a estratificação da paciente e
terísticos da menopausa. para a escolha do tratamento adequado. Os fa-
tores de risco não modificáveis são: idade, his-
Mesmo na menopausa, apesar da deple-
tória familiar de osteoporose, mulheres cauca-
ção dos folículos ovarianos, o nível de estróge-
sianas e asiáticas, menopausa precoce, fratura
no, mesmo baixo, se mantém. Isso se deve à
prévia e biótipo de pequena estrutura corporal.
conversão periférica (aromatização) de andró-
Os modificáveis são: deficiência no consumo
genos em estrógeno, essa transformação ocor-
de cálcio e vitamina D, tabagismo, etilismo e
re principalmente no tecido adiposo.
sedentarismo. Outras condições associadas à
A produção de progesterona na vida re- osteoporose são: transtorno alimentar, hiperti-
produtiva protege o endométrio da estimulação reoidismo, hiperparatireoidismo, doença crôni-
do estrógeno, evitando sua hiperplasia e cân- ca renal e uso crônico de corticoides.
cer. Durante a menopausa, o risco de câncer do
Há suspeita de osteoporose quando exis-
endométrio aumenta, pois a proteção da pro-
tem fraturas atraumáticas ou fraturas decorren-
gesterona cessa e ainda há alguma produção de
tes de queda da própria altura. Esse diagnós-
estrógeno principalmente pela conversão peri-
tico é confirmado pelo exame padrão-ouro: a
férica em mulheres obesas.
densitometria óssea (coluna lombar e fêmur). O
Em consequência do declínio dos hormô- índice T (comparação com mulheres jovens) aci-
nios ovarianos, as gonadotrofinas: hormônio fo- ma de -1 é considerado normal, entre -1 e -2,5
lículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante demostra uma osteopenia e abaixo de -2,5 indi-
(LH) se elevam por feedback negativo, para es- ca osteoporose. Toda mulher com 65 anos deve
timular os ovários a produzirem mais estrógeno fazer exame de rastreio com a densitometria ós-
e progesterona. O FSH se eleva de 10 a 20 vezes sea, devido à prevalência de osteoporose nessa
e o LH aumenta menos três vezes mais que o idade. Para as mulheres na menopausa, brancas
nível normal. e que tenham pelo menos mais um fator de risco
para a osteoporose, a densitometria óssea deve
ser feita mais cedo, a partir dos 55 anos.

250 Faculdade Christus


Capítulo 35

A paciente deve ser aconselhada a inter- gesterona (5 mg) era benéfico para a preven-
vir nos fatores de risco modificáveis como: parar ção de tais distúrbios cardíacos; isso era fisio-
de fumar, fazer exercícios físicos regularmente, logicamente plausível já que estrógeno age na
aumentar a ingesta diária de Ca (1000 mg) e vi- diminuição do LDL e aumento do HDL, age na
tamina D (400 UI), esse acréscimo pode ser feito dilatação arterial, tem ação fibrinolítica e atua
com suplementos ou por meio da alimentação. na redução da resistência à insulina e na agre-
gação plaquetária.
A hormonioterapia é eficaz tanto na pre-
venção como no tratamento da osteoporose. Porém, estudos mais recentes mostraram
Estrogênio (0,65 mg) conjugado com acetato de que a terapia hormonal não previne, mas sim
medroxiprogesterona (5 mg). Doses mais baixas aumenta os riscos para doenças cardiovascula-
de estrogênio associadas a suplemento de Ca e res tanto em mulheres saudáveis como naque-
vitamina D também podem ser usadas para au- las com cardiopatia prévia Passou-se a reco-
mentar a densidade mineral óssea. A interrup- mendar o uso restrito com duração mais curta
ção da terapia hormonal (TH), mesmo após 10 possível e com dose mais baixa efetiva. O es-
anos, leva ao retorno acelerado da perda óssea. tudo The Heart and Estrogen/Progestin Repla-
cement Study (HERS) indicou um aumento de
Medicamentos que inibem a reabsorção
52% de eventos cardiovasculares nas pacientes
óssea são eficazes na prevenção e tratamento de
em uso de hormonioterapia no primeiro ano do
osteoporose. São os bifosfonatos: alendronato
tratamento. Houve aumento de infarto agudo
(35 a 70 mg/semana), risedronato (35 mg/sema-
do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral
na) e ibandronato (150 mg/mês). Esse esquema
(AVC) em usuárias de terapia hormonal. A es-
terapêutico é feito com a paciente em jejum.
trogenioterapia apresenta aumento do risco de
Os moduladores seletivos do receptor de AVC e tromboembolismo venoso.
estrogênio como o raloxifeno (60 mg) é apro-
A Sociedade Americana de Cardiologia
vado para o tratamento da osteoporose e sem
não recomenda o uso de terapia hormonal na
estimular a mama ou o endométrio.
prevenção secundária da doença cardiovascular.
O mais novo tratamento para osteopo-
Quando a hormonioterapia é administrada
rose é o hormônio paratireoideo PTH recombi-
em mulheres mais idosas com doença cardiovas-
nante humano (20 µg/dia por via subcutânea).
cular prévia aumenta ainda mais o risco de even-
Ele não inibe a reabsorção óssea como os bi-
tos cardíacos e cerebrais (AVC), principalmente
fosfonatos, mas sim estimula a formação óssea.
no primeiro ano de exposição aos hormônios.
O risco de tromboembolismo venoso do-
4.2. Prevenção da doença cardiovascular bra com o uso de terapia hormonal, principal-
Na perimenopausa, a mulher aumenta o mente nos primeiros dois anos de tratamento;
peso corporal e a cintura abdominal, aumentando o mesmo risco ocorre com o uso de raloxifeno.
o risco de dislipidemias e doenças cardiovasculares. Ainda é desconhecido o efeito cardiovas-
A principal causa de morte em mulheres cular da terapia hormonal em baixas doses ou
na menopausa são as doenças cardiovasculares, por outras vias de administração.
principalmente aquelas que possuem fatores de Os médicos devem investir em suas pa-
risco: idade, história familiar, tabagismo, obesi- cientes na pós-menopausa em prevenção dos
dade, sedentarismo, diabetes, hipertensão e hi- fatores modificáveis nas doenças cardiovascu-
percolesterolemia. lares como: cessar o tabagismo, tratar hiperco-
Tanto a morbidade quanto a mortalidade lesterolemia, hipertensão e diabetes, incentivar
cardiovascular aumentam após a menopausa; o atividade física regular e dieta saudável.
risco aumenta dramaticamente na menopausa-
da com mais de 70 anos.
4.3. Prevenção do câncer de mama
A prevenção com terapia hormonal (TH)
O câncer mais comum em mulheres é
nas doenças cardiovasculares é confusa e con-
o de mama e é o 2o que mais mata. Mulheres
troversa. No passado, trabalhos científicos reve-
que fazem uso de terapia hormonal prolongada
laram que a terapia hormonal com conjugado
apresentam um risco aumentado para câncer
equino de estrógeno e acetato de medroxipro-

Faculdade Christus 251


Capítulo 35

de mama. É atribuído ao uso de terapia com- e do benefício que esta paciente irá ter com a
binada (estrógeno mais progestina) maior risco hormonioterapia. Cada paciente deve ser indi-
para câncer de mama, quando comparado ao vidualizada e o tratamento deve ser específico
uso isolado de estrógeno, porém isso ainda é para suas necessidades.
um assunto controverso. Por isso, é importan-
te conhecer os fatores de risco para câncer de
mama para indicar corretamente a terapia hor- 4.5. Riscos da Terapia Hormonal (TH)
monal. Mulheres com alto risco não devem fa- O risco da terapia hormonal varia de
zer uso desse tratamento. Os fatores de risco acordo com a idade da paciente, seus fatores de
são: idade, menarca precoce, menopausa tardia, risco, tipo de hormônio, dosagem, via de admi-
nuliparidade ou primeiro filho com idade avan- nistração e duração do tratamento.
çada, obesidade, história familiar de câncer e
doença mamária prévia (atipia celular ou mes- Pacientes fumantes com alto risco para
mo câncer de mama). Muitos desses fatores es- tromboembolismo e com hipertrigliceridemia
tão associados a um maior tempo de exposição devem fazer uso de hormônio por via transdér-
estrogênica. O uso de estrogenioterapia causa o mica. O uso por longos períodos e em pacientes
aumento da densidade mamária. com mais de 60 anos estão associados a maiores
riscos de eventos cardiovasculares, tromboem-
O tamoxifeno e o raloxifeno são utilizados bolismos e câncer de endométrio e mama.
para prevenção de câncer de mama. Eles anta-
gonizam o estrogênio na mama. Esses medica- As mulheres que fazem uso de TH, prin-
mentos aumentam a probabilidade de trombo- cipalmente por via oral, são mais propensas a
embolismo venoso, assemelhando-se ao risco sofrer infarto agudo do miocárdio, acidente
do uso de hormonioterapia. Fogachos e esti- vascular cerebral, câncer de mama e de endo-
mulação endometrial também são vistos com o métrio, trombose venosa profunda, embolia
uso de tamoxifeno. pulmonar e doença hepática e da vesícula biliar.
Cirurgias e imobilizações prolongadas aumen-
É importante todas as mulheres com mais tam mais ainda os riscos.
de 50 anos, principalmente as que estão em uso de
terapia hormonal combinada, a mamografia como A presença de elevado risco para AVC,
exame de rastreio para alterações na mama. IAM, tromboembolismo e câncer de mama res-
tringe muito o uso de TH mesmo na presença
de intolerância aos sintomas. Para prevenção de
4.4. Benefícios da Terapia Hormonal (TH) fraturas patológicas devido a osteoporose em
pacientes com esses riscos, aceita-se o uso de
A terapia hormonal é muito efetiva para os
baixíssimas doses, por via transdérmica e cur-
sintomas da perimenopausa e pós-menopausa:
to período de tempo. Não se pode esquecer o
fogachos, irritabilidade, distúrbios do sono, fa-
seguimento dessas pacientes durante a hormo-
diga, depressão e atrofia urogenital. Atua tanto
nioterapia com exames de rastreio.
na prevenção de fraturas patológicas por perda
óssea quanto no tratamento da osteoporose da O principal efeito adverso é a hiperplasia
pós-menopausa. e câncer do endométrio. O risco diminui quan-
do é utilizada a terapia combinada com pro-
O uso da TH em mulheres com menos de
gesterona. A paciente deve ter um acompanha-
60 anos mostrou benefício maior que o risco.
mento anual com ultrassonografia transvaginal
O início da terapia na perimenopausa ou nos
para avaliar a espessura do endométrio (deve
primeiros anos da menopausa diminui o risco
ser menor que 5 mm).
cardiovascular, de fraturas patológicas e sinto-
mas vasoativos. Os efeitos colaterais mais comuns des-
se tratamento são: mastalgia, aumento da en-
A duração do tratamento não é uma de-
xaqueca e hemorragia vaginal (principalmente
cisão isolada do médico, mas sim, um comum
com uso de hormonioterapia cíclica). É contra-
acordo com a paciente. A mulher pós-meno-
-indicação absoluta o uso de terapia hormonal
pausada deve ser informada dos benefícios e
em mulheres com história de câncer de mama
riscos da terapia. O período, o tipo e a via de
ou endométrio, doença hepática ou biliar, trom-
tratamento vão depender do sintoma e de sua
boembolismo, sangramento genital não diag-
intensidade e frequência, dos fatores de risco
nosticado e infarto agudo do miocárdio.

252 Faculdade Christus


Capítulo 35

Pacientes não histerectomizadas devem


fazer uso de terapia combinada (estrogênio e
progestina), já que a estrogenioterapia isolada
sem oposição de progestina tem maior risco de
hiperplasia e de câncer de endométrio.

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Faculdade Christus 253


Capítulo 36
MIOMATOSE UTERINA
José de Arimatea Barreto
Leonardo Rodrigues de Morais
Livia de Freitas Gurgel Alves

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


“Doutor, tô sangrando todo tempo”. 1. Introdução
F. M. L., 35 anos, sexo feminino, negra, ca- Mioma ou leiomioma é uma neopla-
tólica, natural e procedente de Fortaleza, foi en- sia monoclonal benigna originada de células
caminhada ao ambulatório de Ginecologia com musculares lisas do útero, contendo quanti-
queixa de perda sanguínea anormal há 4 meses dade variável de tecido conjuntivo fibroso em
por via vaginal, com aumento de intensidade e sua composição, sendo envolvido por uma fina
presença de coágulos no último mês. Conco- pseudocápsula de tecido areolar.
mitante a essa sintomatologia, percebeu uma
“massa” palpável na região hipogástrica. Refere
também dispareunia. Paciente G0P0A0, sexual- 2. Epidemiologia
mente ativa, menarca aos 13 anos, ciclo mens-
É o tumor mais comum do trato genital
trual regular de 28 dias, com período menstrual,
feminino, acometendo 20-40% das mulheres
em média, de 5 dias. Não faz uso de métodos
em idade reprodutiva, sendo sintomático em
anticoncepcionais. Nega dismenorreia e outras
torno de 25% dos casos.
patologias. Exame Físico: EGR, consciente, co-
operativa, fácies e posição atípicas, anictérica, A miomatose uterina apresenta como
hipocorada (++/ 4+). Palpação de massa de principais fatores de risco: nuliparidade, raça
forma arredondada na região hipogástrica. Ao negra e história familiar positiva. Segundo
exame ginecológico: sangramento vaginal in- Stewart, a menarca antes dos dez anos, inges-
tenso e presença de coágulos. Ao toque vaginal, tão de carnes vermelhas, consumo de álcool e
colo uterino fechado, de consistência cartilagi- hipertensão arterial sistêmica, são também con-
nosa, abaulamentos em fundo-de-saco laterais. siderados fatores de risco importantes.
A paciente foi encaminhada para a realização de É raro o aparecimento de mioma em ado-
ultrassonografia transvaginal. lescentes e não há relato na literatura de casos
em mulheres no período pré-puberal.

B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Nos Estados Unidos (EUA), mioma é uma


das causas mais prevalentes de hospitalização
1. Elaborar hipóteses diagnósticas para perda por distúrbios ginecológicos. A transformação
sanguínea anormal via vaginal do leiomioma em leiomiossarcoma é muito rara.
2. Conhecer os dados clínicos e os exames
complementares necessários para estabele-
cer o diagnóstico. 3. Etiologia
3. Saber proceder ao diagnóstico diferencial.
A etiologia ainda é desconhecida. Sabe-
4. Conhecer a conduta terapêutica.
-se que a predisposição genética, a ação de
Capítulo 36

hormônios esteroides e fatores de crescimento rina, equivalendo a 25% dos casos. Os submu-
podem ser formadores e atuarem no crescimen- cosos são encontrados na camada interna mio-
to dos miomas uterinos. Embora o crescimento metrial, apresentando projeção para a cavidade
dos leiomiomas seja responsivo aos hormônios uterina, sendo os menos prevalentes (5% dos
esteroidais, tais substâncias não são as respon- casos), porém os mais sintomáticos. Os submu-
sáveis pela gênese do tumor. Alguns estudos cosos e subserosos podem apresentar pedículos.
sugerem que cada leiomioma possa originar-se
a partir de uma única célula neoplásica no mús-
culo liso uterino. 6. Histopatologia
Os miomas representam neoplasias, não Os miomas podem sofrer degenerações
hiperplasias do miométrio, que foram desenvolvi- dos tipos: hialina, mixomatosa, calcificada,
das a partir de mutação unicelular, com alterações quística e outras menos comuns, como gordu-
genéticas já identificadas nos cromossomos 6, 7, rosa e necrótica.
12 e 14, em 40% dos casos. Os miomas podem A degeneração hialina ocorre em 65%
apresentar-se de tipos diferentes dentro do mes- dos casos. O tecido perde o padrão típico, apre-
mo útero, identificando-se diferentes cariótipos. sentando aspecto homogêneo de consistência
branda, pois ocorre substituição de células de
tecido muscular por tecido conjuntivo.
4. Fisiopatologia
A mixomatosa representa 15% dos casos,
Alguns autores acreditam que esta pato-
caracterizando-se por tornar-se pálida, acinzen-
logia seja um tumor dependente dos hormônios
tada, viscosa e gelatinosa, sem fibras muscula-
ovarianos, pois além de aparecerem durante a
res individuais.
menacme, aumentam durante o período gesta-
cional e regridem na menopausa. A calcificada pode aparecer em 4-10%
dos casos, sendo mais comum em mulheres na
Estudos mostram que o mioma apresenta
pós-menopausa. É frequente nos miomas subse-
concentrações maiores de estrogênio e maior
rosos pediculados, resultando de irrigação defi-
número de receptores de estradiol em relação
ciente.
aos tecidos miometriais vizinhos não acometi-
dos pelo mioma. O estradiol parece agir dire- A degeneração quística ocorre em 4%
tamente na proliferação celular dos miomas ou dos casos, na qual as áreas hialinizadas lisam e
pode ser mediado por fatores de crescimento, armazenam líquido.
como EGD, IGF-1 e insulina. Menos de 0,5% das degenerações trans-
Os progestogênios também podem estar formam-se em leiomiossarcomas.
envolvidos na proliferação tumoral. Tal fato se
deve a possíveis mutações gênicas que afetam o
gene do receptor de progesterona. Dessa forma, 7. Quadro clínico
há perda da ligação do hormônio ao receptor, o Cerca de 75% das pacientes com mioma
que acarreta a não ativação, consequentemen- uterino são assintomáticas. Nos casos sinto-
te, a não modulação da progesterona na taxa de máticos os principais achados são: sangramen-
mitose. Isso proporciona a propagação de muta- to uterino anormal, dismenorreia, dispaurenia,
ções somáticas, gerando células neoplásicas. sensação de peso no baixo ventre, massa abdo-
minal ou pélvica, queixas urinárias (polaciúria) e
retais (tenesmo e constipação) e infertilidade. A
5. Classificação apresentação dos sintomas depende do tama-
Os miomas podem ser classificados de nho, do número e da localização do mioma.
acordo com a localização em: intramurais, subse- O sangramento uterino anormal é a quei-
rosos e submucosos. Os intramurais localizam-se xa inicial mais comum e a que leva mais à pro-
na camada do miométrio, apresentando menos cura de atendimento médico. O sangramento
de 50% do volume protuído na superfície serosa pode apresentar-se prolongado (hipermenor-
do útero, representando cerca de 75% de todos reia), com aumento de volume (hemorragia) ou
os miomas. Os subserosos apresentam mais de no período intermenstrual (metrorragia).
50% do volume projetado na camada serosa ute-

256 Faculdade Christus


Capítulo 36

8. Diagnóstico a gravidade dos sintomas associados e o desejo


de gestação futura.
O diagnóstico é baseado na história clí-
nica, no toque vaginal bimanual e no exame ul- As possibilidades terapêuticas clínicas são
trassonográfico pélvico ou transvaginal. anticoncepcionais orais, progestágenos, anti-
progestágenos, andrógenos esteroidais, dispo-
No toque vaginal, verifica-se aumento do
sitivo intrauterino (DIU) liberador de levonor-
volume uterino, apresentando tumores nodula-
gestrel, agonistas e antagonistas do hormônio
res de consistência que varia de rígida e pétrea
liberador das gonadotrofinas (GnRH), modula-
(mioma calcificado) a mole (degeneração císti-
dores seletivos de receptores de progesterona e
ca), entretanto, na maioria dos casos, a consis-
de estrógeno, inibidores da aromatase, agentes
tência é firme ou elástica.
antifibrinolíticos, antiinflamatórios não esteroi-
A ultrassonografia é o método mais con- des (AINE’s) e interferon.
fiável de diagnóstico de miomatose, sendo útil
Os anticoncepcionais orais são adminis-
para diferenciar de outras massas anexiais e
trados a fim de corrigir o sangramento uterino
localizar o mioma. A ultrassonografia pélvica
disfuncional, não existindo evidências cientí-
é utilizada na visualização de grandes massas
ficas de que sejam eficazes na diminuição do
pélvicas, enquanto que a transvaginal é feita
volume do mioma. Por outro lado, há estudos
em casos de úteros menores; esta apresenta
que contra-indicam o uso de anticoncepcionais
alta sensibilidade (95-100%). A ultrassonografia
orais em mulheres com leiomioma, pois podem
apresenta limitação na localização de miomas
causar atrofia endometrial.
múltiplos ou em úteros maiores.
Os progestágenos, além de diminuírem o
A histerossonografia pode ser usada no
sangramento uterino, propiciam a melhora do qua-
auxílio do diagnóstico de miomas, principal-
dro de anemia. Não há evidências científicas que
mente submucosos.
demonstrem sua eficácia na diminuição do volume.
A histeroscopia é útil nas hemorragias
Os antiprogestágenos diminuem o san-
uterinas anormais porque permite visualizar
gramento uterino, podendo acarretar ame-
miomas submucosos e outras anormalidades
norreia. Diferentemente dos anticoncepcionais
na cavidade uterina, realizar biópsias e exéreses.
orais e dos progestágenos, reduzem o volu-
A tomografia computadorizada e a resso- me dos miomas entre 26-74%. A mifepristone
nância magnética (RM) não são exames de roti- (RU486) é administrada nas doses de 5-50mg
na no diagnóstico de miomas. A RM apresenta ao dia por um período de 3 a 6 meses. A super-
alto custo, entretanto, é um exame que localiza dosagem pode acarretar hiperplasia endome-
e mede o mioma com alta precisão. É bastante trial e elevação transitória das aminotransfera-
útil para fazer a diferenciação com adenomiose, ses séricas.
adenomioma e leiomiossarcoma.
O danazol e a gestrinona são os repre-
sentantes dos andrógenos esteroidais. O Dana-
zol é um derivado da 19-nortestosterona que
9. Diagnóstico diferencial
acarreta inibição da secreção hipofisária dos
Miomatose uterina tem como diagnós- hormônios gonadotrópicos, redução do cresci-
ticos diferenciais: gravidez, abortamento, mo- mento endometrial e da ação das enzimas ova-
léstia trofoblástica gestacional, adenomiose, rianas, responsáveis pela produção de estróge-
neoplasias do colo e endométrio uterinos, cisto no. Apresenta como efeitos adversos: ganho de
ovariano, sarcoma, abscesso tubo-ovariano e peso, acne, hisurtismo, oleosidade cutânea, di-
endometriose. minuição da taxa de lipoproteínas de alta den-
sidade (HDL), aumento das enzimas hepáticas,
fogachos, depressão e alterações no humor. A
10. Tratamento gestrinona acarreta diminuição do volume do
As pacientes que apresentam miomas mioma associado com amenorréia, apresentan-
sintomáticos podem ter tratamento clínico ou do cessação de efeitos logo após a interrupção
cirúrgico. A escolha terapêutica deve ser feita da administração da droga.
levando em consideração a idade da paciente, O DIU liberador de levonorgestrel apre-
o tamanho, localização e o número de miomas, senta efeito terapêutico na diminuição do san-

Faculdade Christus 257


Capítulo 36

gramento, entretanto, não apresenta efeito na A histerectomia é o tratamento definiti-


redução do volume do mioma. É contra-indica- vo dos miomas, sendo indicada em casos com
do em casos de miomas intracavitários. sintomas e falha no tratamento clínico, desde
que não haja desejo de nova gestação. Pode ser
Agonistas do GnRH são utilizados a fim
feita quando há risco da paciente desenvolver
de promover a redução do volume do mioma.
displasia cervical, endometriose, adenomio-
Tais medicamentos atuam na elevação das taxas
se, câncer uterino e hiperplasia endometrial. A
de gonadotropinas, gerando hipoestrogenismo.
miomatose uterina é a indicação mais frequen-
Isso ocasiona diminuição de 35-60% do volume
te. Pode ser subtotal ou total.
do mioma em três meses, além da melhora do
quadro da anemia e aumento do hematócrito. A miomectomia é indicada nos seguintes
Dessa forma, são utilizados como tratamento casos: presença de sintomas, mioma de cres-
pré-cirúrgico. Não devem ser administrados por cimento rápido, distorção da cavidade uterina,
um período superior a seis meses, já que apre- oclusão tubária e desejo de manter a fertilidade
sentam efeitos colaterais como perda de mas- e/ou o útero.
sa óssea, sintomas climatéricos e distúrbios no
Miólise é a coagulação térmica laparos-
perfil lipídico. A interrupção do tratamento leva
cópica ou crioablação do tecido miomatoso. É
ao reaparecimento da doença.
indicada na presença de quatro ou menos mio-
Os antagonistas do GnRH atuam com- mas com tamanho inferior a 10 centímetros de
petindo com os GnRH endógenos pelos sítios diâmetro.
de ligação localizados na hipófise. Apresentam
A embolização da artéria uterina (EAU)
efeitos semelhantes aos agonistas do GnRH.
representa opção conservadora para o tra-
Moduladores seletivos de progesterona tamento de miomas sintomáticos em que há
apresentam resultados iniciais significativos, desejo de preservar o útero e contraindicação
diminuem a duração e a intensidade do san- cirúrgica. Tem contraindicação relativa em: pa-
gramento, além de reduzirem o volume do leio- ciente em uso de agonistas de GnRH, período
mioma sem acarretar privação de estrogênio. pós-menopausa, miomas pediculados e sub-
mucosos, adenomiose extensa, ligação prévia
Moduladores seletivos de estrógeno são
da artéria ilíaca interna, miomas grandes, mio-
representados pelo raloxifeno, porém não há
mas numerosos e desejo de futura gestação.
evidências científicas de eficácia no tratamento
São contraindicações absolutas: gravidez, infec-
de mioma. A superdosagem aumenta o risco de
ção geniturinária ativa, suspeita de malignidade,
trombose venosa.
imunossuprimidos, doença vascular grave.
Inibidores da aromatase, em estudos de
A oclusão da artéria uterina é feita por
séries de casos, demonstraram reduzir sintomas
via laparoscópica ou por via vaginal, sendo uma
de mulheres com miomas sintomáticos.
alternativa à embolização das artérias uterinas.
Os agentes fibrinolíticos são utilizados no Apresenta duas vantagens em relação à EAU:
tratamento de menorragias idiopáticas, poden- não introdução de corpos estranhos e menor
do ser utilizados no controle do sangramento dor pós-operatória, porém a experiência com
uterino disfuncional, porém não há estudos que essa técnica ainda é limitada, havendo a neces-
os associem à redução do leiomioma. sidade de mais estudos científicos.
Os AINE’s são utilizados tanto no trata-
mento do sangramento vaginal excessivo quan-
to na dismenorreia, não interferindo no volume D- Referências Bibliográficas
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258 Faculdade Christus


Capítulo 36

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Faculdade Christus 259


Capítulo 37
CÂNCER DO COLO UTERINO
Luciano Silveira Pinheiro
Lucas Lima Albuquerque

A- PROBLEMA colo do útero. Quando do estudo histopatológico de


amostra do colo uterino obtida por biópsia incisional
M.R.U., 32 anos, solteira, natural de Missão não se observa à histopatologia invasão da membra-
Velha, Ceará, G7P4A3 procurou atendimento no na basal, o diagnóstico inicial provisório é de carci-
Ambulatório de Ginecologia, queixando-se de san- noma in situ, O passo dado a seguir, consiste na co-
gramento transvaginal após o intercurso sexual. nização ou amputação do colo do útero, a paciente
Disse que o episódio hemorrágico já havia aconte- não se encontrando grávida, obedecendo à técnica
cido uma vez no ano passado. Informou ter iniciado ilustrada nas figuras 1 e 2. Quando a histopatologia
a vida sexual aos 13 anos e que tinha vários parcei- do espécime obtido por biópsia demonstrar que as
ros e há mais ou menos quatro anos se tratara de células malignas atingiram o estroma, como no caso
uma infecção por HPV. Havia três anos não compa- em epígrafe, fica caracterizada a forma invasora, a
recia à Unidade Básica para realizar o exame de pre- etapa a seguir será o estadiamento clínico, para que
venção de câncer ginecológico. Foi realizado exame a conduta terapêutica seja devidamente programa-
especular e coletado material para colpocitologia da (cirurgia radical – Wertheim-Meigs, radioterapia
oncótica, teste de Schiller. O exame colposcópico exclusiva ou quimioterapia associada à radioterapia).
mostrou pontilhados grosseiros e vasos atípicos,
sendo efetuada biópsia dirigida, com retirada de
fragmento do lábio anterior do colo uterino. O lau-
do citológico mostrou compatibilidade com HSIL
(lesão intra-epitelial escamosa de alto grau) – CIN
III e a histopatologia, carcinoma invasor escamoso
bem diferenciado. Diante do quadro clínico e da
histopatologia, a paciente foi diagnosticada como
portadora de carcinoma do colo uterino IB1.

B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
1. Conhecer a epidemiologia do câncer de
colo uterino.
2. Elaborar hipóteses diagnósticas.
3. Realizar o diagnóstico de câncer do colo uterino.
4. Estabelecer a terapêutica adequada.

C- ABORDAGEM TEMÁTICA
1. Introdução
A hipótese diagnóstica se direcionou para Figura 1. Gravura de conização cervical em paciente no
menacme. Arquivo do primeiro autor.
neoplasia epitelial maligna de localização restrita ao
Capítulo 37

ma microinvasivo e adenocarcinoma in situ do


colo uterino.
Sabe-se que o carcinoma in situ do colo
uterino não tratado evolui em 15 a 33% dos casos
para a forma grave e invasiva lentamente (média
de 10 anos). Em vista disso, o câncer do colo ute-
rino é considerado doença evitável, em virtude
do seu estado pré-invasivo ser longo, existindo
programas de rastreamento por colpocitologia
ou citologia cervical (Papanicolau), a abordagem
terapêutica das lesões pré-invasivas sendo efi-
caz, impedindo o ciclo evolutivo. A idade média
de mulheres em que são diagnosticados casos
de carcinoma invasor é de 51 anos, mais de 90%
delas podendo ser curadas quando o diagnóstico
é firmado na fase inicial. A ocorrência dessa ne-
oplasia epitelial maligna poderá se dar também
na segunda década de vida e durante a gravidez.
Segundo dados dos cartórios de registro civil re-
ferentes ao ano de 2008, divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ceará
ocupa a terceira posição entre os Estados do Nor-
deste brasileiro com maior número de crianças
Figura 2. Gravura de conização cervical em paciente na
nascidas vivas filhas de mães adolescentes, tota-
menopausa. Arquivo do primeiro autor.
lizando 1.099 bebês nascidos de mulheres com
menos de 15 anos e 23.799 de jovens entre 15 e
Pode-se utilizar também a cirurgia de alta 19 anos. Só na cidade de Fortaleza esses registros
frequência (CAF). É a chamada LEEP (Loop Elec- acusaram 245 nascimentos de crianças de adoles-
trosurgical Excision Procedure) , que proporcio- centes até os 15 anos de idade e 5.305 de até os
na excisão com alça eletrocirúrgica diatérmica, 19 anos. O Ceará perde nesses dados constrange-
com mínimo dano ao colo uterino. Para reali- dores somente para Bahia e Pernambuco. Sem se
zar a LEEP são necessários equipamento e alças falar nos nascimentos que não são registrados e
adequadas, a técnica permitindo a remoção do nem das adolescentes que abortaram. São dados
tecido anormal e a obtenção de amostra para preocupantes, tendo em vista que a idade precoce
análise histopatológica posterior. Se a lesão in- do primeiro coito é elencada como um dos fato-
tra-epitelial estiver restrita à ectocérvice, pode res de risco para o câncer do colo do útero, jun-
ser efetuada a abordagem com crioterapia, com tamente com outras implicações que são o baixo
ablação a laser ou excisão superficial com LEEP. nível socioeconômico, a poliandria, cônjuges com
A lesão se estendendo além do canal cervical, a grande número de parceiras e tabagismo. Mais
escovagem ou a curetagem do canal detectan- recentemente, o câncer cervical tem sido associa-
do células com atipias ou o exame colposcópico do à deficiência auto-imune, com incremento em
sendo insatisfatório, deve ser indicado LEEP, co- pacientes submetidas a transplantes de órgãos e
nização convencional com bisturi frio ou a am- naquelas com HIV/AIDS.
putação do colo uterino. Tanto o LEEP quanto
Na anamnese, como em todas as especia-
a conização ou amputação do colo uterino são
lidades, é importante estabelecer bom relacio-
procedimentos capazes de abordagem terapêu-
namento do médico com a paciente, o que con-
tica de CIN II e CIN III, com envio obrigatório do
tribui significativamente para coleta adequada
espécime cirúrgico obtido para minucioso estu-
de informações e para que a doente aceite e
do histopatológico. A desvantagem do LEEP e
confie na abordagem terapêutica indicada. A
da ablação a laser é a possibilidade de ocorrer
paciente pode referir corrimento vaginal fétido
artefato térmico que poderá dificultar o diag-
e até sanguinolento, ciclos menstruais irregu-
nóstico histológico e a detecção da margem de
lares, manchas intermenstruais, sangramento
segurança livre de tecido maligno, que assume
pós-coital (sinusiorragia) e dor no baixo ventre.
importância maior frente à suspeita de carcino-

262 Faculdade Christus


Capítulo 37

Nos estádios mais avançados, as queixas mais rem atingidos nos casos de carcinoma do colo
significantes são dor no baixo ventre, anorexia, uterino invasor. Nos casos avançados, embora
adinamia, anemia (pela perda sanguínea exces- raramente, até mesmo os pulmões podem ser
siva e constante), dor lombar (acometimento atingidos por implantes metastáticos (figura 4).
uretero-renal), hematúria, oligúria, disúria, po-
O carcinoma epidermoide clinicamente
laciúria, dispareunia, alterações miccionais, com
confinado ao colo uterino (IB1 ou IB2) atinge os
eliminação urinária permanente devido a fístu-
linfonodos pélvicos em 15 a 25% dos casos. Quan-
las vésico-vaginais (invasão de bexiga), altera-
do envolve os paramétrios (estádio IIB), as células
ções no hábito intestinal (invasão do reto), lom-
malignas podem ser encontradas nos linfonodos
balgias e dor pélvica. De uma maneira geral, a
pélvicos em cerca de 30 a 40% dos casos e nos lin-
sintomatologia irá depender do estádio evolu-
fonodos para-aórticos em aproximadamente 15 a
tivo do carcinoma. No estádio IA inexistem sin-
30%. Quanto mais avançada a doença local, maior
tomas característicos, resultando o diagnóstico
a probabilidade de metástase à distância. Os linfo-
de propedêutica cuidadosa e apurada em casos
nodos para-aórticos são envolvidos em aproxima-
de endocervicites ou mesmo de colos macros-
damente 45% nas pacientes portadoras do estádio
copicamente tidos como normais. Nos estádios
IVA. O envolvimento ovariano é raro, não ultrapas-
IB e II, a paciente pode queixar-se de discreta
sando 0,5% nos carcinomas epidermoides e 1,7%
metrorragia (figura 3), sinusiorragia, conferindo
nos adenocarcinomas. O fígado e os pulmões são
ao corrimento o aspecto sanguinolento. Nos
os órgãos mais afetados nas metástases por via
estádios mais avançados, III e IV, por exemplo,
hematogênica, que é rara. O tumor também pode
além de metrorragia, corrimento sanguinolen-
atingir o cérebro, os ossos, as alças intestinais, as
to e fétido, podem surgir queixas de dor, às ve-
glândulas adrenais, o baço e o pâncreas. Quando
zes encontrando-se fístulas vésico-vaginais ou
o câncer não é combatido ou não responde à tera-
reto-vaginais e também comprometimento de
pêutica empreendida, o óbito ocorre em 95% das
órgãos distantes. Percebe-se, portanto, que o
pacientes dois anos após o surgimento dos sin-
sintoma dor encontra-se relacionado a estádios
tomas. A morte pode se dar por uremia, embolia
bastante avançados, sendo queixa tardia.
pulmonar ou por hemorragia direta dos vasos tu-
morais O carcinoma escamoso de células grandes
do colo uterino apresenta melhor prognóstico do
que o carcinoma de células pequenas.

Figura 3. Tumor vegetante atingindo o colo uterino (lá-


bios anterior e posterior). Arquivo do primeiro autor.
Figura 4. Exame radiológico de tórax em PA mostrando
implantes metastáticos em paciente portadora de car-
À medida que o tumor se desenvolve,
cinoma do colo uterino IVB. Arquivo do primeiro autor..
pode formar grandes massas vegetantes ulce-
radas, destruindo o colo uterino e atingindo a
vagina, surgindo necrose, infecção secundária O exame do abdome é pouco esclarece-
por anaeróbios, condicionando odor fétido e dor, porque é raro ocorrer massas neoplásicas
pútrido altamente desagradável. Nessa forma palpáveis no abdome. A ascite, ao contrário do
invasiva, o carcinoma do colo do útero tende a que acontece nas neoplasias de ovário, é achado
acometer os vasos linfáticos e a se disseminar. infrequente. O fígado nem sempre é palpável.
Assim, pode atingir os paramétrios, os linfono- Quando a doença se origina na porção
dos pélvicos e as paredes da vagina. Os linfono- mais alta do canal cervical, o colo uterino pode
dos ilíacos e obturadores são os primeiros a se- assumir a forma de barril nos estádios avançados,

Faculdade Christus 263


Capítulo 37

com a sua porção central muito alargada, forma


menos comum do que o carcinoma epidermoi-
de cervical, denominada de adenocarcinoma do
colo uterino. O colo uterino pode também ser
sede de sarcomas, como o sarcoma botrioide (é
um dos tumores mesodérmicos mistos. Embora
raro, é o neoplasma maligno mais encontrado
no trato urogenital durante a infância e a ado-
lescência – figuras 5, 6, 7 e 8). Mais raro ainda
é a ocorrência simultânea com esquistossomose
do colo uterino. Esse tumor apresenta nódulos
polipoides semelhantes a uvas, sendo conhecido
Figura 7. Imagem microscópica mostrando invasão do
como sarcoma botrioide, o seu diagnóstico de- estroma do colo uterino, com granulomas contendo
pendendo do reconhecimento de rabdomioblas- ovos do S. mansoni. HE 60x. Arquivo do primeiro autor.
tos. Tumores neuroendócrinos, melanoma e lin-
foma cervical também ocorrem, mas raramente.

Figura 8. Fotomicrografia mostrando metaplasia cartila-


ginosa vera em tecido neoplásico com variável quanti-
Figura 5. Sarcoma botrioide cervical se exteriorizando
dade de células mesenquimais. HE 60x. Arquivo do autor.
através de hímen complacente, em adolescente de 15
anos. Colpofotografia.
Arquivo do primeiro autor. No carcinoma incipiente, o exame vagi-
nal (toque bidigital) pouco acrescentará, mas
permitirá levantar suspeita diagnóstica diante
do achado de superfície cervical irregular, em
casos de colos ulcerados ou de tumores exofíti-
cos. Para se avaliar a infiltração dos paramétrios,
pratica-se o exame retal unidigital (toque), que
possibilitará melhor palpação dessas estruturas
para-uterinas. O exame especular com o espé-
culo de Collin, expõe o colo do útero à inspe-
ção do ginecologista examinador, permitindo a
utilização dos vários e rotineiros recursos pro-
pedêuticos (coleta tríplice com a espátula de
Ayre e com a escovinha de Valeri, para coleta
de material para citologia cérvico-vaginal - co-
loração de Papanicolau -, realização do teste
do ácido acético (1 a 5%), teste de Schiller, col-
poscopia, culminando com necessidade ou não
de biópsia orientada ou dirigida). Além desse
arsenal propedêutico, o estudo ultrassonográ-
fico endovaginal com ou sem Doppler é de real
Figura 6. Peça ressecada por pan-histerectomia abdominal
importância, permitindo avaliação fidedigna do
(útero, anexos e volumoso sarcoma cervical polipoide).
Arquivo do primeiro autor. corpo uterino, da espessura endometrial e dos
anexos (trompas e ovários). A cistoscopia, a re-

264 Faculdade Christus


Capítulo 37

tossigmoidoscopia e o pielograma venoso são câncer cervical constitui importante problema


de muito valor como auxiliares na tentativa de de saúde pública, onde os recursos financeiros
aumentar a precisão do estadiamento clínico. destinados aos programas de prevenção e de
Já a ressonância magnética (RM), a tomografia rastreamento são limitados, constituindo cau-
pélvica computadorizada (TC), a tomografia por sa significativa de mortalidade da mulher. É a
emissão de pósitrons (PET) mesmo podendo neoplasia mais comum durante a gravidez. A
oferecerem subsídios ao estadiamento, costu- incidência é bimodal com início na faixa entre
mam no entanto apresentar pouca sensibilida- 20-39 anos de idade, atingindo o pico na faixa
de e alto índice de resultados falso-negativos. etária de 45 a 49 anos.
Na formas avançadas, a necrose da super- Existem evidências indicando que a infec-
fície neoplásica é comum, levando à infecção se- ção com os subtipos de alto risco do HPV (16,
cundária por germes anaeróbios, acarretando 18, 31, 45, 51, 53 e 58) constitua importante eta-
sangramento por vezes intenso e necessitando do pa etiológica. Não obstante o mecanismo exato
emprego de tamponamento compressivo ou mes- da transformação maligna não esteja totalmen-
mo intervenção cirúrgica de emergência (ligadura te esclarecido, acredita-se que as oncoproteínas
das artérias hipogástricas e embolização arterial). do HPV E6 e E7 impedem a inibição da prolife-
ração, bloqueando a função de p53 e das vias
Faz-se necessário o diagnóstico diferen-
supressoras, comprovado em pesquisas com o
cial com o carcinoma do endométrio invadindo
tumor retinoblastoma. É como se o HPV inibisse
o colo uterino, com o carcinoma vaginal, com
a apoptose celular e tissular, permitindo desen-
a metástase de coriocarcinoma no colo uterino,
volvimento fora do controle do organismo hu-
com a gravidez cervical e até com a tuberculose
mano. Sabe-se que a morte celular programada
secundária do colo uterino (figura 9).
– apoptose -, tanto ocorre nas células normais
do organismo, como nas células dos tumores. As
células cancerígenas se caracterizam por sobre-
vivência anormalmente prolongada, devido ao
fato de que não obedecem ao processo natu-
ral de morte programada (apoptose) ao qual se
submetem as demais células do corpo humano.
Pesquisadores buscam há tempos um meio de
inibir a ação da telomerase, enzima que atuando
em altas concentrações, contribui para o cresci-
mento desenfreado de até 90% dos tumores em
seres humanos. Essa enzima é essencial para as
células que se dividem rapidamente – como as
Figura 9. Tuberculose do colo uterino. Lesões vegetan- de um embrião em desenvolvimento ou um cân-
tes atingindo todo o colo uterino. Colpofotografia. Au- cer – prolongando os telômeros, que são caudas
mento 10x. Arquivo do primeiro autor. presas nas extremidades localizadas no final de
cada cromossomo, aparentemente protegendo-
-o e estabilizando-o. Nas células adultas nor-
2. Abordagem temática
mais, os telômeros encolhem progressivamente
Aceita-se atualmente que o HPV seja fa- até chegar a um limite, ponto em que a célula
tor de grande importância no desenvolvimento parece perceber que é chegada a hora de parar
do câncer do colo uterino. Pesquisadores têm de se dividir. Já as células cancerosas, de algum
demonstrado que o HPV DNA tem sido encon- modo reativam a telomerase e seus telômeros
trado em 99,7% em todos os carcinomas cer- não encolhem até o ponto de parada final.
vicais, o HPV 16 sendo o mais prevalente tipo
De acordo com o quadro clínico, o cân-
no carcinoma de células escamosas, enquanto
cer do colo uterino é classificado em 5 estádios
o HPV 18, no adenocarcinoma. Nos Estados
(FIGO, 1998). A classificação abaixo inclui a eta-
Unidos, o câncer do colo uterino é a terceira
pa pré-invasiva.
neoplasia ginecológica mais frequente, fican-
do atrás do câncer endometrial e do ovário, Estádio 0. É o carcinona in situ intra-epite-
em decorrência da eficácia dos programas de lial, CIN III e pré-invasivo.
rastreamento. Nos países do Terceiro Mundo, o

Faculdade Christus 265


Capítulo 37

ƒƒ Estádio I. Estritamente confinado ao colo uterino.


• IA. Microinvasivo, diagnosticado pela mi-
croscopia.
• IA1. Invasão estromal < 3mm além da basal
e não > 7mm horizontalmente.
• IA2. Invasão estromal < 5mm e não > 7mm
horizontalmente.
ƒƒ Estádio IB. Clinicamente visível, confinado ao
colo ou microscopicamente >IA.
• IB1. Tumor <4cm de diâmetro.
• IB2. Tumor >4cm de diâmetro.
ƒƒ Estádio II. O tumor se propaga além do colo,
podendo atingir paramétrios ou fundo de sa-
Figura 11. Espécime obtido por biópsia excisional do colo
cos vaginais superiores, não alcançando a pa- uterino (caso anterior) compatível com carcinoma verrucoso.
rede pélvica. Arquivo do primeiro autor.
• IIA. Paramétrio não infiltrado.
• IIB. Infiltração parametrial.
ƒƒ Estádio III. Atinge a parede pélvica ou se pro- 3. Abordagem terapêutica
paga ao terço inferior vaginal. Casos com es- O tratamento é fundamentado no esta-
tenose ureteral, determinando hidronefrose diamento clínico, no conhecimento da história
ou exclusão renal, são aqui incluídos. natural da doença e de seus fatores prognósti-
• IIIA. Propaga-se ao terço inferior da vagina, cos. Pode ser levado a efeito por meio de cirur-
sem atingir a parede pélvica. gia, radioterapia exclusiva e quimioterapia.
• IIIB. O tumor propaga-se à parede pélvica.
Os exames pré-terapêuticos considera-
ƒƒ Estádio IV. O câncer se propaga além da pe-
dos necessários são colpocitologia oncótica
quena pélvis ou infiltra as paredes da bexiga
(coleta tríplice com auxílio da escovinha de
e do reto.
Valeri), colposcopia alargada, biópsia dirigida
• IVA. Propaga-se aos órgãos adjacentes.
pela colposcopia e histopatologia do espécime
• IVB. O câncer propaga-se aos órgãos distantes.
obtido, hemograma completo, coagulograma,
O câncer verrucoso (figuras 10 e 11),
glicemia em jejum, ureia, creatinina, sumário
que pode ser encontrado associado ao HPV
de urina, urocultura, radiografia do tórax, ul-
6, é um tipo raro de carcinoma escamoso
trassonografia transvaginal, US renal, urografia
bem diferenciado, de crescimento lento e lo-
excretora (discutir se é necessária), cistoscopia
calmente agressivo, com pouca aparência de
e retossigmoidoscopia.
invasão estromal, mas potencialmente letal.
Muito mais raro é sua ocorrência simultânea Nos casos diagnosticados como CIN III e
com distopia uterina. A cirurgia é o principal carcinoma in situ (estádio 0), será realizada am-
passo terapêutico. putação cônica do colo uterino. A histopatolo-
gia do cone ressecado comprovando ausência
de invasão e linha de secção ecto e endocervical
livres de neoplasia, a paciente será considerada
como tratada, sendo encaminhada para acom-
panhamento ambulatorial.
No estádio IA1, será realizada amputação
cônica do colo uterino. A conduta a posterio-
ri dependerá dos achados histopatológicos no
cono amputado. O diagnóstico sendo mantido
(invasão estromal mínima, sem embolização lin-
fática, poderá ser realizada histerectomia abdo-
minal total extra-fascial com conservação dos
anexos nas mulheres jovens. Na menopausa e
Figura 10. Carcinoma verrucoso do colo em prolapso ute- na pós-menopausa, a pan-histerectomia pode
rino grau 4, mostrando área biopsiada (excisional). Arquivo ser programada e realizada.
do primeiro autor.

266 Faculdade Christus


Capítulo 37

Há uma tendência no estádio inicial da quadas para o tratamento cirúrgico ou mesmo


doença (de IA2 a IIA) se indicar histerectomia potencializando a radioterapia subsequente,
radical e linfadenectomia pélvica ou radiotera- podendo ainda concorrer para eliminar ou re-
pia primária com concomitante quimioterapia. duzir a disseminação para os linfonodos, bem
O índice de sobrevida em cinco anos de pacien- a ocorrência de micrometástases.
tes submetidas à cirurgia ou à radioterapia é
Modernamente, a braquiterapia com
aproximadamente idêntico. A vantagem da ci-
aparelho de alta taxa de dose (HDR-iridium
rurgia, é que os ovários podem ficar intactos e
192), tem capacidade de promover a aborda-
serem transpostos para um ponto mais afastado
gem intracavitária do colo uterino e do endo-
do campo radioterápico, caso essa abordagem
métrio em poucos minutos, dispensando o in-
terapêutica seja também associada. Além disso,
ternamento da paciente, ao contrário do que
a cirurgia pode ser mais apropriada nas mulhe-
ocorria quando se empregava o césio-137. A
res sexualmente ativas portadoras de estádios
máquina é dotada de uma fonte miniaturizada
iniciais, sem risco de surgimento de estenose e
de iridium 192, de alta taxa de dose, sendo to-
atrofia da vagina.
talmente computadorizada.
Nas pacientes portadoras de câncer do
Há algum tempo utilizava-se a radium-
colo uterino estádio IB2 (lesões cervicais clinica-
-moldagem. O radium tem meia-vida de 1.662
mente maiores do que 4cm de diâmetro), com
anos e foi substituído pelo césio-137, que tem
tumores exofíticos, previamente ao emprego da
meia vida de 30 anos. O iridum-192, que pas-
braquiterapia poderá ser realizada teleterapia
sou a ser mais empregado, tem meia vida de 74
pélvica com acelerador linear.
dias. A teleterlapia pélvica com acelerador linear
Nas portadoras de câncer do colo uterino de 10MeV, atualmente é muito mais utilizada do
estadiados como IB2 em diante, poderá tam- que a teleterapia com bomba de cobalto, de-
bém se empregar apenas radioterapia exclusiva vido provavelmente os resíduos (lixo atômico)
(braquiterapia e teleterapia pélvica com acele- permanecerem ativos por muitos anos, exigin-
rador linear). do acondicionamento blindado com chumbo e
área adequada para seu descarte.
Não obstante a comparação estadiamen-
to por estadiamento, a sobrevida e os regimes As pacientes com tumores invasores que fo-
terapêuticos para portadoras de adenocarcino- ram tratadas e cuja evolução se processa normal-
ma do colo sejam idênticos para aquelas mu- mente, terão a seguinte frequência de retornos:
lheres com carcinomas epidermoides, o adeno-
ƒƒ Durante o primeiro e o segundo anos, a cada
carcinoma tende a ser detectado em estádio
três meses.
mais avançado. Além disso, a abordagem con-
ƒƒ Durante o terceiro ano, a cada quatro meses.
servadora nos casos estadiados como IA não
ƒƒ Durante o quarto ano, a cada seis meses.
é recomendada, tendo em vista que o adeno-
ƒƒ Do quinto ano em diante, consultas anuais.
carcinoma microinvasivo é difícil de ser carac-
terizado histopatologicamente, tal como ocorre
também nos casos de cânceres endometriais O prognóstico de sobrevida em cinco
pré-invasivos, podendo ser multifocal, mos- anos, com base no estádio da doença, é:
trando por outro lado, pouca confiabilidade de ƒƒ Estádio 0: próximo de 100%.
acompanhamento ambulatorial por intermédio ƒƒ Estádio IA1: 98,7%.
de esfregaços corados pela a técnica difundida ƒƒ Estádio IA2: 95,9%.
por Papanicolaou. ƒƒ Estádio IB: 86,5%.
Dentre os quimioterápicos, a cisplatina ƒƒ Estádio IIA: 68,8%.
tem mostrado ser o melhor agente isolado ƒƒ Estádio IIB: 64,7%.
contra o carcinoma de células escamosas. O ƒƒ Estádio IIIA: 43,3%.
uso de quimioterapia como tratamento neo- ƒƒ Estádio IIIB: 40,4%.
adjuvante tem sido considerado. A quimiote- ƒƒ Estádio IVA: 19,5%.
rapia neoadjuvante, realizada previamente a ƒƒ Estádio IVB: 15,0%.
qualquer conduta terapêutica padronizada, Em todos os retornos, será realizada ana-
tem como objetivo a redução do volume do mnese dirigida e anotadas as queixas e efetua-
tumor, proporcionando condições mais ade- da sistematicamente coleta tríplice para estudo
colpocito-oncológico, exame vaginal e retal,

Faculdade Christus 267


Capítulo 37

palpação abdominal e solicitado US transvagi- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instituto Nacional


nal ou pélvica. de Câncer - INCA. Estimativas da incidência e
mortalidade por câncer no Brasil, Rio de Janei-
Os fatores prognósticos que mais afetam
ro, 2008.
a sobrevida são estádio do tumor, invasão ou
não dos linfonodos, volume do tumor, profun- OSTOR, A.G.; DUCAN, A.; QUINN, M. et al. Ad-
didade da invasão do estroma, invasão do es- enocarcinoma in situ of the uterine cervix: an
paço linfovascular, tipo histológico e gradação experience with 100 cases. Gynecol Oncol, v.79,
histológica (diferenciação celular). Lembrar que p.207-10, 2000.
aproximadamente 25% das recorrências se lo-
calizam na área central da pélvis e que o local PINHEIRO, L.S.: TOMÉ, G.S.; CAVALCANTE, D. et
mais comum de recorrência é a parede pélvi- al. Botryoid sarcoma of the uterine cervix asso-
ca lateral. Ter sempre em mente também, que ciated with schistosomiasis. Obstet Ginecol Es-
o destino de uma mulher que tem um câncer pañ, p.85-88, 1996.
inicial ou que vai ter um câncer num futuro pró-
PINHEIRO, L.S.; PINHEIRO FILHO, L.S. Manual de
ximo, encontra-se nas mãos do médico que a
Noções de Prevenção e Abordagem Terapêu-
examinou pela primeira vez. Se o ginecologista
tica do Câncer do Colo Uterino. 7.ed., Fortale-
tiver noção da prevenção de câncer, essa mu-
za: Gráfica Onconews, 2010.
lher possivelmente não terá o câncer ou se tiver
um câncer inicial, curar-se-á. Entretanto, se o SILVA FILHO, A.L. Emprego de marcadores de
primeiro procedimento do médico for no sen- prognóstico no tratamento para o carcinoma
tido do desconhecimento dessas noções fun- invasor do colo. Rev Bras Ginecol Obstet, v.31,
damentais, a consulente provavelmente estará p.468-73, 2009.
fadada ao êxito letal.
WHITNEY, C.W.; SAUSE, W.; BUNDY, B.N. et al.
Randomized comparison of fluorouracil plus
D- Referências Bibliográficas cisplatin versus hydroxyurea as an adjunct to
radiation therapy in stage IIB-IVA carcinoma
BADER, T.J. Segredos em Ginecologia e Obste- of the cervix with negative para-aortic lymph
trícia, 3. ed., Porto Alegre: Artmed, 2007. nodes: a Gynecologic Oncology Group and
BARUFFI, I. Tratado de Oncologia Tocogineco- Southwest Oncology Group study. J Clin Oncol,
lógica e Mamária. São Paulo: Rocca, 1983. v. 17, p.1339-48, 1999.

BEREK, J.S. Berek & Novak Tratado de Gine-


cologia, 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
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BOSCH, F.X. De San Jose S. Human papilloma-


virus and cervical cancer: burden and assess-
ment of causality. J Natl Cancer Inst, v.31, p.3-
13, 2003.

BREWSTER, W.R.; MONK, B.J.; ZIOGAS, A. Intent–


to–treat analysis of stage IB and IIA cervical
cancer in United States: radiotherapy or surgery
1988-1995. Obstet Gynecol, v.97, p.248-54,
2001.

CRUZ, F.J.; ALVES, M.P. Carcinoma de células es-


camosas microinvasivo do colo uterino. Qual
a melhor conduta? Rev Bras Ginecol Obstet,
v.37, p.493-97, 2009.

DECHERNEY, A.H. et al. Current Obstetrics &


Gynecology: Diagnosis & Treatment, 10th edi-
tion, The McGraw-Hill Companies, USA, 2007.

268 Faculdade Christus


Capítulo 38
CARCINOMA DE ENDOMÉTRIO
Luciano Silveira Pinheiro
Danilo Santos Guerreiro
Sanna Roque Pinheiro

A- PROBLEMA sugestão de investigação direta (figura 1). A US


endovaginal com Doppler-color referendou o
M.R.S., 67 anos, G5P5A0, tabagista, natural e espessamento endometrial (12mm), não identi-
procedente de Fortaleza, doméstica, casada, pro- ficando sinais de neovascularização endométrio-
curou o ambulatório de Ginecologia com queixa de -miometrial, mantendo a recomendação de in-
corrimento purulento e metrorragia, não apresen- vestigação direta. Recusou realizar investigação
tando sangramento transvaginal no momento do histeroscópica, aceitando, no entanto, se subme-
exame. A paciente refere que há três meses vem ter a uma curetagem uterina sob anestesia.
sangrando pela vagina, tendo surgido há um mês
corrimento abundante, amarelado, com odor féti- Hipótese diagnóstica: carcinoma de en-
do. Nega disúria, prurido vaginal e sinusiorragia. Diz dométrio. Hiperplasia endometrial.
ser diabética (diabetes mellitus do tipo 2), diagnos-
ticado há 8 anos, hoje, com glicemia de 157mg/
dL e hemoglobina glicosilada de 6,4%. Relata hi-
pertensão arterial. Refere tabagismo e etilismo
moderados. Faz uso de metformina e de anti-hi-
pertensivo. Relata menarca aos 12 anos, menopau-
sa aos 57 anos, diminuição da libido, mantendo
relação sexual esporadicamente. Ao exame físico,
fácies atípica, pressão arterial de 150x80 mmHg,
pesando 76kg e medindo 1m60cm de altura. Ao
exame ginecológico, mamas simétricas, volumosas,
sem abaulamentos ou retrações. Parênquima fibro-
glandular indolor à palpação e sem nódulos. Ca-
deia linfonodal livre. Ausência de descarga papilar.
Ao exame com espéculo de Collin, visualizou-se o
colo epitelizado, com reversão e conteúdo vaginal
amarelo-esverdeado. Ao exame vaginal bimanual
percebeu-se útero discretamente aumentado. O
exame retal unidigital foi compatível com tonicida-
de esfincteriana presente e reto livre até à ampola.
Foi submetida a estudo ultrassonográfico
transvaginal que identificou útero em antever-
soflexão, medindo 7,3cm de diâmetro longitu-
Figura 1. Representação ecográfica de espessamento
dinal, 4,5cm de transverso e 3,4cm de diâmetro
endometrial (12mm), com sinais de heterogeneidade e
ântero-posterior, com volume de 57,1cm3, sendo
identificação parcial de interface miométrio/endomé-
detectada espessura endometrial de 12mm, com trio. Arquivo do primeiro autor.
Capítulo 38

Análise histopatológica do raspado


endometrial: adenocarcinoma endometrioi-
de grau 2 nuclear. Foi planejada e procedi-
da pan-histerectomia abdominal. Os estu-
dos histopatológico e imunohistoquímico da
peça cirúrgica (útero e anexos – figura 2) re-
velaram carcinoma endometrial bem diferen-
ciado, sem invasão do miométrio (figura 3) e
receptores para estrogênio (RE – figura 4) e
progesterona (RP – figura 5) positivos e p53
positivo (figura 6). A investigação imunohis-
toquímica de WT1 foi negativa. A citologia
de líquido peritonial mostrou negatividade
para células malignas. Figura 4. Receptor de estrogênio. Intensa reação nuclear
(imunohistoquímica).
Cortesia do Dr. Francisco Valdeci de Almeida Ferreira

Figura 2. Achado cirúrgico (pan-histerectomia abdomi- Figura 5. Pesquisa de receptor de progesterona (imuno-
nal) compatível com carcinoma endometrióide IAG1. histoquímica). Intensa reação nuclear.
Arquivo do primeiro autor. Cortesia do Dr. Francisco Valdeci de Almeida Ferreira

Figura 3. Microscopia compatível com carcinoma endo- Figura 6. Pesquisa de p53. Intensa reação nuclear (imu-
metrial bem diferenciado. HE. nohistoquímica).
Cortesia do Dr. Francisco Valdeci de Almeida Ferreira Cortesia do Dr. Francisco Valdeci de Almeida Ferreira

270 Faculdade Christus


Capítulo 38

B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM cer do endométrio: o tipo I, que representa 75 a


85% dos casos, ocorrendo em mulheres na peri-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. menopausa, mais jovens, com história de expo-
2. Conhecer os dados clínicos e os exames sição a estrogênio endógeno ou exógeno sem
complementares necessários para estabele- oposição progesterônica. E o tipo II, que ocorre
cer o diagnóstico. em mulheres na pós-menopausa tardia, mais
3. Saber proceder ao diagnóstico diferencial. idosas, magras, portanto, sem fonte produtora
4. Conhecer a conduta terapêutica. estrogênica que pudesse atuar no órgão efetor
(útero – endométrio), sendo menos diferencia-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA dos, com predominância dos serosos papilares
e de células claras, com maior profundidade de
1. Introdução invasão miometrial, metástases mais precoces e
com prognóstico mais sombrio do que os tu-
O carcinoma de endométrio ou do corpo
mores estrogênio-dependentes.
uterino é uma neoplasia maligna de linhagem epi-
telial, acometendo principalmente mulheres na pe-
rimenopausa e na pós-menopausa, manifestando
2. Fatores de risco
como principal sintoma sangramento transvaginal.
Esse quadro de hemorragia uterina anormal está Como referido, a idade da paciente e a
presente em cerca de 80% das neoplasias malig- época na qual ocorreu a menopausa, são acha-
nas do endométrio. É importante ser frisado, que a dos importantes, tendo em vista que 75% dos
hemorragia uterina na menopausa tem como prin- casos ocorrem após os 50 anos de idade e que
cipal origem a atrofia do endométrio. a menopausa natural depois dos 52 anos au-
menta o risco de câncer de endométrio em 2,4
Sabe-se que a estimulação estrogênica
vezes, quando se corteja com mulheres cuja
prolongada e sem oposição da progesterona
menopausa ocorreu antes dos 49 anos.
atua como um dos fatores tidos como respon-
sáveis pela gênese da neoplasia relacionando- A obesidade é sem dúvida um dos im-
-se também com história familiar, nuliparida- portantes fatores na gênese da doença, devido,
de, ovários micropolicísticos, menarca precoce, principalmente ao excesso de estrona oriunda
menopausa tardia, obesidade, diabetes mellitus, da conversão por aromatização periférica de
hipertensão arterial e tratamento prolongado androstenodiona no tecido adiposo, fazendo
do carcinoma de mama com tamoxifen em re- com que seja a principal fonte de estrogênio
gime de doses elevadas. da mulher após a menopausa, que não é me-
diada pela progesterona, em virtude da ine-
O carcinoma do endométrio é o câncer
xistência dos ciclos menstruais ovulatórios. As
ginecológico mais frequente nos Estados Uni-
mulheres obesas apresentam número excessivo
dos, classificando-se no quarto lugar dentre as
de adipócitos, nos quais ocorre aromatização
demais neoplasias malignas, ficando atrás dos
extraglandular de androgênios em estrogênio,
cânceres de mama, pulmão e intestino. Nos Es-
contribuindo para o incremento do risco de de-
tados Unidos, aproximadamente 35.000 casos
senvolvimento de carcinoma endometrial. O ris-
são diagnosticados a cada ano. Cerca de 6.000
co aumenta em três vezes para as mulheres que
mulheres morrem no mesmo período de tempo
pesam 9,5kg a 22,5kg acima do peso tido como
por causa desse tipo de câncer. A frequência da
normal e 10 vezes para as que pesam mais de
doença tem aumentado nas últimas décadas.
22,5kg além do limite ponderal aceitável.
Em 2006, a média de idade quando do diagnós-
tico de câncer de endométrio foi de 62 anos, Tem sido demonstrado que o diabetes
92% dos casos ocorrendo após os 45 anos. No mellitus aumenta o risco de câncer endometrial
Brasil, é o segundo tumor ginecológico mais em 1,3 a 2,8 vezes, mesmo quando controlado
frequente, estando em quinto lugar entre as por peso e idade. Nos antecedentes gineco-obs-
neoplasias primárias malignas da mulher, logo tétricos é relevante observar a nuliparidade em
em seguida aos cânceres de pele, mama, colo mulheres ativas sexualmente, que desempenha
uterino e trato intestinal. função como fator de risco, juntamente com o
relato da paciente sobre o uso de terapia de re-
Ultimamente tem sido aventada a hipóte-
posição hormonal com base estrogênica sem pro-
se da existência de dois tipos diferentes de cân-
gestagênio, o que aumenta em 4 a 8 vezes o risco

Faculdade Christus 271


Capítulo 38

de propagação da doença. A hipertensão arterial os linfonodos pélvicos e para-aórticos. Os im-


sistêmica completa a tríade (diabetes, obesidade e plantes metastáticos pulmonares e cerebrais re-
hipertensão arterial) envolvida como fator de risco sultam de disseminação hematogênica.
do carcinoma de endométrio.
É de significativa relevância a pesquisa de
É importante também citar outros fatores adenomegalias periféricas, as quais podem se
de risco, como a anovulia crônica, que impede situar nas regiões ilíacas, hipogástricas e para-
a formação do corpo lúteo e a secreção de pro- -aórticas. A diminuição da mobilidade uterina,
gesterona na segunda metade do ciclo, quadro presença de massas anexiais, invasão de paramé-
clínico representado pela síndrome dos ovários trios e possíveis nodularidades abaulando o fundo
policísticos. O uso de tamoxifen prolongamen- de saco posterior podem ser detectadas quando
te, que é um antagonista não esteroide do es- de meticuloso exame físico específico. Em casos
trogênio no tecido mamário, atuando através avançados, pode haver ascite, metástases hepáti-
de inibição competitiva no receptor estrogêni- cas, pulmonares e implantes no omento.
co, utilizado no controle e como adjuvante da
abordagem terapêutica do câncer de mama
com receptor estrogênico positivo e a síndrome 4. Fisiopatologia
de câncer colorretal hereditário sem polipose, A exposição prolongada a estrogênios sem
também merecem ser mencionados. proteção de progesterona ou de progestagênios,
presentes os fatores de risco mencionados, de-
sempenha papel relevante para o desenvolvimento
3. Manifestações clínicas do câncer de endométrio. Nos últimos anos, estu-
Hemorragia genital ou corrimento puru- dos moleculares têm evidenciado a existência de
lento são relatados por 90% das mulheres com fatores fundamentais para o desenvolvimento da
neoplasia de endométrio como manifestação hiperplasia endometrial e dos carcinomas de en-
inicial. Há diferentes causas para os sangramen- dométrio. Mutações e deleções homozigóticas no
tos, destacando-se a atrofia de endométrio, cromossomo 10q23 levaram à descoberta do gene
hiperplasia endometrial, pólipos endometriais supressor tumoral PTEN. O mecanismo consiste na
e terapia de reposição hormonal. Sabe-se que inativação do gene supressor PTEN, que ocorre em
apenas 10% dos casos de hemorragias na pós- 30 a 80% dos cânceres endometriais. Estes mos-
-menopausa são por câncer de endométrio. O tram tendência a serem endometrioides, bem di-
relato de plenitude pélvica ou de desconforto ferenciados e minimamente invasivos por meio de
pélvico que podem ser indicativos de aumento deleção. Na ausência de PTEN, as células endome-
uterino, geralmente são decorrentes de câncer triais tornam-se mais sensíveis à estimulação de es-
endometrial em estádio avançado. Em menos trogênios. Quando não são contrabalançadas pela
de 5% dos casos, as mulheres não apresentam ação da progesterona, ocorre aumento de produ-
nenhum tipo de sintomatologia. Em estádios ção da proteína PTEN nas glândulas endometriais.
muito avançados dessa doença, é possível o Esse fato pode ser essencial para o desenvolvimen-
diagnóstico pelo Papanicolau (colpocitologia to das hiperplasias e posteriormente do câncer.
oncótica – coleta tríplice, com escovagem do
Ao contrário dos tumores endometrioides
canal cervical) ou por meio de uso da ultrasso-
que têm melhor resolutividade, o adenocarci-
nografia transvaginal ou da tomografia compu-
noma seroso, que está vinculado a mutações
tadorizada, realizados por outro motivo.
do gene p53, apresenta pior prognóstico. A al-
O carcinoma do endométrio se dissemi- teração do gene p53 supressor do tumor foi
na mais comumente por extensão direta aos demonstrada em cerca de 20% dos carcinomas
órgãos adjacentes, com invasão da parede ute- endometriais e associada ao tipo de células sero-
rina, atingindo e perfurando a serosa do útero. sas papilares, ao estádio avançado e ao prognós-
Pode também atingir o colo uterino por exten- tico sombrio. Além disso, estudos têm aventado
são. Além disso, as células malignas se dissemi- a possibilidade de alguns casos de carcinoma
nam também por meio das trompas de Falópio, endometrial também estarem relacionados à in-
se implantando nos ovários, grande epiploo fecção por HPV 16, 33 e principalmente ao 18,
(omento), alças intestinais e demais superfícies devido às características biológicas e epidemio-
do abdome, como o fígado. O tumor pode com lógicas e das lesões cervicais glandulares, que
frequência, atingir, através dos vasos linfáticos, são semelhantes a do câncer do colo uterino.

272 Faculdade Christus


Capítulo 38

A estimulação estrogênica sem oposição pacientes, devido à alta prevalência de evolução


de progestagênios continua sendo o fator de para o câncer. A ultrassonografia tem o objeti-
risco mais importante para a gênese do câncer vo de avaliar a espessura endometrial, tendo-se
de endométrio, como também para a hiper- por base, o conhecimento de que os cânceres de
plasia de endométrio, que pode precedê-lo ou endométrio não foram reportados em mulheres
ocorrer simultaneamente. com eco endometrial igual ou inferior a 4mm de
espessura. A histerectomia total abdominal ou to-
A hiperplasia endometrial é clinicamen-
tal vaginal pode ser indicada para as mulheres que
te relevante, caracterizando-se por alterações
não desejam mais engravidar, principalmente as
morfológicas e biológicas nas glândulas endo-
portadoras de hiperplasia atípica complexa.
metriais e no estroma. Essas alterações podem
ser classificadas em:
5. Patologia
4.1. Hiperplasia simples 5.1. Adenocarcinoma endometrioide
Pode progredir para neoplasia em cerca de O tipo endometrioide representa 80% dos
1% dos casos. Caracteriza-se por glândulas dilata- carcinomas endometriais. São tumores formados
das ou císticas de forma redonda ou ligeiramente por glândulas semelhantes as do endométrio
irregular, com aumento da razão glândula-estro- normal. São células cilíndricas com núcleos de
ma sem aglomeração e sem atípias celulares. orientação basal, com pouca ou nenhuma muci-
na intracitoplasmática e superfícies intraluminais
lisas. À medida que os tumores se tornam menos
4.2. Hiperplasia complexa diferenciados, contêm mais áreas sólidas, menor
Pode evoluir para câncer em cerca de 3% formação glandular e maior atipia citológica. Às
dos casos. Apresenta glândulas de formato com- vezes, é difícil a distinção entre lesões bem dife-
plexo em brotamento e invaginação, há aglomera- renciadas da hiperplasia atípica.
ção, com menos estroma interposto e sem atípias. O grau de diferenciação pode ser deter-
minado pelo padrão de crescimento e carac-
terísticas nucleares: quanto mais avançado o
4.3. Hiperplasia atípica (simples ou complexa)
grau, menor é a diferenciação. A Federação In-
A terminologia atípica pode ser aplicada ternacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO)
quando a célula apresenta aumento da razão propôs em 1988 o sistema de classificação em
núcleo-citoplasma, grandes núcleos de tama- graus. Assim, tem-se:
nho e formas variáveis, condensação irregular
Grau 1 (G1): padrão de crescimento sólido em
da cromatina e nucléolos proeminentes. A pro-
5% ou menos do tumor.
gressão ou não desse tipo de hiperplasia está
Grau 2 (G2): padrão de crescimento sólido em 6
diretamente relacionada com o grau de atípia,
a 50% do tumor.
constatando-se que nas formas atípicas pode
Grau 3 (G3): padrão de crescimento sólido em
haver progressão em 8% das pacientes e 29%
mais de 50% do tumor.
nos casos de hiperplasia atípica complexa.
Com relação ao tratamento conserva- É uma classificação considerada como
dor, pode-se empregar em casos selecionados o boa indicadora da agressividade neoplásica em
uso cíclico de acetato de medroxiprogesterona, relação à invasão do miométrio, metástases e
10 a 20mg/dia durante 14 dias por cada mês. O resposta à terapêutica, tanto em estádios ini-
emprego contínuo de 20 a 40mg de acetato de ciais como em avançados. Equivale a se dizer
megestrol por dia são aconselhados para o tra- tumores bem diferenciados, moderadamente
tamento conservador da hiperplasia sem atípia; o diferenciados e indiferenciados.
acetato de megestrol (40 a 160mg/dia) tido como
mais eficaz para reverter a hiperplasia complexa
atípica. É muito importante que se proceda perio- 5.2. Carcinoma mucinoso
dicamente do emprego de ultrassonografia trans- Semelhante ao carcinoma endometrioi-
vaginal com ou sem Doppler e de biópsia endo- de, possui um bom prognóstico. As células com
metrial semestral para acompanhamento dessas mucina intracitoplasmática constituem mais de

Faculdade Christus 273


Capítulo 38

50% do tumor. Cerca de 5% dos carcinomas en- endometrial para estudo histológico, podendo-se
dometriais apresentam padrão mucinoso. empregar as alternativas referidas acima.
A histeroscopia permite, por visualização
direta, diagnosticar patologias localizadas in-
5.3. Carcinoma seroso papilar
trauterinamente. Pode ser empregada na ava-
Constitui cerca de 3 a 4% das neoplasias ma- liação de pacientes com sangramento na pós-
lignas do endométrio. Assemelham-se ao carcino- -menopausa, realizando ablação de pólipos ou
ma seroso do ovário e das trompas de Falópio. São coleta de espécime em área suspeita para ser
relatadas observações dos corpos de psammoma. encaminhado ao laboratório de histopatologia
com finalidade de firmar o diagnóstico.

5.4. Carcinoma de células claras Após estabelecer o diagnóstico de carci-


noma de endométrio, a próxima etapa é a avalia-
Representa menos de 5% de todos os ção completa da paciente e estadiamento, para
casos de carcinomas do endométrio. É um tipo determinar a melhor abordagem terapêutica. É
muito agressivo de câncer do corpo uterino, a importantíssimo que as pacientes sejam subme-
invasão do miométrio e do espaço vascular lin- tidas a uma história clínica completa e um exame
fático sendo importante indicador de prognós- físico geral para identificar possíveis doenças ex-
tico. É mais comum em mulheres idosas. tra-uterinas. Um exame ginecológico completo
deve ser procedido, com avaliação do volume e
da mobilidade uterina, palpação anexial, indícios
5.5. Carcinoma escamoso
de invasão cervical (aumento de volume e ulce-
Está frequentemente associado à infla- ração) e lesões vaginais metastáticas.
mação crônica, estenose cervical e piométrio no
Como propedêutica, a ultrassonografia e
momento de seu diagnóstico. É um tumor raro,
o Doppler colorido e o Doppler de amplitude
porém de péssimo prognóstico, com taxa de
são de inquestionável importância para avalia-
sobrevida de 36% mesmo no estádio I.
ção do tamanho do útero, invasão miometrial e
anexial. A ressonância magnética também po-
derá ser utilizada. Não deve ser esquecido estu-
6. Rastreamento e diagnóstico
do radiológico pulmonar.
Mulheres com historia de sangramen-
O CA-125 sérico, determinante antigêni-
to na pós-menopausa, mesmo em pequena
co que se apresenta elevado em cerca de 80%
quantidade, devem ser investigadas. Se o san-
das mulheres com cânceres ovarianos epiteliais,
gramento não for de origem vaginal, cervical,
também pode se encontrar aumentado nas
retal ou vesical a procura deve ter o endométrio
portadoras de carcinoma endometrial avançado
como foco principal.
ou metastático. Pesquisas recentes têm reporta-
Em mulheres sintomáticas, deve-se so- do a utilidade do CA-125 no diagnóstico da en-
licitar estudo ultrassonográfico transvaginal dometriose moderada a grave, principalmente
para se quantificar a espessura do endométrio. quando dosado na fase folicular média. A dosa-
Endométrio apresentando espessura maior do gem seriada é útil para prever recorrência após
que 5mm em mulheres na menopausa que não o tratamento empreendido. Os níveis séricos
utilizem terapêutica hormonal pode estar asso- tidos como limites de normalidade vão até 35
ciado ao carcinoma de endométrio, devendo U/mL. É um marcador encontrado nas estrutu-
ser procedida propedêutica local (curetagem ras derivadas do epitélio celômico e comum na
uterina, AMIU ou histeroscopia) para obtenção maioria dos carcinomas ovarianos epiteliais não
de material para estudo histológico. mucinosos, como dissemos no início. Apesar da
O estudo ultrassonográfico associado ou baixa especificidade, é útil também para auxiliar
não ao Doppler é indicado para selecionar pa- na avaliação do estadiamento cirúrgico no pré-
cientes que devem ser submetidas à avaliação -operatório e nos casos com níveis elevados, ser
histopatológica com biópsia ou curetagem. Para utilizado como marcador biológico tumoral no
as pacientes com endométrio apresentando anor- monitoramento da resposta à abordagem tera-
malidades ultrassonográficas, a investigação deve pêutica levada a efeito.
ser dirigida no sentido de obtenção de amostra 7. Estadiamento Cirúrgico

274 Faculdade Christus


Capítulo 38

Existem dois tipos de estadiamento: o clí- 8. Prognóstico


nico, que deve ser realizado em pacientes con-
Os fatores mais relevantes para o prognós-
sideradas não candidatas à cirurgia, em virtude
tico do câncer de endométrio são estadiamento,
de má condição de saúde ou disseminação da
tipo histológico, grau de diferenciação, invasão
doença e o cirúrgico, baseado na classificação
miometrial e do espaço linfovascular. A identifi-
da FIGO (Quadro 1). Durante o procedimento
cação desses fatores de risco é de fundamental
cirúrgico deve ser coletada amostra de líqui-
importância para a decisão terapêutica e aconse-
do peritoneal para avaliação oncocitológica,
lhamento da paciente. Observa-se nítida interde-
exploração do abdome e da pelve com bióp-
pendência entre os fatores aludidos acima: quan-
sia ou excisão de qualquer lesão extra-uterina
to mais indiferenciado for o tumor, mais frequente
sugestiva de implante metastático. A histerec-
será a invasão do miométrio, acometimento da
tomia total abdominal extra-fascial, com sal-
serosa e ocorrência de implantes em linfonodos.
pingo-ooforectomia bilateral é o procedimen-
to de escolha inicial. A peça cirúrgica deve ser
aberta, avaliando-se o tamanho do tumor, se
9. Tratamento
há ou não invasão miometrial e se atinge ou
não o colo uterino. Os linfonodos para-aórti- A abordagem cirúrgica primária da mulher
cos e pélvicos suspeitos devem ser removidos com câncer de endométrio é baseada na histe-
para estudo histopatológico. rectomia total abdominal extra-fascial, com sal-
pingo-ooforectomia bilateral. Os anexos devem
A histopatologia do tumor e a profun-
ser retirados porque podem ser áreas de metás-
didade de invasão miometrial parecem ser os
tase microscópica e as pacientes com carcinoma
fatores mais importantes para determinar o ris-
endometrial correrem risco de desenvolver im-
co de metástase para linfonodos. A incidência
plante ovariano simultaneamente ou mais tarde.
geral aproximada de metástase para linfonodos
A coleta de líquido peritonial para estudo citoon-
no câncer endometrial estádio I é de 3% em tu-
cológico é sobremodo importante.
mores G1, 9% G 2 e 18%, G3. O tamanho do
tumor também influencia a ocorrência de me- A pan-histerectomia vaginal pode ser pro-
tástase (< 2 cm, 4%; > 2 cm, 15% e toda a cavi- cedida em pacientes com baixo risco, casos de
dade uterina, 35%). tumores bem diferenciados (estádio clínico I).
A histerectomia radical (Wertheim-Meigs), não
O estadiamento cirúrgico identifica a
melhora o prognóstico, além de proporcionar
maioria das pacientes com doença extra-ute-
maior morbidade intra e pós-operatória, não
rina e tem grande impacto sobre as decisões
devendo ser utilizada na abordagem do câncer
de tratamento.
endometrial inicial.
A investigação imuno-histoquímica da
Quadro 1 - Estadiamento cirúrgico do carcino- peça cirúrgica (útero e anexos) vem adquirindo
ma de endométrio (FIGO, 1988) importância tanto prognóstica quanto do pon-
Estádio Achado to de vista de delineamento terapêutico com-
IA G1,2,3 Tumor limitado ao endométrio plementar. Daí ser relevante a investigação de
IB G1,2,3 Invasão de menos da metade do receptores para estrogênio (RE), para progeste-
miométrio rona (RProgesterona), p53 e WTI. Inúmeros es-
IC G1,2,3 Invasão de mais da metade do mio-
tudos têm mostrado que os níveis de receptores
métrio
para estrogênio e para progesterona são indi-
IIA G1,2,3 Envolvimento endocervical glandular
IIB G1,2,3 Invasão do estroma cervical
cadores prognósticos do câncer de endométrio
IIIA G1,2,3 Tumor invade a serosa, anexos ou de qualquer grau. As pacientes com tumores
ambos ou citologia peritonial positiva positivos para um ou ambos os receptores hor-
para células malignas. monais têm maior tempo de sobrevida, mesmo
IIIB G1,2,3 Metástases vaginais com metástases. Os níveis de receptores de
IIIC G1,2,3 Metástases para linfonodos pélvicos progesterona parecem ser melhores previsores
ou para-aórticos de sobrevida do que os de estrogênio e quanto
IVA G1,2,3 Tumor invade bexiga ou mucosa retal maior for a concentração, melhor o prognósti-
IVB G1,2,3 Metástase à distância co. A negatividade do marcador tumoral WT1
condiz com melhor prognóstico.

Faculdade Christus 275


Capítulo 38

9.1. Radioterapia suspeito, principalmente quando a paciente


relatar sinusiorragia.
A cirurgia primária complementada por
radioterapia em casos selecionados tornou-
-se a abordagem mais aceita ultimamente.
11. Sobrevida
Deve ser levado em conta que cerca de 5 a
15% das pacientes com câncer do endométrio A sobrevida em 5 anos (%), de acordo com
apresentam doenças graves que as tornam a FIGO Annual Report, de 2001, é a seguinte:
inadequadas para a cirurgia. Essas pacientes Estádio IA1 (93), IA2 (90), IA3 (69).
tendem a ser idosas e obesas, com múltiplas Estádio IB1 (90), IB2 (93), IB3 (84).
doenças crônicas ou agudas, como hiperten- Estádio IC1 (89), IC2 (81), IC3 (63).
são, doenças cardíacas, diabetes mellitus e Estádio IIA1 (91), IIA2 (78), IIA3 (57).
doenças pulmonares, renais e neurológicas. Estádio IIB1 (78), IIB2 (75), IIB3 (58).
Estádio IIIA1 (79), IIIA2 (69), IIIA3 (44).
Estádio IIIB1 (77), IIIB2 (40), IIIB3 (21).
9.2. Tratamento adjuvante pós-operatório
Estádio IIIC1 (61), IIIC2 (61), IIIC3 (44).
Deve ser baseado em fatores de prog- Estádio IVA, B e C (19).
nóstico determinados por estadiamento cirúr- Estádio IVB1 (35), IVB2 (27), IVB3 (7).
gico e patológico. Em geral, as pacientes são
classificadas em três categorias de tratamento:
D- Referências Bibliográficas
Baixo risco. Pacientes com baixa incidên-
cia de recorrência e alta taxa de cura sem qual- ARAÚJO JR., N.L.C.; ATHANAZIO, D.B. Terapia de
quer tratamento pós-operatório. reposição hormonal e o câncer do endométrio.
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Médio risco. Pacientes com menor taxa
de cura cirúrgica, mas que podem ou não ser BADER, T.J. Segredos em Ginecologia e Obste-
beneficiadas pelo tratamento complementar. trícia, 3. ed., Rio de Janeiro: Revinter, 2007.
Alto risco. Pacientes com alta taxa de re- BANSAL, N.; YENDLURY, V.; WENHAM, R.M. The
corrência e baixa taxa de sobrevida sem trata- molecular biology of endometrial cancers and
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constar de radioterapia do fórnice da vagina, Center v.16, n.1, p.8-13, 2009.
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BEREK, J.S. Berek e Novak Tratado de Ginecologia.
campo pélvico e para-aórtico, radioterapia
14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
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rapia sistêmica. CASTIGLIONE, M. Endometrial carcinoma:Clinical
recommendations for diagnosis, treatment and
follow-up. Annals of Oncology, v.19, n.5, 2008.
10. Acompanhamento após tratamento
CREASMAN, W.T; ODICINO, F.; MAISONNEUVE, P
A anamnese e o cuidadoso exame fí-
et al. Carcinoma of the corpus uteri. FIGO Annual
sico são indispensáveis. As pacientes devem
Report on the results of treatment in gynecologi-
ser examinadas a cada três ou quatro meses,
cal cancer. J Epidemiol Biostat v. 6, p. 45-86, 2001.
durante os dois primeiros anos. A partir des-
se período, a cada seis meses. Deve-se dar DECHERNEY, A.H.; GOODWIN, T.M.; NATHAN, L.
atenção especial aos linfonodos periféricos, et al. Current Obstetrics & Gynecology: Di-
ao abdome e à pélvis. A investigação radio- agnosis & Treatment, tenth edition, McGraw-
lógica pulmonar a cada 12 meses também se Hill, USA, 2007.
impõe como método de seguimento. Apesar
de poucas recorrências serem detectadas pela FISHER, B.; CONSTANTINO, J.P.; WICKERHAM,
colpocitologia oncótica, deve-se aproveitar a D.L. et al. Tamoxifen for prevention of breast
consulta para coleta de material e girar deli- Cancer: report of the national surgical adjuvant
cadamente o espéculo de Collin quando do breast and bowel project P-1 study. J Natl Can-
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276 Faculdade Christus


Capítulo 38

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SILVEIRA, L.P.; SÁ, M.F.S.; BARUFFI, I. et al. Efecto


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Faculdade Christus 277


Capítulo 39
SARCOMA UTERINO
Luciano Pinheiro Silveira

A- PROBLEMA após a teleterapia, foi internada com metástase


pulmonar (figura 2) e metástase hepática, fale-
E.F., 70 anos, G1P1 (cesariana), A0, viúva, cendo uma semana depois.
menopausa aos 45 anos, foi internada queixan-
do-se de sangramento transvaginal que vem
ocorrendo há três meses. Conduzia laudo ultra-
-sonográfico que mostrava útero aumentado,
medindo 11,2x5,9x5cm, com volume de 221cm3
e espessura endometrial de 23mm. Relatava his-
tória de mastectomia simples à direita por cisto-
tossarcoma phyllodes com área fibrossarcoma-
tosa, seguida de telecobaltoterapia no plastrão
torácico. Foi curetada, o estudo histopatológico
do raspado endometrial acusando tumor mul-
leriano misto maligno. Foi indicada e realizada
histerectomia abdominal total extrafascial, com
anexectomia bilateral. Coletou-se líquido peri-
tonial para pesquisa de células neoplásicas. Ain- Figura 1. Peça cirúrgica de pan-histerectomia abdomi-
da na sala de cirurgia procedeu-se a abertura nal. Útero aberto longitudinalmente mostrando exten-
longitudinal do útero ressecado, observando-se sa tumoração friável ocupando toda a região corporal,
volumosa e extensa tumoração friável que ocu- com invasão miometrial.
pava todo o corpo uterino, com nítida invasão Arquivo do autor.
de mais da metade do miométrio (figura 1), o
espécime operatório sendo enviado para estu-
do anátomo-patológico.
Hipótese diagnóstica: Tumor mulleriano
misto maligno.
O estudo histopatológico confirmou se
tratar de tumor mulleriano misto maligno, com
mais de 10 mitoses por 10 campos de grande
aumento. Citologia do líquido peritonial nega-
tiva. Dois meses depois ocorreu o desenvolvi-
mento de implante nodular na parede vaginal
lateral esquerda, que foi retirado (biópsia exci-
sional), comprovando-se tratar-se de metástase
de neoplasia sarcomatosa pouco diferenciada. Figura 2. Imagem radiológica mostrando implante me-
Submeteu-se à teleterapia com acelerador li- tastático no terço médio do pulmão esquerdo.
near adjuvante em pélvis e vagina. Três meses Arquivo do autor.
Capítulo 39

B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ppler é de grande utilidade por surpreender o au-


mento da espessura endometrial. Na menopausa
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. e na pós-menopausa, a mulher sem uso de repo-
2. Conhecer os dados clínicos e os exames sição hormonal deverá apresentar até 4mm como
complementares necessários para estabele- medida da espessura endometrial para ser consi-
cer o diagnóstico. derada dentro da normalidade. Fator chamativo, é
3. Saber proceder o diagnóstico diferencial. que em 75% dos casos a metrorragia se faz pre-
4. Conhecer a conduta terapêutica. sente. Outra peculiaridade, é que enquanto o car-
cinoma de endométrio se desenvolve no sentido
C- ABORDAGEM TEMÁTICA de invasão, penetração da parede uterina – cres-
cimento de dentro para fora do útero – centrífugo
1. Introdução - o sarcoma pode adotar sentido contrário e se
desenvolver na própria parede do útero ou mes-
Os sarcomas uterinos são neoplasias ma-
mo no interior de mioma intramural ou submu-
lignas da linhagem conjuntiva (mesoderma).
coso, atingindo a luz do órgão. É fato conhecido
Compreendem aproximadamente 3 a 4% dos
que os sarcomas adotam padrão de crescimento
cânceres do corpo uterino. Os localizados no
rápido, com implantes metastáticos abdominais
colo uterino são muito mais raros. Dados epi-
precocemente, se manifestando na maioria das
demiológicos sugerem correlação com história
vezes por metrorragia, a exemplo do mioma ute-
de radioterapia associada com os tumores mis-
rino submucoso e do carcinoma de endométrio,
tos. Alguns trabalhos têm reportado correlação
desenvolvendo também metástases pulmonares
com o emprego contínuo e por muitos anos de
com muita frequência. Sabe-se, por outro lado,
tamoxifen em mulheres que foram operadas
que o número de mitoses por 10 campos de gran-
por carcinomas mamários e o desenvolvimento
de aumento, a invasão venosa e linfática, a infil-
de carcinoma e de sarcoma de endométrio.
tração da serosa e o grau de diferenciação celular
Os sarcomas podem ocorrer em qualquer são importantes em temos de prognóstico. Assim,
idade, sendo mais prevalentes após os 40 anos. é que tumores da musculatura lisa com mais de
No acompanhamento ambulatorial de 17 casos 10 mitoses em 10 campos de grande aumento
na Maternidade Assis Chateaubriand, a idade de são potencialmente agressivos e devem ser consi-
52 anos constituiu a faixa etária média de maior derados como leiomiossarcomas. O tumor com 5
prevalência; a paciente mais jovem tinha 34 anos a 20 mitoses é de potencial maligno incerto e com
(sarcoma de estroma endometrial) e as mais ido- menos de 2 a 3 mitoses por campo de grande au-
sas, 70 anos (sarcoma de estroma endometrial in- mento, é de comportamento benigno.
diferenciado e tumor mulleriano misto maligno).
Os sarcomas são bem conhecidos por se
disseminarem por via hematogênica. Observa-se
2. Classificação
que os leiomiossarcomas se disseminam mais por Os tipos histológicos mais frequentes são
via miometrial, vasos sanguíneos pélvicos e linfáti- o sarcoma de estroma endometrial, o leiomios-
cos pélvicos, estruturas pélvicas contíguas, abdo- sarcoma e o tumor mulleriano misto maligno,
me e à distância, com mais frequência para os pul- que pode ser homólogo e heterólogo (o sarco-
mões. Os leiomiossarcomas não têm relação com ma botrioide, por exemplo, é um dos tumores
a paridade, as pacientes na pré-menopausa tendo mesodérmicos mistos, que embora raro, é o
maior chance de sobrevida. Uma das peculiarida- neoplasma mais comum encontrado no trato
des, é que os sarcomas endometriais podem ser urogenital durante a infância e a adolescência).
diagnosticados nas amostras obtidas por cureta- De modo geral, os leiomiossarcomas e os tumo-
gem uterina convencional ou por AMIU (aspiração res mullerianos mistos malignos representam
mecânica intra-uterina). Os sarcomas derivados cada um cerca de 40 a 50% dos tumores, se-
do miométrio (leiomiossarcomas) podem neces- guidos pelos sarcomas de estroma endometrial
sitar de estudo anátomo-patológico do órgão ob- e dos demais (os botrioides, por exemplo). Em
tido por histerectomia, procedimento operatório 17 casos acompanhados pelo autor, 50% eram
levado a efeito com diagnóstico prévio de tumor compostos por leiomiossarcomas, 25% por tu-
uterino causador de sangramento transvaginal mores mullerianos mistos malignos e 25%, por
anormal, com ou sem história de crescimento rá- sarcomas de estroma endometrial. Em outras
pido. A ultrassonografia associada ou não ao Do- amostragens mais robustas, o predomínio de

280 Faculdade Christus


Capítulo 39

ocorrência recai nos tumores mullerianos mis- 4. Propedêutica


tos malignos, como o caso-problema.
As manifestações clínicas do sarcoma
O estadiamento dos sarcomas uterinos pode uterino são muito semelhantes as do carci-
se basear no Sistema adotado pela FIGO (Federação noma de endométrio e as do mioma uterino,
Internacional de Ginecologia e Obstetrícia – 1988) principalmente quando o mioma uterino cres-
para o carcinoma de endométrio, constante no ca- ce com certa rapidez, quando acomete mulhe-
pítulo específico deste livro-texto ou então se con- res muito jovens. As queixas de hipermenor-
siderar como estádio I, quando o tumor encontra- ragia, de metrorragia e de sensação de tumor
-se confinado ao corpo uterino; estádio II, quando intrapélvico são bastante comuns, bem como
atinge o corpo e o colo uterino; estádio III, quando o corrimento purulento e fétido como só acon-
tumor fica limitado à pélvis e IV, quando a neoplasia tece nos casos de mioma parido, o colo uterino
maligna não respeita os limites pélvicos, podendo encontrando-se dilatado e o tumor o ultrapas-
ocasionar implantes em outros órgãos da mulher. sando. A investigação ultrassonográfica endo-
vaginal com ou sem Doppler é de valor ines-
timável, avaliando a espessura endometrial,
3. Manifestações clínicas determinando que o passo a ser dado a seguir
Ao longo de 30 anos de acompanhamento seja a obtenção de amostra do endométrio por
ambulatorial de 17 pacientes, o autor observou que curetagem convencional ou por AMIU ou a re-
a hemorragia genital anormal foi a queixa principal alização de histeroscopia, mesmo em mulheres
em 75% das portadoras de sarcomas uterinos. As assintomáticas, mas com achados ecográficos
demais queixas foram corrimento purulento, com suspeitos (figura 4). A investigação ultrassono-
odor fétido, crescimento rápido do abdome, com- gráfica com o Doppler de Amplitude apresenta
prometimento do estado geral e dor abdominal, indicação mais específica para detecção de in-
confundindo-se muitas vezes com mioma uterino vasão miometrial.
e carcinoma de endométrio. A primeira paciente
assistida pelo autor no primeiro trimestre de 1980
tinha 70 anos, menopausa aos 52 anos e se quei-
xava de sangramento transvaginal com seis meses
de duração, o qual ultimamente se manifestava
com aspecto de carne pútrida (figura 3 – espécime
ressecado através de cirurgia abdominal). Os im-
plantes metastáticos pulmonares são comuns nas
pacientes portadoras de sarcoma uterino.

Figura 4. US. Endométrio muito espessado (28mm) e


útero aumentado de volume para a idade. Arquivo do
autor.

A ultrassonografia endovaginal e o Dop-


pler podem detectar também a invasão miome-
trial no caso de tratar-se de leiomiossarcoma,
por exemplo, inatingível pela cureta convencio-
nal ou pelas cânulas fenestradas utilizadas na
AMIU. A ultrassonografia abdominal total tam-
bém tem indicação no rastreio de metástases. A
Figura 3. Pan-histerectomia abdominal. Massa tumo- figura 5 mostra expressão ecográfica endovagi-
ral difusamente localizada no endométrio, vegetante nal de imagem vegetante em cavidade uterina,
e polipoide, infiltrando mais da metade do miométrio.
compatível com neoplasma uterino maligno em
Histopatologia compatível com sarcoma de estroma en-
mulher de 52 anos de idade.
dometrial indiferenciado. Arquivo do autor

Faculdade Christus 281


Capítulo 39

O estudo radiológico dos campos pul- ta em casos de leiomiossarcoma uterino, tendo


monares é outra etapa importante, pela fre- em vista as variantes leiomiomatose peritonial
quência com que ocorre metástase pulmonar, disseminada, a leiomiomatose intravenosa e o
bem como a tomografia computadorizada (TC) leiomioma uterino metastatizante, muito raros
da pélvis e do abdome total. O CA-125 é um e benignos, apresentarem indicativo de depen-
marcador tumoral que poderá atingir níveis sé- dência hormonal, sendo provavelmente estro-
ricos elevados (são aceitos como valores nor- gênio dependente, à ooforectomia, o tamoxifen
mais até 35U/mL), não obstante o neoplasma e os progestagênios condicionando efeitos be-
maligno ser da linhagem conjuntiva. A pesquisa néficos. Também têm surgido indicações de que
imunohistoquímica de receptores para estrogê- o sarcoma do estroma endometrial é hormônio
nio (RE) e para progesterona (RP) tem sido fei- dependente ou hormônio responsivo.

A B

C D
Figura 5. Representação ecográfica de imagem vegetante em cavidade uterina. Planos longitudinal e transverso (A, B,
C). Estudo Doppler de Amplitude com sinais de neovascularização na vegetação (D). Compatível com câncer uterino.
Índice de resistência baixo. Arquivo do autor.

5. Tratamento
A abordagem terapêutica se fundamenta
principalmente na cirurgia, não obstante o clássi-
co conceito oncológico que diz que “o neoplas-
ma maligno é uma manifestação local de uma
doença sistêmica” se encaixar como uma luva
quando se lida com o sarcoma uterino. Prova
disso é o notório conhecimento de que a recor-
rência ocorre em mais de 50% dos casos de sar-
coma uterino, mesmo quando a enfermidade se
encontra aparentemente localizada no momento Figura 6. Peça cirúrgica de pan-histerectomia
da abordagem cirúrgica (figuras 6 e 7). abdominal. Útero aumentado de volume. Ar-
quivo do autor.

282 Faculdade Christus


Capítulo 39

Com base nesse princípio oncológico, a


abordagem terapêutica visa na maioria dos ca-
sos que se enquadram nos estádios I e II, pro-
gramar e executar histerectomia total abdomi-
nal extrafascial, com anexectomia bilateral. A
coleta de líquido peritonial logo após a abertu-
ra da parede abdominal é importante para pes-
quisa de células malignas. Após o ato cirúrgico
ser concluído, o ginecologista deve proceder a
abertura longitudinal da peça ressecada e veri-
ficar se há penetração ou não da parede uterina
pelo tumor. A complementação com radiotera-
pia pélvica e a enucleação de linfonodos sus- Figura 7. Útero aberto longitudinalmente. Presença de
peitos fazem parte da programação. O empre- formação tumoral polipoide de inserção endometrial
go de quimioterapia tem sido utilizado visando (caso anterior. Arquivo do autor.
reduzir a ocorrência de metástases. No estádio
III pode ser utilizada a combinação de cirurgia,
radioterapia e quimioterapia e no estádio IV, a D- Referências Bibliográficas
quimioterapia combinada. A maioria dos relatos AYCART, J.I.B.; PÉREZ, S.I.; MARTIN, T.R. et al.
do emprego de quimioterapia adjuvante frente Sarcomas de útero después de tratamiento con
a casos incipientes e nos casos com metásta- tamoxifen por cáncer de mama. Oncología, v.
ses não têm sido encorajadores. Apesar disso, 28, n. 7, p. 338-42, 2005.
quimioterápicos como DTIC (dacarbazina), do-
xorubicina, ifosfamida, gencitabina e docetaxel BANNER, A.S.; CARRINGTON, C.B.; EMORY,
vêm sendo utilizados. A associação de gencita- W.B. et al. Efficacy of oophorectomy in limph-
bina com docetaxel tem mostrado resultados angioleiomyomatosis and benign metastasiz-
animadores no tratamento de pacientes com ing leiomyoma. N Engl J Med, v. 305, p. 204-9,
leiomiossarcoma metastático. 1981.
A radioterapia pré-operatória ou pós- BARACAT, E.C.; CASTELLO GIRÃO, M.J.B; SAR-
-operatória adjuvante é utilizada na tentativa de TORI, M.G.F. et al. Sarcoma do útero. Avaliação
reduzir recorrências pélvicas em pacientes com clínico-cirúrgica. Rev Bras Ginecol Obstet, v.
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nos tumores mullerianos mistos malignos.
BASTOS, A.C.; SOUEN, J.S.; DIEGOLLI, C.A. et al.
Há indicações de que o sarcoma de estro-
Leiomiossarcoma do útero na Clínica Ginecoló-
ma endometrial seja hormônio dependente ou
gica da FMUSP. Rev Bras Ginecol Obstet, v. 8,
hormônio responsivo, reforçando mais ainda a
n. 1-2, p. 3-7, 1986.
necessidade da retirada total do útero conjun-
tamente com anexectomia bilateral, tendo em BEREK, J.S. Berek & Novak Tratado de Gineco-
vista a possível ação estimuladora dos ovários logia. 14.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
sobre as células tumorais. 2008.
As pacientes devem ser acompanhadas DECHERNEY, A.H.; GOODWIN, T.M.; NATHAM,
ambulatorialmente, efetuando-se exame físico L. et al. Current Obstetrics & Gynecology: Di-
completo a cada três meses, nos dois primeiros agnosis & Treatment. Tenth edition. USA; The
anos após o tratamento. A partir daí, a cada seis McGraw-Hill Companies, 2007.
meses, quando serão solicitados estudo radio-
lógico do tórax e ultrassonografia endovaginal GONZALEZ-BOSQUET, E. Uterine sarcoma: a
e abdominal total. clinicpathological study of 93 cases. Eur J Gyn-
aecol Oncol, v. 18, p. 192-5, 1997.
A sobrevida em cinco anos varia de 22% a
38%. As pacientes acompanhadas pelo o autor HENSLEY, M.L.; MAKI, R.; VENKATRAMAN, E. et
apresentaram 47,3% de sobrevida no período al. Gemcitabine and docetaxel in patients with
de cinco anos, incluindo todos os estádios da unresectable leiomyosarcoma. J. Clin Oncol, v.
ginecopatia estudada e escopo deste capítulo. 20, p. 2824-31, 2002.

Faculdade Christus 283


Capítulo 39

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284 Faculdade Christus


Capítulo 40
MASTALGIA
Paulla Vasconcelos Valente
Daphinis Diana Brito Cavalcante

A- PROBLEMA ção de peso, pontada, fisgada, latejo, ardor ou


queimação. Ocorre inconstância de intensidade,
M.J.S., 18 anos, estudante, solteira, duração, intervalo e frequência. Essa intensida-
G1P0A1, procurou ginecologista com queixa de tanto pode ser quase imperceptível até in-
de mastalgia bilateral. Relata ter iniciado há capacitante, sendo classificada em leve, quando
aproximadamente dois anos e que a percebe não interfere na qualidade de vida, tendo como
principalmente no período pré-menstrual. Ge- exemplo, o sono e as relações sexuais e nas
ralmente, a dor é contínua, com duração de 2 atividades diárias como trabalho; moderada,
dias e não é incapacitante. Refere que as ma- quando interfere na qualidade de vida, mas não
mas aumentam de volume e que faz uso de an- nas atividades diárias, e grave, quando interfere
ticoncepcional oral. Nega história de traumas e tanto na qualidade de vida quanto nas ativida-
infecções. Nega história familiar de patologias des diárias.
mamárias. Inspeção e palpação das mamas sem
alterações. Exame das cadeias linfonodais sem No passado, a mastalgia não era tão bem
alteração e descarga papilar negativa. Ecografia estudada como outros problemas da mama,
das mamas: BI-RADS 1. não recebendo a devida atenção, e os casos
eram subnotificados. Atualmente, sabe-se que
ela é a queixa mais frequente entre as mulheres
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM que procuram atendimento médico por afecção
mamária, correspondendo a aproximadamente
1. Identificar as principais hipóteses diagnósticas. 30 a 47% das avaliações clínicas da mama.
2. Conhecer os dados clínicos e exames com-
A dor nas mamas pode ser classificada
plementares para se chegar ao diagnóstico.
como cíclica, acíclica ou extramamária. A mas-
3. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial.
talgia cíclica está associada a sintomas pré-
4. Conhecer o tratamento.
-menstruais, tem início na fase lútea do ciclo
menstrual e está relacionada à ingurgitação ma-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA mária, dor, peso ou hipersensibilidade difusa e
bilateral. Geralmente, é referida nos quadrantes
Mastalgia é um sintoma e não uma doen- superiores externos, pois é onde predomina o
ça definida pela dor que acomete a mama. Já tecido glandular, e pode apresentar intensidade
a mastodínea é o desconforto mamário pré- diferente nas duas mamas. Pode durar mais de
-menstrual com duração de dois a três dias e é sete dias. Tem maior prevalência em mulheres
considerada normal. A mastalgia, por sua vez, de 30 a 49 anos e corresponde a dois terços da
pode ser unilateral ou bilateral, contínua ou in- dor mamária. A incidência diminui na pré-me-
termitente, focal ou localizada, quando referida nopausa e, geralmente, é nula na menopausa. O
em determinada região, e global ou generali- exame físico é inespecífico e pobre. A mastalgia
zada, quando acomete todo o órgão. Também acíclica não depende dos ciclos menstruais e
pode manifestar-se como desconforto, sensa- usualmente é descrita como dor em queimação
Capítulo 40

ou pontada. Tanto pode ser intermitente quanto correlação entre o local da dilatação e o sítio
constante, geralmente é unilateral e localizada, do sintoma. A deficiência de ácidos graxos poli-
mas pode ser bilateral (em atletas) e ocorre mais -insaturados é hoje a teoria mais aceita e afirma
frequentemente em mulheres com idade supe- que esse estado levaria a uma maior sensibili-
rior a 40 anos. A ectasia ductal, a adenose, as dade e afinidade dos receptores mamários aos
mastites agudas e crônicas podem cursar com estrogênios e à progesterona.
esse tipo de dor. Embora o câncer de mama pos-
O diagnóstico da dor mamária é basea-
sa apresentar-se no início como mastalgia acícli-
do em achados clínicos. Quando não há altera-
ca, é muito raro que a dor seja o único sintoma
ção orgânica detectável, é de difícil avaliação.
de malignidade. A dor extramamária está loca-
A história clínica e o exame físico devem ser
lizada na mama, mas associa-se a uma região
feitos preferencialmente na primeira fase do
fora da mesma. Estão entre as principais causas
ciclo menstrual, quando só há proliferação ce-
de dor extramamária: a dor muscular na parede
lular e ausência dos mecanismos que explicam
torácica, sintomas das cartilagens costais; her-
a dor na segunda fase do ciclo. A anamnese
pes zoster; radiculopatias e fraturas costais. A
consiste em pesquisar todas as características
Síndrome de Tietze é uma manifestação de dor
da dor: localização, tipo, intensidade, duração,
na parede torácica, que consiste na fragilidade
intervalo, fatores de melhora e piora e relação
da cartilagem que liga as costelas ao esterno e
com atividades diárias. Faz-se mister perguntar,
é agravada pela respiração, tosse, movimento
ainda, sobre os hábitos alimentares (cafeína e
dos braços, tórax ou ombros. A doença de Mon-
outras metilxantinas), o uso de medicamen-
dor, afecção incomum, associada a traumatismo
tos (hormônios, ansiolíticos, antidepressivos),
local (espontâneo ou cirúrgico), é benigna, au-
a prática de atividade física, estresse, tabagis-
tolimitada, regredindo após algumas semanas,
mo e antecedentes de doenças mamárias da
sendo caracterizada por tromboflebite das veias
própria paciente e de seus familiares. O exame
superficiais da parede torácica. Apresenta-se
físico das mamas precisa ser minucioso para
clinicamente como um cordão fibroso, doloroso
tranquilizar a paciente e afastar alterações
e espessado em região subcutânea da mama.
orgânicas. Atentar para a inspeção estática e
Angina e colelitíase são outras causas de mas-
dinâmica das mamas, palpação, expressão e
talgia extramamária.
exame das cadeias linfonodais. Podem ser de-
A etiologia permanece desconhecida, tectados espessamentos uni ou bilaterais en-
mas existem várias hipóteses. Dentre as quais, volvendo uma região ou toda a mama. Exames
a teoria do hiperestrogenismo, a qual conside- complementares dependem dos achados da
ra o estrogênio pré-requisito fundamental para anamnese e exame físico e a sua indicação tem
a ocorrência de mastalgia cíclica. Estudos, en- a finalidade de excluir a possibilidade de neo-
tretanto, não encontraram correlação entre os plasia. Solicitar a dosagem de prolactina e fun-
níveis séricos de estradiol e a presença do sin- damental, porque, quando está elevada, pode
toma. A deficiência de progesterona na fase lú- ser uma das causas de mastalgia. A radiografia
tea é uma teoria não confirmada pela literatura. de tórax deve ser solicitada em pacientes com
Aumento dos níveis séricos de gonadotrofinas é dor mamária acíclica e extramamária.
mais relacionado à mastalgia cíclica assim como
A orientação verbal como forma de tra-
a alteração no mecanismo pulsátil da prolactina,
tamento das mastalgias cíclicas deve ser reco-
em que as pacientes apresentam picos noturnos
mendada como primeira opção terapêutica,
mais elevados, diminuição na amplitude da va-
particularmente levando-se em consideração
riação normal circadiana e valores desse hormô-
os seguintes aspectos: existe grande número de
nio aumentados anormalmente pela manhã na
opções terapêuticas no tratamento da mastal-
fase lútea. Resposta inflamatória do tecido ma-
gia, incluindo a prescrição de diversos fárma-
mário é outra teoria com a qual não foi encon-
cos, muitas vezes de custo elevado, alguns com
trada correlação. A ectasia ductal tem embasa-
eficácia nem sempre comprovada e outros com
mento científico e foi verificado que, à ecografia
efeitos colaterais significativos. É reconhecido
das mamas, mulheres que apresentam dilatação
também que metade das pacientes tratadas re-
ductal, mais frequentemente são portadoras de
correrá em um curto período de tempo, após
dor mamária em relação às assintomáticas; além
apresentarem melhora dos sintomas com pos-
disso, o grau de dilatação relaciona-se à inten-
terior suspensão do tratamento. A orientação
sidade do quadro e, nas mastalgias acíclicas, há

286 Faculdade Christus


Capítulo 40

verbal consiste na explicação convincente sobre sária, impede o pico de hormônio luteinizante
a natureza não neoplásica do sintoma, na não e suprime a formação de esteroides ovaria-
elevação do risco relativo para o câncer em suas nos. Possui eficácia comprovada nas mastal-
portadoras e suas possíveis causas, além de sua gias cíclica e acíclica. Os efeitos androgênicos,
evolução natural. que são muitas vezes intoleráveis e ocorrem
em cerca de 20-30% das pacientes, englobam
Os tratamentos têm incluído, em alguns
acne, edema, modificação da voz, ganho de
casos, diminuição do consumo de gordura e re-
peso, cefaleia, depressão e hirsutismo. Nas pa-
dução das metilxantinas presentes na cafeína, no
cientes com dor forte, pode ser iniciado com
chá, no chocolate e nos refrigerantes. A interrup-
doses de 100-200mg, duas vezes ao dia, por
ção da hormonioterapia pode ser efetiva em al-
via oral, e depois diminuída até uma dose diá-
gumas pacientes. Aplicação de compressas quen-
ria de 100mg.
tes ou frias e massagem suave também podem
minimizar o sintoma em algumas mulheres. O tamoxifeno é o medicamento mais efi-
caz para o combate da mastalgia, entretanto é
O tratamento medicamentoso está indi-
a última opção terapêutica e deve ser utilizado
cado para pacientes com duração dos sintomas
nos de casos de dor refratária a outros trata-
superior a três meses, com alterações das ativi-
mentos. É um antiestrogênico com eficácia de
dades diárias e/ou da qualidade de vida. A esco-
72-90%. Efeitos colaterais ocorrem em aproxi-
lha terapêutica dependerá do tipo de dor apre-
madamente 20% das pacientes e correspondem
sentada pela paciente, que deverá estar ciente
a alterações menstruais, náuseas, fogachos e
de que os fármacos não curam completamente
câncer de endométrio. Deve ser usado na dose
a mastalgia. O que geralmente ocorre são perío-
diária de 10-20mg, durante seis meses. O tra-
dos de remissão que podem ou não ser longos.
tamento da dor extramamária é direcionado à
Opções terapêuticas sem evidências científicas
causa de base da mastalgia. Normalmente, con-
de benefícios, mas que apresentam elevado
siste no uso de analgésicos e AINEs.
efeito placebo e baixa incidência de efeitos co-
laterais são o óleo de prímula, vitaminoterapia A cirurgia é raramente indicada no trata-
(vitamina E), progesterona e diuréticos. mento da mastalgia. Faz-se exceção em mulhe-
res com macromastia associada, cujo sintoma
O tratamento tópico não esteroide é
exige uma redução por meio da mamoplastia.
uma opção para mulheres com mastalgia, com
Como qualquer cirurgia, os riscos e benefícios
as quais, muitas vezes, são utilizados anti-infla-
do procedimento devem ser considerados.
matórios não esteroidais (AINEs) em forma de
gel. Esses anti-inflamatórios parecem corres-
ponder a um tratamento menos tóxico e po-
dem ser considerados como opção terapêuti-
D- Referências Bibliográficas
ca na dor acíclica. SCHUILING, K. D. & LIKIS, F. E. Women’s Gyneco-
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faleia e hipotensão postural podem ser vistos.
Koogan, 2008.
A gestrinona (dose: 2,5mg, duas vezes por
semana) é um esteroide sintético com proprie- DE LUCA, L. A.; GONÇALVES, M. F. V. S.; CAR-
dades androgênicas, antiestrogênicas e antipro- VALHO, L. R. Mastalgia cíclica pré-menstrual:
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Capítulo 40

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288 Faculdade Christus


Capítulo 41
DERRAME PAPILAR
Paulla Vasconcelos Valente
Fernanda Luna Neri Benevides
Germana Barros Oliveira de Freitas Albuquerque

A- PROBLEMA e à lactação, podendo ser de origem fisiológica


ou patológica.
A.M.S., sexo feminino, branca, 30 anos,
doméstica, nuligesta procurou serviço médico Pode ser o primeiro sinal de patologia
especializado por apresentar “secreção papilar” mamária maligna, daí a importância de ser in-
há 2 semanas. Relatou que, ao realizar a expres- vestigado e diagnosticado. Nas mulheres, pode
são de ambos os mamilos, visualizou uma se- estar presente em 1% a 5% dos casos de cân-
creção leitosa. Nega mastalgia e nódulo mamá- cer de mama. Em homens, a relação do derra-
rio. Faz uso de anticoncepcional oral há 8 anos me papilar com o câncer de mama é maior do
para tratamento de síndrome dos ovários poli- que em mulheres, chegando a 20% dos tumores
císticos e de amitriptilina há 2 meses. Exame físi- malignos da mama no sexo masculino e geral-
co: sem nódulo palpável. Exames complementa- mente, é hemorrágico.
res: níveis normais de creatinina sérica, TSH e T4 Avalia-se a coloração da secreção (sero-
livre. RX de tórax: normal. Prolactina sérica: 49 sa, sanguinolenta, serossanguinolenta, leitosa,
ng/mL (valor de referência para mulher adulta: turva, purulenta, verde ou castanha), se há as-
0-20 ng/mL). Solicitado ressonância magnética sociação com nódulo palpável, uni ou bilateral,
de sela túrcica para prosseguimento da investi- se provém de ductos únicos ou múltiplos, se é
gação diagnóstica. espontânea ou provocada por pressão em um
local ou sobre toda a mama. Investiga-se a ida-
de da paciente e se faz uso de medicação hor-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM monal. Em pacientes com menos de 40 anos,
o risco de malignidade associado ao derrame
1. Identificar as hipóteses diagnósticas.
papilar é de 3%. Entre 40 e 60 anos, de 10%, e
2. Conhecer a propedêutica (dados clínicos e
em maiores de 60 anos é de 32%.
exames complementares para se chegar ao
diagnóstico).
3. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial. 2. Propedêutica
4. Conhecer a conduta terapêutica.
Didaticamente, pode-se investigar o
diagnóstico do derrame papilar, respondendo a
C- ABORDAGEM TEMÁTICA quatro questões.
1. Introdução
O derrame papilar constitui o terceiro sin- 2.1. Primeira pergunta: é realmente um derrame?
toma mamário, representando de 7 a 10% das Galactorreia é a saída de leite fora do ci-
queixas mamárias. Caracteriza-se pela saída de clo gravídico-puerperal. Constitui um distúrbio
secreção pela papila não relacionada à gestação endócrino e não um derrame. Se houver dúvi-
Capítulo 41

das, realiza-se um exame microscópico direto proliferação ductal (derrame sanguineo) e nas
da secreção. Caso visualizem-se gotículas de alterações funcionais benignas da mama (des-
gordura, é galactorreia. É geralmente serosa, de carga serosa à expressão)
múltiplos ductos, bilateral e não espontânea,
A secreção patológica é quase sempre
ocorrendo após expressão suave. Esse tipo de
unilateral, uniductal, espontânea e persistente.
secreção pode ser causado por hipotireoidismo,
Ela pode ser sanguinolenta, serossanguinolenta,
adenoma pituitário e alguns fármacos.
serosa ou clara. A maioria das causas desse tipo
A principal causa de galactorreia é a utili- de secreção é de origem benigna, sendo a prin-
zação de medicamentos, sendo os mais comuns cipal o papiloma intraductal (48,1%), seguido
as drogas psicoativas, como as fenotiazinas, an- por ectasia ductal (15% - 20%). Outras causas
tidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da menos comuns são a papilomatose, o carcino-
recaptação de serotonina, haloperidol e ansiolí- ma intraductal e o carcinoma papilar.
ticos, as medicações antihipertensivas, como os
Papilomas solitários sem atipia não são
bloqueadores dos canais de cálcio, alfametildo-
considerados como tendo potencial maligno.
pa, reserpina e opiáceos, as drogas gastrointes-
Todavia, papilomas múltiplos, atipia e/ou papi-
tinais, como metoclopramida, cimetidina, famo-
lomatose estão associados a um risco aumenta-
tidina e ranitidina, os anestésicos, anfetaminas
do de câncer de mama. Pacientes com derrame
ou maconha e estrógenos, como estrógeno
papilar patológico são considerados candidatos
conjugado e acetato de medroxiprogesterona,
cirúrgicos devido ao potencial de malignidade.
contraceptivos orais e injetáveis.
A descarga papilar patológica relacionada à
Não havendo história de uso de medica-
lesão neoplásica geralmente ocorre em mulheres
ções, pedir dosagem de prolactina. Se mais de 100
com mais de 50 anos, está associada à massa pal-
ug/mL, pensar em adenoma de hipófise. Prosse-
pável ou a alterações detectáveis pelos métodos
guir investigação com tomografia computadori-
de imagem. Estudos prévios verificaram uma inci-
zada cerebral ou ressonância magnética de sela
dência de câncer de mama entre 9,3% a 21,3% em
túrcica. Raramente, carcinomas broncogênicos
mulheres com derrame papilar patológico.
podem resultar em produção ectópica de prolac-
tina. Algumas desordens hipotalâmicas também Os exames complementares estão indi-
podem resultar em um aumento da liberação de cados em todos os casos de descarga papilar
prolactina, como o trauma de cabeça, encefalites patológica. Para a segurança dos pacientes, po-
e infiltração hipotalâmica ou tumores. rém, muitos centros submetem todos os que
possuem descarga papilar aos exames com-
Outro causador de galactorreia são os es-
plementares, pois alguns raros casos de clíni-
tímulos neurogênicos através de manipulação
ca aparentemente benigna podem mascarar
sexual ou dos nervos da parede torácica (herpes
malignidade. Deve ser realizada a mamografia
zoster, toracotomias e queimaduras). Lembrar-
e a ecografia das mamas, a fim de excluir uma
-se do hipotireoidismo, que é uma das causas
massa associada. Adicionalmente, o exame de
frequentes de galactorreia. Pode também ter
ressonância magnética pode ser utilizado na
origem psicogênica e ocorrer em crianças devi-
propedêutica de derrame papilar patológico
do à doença endócrina.
quando as lesões não conseguem ser localiza-
Em cerca de 30% dos casos, não se identi- das através da mamografia e da ultra-sonogra-
fica a causa da galactorreia, sendo denominada fia. Nem o exame citológico (sensibilidade para
de idiopática. Existem os pseudoderrames con- malignidade de 34,6-46,5%) nem a ductografia
sequentes a eczemas, mamilos invertidos e in- (sensibilidade para detecção de lesão de 60% e
fecções das glândulas sebáceas de Montgomery. não visualização da periferia) têm valor prope-
dêutico importante.
A mamografia tem a capacidade de re-
2.2. Segunda pergunta: o derrame é fisioló-
velar lesões impalpáveis como as microcalcifi-
gico ou patológico?
cações e as alterações arquiteturais do parên-
Existem situações fisiológicas em que quima mamário. Resultado negativo, porém,
pode surgir secreção como na gestação (se- não exclui câncer de mama, e alguns estudos
creção láctea), durante a puberdade devido ao demonstram que apenas metade dos pacientes
rápido crescimento mamário com acentuada com câncer de mama e descarga papilar tem

290 Faculdade Christus


Capítulo 41

mamografia suspeita. Em mulheres com menos ria dos nódulos situa-se próximo à aréola. Eles
de 40 anos, o exame tem sensibilidade muito devem ser avaliados quanto à positividade ou
baixa em razão da maior densidade do parên- negatividade para câncer de mama.
quima mamário nessa faixa etária. A ultras-
Na ausência de nódulo, observa-se a cor
sonografia complementa a mamografia, pois
do derrame, o número de ductos, se é uni ou
consegue diferenciar lesões sólidas de císticas
bilateral. Quanto à cor, as colorações que mais
e sugerir o envolvimento do sistema ductal na
se relacionam ao câncer são, por ordem de fre-
gênese da secreção. Ela, entretanto, tem valor
quência, a aquosa como “água de rocha” 45%
limitado na detecção de microcalcificações, nas
de câncer de mama), a sanguinolenta ( 24%), a
lesões periféricas de pequena dimensão sem
serossanguinolenta (12%) e a serosa (7%). Em
dilatação ductal e na avaliação de mamas extre-
relação ao número de ductos, os derrames de
mamente adiposas.
um único ducto merecem um maior cuidado,
A citologia da descarga papilar é um exa- enquanto que a grande maioria dos multiductais
me inicial de rastreio e deve ser realizada nos necessita apenas da tranquilização da paciente.
casos de descarga papilar espontânea. Tem
Derrame unilateral, uniductal e sanguíneo
como vantagem ser um exame barato e não
é geralmente produzido por papiloma intraduc-
invasivo. Porém, só deve ser utilizada como
tal solitário. Com menor frequência, pode ser
método complementar na decisão terapêutica,
por carcinoma ductal in situ ou por doença de
pois apresenta baixa sensibilidade, apesar da
Paget da mama. A descarga multiductal, com
alta especificidade. Como as células malignas
frequência bilateral, amarelo-esverdeada e es-
não apresentam caráter citológico ou citoquí-
pessa, corresponde, em geral, a ectasia ductal.
mico particular, é necessária a análise de uma
grande população celular para o diagnóstico O diagnóstico etiológico do derrame pa-
correto. Esse método tem menor sensibilidade pilar é feito por meio do exame histopatológico
que a punção aspirativa por agulha fina, uma após procedimento cirúrgico.
vez que as células neoplásicas da mama ten-
dem a diminuir e/ou desaparecer na descarga
papilar, levando a uma baixa celularidade, o que 3. Tratamento
torna o diagnóstico mais difícil. Alguns estudos A conduta frente a um derrame papilar
demonstram que a citologia tem uma sensibili- vai depender das características clínicas da des-
dade maior quando a descarga é espontânea e carga e dos achados que podem acompanhá-la.
sanguinolenta, atingindo um valor de 85%. As causas mais frequentes são: ectasia ductal,
A ductografia, apesar de não possuir valor papiloma intraductal, papilomatose, carcinoma
diagnóstico importante, permite a determina- intraductal e carcinoma papilar.
ção do número, localização e extensão de qual- Apenas os casos de descarga patológica
quer lesão subjacente. O uso pré-operatório do devem ser submetidos à cirurgia, uma vez que
referido exame com injeção de azul de metile- o procedimento é invasivo e sujeito a compli-
no pode auxiliar, mas é pouco específico, sendo cações, como comprometimento do sistema
dispensável na prática clínica. neurovascular do complexo aréolo-papilar,
necrose parcial do mamilo e perda da sensi-
bilidade do mamilo, a qual é a complicação
2.3. Terceira pergunta: o derrame é espontâ- mais frequente.
neo ou provocado?
Na descarga sem nódulo, uniductal, po-
A descarga persistente e espontânea é a de-se realizar exérese do ducto em pacientes
que tem valor semiológico. Deve-se realizar a ex- jovens sem prole definida. Nas idosas, faz-se a
pressão radiada para avaliar o derrame e localizar excisão de todo o sistema ductal terminal. Caso
a área correspondente para posterior cirurgia. sejam papilomas múltiplos, que se estendem à
periferia da mama procede-se a setorectomia.
2.4. Quarta pergunta: há nódulo palpável as- Deve-se, portanto, sempre enfatizar a
sociado ao derrame? importância da avaliação cuidadosa da des-
carga papilar para que seja instituída a melhor
Havendo nódulo, a investigação do der-
terapêutica.
rame deverá ficar em segundo plano. A maio-

Faculdade Christus 291


Capítulo 41

D- Referências Bibliográficas
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292 Faculdade Christus


Capítulo 42
NÓDULOS BENIGNOS DA MAMA
Paulla Vasconcelos Valente
Chiári Teixeira de Mendonça
Fernanda Luna Neri Benervides

A- PROBLEMA A maioria dos tumores da mama (80%)


são descobertos pela própria mulher.
A.C.V.S., 22 anos, estudante, procurou
o ginecologista pela primeira vez com queixa A percepção de um nódulo na mama é
de “caroço” no seio direito. Paciente relata ter causa de extrema preocupação nas mulheres.
descoberto pequeno nódulo ao autoexame das Há tanto o medo de uma doença mais grave
mamas há cerca de 2 anos. Há 3 meses perce- quanto o temor estético de que seja necessá-
beu que houve aumento de tamanho do mes- ria uma mutilação. Entretanto, 80% dos tumo-
mo. Nega história de câncer na família. Refe- res palpáveis são benignos, e a maioria só exige
re não sentir dor, apenas desconforto intenso acompanhamento.
durante o período menstrual. Ao exame físico, Quanto mais cedo os nódulos são desco-
médico palpou nódulo de 3 cm, periareolar em bertos, menos ainda se deve temer. Por isso, a
mama direita. O nódulo era móvel, arredonda- importância do autoexame das mamas.
do e de consistência fibroelástica. Ginecologista
solicitou ultrassonografia mamária.
1.1. Autoexame das mamas
É um método prático, seguro e barato.
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Deve ser realizado mensalmente a partir dos
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. 20 anos. A prática excessiva desse exame não
2. Conhecer a propedêutica (dados clínicos e aumenta sua eficácia, e pode causar resultados
exames complementares para se chegar ao falso-positivos.
diagnóstico). As mulheres em menacme devem reali-
3. Saber estabelecer o diagnóstico diferencial. zar o autoexame uma semana após o período
4. Identificar o tratamento. menstrual, quando a queda dos níveis hormonais
promove uma redução da atividade secretora do
epitélio e diminuição do edema local. E as meno-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
pausadas devem fazê-lo uma vez ao mês.
1. Introdução O autoexame das mamas é de grande valia,
O nódulo de mama consiste em um acha- mas não substitui o exame realizado pelo profis-
do palpatório tridimensional, podendo-se deli- sional. O médico deve ser procurado periodica-
mitar o comprimento, a largura e a altura. Difere, mente para uma avaliação clínica mais criteriosa.
portanto, do espessamento, que é bidimensio-
nal. Um nódulo deve ser investigado por meio
1.2. Propedêutica
de exame clínico e exames complementares e
caracterizado como cístico ou sólido, benigno Sempre que um achado físico for caracte-
ou maligno. rizado como nódulo, deve-se investigar até pro-
Capítulo 42

var-se de que não se trata de câncer. Fundamen- lesões encontradas, firmando-se como método
tal também é excluir os pseudonódulos, como a adjuvante no arsenal propedêutico da mama.
junção condroesternal em pacientes magras, o
As lesões císticas simples têm aspectos
prolongamento axilar e o tecido adiposo apri-
característicos à USG, apresentando-se como
sionado entre os ligamentos de Cooper.
nódulo circunscrito, de paredes imperceptíveis,
com conteúdo anecoide e reforço acústico pos-
terior, classificados como BI-RADS® 2, enquanto
XX PAAF – Punção Aspirativa por Agulha Fina
as lesões sólidas se apresentam normalmen-
Deve-se considerar como primeira opção,
te como nódulos ovoides, circunscritos, com
por sua fácil execução, desconforto mínimo,
orientação paralela à pele, classificados como
baixo custo, além de suas complicações, como
BI-RADS 3. No entanto, algumas lesões císticas
sangramento e dor, serem pouco frequentes.
podem não se apresentar em sua forma carac-
Com a realização de PAAF, é possível evitar que
terística, tornando difícil sua distinção de nódu-
biópsias cirúrgicas sejam desnecessariamente
los sólidos, principalmente quando apresentam
realizadas em casos de nódulos benignos.
conteúdo de líquido espesso em seu interior.
Após a punção aspirativa, é realizada a
análise citológica do material colhido. Essa aná-
lise possibilita o diagnóstico citológico de várias XX RNM – Ressonância Nuclear Magnética
lesões benignas e malignas. Nas duas últimas décadas, vários avanços
foram obtidos no campo da ressonância mag-
Este procedimento pode ser terapêutico,
nética (RM) de mama, tornando-a importante
em caso de cistos mamários.
modalidade de imagem na detecção e diagnós-
tico de alterações mamárias.
XX MMG – Mamografia Não existe consenso em relação ao me-
A mamografia é realizada por mamógra- lhor plano de aquisição para o estudo por RM de
fo, aparelho de raios X que fornece imagens de mama. Ao realizar o estudo de uma única mama,
cada mama em duas incidências: crânio-caudal qualquer plano de aquisição pode ser utilizado,
e médio-lateral oblíqua. Consiste em um méto- embora o plano sagital seja o mais frequente-
do de rastreamento com sensibilidade de 85 a mente empregado. O exame bilateral é mais
90%. Deve ser realizada em casos de massa pal- frequentemente realizado nos planos axial ou
pável ao exame clínico; mulheres com 40 anos coronal. Existem dois principais parâmetros que
ou mais com alto risco para câncer de mama; podem ser levados em consideração na interpre-
em todas as mulheres entre 50 e 69 anos. tação das imagens. São eles: aspectos morfoló-
O achado mamográfico pode ser: in- gicos das lesões e características da cinética do
conclusivo (BI-RADS 0), negativo (BI-RADS 1), realce após a administração do contraste.
benigno (BI-RADS 2), provavelmente benigno Apesar dos avanços, existem alguns pon-
(BI-RADS 3), suspeito (BI-RADS 4), altamente tos em relação à RNM das mamas que perma-
sugestivo de malignidade (BI-RADS 5) e ma- necem controversos na literatura, como, por
ligno (BI_RADS 6). Nos casos em que o achado exemplo, protocolos de exame bem definidos,
é provavelmente benigno, recomenda-se que critérios de interpretação de imagens e suas in-
seja realizado acompanhamento em curtos in- dicações clínicas.
tervalos de tempo. Esse acompanhamento é fei-
A RM é provavelmente o exame mais
to por meio da realização de mamografia a cada
sensível na avaliação do câncer de mama já
6 meses durante 3 anos.
diagnosticado, na extensão local da doença,
na avaliação de multicentricidade e à respos-
XX USG – Ultrassonografia ta à quimioterapia e em pacientes jovens com
Desde a década de 80, a ultrassonografia mutações genéticas do BRCA. No entanto, a sua
(USG) mamária é utilizada como método auxi- falta de especificidade limita suas indicações
liar na diferenciação de lesões mamárias sólidas na prática clínica. A RM está indicada quando
e císticas. A partir da década de 90, com a in- a avaliação do caso se encontra limitada pelos
trodução de sondas de maior frequência, a USG métodos convencionais e quando se acredita
possibilitou realizar uma análise criteriosa das que ela possa acrescentar informações adicio-
nais no manejo clínico da paciente.

294 Faculdade Christus


Capítulo 42

XX Core biópsia A ultrassonografia detecta cistos a partir


A core biópsia ou biópsia percutânea por de 2 mm e é o método ideal para o diagnóstico
agulha grossa consiste em um procedimento de destas lesões.
fácil execução, realizado por meio de um instru-
mento em forma de pistola, por meio do qual
são adquiridas amostras teciduais. O material 2.2 Fibroadenoma
colhido é submetido à análise histopatológica. É a lesão benigna mais comum em mu-
As principais complicações consistem em lheres. Pode acometer qualquer idade a partir
hematoma e perfuração torácica, sendo a últi- da menarca, mas a faixa etária em que ocorre
ma muito rara. com mais frequência é entre 20 e 30 anos.
Origina-se na unidade ducto terminal lo-
bular, sendo constituído de tecido proliferativo
XX Mamotomia
epitelial e estromal. Em geral, o fibroadenoma
É uma variante da biópsia percutânea por
cresce até 3 cm e, a partir de então, tende a
agulha grossa, que utiliza um sistema a vácuo.
estabilizar-se. Pode crescer um pouco durante
O método é promissor no tratamento de lesões
a gravidez e involuir após a menopausa. Rara-
benignas impalpáveis, principalmente naquelas
mente, pode surgir carcinoma do tipo lobular in
com diâmetro inferior a 1,5 cm. A taxa de com-
situ no fibroadenoma.
plicações com este procedimento é baixa. Além
disso, em alguns estudos, tem-se mostrado Ocorre com mais frequência no quadrante
que a mamotomia guiada por ultrassonografia súpero-lateral. Manifesta-se clinicamente como
apresenta alta acurácia (96,6%), sensibilidade tumor bastante móvel, bem delimitado, ovalado
(84,2%) e especificidade (100%). ou lobulado. Inicialmente, pode apresentar cres-
cimento rápido. Em 21% dos casos pode ser múl-
tiplo e em 7%, bilateral. Sua consistência é fibro-
XX Biópsia cirúrgica elástica. Em mulheres de maior faixa etária pode
A biópsia cirúrgica pode ser excisional ter consistência endurecida devido à calcificação
(exérese completa da lesão) ou incisional (exé- distrófica no nódulo (“calcificação em pipoca”).
rese de fragmento do tumor). É realizada princi-
Existe uma forma especial de fibroadenoma
palmente quando os casos de biópsia por agu-
com tamanho que varia entre 20 e 30 cm e que
lha são questionáveis ou indefinidos.
pode ocorrer na puberdade (fibroadenoma gi-
gante). Outras formas de apresentação mais raras
são as formas juvenil, complexa e extra-mamária.
2. Diagnóstico diferencial dos tumores
benignos da mama O diagnóstico é tipicamente clínico. Pode-
-se recorrer à USG, quando o tumor se apresenta
2.1. Cisto mamário como nódulo circunscrito, ovalado, hipoecoide,
Incidem em 7 a 10% da população femi- com margens bem definidas e com maior eixo
nina. A faixa etária mais acometida é dos 35 a paralelo à pele (diâmetro antirradial – largura,
50 anos. maior que o radial – altura). A PAAF é método
diagnóstico importante. O tríplice diagnóstico
Os cistos são originados no ducto termi-
(clínica, imagem e citologia) tem sensibilidade
nal da unidade lobular. Decorrem geralmente
de 99,6%, com chance de falso negativo menor
de processos involutivos da mama.
que 1%.
Apresentam-se como nódulos de contor-
nos regulares, amolecidos, móveis, dolorosos e
de aparecimento repentino. Podem ser únicos 2.3. Tumor filoide
ou múltiplos, uni ou bilaterais e podem atingir É um tumor bastante raro. Corresponde a
grandes volumes. 2,5% dos tumores fibroepiteliais da mama e 0,5
Podem apresentar vegetações intracísti- a 1% dos tumores mamários em geral. Predomi-
cas. Estas representam crescimento tumoral no na em pacientes brancas.
interior do cisto. São denominados de cistos É semelhante ao fibroadenoma. A princi-
complexos. pal diferença entre esses tumores é que o tumor

Faculdade Christus 295


Capítulo 42

filoide apresenta hipercelularidade estromal. XX 2.5. Lipoma


Por isso, é também conhecido como fibroade- O lipoma consiste em uma neoplasia be-
noma hipercelular. nigna de origem mesenquimal. Pode ser assin-
tomático ou apresentar-se como nódulo palpá-
É geralmente um tumor benigno (80%).
vel móvel, sendo, geralmente, unilateral.
Mas, em 20% dos casos, pode sofrer transfor-
mação maligna. Para definição de benignidade Em casos de estruturas ductais incorpo-
ou malignidade, consideram-se no componente radas à lesão, recebe a denominação de ade-
estromal a contagem mitótica, às atipias celula- nolipoma. Quando há presença de estruturas
res e o comprometimento das margens. Ocor- vasculares, denomina-se angiolipoma.
rem recidivas com frequência e apresenta certa
tendência a degeneração maligna sarcomatosa.
XX 2.6. Hamartoma
Apresenta-se como tumor móvel, lobula-
Pode ocorrer em qualquer faixa etária,
do, indolor e de consistência elástica. Seu tama-
embora seja mais comum no período do clima-
nho varia bastante, mas, em geral, é maior que o
tério de pós-menopausa.
fibroadenoma. Raramente apresenta multicen-
tricidade ou bilateralidade. É uma lesão nodular circunscrita, com-
posta de lóbulos e estroma fibroadiposo. Sua
O diagnóstico do tumor filoide é clínico.
apresentação clínica é semelhante à do fibro-
O principal diagnóstico diferencial do tumor fi-
adenoma.
loide é o fibroadenoma juvenil; entretanto, este
incide mais na adolescência enquanto aquele
acomete mais mulheres acima de 40 anos. Os 3. Tratamento dos tumores benignos
outros métodos de diagnóstico (como mamo-
da mama
grafia, PAAF) não são tão determinantes, pro-
vavelmente pelo fato de o tumor ser bastante Em geral, os cistos são tratados por pun-
volumoso e apresentar com frequência, em seu ção aspirativa. Recorre-se à biópsia excisional
interior, áreas de infarto hemorrágico. A core cirúrgica ou a céu aberto nos seguintes casos:
biópsia ou mamotomia pode diferenciar o tu- presença de conteúdo sanguinolento quando
mor filoide do carcinoma. realizada a punção (excluindo o sangue ver-
melho vivo, que denota acidente de punção)
recidiva e detecção de vegetação intracística à
XX 2.4 Papiloma ultrassonografia.
É um tumor intraductal benigno, que aco-
O tratamento do fibroadenoma pode ser
mete aproximadamente 29% das pacientes na
conservador. Os antiestrogênicos, como pro-
pré-menopausa.
gestágenos e tamoxifeno, não são capazes de
Geralmente, manifesta-se como tumor fazer desaparecer o tumor, mas podem contro-
solitário, localizado nos ductos centrais de lar o seu crescimento. Quando a lesão persiste
maior calibre e está associado com descarga ou cresce (tumores maiores de 2 cm), o trata-
papilar sero-hemorrágica. Mas, em 10% dos mento de escolha é a cirurgia.
casos, pode apresentar-se na forma de múlti-
A exérese com ampla margem de segu-
plos papilomas no mesmo ducto ou em ductos
rança, cerca de 1 a 2 cm de tecido mamário pe-
diferentes (papilomatose múltipla). Este possui
ritumoral macroscopicamente normal, é o tra-
grande suscetibilidade à recorrência, transfor-
tamento preconizado para os tumores filoides
mação maligna e presença simultânea de car-
com o intuito de garantir margens cirúrgicas li-
cinoma intraductal. Diferente do papiloma so-
vres e diminuir a taxa de recorrência. Quando o
litário, a papilomatose múltipla acomete mais
tumor se apresenta com estroma sarcomatoso,
mulheres jovens.
deve-se recorrer à mastectomia sem linfadecto-
Para a identificação do ducto comprome- mia ou mastectomia simples.
tido, durante o exame clínico, deve-se pesquisar
O tratamento do papiloma consiste em
o ponto-gatilho. Para isso, faz-se compressão
ressecção do ducto comprometido quando
nos pontos cardinais do complexo aréolo-papi-
a paciente deseja engravidar ou exérese dos
lar. Outra forma de identificá-lo é por meio da
grandes ductos (cirurgia de Urban) quando pa-
ultrassonografia. .
ciente já tem prole definida.

296 Faculdade Christus


Capítulo 42

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Faculdade Christus 297


Capítulo 43
TUMORES MALIGNOS DA MAMA
Paulla Vasconcelos Valente
Helena Nogueira Brasil
Liana Capelo Costa

A- PROBLEMA mum entre as mulheres. O número de casos no-


vos de câncer de mama esperados para o Brasil
Paciente do sexo feminino, 45 anos, casada, re- em 2008 é de 49.400, com um risco estimado de
lata que há mais ou menos três meses notou um “ca- 51 casos a cada 100 mil mulheres.
roço” na mama esquerda ao auto-exame da mama.
Procurou a assistência no posto e foi encaminhada Os países como os Estados Unidos, Reino
para realização de mamografia. Sem outras queixas. Unido, Suécia, Itália e Uruguai apresentam taxas
HP: menarca aos 11 anos, G2P2A0, primeira gestação de incidência de câncer de mama superiores a
aos 31 anos e a segunda aos 34 anos, e a amamen- 100 casos por 100 mil mulheres/ano. Conse-
tação não excedeu um mês para cada criança. Uso quentemente, suas taxas de mortalidade tam-
de anticoncepcional por cinco anos. HF: avó materna bém são bastante elevadas, ficando ao redor de
falecida de câncer de mama e tia materna em trata- 40 óbitos por 100 mil mulheres/ano.
mento para o mesmo. Nega tabagismo e alcoolismo. No Brasil, a taxa de óbito do início da dé-
Sedentária. Exame físico: IMC: 29kg/m2. À inspeção: cada de 1980 era de aproximadamente 6/100
mamas assimétricas, volumosas, com leve retração mil mulheres. Mais recentemente, em 2003, essa
à inspeção dinâmica do quadrante superior externo taxa subiu para 10,4/100 mil mulheres.
esquerdo. À palpação: nódulo em mesmo quadrante,
Nos Estados Unidos, no ano de 2007, ob-
indolor, de cerca de 2cm, contornos irregulares, duro,
servaram-se 178.480 novos casos de câncer de
aderido a planos profundos. Descarga papilar negati-
mama, com 40.460 óbitos. É a neoplasia malig-
va. Ausência de linfonodos axilares palpáveis.
na mais comum entre 20 e 49 anos de idade e,
após os 50 anos, passa a ser o segundo tipo de
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM câncer mais frequente.

1. Identificar as hipóteses diagnósticas. Cerca de 1,1 milhões de mulheres têm


2. Conhecer os dados clínicos e os exames diagnóstico de câncer de mama todos os anos
complementares necessários para estabele- no mundo. Essa soma representa 10% de todos
cer o diagnóstico. os novos casos e 23% dos casos de câncer em
3. Saber proceder o diagnóstico diferencial. mulher. Estima-se que uma em cada sete mu-
4. Conhecer a conduta terapêutica. lheres terá câncer de mama ao longo da vida.

C- ABORDAGEM TEMÁTICA 1.2. Etiologia


1. Introdução Os fatores relacionados à dieta, ao hábito de
fumar, à ingestão de bebidas alcoólicas, ao seden-
1.1. Epidemiologia
tarismo, à paridade, a exposição à radiação ionizan-
O câncer de mama é o segundo tipo de te e a agentes infecciosos, devem exercer um peso
câncer mais frequente no mundo e o mais co- importante no processo de carcinogênese mamária.
Capítulo 43

Já é conhecida a influência dos fatores ge- ambientais (radiação ionizante). Alguns fatores
néticos, já que filhas de mães portadoras de cân- são protetores como a prática de atividades físi-
cer de mama têm um risco bem aumentado de cas regulares e o aleitamento materno.
desenvolver a doença se comparadas a mulheres
sem história familiar. Cerca de 10% das mulhe-
res que desenvolvem câncer de mama possuem 1.4. Manifestações
uma predisposição genética. A mutação é autos- Na fase inicial, não se observam sinais ou
sômica dominante, com penetração limitada, o sintomas do câncer de mama.
que significa que pode saltar uma geração.
O mamilo pode apresentar inversão ou
Atualmente, três genes têm sido apon- descarga papilar, e a retração cutânea pode
tados como principais no desenvolvimento do denotar a presença de câncer. A associação de
câncer hereditário de mama – o BRCA1, BRCA2 lesões eritemato-pruriginosas do mamilo ao
e o TP53. No entanto, as alterações encontradas nódulo mamário pode indicar doença de Paget.
nesses genes são responsáveis por apenas 5% de O sinal mais frequente é o tumor palpável da
todos os casos da doença. Certamente há outros mama, correspondendo a 60% das queixas an-
genes que também sofrem mutações em alguns tes do uso rotineiro da mamografia.
casos familiares. Há estudos que mostram liga-
ção da neoplasia maligna de mama com outros O nódulo palpável geralmente é único,
cânceres, como por exemplo, o de ovário. As sín- indolor, duro, pouco móvel ou fixo, com limi-
dromes de Li-Fraumeni, de Cowden, e de Muir e tes definidos e superfície irregular. Quando em
da ataxia telangiectásica são genéticas com alta fase avançada, podem existir alterações cutâneas
incidência de câncer de mama. (“peau d’orange”) e, quando associado com erite-
ma, caracteriza o carcinoma inflamatório ou pode
Os genes BRCA envolvidos com o câncer ainda apresentar ulcerações e nódulos cutâneos
de mama hereditário comportam-se como ge- na mama. O tumor pode apresentar fixação aos
nes supressores tumorais. Incluem proteínas do planos profundos (músculos peitorais e costelas)
reparo do DNA, reguladores dos “checkpoints” e podem-se observar abaulamentos axilares, cer-
do ciclo celular e genes que mantêm a exata se- vicais, paraesternal (mamária interna) e das re-
gregação dos cromossomos. A proteína p53 é giões supra e infraclaviculares, denotando ade-
sintetizada a partir do gene TP53, no cromosso- nopatia metastática que pode estar associada a
mo 17, e é um gene supressor tumoral, particu- linfedema do membro superior homolateral.
larmente importante na regulação da transição
da fase G1, impedindo a entrada na fase S do
ciclo celular em casos de danos no DNA. 1.5. Diagnóstico
Existem ainda os polimorfismos, varia- No Brasil, aproximadamente 60% das
ções na sequência do DNA, que são mutações neoplasias malignas da mama de mulheres são
muito mais frequentes, da ordem de 40 a 50% diagnosticadas em estádios III e IV. Já nos Esta-
da população, com um pequeno aumento do dos Unidos e Inglaterra, quase 80% das mulhe-
risco individual. res recebem o diagnóstico em estádios I e II.
Assim, a pesquisa de alterações genéticas O Instituto Nacional de Câncer (INCA)
e sua associação com fatores ambientais po- recomenda para rastreamento e detecção do
dem levar à compreensão dos mecanismos en- câncer de mama: exame clínico das mamas
volvidos na etiologia desta doença, assim como (ECM) em mulheres a partir dos 40 anos, ECM
auxiliar no diagnóstico e tratamento. mais mamografia anual em mulheres de 50-69
anos de idade e ECM mais mamografia anual
em mulheres com risco elevado a partir dos 35
1.3. Fatores de risco anos. Ainda de acordo com este consenso, são
Os principais fatores de risco do câncer de definidos como grupos populacionais com risco
mama são: idade avançada, história familiar posi- elevado para o desenvolvimento do câncer de
tiva, menarca precoce, menopausa tardia, nulipa- mama: mulheres com história familiar de pelo
ridade, primeira gravidez tardia (após 30 anos), menos um parente de primeiro grau (mãe, irmã
obesidade, dieta rica em gorduras, elevada in- ou filha) com diagnóstico de câncer de mama,
gestão de álcool, terapia hormonal (TH) e fatores abaixo dos 50 anos de idade; mulheres com

300 Faculdade Christus


Capítulo 43

história familiar de pelo menos um parente de rado à mamografia convencional, contudo, a


primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com diagnós- acurácia da mamografia digital foi significati-
tico de câncer de mama bilateral ou câncer de vamente maior que no filme mamográfico con-
ovário, em qualquer faixa etária; mulheres com vencional entre as mulheres abaixo de 50 anos.
história familiar de câncer de mama masculino;
mulheres com diagnóstico histopatológico de
lesão mamária proliferativa com atipia ou neo- 3.3. Ultrassonografia
plasia lobular in situ. É o método de complementação de ima-
O autoexame das mamas (AEM) apresen- gem mais importante no diagnóstico das doen-
ta baixo custo, alta acessibilidade, mas requer ças da mama.
dedicação e treinamento da mulher; o ECM Atualmente, é bastante utilizada para au-
apresenta custo baixo a moderado, nem sem- mentar o valor preditivo positivo associado à
pre é acessível, depende da habilidade do clíni- mamografia convencional. Considera-se que o
co e sua eficácia é considerada moderada; e a aspecto de benignidade à USG, como fator iso-
mamografia, apesar de possuir custo moderado lado, não exclui a possibilidade de biópsia con-
a alto e ser pouco acessível para grande parte firmatória, ou mesmo seguimento com interva-
das mulheres brasileiras, é ainda o método mais lo mais curto. Nesses casos, outros elementos,
eficaz na detecção de tumores iniciais da mama. como a idade da paciente e a história familiar,
podem vir a ser decisivos.

2. Exame físico
É composto pelo autoexame das mamas 3.4. Mamocintilografia
e pelo exame clínico das mamas. De acordo com Waxman (1997), existem
O autoexame das mamas deve ser reali- aplicações específicas para se utilizar a cintilo-
zado da seguinte forma: antes da menopausa, grafia mamária, podendo citar: pacientes com
sete dias após o período menstrual, mensal- mamas densas, com mamas com distorção ar-
mente; após a menopausa, no mesmo dia, men- quitetural ou temor excessivo de biópsia, espe-
salmente. O autoexame das mamas não reduz cialmente se esses pacientes são considerados
as taxas de mortalidade. Já o exame clínico das de alto risco.
mamas deve ser realizado pelo médico: a cada
três anos, se a paciente tiver entre 20 e 40 anos
3.5. Ressonância magnética
ou anualmente se história familiar positiva; a
partir dos 40 anos, anualmente. O exame físico Indicada no caso de lesões que só te-
detecta 10-20% dos cânceres não observados nham sido vistas em uma incidência mamográ-
radiologicamente. fica e que não tenham apresentado correlação
com US e incidências mamográficas adicionais,
em carcinomas ocultos, lobulares, para detectar
3. Exames complementares recidivas, avaliar a extensão da doença e multi-
3.1. Mamografia centricidade e para monitorar a resposta à tera-
pia neo-adjuvante.
A mamografia, apesar de ser considerado
o método diagnóstico mais adequado, apresenta Com uma sensibilidade de 88,1% e uma
um alto custo e, infelizmente, ainda hoje não está especificidade de 67,7%, a ressonância com
acessível a toda a população, principalmente en- achados anormais não indica câncer, assim
tre mulheres em pior condição sócioeconômica. como sua ausência não exclui o carcinoma.

3.2. Mamografia digital 3.6. Punção aspirativa por agulha fina (PAAF)

Possibilita que o profissional trabalhe com Lesões palpáveis ou guiadas por ultras-
as informações sem que a paciente precise se sonografia apresentam taxas de falso-negativos
submeter a novas radiografias. Alguns estudos variando de 10-15% e as de falso-positivos são
mostram que não há diferenças importantes na menores do que 1%, sendo que 15% da amos-
acurácia diagnóstica desse método se compa- tras são insuficientes. Resultados negativos da

Faculdade Christus 301


Capítulo 43

PAAF não excluem neoplasia maligna e devem para marcar a lesão a fim de que o cirurgião
ser avaliados por core biópsia ou biópsia cirúr- possa guiar-se e retirar a lesão. A técnica pos-
gica das lesões suspeitas. sibilita a marcação pré-operatória adequada de
92 a 98% das lesões subclínicas de mama. Po-
De acordo com DeVita, Hellman e Ro-
rém, pode não propiciar a exérese completa da
senberg (2008) é um método rápido, indolor
lesão em até 40% das vezes. Além disso, a utili-
e barato, mas incapaz de distinguir o carcino-
zação desses fios está associada a complicações
ma invasivo do in situ. Outra desvantagem é a
perioperatórias importantes, destacando-se a
necessidade de um citopatologista experiente
migração do fio dentro da mama, transecção
para a conclusão do diagnóstico.
do fio durante o ato cirúrgico com permanência
de fio metálico no parênquima mamário e mi-
3.7. Punção percutânea por agulha grossa gração para a cavidade pleural, com ocorrência
(“core biópsia”) de pneumotórax.

A principal vantagem é obter mais teci- É realizada através de US ou mamogra-


do para fins diagnósticos. As lesões impalpáveis fia, a depender dos achados que precisam ser
podem ser guiadas por mamografia ou ultras- biopsiados. É fundamental o RX da peça após
sonografia. Por ser menos invasiva que a biópsia a mesma ter sido retirada da mama para docu-
cirúrgica, é preferida nas lesões acessíveis. mentação.

Outra vantagem da punção por agulha


grossa é que se pode determinar a condição 4. Tipos histológicos
do receptor de estrógeno e progesterona e a
superexpressão do HER-2, tornando-se a técni- O carcinoma ductal invasor (CDI) da
ca de escolha para os pacientes que receberão mama representa 80 a 90% dos carcinomas da
quimioterapia pré-operatória. mama. Os carcinomas ductais de tipo especial
(medular, tubular, papilífero e mucinoso) com-
preendem 10 a 20% dos carcinomas invasivos e
3.8. Mamotomia (biópsia percutânea vácuo apresentam prognóstico melhor quando com-
assistida) parados ao carcinoma ductal invasor sem outras
especificicações (CDI-SOE).
Geralmente, é indicada em microcalcifica-
ções ou pequenos nódulos (inferiores a 1,5 cm) O carcinoma lobular invasor constitui
que mereçam investigação. 10% dos carcinomas mamários. Tende a ser
multifocal ou multicêntrico frequentemente. O
Os fragmentos serão obtidos através de
prognóstico é semelhante ao CDI-SOE.
uma agulha de calibre grosso, acoplada a um
sistema a vácuo (sonda de biópsia). O posicio- O carcinoma tubular é um dos tipos espe-
namento da sonda de biópsia poderá ser guia- ciais de CDI, bem diferenciado, perfazendo 2%
do por mamografia ou ultrassonografia. Caso dos carcinomas da mama. Incide em mulheres
seja necessário realizar excisão adicional, usa-se jovens, entre 44 a 50 anos. Possui prognóstico
um clipe de titânio para marcar o local da bióp- bem favorável, especialmente quando é do tipo
sia e servir como guia. tubular puro (75% de elementos característicos)
e com baixo acometimento linfonodal.
O carcinoma coloide ou mucinoso repre-
3.9. Biópsia cirúrgica
senta 1 a 2% dos carcinomas da mama, sendo
Usada quando não foi realizada PAAF ou mais prevalente em mulheres acima de 75 anos.
punção por agulha grossa ou quando os resulta- Caracterizado por abundante secreção de mucina
dos da biópsia por agulha são negativos, ques- extracelular, é tumor de bom prognóstico quando
tionáveis ou discordam dos achados clínicos. reservado à forma pura de carcinoma gelatinoso.
3.10. Biópsia de localização guiada por imagem O carcinoma papilífero constitui 1 a 2%
dos carcinomas da mama, sendo mais frequente
É o método habitualmente utilizado para
em mulheres acima de 63 anos. É um tumor cir-
localização pré-operatória de lesões mamárias
cunscrito, de crescimento lento, que pode apre-
subclínicas com a introdução de fios metálicos
sentar componente cístico. Apresenta prognós-
ou de um radiofármaco, geralmente o tecnécio,
tico favorável.

302 Faculdade Christus


Capítulo 43

O carcinoma medular perfaz até 7% dos tu- mor móvel, lobulado e indolor, de crescimento
mores malignos da mama, acometendo mulheres rápido. É muito raro, sendo mais comum após
mais jovens (menores que 35 anos), principalmen- os 40 anos. Em 80% dos casos, é benigno. Entre-
te se pertencentes às famílias com mutações ge- tanto, apresenta alta tendência de recidiva local
néticas de BRCA1 e BRCA2. Mesmo com aspectos e pode sofrer degeneração maligna sarcomato-
histopatológicos de neoplasia indiferenciada, é sa.
considerado tumor de bom prognóstico.
O papiloma intraductal é a neoplasia
O carcinoma inflamatório representa 1 a epitelial benigna que se desenvolve no lúmen
3% dos tumores malignos da mama, caracte- de grandes e médios ductos subareolares. O
rizado por predomínio de sinais inflamatórios potencial de malignidade é baixo. O seu prin-
clínicos (eritema, edema com espessamento de cipal sintoma é a descarga papilar hemorrági-
pele e aumento da temperatura cutânea) e/ou ca, espontânea, uniductal e unilateral. É mais
patológicos (invasão de linfáticos da derme). É frequente entre os 30 e 50 anos. Em pacientes
uma das formas mais agressivas do câncer de com mais de 50 anos, com esta queixa, deve-
mama, tendo um prognóstico bem reservado. -se sempre afastar o diagnóstico de carcinoma
papilífero e o ductal.
A doença de Paget constitui 0,7 a 4% dos
carcinomas da mama. Caracteriza-se por lesão, Como a mama é normalmente constituí-
por vezes, erosiva, pruriginosa que se inicia na da também por tecido adiposo, o lipoma é re-
papila, progredindo até a aréola e, raramente, lativamente frequente. O hamartoma é uma le-
acometendo a pele adjacente. O carcinoma são pouco observada, com perfil mamográfico
intraductal pode ser encontrado em 65% das peculiar de lesão circunscrita contendo gordura.
vezes e o CDI, em 30-35%. Cerca de 60% das
pacientes com a doença de Paget apresentam
tumor palpável e o tratamento e o prognóstico 6. Estadiamento
dependem de ter nódulo subjacente ou não. O estadiamento proposto pela União In-
ternacional Contra o Câncer – UICC baseia-se
em três componentes principais:
5. Diagnóstico diferencial
ƒƒ Características do tumor primário;
É importante ressaltar que até 80% dos
ƒƒ Características dos linfonodos das cadeias de
tumores mamários palpáveis são alterações be-
drenagem linfática do órgão em que o tumor
nignas e que não aumentam significativamente o
se localiza;
risco para desenvolvimento do câncer de mama.
ƒƒ Presença ou ausência de metástases à distância.
Os cistos mamários incidem em 7 a 10%
da população feminina, podendo ser únicos ou
6.1. Tumor primário
múltiplos, uni ou bilaterais. A faixa etária aco-
metida é de 35 a 50 anos, coincidindo, pois, Nesta classificação o “T” representa o tama-
com a fase involutiva dos lóbulos mamários. nho do tumor primário e a presença ou ausência
Manifestam-se como nódulos de aparecimento de fixação às estruturas adjacentes, com subcate-
súbito, de contornos regulares, móveis e dolo- gorias que variam de T0 (Tis, in situ) a T4.
rosos.
O fibroadenoma é a neoplasia mais fre- 6.2. Linfonodos regionais
quente da glândula mamária, precedida pelo car-
cinoma. Apresenta-se como um nódulo fibroelás- O “N” indica a presença ou ausência de
tico, sólido, indolor, móvel à palpação, de limites metástases para os linfonodos regionais, com
precisos e mede de 1 a 3 cm. Surge quase sempre subcategorias que variam de N0 a N3, que ex-
na mulher jovem, entre 15 e 30 anos. Em geral, pressam o grau de fixação linfonodal.
trata-se de uma lesão sem potencial de maligni- 6.3. Metástase
zação. Certos tipos de câncer, chamados tumores
O “M” indica a presença ou ausência de
circunscritos, podem simular um fibroadenoma
metástases à distância, com as subcategorias
sendo, portanto, prudente que os fibroadenomas
M1 ou M0, respectivamente.
sejam submetidos à confirmação histopatológica.
O símbolo “X” é utilizado quando uma
O tumor filodes apresenta-se como tu-

Faculdade Christus 303


Capítulo 43

categoria não pode ser devidamente avaliada. ƒƒ Ausência de comprometimento da pele;


Quando as categorias T, N e M são agrupadas em ƒƒ Tumor único;
combinações pré-estabelecidas, formam-se os ƒƒ Avaliação das margens cirúrgicas (no intra ou
estádios que, geralmente, variam de 0 a IV, com pós-operatório);
subclassificações A, B e C, em alguns estádios, ƒƒ Proporção adequada entre volume da mama
para expressar o nível de evolução da doença. e do tumor (distorção menor do que 30%);
ƒƒ Facilidade de acesso ao sistema de saúde para
Foram consideradas as seguintes catego-
garantia do seguimento.
rias de estadiamento: estádio 0, estádio I, está-
dio II, estádio III e estádio IV. Segundo os crité-
rios da Organização Mundial da Saúde, foram Carcinomas invasores com diâmetro igual
considerados em estádio avançado os casos ou maior que três centímetros, com ou sem qui-
com doença nos estádios III e IV. mioterapia neoadjuvante: a mastectomia deve
ser indicada para os tumores iguais ou maiores
que três centímetros. As técnicas modificadas
7. Tratamento que preservam um ou ambos os músculos são
O câncer de mama deve ser abordado as mais empregadas, pois além de assegurarem
por uma equipe interdisciplinar, visando o tra- resultados semelhantes à mastectomia radical,
tamento integral da paciente. As modalidades facilitam a reconstrução e reduzem a morbida-
terapêuticas disponíveis atualmente são a ci- de. A opção pela técnica depende dos achados
rurgia e a radioterapia para o tratamento loco- intraoperatórios, das circunstâncias clínicas e da
-regional e a hormonioterapia, a quimioterapia idade da paciente. Sempre que se indicar uma
e as terapias alvo para o tratamento sistêmico. mastectomia em pacientes com boas condições
clínicas, deve-se considerar a possibilidade de
se realizar a reconstrução mamária imediata.
7.1. Cirurgia
A indicação de diferentes tipos de cirur- 7.2. Radioterapia
gia depende do estadiamento clínico e do tipo
histológico, podendo ser conservadora a res- É utilizada com o objetivo de destruir as
secção de um segmento da mama, com retirada células remanescentes após a cirurgia ou para
dos gânglios axilares ou linfonodo sentinela, ou reduzir o tamanho do tumor antes da cirurgia.
não conservadora (mastectomia). Após cirurgias conservadoras, deve ser aplicada
em toda a mama da paciente, independente do
São modalidades de mastectomia: tipo histológico, idade, uso de quimioterapia ou
ƒƒ Mastectomia simples ou total (retirada da hormonioterapia ou mesmo com as margens ci-
mama com pele e complexo aréolo-papilar); rúrgicas livres de comprometimento neoplásico.
ƒƒ Mastectomia com preservação de um ou dois Reduz a taxa de recorrência local.
músculos peitorais acompanhada de linfade- A presença de um dos fatores listados a
nectomia axilar (radical modificada a Patey ou seguir é suficiente para a indicação de radiote-
Madden, respectivamente); rapia após a mastectomia, conforme consenso
ƒƒ Mastectomia com retirada do(s) músculo(s) de St. Gallen, na Suíça (2005):
peitoral(is) acompanhada de linfadenectomia
axilar (mastectomia radical ou a Halsted); ƒƒ Tumores com diâmetro igual ou maior que
ƒƒ Mastectomia com reconstrução imediata; cinco centímetros (somar com o tamanho do
ƒƒ Mastectomia poupadora de pele. fragmento de biópsia prévia);
ƒƒ Pele comprometida pelo tumor;
ƒƒ Dissecção inadequada da axila (menos de 10
Carcinoma ductal in situ: a mastectomia sim- linfonodos);
ples é um tratamento curativo em 98% dos casos. ƒƒ Margem comprometida (menor do que 1 cm.);
Carcinomas invasores com diâmetro tumo- ƒƒ Quatro ou mais linfonodos comprometidos;
ral inferior a três centímetros: observar pré-requi- ƒƒ Sem consenso quanto à radioterapia quando
sitos para se indicar uma cirurgia conservadora: um a três linfonodos comprometidos.

ƒƒ Realização de mamografia prévia;


ƒƒ Diâmetro tumoral menor que 3 cm;

304 Faculdade Christus


Capítulo 43

7.3. Quimioterapia e Hormonioterapia cujo tumor não tem receptores de estrogênio e


progesterona não se beneficiam do tratamento
As cirurgias conservadoras não impedem
com hormônios.
que uma parcela considerável das mulheres re-
cidive da doença. Este fato sugere a existência Pacientes muito jovens (35 anos ou me-
de micrometástases no momento do diagnós- nos) têm um pior prognóstico quando compa-
tico, para as quais a quimioterapia adjuvante é radas às mais idosas. O câncer nessas pacientes
o único tratamento efetivo, seja prevenindo ou jovens tende a ser avançado, ter menos recep-
retardando a progressão da doença. A introdu- tores de estrógeno e progesterona e ter mais
ção de drogas com novos mecanismos de ação invasão linfonodal do que nas pacientes idosas.
busca a eliminação das micrometástases, pois o
Aproximadamente 20% das pacientes com
impacto da quimioterapia é de amplitude mo-
câncer de mama têm amplificação do gene HER-
desta no que diz respeito às recidivas, principal-
2/neu o que resulta em hiperexpressão glicopro-
mente para os pacientes com o envolvimento
téica. Hiperexpressão ou amplificação do HER-2
metastático dos linfonodos axilares.
tem sido associado a maior estadiamento, falta
As mulheres na pré-menopausa e na pós- de receptores de estrogênio, elevados níveis de
-menopausa, positivas para receptor estrogênico proliferação tumoral e pior prognóstico.
(RE) e/ou receptor de progesterona, devem rece-
Numerosos marcadores biológicos e
ber hormonioterapia. Para aquelas pacientes com
moleculares têm sido considerados como
risco baixo de recorrência, deve-se usar tamoxife-
tendo valor prognóstico e/ou preditivo em
no (TMX), um bloqueador do receptor estrogêni-
câncer de mama (apoptose, genes supres-
co, por cinco anos. Nos últimos anos, os inibidores
sores, perfilamento genético dos tumores
da aromatase têm emergido como uma alternati-
primários, proteases, moléculas de adesão,
va ao TMX no tratamento hormonal de pacientes
angiogênese, presença de micrometástase
pós-menopáusicas com câncer de mama, expres-
na medula óssea, entre outros), entretanto
sando receptores hormonais. Apesar de os inibi-
seu valor preditivo e/ou prognóstico não é
dores da aromatase possuírem, em geral, efeitos
consensualmente aceito.
colaterais mais toleráveis, existem preocupações
sobre seu impacto em longo prazo sobre a massa
óssea e o desenvolvimento de osteoporose.
D- Referências Bibliográficas
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30% das pacientes sem linfonodos acometidos
vão desenvolver recorrência em 10 anos, em BLAND, K. I.; COPELAND E. M. The breast: compre-
comparação a 70% com envolvimento axilar. O hensive management of benign and malignant
número de linfonodos acometidos também tem diseases. 3. ed. Philadelphia: W.B. Saunders; 2004.
influência prognóstica: quatro ou mais linfono-
BOFF, R. A.; WISINTAINER, F. Mastologia mo-
dos envolvidos apresentam pior evolução do
derna: abordagem multidisciplinar. Caxias do
que aquelas com menos de quatro.
Sul: Mesa Redonda, 2006. 
O tamanho do tumor e o grau histoló-
gico (tumores pouco diferenciados têm pior BORGHESAN, D. H.; PELLOSO, S. M. & CARVALHO,
sobrevida e altas taxas de metástase à distân- M. D. B. Câncer de mama e fatores associados.
cia) também constituem um importante fator Cienc Cuid Saúde. v. 7, suplem. 1, p.62-68, 2008.
de prognóstico.
CALHOUN, K. E.; GUILIANO, A. E. Câncer da
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Faculdade Christus 305


Capítulo 43

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306 Faculdade Christus


Capítulo 44
PROLAPSO DE ÓRGÃOS PÉLVICOS
Luciano Silveira Pinheiro
Leonardo Pereira Cabral

A- PROBLEMA B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM


M.C, 50 anos, doméstica, G7P6A1, com- 1. Definir distopia genital.
pareceu ao Ambulatório de Ginecologia rela- 2. Conhecer a fisiopatologia da distopia genital.
tando sensação semelhante à descida de um 3. Realizar a abordagem diagnóstica.
órgão intra-abdominal havia quatro semanas. 4. Determinar o tratamento.
Ao fazer esforço físico e tossir, notou o apareci-
mento de uma massa globosa no introito vagi-
nal. Ao tomar conhecimento da ocorrência, sua
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
filha a obrigou a procurar o médico. Consultada 1. Introdução
pelo ginecologista, relatou que tinha a sensação
de que a sua bexiga estava caída (sic) e que isso Pode-se conceituar prolapso dos órgãos
a assustava muito, conseguindo perceber uma pélvicos ou distopia genital como o desloca-
tumoração globosa exteriorizando por meio da mento não fisiológico de um órgão genital do
vagina. Menopausada há cinco anos. Cinco par- seu sítio anatômico habitual, se exteriorizando
tos normais e um parto a forceps. Após a ana- ou não através da vagina. Os principais órgãos
mnese, o médico assistente perguntou a dois pélvicos da mulher que podem sofrer distopias
acadêmicos de uma Faculdade local, quais as hi- são uretra (uretrocele), vagina (colpocele ante-
póteses diagnósticas para a paciente que esta- rior, posterior e prolapso vaginal pós-histerec-
va sendo examinada (Figura 1). Os acadêmicos tomia), bexiga (cistocele), útero (histerocele ou
afirmaram que poderia se tratar de cistocele, de prolapso uterino), intestino delgado (enteroce-
prolapso uterino ou prolapso genital. le) e reto (retocele).
Com a nova expectativa etária da popula-
ção feminina, os prolapsos dos órgãos pélvicos
estão se tornando mais comuns, constituindo
problema de saúde pública, tendo em vista o
desejo de boa qualidade de vida e do bem-estar
social das portadoras dessa ginecopatia.
Para haver prolapso genital, necessário se
faz que tenha ocorrido defeito, enfraquecimen-
to ou lesão do assoalho pélvico e da fascia en-
dopélvica. Os músculos levantadores do ânus,
incluindo os puborretais, os pubococcígeos, os
iliococcígeos e os coccígeos constituem o cha-
mado assoalho pélvico. Os músculos levanta-
Figura 1- Colpocistoretocele e prolapso uterino grau 3. dores do ânus são considerados os músculos-
Arquivo do primeiro autor. -chave da pélvis, porque delimitam a escavação
Capítulo 44

pélvica do períneo. Os órgãos que estão situados Sabe-se que inúmeros agentes po-
acima dos levantadores do ânus são denomina- dem condicionar a perda de equilíbrio do
dos de intra-pélvicos e os localizados abaixo, suporte pélvico, propiciando o surgimen-
perineais. Este complexo muscular forma faixa to de prolapsos. Certamente que o fator de
semelhante à uma rede de dormir entre o púbis risco mais importante é o relato de partos
e o cóccix, ligando-se ao longo da parede pélvica vaginais, que podem ocasionar lesões no
lateral. Os levantadores do ânus encontram-se complexo músculo-ligamentar (levantado-
tonicamente contraídos, fornecendo apoio firme res do ânus, corpo perineal, ligamentos de
para suportar o conteúdo pélvico, auxiliando Mackenrodt e útero-sacros). O parto trans-
por outro lado na continência urinária e fecal, vaginal pressupõe que o bebê distendeu o
proporcionando o equilíbrio da estática pélvi- canal do parto, podendo na ocasião terem
ca (figura 2). A fáscia endopélvica é constituída sido danificadas ou enfraquecidas as estru-
de tecido conjuntivo frouxo, contendo peque- turas do assoalho pélvico, que incluem os
nos vasos, linfáticos e nervos. Áreas anatômicas músculos acima relacionados e a fáscia en-
mais espessas da fáscia endopélvica são descri- dopélvica, que englobam e fecham a saída
tas como ligamentos (cardinal ou de Macken- da pélvis, com envolvimento da abertura da
rodt e útero-sacros), os quais também exercem vagina, uretra e do canal anal. Esse compo-
importante função no suporte útero-vaginal. A nente etiológico e de risco se torna sítio de
fáscia endopélvica de apoio que separa a vagina ação danosa quando do nascimento por via
da bexiga é chamada de pubovesical ou vési- transvaginal de fetos macrossômicos (pe-
covaginal; e a que separa a parede posterior da sando 4kg ou mais) e quando da inadequa-
vagina do reto, é chamada de retovaginal. A da aplicação de fórceps de Simpson, por
parede vaginal anterior é apoiada principalmen- exemplo. Fatores genéticos e constitucionais
te pela aponeurose ou fáscia pubocervical. Essa (relato de hérnias umbilicais, inguinais e in-
fascia pubocervical é mais espessa e mais densa cisionais) também têm enorme importância.
por baixo e ao redor da uretra, do que por bai- Embora se desconheça o motivo, os prolap-
xo da base da bexiga. Esse achado anatômico é sos dos órgãos pélvicos são mais frequentes
do conhecimento de todo ginecologista afeito nas mulheres brancas, caucasoides, do que
à cirurgia pélvica. nas negras e nas asiáticas. Os incrementos
crônicos, repetitivos e transitórios da pres-
são intra-abdominal (tosse crônica por pneu-
mopatia, por tabagismo, constipação intesti-
nal e esforço físico extenuante), obesidade e
ascite constituem também fatores de risco.
Não obstante o prolapso dos órgãos pélvicos
poder se manifestar em qualquer idade, ele é
mais comum em mulheres na pré-menopau-
sa, devido provavelmente aos danos sofridos
pelos tecidos de sustentação pélvica que se
agravaram com o ato parturitivo transvagi-
nal sem correta assistência obstétrica (parto
em que havia indicação de episiotomia e que
esse procedimento cirúrgico obstétrico não
foi empregado), com o passar dos anos, bem
como com a falência ovariana na menopau-
sa e na pós-menopausa (hipoestrogenismo).
Também é de considerável importância co-
nhecer os diversos compartimentos anatô-
micos que suportam os órgãos pélvicos. Sa-
bemos que os defeitos devidos às agressões
Figura 2. Gravura simulando o músculo pubococcígeo em sofridas pelas estruturas do suporte pélvico
repouso e contraído (contração da uretra, vagina e reto),
resultam no evidente relaxamento anormal
aumentando o fechamento das luzes desses órgãos.
dessa região anatômica, atribuindo-se tam-
Adaptado de Berek & Novak Tratado de Ginecologia, 2008.
bém à retroversão uterina, parte nesse con-

308 Faculdade Christus


Capítulo 44

junto de alterações do equilíbrio da estática te estando em repouso. Outra classificação mais


pélvica. Quando esses traumas proporcio- recente de quantificar a gradação do prolapso,
nam o desequilíbrio e consequentemente enquadra-o de acordo com o órgão subjacente e
lesam a parede vaginal anterior e sua fáscia, sua localização em relação ao hímen: é a quan-
surgirão forçosamente uretrocele, cistocele e tificação do prolapso do órgão pélvico (POP-Q,
prolapso paravaginal. Quando a região apical 1996) aceita presentemente pela International
é atingida, surgirão histerocele, prolapso de Continence Society (ICS) e mais em voga. Constitui
cúpula vaginal pós-histerectomia e enteroce- sistema de classificação mais padronizado, apesar
le. Essas agressões tissulares atingindo a in- de mais complexo, tendo como objetivo ser capaz
tegridade da parede vaginal posterior farão de identificar vários pontos vaginais a partir do hí-
surgir a colpocele posterior ou retocele, que men. Essa classificação é a que é resumida abaixo.
poderá ser baixa ou alta. A retocele baixa é
ƒƒ Grau 0: sem prolapso.
muito mais frequente. O períneo ou períneo
ƒƒ Grau 1: o órgão desce e percorre a metade do
ginecológico é a distância anatômica da fúr-
caminho até o hímen.
cula posterior ao ânus. A cunha perineal ou
ƒƒ Grau 2: desce e atinge o anel do hímen.
centro tendinoso do períneo sendo alvo de
ƒƒ Grau 3: desce até a metade do caminho de-
traumatismos de parto, terá como resultado
pois do hímen.
a lesão do corpo perineal, ponto anatômico
ƒƒ Grau 4: considera a descida máxima possível
de encontro, de convergência e ancoradouro
para cada local, ultrapassando o anel do hí-
das terminações dos músculos levantadores
men e se exteriorizando.
do ânus e de suas fáscias. A lesão perineal
poderá ser incompleta e completa (lesão do
esfíncter estriado do ânus). De acordo com as
camadas anatômicas que são rompidas pelos
traumatismos do parto, surgirão lacerações
de primeiro a quarto graus. As lacerações
do primeiro grau atingem a fúrcula, a pele
perineal e a mucosa vaginal, permanecendo
íntegros a fáscia e o músculo subjacente. Nas
lacerações do segundo grau, além da pele e
da mucosa, a fáscia e os músculos que se in-
serem no corpo perineal são atingidos, mas
não o esfíncter anal. Nas lacerações do ter-
ceiro grau, são atingidos a pele, a mucosa, o
corpo perineal e o esfíncter estriado do ânus
(figura 3 e figura 4, poucos minutos após a
correção cirúrgica – paciente atribuiu ao par-
to domiciliar a causa dessa grave e vexatória
lesão anatômica). Já nas lacerações do quar- Figura 3. Laceração perineal do terceiro grau.
Arquivo do primeiro autor.
to grau, a mucosa retal é atingida, com expo-
sição da luz do reto.

2. Classificação
Existem inúmeras classificações para
quantificar os graus dos prolapsos dos órgãos
pélvicos. Uma delas, por exemplo, avalia como
pertencente ao primeiro grau, quando a estru-
tura vaginal (que pode conter bexiga ou alça
intestinal) desce ao nível do introito vaginal, à
Manobra de Valsalva (esforço físico ou tosse);
do segundo grau, quando ultrapassa o introito
Figura 4. Resultado cirúrgico imediato do caso da figura
vaginal à mesma manobra e do terceiro grau,
anterior (cirurgia de Lawson Tait (esfincteroplastia anal
quando ultrapassa o introito vaginal, a pacien-
com perineoplastia). Arquivo do primeiro autor.

Faculdade Christus 309


Capítulo 44

3. Sintomatologia ramente. Um simples toque retal poderá firmar


o diagnóstico de retocele baixa e o exame reto-
Os sintomas são muitos variados, de-
-vaginal (realizado simultaneamente – toque
pendendo principalmente de quais órgãos es-
vaginal com o polegar e retal com o indicador,
tão sendo afetados e da gradação do prolap-
com a paciente em pé), poderá concluir pela
so. A paciente portadora da ginecopatia pode
existência de enterocele ou não. O exame es-
se queixar de plenitude pélvica, dor no baixo
pecular (espéculo de Collin ou então bivalvar)
ventre, eliminação involuntária de urina aos
e a inspeção dinâmica poderão esclarecer se a
esforços, sensação de pressão na vagina e até
distopia é apical ou paravaginal.
exteriorização do órgão prolapsado, apresen-
tando dificuldade para urinar e para evacuação
de fezes, alterando o funcionamento normal
desses emunctórios (órgãos excretores). Dor
lombar, perda involuntária de urina, pequenos
sangramentos vaginais, dificuldades de evacua-
ção, desconforto abdominal, assim como dores
nas relações sexuais, também podem constituir
queixas relatadas.

4. Diagnóstico
A correta anamnese e bem elaborada
propedêutica clínica são de vital importância, o
Figura 5. Prolapso útero-vaginal grau 4, em mulher na
exame físico estático e dinâmico consolidando pós-menopausa. Arquivo do primeiro autor.
a impressão diagnóstica e o diagnóstico dife-
rencial (Existe uretrocele? A lesão se localiza na
parede vaginal anterior? É um prolapso apical?
É um prolapso da parede vaginal posterior? É
um prolapso vaginal pós-histerectomia? O cor-
po tendinoso do períneo está intacto? A lesão
perineal atinge o esfíncter estriado do ânus?).
O grau da ginecopatia poderá ser avaliado
com a utilização do sistema de classificação da
quantificação do prolapso do órgão pélvico (POP-
-Q) mencionado anteriormente. A figura 5 ilus-
tra caso de paciente na pós-menopausa, grande
multípara, compatível com prolapso uterino grau
4, com comprometimento urológico (hidronefro-
se, comprovada por ultrassonografia de vias uri-
nárias e urografia excretora, com taxas de ureia,
Figura 6. Mostra retocele baixa, enterocele e prolapso
creatinina e clearance da creatinina dentro dos
uterino grau 2. Modificado de Netter FH. Reproductive
limites considerados normais para a idade), em
System. Ciba Collection, 1965.
decorrência do tempo da enfermidade (9 anos),
que regrediu após a realização da histerectomia
vaginal, seguida de cistopexia, correção de ente- O estudo ultrassonográfico e o Dop-
rocele, de retocele e de laceração perineal incom- pler são indispensáveis em Ginecologia, prin-
pleta. A prevalência de hidronefrose em pacientes cipalmente se efetuados por via endovaginal,
com prolapso genital é apreciável (cerca de 17%) podendo fornecer dados importantes, como
e está relacionada ao grau do prolapso uterino e quantificação da espessura endometrial e
do tempo em que ocorreu até o dia da correção surpreender a presença de neoplasia pélvi-
cirúrgica da distopia. ca benigna ou maligna. No caso do tema do
problema em epígrafe, a ultrassonografia foi
O exame vaginal (toque bidigital) e retal
utilizada, fornecendo informações acerca do
(toque unidigital) devem ser realizados rotinei-
útero, anexos uterinas e bexiga, não obstante

310 Faculdade Christus


Capítulo 44

o diagnóstico ter sido soberanamente clínico, alta, os exames de toque vaginal e retal, simul-
dependendo exclusivamente dos conhecimen- taneamente, com a paciente realizando esforço
tos semiológicos do examinador. e em pé, são realizados. Quando se trata de en-
terocele, o examinador perceberá a descida de
uma estrutura no interior do septo, no espaço
4. Tratamento compreendido pelos dedos polegar e indica-
Pode ser conservador, não cirúrgico, em dor, sem deslocamento da parede anterior do
paciente portadora de doença hipertensiva se- reto para a luz vaginal. No caso de retocele é a
vera, consistindo na mudança do estilo de vida parede anterior do reto que se desloca para a
da doente, utilizado também em casos de pro- luz vaginal. O diagnóstico de retocele baixa não
lapso grau 1, principalmente com incontinência oferece a menor dificuldade, sendo feito pelo
urinária de esforço genuína (IUEG) com hiper- toque retal, percebendo-se o desvio do trajeto
mobilidade uretral, tendo como objetivo dimi- que era para ser retilíneo e que apresenta uma
nuir o risco de agravamento da ginecopatia, saculação, herniação da parede retal anterior e
aconselhando-se receber orientação de fisio- protrusão da parede vaginal posterior, no sen-
terapeuta para melhor exercitar a musculatura tido do lumen vaginal.
do assoalho pélvico (exercícios de Kegel). A mu- Um prolapso de órgão pélvico de ocor-
dança do estilo de vida consiste em orientação rência rara é a inversão uterina ginecológica,
dietética para redução de peso; se for fumante, caracterizada pela invaginação do fundo do
abandonar o quanto antes esse nefasto vício ta- útero em sua cavidade, podendo ser aguda ou
bagista, a paciente sendo também incentivada crônica, exteriorizando-se através da vagina ou
a emagrecer e a procurar executar atividades não. A paciente pode queixar-se de plenitude
físicas leves, saudáveis e diárias. pélvica, dor de grande intensidade, corrimento
Outra opção conservadora que pode fétido e de metrorragia. A etiologia oncogenéti-
ser utilizada em mulheres muito idosas e com ca é evidente na maioria dos casos, advindo da
prolapsos graus 3 e 4 consiste na inserção de tentativa do útero em expulsar tumor submuco-
pessário, que é um anel maleável de material so que se torna parido. Pode também ser origi-
sintético inerte de vários tamanhos. Após a es- nária de iatrogenismo, quando o ginecologista
colha do pessário adequado, ele é inserido pelo tenta enuclear o mioma parido por via vaginal
ginecologista, que o fixará com delicadeza no por torção e tração, podendo ocorrer até mes-
fundo de saco vaginal anterior e posterior, o mo choque neurogênico devido à dor intensa.
colo uterino passando por meio dele. A pacien- Ambas, entidades nosológicas (inversão uteri-
te deverá ser acompanhada de dois em dois na ginecológica crônica e a aguda) podem ser
meses para verificação do posicionamento do solucionadas através de histerectomia vaginal,
pessário, aproveitando-se a ocasião para se efe- com conservação ou não dos anexos.
tuar o completo exame ginecológico. A pacien- Existe também a inversão uterina obsté-
te poderá também utilizá-lo enquanto aguarda trica, que autores relatam ocorrer em 1:20.000
a realização do procedimento cirúrgico. partos na Europa e de 1:2.000 a 1:6.400 partos
O tratamento cirúrgico do distúrbio pél- nos Estados Unidos. Em Fortaleza, em trabalho
vico poderá ser conservador, com a não reti- feito na Maternidade Assis Chateaubriand é re-
rada do útero em mulher jovem, indicando-se portada a ocorrência de um caso de inversão
a Operação de Manchester-Donald-Fothergill, uterina obstétrica para 16.650 partos.
que consiste na amputação do colo uterino, Procedimento não cirúrgico e conserva-
encurtamento dos ligamentos de Mackenrodt, dor que pode ser empregado na correção da
cistopexia e perineoplastia. inversão uterina aguda obstétrica, é a mano-
Quando o diagnóstico de colpocistoce- bra da taxe (figura 7), obtendo como resultado
le ou cistocele é feito, a correção cirúrgica dá- a desinversão uterina por via vaginal sob anes-
-se pela cistopexia, com colporrafia anterior. tesia. A cirurgia de Spinelli (figura 8) também
Havendo retocele baixa, a retocele é corrigida pode ser levada a efeito, solucionando o grave
cirurgicamente, seguida de colporrafia poste- episódio da inversão uterina obstétrica (figuras
rior, perineoplastia ou perineorrafia. Havendo 9 e 10). Outra opção é a histerectomia vaginal.
dúvida se se trata de enterocele ou retocele

Faculdade Christus 311


Capítulo 44

Figura 7. Manobra da taxe: reposicioname nto manual do útero em seu sítio anatômico.
Modificado de Rezende Obstetrícia, 2010.

Figura 8. Tempos cirúrgicos da operação de Spinelli. Adaptado de Greenhill, J.P. Cirugia Gine-
cológica, México, 1963.

312 Faculdade Christus


Capítulo 44

Figura 9. Inversão uterina aguda obstétrica grau 4. Figura 10. Mostra inversão uterina subaguda obstétrica
Arquivo do primeiro autor. grau 4. Arquivo do primeiro autor.

Menos raro do que o distúrbio pélvico


relatado acima é o prolapso vaginal pós-his-
terectomia, que pode se apresentar sob a for-
ma de prolapso de cúpula vaginal (não esque-
cer, que só existe cúpula vaginal nas pacientes
que se submeteram a histerectomias totais),
cistocele, enterocele e retocele, enquadrada
também na gradação da classificação POP-Q
antes reportada. No prolapso vaginal pós-his-
terectomia pode ocorrer a descida e a exterio-
rização do ápice da vagina, aparecendo como
protrusão do topo da vagina para o seu inte-
Figura 12. Resultado cirúrgico no pós-operatório ime-
rior ou mesmo além dele e se exteriorizando diato (caso anterior). Arquivo do primeiro autor.
(figura 11 e figura 12, minutos após a reso-
lução cirúrgica por via vaginal). A correção é Como pode ser depreendido, diversas
cirúrgica, consistindo de colporrafias anterior técnicas cirúrgicas são utilizadas na tentati-
e posterior ampliadas, cistopexia, correção da va de correção desses distúrbios dos órgãos
enterocele e da retocele se existirem ou fixa- pélvicos. No entanto, é fácil perceber que a
ção da vagina no ligamento sacroespinhoso maioria dessas cirurgias são realizadas por
(de preferência o direito), por via transvaginal meio da via vaginal, não implicando que não
ou a sacrocolpexia por via abdominal. possam ser feitas por via abdominal e por
procedimentos endoscópicos. A histerecto-
mia vaginal não significará apenas na reti-
rada do útero; na grande maioria dos casos,
implicará também na correção cirúrgica de
cistocele, enterocele, retocele e da laceração
perineal existentes. Alguns cirurgiões preco-
nizam o emprego de telas, que constitui ver-
dadeiro enxerto de material sintético ou na-
tural, o bom senso recomendando que não
sejam utilizadas rotineiramente, devendo ficar
reservadas, por exemplo, para um prolapso
recorrente, com o fito de prolongar o tempo e
melhora do resultado operatório.
Figura 11. Prolapso de cúpula vaginal pós-histerecto- Também pode ser utilizada em mulhe-
mia grau 4. Arquivo do primeiro autor. res idosas com intercorrência de enfermida-
des clínicas (cardiopatias ou pneumopatias),
portadoras de prolapsos de órgãos pélvicos

Faculdade Christus 313


Capítulo 44

e que não mais mantêm atividade sexual, a D- Referências Bibliográficas


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interposição de órgãos, concluindo-se com Estudo da correção cirúrgica do prolapso uteri-
perineorrafia ampliada, alta, com obliteração no através de tela sintética de polipropileno tipo
parcial ou total da vagina (figura 13, antes da I, comparando histerectomia versus preservação
cirurgia e figura 14, logo após o ato opera- uterina. Rev Col Bras Cir, v.36, p.65-72, 2009.
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314 Faculdade Christus


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Faculdade Christus 315


Capítulo 45
INCONTINÊNCIA URINÁRIA
Luciano Silveira Pinheiro
Lia Pontes de Melo

A- PROBLEMA Foi realizada cistopexia, com correção da


abertura aumentada do ângulo uretrovesical pos-
L.P., 62 anos, G6, P5(vaginais), A0, tabagista, terior (cirurgia de Kelly-Kennedy), amputação do
procedente de Fortaleza, procurou um ambulatório colo uterino e perineoplastia com rafia e aproxi-
de Ginecologia com queixa de perda urinária aos mação dos elevadores do ânus (cirurgia de Man-
esforços e exteriorização do útero. Informou que chester-Fothergill). Retornou após 10 dias para
muitas vezes se sente incomodada e em situação avaliação ambulatorial sem queixas relevantes.
desconfortável, ao perceber perda urinária involun-
tária ao tossir, espirrar, quando ri intensamente e
até ao por o seu neto menor nos braços. Devido às B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
crises de tosse (fumante), também vem perceben-
do a progressiva exteriorização do útero. 1. Definir incontinência urinária e conhecer os
fatores de risco.
Ao exame ginecológico foi observada que-
2. Classificar os tipos de incontinência urinária.
da da parede vaginal anterior, atingindo o anel hi-
3. Realizar a propedêutica da incontinência.
menal ao esforço, acompanhada da descida do
4. Estabelecer as estratégias terapêuticas da
colo uterino, que ultrapassava esse sítio anatômico,
incontinência urinária.
apresentando-se epitelizado e com orifício externo
em fenda transversa (figura 1, sem efetuar esforço).
À manobra de Valsalva (anatomista italiano, Imola C- ABORDAGEM TEMÁTICA
1666-1723), não foi percebida perda urinária invo-
luntária. Ao exame vaginal bidigital (toque), confir- 1. Introdução
mou-se que se tratava de alongamento do colo ute- A incontinência urinária é qualquer con-
rino, o corpo uterino encontrando-se intra-pélvico. dição na qual ocorre perda involuntária de uri-
Hipótese diagnóstica: cistocele grau 2 + na através do meato uretral, associada ou não
rotura perineal incompleta + alongamento hi- à urgência miccional (desejo intenso de urinar),
pertrófico do colo uterino. podendo manifestar-se como sinal, sintoma ou
representar condição específica, e ser objetiva-
mente demonstrada. Ocorrem duas a três vezes
mais nas mulheres do que nos homens, sendo
uma das principais queixas em ambulatórios e
consultórios de Ginecologia, apresentando cau-
sa multivariada. Essa desagradável situação, em
um grande número de vezes, afeta significati-
vamente a vida da mulher, causando problema
higiênico, tornando-se elemento de exclusão
Figura 1. Cistocele grau 2 e alongamento hipertrófico
do colo uterino. Arquivo do primeiro autor.
social e interferindo na saúde física, mental e
consequentemente na qualidade de vida.
Capítulo 45

Segundo a Sociedade Internacional de ureterais e um inferior, a uretra proximal. Essa


Continência (ICS), as modalidades mais encon- região anatômica é também conhecida por
tradiças na mulher são a incontinência urinária triângulo de Lieutaud, constituindo o espaço
de esforço (IUE), a bexiga hiperativa idiopática e triangular da face interna da bexiga, limitado
a incontinência urinária mista. Na IUE, observa- pelos dois orifícios ureterais e o colo vesical.
-se perda de urina aos esforços, ao tossir, es-
O mecanismo de continência urinária é
pirrar, pular, caminhar rapidamente, mudar de
centrado na uretra proximal e na junção ure-
decúbito e ao rir intensamente. É o tipo mais
trovesical, através de agentes que regulam o
comum no sexo feminino, com prevalência de
fechamento da uretra, suportam a bexiga e a
mais de 50%, a depender do grupo populacio-
junção uretrovesical. Esses agentes ou fatores
nal arrolado e dos critérios utilizados para diag-
podem ser agrupados em extrínsecos: os mús-
nóstico. A bexiga hiperativa se caracteriza por
culos levantadores do ânus, a fascia endopélvi-
urgência miccional, acompanhada por vezes
ca e suas fixações às paredes laterais da pelve e
com polaciúria, nictúria e urge-incontinência.
à uretra. E os intrínsecos, que são os músculos
São observadas contrações involuntárias não
estriados e lisos da parede uretral (esfíncteres
inibidas do detrusor quando da fase de enchi-
interno e externo da uretra), a congestão vascu-
mento da bexiga, provocando a sensação de
lar do plexo venoso da submucosa, a coaptação
urgência miccional, desencadeando a abertura
epitelial das pregas do revestimento uretral, a
do esfíncter uretral, resultando saída de urina
elasticidade uretral e o tônus da uretra mediado
com baixo volume intravesical. Na incontinên-
pelo sistema nervoso simpático.
cia urinária mista, observa-se a combinação dos
sintomas da IUE com os da bexiga hiperativa. Outro aspecto importante a ser consi-
derado é a posição da bexiga em mulheres
Os quadros clínicos menos comuns de
continentes na situação de repouso, sua base
eliminação involuntária de urina compreen-
situando-se acima dos ramos inferiores da sínfi-
dem a sobredistensão da bexiga, ocasionando
se púbica. Assim, pode-se considerar a medida
transbordamento (útero gravídico encarcerado
dos ângulos uretrovesical posterior e de incli-
e prolapso uterino total) e as fístulas genituri-
nação uretral, na avaliação da paciente com in-
nárias. Nas fístulas geniturinárias, a eliminação
continência. Esses ângulos relacionam a posição
de urina é feita de maneira contínua. As fístulas
da uretra com a parede posterior da bexiga e
podem ser congênitas ou surgirem após cirur-
com o bordo inferior do púbis, respectivamen-
gias pélvicas (histerectomia abdominal, histe-
te. O ângulo uretrovesical posterior mede na
rectomia vaginal e cistopexia) ou pós-irradiação
mulher continente 90 a 100 graus e na mu-
na abordagem de cânceres do endométrio e do
lher com incontinência urinária, valores muito
colo uterino. As fístulas também são determi-
maiores, ou até mesmo chegando a desapare-
nadas por tocotraumatismos (inadequada as-
cer. O ângulo de inclinação uretral tem abertu-
sistência ao parto, período expulsivo prolonga-
ra póstero-superior, sendo na prática avaliado
do, parto a forceps, lesão de bexiga e de ureter
como constituído por duas linhas: a primeira
quando da realização de cesariana e pós-rotura
acompanhando a direção do terço proximal da
uterina).
uretra e a segunda, perpendicular, tangencian-
do o bordo inferior do púbis, considerando-se
a paciente em posição ortostática. Na mulher
2. Anatomia
continente, os valores do ângulo de inclinação
A bexiga é um órgão músculo-elástico uretral variam de 10 a 30 graus. Na mulher com
capaz de apresentar grande distensão, desem- incontinência urinária, os valores superam de
penhando função de reservatório passivo ao muito esses limites.
acumular urina (400 a 500mL) e órgão ativo
A inervação do trato urinário inferior é
ao expelí-la através de contrações do comple-
proveniente do sistema nervoso autônomo
xo de fibras musculares lisas, conhecido como
simpático, parassimpático e dos neurônios do
músculo detrussor. É dividida em corpo e base,
sistema nervoso somático. O sistema nervoso
que são separados pelos orifícios ureterais. Na
simpático tem origem na medula espinhal tó-
base, localiza-se o trígono vesical, constituído
raco-lombar (T1-L2 ou L3) e possui a adrenalina
de musculatura lisa diferente do músculo de-
como principal neurotransmissor, agindo sobre
trussor, cujos limites superiores são os orifícios
os receptores alfa e beta-adrenérgicos, permi-

318 Faculdade Christus


Capítulo 45

tindo assim o enchimento vesical. Os recepto- entre o sistema nervoso e as estruturas anatô-
res alfa estão presentes na musculatura lisa da micas íntegras relacionadas à bexiga e à ure-
uretra e no colo vesical, aumentando o tônus tra. Dois importantes fatores contribuem para
muscular e os betarreceptores se localizando no a continência uretral: a pressão de fechamen-
corpo vesical, promovendo o relaxamento. to uretral e o papel desempenhado pelos ele-
mentos anatômicos da região uretro-trigonal.
O sistema nervoso parassimpático se ori-
A pressão de fechamento uretral depende da
gina da medula espinhal sacral (S2-S4), tendo
integridade da mucosa uretral, do plexo vascu-
como neurotransmissor a acetilcolina, sendo
lar submucoso e das camadas de musculatura
responsável pela ativação do músculo detrusor
lisa e estriada que envolvem a uretra. O aumen-
e consequentemente pelo esvaziamento vesical.
to compensatório da pressão uretral, quando
O sistema nervoso somático possui a mesma
ocorre incremento da pressão intra-abdominal,
origem do sistema parassimpático, inervando o
constitui a base do mecanismo de continência.
assoalho pélvico e o esfíncter externo da uretra,
Portanto, qualquer situação ou enfermidade
desempenhando apenas função periférica no
que altere esse equilíbrio de interação poderá
controle neurológico do trato urinário inferior.
ocasionar incontinência urinária.

3. Fisiologia
Durante a fase de enchimento vesical, me-
diada pelo sistema nervoso simpático, o músculo
detrusor permanece inativo, permitindo a disten-
são da bexiga sem grande alteração de pressão
e concomitantemente ocorrendo o aumento do
tônus uretral, facilitando o fechamento uretral e
o mecanismo de continência (figura 2). Quando
o volume de urina contido na bexiga atinge de-
terminado valor, os receptores de estiramento- Figura 2. Funcionamento harmônico uretrovesical, com
-volume localizados na parede vesical são sensi- ação das musculaturas lisa e estriada.
Modificado de Bastos, A.C. Ginecologia, 1998.
bilizados e enviam sinais ao cérebro para o início
da micção. O mecanismo de micção é mediado
pelo sistema nervoso parassimpático, ativando o
4. Tipos de incontinência
músculo detrusor e pelo relaxamento voluntário Dentre as diversas causas de incontinên-
do assoalho pélvico e da uretra. É importante cia, estão incluídas alterações de funcionamen-
ressaltar que o volume limiar para sensibilizar to uretral e vesical, malformações congênitas
os receptores de estiramento-volume é variável, e fístulas urinárias. É possível identificar clini-
dependendo das vias aferentes sensoriais e dos camente algumas situações e agrupar a incon-
centros superiores do sistema nervoso. Assim, o tinência urinária em cinco tipos: incontinência
limiar de micção pode ser alterado ou reajustado urinária de esforço, incontinência urinária de
por várias influências. urgência, incontinência mista, funcional, transi-
tória e extra-uretral.
A inervação parassimpática, como relata-
do acima, está concentrada em grande parte da A incontinência urinária de esforço é a
bexiga, o neurotransmissor acetilcolina sendo forma mais frequente de incontinência e bastan-
responsável pela contração do detrusor. As fibras te comum em mulheres jovens. A hipermotilida-
simpáticas estão distribuídas na musculatura lisa de da uretra após partos transvaginais constitui
da bexiga e da uretra. O sistema alfa-adrenérgico a causa mais comum da incontinência urinária
encontra-se predominantemente na uretra, os de esforço genuína (IUEG). Normalmente a va-
seus impulsos produzindo contração. O sistema gina encontra-se fixada bilateralmente ao dia-
beta-adrenérgico inerva a bexiga e a uretra, en- fragma pélvico, o que condiciona base estável
contrando-se predominantemente na bexiga, os onde o colo vesical e a uretra repousam. Essa
seus impulsos produzindo relaxamento. disposição anatômica permite que incrementos
na pressão intra-abdominal sejam transmitidos
O elemento fundamental no mecanismo
igualmente para a bexiga e para a uretra, man-
de micção e continência é a perfeita interação
tendo o fechamento uretral e consequentemen-

Faculdade Christus 319


Capítulo 45

te a continência. Nas mulheres, principalmente nais fisiológicos e sim a fatores que impedem
multíparas, com hipermotilidade uretral, existe a mulher de chegar rápido ao banheiro, como
descida da uretra proximal e do colo vesical, de incapacidade ou dificuldade de deambulação.
forma que essas estruturas não são mais com-
Outra forma de incontinência é a transi-
primidas contra a vagina durante o aumento da
tória, na qual as causas dos distúrbios são cli-
pressão intra-abdominal, ocorrendo perda in-
nicamente reversíveis. As principais causas são:
voluntária de urina (figura 3).
uretrites, cistites, psicopatias, farmacológicas,
excessiva produção de urina, restrição da mobi-
lidade e fecaloma.
Anomalias congênitas e traumatismos são
as principais formas de incontinência extra-ure-
tral, a perda involuntária de urina não se dando
através da uretra. As principais causas congêni-
tas são a extrofia vesical e o ureter ectópico. De
causas traumáticas, a fístula vésico-vaginal é a
principal, ocorrendo frequentemente na síndro-
me do parto obstruído, com período expulsivo
prolongado, que poderá culminar com a rotura
Figura 3. Uretrocele + prolapso uterino pós-histerecto-
uterina complicada. Outras causas comuns de
mia grau 4. Arquivo do primeiro autor.
fístulas geniturinárias são o câncer do corpo e
do colo uterino, a radioterapia e procedimen-
Em um subgrupo de pacientes portado- tos cirúrgicos, como histerectomia vaginal ou
ras de IUEG, existe debilidade do esfíncter in- abdominal simples ou radical, na qual a bexiga
terno da uretra, resultando deficiência esfinc- pode ser aprisionada ou sofrer lesão acidental,
teriana intrínseca. Nesse grupo, a incontinência sem a adequada correção cirúrgica ou ser trans-
urinária ocorre com mínimos exercícios físicos fixada por sutura.
ou mesmo até em repouso. As causas comuns
Também deve ser mencionada a existên-
são a idade avançada, a cirurgia prévia do colo
cia do úraco, que é um canal do feto que liga
vesical e o tratamento radioterápico. Os efeitos
a bexiga com a alantoide. Após o nascimento,
da incontinência de esforço não são os mesmos
transforma-se num cordão fibroso que vai do
para todas as mulheres, dependendo do meca-
umbigo ao vértice da bexiga (ligamento me-
nismo esfincteriano, do nível de estresse físico
diano vesical). O úraco pode permanecer per-
imposto e do controle urinário da paciente.
meável, a anomalia se manifestando pela saída
A incontinência urinária de urgência de urina pelo umbigo intermitentemente e em
é consequência da hiperatividade do detrusor, quantidades variáveis. O normal é que inicial-
quando a pressão de contração vesical supera mente no feto a bexiga se distenda até a região
a pressão de fechamento uretral, levando à in- umbilical; com a maturação, a porção superior
continência e à urgência miccional. Essa forma tornando-se delgada, dá lugar a formação tu-
é bastante comum em pessoas idosas e está bular que se oblitera, constituindo o úraco ou
frequentemente associada com polaciúria e nic- ligamento mediano umbilical. Se esse tubo não
túria (o mesmo que noctúria, que são micções se fecha, comunica-se a bexiga com o exterior
frequentes durante a noite, o volume urinário através do umbigo, como relatado anteriormen-
noturno superando ao ocorrido durante o dia). te. Em alguns casos, o úraco permeável pode
Dentre as possíveis causas dessa forma de in- ser encontrado associado à obstrução uretral.
continência, podemos citar os distúrbios neuro-
lógicos, as infecções e as de origem idiopática.
5. Fatores de risco
Pacientes que possuem insuficiência ure-
tral ou alteração de sustentação dos órgãos pél- Considerando que a incontinência uriná-
vicos, juntamente com hiperatividade do detru- ria tem grande impacto na qualidade de vida
sor apresentam incontinência urinária mista. da mulher, é importante familiarizar-se com os
diversos fatores de risco relacionados com essa
A incontinência funcional se caracteriza
entidade uroginecológica.
por não estar relacionada a mecanismos miccio-

320 Faculdade Christus


Capítulo 45

ƒƒ Idade. É considerada como um dos principais antigas traumáticas da musculatura pélvica


fatores de risco, a incontinência urinária acome- durante o esforço físico continuado para eva-
tendo significativamente as mulheres mais ido- cuar, que se acentuam com o decorrer etário.
sas, principalmente a partir da menopausa. Esse ƒƒ Doenças crônicas. Diabetes e doenças neu-
fato pode estar relacionado ao baixo nível de rológicas são importantes fatores de risco.
estrogênio, à prevalência de doenças crônicas e No caso do diabetes mellitus, ocorre aumento
ao aumento do índice de massa corpórea. da frequência e do volume urinário devido à
ƒƒ Obesidade. A obesidade é um fator que con- hiperglicemia, associando-se a alterações dos
tribui ou agrava a incontinência urinária, prova- tecidos e da inervação da musculatura pélvi-
velmente por alterar a pressão intra-abdominal. ca. Os principais fatores relacionados a pro-
ƒƒ Paridade e parto. A gravidez e o parto predis- blemas neurológicos são as contrações vesi-
põem à incontinência urinária. O tipo de parto, cais que não são inibidas.
especialmente o parto vaginal, não é a causa ƒƒ Exercícios físicos. A intensa atividade física pro-
em si de incontinência. Porém, quando asso- porciona aumento da pressão intra-abdominal.
ciado a lesões ou causadores de lesões do as- ƒƒ Tabagismo. O fumante geralmente desen-
soalho pélvico, constitui fator de risco impor- volve pneumopatia crônica, enfisema pulmo-
tante. Após o parto vaginal, a força contratural nar, apresentando tosse crônica, frequente,
dos músculos levantadores do ânus que sofre- desencadeando aumento da pressão intra-
ram lesões diminui, o colo da bexiga desce e -abdominal e consequentemente influindo na
os músculos pélvicos sofrem desnervação par- pressão vesical.
cial com neuropatia do pudendo, contribuindo ƒƒ Consumo de cafeína. A cafeína tem ação
para surgimento do quadro da eliminação in- diurética, aumentando o volume urinário e
voluntária de urina aos esforços físicos. efeito excitante sobre o detrusor, podendo
ƒƒ Anestesia do parto. Fator não esclarecido e ocasionar instabilidade do músculo e conse-
controvertido. Alguns autores afirmam que a quentemente perda involuntária de urina.
anestesia peridural contribui para a lesão do ƒƒ Medicamentos. O uso de medicamentos é
assoalho pélvico pelo prolongamento do se- uma das causas de incontinência transitória.
gundo estágio do trabalho de parto, aumen- Alguns medicamentos aumentam a urgência
tando a indicação de aplicação de fórceps. Por e a frequência urinária, alterando a função ve-
outro lado, autores opinam que esse tipo de sical, favorecendo a incontinência de esforço.
analgesia promove o relaxamento da muscu- ƒƒ Fatores hereditários. Ocorre predominân-
latura, prevenindo lesões durante os procedi- cia da hiperatividade vesical. É comum o en-
mentos do parto. contro simultâneo de hérnias inguinais, um-
ƒƒ Peso do recém-nascido. Devido a possíveis bilicais, diástase dos retos abdominais com
traumas do assoalho pélvico durante o parto e distopias dos órgãos pélvicos e IUE. O fator
também por aumentar a pressão intra-abdomi- constitucional é relevante.
nal. A experiência sanciona que parto normal é
o parto fácil e que mesmo não se evidenciando
6. Propedêutica da incontinência
que houve laceração perineal externa, a inserção
das porções terminais do pubococcígeo que A avaliação correta de pacientes com
confluem para o centro tendinoso do períneo suspeita de incontinência urinária consiste em
podem ser danificadas, desfazendo o equilíbrio abordagem inicial, anamnese, exame físico, com
do assoalho pélvico, da estática pélvica. inspeção estática e dinâmica, seguida de prope-
ƒƒ Menopausa. Em decorrência de ocasionar dêutica complementar.
mudanças dos níveis hormonais, com o surgi-
mento de hipoestrogenismo.
ƒƒ Cirurgias ginecológicas. Além de traumas, po- 6.1. Anamnese
dem ocasionar lesões no suporte pélvico, como Durante a anamnese devemos avaliar di-
no caso da histerectomia abdominal extra ou versos aspectos, como o início dos sintomas, a
intrafascial ou na radical (Wertheim-Meigs). condição da perda (esforço ou urgência), dura-
ƒƒ Constipação intestinal. A constipação pode ção e frequência, gravidade (impacto na qua-
ocasionar dilatação do reto, comprimindo a lidade de vida), condições associadas (fatores
bexiga e contribuindo para retenção urinária e agravantes), necessidade de utilizar absorven-
infecções, além de promover e agravar lesões tes ou fraldas, associação a medicamentos (diu-

Faculdade Christus 321


Capítulo 45

réticos), a ingestão hídrica, hábitos miccionais, a tosse ou ao esforço, é verificado se ocorre


cirurgias anteriores, número e tipo de partos, saída de urina pelo meato uretral, avaliando-
complicações ginecológicas e possíveis infec- -se a incontinência urinária.
ções. Assim, além da avaliação completa da ƒƒ Teste do cotonete (Q-tip test). Tem por ob-
paciente, dos seus sintomas e possíveis fatores jetivo verificar a mobilidade uretral. Uma das
causais, a anamnese permite a identificação de extremidades do cotonete estéril é lubrifica-
causas reversíveis (como uso de medicamentos) da com gel anestésico e introduzida cerca de
e de doenças sistêmicas que tenham relação di- 3cm na uretra para avaliar o ângulo uretro-
reta com a incontinência, tais como o diabetes vesical posterior (figura 4). Nas mulheres com
mellitus, insuficiência vascular, doença pulmo- teste positivo, o ângulo de inclinação muda
nar crônica e possíveis distúrbios neurológicos. mais de 35 graus quando se utiliza a manobra
de Valsalva. Considera-se então como evidên-
Mesmo diante de completa história clíni-
cia de colo vesical com suporte deficiente. No
ca, é frequente não se obter diagnóstico conclu-
entanto, não é um teste definitivo. Nem todas
sivo, em virtude de muitos sintomas urinários
as pacientes com IUEG apresentam esse teste
poderem ser similares e possuírem diferentes
positivo. Mesmo algumas mulheres sem in-
etiologias. Isso destaca a importância do exame
continência urinária poderão mostrar o teste
físico na avaliação uroginecológica da paciente.
com resultado positivo.

6.2. Exame físico


O exame físico deve ser direcionado a
afecções clínicas que possam afetar o trato uri-
nário inferior e também a problemas relaciona-
dos à incontinência urinária, atentando-se para a
presença ou não de insuficiência cardiovascular,
doença pulmonar, massas abdominais, imobili-
dade e distúrbios neurológicos, como esclerose
múltipla, acidente vascular cerebral, doença de Figura 4. Teste do cotonete (Q-tip-test). A) Ângulo em
Parkinson e anomalias da coluna vertebral e da repouso. B) Com manobra de Valsalva ou tosse. Modifi-
região lombar. É importante a avaliação da pre- cado de DECHERNEY, A.H. et al., 2007.
sença de distopias de órgãos pélvicos, atrofia va-
ginal e tonicidade da musculatura pélvica (eleva- ƒƒ Teste do absorvente. É realizado em pacientes
dor do ânus), mobilidade uretral e lesão perineal. com a bexiga cheia e mede a quantidade de
Alguns exames podem ser realizados de urina perdida durante algumas atividades, pe-
imediato, fornecendo informações importantes sando-se o absorvente antes e após essas ati-
na avaliação da paciente. Dentre esses exames, vidades. O aumento de 1g ou mais no peso do
pode-se destacar o diário miccional, exame de absorvente é considerado como teste positivo,
urina, teste de esforço com tosse, teste do coto- indicando provável incontinência de esforço.
nete e teste do absorvente. ƒƒ Teste de Bonney. Avalia a perda de urina em
uma bexiga cheia naturalmente ou com intro-
ƒƒ Diário miccional. É um registro da frequência
dução de 250ml de água estéril, antes e após
e do volume miccional da paciente durante
a elevação da uretra com os dedos indicador
alguns dias, juntamente com a perda urinária,
e médio (toque vaginal), verificando-se a alte-
atividades específicas à perda de urina e, se
ração do ângulo uretrovesical posterior.
desejado, à ingesta de líquidos. É um ques-
tionamento útil que poderá fornecer as infor-
mações sobre o débito urinário, número de 6.3. Exames complementares
micções diárias e noturnas, volume médio eli- ƒƒ Avaliação urodinâmica. O estudo da função
minado e capacidade vesical funcional. da urodinâmica permite avaliar o funciona-
ƒƒ Exame de urina. Importante para exclusão de mento do trato urinário inferior através das
infecção, hematúria, glicosúria e outras anor- relações entre a pressão abdominal, vesical e
malidades metabólicas. uretral nas diversas fases de enchimento ve-
ƒƒ Teste de esforço (tosse). As pacientes devem sical. Os testes urodinâmicos podem incluir a
ser examinadas com a bexiga cheia. Durante

322 Faculdade Christus


Capítulo 45

urofluxometria, a cistometria, o estudo mic- perda urinária. É um exame considerado de


cional, o pressórico uretral, o videourodinâ- importância na propedêutica da incontinên-
mico e a eletromiografia. cia urinária de esforço.
ƒƒ Urofluxometria. Permite avaliar a função de ƒƒ Eletromiografia. Permite registrar a contrati-
esvaziamento vesical, verificando a presença lidade da musculatura estriada da uretra, ava-
de volume residual pós-miccional e relacio- liando a função esfincteriana externa.
nando o volume de urina eliminado em rela- ƒƒ Exames por imagem. Estudos ultrassono-
ção ao tempo. gráfico, fluoroscópico, neuroimagem fun-
ƒƒ Cistometria. A cistometria avalia a função ve- cional e ressonância magnética também têm
sical e uretral durante o enchimento vesical, sido realizados.
detectando contrações não inibidas do detru- ƒƒ Exames neurofisiológicos. Consistem na in-
sor ou alterações na complacência, capacidade vestigação dos reflexos sacros, do potencial
e sensibilidade vesical. A cistometria constitui evocado somatossensorial e da latência mo-
no enchimento vesical, para se medir a rela- tora dos nervos pudendos terminais.
ção volume-pressão. À medida que a bexiga é
preenchida com líquido e vai alcançando a sua
Mesmo diante desse armamentário pro-
capacidade normal de 300 a 500mL a pressão
pedêutico diverso, os exames complementares
interna deve permanecer baixa. A mulher tem
mais simples e associados à completa anamne-
o primeiro desejo miccional com 150 a 200mL.
se e a cuidadoso exame físico, são fundamentais
As pacientes com instabilidade do detrussor
no correto diagnóstico e consequentemente
(ID) apresentam capacidade vesical reduzida
numa abordagem terapêutica adequada, evi-
(menos de 300mL), demonstrando incontinên-
tando cirurgias inapropriadas e diversas com-
cia urinária, que se encontra associada a con-
plicações.
trações involuntárias da bexiga, com aumento
da pressão acima da linha de base. Nas pacien-
tes com IUEG, a incontinência é demonstrada 7. Diagnósticos diferenciais
quando da realização da manobra de Valsalva
(tosse ou efetuando esforço). A pressão intra- Dentre os diagnósticos diferenciais da in-
vesical na qual se observa a eliminação de uri- continência urinária, podemos citar as diversas
na (perda sob esforço) é geralmente menor do patologias que podem ocasionar esse quadro,
que 60cm de água no caso de se fazer presente a incontinência se manifestando como sinal ou
a deficiência esfincteriana. sintoma. As causas de incontinência podem ser
ƒƒ A cistoscopia deve ser realizada principal- extrauretrais ou transuretrais, como citado no
mente nas pacientes com sintomatologia de início do capítulo. Podemos citar como diagnós-
bexiga irritável (urgência urinária, frequência ticos diferenciais: efeitos farmacológicos, ano-
e hematúria), para se descartar processo in- malias congênitas, lesões do assoalho pélvico,
flamatório crônico, tumores ou deformidades infecções, obstrução infra-vesical, fístulas uriná-
anatômicas. rias, acidente vascular cerebral, poliomielite, es-
ƒƒ Estudo miccional. É realizado através de me- clerose múltipla e lesões da coluna espinhal.
didas simultâneas da pressão vesical, uretral
e abdominal durante o esvaziamento vesical.
É bastante utilizado para verificar a retenção 8. Tratamento
urinária no pós-operátorio. A abordagem terapêutica da incontinên-
ƒƒ Estudo pressórico uretral. Serve para avaliar o cia urinária pode ser clínica ou cirúrgica, os re-
fechamento uretral e consequentemente a me- sultados dependendo fundamentalmente do
nor pressão em que ocorre incontinência (limite diagnóstico etiológico correto.
de 60cm H2O), permitindo avaliar o funciona-
mento do esfíncter intrínseco uretral. A medida
da pressão de fechamento uretral é a diferença 8.1. Tratamento não cirúrgico
entre a pressão uretral e a pressão vesical.
ƒƒ Alterações no estilo de vida. Emagrecimen-
ƒƒ Exame video-urodinâmico. Permite ava-
to, alterações posturais, redução do consumo
liar a posição do colo vesical e a abertura
de cafeína e abandono do hábito de fumar.
da uretra proximal em repouso e ao esfor-
ƒƒ Fisioterapia. A fisioterapia pode ser indicada
ço, correlacionando-as com a intensidade da
nos casos de bexiga hiperativa, na reabilita-

Faculdade Christus 323


Capítulo 45

ção pós-parto e nas pacientes com IUE por e condicionar a pélvis para o parto normal.
hipermobilidade do colo vesical sem disto- Tem sido relatado que esses exercícios po-
pias severas (grau I). Também no condiciona- dem fazer com que os homens apresentem
mento muscular do assoalho pélvico pode ser significativa melhora na ereção peniana e na
empregada a eletroestimulação (age por estí- ejaculação, beneficiando também a fase or-
mulo elétrico vaginal ou retal, de comprovada gásmica feminina.
eficácia no tratamento da hiperatividade do ƒƒ Primeiramente deve-se ensinar às mulheres
detrusor - bexiga hiperativa, com a vantagem como identificar os músculos pélvicos envol-
de apresentar baixos paraefeitos e indicada vidos tanto na micção como na defecação. A
para pacientes que mostram dificuldade de forma preconizada e fácil é quando da mic-
contração da musculatura do assoalho pélvi- ção, a paciente procurar tentar parar o jato
co (figura 5). Tem-se também o biofeedback de urina, intercalando etapas de relaxamento.
(que atua por estímulo sonoro ou visual, a pa- Quando a paciente for praticar nos dias se-
ciente aprendendo a inibir a contração vesical guintes os exercícios de Kegel, a bexiga deve-
de forma consciente), os exercícios perineais rá estar vazia, contraindo e relaxando a mus-
e o uso de cones vaginais. culatura perineal rapidamente durante cinco
vezes. Realizar permanentemente os exercí-
cios de Kegel com a bexiga cheia de urina,
cortando o jato, a mulher correrá o risco de
desenvolver infecção urinária. Em seguida, a
paciente contrai a musculatura do assoalho
pélvico e mantém-na assim, contando de 1
até 5, passando a relaxá-la. O ginecologista
quando da realização do exame vaginal (to-
que) procurará identificar os músculos pubo-
coccígeos. Para isso, afastará o dedo indicador
do dedo médio, que estão repousando sobre
a parede vaginal posterior, posicionando-os
como se fosse uma tesoura aberta, orientan-
do a paciente para contrair os músculos pu-
Figura 5. Eletroestimulador com eletrodo vaginal. bococcígeos. Chegará a um ponto em que
os dois dedos afastados serão comprimidos
ƒƒ Terapia comportamental e treinamento e aproximados um do outro. Só se consegui-
vesical. É realizada através da micção pro- rá resultado satisfatório com o procedimento
gramada da paciente, juntamente com o con- de Kegel, se esses exercícios forem continu-
dicionamento do assoalho pélvico, a fim de amente praticados e sob supervisão de pro-
inibir a urgência miccional. fissional com eles familiarizados. A literatura
ƒƒ Exercícios de Kegel. Evidências de ensaios especializada tem demonstrado o efeito be-
clínicos têm mostrado que o treinamento néfico desses exercícios nas portadoras de
supervisionado da musculatura do assoalho IUE leve (grau I), com 72% de cura a longo
pélvico (exercícios de Kegel) constitui opção prazo, após conclusão do programa; as mu-
eficaz para alguns casos de incontinência lheres com graus mais severos, classificados
urinária de esforço. Os exercícios de Kegel como II e III, deverão ser encaminhadas para
foram idealizados na década de 40 para o resolução cirúrgica.
fortalecimento da musculatura do assoalho ƒƒ Medicamentos. Podem ser utilizados os anti-
pélvico, com o intuito de tratar mulheres colinérgicos, antidepressivos inibidores da re-
com incontinência urinária de esforço mani- captação de serotonina e norepinefrina. O uso
festadas após os partos transvaginais. Con- de estrogênio oral ou creme por via vaginal
sistem na contração voluntária dos mús- pode ocasionar algum benefício, limitado às
culos elevadores do ânus, realizada várias mulheres pós-menopáusicas ou com incon-
vezes ao dia. Atualmente eles podem ser tinência mista. Atentar para os riscos do uso
também utilizados na abordagem da incon- prolongado de estrogênio sem a proteção
tinência fecal não cirúrgica e para melhorar progesterônica.
o desempenho sexual (homens e mulheres) • Anticolinérgicos. São utilizadas a oxibutinina

324 Faculdade Christus


Capítulo 45

e a tolterodina, cujos principais efeitos cola- mica da saída vesical, sendo aconselhado no
terais são boca seca, aumento da frequência entanto, fazer parte do procedimento a cor-
cardíaca, constipação instestinal, turvação reção por via vaginal de qualquer alteração
visual, tontura e hipotensão ortostática. Po- do equilíbrio do assoalho pélvico. Apresen-
dem ser utilizados no tratamento da incon- tam menos eficácia quando ocorre disfunção
tinência de urgência. intrínseca do esfíncter.
• Antidepressivos tricíclicos. A imipramina ƒƒ Não obstante o sucesso conseguido com
apresenta vantagem na abordagem tera- a colposuspensão extraperitonial (espa-
pêutica da incontinência de esforço mista ço de Retzius) atingir percentuais de 71 a
e na instabilidade do detrusor, por combi- 95%, deve ser alertado, que em relação à
nar propriedades alfa-adrenérgicas e anti- técnica de Burch, tem sido comprovado que
colinérgicas. a simples elevação da parede vaginal ante-
• Inibidores da recaptação de serotonina e rior pode alterar o eixo da parede posterior,
norepinefrina. A duloxetina é a droga de expondo-a a uma maior pressão oriunda do
escolha. Pode ser utilizada tanto na incon- interior do abdome. Uma cistocele poderia
tinência de urgência, como na incontinência tender a adquirir mobilidade, como resul-
de esforço, em virtude de apresentar ação tado da elevação da parede anterior, o que
nos receptores 5-HT e a-1 adrenérgico, au- condicionaria maior tendência para o des-
mentando a capacidade vesical e a pressão garro do suporte de sustentação do ápice
no esfíncter uretral estriado. e da parede posterior, associado à falta de
reparo do relaxamento do assoalho pélvico,
condicionando o aparecimento mais adiante
8.2. Tratamento cirúrgico
de enterocele e retocele. Retenção urinária
ƒƒ Colporrafia vaginal anterior (cirurgia de pós-operatória e instabilidade do detrusor
Kelly-Kennedy). A abordagem cirúrgica re- também têm sido relatadas.
presenta o procedimento mais comumente ƒƒ Alça (sling) pubovaginal tradicional. Nas
empregado, na dependência do tipo de IUE, pacientes com insuficiência esfincteriana, as
baseando-se na reconstituição do ângulo técnicas de sling são mais indicadas. O mate-
uretrovesical posterior. Um dos procedimen- rial utilizado pode ser autólogo (aponeurose
tos cirúrgicos muito utilizados foi a operação dos retos abdominais e fáscia lata) ou hete-
de Kelly-Kennedy, que consiste no preguea- rólogo (fáscia liofilizada de cadáver). Outra
mento horizontal através de sutura objetivan- opção é a aplicação de uma faixa de poli-
do o reforço da fáscia pubocervical, tendo propileno por via vaginal sem tensão (ten-
como ponto de abordagem cirúrgica a parede sion free vaginal tape- TVT), passando sob a
vaginal. A parede vaginal anterior é apoiada uretra como se fosse uma tipoia, o processo
principalmente pela aponeurose pubocervi- de cicatrização e fibrose elevando a uretra e
cal. Essa aponeurose situada por baixo e ao reduzindo o ângulo uretrovesical posterior.
redor da uretra é mais espessa e mais densa Deve ser salientado, que nas técnicas de alça
do que na área inferior da bexiga. (sling) ou de fita (TVT), existe necessidade
ƒƒ Uretropexia retropúbica. Consiste na sus- da realização de cistoscopia intraoperatória
pensão retropúbica do colo vesical, realizada para maior segurança do procedimento uro-
por via abdominal extraperitonial, com aces- ginecológico.
so ao espaço de Retzius, estribando-se na ƒƒ Neuromodulação. É a implantação de esti-
fixação da fascia endopélvica periuretral ou muladores na raiz do nervo sacro em pacien-
perivesical aos ligamentos iliopectíneos de tes com hiperatividade detrussora.
Cooper (operação de Burch) e na suspensão ƒƒ Injeções de botox. Ultimamente tem sido
e fixação da fáscia endopélvica à face pos- preconizado o emprego de injeções de botox,
terior do púbis – periósteo – (operação de baseado no princípio de liberação de acetilco-
Marshall-Marchetti-Krantz). Todos esses pro- lina, com atuação nas terminações nervosas
cedimentos cirúrgicos visam evitar a hiper- colinérgicas periféricas.
mobilidade uretral e a consequente incon-
tinência urinária de esforço. Essas cirurgias
têm demonstrado bons resultados na cura
da IUE causada por hipermobilidade anatô-

Faculdade Christus 325


Capítulo 45

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326 Faculdade Christus


Capítulo 46
INFECÇÃO URINÁRIA NA MULHER
(GRÁVIDA E NÃO GRÁVIDA)
Tereza de Jesus Pinheiro Gomes Bandeira
Antônio Enéas Vieira Filho

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


Paciente do sexo feminino, 23 anos, proce- 1. Introdução
dente de Fortaleza, compareceu ao ambulatório
As afecções do trato urinário de caráter in-
de obstetrícia para a realização do pré-natal, pois
feccioso se apresentam de formas diversas uma
se encontrava na 6ª semana de gravidez. Na oca-
vez que a infecção pode ocorrer pela invasão mi-
sião apresentou os resultados dos exames soli-
crobiana de quaisquer dos tecidos ao longo do
citados na consulta anterior, dos quais apenas o
trato urinário desde a uretra até o córtex renal. Es-
sumário e a cultura de urina apresentavam alte-
tas manifestações são classificadas segundo a lo-
rações. Comentou que achou estranho o resulta-
calização do processo neste trato e a sintomatolo-
do, pois não apresentava nenhum sintoma uriná-
gia clínica do paciente. A infecção do trato urinário
rio até o momento. Ao exame físico observou-se
(ITU) define-se pela presença e multiplicação de
um bom estado geral, cooperativa, orientada,
micro-organismos no trato urinário baixo (cistite)
sinal de Giordano negativo. Pressão arterial (PA)
e no trato urinário alto (pielonefrite), provocando
de 130/85 mmHg e temperatura de 36,5 ºC. Exa-
danos teciduais. Já o termo “bacteriúria assinto-
mes laboratoriais: o sumário de urina evidenciava
mática” (BA) é usado para referirmos à presença
nitrito positivo, numerosos bacilos gram-negati-
e multiplicação de micro-organismos no trato uri-
vos, 10 leucócitos/campo, 1 hemácia/campo e
nário sem causar danos, sinais ou sintomas uriná-
ausência de cilindros. A cultura de urina mostrava
rios ao paciente; ou seja, presença de uma cultura
o isolamento de Escherichia coli, com unidades
de urina positiva em um paciente assintomático.
formadoras de colônias (UFC) acima de 100.000/
mL. Não apresentava queixas clínicas, negava a A infecção de trato urinário é a doença
realização prévia de cultura de urina bem como o bacteriana mais comum em mulheres em todas
uso de antibióticos. A paciente relatou ainda que as fases da vida. Estima-se que 5 a 6 % das me-
a urina foi coletada da primeira urina da manhã, ninas apresentarão um episódio de ITU entre o
do jato médio e após asseio cuidadoso. momento que entram na escola e a conclusão
do segundo grau. A taxa acumulada de bacteri-
úria durante os primeiros 7 anos de escolarida-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM de foi de 2,9%, com uma taxa de conversão mé-
dia anual de 0,32% ao ano. Infecções do trato
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. urinário representam a mais frequente doença
2. Conhecer os achados clínicos e exames ne- infecciosa bacteriana em mulheres grávidas e
cessários para se fazer o diagnóstico. não grávidas. Oito milhões de mulheres visitam
3. Identificar o diagnóstico diferencial um médico anualmente para avaliação das ITUs
4. Conhecer a conduta terapêutica (procedi- com um custo direto de US $ 659 milhões e cus-
mentos) to total de US $ 1,6 bilhões.
Capítulo 46

2. Manifestações Clínicas das ITUs laboratorial de piúria e cultura de urina positiva


com o isolamento de micro-organismo reconhe-
A bacteriúria significante que caracteriza
cido como uropatógeno com contagem igual ou
uma ITU é definida como a presença de 105 ou
maior que 1.000 UFC/mL, sem história de infec-
mais UFC/mL (unidades formadoras de colônia
ção urinária nas últimas quatro semanas.
por mililitro de urina), embora uma contagem
de colônia menor possa ter importância diag-
nóstica particularmente em mulheres jovens, Quadro 1 - Sintomas urinários frequentes em
quando uma contagem de 1.000 UFC/mL de afecções do trato urinário
urina pode ser associada com cistite ou síndro-
me uretral aguda.
Diminuição da excreção urinária nas
A ocorrência de duas culturas de urina Oligúria 24h a um nível inferior a 400mL ou
positivas com uma contagem de 105 UFC/mL em de 20mL/h.
uma paciente sem sintomas urinários evidentes Quando a redução da diurese nas
Anúria
caracteriza uma bacteriúria assintomática que 24h é inferior a 100mL.
geralmente não é considerada clinicamente Condição na qual o volume urinário
significativa, exceto em mulheres grávidas de- Poliúria nas 24h é superior a 2500mL com
vido ao risco de desenvolvimento posterior de aumento do número de micções.
pielonefrite. Deve ser considerada também em Disúria
Micção associada à sensação de dor,
pacientes que são submetidas a procedimento queimação ou desconforto.
invasivo envolvendo o trato urinário, e crianças Urgência ou
Necessidade súbita e imperiosa de
com refluxo vesicoureteral. urinar, podendo mesmo haver esva-
frequência
ziamento involuntário da bexiga.
Segundo a localização no trato urinário
Necessidade de urinar com intervalos
as ITUs podem ser classificadas como uretrite Polaciúria menores que 2h (repetidas vezes)
quando acomete a uretra, cistite ou ITU baixa sem aumento de diurese nas 24h.
quando acomete a bexiga e quando a ITU se Intervalo maior que o habitual para
restringe ao rim é chamada Pielonefrite. Na que ocorra o jato urinário. Indica ge-
cistite os sintomas mais encontrados são: disú- Hesitação
ralmente obstrução do trato de saída
ria, polaciúria, urgência ou frequência miccional da bexiga.
e dor suprapúbica (definições no quadro 1). A Nictúria ou alteração do ritmo urinário; necessi-
urina pode se apresentar visivelmente turva, noctúria dade de esvaziar a bexiga à noite.
mal cheirosa e sanguinolenta em 30% dos ca- Incapacidade de esvaziar a bexiga,
sos. No exame da urina não centrifugada po- Retenção apesar de os rins estarem produzin-
dem-se visualizar leucócitos e bactérias embora urinária do urina normalmente e o individuo
se a bacteriúria for menor do que 102 ou 104 apresentar desejo de esvaziá-la.
UFC/mL estes achados não sejam visualizados.
Os sintomas da pielonefrite aguda são in-
A pielonefrite, inflamação não específica
sidiosos e compreende febre, calafrios, náuseas,
do parênquima renal, pode ser aguda ou crônica.
vômitos, dor abdominal e diarreia acompanha-
A pielonefrite crônica apresenta achados histo-
dos ou não dos sintomas da cistite. A febre re-
patológicos que são similares à nefrite tubuloin-
gride lentamente a partir do início da terapia
tersticial, uma doença renal causada por uma
e se persistir por mais de 72 h recomenda-se
variedade de desordens como a uropatia obstru-
a investigação por imagem. Cilindros leuco-
tiva crônica, refluxo vesicoureteral (nefropatia de
citários podem ser encontrados na urina no
refluxo), doença renal medular, drogas, toxinas
exame sumário e esse achado é considerado
e possivelmente bacteriúria renal crônica ou re-
patognomônico de pielonefrite. A hematúria
corrente. A maioria dos episódios de pielonefri-
ocorre na fase mais aguda e se persistir após
te aguda não são complicados, e na mulher, são
a regressão é sugestiva de cálculo, tumor ou
geralmente decorrentes de uma infecção urinária
tuberculose renal.
que evoluiu a partir do trato urinário inferior para
A cistite aguda não complicada na mulher a porção superior. Ocorrem em indivíduos sau-
não gestante é definida como a presença de sin- dáveis, mulheres jovens e deve ser distinguidas
tomas urinários tais como urgência, frequência e da pielonefrite aguda complicada e da pielone-
disúria sem febre ou dor lombar, com evidência frite crônica. A pielonefrite aguda complicada é a

328 Faculdade Christus


Capítulo 46

progressão da infecção do trato urinário superior resultar da simples multiplicação na urina sem
para pielonefrite enfisematosa, abscesso renal, invasão do tecido. O início e a persistência de
abscesso corticomedular, necrose perinefrítica qualquer processo infeccioso dependem da ade-
ou papilar. São comuns em mulheres, resultam rência do micro-organismo a superfícies muco-
em considerável morbidade e custo, e são difí- sas do hospedeiro através de uma estrutura bac-
ceis de lidar na prática clínica. teriana chamada “pelo” ou pili (adesina). Na ITU
este processo é mais evidente porque existem
A diferença entre ITU complicada e não
receptores nas células do hospedeiro que apre-
complicada é muito importante para o clínico.
sentam uma afinidade específica pelas adesinas
Uma infecção não complicada é um episódio de
o que determina uma ligação estereoquímica de
cistouretrite seguido de colonização da mucosa
encaixe entre adesina-receptor levando a uma
da uretra e da bexiga, sem comprometimento
perfeita fixação do micro-organismo à mucosa.
do trato urinário alto. Este tipo de infecção é
considerado não complicado porque raramen- Todas as porções do trato urinário podem
te leva à sequela, exceto quando ocorre mor- correr risco, desde que um dos seus sítios torne-
bidade causada pela reinfecção ou recidivas -se infectado. No entanto, durante a gravidez, o
em mulheres. As mulheres jovens geralmente entendimento desta afirmação deve ser amplia-
apresentam pielonefrite não complicada que da, considerando-se os riscos potenciais de com-
respondem bem à terapia antimicrobiana. A ITU plicações decorrentes da BA. Há duas vias de in-
complicada ocorre na gravidez, diabetes, imu- fecção dos rins: infecção hematogênica, ou seja,
nossupressão, pielonefrite prévia e anormalida- pela corrente sanguínea, e infecção ascendente,
de estrutural do trato urinário e os sintomas du- a partir da via urinária baixa. A infecção ascen-
ram por mais de duas semanas. Nas infecções dente é, claramente, a via mais comum pela qual
complicadas, há o envolvimento do parênquima as bactérias têm acesso ao rim. O primeiro passo
(pielonefrite ou prostatite) e ocorrem frequen- para a patogenia da infecção ascendente parece
temente, na presença de uropatia obstrutiva ou ser a colonização da uretra distal e introito vagi-
após instrumentação. Os episódios podem ser nal por coliformes, pela capacidade de adesão às
refratários à terapia, apresentarem recidivas e células vaginais ou da uretra.
ocasionalmente acarretam sequelas como sep-
Mudanças do trato urinário inferior na
se, abscessos metastáticos e mais raramente in-
Gravidez ocorrem quando fatores mecânicos e
suficiência renal aguda (IRA).
hormonais relacionados à condição gravídica in-
duzem alterações no sistema coletor renal que
levam à estase urinária, que é fundamental para a
3. Patogênese
gênese da infecção do trato urinário nesse perío-
Uma possível prevenção e a detecção pre- do. Estas mudanças podem ser detectadas já na
coce de ITUs dependem do conhecimento da 6a semana de gestação e vão desaparecer entre
patogênese e da epidemiologia. A infecção do a 6a e 12a semana após o parto. A patogênese
trato urinário (ITU) é uma das doenças bacteria- não está completamente definida e provavel-
nas mais comuns; a conduta clínica adequada mente está relacionado a mais de um fator, com
exige o conhecimento do número e tipos de diferentes contribuições hormonais e/ou mecâ-
bactérias envolvidas. Assim, quando métodos nicas em cada fase da gestação. A dilatação ure-
quantitativos ou semiquantitativos são usados, teral durante a gravidez resulta de compressão
o exame bacteriológico de urina pode ser uma externa, alterações intrínsecas da parede urete-
ajuda valiosa no diagnóstico e no controle tera- ral e efeitos hormonais. Altas concentrações de
pêutico. A urina é um excelente meio de cultura progesterona reduzem o tônus, o peristaltismo
para a maioria dos micro-organismos que infec- e a pressão de contração ureteral e levam à dila-
tam o trato urinário e o crescimento bacteriano tação da pelve calicial e dos ureteres superiores
pode ocorrer na urina “in natura”, resultando em (hidroureter fisiológico da gestação). Hidronefro-
contagens elevadas em infecções estabelecidas se ocorre normalmente e é mais comum no lado
e não tratadas, ou mesmo por contaminação da direito (90%). A compressão externa do ureter
genitália externa. direito pode ser devido à dextrorrotação do úte-
A bacteriúria pode ocorrer em várias con- ro pelo cólon sigmoide, torcendo para o lado o
dições clínicas que envolvam a invasão microbia- ureter, quando este cruza a artéria ilíaca direita
na de qualquer tecido do trato urinário ou pode ou a veia ovariana direita. O sistema de coleta

Faculdade Christus 329


Capítulo 46

dilatado pode armazenar 200 a 300 mL de urina, gura 1) os períodos da vida onde os fatores de
servindo assim como um excelente reservatório riscos são preponderantes para UTIs. O gráfico
de bactérias, que podem aumentar o risco de de- mostra o aumento aparente da prevalência de
senvolvimento de pielonefrite. bacteriúria sintomática com o avanço da idade.
A ITU tem sido associada com a idade, gravidez,
Os sítios mais comuns de infecção do tra-
relações sexuais, uso de diafragma como anti-
to urinário, na mulher, são a uretra e a bexiga.
conceptivo, preservativos tipo “camisinha”, uso
Os fatores de risco de contaminação do trato
de espermicidas, micção pós-coito demorada,
urinário podem ocorrer em todas as fases de
menopausa e história anterior recente de ITU.
vida. Kunin et al. resumiram em um gráfico (fi-

Figura 1 – Frequência e distribuição de ITU e BA por idade e sexo. Fonte: LEVI; RELLER, 2009.

A infecção do trato urinário representa podem facilitar a ascensão de bactérias da bexiga


uma das doenças infecciosas mais comuns du- para o rim. Como resultado, a bacteriúria durante
rante a gestação, com frequência variando de a gravidez tem uma maior propensão para o pro-
5 a 10%. Entre as quais se incluem a bacteriúria gresso de pielonefrite (até 40 por cento) do que nas
assintomática, a cistite e a pielonefrite aguda. mulheres não grávidas. Bacteriúria também está
Essa infecção pode ser sintomática ou assinto- associada com um aumento do risco de prematuri-
mática, notando-se na gravidez a ocorrência de dade, baixo peso ao nascer e mortalidade perinatal.
fatores que facilitam a mudança de infecções Segundo Hooton um estudo com 50.000 grávidas
assintomáticas para sintomáticas. em 7 anos mostrou que mulheres com bacteriúria
e/ou piúria nas duas últimas semanas de gravidez
A bacteriúria ocorre em 2 a 7% das gestações,
tiveram uma maior taxa de mortalidade perinatal
particularmente em mulheres multíparas, uma pre-
do que as mulheres não infectadas. Relatou ainda
valência semelhante à de mulheres não grávidas. Os
que o tratamento da bacteriúria durante a gravidez
organismos também são semelhantes em espécies
reduz a incidência destas complicações, e diminui o
e fatores de virulência em mulheres grávidas e não
risco em longo prazo das sequelas após bacteriúria
grávidas. Assim, o mecanismo básico de entrada de
assintomática. Preocupação adicional para os profis-
bactérias no aparelho urinário é provavelmente o
sionais responsáveis pela atenção pré–natal destas
mesmo para ambos os grupos. Bacteriúria frequen-
mulheres é que, além da incidência aumentada de
temente se desenvolve no primeiro mês de gravidez
infecções sintomáticas entre grávidas, justamente
e está geralmente associada a uma redução na ca-
neste período, o arsenal terapêutico antimicrobiano
pacidade de concentração da urina sugerindo o en-
e as possibilidades profiláticas são restritos, consi-
volvimento dos rins. O relaxamento da musculatura
derando-se a toxicidade de alguns fármacos para o
lisa e a dilatação ureteral que ocorrem na gestação

330 Faculdade Christus


Capítulo 46

produto conceptual (embrião/feto e placenta). Por gravidez, sendo causa frequente de dor e inter-
estes motivos, o conjunto do diagnóstico precoce, nação nesse período. Cerca de 0,026-1,14% das
seguido de terapêutica adequada e imediata, é im- gestações são complicadas por litíase urinária.
prescindível durante a assistência pré-natal, evitando
comprometer o prognóstico materno e gestacional.
4. Etiopatogenia
Sabe-se que a redução da capacidade
renal de concentrar a urina durante a gravidez O perfil microbiológico das infecções uri-
reduz a atividade antibacteriana deste fluido, nárias na gravidez é bem conhecido. A Escheri-
passando a excretar quantidades menores de chia coli é o uropatógeno mais comum, sendo
potássio e maiores de glicose e aminoácidos, responsável por mais de três quartos dos casos.
além de produtos de degradação hormonal, Por isso, a terapêutica inicial necessariamente
fornecendo um meio apropriado para a proli- deve levar em consideração o padrão de sensibi-
feração bacteriana. Neste período, observa-se lidade desse micro-organismo aos antimicrobia-
também que a urina da grávida apresenta pH nos propostos. O gráfico 2 mostra a ocorrência
mais alcalino, situação favorável ao crescimento de micro-organismos isolados de cultura de uri-
das bactérias presentes no trato urinário. Adi- na no ano de 2009 em um laboratório de Forta-
cionalmente, o hiperestrogenismo gestacional leza (dados fornecidos pelo LabPasteur-DASA). O
contribui para a adesão de certas cepas de Es- gráfico mostra a mesma etiologia de publicações
cherichia coli, portadoras de adesinas tipo 1, às na literatura em relação à Escherichia coli, Entero-
células uroepiteliais. Assim, parece claro que, bacter spp e Klebsiela spp, que juntas respondem
durante a gravidez, fatores mecânicos e hor- por 85% a 90% das infecções durante a gravidez.
monais contribuem para provocar mudanças Nestes resultados estão contempladas amostras
no trato urinário materno, tornando-o mais sus- de pacientes ambulatoriais e hospitalizados daí
ceptível às formas sintomáticas de infecções. A o aparecimento de micro-organismos comuns a
urolitíase também pode facilitar a ocorrência de infecções hospitalares como Pseudomonas aeru-
quadros de infecção do trato urinário durante a ginosa e Acinetobacter baumanii.

Gráfico 1 - Distribuição dos microrganismos isolados em culturas de urina no LabPasteur de janeiro - dezembro de
2009 (%)

Esccol - E. coli; Stasap - S. saprophyticus; Mormor - M. morganii; Entkos - E. koseri; Klepne - K.pneumoniae;
Entclo - E. cloacae; Pseaer - P. aeruginosa; Entfec - E. faecalis; Promir - P. mirabilis; Acibau - A. baumannii;
Entaer - E.aerogenes; Entfae - E.faecium; Sermar - S. marcescem

Faculdade Christus 331


Capítulo 46

Os agentes etiológicos da infecção do O diagnóstico etiológico da ITU é um gran-


ITU são limitados a poucos micro-organismos de desafio para o microbiologista clínico que tem
de crescimento rápido. Escherichia coli, Entero- a tarefa de avaliar se o micro-organismo isolado
coccus spp, Klebsiella spp, Enterobacter spp, Pro- na cultura de urina é o provável agente causal.
teus spp, Staphylococcus saprophyticus e Pseudo- A presença de uma microbiota colonizante do
monas spp representam a maioria dos isolados terço externo da via urinária pode dificultar esta
tanto de pacientes hospitalizados quanto da avaliação e por isso recomenda-se que para
comunidade. Na comunidade, cerca de 80% das a cultura de urina seja realizada uma técnica
ITU não complicadas são causadas por Escheri- quantitativa. A urina, pelo seu veículo aquoso e
chia coli. Em pacientes hospitalizados deve-se sua composição química, é um excelente meio
incluir a Candida spp como potencial patógeno. de cultura para a maioria dos micro-organismos
A flora intestinal anaeróbia raramente é causa que infectam ou colonizam o trato urinário. O
de ITU, apesar de ser 100 a 1.000 vezes mais crescimento bacteriano pode ser estimulado na
frequente que a E. coli na flora fecal. urina “in natura”, resultando em contagens ele-
vadas e pseudobacteriúrias o que determina um
Como em outras infecções, ocorre uma cuidado especial nas condições de armazena-
interação entre o agente agressor e o hospe- mento e transporte da urina após a coleta. Por
deiro. Nesse caso, estão em jogo a virulência da este motivo recomenda-se que a cultura de uri-
bactéria e os fatores relacionados ao hospedeiro na seja realizada com técnica quantitativa, cujas
como: alterações mecânicas que contribuiriam diluições de urina forneçam, após semeadas, a
para a migração de enterobactérias para o trato quantidade de unidades formadoras de colônias
urinário, diminuição da resposta imune sistêmi- (UFC)/mL de urina. A cultura quantitativa exige
ca e local, alterações anatômicas e/ou funcionais uma avaliação criteriosa e o estabelecimento de
como distúrbios do padrão miccional, refluxo ve- um valor de corte da quantidade de UFC/mL de
sicoureteral (RVU), obstruções do trato urinário, urina para a determinação da significância do
tratamento tardio entre outros. Outro importan- resultado. Em 1957 Kass et al. estabeleceram os
te componente da patogênese da pielonefrite critérios de avaliação de urinocultura e Stamm
aguda é a virulência bacteriana. A capacidade et al. em 1982 também padronizaram a leitu-
de alguns patógenos de aderir ao epitélio uriná- ra do resultado da cultura de urina quantitati-
rio é considerado o principal fator relacionado à va. Segundo Kass, são consideradas amostras
virulência bacteriana. A aderência bacteriana é compatíveis com ITU aquelas com contagem de
medida pelas adesinas localizadas na superfície colônias igual ou maior a 100.000 UFC/mL. Já,
bacteriana. Essas adesinas ligam-se aos recepto- segundo Stamm, são consideradas significativas
res de oligossacarídeos na superfície das células as amostras com contagem de colônias igual ou
uroepiteliais facilitando e consolidando a fixação maior a 100 UFC/mL. A escolha do critério é de
dos micro-organismos à superfície mucosa. competência do clínico e não deve ser o único
recurso para diagnóstico, pois cada caso deve
ser avaliado considerando-se os dados da ava-
5. Diagnóstico clínico e laboratorial liação clínica. O critério de Kass apresenta um
5.1. Cultura de urina durante a gravidez ponto de corte mais elevado e por isso é consi-
derado mais específico, enquanto o de Stamm é
Durante a gravidez algumas alterações mais sensível (Tabela 1).
anatômicas e fisiológicas do trato urinário
predispõem a gestante à bacteriúria e conse- Além desta avaliação quantitativa deve-
quentemente a uma maior susceptibilidade à -se valorizar também a coloração de Gram que
Infecção do Trato Urinário (ITU). A bacteriúria pode mostrar se a flora encontrada é homogê-
assintomática, a cistite aguda e a pielonefrite nea, o que fala a favor de um processo infeccioso
aguda são as ocorrências urinárias mais fre- ou se é heterogênea denotando a presença de
quentemente investigadas no laboratório du- contaminação com a microbiota do terço exter-
rante a assistência pré-natal. A cultura de urina no da uretra durante a coleta. Esta observação é
é um dos principais recursos diagnóstico cujo importante para o caso da utilização do critério
processo e interpretação do resultado depen- de Stamm uma vez que a possibilidade de resul-
de do tipo de manifestação da ITU e do méto- tados falso-positivos é mais provável. No entan-
do de coleta da urina. to este critério é mais adequado à avaliação de
infecção urinária em crianças nas quais, muitas

332 Faculdade Christus


Capítulo 46

Tabela 1 – Avaliação de métodos para quantificação de UFC em urina


Valor Preditivo
Pesquisador Urina Sensibilidade Especificidade
Positivo Negativo
Stamm (1982) ≥ 10 UFC/mL
2
95% 85% 88% 94%
Kass (1956) ≥ 10 UFC/mL
5
51% 99% 98% 65%

Manual de Microbiologia Clínica para o Controle de Infecção em Serviços de Saúde - ANVISA

vezes, os critérios de Kass são pouco sensíveis. petido na 16a semana de gestação. Alguns autores
Em crianças que não controlam a micção e apre- recomendam repetição da urocultura no segundo
sentam um tempo menor de permanência da e terceiro trimestre da gestação, principalmente se
urina na bexiga, o método de Stamm com ape- a paciente tem história prévia de ITU de repetição
nas 103 UFC/mL de urina é mais sensível. Utilizan- ou refluxo vesicoureteral.
do somente os critérios de Kass, a possibilidade
A cistite acomete aproximadamente 1%
de culturas falso-negativas seria elevada uma
das mulheres grávidas. A cultura de urina deve
vez que mulheres com cistite aguda e bacteri-
ser considerada positiva quando apresentar uma
úria inferior a 105 UFC/mL seriam interpretados
contagem maior ou igual a 103 UFC/mL em ges-
como “não infectadas”, segundo tais critérios.
tantes com sintomas agudos e piúria. Para urina
Já no caso de utilização dos critérios de Stamm,
coletada por cateterização a contagem de UFC/
para estes mesmos casos, o número de culturas
mL padronizada como positiva também é maior
positivas provavelmente seria mais significativo.
ou igual a 103 UFC/mL. Os micro-organismos iso-
Alguns autores corroboram esta discussão su-
lados da urina de pacientes com cistite aguda
gerindo que ambos os critérios devam ser utili-
em gestantes são os mesmos encontrados em
zados, sempre acompanhados de dados clínicos
mulheres não grávidas.
compatíveis para que se diagnostique correta-
mente a ITU. Atualmente, os critérios de Stamm A Pielonefrite aguda não complicada na
são utilizados para crianças e mulheres jovens. gestante se desenvolve em decorrência de uma
bacteriúria assintomática não tratada. Duas mu-
Em pacientes sintomáticos ou assinto-
danças fisiológicas acontecem na gravidez, pre-
máticos contagens maiores que 105 UFC/mL
dispondo a gestante à infecção ascendente do
são indicativas de infecção recomendando-se
trato urinário, levando à pielonefrite: altas con-
a identificação e sensibilidade do micro-orga-
centrações de progesterona secretadas pela
nismo isolado. Em mulheres, segundo Kass, se
placenta com efeito inibitório sobre a peristalse
duas amostras sucessivas de urina, colhidas
uretral e a compressão dos ureteres pelo útero
por micção espontânea, isolarem o mesmo mi-
gravídico. A cultura de urina para diagnóstico de
cro-organismo com uma concentração de 105
pielonefrite segue o mesmo processo para ure-
UFC/mL, a probabilidade de ITU é de 95%. Em
trites, tendo como ponto de corte 103 UFC/mL.
crianças, casos de ITU podem vir acompanha-
dos de bacteriúria com valores aproximados de
103 UFC/mL podendo passar despercebida se 5.2. Coleta
utilizados os critérios propostos por Kass.
A coleta de urina para cultura deve ser de
A BA ocorre em 10% das mulheres grávidas preferência realizada no laboratório sob supervi-
e quando não tratada acarreta o desenvolvimento são e orientação do pessoal do setor de coleta. O
de cistite em aproximadamente 30% e de pielone- processamento laboratorial deve ser feito, o mais
frite em mais de 40%. O diagnóstico da bacteriúria rápido possível, dentro de duas horas se a urina for
assintomática deve ser baseado na cultura de uri- mantida em temperatura ambiente e se refrigera-
na do jato médio coletada com técnica asséptica. das a 4ºC até o momento da semeadura, o mais
Em gestantes assintomáticas, duas culturas conse- rápido possível, no prazo máximo de 24 horas.
cutivas positivas com o mesmo agente com uma
contagem acima de 105 UFC/mL de urina confir- A coleta deve ser feita pela manhã, prefe-
mam a ocorrência de bacteriúria assintomática. rencialmente da primeira micção do dia, ou en-
Uma vez que a bacteriúria aumenta a probabili- tão após retenção vesical de duas a três horas.
dade de risco de complicações para a gestante, Crianças:
esta deve ser pesquisada nas primeiras visitas do Assepsia rigorosa prévia dos genitais com
pré-natal. Se o resultado for negativo deve ser re- água e sabão neutro, e posterior secagem com gaze

Faculdade Christus 333


Capítulo 46

estéril. O Ideal é jato intermediário (jato médio) es- alta especificidade e uma baixa sensibilidade.
pontâneo. Bem indicado em crianças que urinam Stamm et al.,(1982) comprovaram que mulheres
sob comando, usado também em lactentes. Em com síndrome clínica de disúria, urgência uriná-
lactentes em que não se consegue coletar através ria e piúria apresentavam culturas com conta-
do jato médio, pode-se usar o saco coletor de urina, gem de UFC entre 102 a 104 UFC/mL com boa
porém a troca deve ser realizada de 30 em 30 minu- sensibilidade e especificidade (tabela 1). Portan-
tos e, ao trocar o coletor, refazer a assepsia. Em casos to, recomenda-se que os laboratórios utilizem
especiais (RN, lactentes de baixo peso, resultados os critérios propostos por Stamm e comecem a
repetidamente duvidosos) indicar punção vesical detectar microrganismos a partir de 102 ou 103
suprapúbica, que deverá ser realizada por médico. UFC/mL, utilizando diluição com alças calibradas
de 0,01 ou 0,001 respectivamente.
Adultos sexo feminino:
A coleta de amostras do sexo feminino deve O resultado da cultura de urina deve ser
ser supervisionada pessoalmente por uma enfer- sempre avaliado com outros recursos diagnós-
meira ou auxiliar treinada. O processamento labora- ticos e sinais e sintomas clínicos por ser um
torial deve ser feito dentro de duas horas. Caso não recurso diagnóstico de síndromes clínicas de
seja possível, as amostras deverão ser refrigeradas apresentações diversas com fatores de riscos
a 4ºC até o momento da semeadura (no máximo para complicações localizadas ou sistêmicas.
de 24 horas). Remover toda a roupa da cintura para
No quadro abaixo apresentamos os crité-
baixo e sentar no vaso sanitário. Separar as pernas
rios interpretativos padronizados para os tipos
tanto quanto for possível. Afastar os grandes lábios
de materiais e tipo de infecção.
com uma das mãos e continuar assim enquan-
to fizer a higiene e coleta do material. Usar uma
gaze embebida em sabão neutro, lavar de frente Tabela 2 - Critérios interpretativos padronizados
para trás e certificar-se que está limpando por en- para os tipos de materiais e tipo de infecção.
tre as dobras da pele, o melhor possível. Enxaguar
com uma gaze umedecida, sempre no sentido de
Tipo de
frente para trás. Continuar afastando os grandes lá- Material UFC/mL de urina
infecção
bios para urinar. O primeiro jato de urina deve ser
desprezado no vaso sanitário. Colher o jato médio Urina
urinário no frasco fornecido pela enfermagem (um coletada
por cateter Todas ≥ 102 UFC/mL*
pouco mais da metade do frasco). Evite encher o
ou punção
frasco, fechar bem e caso haja algum respingo na
supra-púbica
parte externa do frasco, lave-o e enxugue-o.
Cistite não
Adultos sexo masculino: Urina de jato
complicada com ≥ 105 UFC/mL
A coleta deve ser feita pela manhã, prefe- médio
sintomas leves
rencialmente da primeira micção do dia, ou en-
Urina de jato Cistite com sinto-
tão após retenção vesical de duas a três horas. ≥ 10³ UFC/mL*
médio matologia aguda
Pacientes cateterizados com sistema de dre- Urina de jato Pielonefrite
nagem fechada: ≥ 10³ UFC/mL*
médio aguda
Colher a urina puncionando-se o cateter
Urina de jato Bacteriúria assin- 2 culturas com C/C
na proximidade da junção com o tubo de dre-
médio tomática ≥ 105 UFC/mL
nagem. Não colher a urina da bolsa coletora.
No pedido laboratorial deverá constar que o
paciente está cateterizado.
6. Diagnóstico por imagem
Usado nos casos de identificação de in-
5.3. Critério interpretativo de positividade: fecção urinária complicadas, para identificar
O critério de contagem de colônia para in- anormalidades do trato urinário e para o diag-
fecção urinária proposto por Kass (1956) deter- nóstico de complicações relacionadas à própria
mina a contagem ≥ 105 UFC/mL como limite de ITU ou a infecções recorrentes. Este tipo de in-
positividade. Contudo, no caso de pacientes do vestigação tem por objetivo avaliar anomalias
sexo feminino com infecção urinária sintomática renais, estabelecer a presença ou não de refluxo
não complicada, este limite corresponde a uma vesicoureteral RVU e definir a conduta apropria-

334 Faculdade Christus


Capítulo 46

da que possa evitar a injúria renal. Recomenda- devem receber cuidados profiláticos de nitrofu-
-se a exploração do trato urinário em pacientes rantoína durante toda a gestação e no puerpério.
com bacteriúria assintomática, ITU com sinais
Considera-se como melhora clínica a re-
clínicos de pielonefrite, infecção urinária acom-
missão do quadro clínico agudo, principalmente
panhada de massa abdominal, hipertensão ou
da febre, dor lombar e sintomas sistêmicos ge-
déficit de função renal.
rais (náuseas, vômitos, mal-estar). Na gravidez
deve ser evitado o uso de quinolonas devido ao
risco de causar alteração na cartilagem fetal.
7. Conduta terapêutica
Tratamento antimicrobiano em gestantes
Na bacteriúria assintomática, embora re- 8. Prevenção
ferida, não está comprovada a associação com
As mulheres com ITU de repetição, ou
parto prematuro. Seu tratamento é de suma im-
seja, mais de três episódios por ano, serão
portância, pois impede o desenvolvimento de
aconselhadas a tomar antibióticos de baixas do-
pielonefrite em 80% dos casos. Esse tratamento
ses por um longo período para a prevenção de
pode ser feito com administração de agentes
recidivas. A administração de SMX-TMP (80/400
orais apropriados, no caso a amoxicilina 500mg,
mg), TMP isolada (100 mg) ou nitrofurantoína
3 x dia, durante sete dias ou cefalexina (500mg,
(50-100 mg) diariamente ou 3 vezes por sema-
4/dia, por 7 dias). Outra forma de tratar seria
na, tem sido eficaz. São orientadas, também,
com o uso de nitrofurantoína (100mg, via oral,
para evitar o uso de espermicidas e urinar logo
4/dia, durante sete dias).
após o intercurso sexual. Mulheres com bacte-
É fundamental uma cultura após 10 dias riúria assintomática o uso de profilaxia é reco-
do final do tratamento. Se esse exame for posi- mendado, podendo ser a mesma utilizada nas
tivo, está indicado tratamento de longa duração mulheres com ITU de repetição.
e talvez a sua manutenção por toda a gravidez.
No tratamento da cistite, podem ser usa-
das as mesmas drogas utilizadas na terapêutica
D- Referências Bibliográficas
da bacteriúria assintomática. Nessa situação a ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitá-
medicação deve ser iniciada antes do resulta- ria. Manual de Microbiologia Clínica para o
do do exame de cultura e do antibiograma e Controle de Infecção em Serviços de Saúde.
ajustada após o recebimento do resultado da Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitá-
cultura e antibiograma. ria. 1. ed. Mod. 1, p.01-05, 2004.
A pielonefrite aguda é tratada normal-
DUARTE G, MARCOLINI A C, QUINTANA S M,
mente com hospitalização e antibióticos intra-
CAVALI R C. Infecção urinária na gravidez. Re-
venosos (cefazolina, ceftizoxima, gentamicina).
vista Brasileira de Ginecologia e Obstetricia,
Outra opção seria a ceftriaxona, 1g intramuscu-
Rio de Janeiro, v.30, n.2, p.93-100, fev. 2008.
lar, repetida após 24 horas, seguida de cefalexi-
na, 500 mg, via oral, 4/dia, por 10 dias. STAMM W E. Urinary Tract Infection, Pyelone-
Na gestação a cistite aguda pode ser tra- phritis, and prostatitis In: FAUCI A S, KASPER L
tada com amoxicilina, nitrofurantoina ou uma D, LONGO D L. Harrison´s Principles of Inter-
cefalosporina durante 7 dias. Em gestantes com nal Medicine The McGraw-Hill Companies, Inc.
pielonefrite, está indicada a hospitalização e an- 17.ed. Chicago, p. 1820-26, 2008
tibioticoterapia parenteral em geral com cefalos- FUNAI E F. Renal and urinary tract physiology
porinas. Recomenda-se a realização de culturas in pregnant women. 2008. Disponível em: Offi-
periódicas até o fim da gravidez. Se a infecção cial reprint from UpToDate® www.uptodate.com.
reaparecer, as pacientes devem ser tratadas no- Acesso em 09 fev 2010.
vamente com regime de permanente medicação
com nitrofurantoína, 50-100 mg, cada noite antes HOOTON T H, STAMM W E. Urinary tract infec-
de dormir ou sulfametoxazol (SMX-TMP) 80/400 tions and asymptomatic bacteriuria in preg-
mg também à noite. A ocorrência de recidiva su- nancy. 2009.
gere anormalidades do trato urinário e deve ser
investigada. Gestantes com pielonefrite crônica

Faculdade Christus 335


Capítulo 46

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adhesive pili. In: MOBLEY H L T. Urinary Tract In-
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STAMM W E. Measurement of pyuria and its rela-


tion to bacteriuria. Am J Med. v.75, p.53-58, 1983.

336 Faculdade Christus


Capítulo 47
CONTRACEPÇÃO HORMONAL
Francisco das Chagas Medeiros
Lívia Cintra Medina

A- PROBLEMA (mais comumente prescrito), injetável, subcu-


tâneo, transdérmico, vaginal e DIU com pro-
L.P.B., 21 anos, estudante universitária, gesterona. A contracepção oral em mulheres é
relata que há cerca de seis meses passou a ter disponível em duas formulações: produtos con-
relações sexuais, mas nunca fez o uso de pre- tendo estrogênio e progestágeno, os chamados
servativos ou de comprimidos anticoncepcio- anticoncepcionais orais combinados (ACOs), e
nais, pois suas amigas a aconselharam a utilizar aqueles contendo somente progestágeno, as
o método da tabelinha, que de acordo com elas, chamadas Minipílulas.
era um método confiável, barato e mais con-
fortável. Acontece que há cerca de dois meses
engravidou, tendo um aborto espontâneo logo 2. Anticoncepcionais orais combinados
em seguida. Após esse episódio, ela decidiu que
Os anticoncepcionais orais combinados
era hora de procurar o ginecologista, pois gos-
(ACOs), mais conhecidos como pílula, são usados
taria de iniciar um método contraceptivo mais
por aproximadamente 20% das mulheres casa-
seguro e andava preocupada com a irregulari-
das ou unidas em idade fértil no Brasil. A pílula é
dade de seu ciclo menstrual.
o método anticoncepcional reversível mais utili-
zado no país. Contém dois hormônios sintéticos,
o estrogênio e o progestágeno, semelhantes aos
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
produzidos pelo ovário da mulher.
1. Informar ao paciente todas as instruções a
respeito do uso de anticoncepcionais orais.
2. Identificar os possíveis fatores que contra- 2.1. Formulação
-indiquem a prescrição de anticoncepcio- Os ACOs possuem diferentes dosagens
nais orais. hormonais e esquemas posológicos. Os mais
3. Reconhecer os efeitos benéficos e colaterais usados são os monofásicos que mantêm a mes-
dos medicamentos. ma dose hormonal de estrogênio e progestáge-
no em cada comprimido durante todo o ciclo. Os
bifásicos e os trifásicos, duas e três doses dife-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
rentes de estrogênios e progestágeno, respecti-
1. Introdução vamente, apresentam essa variação na quantida-
de hormonal na tentativa de mimetizar o ciclo.
A contracepção hormonal é um dos mé-
todos anticoncepcionais mais empregados em Quanto ao componente estrogênico, o
todo o mundo desde 1960, tendo sofrido uma composto mais utilizado é o etinilestradiol (EE).
extraordinária evolução em termos de quan- Até o momento, a menor quantidade de es-
tidade e qualidade dos hormônios utilizados. trogênio utilizada em contraceptivo oral é de
Com a finalidade básica de impedir a concep- 15mcg e a maior é de 50mcg. Uma alta dosa-
ção, são confeccionados em formulações oral gem pode ser necessária quando existe inte-
Capítulo 47

ração medicamentosa causando ativação de 2.4. Modo de uso


enzimas hepáticas. Uma baixa dosagem pode
2.4.1. Primeira prescrição
ser mais bem adequada para mulheres na 4a-
5a década de vida cuja fertilidade natural está Quando prescrever o ACO pela primeira
declinando ou em mulheres nas quais 15 mcg vez, a história clínica é essencial. Deve-se per-
de EE são adequados para efeito contraceptivo guntar sobre história patológica pregressa e
e controle do ciclo. atual, história familiar e história medicamento-
sa. O interrogatório deve se feito especialmente
A dose adequada de EE é responsável
procurando os principais fatores que contra-
pela manutenção do endométrio, supressão do
-indiquem a prescrição de ACO. As seguintes
FSH (inibe desenvolvimento do folículo domi-
perguntas devem ser feitas:
nante) e melhora do perfil lipídico (exceto no
aumento dos triglicerídeos). 1. Você fuma e tem 35 anos ou mais?
2. Você tem pressão alta?
Os progestágenos variam na sua andro-
3. Você está amamentando um bebê com me-
genicidade: 1 – Derivados da 17- hidroxiproges-
nos de 6 meses?
terona possuem fraca atividade androgênica,
4. Você tem qualquer problema sério no cora-
representados pelo acetato de ciproterona. 2
ção ou de circulação?
– Derivados da 19-nor-testosterona têm maior
5. Você tem ou teve câncer de mama?
atividade androgênica, pioram o perfil lipídico
6. Você tem icterícia (olhos e pele com colora-
e aumentam a resistência à insulina, represen-
ção amarelada), cirrose hepática ou tumor
tados pelo Levonorgestrel e Noretrindona. 3
no fígado?
– Progestágenos de 3ª geração, Desogestrel,
7. Você sofre de cefaleia intensa com visão
Gestodeno (ação antimineralocorticoide) e Nor-
turma com frequência?
gestimato, têm menor atividade androgênica.
8. Você está tomando medicamentos para
O tipo de progestágeno e sua dose irão convulsões?
determinar a supressão de LH (inibe ovulação), 9. Você acha que pode estar grávida?
o controle da proliferação endometrial estrogê-
nica, e o grau de efeito androgênico.
Caso a paciente responda sim a alguma
dessas perguntas, o médico não deve fornecer
ACOs e deve orientá-la na escolha de outro mé-
2.2. Mecanismo de ação
todo não hormonal. A pressão arterial e o índice
Os ACOs atuam suprimindo a ovulação, por de massa corpórea devem ser documentados
meio da interrupção do feedback positivo media- durante a primeira prescrição. Além de esclare-
do pelo estrogênio sobre o eixo hipotálamo-hipo- cer à paciente sobre a necessidade do uso de
fisário, da prevenção do pico do hormônio luteini- outro método contraceptivo como método de
zante (LH) e da prevenção da maturação folicular barreira para protegê-la contra as doenças se-
ovariana. Além desse efeito, atuam espessando o xualmente transmissíveis.
muco cervical, reduzindo o transporte do esper-
Quando prescrever ACO pela primeira
matozoide até as tubas e alterando o endométrio,
vez, é aconselhável iniciar com uma prepara-
impedindo o fenômeno da nidação.
ção monofásica contendo 30mcg de EE junta-
mente com levonorgestrel ou noretrindona. A
2.3. Eficácia eficácia de 20mcg e 30mcg é semelhante, mas
o sangramento intermédio é mais comum
A eficácia teórica dos ACOs é bastante ele- com 20mcg.
vada, podendo sua taxa de falha ser da ordem
de 0,1%, no primeiro ano de uso. No entanto, o Consultas para acompanhamento devem
uso inadequado, esquecimento de pílulas, atra- ser marcadas após três meses da primeira pres-
sos na ingestão, uso de medicações concomi- crição para reavaliar a pressão arterial e a pre-
tantes que interagem com os componentes do sença de qualquer problema. Se nenhum pro-
anticoncepcional e problemas gastrintestinais, blema for identificado, um suprimento de ACO
levam a falhas reais mais elevadas. Assim, a efi- para 12 meses deve ser prescrito.
cácia dos ACOs em uso habitual atinge valores
de 6 a 8%.

338 Faculdade Christus


Capítulo 47

2.4.2. Critérios médicos de elegibilidade boa atenção preventiva, mas não tem relação
com o uso seguro do método anticoncepcional.
Os critérios de elegibilidade médica para
ƒƒ Categoria D: não somente desnecessários,
uso de métodos anticoncepcionais foram de-
mas irrelevantes para o uso seguro do méto-
senvolvidos pela Organização Mundial de Saúde
do anticoncepcional.
(OMS, 1996) com o objetivo de auxiliar os profis-
sionais da saúde na orientação das usuárias de
Quadro 2- Procedimentos para iniciar o uso de ACO
métodos anticoncepcionais. Não deve ser con-
Procedimento Categoria
siderada uma norma estrita, mas sim uma reco-
Exame pélvico (especular e toque bima-
mendação, que pode ser adaptada às condições C
nual)
locais de cada país. Consiste em uma lista de Medida de pressão arterial B
condições das usuárias, que poderiam significar Exame das mamas B
limitações para o uso dos diferentes métodos, e Triagem para DST por testes de laborató-
C
as classifica em 4 categorias, de acordo com a rio (indivíduos assintomáticos)
definição no quadro 1. Triagem para câncer de colo uterino C
Testes laboratoriais rotineiros (colesterol,
D
glicose, enzimas hepáticas)
Quadro 1- Critérios de elegibilidade Pontos específicos para orientação sobre
OMS 1: O método pode ser usado sem restrições. ACOC: Eficácia; efeitos colaterais co-
OMS 2: O método pode ser usado. As vantagens ge- muns; uso correto do método, incluindo
ralmente superam riscos possíveis ou comprovados. A
instruções para pílulas esquecidas; sinais
As condições da categoria 2 devem ser consideradas e sintomas para os quais deve procurar o
na escolha de um método. Se a mulher escolhe este serviço de saúde; proteção contra DST
método, um acompanhamento mais rigoroso pode Orientação sobre mudanças no padrão
ser necessário. A
menstrual.
OMS 3: O método não deve ser usado, a menos que
o profissional de saúde julgue que a mulher pode
usar o método com segurança. Os riscos possíveis 2.4.4. Momentos apropriados para iniciar o uso
e comprovados superam os benefícios do método. Na maioria dos casos, a primeira cartela de
Deve ser o método de última escolha e, caso seja
anticoncepcional deve ser iniciada no primeiro dia
escolhido, um acompanhamento rigoroso se faz
do ciclo menstrual. Porém existem casos especiais
necessário.
OMS 4: O método não deve ser usado. O método
em que se deve analisar a tabela seguinte:
apresenta um risco inaceitável. Quadro 3- Momentos para início de ACO
Precaução
Esquema para início extra neces-
2.4.3. Procedimentos para iniciar o uso do de contraceptivos Dia de início sária para
método combinados orais contracep-
ção?
O procedimento para iniciar o uso do
Dia 1-5 do ciclo Nenhuma
método, relacionado abaixo, está classifica- Com menstruação
Após o 5o dia 7 dias
do em quatro categorias. Estes critérios foram Pós-parto: Minipílula
desenvolvidos por um grupo de agências co- - Aleitamento Dia 21 ou espere Nenhuma
laborativas da United States Agency for Inter- - Não aleitamento o próximo ciclo Nenhuma
national Devlopment (USAID) e são orientados - Abortamento Próximo dia
fundamentalmente para salientar os requisitos Troca imediata,
mínimos para a oferta de métodos anticoncep- não fazer parada
cionais em regiões com poucos recursos. Mudando: de uma semana
Nenhuma
- Vindo de ACO Troca imediata
ƒƒ Categoria A: essencial e obrigatório em todas - Vindo da minipílula Iniciar ACO
as circunstâncias para o uso do método anti- Nenhuma
- Vindo da injetável enquanto ainda
Nenhuma
concepcional. ou implante estiver prote-
ƒƒ Categoria B: médica/epidemiologicamente gida por outro
racional em algumas circunstâncias para oti- método
mizar o uso seguro do método anticoncep- 1o ou 2o dia da
cional, mas pode não ser apropriado para to- Após pílula do dia menstruação,
Nenhuma
das as clientes em todos os contextos. seguinte com fluxo cor-
reto
ƒƒ Categoria C: pode ser apropriado para uma

Faculdade Christus 339


Capítulo 47

2.5. Instruções gerais (assim que se lembrar) e seguir normalmente


com as demais.
Conhecendo a data do início da cartela,
tomar uma pílula diariamente durante 21 dias Se a paciente esquecer na segunda se-
consecutivos (figura 1). A seguir, deve-se fa- mana do ciclo artificial (8-14o dia), a conduta
zer uma pausa durante sete dias, período no dependerá da dose de EE da pílula. Os ovários
qual a menstruação irá ocorrer, e reiniciar ou- terão ao menos sete pílulas para assegurar a
tra cartela no oitavo dia, independentemente supressão da ovulação, deste modo, teorica-
do período menstrual em que a paciente se mente, contracepção de emergência e método
encontre. Fazendo dessa forma, cada cartela contraceptivo adicional não são necessárias.
será iniciada sempre no mesmo dia da semana. Se esquecer 1 comprimido de 20mcg ou 1 a 2
Embora a hora da tomada não seja tão crucial comprimidos de 30 a 35mcg de EE: não precisa
como para a minipílula; é ideal, para a prati- método contraceptivo adicional nem contra-
cidade da mulher, adotar o hábito de tomar a cepção de emergência mas deve tomar a última
pílula no mesmo horário todo dia. A proteção pílula que esqueceu (assim que se lembrar) e
contraceptiva tem início no primeiro dia de to- segue normalmente com as demais. Se esque-
mada e continua durante os intervalos de sete cer 2 ou mais comprimidos de 20mcg ou 3 ou
dias livres de medicação. mais comprimidos de 30-35mcg de EE: precisa
método contraceptivo adicional (camisinha ou
No caso de vômitos e/ou diarreia com
abstinência por 7 dias, correspondendo ao tem-
duração de dois ou mais dias, as relações se-
po que o ACO faz efeito), não precisa de contra-
xuais devem ser evitadas ou o uso de méto-
cepção de emergência e tomar a última pílula
dos de barreira devem ser instituídos, pois
que esqueceu (assim que se lembrar) e segue
existem possibilidades da não absorção dos
normalmente com as demais.
esteroides da pílula, com consequente perda
da ação anticonceptiva. Se as pílulas forem esquecidas na terceira
semana do ciclo artificial (15o ao 21o dia) a con-
duta não dependerá da dose de EE da pílula.
Nesse caso, tomar a última pílula que esqueceu
(assim que se lembrar) e emenda a segunda
cartela com a primeira; não deve existir a pausa
de sete dias do 21o -28o dia. Não precisa método
contraceptivo adicional nem de contracepção
de emergência.
Figura 1: Cartela de comprimidos de anticoncepcional
oral combinado
2.7. Quando interromper o ACO
Os benefícios da anticoncepção por
2.6. Esquecimentos de pílulas
ACO são aprimorados com o aumento da
A conduta depende de dois fatores: 1) duração de seu uso. Dados eficazes sugerem
Depende de qual das três semanas (do ciclo que a idade da mulher e não a duração de
artificial de 21 dias) a paciente esqueceu-se de uso do ACO é associada com a maioria dos
tomar as pílulas. 2) Depende da dose de EE da fatores de risco do ACO. Então, fumantes e
pílula (quanto maior a dose maior a eficácia em mulheres com fatores de risco para doença
inibir a ovulação num determinado ciclo). arterial deveriam interromper o uso de ACO
Se as pílulas forem esquecidas nos pri- com 35 anos. Em outras mulheres e depois de
meiros sete dias, a conduta não dependerá considerar suas vontades, possivelmente seja
da dose de EE da pílula. Os ovários não terão prudente escolher a idade de 50 anos para in-
tido sete pílulas consecutivas para assegurar terromper o uso do ACO e usar outro método
a supressão da ovulação, assim, se necessário contraceptivo como um dispositivo intrauteri-
é aconselhável tomar contracepção de emer- no (DIU) ou um método de barreira até a fa-
gência (se tiver tido relações desprotegidas) lência ovariana ser presumida.
e precauções extras até que mais sete pílulas No entanto, com a menstruação regu-
sejam tomadas sem intervalo. Nesse caso, não lar e níveis normais de estrogênio, o início da
adianta tomar a última pílula que esqueceu menopausa pode ser mascarada. A pílula de

340 Faculdade Christus


Capítulo 47

ACO pode mascarar marcadores sanguíneos ƒƒ Proteção contra gravidez ectópica: devido à
de menopausa como o nível de estradiol e de supressão da ovulação.
hormônio folículo estimulante (FSH). Esse efeito ƒƒ Previnem doença benigna de mama.
desaparece após seis semanas de interrupção ƒƒ Reduzem o risco de neoplasia de ovário.
das pílulas de ACO e os níveis desses marcado- ƒƒ Reduzem o risco de neoplasia de endométrio:
res podem ser confiáveis. A dosagem pode ser reduz em 50%.
repetida 1-2 meses depois e caso os níveis de ƒƒ Proteção contra câncer cólon-retal.
FSH sejam repetidamente maiores que 30 IU/L ƒƒ Promovem regressão de cistos funcionais
consideram-se sugestivo de falência ovariana. ovarianos.
Em tais casos, mulheres com mais de 50 anos ƒƒ Endometriose.
são aconselhadas a continuar a contracepção ƒƒ Proteção contra acne.
por mais um ano e mulheres com menos de 50 ƒƒ Prevenção da perda da densidade mineral óssea.
anos devem continuar a contracepção por mais ƒƒ Proteção contra artrite reumatoide: redução
dois anos. A contracepção pode ser descontinu- de 30% da incidência.
ada se a amenorreia persistir. ƒƒ Melhora anemia.
Pensando nos efeitos colaterais que
o ACO pode acarretar, é importante saber 2.9. Efeitos colaterais dos ACO
as situações em que se deve suspender o
São pouco frequentes com os anticon-
ACO: diminuição da acuidade visual, papi-
cepcionais de baixa dosagem e com progesto-
ledema, dor precordial, hemoptise (suspei-
gênios mais seletivos utilizados no momento
tar de embolia pulmonar), massa hepática.
atual, podendo surgir nos primeiros três meses
Além dessas, existem outras situações como
de ingestão, que é o período de adaptação, po-
amenorreia (afastar gravidez), sangramento
rém caso haja persistência, aconselha-se a troca
intermenstrual, nódulo mamário, dor em hi-
para outro produto ou método.
pocôndrio direito ou icterícia, epigastralgia
(pensar em trombose mesentérica ou IAM), Em geral, esses efeitos são atribuídos aos
enxaqueca em que o ACO pode ser continu- componentes das formulações. Aos estróge-
ado até a confirmação diagnóstica. nos são referidos os seguintes efeitos: cefaleia,
tontura, náuseas e vômitos, mastalgia, edema,
irritabilidade e cloasma; nos cíclicos acrescen-
2.8. Outros efeitos benéficos dos ACO tam-se: alterações visuais e ganho de peso. En-
quanto ao progestágeno se atribuem: ansieda-
ƒƒ Alta eficácia: tomada correta e consistente-
de, depressão, insônia, cansaço, alterações da
mente, a pílula de ACO é extremamente efeti-
libido, amenorreia, acne, ganho de peso, sensi-
va para prevenir gravidez com índice de falha
bilidade mamária, vertigem.
de 0,1-3/ 100 mulheres por ano. A eficácia do
método, para cada caso individual, depende- Outros paraefeitos:
rá fundamentalmente da maneira como a mu-
ƒƒ Tromboembolismo (TEV). É a principal com-
lher toma as pílulas e a orientação adequada.
plicação do método e a mais temida, causada
ƒƒ Reversibilidade: pode ocorrer um atraso no
pelo componente estrogênico. Pode ser divi-
retorno da fertilidade até um ano, mas não há
dido em venoso ou arterial. O etinil-estradiol
comprometimento a longo prazo, indepen-
produz efeitos na cascata da coagulação, au-
dentemente da duração da utilização.
mentando os fatores II, V, VII, IX, X, XII e dimi-
ƒƒ Redução do fluxo menstrual.
nuindo fatores anticoagulantes como a Anti-
ƒƒ Diminuem a frequência e a intensidade da
trombina III. Além disso, aumenta as plaquetas
dismenorreia.
em número, aderência e agregação, aumenta
ƒƒ Previsibilidade da menstruação: por regulari-
o tromboxane A2 e diminui as prostraciclinas.
zar os ciclos menstruais
Estudos recentes sugeriram que dois novos
ƒƒ Promovem alívio dos sintomas da tensão pré-
progestágenos, o Gestodeno e o Desogestrel
-menstrual (TPM)
foram associados a maior risco de TEV em re-
ƒƒ Proteção contra doença inflamatória pélvica
lação aos progestágenos mais antigos, como
(DIP): devido à redução da penetrabilidade do
o Levonorgestrel. No entanto, a mortalidade
colo do útero por aumento da viscosidade do
por TE entre as usuárias de ACO é muito bai-
muco cervical.
xa, e é afetada pela idade (maior mortalida-

Faculdade Christus 341


Capítulo 47

de entre 35 e 44 anos) e pela obesidade, por à glicose oral, mas não há aumento na inci-
exemplo. Não há evidências de que o fumo dência de diabetes. O aumento da resistência
ou a presença de varizes aumente o risco de insulínica é um fator importante no desenvol-
TE. Mulheres com um fator de risco maior vimento de doença cardiovascular, mas o ACO
para TEV (história de TVE, história na família não altera as taxas de doença cardiovascular
de TVE em parente de primeiro grau com < 45 de maneira significativa.
anos, grande cirurgia com tempo prolongado ƒƒ Efeitos no fígado e vias biliares: Os ACOs
de imobilização, longo tempo imobilizado ou de alta dosagem alteram o transporte de bile,
anemia falciforme) ou vários fatores de risco podendo gerar icterícia colestática. Podem
menores para TVE. elevar a incidência de cálculos biliares princi-
ƒƒ Obs.: Grande cirurgia sem tempo prolonga- palmente no primeiro ano de uso, por efeito
do de imobilização, índice de Massa Corpórea estrogênico, que parece aumentar a satura-
(IMC > 30) não deveria ser prescrito ACO. ção de colesterol.
ƒƒ Doença cardiovascular (IAM, AVC, TVE) e ƒƒ Tumores hepáticos: Há controvérsias quanto
hipertensão. Estudos maiores indicam que ao aumento do risco de adenomas, nos casos
não há aumento do risco de IAM ou AVC entre de maior duração e de maiores doses.
as mulheres sadias e não fumantes em uso de
ACO. O risco de AVC isquêmico entre usuárias
2.10. Contraindicações
de ACO aumenta pelo fumo e pela dose de
estrógeno, além da idade entre 40 e 44 anos, As contraindicações são divididas em ab-
hipertensão e enxaqueca com aura. Quanto solutas e relativas.
ao risco de AVC hemorrágico, aparentemente 1. Absolutas
não há correlação com os componentes, do- - Idade superior a 35 anos com tabagismo (mais de 15
ses ou duração de uso dos ACOs. O risco de cigarros ao dia).
IAM aumenta com a idade, hipertensão, dia- - Gravidez confirmada ou suspeita
betes e dislipidemias. - Lactentes com menos de seis semanas (até três se-
ƒƒ Câncer de mama: Há achados contraditórios manas pelo maior risco de tromboembolismo e de
entre os vários estudos de caso controle. De três a seis semanas devido à menor atividade enzi-
um modo geral os maiores estudos revelaram mática do lactente)
um aumento no risco relativo de 1,4 de cân- - No puerpério, em mulheres que não estejam lactan-
do, o ACO é contraindicado nas primeiras três se-
cer de mama em mulheres em uso de ACO,
manas.
este risco diminui após dez anos de suspen-
- Cirurgia de grande porte com imobilização prolon-
são do ACO. O câncer de mama em usuárias
gada
de ACO parece ser menos avançado clinica- - Neoplasia hormonal dependente
mente. História familiar de câncer de mama, - Câncer de mama declarado ou suspeito
duração de uso de ACO, idade do início, dose - Tumor hepático (benigno ou maligno)
do hormônio e o componente do hormônio - Cirrose hepática descompensada ou hepatite viral
não tem efeitos adicionais no risco de câncer ativa
de mama. A incidência de câncer de mama - Diabetes mellitus descompensado
em mulheres jovens, idade inferior a 30 anos, - Sangramento uterino anormal não diagnosticado
é bastante baixa, enquanto a incidência au- - Tromboflebite ou doenças tromboembólicas
menta com a idade. No entanto, ainda não há - Hipertensão arterial sistêmica grave (estágio II)
- As seguintes doenças cardiovasculares: cardiopatias
consenso a respeito.
congênitas cianóticas, hipertensão pulmonar, valvo-
ƒƒ Câncer de colo: Há controversas, pela maior
patias com fibrilação atrial, múltiplos fatores de risco
frequência de teste de Papanicolau entre as
para doença coronariana, IAM em andamento ou
usuárias e pelo menor uso de métodos de história de IAM, AVE em andamento ou passado de
barreira entre elas. AVE. Insuficiência cardíaca com aumento do risco de
ƒƒ Perfil lipídico: Os progestágenos derivados trombogênese.
da 19-nortestosterona diminuem o HDL e - Lúpus eritematoso sistêmico complicado com nefro-
aumentam o LDL, contrariamente ao efeito patia ou síndrome de anticorpo antifosfolípide
estrogênico. Os progestágenos mais recentes - Enxaqueca com aura
têm menos efeitos deletérios.
ƒƒ Afeta o metabolismo carboidrato: O com-
ponente progestagênico altera a tolerância

342 Faculdade Christus


Capítulo 47

2. Relativas ou em mudança em antibióticoterapia prolon-


(Condições em que o método pode ser utilizado, po- gada após adquirir resistência.
rém necessita de assistência médica mais cuidadosa)
O ACO pode diminuir o efeito terapêuti-
- Idade superior a 35 anos com tabagismo (menos de
co de anti-hipertensivos como a guanetidina e
15 cigarros ao dia).
- Idade maior do que 50 anos
a metildopa.
- Doenças da vesícula biliar
- Passado de icterícia gravídica
- Otoesclerose D- Referências Bibliográficas
- Cefaleia tipo hemicrania e presença de Esclerose
Múltipla
CURTIS, K.M.; CHRISMAN, C.E.; MOHLLAJEE,
- Epilepsia, psicose e neuroses graves A.P.; PETERSON, H.B. Effective use of hormonal
- Insuficiência renal contraceptives Part I: Combined oral contracep-
- Insuficiência cardíaca tive pills. Contraception v.73, p.115– 124, 2006.
- Hiperprolactinemia
- Hipertrigliceridemia
D´SOUZA, R.E.; GUILLEBAUD, J. Risks and ben-
- Cirrose compensada efits of oral contraceptive pills. Best Practice &
- Uso de medicações que interagem com a pílula Research Clinical Obstetrics and Gynaecol-
- Diabetes mellitus ogy v.16, n.2, p.133-154, 2002.
- Anemia falciforme
- Fatores de risco para tromboembolismo
GRIMBIZIS, G.F.; TARLATZIS, B.C. The use of
- Hipertensão arterial leve e moderada hormonal contraception and its protective role
- Fraturas ou lesão grave against endometrial and ovarian cancer. Best
Practice & Research Clinical Obstetrics and
Gynaecology 2009.
2.11. Interações medicamentosas
OAKLEY, P. Choices of Contraception. Current
Interações medicamentosas devem ser Obstetrics and Ginecology v.14, p.68-71, 2004.
consideradas quando prescrever uma medica-
ção para uma mulher em idade fértil, concen- SHUFELT, C.L.; MERZ, N.B. Contraceptive Hor-
trações de hormônios contraceptivos podem mone Use and Cardiovascular Disease. Journal
aumentar ou diminuir juntamente com o uso de of the American College of Cardiology v.53,
outra droga. n.3, p.221–31, jan. 2009.

Existem duas maneiras em que a inges- SPENCER, A.L.; BONNEMA, R.; MCNAMARA,
tão de outras drogas pode reduzir a eficácia do M.C. Helping Women Choose Appropriate Hor-
ACO. A primeira baseia-se na indução de enzi- monal Contraception: Update on Risks, Ben-
mas hepáticas as quais conduzem a um aumen- efits, and Indications. The American Journal of
to no metabolismo e eliminação de estrogênio Medicine v.122, p.497-506, 2009.
e progestágeno. Este fato acontece com alguns
medicamentos anticonvulsivantes (barbitúricos, VANDENBROUCKE, J.P. et al. Oral Contraceptives
hidantoína e carbamazepina), antibióticos con- and the Risk of Venous Thrombosis. The New
tra tuberculose como rifampicina, antifúngico England Journal of Medicine v. 344, n. 20, p.
chamado griseofulvina e alguns antiretrovirais. 1527-1535, 2001.

Além disso, existe o efeito da circulação WEBBERLEY, H.; MANN, M. Oral contraception –
enterohepática. Etinilestradiol (EE) é sujeito a updated. Clinical Obstetrics and Ginecology v.
um intenso metabolismo de primeira passa- 16, p. 21-29, 2006.
gem. Metabólitos de glucoronídeo são pro-
cessados no fígado, mas uma vez que eles re-
entram no lúmen do intestino grosso, a flora
intestinal é capaz de remover o grupo gluco-
ronídeo e restaurar algum EE para reabsorção
e pode ajudar a manter seu nível na circulação.
Certos antibióticos de largo espectro pode al-
terar a flora intestinal e teoricamente reduzir a
reabsorção de EE. Esse efeito somente se aplica
a períodos curtos de terapia com antibiótico

Faculdade Christus 343


Capítulo 48
CONTRACEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
Francisco das Chagas Medeiros
Rebeca Mendes de Paula Pessoa

A- PROBLEMA inadequada. A proteção inadequada pode ser


exemplificada pelo uso de preservativo venci-
B.T.S., 19 anos, nulípara, procurou um gi- do ou rompido, do esquecimento de duas ou
necologista por ter esquecido duas pílulas cor- mais pílulas de anticoncepcional oral, da demo-
respondentes aos 6o e 7o dias de uma pílula de ra maior que duas semanas para receber inje-
30 µg de etinil-estradiol, anticoncepcional oral ção intramuscular de medroxiprogesterona de
que usa de rotina. Ela parece bastante ansiosa depósito, da remoção do anel contraceptivo
e refere ter tido relações sexuais desprotegidas vaginal por mais de três horas ou da falha do
durante o período de esquecimento. Quando método anticoncepcional em uso de rotina.
indagada, respondeu que sua última menstru-
ação teve início há 12 dias e que hoje seria o 8o A contracepção de emergência (Figura 1)
dia do anticoncepcional. possui uma significativa capacidade de preve-
nir a maior parte das gestações indesejadas ou
não planejadas, reduzindo a grande angústia
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM vivenciada pelos casais, que são na sua maio-
ria adolescentes, e a necessidade de recorrer
1. Identificar se a paciente precisa de contra- ao abortamento induzido. A contracepção de
cepção de emergência. emergência, mais conhecida como a pílula do
2. Escolher o melhor método de contracepção dia seguinte, é definida como o uso de méto-
de emergência para a paciente. dos hormonais (levonorgestrel isolado ou mé-
3. Compreender a eficácia, o mecanismo de todo de Yuzpe) ou de dispositivo intrauterino
ação, os efeitos colaterais, as interações (DIU) após 72 a 120 horas de uma relação sexual
medicamentosas e as contraindicações do desprotegida ou com proteção inadequada que
método de escolha para a paciente. vise à prevenção de uma gravidez indesejada.
4. Conhecer os possíveis efeitos colaterais do
método de escolha.
5. Fornecer à paciente, as informações sobre o
método de contracepção de emergência e
sobre o planejamento familiar.

C- ABORDAGEM TEMÁTICA
A incidência de gravidez indesejada é
bastante elevada mundialmente, a OMS estima
que metade das gestações seja indesejada, em
especial nos países em desenvolvimento. No
Figura 1- Pílula do dia seguinte.
Brasil, esse problema tem como principal causa
a relação sexual desprotegida ou com proteção
Capítulo 48

O aborto induzido é realizado por 750.000 primeira escolha devido sua maior efetividade
a um milhão de brasileiras por ano, sendo uma e menos efeitos colaterais, é realizada por meio
das principais causas de mortalidade materna, da administração de uma dose total de 1,5 mg
devido à escassez de meios adequados para sua de levonorgestrel dividida em dois comprimi-
realização, consequência da sua legalidade ser dos iguais de 0,75 mg, em um intervalo de 12
restrita para poucos casos. Nos Estados Unidos, horas, ou em dois comprimidos de 0,75 mg si-
o aumento do uso da contracepção de emer- multaneamente, em dose única (Quadro 1). Essa
gência contribuiu com mais de 43% no declínio última forma de administração simplifica o uso
total nas taxas de aborto entre 1994 e 2000. Essa desse método, como consequente, maior taxa
ampliação pode reduzir metade das gravidezes de adesão, sem aumento dos efeitos colaterais
não planejadas nos Estados Unidos, o que re- segundo estudos realizados pela Organização
sulta em 1,5 milhões de gravidezes não deseja- Mundial de Saúde (OMS).
das a menos, e metade dos abortos induzidos,
o que resulta em 700.000 abortos a menos. Po- Quadro 1- Anticoncepção de emergência hormonal
rém esse aumento no uso desse método requer ,75 mg de levonogestrel por
familiaridade com o mesmo, conhecimento do Levonogestrel
comprimido
público sobre a sua disponibilidade e acesso a 2 comprimidos Via oral Dose única
um serviço de saúde com médicos capacitados 1 comprimido Via oral A cada 12 horas
que possam prescrevê-lo com segurança.
AHOC c/ 30µg de etinilestradiol
Apesar das vantagens da contracepção de Método de Yuzpe e 150µg de levonogestrel por
emergência, existe uma ausência de conhecimento comprimido
na comunidade médica com relação ao uso corre- 4 comprimidos Via oral A cada 12 horas
to, indicações, contraindicações, interações medi- 8 comprimidos Via oral Dose única
camentosas, efeitos colaterais, mecanismo de ação AHOC c/ 50ug de etinilestradiol
e prescrição. De acordo com uma pesquisa reali- Método de Yuzpe e 250µg de levonogestrel por
zada entre ginecologistas, obstetras e médicos de comprimido
família dos Estados Unidos em 2000, apenas 20 a 2 comprimidos Via oral A cada 12 horas
25% usualmente discutiam contracepção de emer- 4 comprimidos Via oral Dose única
gência durante as consultas. Em outro estudo rea-
lizado em Nova York com pediatras, especialidade O método deve ser iniciado para uma me-
que vem abrangendo um crescente número de pa- lhor eficácia nas primeiras 72 horas após a rela-
cientes sexualmente ativos, foi encontrado a inex- ção sexual, podendo ser utilizado até cinco dias
periência como a principal razão para a não prescri- após o ato sexual com taxas de falhas maiores.
ção de métodos de contracepção de emergência.
O Ministério da Saúde do Brasil (MS) dis-
Há igualmente uma carência de conheci- ponibiliza o levonorgestrel comprimido 1,5 mg.
mento e de uso da contracepção de emergên- Esse método também pode ser encontrado no
cia entre as pacientes. Em 2000, um estudo com mercado com diferentes nomes comerciais,
mais de 500 mulheres americanas de idade entre como: POZATO®, NOGRAVID®,PILEM®, NORLE-
18 e 44 anos revelou que apenas 2% havia usado VO®, POSTINOR-2®.
esse método, e somente uma em quatro possuía
conhecimentos superficiais sobre contracepção
de emergência. Já outro trabalho realizado com 2. Método de Yuzpe
adolescentes cita início da vida sexual em 71%
O método de Yuzpe é realizado por meio
delas, enquanto apenas 30% conheciam a exis-
da administração de um estrogênio combinado
tência da contracepção de emergência.
a um progestágeno sintético com o objetivo de
Os métodos de contracepção de emer- contracepção de emergência, sendo a sua forma
gência existentes são: mais comum uma dose total de 200µg de etini-
lestradiol e 1mg de levonorgestrel dividida em
duas doses iguais, ministradas em um intervalo
1. Levonorgestrel isolado de 12 horas, ou em dose única. Como o levo-
A contracepção de emergência por meio norgestrel é o isômero ativo do norgestrel, uma
do uso do levonorgestrel isolado, método de dose equivalente de qualquer pílula contendo
norgestrel requer dose dupla de progestágeno.

346 Faculdade Christus


Capítulo 48

Assim como o levonorgestrel isolado, o cepção de emergência desde a relação sexual


método de Yuzpe deve ser utilizado de prefe- desprotegida. As taxas de falha são 1% para con-
rência nas primeiras 72 horas após o ato sexual tracepção de emergência iniciada com menos de
desprotegido, podendo ser iniciado, apesar da 12 horas da relação sexual desprotegida, 4% para
significativa diminuição de sua eficácia, até cin- início do tratamento após 72 horas (três dias), e
co dias após a relação sexual. 10% quando o método é iniciado após cinco dias.
No Brasil, é disponibilizado pelo MS, o anti- A inserção do dispositivo intrauterino
concepcional oral combinado com levonorgestrel (DIU) de cobre, abordada adiante, é uma alter-
150µg e etinilestradiol 30µg. Este também sendo nativa que pode ser efetiva após cinco a sete
encontrado no mercado com os seguintes nomes dias da relação sexual desprotegida.
comerciais: MICROVLAR® e NORDETTE®. Para a uti-
lização do anticoncepcional na posologia descrita
como contracepção de emergência, deve-se fazer 2.3. Efeitos colaterais do Levonorgestrel iso-
uso ou de quatro comprimidos a cada 12 horas lado e do Método de Yuzpe
ou de oito comprimidos em dose única. Existem Náuseas ocorrem em 30 a 60% das pa-
também no mercado brasileiro, anticoncepcionais cientes que utilizam contraceptivos orais com-
orais com 50µg de etinilestradiol e 250µg de levo- binados como contracepção de emergência,
norgestrel, como o EVANOR® e o NEOVLAR®, nos podendo surgir após cada dose do medicamen-
quais utiliza-se com o objetivo de contracepção de to e com duração máxima de dois dias. Já o vô-
emergência ou dois comprimidos a cada 12 horas mito ocorre em 12 a 22% dos pacientes (Quadro
ou quatro comprimidos em dose única (Quadro 1). 2). A incidência e a severidade de ambas po-
dem ser diminuídas por meio do uso de antie-
méticos, como o cloridrato de metoclopramida
2.1. Mecanismo de ação do Levonorgestrel
10mg VO três vezes ao dia, uma hora antes da
isolado e do Método de Yuzpe
ingestão da contracepção de emergência.
O mecanismo de ação predominante da
Comparado com o método hormonal
contracepção de emergência é o retardo ou im-
combinado, a frequência de náuseas e vômitos
pedimento da ovulação, principalmente quando
no método de apenas progestágeno é signifi-
esse tratamento é ministrado na primeira fase
cativamente menor. Essa diferença também é
do ciclo menstrual, ou seja, antes do 14o dia do
verdadeira para outros efeitos colaterais, como:
ciclo. Porém, esse efeito não é absoluto, já que
vertigem, cefaleia, dor mamária, dor abdominal,
se estima que em mais de 10% dos ciclos a ovu-
fadiga (Quadro 2).
lação não é interrompida.
Outros mecanismos de ação citados na li-
teratura são: mudanças histológicas bioquímicas Quadro 2- Efeitos colaterais da contracepção
no endométrio resultando na falência da implan- de emergência oral
tação, inibição da função do corpo lúteo, interfe- Percentagem
Efeitos secundários
rência na transferência tubária do óvulo e do em- YUZPE LEVONORGESTREL
brião, mudanças no muco cervical e alteração na Náuseas 50,5 23,1
Vômitos 18,8 5,6
capacitação e mobilidade dos espermatozoides.
Vertigens 16,7 11,2
Não existem relatos de interrupções de ges- Fadiga 28,5 16,9
tações já implantadas no útero e nem evidências Cefaleia 20,2 16,8
de uma síndrome específica ou anomalias fetais Sensibilidade
12,1 10,8
causadas pela contracepção de emergência, o que mamária
Dor abdominal 20,9 17,6
contraria vários mitos existentes na nossa socieda-
Outros 16,7 13,5
de quanto à pílula do dia seguinte ser abortiva.

2.4 Contraindicações do Levonorgestrel iso-


2.2. Relação tempo de início e eficácia do Levo-
lado e do Método de Yuzpe
norgestrel isolado e do Método de Yuzpe
No Brasil, utiliza-se a recomendação da
Existe uma relação inversa entre a preven-
OMS que considera a gravidez confirmada como
ção da gravidez e o tempo de início da contra-
a única contraindicação absoluta para o méto-

Faculdade Christus 347


Capítulo 48

do oral combinado quando usado como contra- gravidar. O uso da contracepção de emergência
cepção de emergência. Já o American College of reduz esse número para 20 mulheres.
Obstetricians and Gynecologists contraindica a
O método de apenas progestágeno pare-
contracepção de emergência em pacientes com
ce ser mais eficaz que o método combinado na
suspeita ou gravidez conhecida, com hipersensi-
prevenção da gravidez. Em um estudo rando-
bilidade a algum componente do produto, e com
mizado duplo-cego, a proporção de gravidezes
sangramento genital anormal sem diagnóstico.
prevenidas foi de 85% com o primeiro método
Recomenda-se a preferência pelo uso do e de 57% com o método de Yuzpe quando com-
método com apenas progestágeno em mulhe- parados com o grupo sem nenhum tratamento,
res com história de trombose idiopática, de aci- gerando um risco relativo entre os dois méto-
dente vascular cerebral, de enxaqueca severa, dos de 0,36.
ou de diabetes mellitus com complicações vas-
Já o índice de falha, número de gestações
culares. Baseado em casos esporádicos de gra-
por cem mulheres que utilizaram o método no
videz ectópica após o uso de contracepção de
período de um ano, para a contracepção de
emergência, é aconselhável uma atenção maior
emergência é estimado em 2%. Quando o levo-
com as pacientes em uso desse tratamento com
norgestrel isolado e o método de Yuzpe foram
antecedentes de doença inflamatória pélvica
iniciados em 72 horas e comparados, a taxa de
(DIP) ou gestação ectópica devido ao risco po-
gravidez foi de 1,1% para a progestágeno isola-
tencialmente aumentado.
do e de 3,2% para o método combinado.
A pílula do dia seguinte possui alta efi-
2.5. Interações medicamentosas do Levonor- cácia; porém, esta não deve ser utilizada fre-
gestrel isolado e do Método de Yuzpe quentemente devido a um aumento no índice
de falha.
O uso simultâneo de certas medicações
como as drogas antiepilépticas, o antibióti-
co rifampicina, o antifúngico griseofulvina, e
2.7. Informações que devem ser fornecidas à
os medicamentos para tratamento do vírus da
paciente ao se prescrever a contracepção
imunodeficiência humana (HIV) podem reduzir
de emergência
a eficácia do método de Yuzpe, mas não do le-
vonorgestrel isolado. Por exemplo, em casos de Com relação aos métodos de Yuzpe e
administração de contracepção de emergência do levonorgestrel isolado, deve-se orientar a
em pacientes vítimas de abuso sexual e em mu- paciente a repetir a medicação em caso de vô-
lheres soropositivas para o HIV, ambas, usuárias mitos com uma hora após a ingestão de cada
de antirretrovirais, deve-se optar pelo levonor- dose. Caso haja episódios de vômitos novamen-
gestrel isolado. te cerca de uma hora após a administração dos
comprimidos via oral, é aconselhável a adminis-
Os fármacos antimicrobianos, como a
tração da contracepção de emergência via va-
griseofulvina e os antirretrovirais, interferem
ginal, já que a absorção desses hormônios pela
na eficácia dos estrogênios e progestágenos
vagina apresenta níveis semelhantes àqueles
ao alterar a flora gastrointestinal, que aumenta
administrados por via oral.
o ciclo êntero-hepático e a biodisponibilidade
desses hormônios. Já a rifampicina e as drogas Outro efeito adverso da contracepção de
antiepilépticas, indutoras das enzimas do me- emergência hormonal que preocupa bastante as
tabolismo microssômico hepático, podem au- pacientes é a antecipação ou o atraso da mens-
mentar o catabolismo hepático dos estrogênios truação; por isso, é de extrema importância infor-
e dos progestágenos. mar ao prescrever o método que mais de 98% das
mulheres menstruam com 21 dias do tratamento;
e caso isso não ocorra, ela deve procurar um médico.
2.6. Eficácia do Levonorgestrel isolado e do
Se a contracepção de emergência for
Método de Yuzpe
utilizada antes da ovulação, o sangramento
A eficácia da contracepção de emergên- menstrual poderá vir de três a sete dias antes
cia varia entre 55 e 94%, com uma média de do esperado; e se o tratamento for iniciado
70%. Ou seja, se 1000 mulheres no período fértil após a ovulação, a regra pode atrasar ou vir no
tiverem relação sexual desprotegida, 80 irão en- tempo esperado. Geralmente, após o uso da

348 Faculdade Christus


Capítulo 48

contracepção de emergência, 57% das mulhe- taxa de falha como contracepção de emergên-
res terão a menstruação no período esperado, cia de 0,09%, e age inibindo a fertilização por
15% terão a regra atrasada até sete dias, 13% meio de alterações espermáticas, ovulares, cer-
terão um atraso de mais de sete dias, e 15% vicais, endometriais e tubárias.
terão uma antecipação da menstruação menor
As contraindicações do DIU não hormo-
que sete dias.
nal podem ser absolutas e relativas. As absolu-
Ao se prescrever a contracepção de tas são: gravidez ou suspeita de gravidez, infec-
emergência, independente do método esco- ção pélvica subaguda ou aguda, malformações
lhido, deve-se informar à paciente, para uma uterinas, presença ou suspeita de neoplasia
melhor adesão e consequente eficácia do tra- uterina e sangramento genital de etiologia des-
tamento, como aquele medicamento funciona, conhecida. E as relativas são cardiopatias valvu-
qual a probabilidade de uma gravidez após o lares, afecções pélvicas de natureza inflamatória
seu uso correto, quando e como iniciar o mé- recorrente, história de aborto séptico ou endo-
todo, data prevista da próxima menstruação, metrite pós-parto nos três primeiros meses an-
efeitos colaterais, marcas disponíveis no mer- tes da inserção, anomalias da cavidade uterina
cado do método escolhido, que a contracep- congênita ou adquirida, estenose do canal cer-
ção de emergência não protege contra DST/ vical, risco de gravidez ectópica, dismenorreia
HIV e não funciona como método anticoncep- ou hipermenorreia intensas, cervicite aguda,
cional de rotina, a ausência de efeito abortivo coagulopatias ou tratamento com anticoagu-
da medicação, e que ela não deve ser utilizada lantes, nuliparidade, prolapso uterino, alergia
de forma repetida. ao cobre, entre outras.
A paciente também deve ser orientada O DIU de cobre é mais eficaz na contra-
sobre as vantagens do uso do preservativo, que cepção de emergência que o hormonal devido
deve ser fornecido no momento do atendimen- à maior reação inflamatória causada no endo-
to, e a marcar uma próxima consulta para pla- métrio, o que consequentemente produz efei-
nejamento familiar. tos colaterais bem mais significativos.
O DIU hormonal, conhecido como MI-
RENA®, atua liberando cerca de 20µg de le-
3. Dispositivo intrauterino
vonorgestrel por dia. Ele possui menos efeitos
O dispositivo intrauterino (DIU), o mais colaterais que o TCU 380A e funciona causando
eficaz de todos os métodos, é uma estratégia de espessamento do muco cervical, anovulação e
contracepção de emergência ideal para prevenir atrofia do endométrio.
uma gestação após cinco dias da relação sexual
Dentre os raros efeitos colaterais do MIRE-
desprotegida. É prudente lembrar que ele não
NA®, podemos citar alterações no padrão da mens-
é recomendado como método de emergência
truação, acne, cefaleia, náusea, ganho de peso, ver-
para mulheres com risco de infecção por doen-
tigem, mastalgia, mudanças de humor, entre outras.
ças sexualmente transmissíveis (DST), como as
vítimas de abuso sexual, ou nulíparas. O DIU é recomendado, portanto, como
contracepção de emergência para as mulheres
Outra importante característica do DIU é
não nulíparas e que tiveram relação sexual des-
a contracepção continuada que ele oferece com
protegida há mais de cinco dias. E ao se prescre-
um custo inferior que o dos anticoncepcionais
ver esse método, deve-se informar à paciente
orais. Por exemplo, um DIU de cobre, com du-
como ele age, seus efeitos colaterais, suas con-
rabilidade de 10 anos, custa R$ 60, o MIRENA®
traindicações, sua taxa de eficácia, seus benefí-
custa R$ 700, com durabilidade de cinco anos, e
cios, que ele não protege contra DST/ HIV e que
o anticoncepcional oral custa em média, R$ 30
ele não possui efeito abortivo.
por mês. Até quando comparado com o MIRE-
NA®, o DIU mais caro, o anticoncepcional hor-
monal é mais oneroso, pois o seu uso durante
4. Outros métodos de contracepção de
cinco anos custa R$1800.
emergência
O DIU é disponível nas formas hormonal
Outras estratégias para contracepção de
e não hormonal. O DIU não hormonal, disponi-
emergência são menos estudadas e disponíveis
bilizado pelo MS no modelo TCU 380A, possui
que os métodos citados anteriormente.

Faculdade Christus 349


Capítulo 48

A mifepristona (RU486), não disponível no BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de


Brasil, é uma antagonista do receptor de proges- Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pro-
terona utiliz ada como abortivo que é muito efe- gramáticas e Estratégicas. Prevenção e Trata-
tiva para contracepção de emergência. Apesar de mento dos Agravos Resultantes da Violência
ser mais cara que as outras terapias hormonais, a Sexual contra Mulheres e Adolescentes: nor-
dose única de 10mg de mifepristona é tão efeti- ma técnica. 2. ed. atual. e ampl. Brasília: Minis-
va quanto o levonorgestrel isolado, com inclusive tério da Saúde, 2005. 68 p. (Série A. Normas e
uma menor incidência de náuseas e vômitos. En- Manuais Técnicos) – (Série Direitos Sexuais e Di-
tretanto, a mifepristona é encontrada apenas na reitos Reprodutivos – Caderno 6).
China com essa posologia, sendo comercializada
nos Estados Unidos com 200 mg. CHENG, L. et al. Interventions for emergency
contraception (Review). Base de Dados The
Outro medicamento sugerido para con- Cochrane Library. n. 2, 2008.
tracepção de emergência foi o danazol, uma
antigonadotrofina, que foi demonstrado ser GEMZELL-DANIELSSON, K.; MARIONS, L. Mech-
ineficaz após a publicação de um estudo. anisms of action of mifepristone and levonorg-
estrel when used for emergency contraception.
Human Reproduction Update, v.10, n.4, p.341-
5. Conduta do caso clínico 348, 2004.
No caso da paciente citada no início, seria NGAI, S. W. et al. A randomized trial to compare
indicado o levonorgestrel isolado de 1,5 mg em 24 h versus 12 h double dose regimen of levo-
dose única, por ser o método mais eficaz e com norgestrel for emergency contraception. Hu-
menos efeitos colaterais. Outra opção bem menos man Reproduction, v.20, n.1, p.307-311, 2005.
onerosa seria o uso de uma dose única de oito
comprimidos ou de duas doses de quatro com- SILVA, R. S.; VIEIRA, E. M. Frequency and char-
primidos cada com intervalo de 12 horas da pílula acteristics of induced abortion among married
de 30µg, anticoncepcional que a paciente usa de and single women in São Paulo, Brazil. Cader-
rotina. Para minimizar os efeitos colaterais de am- no de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.25, n.1,
bas as opções, o médico poderia prescrever meto- p.179-187, jan. 2009.
clopramida 10 mg VO uma hora antes do uso da WEISMILLER, D. G. Emergency contraception.
contracepção de emergência. Como ela é nulípa- American Family Physician, v.70, n.4, p. 707-
ra, o DIU não estaria indicado. Após prescrever o 713, ago. 2004.
método, é de extrema importância que o médico
tranquilize a paciente fornecendo informações so- WESTHOFF, C. Emergency contraception. The
bre a contracepção de emergência. New England Journal of Medicine, v.349, n.19,
p. 1830-1835, nov. 2003.

D- Referências Bibliográficas
AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Emer-
gency contraception. Pediatrics, v.116, n.4, p.
1026-1033, out. 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da mulher:


aborto inseguro é problema de saúde pública.
Saúde, Brasil, n.104, p.7, jan. 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de


Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pro-
gramáticas e Estratégicas. Anticoncepção de
Emergência: perguntas e respostas para profis-
sionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde,
2006. 20 p. (Série F. Comunicação e Educação
em Saúde) – (Série Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos – Caderno 3).

350 Faculdade Christus


Capítulo 49
INICIAÇÃO SEXUAL E SEXO SEGURO
Dirlene Mafalda Idelfonse da Silveira
Ítalo Mendonça Lima
Mariana Rodrigues Landim

A- PROBLEMA dificações evolutivas vividas pelo adolescente


são comparáveis, pela amplitude e ritmo, as do
L.C., 18 anos, estudante, católica, procurou nascimento e do primeiro ano de vida.
atendimento com o médico da Equipe de Saú-
de da Família do Posto de Saúde próximo de sua O termo puberdade é, em geral, reserva-
casa. Afirma ser virgem e que deseja ter sua pri- do para as modificações físicas que ocorrem, em
meira relação sexual com o atual namorado, com média, na faixa etária dos 10 aos 14 anos e que
quem já mantém um relacionamento de nove se caracterizam pela aceleração do crescimento
meses. Disse estar preocupada, porque uma ami- esquelético, por alterações da composição cor-
ga próxima engravidou de um rapaz que conhe- poral e pelo amadurecimento sexual.
ceu em uma festa e que não deseja que aconteça O conceito de adolescência engloba e ul-
o mesmo com ela. Relatou que não tem liberda- trapassa o de puberdade, já que faz referência
de para conversar sobre o assunto com os pais não só às transformações físicas, mas também
por ter receio de que os mesmos possam recri- ao processo de adaptação psicológica e social a
miná-la. A paciente perguntou ao médico quais essas transformações. A forma de considerar e
providências pode tomar para evitar tanto a gra- interpretar a adolescência varia de acordo com
videz quanto as doenças sexualmente transmis- a cultura e com a época.
síveis que ela lembra ter visto durante as aulas de
Para a OPAS/OMS, a adolescência é o pe-
Biologia que teve na escola.
ríodo entre 10 e 19 anos durante o qual o jovem
passa a ter maior noção da própria sexualidade,
processo de experimentação física que se inicia
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM antes e se estende até depois da primeira relação
1. Compreender as relações humanas no que sexual e, geralmente, dá início à vida sexual.
se refere à sexualidade e reprodução. Um grande número de estudiosos, quan-
2. Conhecer e selecionar métodos contracep- do se fala em adolescência, a descreve como
tivos apropriados à população adolescente. um momento de “crises” de identidade, familiar,
3. Demonstrar atitudes éticas e humanizadas no relacional, de autoestima e até de falta de sen-
aconselhamento à anticoncepção e às DST. tido para a vida. Todos sabem que essa é uma
fase em que se vivem vários conflitos, dúvidas,
C- ABORDAGEM TEMÁTICA angústias e inquietações.
É compreensível que numa pessoa em
1. Introdução quem estão ocorrendo tantas transformações, a
A adolescência é a fase do desenvolvi- crise lhe seja própria. Até porque, a crise expressa
mento humano caracterizada pelas transforma- o crescimento que está se dando nela mesma.
ções biopsicossociais que marcam a progressiva Esse crescimento tem marcos que são as desor-
passagem da infância para a vida adulta. As mo- ganizações físicas, hormonais, psíquicas e emo-
Capítulo 49

cionais que serão logo seguidas de reorganiza- a se tornar uma ordem vigente. Por isso convi-
ções da mesma natureza. Portanto, entender e dam-se todas jovens a cumprir essa etapa de
acolher a adolescência é sempre um desafio. descobertas da vida com mais sentimento, mais
afeto, mais partilha, mais qualidade e verdade
É senso comum que uma crise significa
nas relações entre pessoas.
oportunidade e perigo, pois ela coloca diante
do sujeito situações de enfrentamento, emer- Dentre as diversas transições que marcam
gência, desafios, superações e necessidades de a adolescência, vivenciar a sexualidade com o
transformação. parceiro é uma das transições de maior reper-
cussão, uma vez que provocam sentimentos
Há crises que estão nas coisas “externas”,
contraditórios, como medo e desejo, prazer e
elas parecem ser do mundo. Outras, que se dão
culpa afetando emocionalmente o indivíduo.
nas coisas “internas” e parecem ser do EU. Porém,
o que na realidade ocorre é que elas se dão num Magalhães e Reis elencam as razões que
processo de verdadeira interação entre o externo motivam as adolescentes a buscarem o início
e o interno, ou seja, entre o mundo e o EU. da vida sexual; dentre elas, citam que a curio-
sidade, pressão grupal, desejo físico e prova de
É por isso que a sexualidade vivida pelo
amor ao parceiro são as de maior relevância. O
adolescente tende a ter a cara do contexto fa-
que foi reiterado por Gubert e Madureira.
miliar e sociocultural em que ele se insere. Neste
campo nada está estabelecido e não há deter- A sexualidade é uma expressão da perso-
minação biológica que mantenha um definitivo nalidade e um fator de equilíbrio na saúde inte-
sobre o sexual. gral do indivíduo, logo, deve ser vivida de forma
igualitária por ambos os sexos. Por razões so-
Segundo Costa, 1994 – “Tudo está sujeito
cioculturais ela ainda é tratada com distinções: o
à revisão, pois cada sociedade inventa a sexua-
homem é estimulado a exercê-la precocemente
lidade que pode inventar”. Pensando sobre essa
a fim de exaltar a sua masculinidade e de provar
afirmação e analisando nossa sociedade atual,
para a sociedade que possui uma conduta he-
onde todos são levados a contemplar e consu-
terossexual; devido a isso, o início da atividade
mir imagens cabe algumas ponderações.
sexual masculina, pode ocorrer repleta de an-
Essas imagens podem ser exatamente da- gústias, como medo do fracasso e de não cor-
quilo que falta ao jovem na vida real e pode ser responder às expectativas da parceira. Por outro
criado nele um nível de alienação e consumo lado, a mulher tem sua sexualidade reprimida,
de ilusão, altamente nocivo. Todo jovem precisa especialmente pela religião e pela família, que
ler, pensar, refletir e sentir sobre a sua sexualida- apresentam o conceito de sexo como pecado e
de para deixar aflorar, emergir de si mesmo um de virgindade como pureza, gerando, assim, mi-
ser humano comprometido com o SER. O SER é tos a respeito da relação sexual, os quais podem
muito mais do que o TER e o PARECER, que são provocar disfunções e traumas, acarretando até
apelos vigentes e atuais. a negação da mulher ao prazer sexual.
A atuação do jovem deve ser focada na Nos últimos anos vem se verificando a re-
pessoa humana com grande estímulo e valori- dução da idade de início da vida sexual e, com
zação do afeto para fazer fluir o respeito de um isso o aumento da incidência de Doenças Se-
para com o outro e com os projetos pessoais de xualmente Transmissíveis (DST) e gravidez na
cada um. adolescência. Devido ao aumento da vulnera-
Entende-se que a presença de depressões, bilidade atribuída aos jovens e que se exacerba
fobias, pânicos, tentativas de suicídio entre ou- quanto menor é sua idade e vem sendo rela-
tros agravos comuns na prática clínica podem cionada positivamente às seguintes variáveis,
significar mal estar, autodesvalorização, menos segundo Villela e Doreto:
valia, drogadição e falta de sentido para a vida. 1. Baixa escolaridade: o nível precário de infor-
É com muita frieza que as jovens estão mações sobre a saúde sexual e reprodutiva
sempre se arriscando nas baladas noturnas, nos associada à reduzida habilidade cognitiva,
pegas, nas roletas russas, no sexo sem proteção é o que dificulta a compreensão a respeito
ou preservativo. E é esse contexto que alguns das orientações recebidas, e torna esses jo-
chamam de pós-moderno, de vivência da sexu- vens propícios à prática do sexo de risco e
alidade com liberdade e insegurança, que tende suas consequências.

352 Faculdade Christus


Capítulo 49

2. Baixa renda: jovens de baixo poder aquisi- A população adolescente que está iniciando
tivo muitas vezes não vêm a gravidez como sua vida sexual tem algumas opções de métodos
um obstáculo para o sucesso profissional, contraceptivos para que evitem uma gravidez in-
uma vez que tem poucas oportunidades desejada ou não planejada, tendo em vista o des-
nesse âmbito, podendo até vê-la como um vio ou transtorno que a gravidez pode representar
meio de aquisição de identidade e função para a vida da jovem. Considerando as particulari-
social. Além disso, há uma maior dificuldade dades que envolvem o modo de vida adolescente,
no acesso às informações sobre contracep- é importante lembrar as situações de urgência, as
ção e aquisição dos métodos. relações sexuais não programadas, que embo-
3. Famílias monoparentais, desestruturadas ou ra ocorram em qualquer idade é mais frequente
com pouca convivência entre pais e filhos: o di- na adolescência, fazendo com que o preservativo
álogo sobre sexo na família desmistifica o tema masculino, ou condom masculino seja a opção de
e fornece aos adolescentes informações essen- escolha. De onde já se pode apreender o conceito
ciais para compreender a importância da prática de sexo seguro, pois a camisinha possibilita ainda
do sexo seguro. Além disso, ter um apoio emo- a proteção contra as doenças sexualmente trans-
cional e sentir-se amado pela família é um dos missíveis (DST), inclusive a AIDS.
fatores que proporciona ao jovem uma boa au-
Dentre as várias opções de métodos con-
toestima, levando-os a prezar pela integridade e
traceptivos, existem aqueles que são mais indica-
saúde do próprio corpo e a não buscar o sexo
dos para essa faixa etária, cabendo à jovem ou ao
como refúgio para possíveis carências afetivas.
casal a escolha do método ao qual mais se adapta.
Os métodos contraceptivos utilizados
Os fatores acima citados parecem deixar
atualmente são divididos em:
explícito que a falta de informação seja a princi-
pal responsável pela vulnerabilidade dos jovens, ƒƒ Comportamentais
demonstrando, assim, a necessidade da educa- ƒƒ De barreira
ção sexual, oferecida preferencialmente desde ƒƒ Hormonais
a infância e antes do início da atividade sexual. ƒƒ Dispositivo intrauterino (DIU) e
ƒƒ Anticoncepção cirúrgica.
Todas as pessoas passaram, passam ou
ainda passarão pela adolescência e sabem ou
saberão que o período de início das relações Neste capítulo, serão abordados os métodos
sexuais é uma etapa bastante delicada na vida comportamentais, de barreira e o DIU. Os demais
dos jovens, várias dúvidas os afligem, por isso, serão abordados em outro capítulo deste livro.
é necessário que o profissional de saúde tenha
a habilidade de transmitir as informações de
maneira adequada, a fim de orientá-los correta- 2.1. Métodos naturais ou comportamentais
mente, desmistificando a relação sexual e trans- De acordo com Brasil e Hypólito, os mé-
mitindo aos jovens conhecimentos sobre a real todos comportamentais são baseados na fisio-
importância da prática de um sexo seguro para logia reprodutiva e sinais e sintomas indicativos
a saúde integral da jovem compreendendo a de fertilidade. Exigem que a mulher aprenda
saúde física, mental, espiritual e psicológica do quando seu período fértil começa e termina;
indivíduo e do seu parceiro na relação. abstinência sexual no período fértil e adapta-
ções na rotina sexual do casal, portanto reque-
rem cooperação de ambos os parceiros.
2. Métodos contraceptivos
Idealmente um método anticoncepcional
2.1.1. Tabela
deve ter eficácia de 100%, ser inócuo, de baixo
custo e reversível. Porém este método ideal ain- Também conhecida como método de Ogino-
da não existe. Especificamente para os jovens as -Knaus, calendário ou método rítmico. Consiste na
qualidades do método, a motivação da usuária observação de vários ciclos menstruais da mulher se-
e a participação do parceiro são fatores impor- guidos como forma de determinar seu período fértil.
tantes e que vão propiciar boa adesão ao méto-
Calcula-se tal período após a observação
do, além do acolhimento pelo serviço de saúde
de 6 a 12 meses de ciclos menstruais. O início
a jovem que o procura.

Faculdade Christus 353


Capítulo 49

desse período é determinado diminuindo-se 18 no humor, desejo sexual e sensação de inchaço


dias do ciclo mais curto, isso dará uma estima- ou peso nas mamas, são também chamados de
tiva do primeiro dia do período fértil e a seguir, múltiplos indicadores. Para que se evite a gravi-
ela subtrai 11 dias do ciclo mais longo. dez, o casal deve evitar relações sexuais nos dias
férteis determinados pelos métodos já citados.
Exemplo:
Se o ciclo variou entre 24 e 32 dias durante o
registro: 24 – 18 = 6.
2.1.5. Mecanismo de ação
A mulher deve evitar relações sexuais sem pro-
teção a partir do 6o dia de cada ciclo. Impedem o encontro do espermatozoide
32 – 11 = 21. Ela pode ter relações sexuais sem com o óvulo, quando o casal evita as relações
proteção a partir do 21o dia. sexuais durante o período fértil da mulher.

Vantagens: trata-se de um método gra- 2.1.5. Eficácia
tuito, que não altera a fertilidade, não apresenta
efeitos colaterais e aumenta o conhecimento da A eficácia dos métodos de abstinência pe-
mulher sobre seus ciclos e seu corpo. riódica varia muito mais que a dos outros méto-
dos anticoncepcionais. Para maior eficácia deve-
Desvantagens: não oferece proteção -se orientar o casal para abster-se de relações
contra DST, a irregularidade dos ciclos mens- com penetração durante todo o período fértil.
truais e, consequentemente, a dificuldade de al-
gumas mulheres em detectar seu período fértil
ocasionando um alto índice de falhas. 2.2. Coito interrompido
É baseado na percepção da eminência eja-
2.1.2. Temperatura basal culatória, retirada do pênis e ejaculação fora dos
genitais femininos. Apesar de muito utilizado, o
Baseado no efeito termogênico da pro- coito interrompido não deve ser estimulado como
gesterona. A temperatura é verificada em con- método contraceptivo. Isso porque nem sempre o
dições basais e em mucosa (vagina, boca, ânus) homem consegue interromper a relação antes da
sempre na mesma hora e depois de, no mínimo, ejaculação, além do que o líquido que sai antes
5 horas de sono. Após a ovulação (liberação de da ejaculação já pode conter espermatozoides.
um óvulo), a temperatura do corpo da mulher Estima-se que o índice de insucesso seja de 25
em repouso sobe levemente (0,3 a 0,8°C). É o gravidezes a cada 100 mulheres. Outra desvanta-
momento no qual ela pode engravidar. gem desse método é que pode levar a uma ten-
são entre o casal, pois a relação fica interrompida.

2.1.3. Muco cervical De uma maneira geral, os métodos natu-


rais não são os mais indicados para a população
O período fértil é determinado pela auto-
adolescente. Tanto devido ao alto índice de fa-
-observação das mudanças ocorridas no muco
lhas, como às repercussões negativas na sexua-
cervical e da sensação de umidade na vagina du-
lidade, a não proteção contra DST/AIDS e à au-
rante o ciclo menstrual. Com o aumento da pro-
sência de estudos clínicos relevantes a respeito
dução estrogênica durante o ciclo, a produção do
de sua eficácia. Entretanto, diante da diversida-
muco cervical é máxima no período de pico ovu-
de religiosa, são métodos que devem ser repas-
latório (quando a mulher tem a sensação de que
sados para àquelas pessoas que não aceitam a
a vagina está mais úmida) regredindo a partir daí.
utilização de outras formas de contracepção.

2.1.4. Sintotérmico
3. Métodos de Barreira
Baseado nos métodos da tabela, tempe-
São métodos que têm como função evi-
ratura basal e muco cervical usados de forma
tar a progressão do espermatozoide da vagina
combinada, além da observação de sinais e sin-
até chegar ao útero. Podem fazer uma barreira
tomas que podem indicar o período fértil da
mecânica, química ou uma junção de ambas e os
mulher. Sintomas como dor ou aumento no ab-
principais exemplos são a camisinha masculina,
dômen, aumento de peso e apetite, alterações
camisinha feminina, diafragma e espermaticidas.

354 Faculdade Christus


Capítulo 49

3.1. Camisinha masculina gens já citadas como por ser o método mais co-
nhecido por essa faixa etária e ser de fácil acesso.
Trata-se de uma fina capa de borracha que
deve ser colocada no pênis ereto antes da penetra- O condom deve ser usado corretamente
ção, impedindo dessa forma o contato desse órgão em todas as relações sexuais para ser altamente
com a vagina, com o ânus ou com a boca. Devido eficaz. Muitos homens não usam o condom cor-
a essa característica, é o único método contracep- retamente, ou não usam em todas as relações
tivo (além da camisinha feminina) que protege o sexuais. Nestes casos eles correm o risco de en-
indivíduo também contra as doenças sexualmente gravidar a parceira, de contrair e ou transmitir
transmissíveis (DST), inclusive HIV/AIDS. uma DST.
Vantagens: baixo custo, e não necessi-
dade de acompanhamento médico e de exame
3.2. Camisinha feminina
pélvico antes do uso.
Feita de material semelhante ao da ca-
Desvantagens: o risco de falha (caso não
misinha masculina, a camisinha feminina, além
esteja bem conservada ou se rompa durante o ato
da função de anticoncepção, também oferece
sexual ou por má colocação), redução da sensibi-
proteção contra as DST por impedir o contato
lidade peniana, possível dificuldade de manuten-
direto do pênis e de suas secreções com a va-
ção da ereção e necessidade de estar disponível
gina. Serve como boa opção para aquelas mu-
antes do início da relação sexual e alergia ao látex.
lheres que têm dificuldade em convencer seus
Para sua correta conservação e funcionamen- parceiros para o uso do preservativo masculino,
to, algumas recomendações devem ser seguidas: conferindo-lhes autonomia. Age como barreira
para a entrada dos espermatozoides no útero
ƒƒ Armazenamento em local seco e fresco;
e sua implantação deve ser feita antes da pe-
ƒƒ Não é recomendado o uso de lubrificantes
netração. A mulher deve estar atenta para as
oleosos (a maioria das camisinhas já vêm lu-
mesmas dicas de conservação dadas para a
brificadas);
camisinha masculina e a técnica de colocação
ƒƒ Não deve ser carregada de forma permanen-
deve ser bem explicada pelo médico antes de
te em bolsos, carteiras ou dentro de qualquer
sua adoção como método contraceptivo e deve
outro objeto em que o movimento e o calor
seguir os seguintes passos:
possam ressecar ou rasgar a embalagem;
ƒƒ Não se deve usar duas camisinhas ao mesmo ƒƒ Encontrar uma posição que a mulher achar
tempo, pois pode acarretar um aumento do mais confortável (deitada, de pé, de cócoras,
risco de rompimento; com a perna apoiada em uma cadeira ou sen-
ƒƒ É aconselhável que se verifique a data de valida- tada com os joelhos afastados).
de na embalagem e se a mesma possui o selo do ƒƒ Apertar a camisinha (com os dedos polegar
Inmetro, o que garante a qualidade do material. e médio) pela parte de fora do anel interno,
Além disso, deve-se atentar para a conservação da formando um “oito”.
camisinha, se não existem furos ou ressecamento. ƒƒ Abrir os grandes lábios com a outra mão e
empurrar o anel interno com o dedo indica-
IMPORTANTE dor, até sentir o colo do útero.
Para uma correta utilização, a camisinha ƒƒ Certificar-se de que a camisinha não ficou tor-
deve ser colocada no pênis já ereto antes da cida e que o anel externo ficou do lado de
penetração. É necessário que se segure a ponta fora, cobrindo os grandes lábios.
da camisinha para retirar o ar que esteja dentro ƒƒ Deve ser retirada logo após a saída do pênis
e que pode facilitar o rompimento da mesma. ou um tempo depois. Para tal, a mulher deve
Desenrola-se a camisinha com os dedos até que segurar as bordas do anel externo e dar uma
cubra todo o pênis. Logo após a ejaculação e leve torcida na camisinha, puxando-a delica-
com o pênis ainda ereto, retira-se a camisinha damente para fora da vagina.
com um movimento inverso ao anterior e a
mesma é descartada, devendo ser usada ape- É importante enfatizar que quando utili-
nas uma vez. zada da maneira correta, a camisinha feminina
Esse talvez seja o método mais indicado não incomoda ou diminui o prazer sexual da
para a população adolescente, tanto pelas vanta- mulher ou de seu parceiro.

Faculdade Christus 355


Capítulo 49

3.3. Espermaticidas para que os espermatozoides que permanece-


ram na vagina morram. Após retirado, deve ser
São substâncias químicas que impedem
lavado com água e sabão neutro e secado em
a penetração dos espermatozoides no útero,
pano macio. O armazenamento é feito em um
ao imobilizá-los e destruí-los. Apresentam-se
estojo, não exposto à luz solar e em local seco e
sob a forma de aerossol em espuma, cremes,
fresco. Não é recomendado o uso de talco, pois
pomadas, geléias, supositórios e tabletes vagi-
o mesmo pode danificar o diafragma e causar ir-
nais, sendo eficaz por até uma hora após sua
ritação no colo do útero ou na vagina.
aplicação, que é feita através de um aplicador
colocado na vagina o mais profundo possível, Vantagens: seguro, controlado pela mu-
sendo posteriormente lavado com água e sa- lher, quase todas as mulheres podem usá-lo.
bão. Pode ser utilizado isoladamente (eficá- Contribuem para prevenir algumas DST e suas
cia incerta e variável) ou em associação com o complicações (doença inflamatória pélvica, in-
diafragma. Não é recomendado para mulheres fertilidade, gravidez ectópica e, possivelmente,
sem parceiro sexual fixo ou cujos parceiros pos- câncer de colo uterino).
suem outras parceiras e não usam camisinha em
Desvantagens: alta taxa de falhas (cerca
todas as relações sexuais, pois aumentam os ris-
de 5-25 por 100 mulheres no primeiro ano de
cos de contrair DST. Agem causando a ruptura
uso), a necessidade de exame pélvico inicial e
da membrana celular do espermatozoide, o que
sua associação com infecção do trato urinário
influencia na sua mobilidade e na capacidade
em algumas usuárias. Algumas mulheres po-
de fecundação do óvulo.
dem desenvolver alergia ao látex, pode aumen-
Vantagens: ação imediata, facilidade de tar o risco de infecção urinária e pode ocorrer
acesso, ausência de efeitos sistêmicos e melho- corrimento vaginal intenso e fétido caso seja
ra da lubrificação durante as relações. deixado por muito tempo no local.
Desvantagens: altas taxas de falha; não Desde que bem cuidado, sua durabilida-
protege contra as DST, efetivo durante cerca de de é de algo em torno de 2 a 3 anos.
apenas uma hora e necessidade de espera de
cerca de 7 a 10 minutos após sua aplicação.
4. Dispositivo IntraUterino (DIU)
IMPORTANTE O DIU é um dos métodos anticoncepcio-
nais mais utilizados em todo o mundo. Trata-
Os espermaticidas têm dois componen-
-se de um pequeno dispositivo introduzido na
tes: um espermicida químico (nonoxinol-9,
cavidade uterina por um profissional de saúde
menfegol e cloreto de benzacônio) e uma
qualificado, e que existe em diversos tipos e
base inerte (creme, geleia, espuma e suposi-
modelos. Os lançados mais recentemente são
tório). O espermicida mais utilizado no mundo
feitos de plástico e liberam cobre e medicação
é o nonoxinol-9.
(pequenas quantidades de progestágeno). O
modelo mais usado é o “T” de cobre, chamado
3.4. Diafragma assim por ter a forma da letra T e ser recoberto
com fios de cobre.
Trata-se de um pequeno dispositivo feito
de borracha ou de silicone, de formato circular, É importante salientar que o DIU não pro-
que possui bordas firmes e flexíveis. Colocado voca aborto, pois sua ação se dá antes da fe-
sobre o colo do útero, atua como barreira física cundação. Entretanto, seu mecanismo de ação
para a entrada de espermatozoides. Pode ser de ainda não está totalmente esclarecido. Teorias
diversos tamanhos, cabendo ao médico a deci- mais recentes envolvem mecanismos comple-
são acerca de qual modelo se aplica melhor para xos e variados que ocasionam alterações endo-
cada paciente, devendo-se usar o maior tama- metriais, cervicais, espermáticas e na motilidade
nho que não cause desconforto à mulher. Seu tubária, causando a dificuldade de fecundação.
uso é indicado nas relações sexuais e em associa- Além disso, a reação inflamatória causada pela
ção com o espermaticida (nos bordos e concavi- presença do corpo estranho impede a implan-
dade). A colocação deve ser feita antes do coito tação, assim como o íon cobre age tanto na
(no máximo 2 horas) e a retirada em torno de 6 a motilidade e vitalidade espermática quanto na
8 horas depois do ato sexual, tempo necessário sobrevida do óvulo no trato genital.

356 Faculdade Christus


Capítulo 49

Também é importante frisar que a ferti- 6. Anticoncepção cirúrgica


lidade feminina não é alterada e retorna logo
Embora atualmente apresente certo grau
após a retirada do DIU. Além disso, não atrapa-
de reversão, a anticoncepção cirúrgica deve con-
lha a mulher e nem machuca o pênis durante
tinuar sendo encarada como uma opção defini-
o ato sexual. O modelo TCu 380A tem durabi-
tiva. Os procedimentos realizados são a laquea-
lidade de até 10 anos após sua colocação no
dura tubária e a vasectomia. São contraindicadas
útero, podendo ser retirado a qualquer momen-
nos momentos de instabilidade emocional e em
to em caso de intercorrência. Algumas das in-
pessoas com idade inferior a 25 anos, não de-
tercorrências já são bastante conhecidas, como
vendo ser uma primeira opção para os jovens,
por exemplo: sangramentos e dor, perfuração
mesmo aqueles que já tenham filhos.
uterina, infecção e expulsão do DIU. Também
já foram identificadas situações que contraindi-
cam o uso do DIU, dentre as quais se destacam:
7. Importância dos métodos contra-
vigência de gestação, câncer do colo, AIDS,
sangramento de origem desconhecida, doença
ceptivos
inflamatória pélvica atual, pós-parto (até 48 ho- Os métodos contraceptivos são recursos
ras), endometriose pélvica, dentre outras. utilizados para evitar a gravidez não planejada,
não desejada e a transmissão de doenças por
Com relação à população jovem, alguns
via sexual (DST), porque apesar da sexualidade
também se fazem presente como a nuliparida-
do adolescente em termos funcionais ser seme-
de para alguns autores e fatores de risco para
lhante à da idade adulta, as questões econômi-
HIV e DST (múltiplos parceiros). A utilização do
cas a influenciam diretamente e os adolescentes
DIU por mulheres jovens é bastante controver-
ainda não tem possibilidade de lidar com mui-
so e é defendido nos casos em que existe a
tas questões da realidade.
inadaptação com outros métodos, ausência de
infecções genitais e parceiro sexual fixo e úni- Uma gravidez não desejada e/ou precoce
co, a critério médico. pode provocar diversos transtornos de ordem
psíquica, orgânica e socioeconômica na vida
Vantagens: alta eficácia, independência
da mulher, dentre eles o sentimento de perda
da usuária, não interfere no apetite sexual, nem
da autonomia sobre o próprio corpo, agravos
no prazer, imediatamente reversível, poucos
à saúde, dificuldade de dar continuidade ao
efeitos colaterais, proteção prolongada (em tor-
aprimoramento intelectual e de aproveitar as
no de 10 anos), baixo custo e redução de cólicas
oportunidades no âmbito profissional, o que
menstruais (pela ação do progestágeno).
está extremamente relacionado à precocidade
Desvantagens: necessidade de exame da gravidez.
pélvico anterior, aumento do risco de DIP, des-
A gravidez na adolescência, que ocorre
locamento e saída do útero sem que a mulher
no período de 10 a 20 anos incompletos (OPAS
perceba, e necessidade de procedimento para
/ OMS, 1988), é considerada um problema de
sua inserção e retirada, entre outros.
saúde púbica, porque demanda riscos de or-
dem biopsicossocial tanto para a mãe quanto
5. Hormonais para o bebê.

Também são utilizados com frequência os Estudos brasileiros têm mostrado que a
métodos contraceptivos em que há a ação de gravidez indesejada chega à uma proporção de
hormônios que interferem no ciclo menstrual. 50% entre adolescentes de 15 a 19 anos, uma
A administração pode ser feita através de pílu- vez que as relações sexuais nessa faixa etária,
las, injeções ou dispositivos de depósito, que geralmente, ocorrem com contracepção incor-
contêm diferentes tipos e concentrações dos reta ou ausente. Este fato pode se relacionar a
hormônios. Dentre esses, há ainda as chama- fatores como, objeção do parceiro ao uso do
das pílulas do “dia seguinte”, que servem como contraceptivo, padrão imprevisível das relações
contracepção de emergência após uma relação sexuais, sentimentos de onipotência e invulne-
desprotegida, falha do preservativo ou casos de rabilidade dos jovens e falta de informação ou
estupro. Tais métodos serão abordados em ou- adaptação aos métodos; levando a um crescen-
tro capítulo deste livro. te número de gravidezes indesejadas, abortos
provocados e infecções por DST.

Faculdade Christus 357


Capítulo 49

A grande incidência de DST e a epidemia ALDRIGHI, J.M.; PETTA, C.A. Anticoncepção: ma-
de AIDS, doença que vem matando milhões de nual de orientação. São Paulo: Ponto. 308p. 2004.
pessoas principalmente na África, traz um ape-
lo à necessidade do uso de camisinha em to- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Aten-
das as faixas etárias, pois ninguém está livre do ção à Saúde. Departamento de Ações Progra-
contágio, homens e mulheres, adultos e idosos, máticas Estratégicas. Direitos sexuais, direitos
homossexuais e heterossexuais são todos vul- reprodutivos e métodos anticoncepcionais.
neráveis. Nesse sentido reitera-se o que sugere Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
Reis e Gir (2005) quando dizem que em todas as CAMARGO, B.V.; BOTELHO, L.J. Aids, sexualidade
faixas etárias, não apenas na adolescência, o uso e atitudes de adolescentes sobre proteção contra
de métodos contraceptivos de dupla proteção o HIV. Rev Saúde Pública, v.41, n.1, fev. 2007.
ou associação entre os métodos são desejáveis.
COLETÂNEA sobre Saúde Reprodutiva do Ado-
Há na literatura especializada um bom nú-
lescente Brasileiro. Brasília. OPAS / OMS, 1988.
mero de estudos que reconhecem os métodos
de barreira, preservativo masculino e feminino, COSTA, J. F.; A Sexualidade ontem e hoje. Pre-
como os únicos que oferecem isoladamente a fácio. São Paulo: Cortez. 1994.
dupla proteção, uma vez que impede o contato
das secreções sexuais com o parceiro. GUBERT, D; MADUREIRA, V. S. F. Iniciação Sexual
de Homens adolescentes. Ciênc. saúde coleti-
No entanto, o uso do preservativo en- va, v.13, supl.2, Rio de Janeiro, dez. 2008.
volve muitos aspectos e valores com respeito
à sexualidade e nesse sentido cabe um alerta HYPÓLITO, S. B. Métodos anticoncepcionais e
aos jovens: é necessário prevenir-se contra DST novidades em contracepção. In: MEDEIROS, F.
e gravidez, mas também é necessário preservar C.; ALMEIDA, F. M. L; OLIVEIRA FILHO, M. Ma-
a sexualidade no que se refere à sua naturalida- nual de Ginecologia da Maternidade-Escola
de como desejo, fantasia, troca, cumplicidade, Assis Chateaubriand, Universidade Federal
parceria, o que os ajudará a vivenciá-la com res- do Ceará. Fortaleza: UFC. 2004. p. 92-99.
peito, tolerância e aprendizado com aceitação.
MADUREIRA, V.S.F.; TRENTINI, M. Da utiliza-
Segundo Osis (2004) a escolha de um ção do preservativo masculino à prevenção de
método contraceptivo deve ser feita de forma DST/AIDS. Ciência & Saúde Coletiva, v.13, n.6,
livre e informada. Para tanto é necessário que p.1807-1816, 2008.
haja conhecimento sobre todos os métodos
anticoncepcionais disponíveis, para que o jo- MAGALHÃES, M. L. C.; REIS, J. T. L. Anticoncepção na
vem opte por aquele que seja mais adequado adolescência. In: MAGALHÃES, M. L. C.; REIS, J. T. L.
às suas características e condições de vida. Esse Ginecologia infanto-juvenil: diagnóstico e trata-
processo de decisão deve ser orientado por um mento. Rio de janeiro: MEDBOOK, 2007. p. 361-379.
profissional de saúde, a fim de que a escolha
MOSER, A.M.; REGGIANE, C.; URBANETZ, A. Com-
seja feita levando-se em consideração fatores
portamento sexual de risco entre estudantes uni-
como eficácia do método, possíveis efeitos co-
versitárias dos cursos de ciências da saúde. Rev
laterais, contraindicações, disciplina para o uso,
Assoc Med Bras, v.53, n.2, p. 116-121, 2007.
acesso ao método, aspectos religiosos e éticos.
De modo que, com todas as informações ne- OSIS, M. J. D.; DUARTE, G. A.; CRESPO, E. R.; ES-
cessárias e uma conscientização adequada, a PEJO, X.; PÁDUA, K. S. Escolha de métodos con-
prática sexual possa se dar de forma saudável, traceptivos entre usuárias de um serviço públi-
prazerosa, sem dúvidas, medos e angústias. co de saúde. Cad. Saúde Pública, v.20, no.6 ,
Rio de Janeiro Nov./Dec. 2004.

D- Referências Bibliográficas REIS, R.K.; GIR, E. Dificuldades enfrentadas pelos


parceiros sorodiscordantes ao HIV na manuten-
ANDRADE, H. H. S. M. Sexualidade na infância e çao do sexo seguro. Rev Latino-am Enferma-
na adolescência- Assistência Médica e Psicosso- gem, v.13, n.1, p.32-7, janeiro-fevereiro, 2005.
cial. In: MAGALHÃES, M. L. C.; REIS, J. T. L. Gineco-
logia infanto-juvenil: diagnóstico e tratamen- VILLELA, W.V.; DORETO, D.T. Sobre a experiên-
to. Rio de janeiro: MEDBOOK, 2007. p. 419-428. cia sexual dos jovens. Cad Saúde Pública, v.22,
n.11, p.2467-72, novembro, 2006.

358 Faculdade Christus


Capítulo 50
SEXUALIDADE NA INFÂNCIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
André Pinho Sampaio
Rebeca Dourado Porto Figueiredo

A- PROBLEMA todo”, que sente, pensa, vive e se manifesta de


uma forma especial, única e pessoal.
A.M.L., muito preocupada, levou sua filha
C.M.L. ao ambulatório de Pediatria porque a en- A sexualidade na infância ainda hoje é um
controu se masturbando em seu quarto, com o tema polêmico, pois, apesar de as ideias de Sig-
travesseiro. Refere não ter sido o 1o episódio e mund Freud terem causado um impacto grande
só pensa “que a filha tem um problema muito na sociedade Vienense há cem anos, têm-se di-
grave”. Relata também, que a filha tem estado ficuldade em aceitar a ideia de sexualidade in-
muito ansiosa, com pesadelos e quer saber se é fantil proposta pelo Pai da Psicanálise.
devido a isso. Diante de uma cultura pós-moderna em
que as crianças se vestem como adultos e têm
rotina de executivo, a separação entre o mun-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM do adulto e infantil é tênue. As crianças, muitas
vezes, na ânsia de corresponder às expectativas
1. Identificar as hipóteses diagnósticas.
dos pais, acabam por esquecer até mesmo de
2. Conhecer os achados clínicos e exames ne-
sua infância. Os pais, por sua vez, transferem
cessários para se fazer o diagnóstico.
suas frustrações aos filhos na esperança de que
3. Conhecer a conduta terapêutica
estes realizem os sonhos já esquecidos.
4. Ter noções sobre a orientação sexual da pa-
ciente na infância e adolescência. Em Sobre o narcisismo: uma introdução
(1914), Freud enfatiza a face narcisista do amor
parenteral: os pais procuram, por meio dos fi-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA lhos, resgatar a infância perdida, os sonhos
esquecidos e ideais. Dessa forma, ignoram a
1. Introdução
possibilidade de estarem criando “pequenos
O termo sexualidade tem um significado adultos” que são incapazes de entender a situ-
amplo que abrange não apenas o que está re- ação em que estão inseridos, tornando-se adul-
lacionado com a função reprodutora do ser hu- tos emocionalmente abalados no futuro.
mano (genitalidade), mas em tudo o que diz res-
peito à distinção entre os sexos e as formas de
obter e proporcionar prazer. Segundo Andrade, a 2. Histórico
sexóloga Stella Cerruti, diz: “a sexualidade é uma
Até o século XVII, a criança era vista como
forma de expressão, uma linguagem que permite
um pequeno adulto, não sendo a infância consi-
uma comunicação total e transcendente entre os
derada um período individual da vida do ser hu-
seres humanos”. Pode-se dizer que os sentimen-
mano. Estes “homens pequenos” não possuíam
tos sexuais são expressos não somente pelos ór-
educação direcionada e precisavam conviver,
gãos genitais, mas por meio do corpo com “um
Capítulo 50

desde cedo, com o trabalho e com as responsa- objetivo qualquer dos itens seguintes ou uma
bilidades inerentes à vida adulta. combinação deles”:
Com o empobrecimento da nobreza e a Tumescência/detumescência: indícios con-
ascensão da burguesia, houve uma valorização cretos e observáveis de ereção nos órgãos ge-
da cultura e das artes, fazendo que a pureza in- nitais, mais facilmente evidenciados no sexo
fantil fosse exaltada em resposta aos crescentes masculino pela ereção peniana, mas também
movimentos sociais religiosos que se inseriam presentes no sexo feminino com uma reação
na época. A prática do sexo era compreendida semelhante, a ereção clitoriana.
como uma atividade pecaminosa que não era
Estimulação erótica: a criança busca tipos es-
digna de aceitação religiosa e social. As crian-
pecíficos de estimulação (não a simples estimula-
ças, porém, por não terem os órgãos genitais
ção de partes físicas), respondendo com tumescên-
desenvolvidos e por não praticarem o ato sexual,
cia parcial ou total, excitação, interesse ou atenção.
estavam em estado de pureza e livres, portanto,
de qualquer “culpa”. Tensão/relaxamento: indícios de dureza
ou rigidez de tecido erétil (não exclusivamen-
Partindo desse conceito, foi adotado um
te dos órgãos sexuais) com subsequente perda
tipo de educação em que, para manter essa
de rigidez, em zonas erógenas específicas ou de
“pureza”, era necessário manter a criança de-
maneira mais generalizada.
sinformada sobre qualquer assunto relacionado
à sexualidade humana. Para tanto, os pais im-
punham-lhes um padrão repressor de compor- 3. Etapas do Desenvolvimento Psicossocial
tamento, visando manter seus filhos longe da
curiosidade sobre o assunto e da prática preco- Segundo Freud, todos os seres humanos
ce de atividades sexuais. praticam sexo, sendo, dessa forma, uma manifes-
tação da natureza humana desde o nascimento.
A partir do início do século XX, as primei-
ras mudanças em relação à concepção da crian- Freud propôs a divisão da sexualidade na
ça como ser puro e isento de qualquer manifes- infância nas seguintes fases:
tação sexual passaram a se manifestar. ƒƒ Fase oral: ocorre após o desmame;
Grande parte dessas mudanças ocorreu ƒƒ Fase ânus-uretral: inicia-se com o controle
devido à divulgação das ideias de Sigmund dos esfíncteres (de um a três anos);
Freud que somente foram valorizadas a par- ƒƒ Fase fálico-edipiana (de três a cinco anos);
tir dos anos 60 com o advento da denomina- ƒƒ Fase de latência: ocorre dos seis aos onze ou
da “Revolução dos Costumes”. Freud defendia doze anos.
a existência da sexualidade desde a infância e
correlacionou-a a diversas fases do desenvolvi- Atualmente, admite-se que a sexualidade
mento infantil. Suas ideias foram bastante criti- manifesta-se desde o início da vida e que se de-
cadas, uma vez que iam de encontro à concep- senvolve com o crescimento normal do indivíduo.
ção que a sociedade da época tinha em relação
às crianças. O primeiro meio de prazer consiste na
amamentação, pois se acredita ser uma ativi-
Existem outras linhas de pensamento que dade bastante prazerosa para o recém-nascido.
utilizam conceitos de sexualidade infantil mais Com o amadurecimento do sistema nervoso
diretamente relacionados aos órgãos da repro- central, a criança passa a descobrir mais o corpo
dução (obviamente sem a ideia de procriação), e os prazeres que este lhe proporciona.
abrangendo as curiosidades que as crianças
apresentam sobre os processos sexuais, os Como o próprio Freud (1905/1976) cita
comportamentos que envolvem os caracteres em “Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade”,
sexuais secundários, a tumescência/detumes- “quando vemos um bebê saciado deixar o seio e
cência genital e o despertar sexual. Nessa cor- cair para trás adormecido, com um sorriso de sa-
rente pode-se citar, segundo Andrade, William tisfação nas faces rosadas, não podemos deixar de
Reevy, que define a sexualidade infantil, na dizer que esta imagem é o protótipo da expressão
Enciclopédia do Comportamento Sexual de da satisfação sexual na existência posterior”.
Albert Ellis, como “o estado ou condição da Para Freud (1905), quando o bebê larga o
criança em relação ao impulso que tem por seio, instintivamente, ao fantasiá-lo, passa a su-

360 Faculdade Christus


Capítulo 50

gar o próprio dedo polegar, tendo início assim xual da criança. Em primeiro lugar, vale lembrar
o autoerotismo. que a capacidade de “enganar” a criança com
histórias clássicas como a da cegonha somente
Logo, o bebê, ao ser amamentado, entra
será possível até os sete anos. E em segundo
em contato direto com a pele da mãe, com a
lugar, a capacidade de concentração de uma
sua voz e com suas carícias. Dessa forma, mãe e
criança nessa idade não ultrapassa cinco minu-
filho iniciam uma relação afetiva e sexual. Sexual
tos. Por esse motivo, é interessante que os pais
no sentido mais amplo, uma vez que a mãe, ao
evitem conversas longas sobre qualquer assun-
amamentar seu filho, o erotiza.
to. O que é realmente importante durante esse
Ressalte-se que, essa primeira manifestação processo educativo é estabelecer uma relação
da sexualidade humana não é vista como um ato aberta e de confiança entre pais e filhos, a fim
a ser reprimido pelos pais, uma vez que a socie- de que a criança venha procurá-los para conver-
dade desconhece a sexualidade não genitalizada. sar sempre que achar necessário. O que ocorre,
Autores pós-freudianos como Karl muitas vezes, é que a criança passa a entender
Abraham e Melanie Klein valorizaram muito essa que esse tipo de assunto não deve ser abordado
etapa primitiva do desenvolvimento da sexuali- com os pais, refletindo, por sua vez, a imaturi-
dade com enfoque maior nas fantasias do bebê dade deles em relação à educação do seu filho.
que giram em torno do seio materno (a possibi- Na idade escolar, o convívio com outras
lidade de devorá-lo e seu medo de ser devorado crianças passa a despertar um interesse ainda
pela mãe). Ao se analisarem os desenhos infantis, maior pela descoberta do corpo. Iniciam-se os
por exemplo, encontramos imagens de tubarões jogos sexuais que, apesar de envolverem o cor-
e de monstros. Contos de fadas como Chapeu- po como um todo, só são identificados como
zinho Vermelho e Pinóquio, por exemplo, ressal- reprimíveis pelas instituições responsáveis pela
tam bem a ideia da criança sendo devorada. educação da criança (família e escola) aqueles
Mesmo sem concordar com a interpreta- que envolvem os órgãos genitais. Esse ato causa
ção “kleiniana”, a qual atribui fantasias tão com- nos pequenos seres um sentimento de enorme
plexas às crianças tão pequenas, precisa-se ter culpa, principalmente aos pertencentes ao sexo
em mente que a fase oral do desenvolvimento feminino, que vivenciam a sexualidade com
infantil é marcada não somente pela associação maior dificuldade, uma vez que a repressão so-
entre alimento e amor materno, como também bre elas é bem maior.
pela angústia e sentimento de insignificância A partir de cinco anos de idade, a criança
que acompanham o bebê. passa a ter consciência de seus atos, sendo toda
A fase seguinte do desenvolvimento da manifestação de sexualidade um ato consciente
sexualidade coincide com o descobrimento do e prazeroso para ela.
controle dos esfíncteres. Durante essa fase, os O quarto período do desenvolvimento
pais exercem a repressão por meio da demons- sexual da criança é marcado pela sexualidade
tração de nojo e desagrado em relação às fezes adormecida, retraída, latente. Devido à educação
e à urina. Essa fase vai até os três ou quatro anos. imposta pelos pais e pela sociedade baseada na
Nesse período, a criança passa a querer co- repressão de qualquer manifestação genital da
nhecer mais o ambiente em sua volta, uma vez sexualidade, a criança reprime a pulsão sexual, por
que já é capaz de andar e de falar. No campo meio de sentimentos como a vergonha. Nessa
da sexualidade, fixa-se a conhecer melhor o seu ocasião, forma-se o superego, uma das três ins-
corpo, e o do outro, assim como os prazeres que tâncias psíquicas, que é responsável pelo desen-
este pode oferecer. Essa nova fase de descoberta volvimento da moral, da ética. Essa fase inicia-se
do outro corpo também se estende ao corpo da por volta dos seis anos e se estende aos onze
mãe e do pai. O conhecimento dos órgãos sexu- ou doze anos, quando a última fase do desen-
ais sofre também uma importante interferência volvimento psicossocial, a fase genital, começa,
da educação repressora, ao passo que os pais se coincidindo com o início da puberdade.
encarregam de informar à criança sobre todo o
“pecado” que existe nessa parte do corpo.
3.1. Identidade sexual
É de grande valia ressaltar aqui dois pon-
Em 1981, Constantine & Martinson re-
tos importantes no processo da educação se-
conheciam publicamente que: “Nossa identi-

Faculdade Christus 361


Capítulo 50

dade sexual básica como homens ou mulhe- não apresentam o comportamento considera-
res; nossa orientação erótica primária para o do pela sociedade como adequado para o seu
mesmo sexo ou para o sexo oposto; o que nos sexo, podem adquirir o rótulo de “menino efe-
excita sexualmente e o que nos inibe; nossa minado” ou “menina masculinizada”. Entretan-
sensação de segurança e conforto como se- to, observa-se que uma grande mudança vem
res sexuais, nossos medos e preocupações se- acontecendo no comportamento de homens e
xuais; tudo isto e muito mais é determinado mulheres nos últimos trinta anos. Os papéis de
e estabelecido principalmente na infância”. mando (masculino) e submissão (feminino) es-
Apesar da importância destes fatos, o conhe- tão sendo substituídos pela equidade de gêne-
cimento da sexualidade infantil continua sen- ro, ou seja, a igualdade de oportunidades entre
do ainda uma área assustadora e até proibida homens e mulheres.
para muitos adultos.
Segundo Andrade, a identidade sexual
3.3. A descoberta do próprio corpo
corresponde ao aspecto psicológico da sexua-
lidade – é o sentimento que as pessoas têm de A expressão da sexualidade na infância
sua masculinidade ou feminilidade e compreen- tem como principal foco o conhecimento do
de a identidade de gênero, o papel de gênero e corpo. O autoconhecimento positivo favorece-
a orientação de gênero. rá o respeito, a valorização do próprio corpo e
o autocuidado. As atenções “maternais” com o
A consciência de ser homem ou mulher é
banho, a limpeza e principalmente a amamen-
alcançada por meio de um processo de identifi-
tação, assim como o olhar, o acariciar e o con-
cação que ocorre desde a primeira comunidade
versar criam a intimidade e a confiança necessá-
– o lar, com os pais, depois com os amigos na
rias para um bom desenvolvimento emocional e
escola e, em seguida, com a sociedade. Assim,
intelectual da criança.
pode-se dizer que a identidade sexual é cons-
truída em três níveis:
ƒƒ No nível biológico (ao nascimento): a criança 3.4. A descoberta do corpo do outro
nasce com um pênis ou uma vagina. Para Andrade, a curiosidade pelo corpo
ƒƒ No nível psicológico (até três anos): desenvol- do outro assusta muito os adultos, em geral por
ve a consciência de pertencer a um sexo. medo da concretização de uma relação sexual
ƒƒ No nível social (até a adolescência): a partir da - para a qual não existe ainda desenvolvimento
definição clara do que representa o homem biofisiológico adequado, ou ainda pelo receio
e a mulher sexualmente, a criança aprende o de ser a expressão de uma homossexualidade –
que pode ou não pode fazer e estabelece a que pode representar apenas mais uma fase no
orientação do desejo sexual para o mesmo desenvolvimento psicossexual da criança. Deve
sexo ou para o sexo oposto. ficar claro para os pais que, através do com-
panheiro do mesmo sexo, a criança confirma
3.2. Papéis sexuais e confere seu próprio corpo – ela aprende so-
bre a igualdade. Com um companheiro do sexo
A manifestação externa da consciência de
oposto, ela descobre um outro corpo e aprende
ser homem ou mulher é o que chamamos de
sobre as diferenças.
papel sexual, ou seja, a forma de comportamen-
to apresentada na sociedade.
Sabe-se que, desde antes do nascimento, 3.5. Os jogos sexuais infantis
os adultos já demonstram expectativas sobre O jogo constitui-se na linguagem do
pensamentos, sentimentos e comportamentos ser humano desde a infância e apresenta
que consideram adequados para meninos e uma série de funções importantes no proces-
meninas. Isto determina uma educação diferen- so de desenvolvimento psicológico e mental
ciada e, consequentemente, um padrão duplo do indivíduo. As crianças necessitam viven-
de expressão sexual - os garotos assumindo ciar seus sentimentos e curiosidades sexuais,
mais a iniciativa, controladores, desvinculando o que elas conseguem nos jogos por meio
frequentemente o sexo do afeto. As jovens mais de contatos e exploração do corpo, manipu-
reprimidas, condicionadas e reivindicando mais lação genital.
um vínculo romântico e afetivo. Crianças que

362 Faculdade Christus


Capítulo 50

O descobrimento de sensações agradá- A masturbação deve ser pesquisada


veis nas brincadeiras sexuais são fatos comuns, quando se transforma em um hábito compul-
geralmente acompanhados de cócegas e risa- sivo, havendo outras alterações de conduta, e
das. Jogos como “troca-troca”, “trenzinho”, “mé- quando possa causar traumatismo físico.
dico e enfermeira” e “papai e mamãe” decorrem
A família deve sempre ser orientada
de um interesse instintivo para a descoberta e
porque em alguns casos, pais se angustiam e
a busca de explicação sobre as diferenças en-
se culpam por não entenderem que é uma ati-
tre os sexos - outra etapa do desenvolvimento.
tude normal e não concebem a ideia de que
Deve-se ter cuidado com a idade das crianças
seus “pequeninos” desempenhem práticas
envolvidas, a participação voluntária sem coer-
como essa, uma vez que eles associam o sexo
ção e a não utilização de objetos que possam
à reprodução. Alguns chegam a punir seus fi-
causar dano.
lhos, desencadeando, nessas crianças, um for-
te sentimento de culpa, fazendo-as entender
tal ato como obsceno. Isso repercute poste-
3.6. Masturbação na infância
riormente, na adolescência, quando muitos
A masturbação é o processo de manipu- desses indivíduos se sentem envergonhados,
lação dos próprios órgãos genitais ou de outras frustrados, e, por esse motivo, deixam de pra-
zonas erógenas do corpo com o objetivo de ticar tal ato.
obter prazer. É uma atividade normal no desen-
volvimento do indivíduo – uma forma de auto-
conhecimento do corpo. 4. Conclusão
Pode-se diferenciar três períodos da mas- Segundo Andrade, as culturas humanas
turbação: são divididas por Richard Currier em quatro ca-
1) Masturbação infantil: é evidenciada como tegorias, de acordo com os graus de aceitação
uma fricção involuntária dos genitais pro- das expressões sexuais entre seus integrantes:
vavelmente devido à estimulação externa repressivas, restritivas, permissivas e corrobo-
coincidente (limpeza, por exemplo); radoras. As sociedades se modificam ao longo
2) Masturbação na fase edípica (entre quatro e dos tempos e com elas a abordagem em rela-
seis anos): não há ainda uma base física para ção ao sexo. No entanto, independente de o im-
a estimulação genital durante esse período; pulso e a capacidade sexual serem reprimidos,
3) Masturbação na puberdade: a base fisioló- restringidos, permitidos ou apoiados, não se
gica para a prática desses atos está nos rá- pode negar a existência de necessidades sexu-
pidos impulsos da maturação genital. ais importantes na infância.
A mesma autora afirma ainda que: “as
Andrade refere que para Mary Calderone, crianças são sexuadas e os profissionais que
a atitude adequada de toda a sociedade frente à atuam nas áreas da infância e da adolescência
descoberta natural que a criança faz do seu pró- têm grande responsabilidade em estimular a
prio prazer seria dar sinais claros de aceitação do compreensão de que elas só poderão alcançar
comportamento sexual apropriado ao seu está- uma personalidade emocionalmente amadu-
gio de desenvolvimento. A masturbação auxilia recida, estável e amorosa se desenvolverem a
na compreensão do seu corpo e do seu prazer, capacidade para confiar e para ter intimidade
pode servir como conforto temporário frente a e se nós, adultos, entendermos e aceitarmos
frustrações e desapontamentos, além de ser uma as manifestações de sua sexualidade com ati-
fonte saudável de relaxar tensões, iniciando-se tudes positivas de aprovação, orientação cari-
na infância e persistindo por toda a vida adulta. nhosa e respeito mútuo”. O profissional deve
agir como facilitador na compreensão das eta-
A masturbação pode ser o indício de pas do desenvolvimento sexual e orientar os
uma patologia quando aparece de forma ex- pais no sentido de responder aos questiona-
cessiva e vem acompanhada de outros sin- mentos utilizando respostas simples e adequa-
tomas, como isolamento, baixa autoestima das à idade, combinando conhecimento, com-
e dificuldade de participar de atividades em preensão, bom senso, paciência, honestidade,
grupo; pode indicar a presença de conflitos espontaneidade, afetividade e disponibilidade.
emocionais importantes.

Faculdade Christus 363


Capítulo 50

D- Referências Bibliográficas
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na Adolescência. In: MAGALHÃES, M.L.C.; REIS,
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ANDRADE, H.H.S.M. Sexualidade na infância e


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M.L.C; ANDRADE, H.H.S.M. Ginecologia Infan-
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364 Faculdade Christus


Capítulo 51
SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Marcelo Labanca Delgado Perdigão
Sara Menezes Pinheiro

A- PROBLEMA mos fossem herdeiros. Dessa maneira, os ca-


samentos foram se tornando monogâmicos, o
F.S.L. leva sua filha Maria, de 15 anos ao sexo tendo como objetivo a reprodução, e as
ambulatório de ginecologia porque acha que mulheres tornando-se submissas aos homens,
seu comportamento mudou muito, está com devendo-lhes fidelidade sexual, sem que a recí-
um “amigo” frequentemente e não sabe como proca ocorresse.
orientá-la.
A civilização ocidental tem como base
o povo hebreu, de quem herdou os princípios
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM morais, legais e religiosos. Da mulher, exigia-se
virgindade até o casamento.
1. Entender as mudanças de comportamento
Entre os gregos, a função reprodutiva
na adolescência
também era a mais importante, com a finalida-
2. Entender a sexualidade na adolescência
de de produzir mais homens para as inúmeras
3. Conhecer as condutas terapêuticas e os mé-
guerras de conquista de territórios. A masturba-
todos de orientação.
ção era condenada pelo medo de enfraqueci-
mento e perda de energia. O homossexualismo
C- ABORDAGEM TEMÁTICA era estimulado, mas somente com os mestres
responsáveis pelo desenvolvimento moral e in-
1. A Sexualidade ao longo do tempo telectual dos jovens.
A sociedade vem passando por profundas A partir do século XVIII, na Europa, sur-
transformações desde a Segunda Guerra Mun- ge o “amor romântico”, que estabeleceu a ideia
dial, tendo a mulher adquirido sua “liberdade de liberdade para a busca do parceiro ideal. O
sexual” e social. Com esse novo padrão cultural, sexo se une ao amor e passa a fazer parte do
inúmeros problemas sociais surgiram, e outros casamento.
já existentes foram agravados, como prostitui-
Na década de 1960, começa a tomar
ção, aborto, homossexualidade, desajustes con-
vulto o movimento “hippie”, que surgiu como
jugais, divórcio.
grande esperança para a derrubada de mui-
Nos primórdios das civilizações, as ati- tos mitos políticos, culturais, sociais e sexuais,
vidades sexuais eram livres entre homens e como o da virgindade e da superioridade mas-
mulheres, sem que isso tivesse conotação de culina. Passam a ser discutidos temas como
promiscuidade. Conforme os clãs foram sendo o direito ao prazer sem restrição, à liberação
formados, bens passaram a ser acumulados. O sexual da mulher por meio da pílula anticon-
relacionamento sexual passou a ser exercido cepcional e a produção, em larga escala, de re-
por um casal, a fim de que seus filhos legíti- vistas pornográficas.
Capítulo 51

Se, por um lado, a sexualidade foi sendo cos que vivem a adolescência como importan-
moldada de acordo com questões religiosas, te fase do desenvolvimento.
sociais, culturais e até políticas, atualmente, a ci-
Na cultura ocidental contemporânea, os
ência e a tecnologia vêm ditando novas regras,
primeiros indícios de maturação sexual marcam
remediando a repressão sofrida pelos adoles-
o início da adolescência. Esta é caracterizada
centes, notadamente pelas garotas, ao longo
como uma etapa de profundas mudanças físicas,
dos séculos. Por outro lado, há que se tomar
que culmina com o alcance da maturidade se-
cuidado com a erotização precoce, que pode
xual e da capacidade reprodutiva (puberdade),
acarretar danos imensuráveis para a formação,
associada à busca de uma identidade própria e
integridade e dignidade dos jovens.
à definição de um papel a ser desempenhado na
A questão da sexualidade tem sido abor- sociedade. Entretanto, é preciso compreendê-
dada de maneira tão avassaladora pelos meios de -la, não como um processo natural e imutável,
comunicação em massa, que tem deixado os pais mas como uma construção sociohistórica, que
confusos quanto ao diálogo com os filhos. Anti- pode ser modificada e redefinida culturalmente
gamente, as famílias não tinham dúvidas sobre o – essas mudanças são vividas pelas pessoas de
que era certo e errado, sobre o que podiam ou não formas diferentes, dependendo do contexto em
permitir. Hoje, vive-se um momento difícil para a que vivem, configurando tantas adolescências
construção de um sistema de valores sexuais. quanto a diversidade humana permite.
No entanto, há certos valores que não po- Em perspectiva ampla, a adolescência en-
dem deixar de ser transmitidos aos jovens, como globa a evolução da sexualidade e suas vicissi-
o respeito por si próprio e pelo outro. Não se tudes até a maturidade, abrangendo desde os
pode privar o adolescente de informação, de- limites da dependência infantil até a autonomia
vendo-se responder às dúvidas de maneira clara, do adulto.
honesta e não preconceituosa. Deve-se, ainda,
Apesar de sua importância para a forma-
ajudá-los a desenvolver visão crítica e reflexão
ção do indivíduo tanto do ponto de vista cor-
para escolher o que lhes convém. A falta de co-
poral como psicológico, apenas recentemente
municação com os jovens abre espaço para a co-
a adolescência tem sido reconhecida e incluída
brança dos grupos, o que, aliada à exposição da
como objeto de atenção em programas sociais
sexualidade na mídia, acaba por fazer que jovens
e de saúde.
desestruturados tenham iniciação sexual preco-
ce, transformando em algo angustiante uma ati- Nesse período, a personalidade está em
vidade que deveria ser prazerosa. fase final de formação, e a sexualidade se insere
nesse processo como elemento estruturador da
identidade do indivíduo.
2. A Sexualidade na adolescência É importante, diferenciar sexo, genitalida-
Segundo a Organização Mundial de Saú- de e sexualidade.
de (OMS), a sexualidade é um aspecto central Sexo é o conjunto de características ana-
da experiência humana ao longo da vida e tômicas e fisiológicas que determina que os
abrange o sexo, identidades e papéis de gênero, indivíduos sejam masculinos ou femininos. Ge-
orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade nitalidade pode ser compreendida como uma
e reprodução. A sexualidade é influenciada pela função dos órgãos genitais, um fenômeno fi-
interação de fatores biológicos, psicológicos, siológico para satisfazer o instinto e que pode
sociais, econômicos, políticos, culturais, étnicos, existir sem a participação afetiva na relação. A
legais, históricos, religiosos e espirituais. sexualidade, entretanto, tem uma dimensão
Segundo Andrade e Lopes, no conceito de tipicamente pessoal e humana; compreende a
Mary Calderone, “a sexualidade humana abran- genitalidade, porém a supera e transcende, em
ge quem somos, e o que somos como homens um contexto muito mais rico de valores. A sexu-
e mulheres, como chegamos a sê-lo, como nos alidade sobrepõe-se aos limites do impulso ge-
sentimos a esse respeito e como lidamos com nital, que não é mais do que um dos elementos
isso em uma relação. de uma relação sexual na qual intervêm, sobre-
tudo, afetividade, fantasia, emoção, comunica-
Adolescer, do latim, significa crescer.
ção e respeito ao outro.
Dentre os seres vivos, os humanos são os úni-

366 Faculdade Christus


Capítulo 51

Adolescência é o período em que ocorre A parceria escola-família-saúde é uma


a genitalização da sexualidade. das alternativas para orientar sexualmente os
adolescentes. É importante, portanto, que os
profissionais de saúde conheçam todos os ca-
2.1. Identidade de gênero, papel de gênero e minhos trilhados por pais, professores e pela
orientação sexual própria sociedade no que concerne à sexuali-
Mesmo antes de nascer, ainda intraútero, dade, para poderem efetivamente colaborar na
o indivíduo é identificado como menino ou me- formação dos jovens.
nina, dependendo do aspecto de sua genitália.
Posteriormente, será diferenciado sexualmente
2.2. Alterações corporais - O que está acon-
por meio de roupas, cores e brinquedos. O sen-
tecendo comigo?
timento de ser menino ou menina dependerá
da modelagem sóciopsicológica à qual o indi- O desenvolvimento da sexualidade faz par-
víduo será submetido durante os três primeiros te de todo ser humano e seu ápice talvez se dê
anos de vida, período conhecido como núcleo na adolescência, quando são vivenciadas grandes
de base da identidade de gênero. transformações no corpo e na mente de cada in-
divíduo. Faz-se certa confusão entre puberdade e
Identidade de gênero, também chamada
adolescência, pois essas duas condições ocorrem
identidade sexual, é o sentimento e a consciên-
mais ou menos ao mesmo tempo na vida das jo-
cia que o indivíduo tem de pertencer a deter-
vens. A puberdade, no entanto, diz respeito aos
minado gênero. Contribuem para sua formação
processos biológicos, que culminam com o ama-
elementos conscientes e inconscientes, associa-
durecimento dos órgãos sexuais. A adolescência,
dos ao sexo biológico, além de qualidades es-
por sua vez, compreende as alterações biológicas
tabelecidas pela sociedade como adequadas ou
e também as psicológicas e sociais que ocorrem
não às condições de masculino e feminino.
nessa fase do desenvolvimento.
Uma vez estabelecida, a identidade de
Durante toda a infância, o corpo cresce
gênero dificilmente será modificada.
de forma lenta e proporcional, de modo que,
Papel de gênero, ou papel sexual, é o con- muitas vezes, as alterações não são percebidas.
junto das condutas esperadas e exigidas do indi- Na adolescência, o crescimento se dá de forma
víduo, de acordo com seu gênero. É influenciado desorganizada e, tão rapidamente, que nem
pela convivência social, sendo, portanto, depen- sempre é acompanhado de um amadurecimen-
dente dos padrões culturais da sociedade em to psicológico.
que o indivíduo está inserido. Depende, ainda,
Nas mulheres, as transformações pube-
da época, uma vez que os valores mudam com o
rais se iniciam entre 8 e 13 anos e meio de ida-
tempo. Há comportamentos aceitos atualmente
de, levando em média 3 anos para serem con-
que seriam condenados em séculos passados.
cluídas. O fato de começar mais cedo ou mais
Orientação sexual é o direcionamento do tarde não significa ser melhor ou pior.
desejo sexual. Pode ter como objeto pessoas do
Frente a todas essas mudanças, a imagem
mesmo sexo, caracterizando a orientação ho-
corporal também precisa ser reformulada. A ima-
mossexual, pessoas do sexo oposto, no caso da
gem corporal ou esquema corporal é a represen-
heterossexualidade, ou ainda pessoas de ambos
tação mental do próprio corpo, o modo como
os sexos, quando falamos em bissexualidade.
ele é percebido pelo indivíduo. Compreende não
Todo jovem tem o direito de ser instru- só o que é percebido pelos sentidos, mas tam-
ído sobre sua sexualidade. A orientação deve bém as idéias e sentimentos referentes ao pró-
ter início no lar, estendendo-se à escola e a to- prio corpo, em grande parte inconscientes.
das as instituições sociais, em especial às da
A imagem corporal se desenvolve como
área da saúde. Esse alicerce é importante para
um produto da relação do indivíduo consigo
que o indivíduo possa resolver questões como
mesmo e com os outros. A imagem corporal é
“usar ou não usar anticoncepcionais”, “praticar
uma unidade adquirida, é dinâmica, portanto
ou não o aborto”, entre outras, sem adquirir
alterações corporais provocam mudanças na
sentimentos de culpa, sem abalos para sua in-
imagem corporal, e esse fenômeno é particular-
tegridade mental.
mente intenso na adolescência.

Faculdade Christus 367


Capítulo 51

Além da falta de apoio social para lidar A masturbação é algo bastante comum na
com suas transformações, as jovens deparam adolescência, apesar de reprimida e repleta de
com os modelos de beleza e com a extrema tabus, ou até mesmo tratada como algo errado
valorização da aparência veiculada pelos meios e proibido. A consequência é que os jovens se
de comunicação. É preocupante o fato de que sentem culpados em manusear e tirar proveito
esses modelos sejam internalizados, sem se- do corpo de maneira solitária.
rem questionados, como algo natural do su-
Fala-se que apenas os homens se mastur-
jeito. A intensidade que os meios de comuni-
bam, o que não é verdade. As mulheres tam-
cação atingem as culturas é mais intensa do
bém, mas comentam pouco, devido ao medo
que a capacidade de assimilação das pessoas,
de serem criticadas. Já os rapazes relatam suas
fazendo que, o que se vê seja incorporado sem
experiências com ar de malandragem.
ser simbolizado.
De qualquer modo, é importante que se
Em nossa sociedade, há uma desconsi-
saiba que manipular o corpo é uma necessi-
deração da subjetividade e uma supervaloriza-
dade própria da adolescência e que não causa
ção da imagem, um culto narcísico ao corpo,
nenhum problema; pelo contrário, permite ao
que é vendido como objeto de consumo, se-
jovem usufruir dos prazeres que o corpo pode
gundo o qual, mais importante do que sentir,
proporcionar em um período em que ainda não
pensar, criar, é ter medidas perfeitas, conside-
se sente preparado para a atividade sexual a dois.
rando-se o padrão de magreza como ideal. As-
sim, a adolescente, que já tem que lidar com O único cuidado a ser tomado é quanto
suas transformações físicas, é colocada frente aos excessos; deve-se preocupar em evitar trau-
a esses modelos e à impossibilidade de corres- matismos ao introduzir objetos na vagina.
ponder a eles.
A construção da identidade adulta impli- 2.4. O “Ficar”
ca uma série de perdas, como o corpo infantil,
a condescendência com a condição de criança Ao se destacar o comportamento sexual
e os pais da infância, que eram mais protetores entre os jovens, o “ficar” é um modo de repre-
e menos exigentes. A essas perdas somam-se a sentação afetiva e de interação sexual, é uma
dificuldade de se configurar uma autoimagem experiência de estar com o outro, de trocar
corporal em um corpo em constante transforma- carícias, intimidade, descobertas e sensações
ção, sobre a qual não tem controle. Se acompa- sobre o corpo e sobre si mesmo. “Rolam” bei-
nharmos a turbulência de deparar com um corpo jos, abraços, e eventualmente, pode-se chegar
em constante mudança - e sem controle sobre a uma relação sexual propriamente dita. Os li-
ela -; novas exigências do meio - e sem experi- mites do “ficar” são determinados pelo próprio
ência prévia -; a sexualidade impulsionada pelos casal. Em geral, inclui afetividade, porém não há
hormônios; e a possibilidade de procriar - sem um compromisso de continuidade ou exclusivi-
ter autonomia financeira -, veremos que, mais do dade. Possivelmente, o casal pode vir a namorar.
que em outras ocasiões, na adolescência, o ser O “ficar” tem aparecido como uma for-
humano precisa de parâmetros e regras que o ma alternativa ao namorar, que, segundo os
ajudem a integrar tantas coisas novas. A sua tare- jovens, exige maiores obrigações. A fidelidade
fa principal, como já foi colocado, é transformar- é uma das dificuldades que o “ficar” minimiza,
-se em adulto e preparar-se para desempenhar o levando à possibilidade de experimentar novas
papel de adulto de uma forma satisfatória. sensações, identificar diferenças e semelhanças,
permitindo ao jovem novas descobertas e ex-
perimentações. O “ficar” permite que ocorra a
2.3. Masturbação aproximação entre o desejo e a escolha efetiva.
Antes de partir para a relação sexual pro- No entanto, esse novo modelo de rela-
priamente dita, é fundamental que o indivíduo cionamento pode estar demonstrando o desen-
conheça bem seu próprio corpo e saiba usufruir cantamento dos jovens com o casamento e o
dos prazeres que ele lhe proporciona. Pode-se desejo implícito de serem diferentes dos pais.
entender como ilógica a ideia de buscar o co-
nhecimento explícito do corpo de outra pessoa Tem-se observado que não existem con-
quando não se conhece o próprio corpo. tornos rígidos que determinem a impossibilida-

368 Faculdade Christus


Capítulo 51

de de o “ficar” se transformar em um namoro, isolamento social do casal e ao afastamento das


em uma relação mais sólida em que existam necessidades individuais. Não cabe ao profissio-
maiores compromissos e a fidelidade tão “temi- nal da saúde julgar esse tipo de relacionamento,
da” entre os jovens. mas sim ajudar o casal a flexibilizar a relação.
Ainda que o “ficar” seja considerado algo Os namoros na adolescência podem
novo na sociedade moderna, pode estar deses- terminar por diversas razões. Alguns acabam
truturando relações hierárquicas de gênero, e quando o fogo da paixão se extingue; outros,
mais, possibilitando que os jovens experimen- porque uma paixão desavisada rompe o relacio-
tem novas sensações. namento.
Em principio, o “ficar” deveria promover Nem todo namoro da adolescência leva
uma relação mais igualitária entre rapazes e mo- ao casamento. Mas, para alguns, o casamento
ças, em que as características de falta de compro- pode se tornar realidade.
misso e a superficialidade deveriam ser positivas
para ambos os sexos; entretanto, tem-se obser-
vado uma distinção do “ficar” entre os sexos. 2.6. A virgindade

Para os rapazes, a possibilidade de “ficar” Homens e mulheres têm iniciado sua


com várias garotas ratifica os valores sociais e mo- vida sexual cada vez mais cedo. Diversos estu-
rais da masculinidade, em que o importante é se dos brasileiros têm revelado uma tendência de
tornar mais experiente na vida amorosa e sexual. antecipação do início da vida sexual, principal-
mente entre as mulheres, tendo-se observado
Para as moças, ao contrário dos rapazes, o
sexarca cada vez mais precoce.
“ficar” pode estabelecer limites, podendo as ga-
rotas serem tachadas de promíscuas, devido aos Ressalte-se que, na maioria das vezes, a
valores remanescentes de décadas passadas. iniciação sexual de adolescentes do sexo mas-
culino ocorre mais precocemente do que a de
adolescentes do sexo feminino. Essa diferença se
2.5. O namoro deve a valores e concepções da sociedade. Ape-
sar de ter superado muitos obstáculos, a mulher
A fidelidade parece ter um lugar impor-
ainda é vista como pertencente ao “sexo frágil.”
tante no namoro. Muitas pessoas dizem que os
A educação diferenciada pelos pais que, no ge-
jovens são promíscuos. Talvez isso ocorra devi-
ral, superprotegem suas filhas e incentivam o re-
do à impressão que o “ficar” desperta nos adul-
lacionamento sexual o mais cedo possível para
tos. No entanto, quando os adolescentes na-
seus filhos, é um dos motivos para a iniciação
moram, geralmente fazem votos de fidelidade
sexual masculina se dar mais precocemente.
comum. A traição, quando ocorre, é vivenciada
com culpa por quem a comete e dor intensa por No intuito de enfatizar as diferentes mo-
quem a descobre. tivações para o desencadeamento de práticas
sexuais entre homens e mulheres, uma pesqui-
A associação entre amor e fidelidade no
sadora afirmou que “circula unânime entre as
imaginário dos jovens é clara, sendo que, em
mulheres o sentimento de entrega em relação
média 80% dos jovens recusam a perspectiva
ao ato sexual, dando caráter valorativo de raro
que pode existir amor sem fidelidade.
à virgindade. Ao mesmo tempo em que existe
O início do namoro para o adolescente não o desejo de se descobrir, impõe-se a necessi-
é uma transição fácil, já que implica abandonar dade de se preservar. A experiência masculina,
os apelos eróticos que a possibilidade do “ficar” em contrapartida, traduz-se em duas atitudes:
permite. Muitos namoros iniciam-se pelo “ficar”. em uma, o desempenho sexual é visto como um
O casal vai “ficando” até se tornarem namora- ganho, sustentando o poder da masculinidade;
dos. O namoro pode vir por um pedido oficial ou em outra, a atitude é decididamente românti-
pela constância dos encontros, das ligações, pela ca, em que o homem busca entregar-se no mo-
apresentação do outro aos familiares. mento certo e à parceira certa.”
Na adolescência, o casal tende a se tornar A iniciação sexual é um evento que ocorre
um só, seja para enfrentar as mudanças da épo- com maior frequência na adolescência; as esta-
ca, seja para encontrar apoio para os problemas tísticas mostram que o maior salto na propor-
familiares. Essa dependência muitas vezes leva ao ção de mulheres que haviam iniciado sua vida

Faculdade Christus 369


Capítulo 51

sexual ocorreu a partir dos 16 anos de idade. xuais desestimula a utilização contínua de um
Já foi descrito que as experiências pré-sexuais, método contraceptivo.
como o primeiro beijo e o “ficar”, ocorrem antes
A decisão de quando se iniciar sexual-
dos 14 anos de idade e que a primeira relação
mente é estritamente pessoal, e apenas o jovem
sexual tende a se dar após os 15 anos de idade.
tem o poder de tomá-la. A melhor maneira de
Isso parece mostrar que a iniciação sexual das
decidir quando ter a primeira relação sexual é
adolescentes é um processo gradual - ou seja,
analisando quatro pontos: motivo, companhia,
há uma fase de experimentação física, relacional
privacidade e prevenção.
e pessoal, assim como de impregnação de cer-
ta cultura sexual da classe à qual a adolescente É importante que se queira ter a relação
pertence - que se inicia logo nos primeiros anos sexual. A sexarca não deve ocorrer por vontade
da adolescência, mas culmina com a relação se- do parceiro ou por pressão dos amigos. O jo-
xual propriamente dita nos anos mais próximos vem estará pronto para ter sexo quando o de-
do fim da adolescência, se adotada a faixa etária sejo partir dele próprio.
de 10 a 19 anos de idade como a etapa cro- A primeira relação sexual deve ser algo
nológica que a Organização Mundial da Saúde especial, para que fique gravada na memória
compreende como sendo adolescência. com uma experiência boa e prazerosa. Portanto,
é fundamental que seja com alguém com quem
exista um envolvimento afetivo.
2.7. Iniciação e atividade sexual
A privacidade é um aspecto importante
Estima-se que quatro milhões de jovens se
nas relações sexuais, principalmente quando se
tornam sexualmente ativos no Brasil anualmente.
trata da primeira experiência, uma vez que per-
Em pesquisa publicada pelo Ministério da mite agir com calma, aproveitando cada mo-
Saúde, constatou-se uma diferença significati- mento.
va no comportamento sexual entre os gêneros,
É óbvio que só se pode relaxar e aprovei-
quando comparados em dois momentos espe-
tar ao máximo quando se tem certeza de que
cíficos. Em 1984, 35% dos meninos e 14% das
não haverá problemas futuros. Portanto, é im-
meninas relataram ter-se iniciado sexualmente
portante que o jovem tome precauções quanto
antes dos 15 anos de idade. Em 1998, os valores
a gravidez e doenças sexualmente transmissí-
foram, respectivamente, 47% e 32%.
veis durante a relação sexual.
Segundo Leite, em estudo feito em 2000,
com uma amostra de estudantes entre 10 e 19
anos de idade, 60,2% dos rapazes afirmaram já 2.8. Iniciação sexual masculina
ter tido a primeira relação sexual, enquanto esse Os jovens do sexo masculino costuma-
número foi de apenas 16,7% entre as garotas, de- vam buscar as profissionais do sexo e as empre-
monstrando, assim como no estudo do Ministério gadas domésticas para terem relações sexuais.
da Saúde, diferenças quanto aos sexos. Também No entanto, esse padrão vem mudando. A ini-
foi relatado que a iniciação sexual dos rapazes ciação sexual dos adolescentes tem-se dado, ul-
ocorreu em média aos 13,1 anos de idade, en- timamente, com amigas ou namorada. No meio
quanto a das moças, aos 14,1 anos de idade. rural, os animais ainda são citados.
Segundo esse estudo, a probabilidade de Os motivos que levam os jovens à inicia-
iniciar a atividade sexual é maior entre os ado- ção sexual são a curiosidade em saber o que é
lescentes do gênero masculino, sem religião e realmente uma relação sexual, como é de fato
com idade mais avançada. uma mulher, o impulso genital exacerbado, a
Ao contrário do que muitos pensam, pressão do grupo de companheiros e do próprio
os jovens não são promíscuos em seus rela- pai, além da vontade própria de se autoafirmar.
cionamentos sexuais, uma vez que é comum Dessa maneira, a iniciação sexual dos jo-
a relação com um parceiro fixo. Muitas vezes, vens ocorre envolvida pelo temor do desempe-
a atividade sexual ocorre de forma escondida, nho, medo do fracasso, podendo levar a disfun-
permeada pelo medo da descoberta e sem ções sexuais e traumas emocionais.
aconselhamento médico prévio. A não existên-
cia de uma frequência regular nas relações se-

370 Faculdade Christus


Capítulo 51

2.9. Iniciação sexual feminina Existe uma homossexualidade - chamada de


circunstancial, geralmente transitória, que ocorre
A pressão no grupo de companheiros
entre jovens submetidos a prisões, internatos etc.
para a iniciação sexual feminina é bem menor
do que com relação aos rapazes. Na família, ao
contrário da postura adotada quando se trata
3. Conclusão
do sexo masculino, ocorre repressão à atividade
sexual antes do casamento. É do conhecimento de todos que a edu-
cação sexual é um direito de todo indivíduo,
A iniciação sexual entre as adolescentes
respaldado pela Constituição Federal, Lei de Di-
também é realizada com uma série de medos,
retrizes e Bases (LDB) e Parâmetros Curriculares
como o de não saber como agir, de não corres-
Nacionais (PCNs) e é parte da educação inte-
ponder às expectativas, de sentir dor física, de
gral. Entretanto, educar é um processo abran-
não atingir o orgasmo.
gente que se inicia ao nascimento com a família,
Muitas vezes, a jovem pode se sentir principal responsável pela formação da perso-
como um simples objeto de satisfação do de- nalidade do indivíduo e, ao longo da vida, sofre
sejo masculino, negando a si mesma a dimen- a influência de vários outros agentes educativos
são de prazer. Muitas vezes, a decisão sobre (escola, amigos, mídia, sociedade em geral).
sua sexualidade é delegada ao parceiro, ao
É necessário criar condições para que
médico, à religião...
crianças e adolescentes possam transformar as
informações recebidas em atitudes preventivas
2.10. Homossexualidade e favorecer o desenvolvimento da capacidade
de assumir progressivamente responsabilidade
O relacionamento sexual entre pessoas pessoal e social, competências e habilidades,
do mesmo sexo, não obrigatoriamente genital, facilitando a construção da autonomia e contri-
constitui o que chamamos de comportamento buindo para o seu reconhecimento e fortaleci-
homossexual. Por outro lado, a homossexuali- mento como sujeitos de direitos e compromis-
dade existe quando o desejo sexual é predo- sos, garantidos por leis que sejam efetivamente
minante ou quase exclusivo por indivíduo do cumpridas. É necessária também uma mudança
mesmo sexo. Não implica, entretanto, em uma de paradigma – não focalizar apenas os danos
obrigatória conduta ou comportamento ho- provocados à saúde, mas elaborar estratégias
mossexual. Acredita-se que: com foco no ser humano que gostaríamos de
Diferente da masturbação, das carícias formar, por meio de um processo de educação
amorosas e do coito, a atividade homossexual para valores positivos que integre as áreas da
na infância e na adolescência tende a ser espo- saúde, educação, ação social, justiça e afins.
rádica e passageira;
O comportamento homossexual pode re-
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mesmo sexo. R.C.; SOUSA, V. Sexualidade e educação para a
Uma orientação sexual predominante- vida. In: ______. Sexualidade do Adolescente:
mente homoerótica na adolescência nem sem- fundamentos para uma ação educativa. Salva-
pre significa homossexualidade na vida adulta; dor: Fundação Odebretch, 1999. p. 143.

Faculdade Christus 371


Capítulo 51

BALEEIRO, M.C.; SIQUEIRO, M.J.; CAVALCANTI,


R.C.; SOUSA, V. Sexualidade e educação para a
vida. In: ______. Sexualidade do Adolescente:
fundamentos para uma ação educativa. Salva-
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BEMFAM - Bem-Estar Familiar no Brasil. Pes-


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372 Faculdade Christus


Capítulo 52
SEXUALIDADE NO MENACME
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Larissa Xavier Santiago da Silva
Paula Neves Pimentel Gomes

A- PROBLEMA tância e fatores psicossociais e interrelacionados:


identidade sexual, identidade de gênero, orienta-
Paciente, sexo feminino, 30 anos, branca, ção sexual e comportamento sexual que afetam
natural e procedente de Fortaleza, do lar. Pro- o crescimento, o desenvolvimento e o funciona-
curou muito envergonhada o ambulatório de mento da personalidade, nos capítulos anteriores
Ginecologia porque, apesar da sua idade, nunca (sexualidade na infância e na adolescência).
havia recebido nenhuma orientação sobre sua
sexualidade e como se comportar frente a seu A sexualidade é uma condição humana
marido. Relata fazer acompanhamento anual que começa a se formar na infância, continua
com ginecologista, mas nunca teve coragem de sendo construída na adolescência e se manifes-
perguntar nada a ele. Nega história de patolo- ta diferentemente nas várias fases da vida. Ela
gias ginecológicas. Faz uso de anticoncepcional abrange a relação sexual, o erotismo, o prazer,
oral, há cinco anos, sendo esta a única medi- a orientação sexual e a reprodução; expressa-
cação que utiliza cronicamente. Relata que sua -se por meio de pensamentos, fantasias, dese-
mãe nunca conversou com ela sobre relações jos, comportamento e relacionamentos e é in-
sexuais e métodos contraceptivos. Atualmente fluenciada por fatores biológicos, psicológicos,
mora com seu esposo na casa de seus pais, pois sociais, políticos, culturais, éticos, legais, histó-
está passando por dificuldades financeiras. ricos e religiosos. Segundo Freud, “se o ser hu-
mano negligenciar a sua sexualidade, ele jamais
se sentirá um ser completo” e estará exposto a
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM alterações do comportamento, potencialmente
nocivas ao indivíduo e à sociedade, que se ex-
1. Identificar as hipóteses diagnósticas. pressam desde a mais leve disfunção a mais te-
2. Conhecer a propedêutica (dados clínicos e mível parafilia. De fato, são conhecidas as altas
exames complementares para se chegar ao taxas de abuso sexual na infância e a alta preva-
diagnóstico). lência de disfunções sexuais em todo o mundo,
3. Saber proceder ao diagnóstico diferencial. especialmente nos países subdesenvolvidos.
4. Conhecer a conduta terapêutica.
É cada vez mais reconhecida a importân-
cia da saúde sexual para a longevidade das re-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA lações afetivas e como parte da saúde global e
bem-estar do indivíduo.
1. Introdução
Como se pode constatar, a sexualidade
Nesse capítulo vamos tecer pequenas é parte integrante da personalidade do ser hu-
considerações sobre a sexualidade; o tema já foi mano. Seu desenvolvimento se completa com
amplamente explanado em sua definição, impor- a satisfação das necessidades humanas básicas,
Capítulo 52

como o desejo de contato, intimidade, expres- Quando chega à fase adulta, atinge a matu-
são emocional, prazer, carinho e amor. ridade sexual; o sexo é vivido com base emocional
voltada para o outro e onde são compartilhados de-
Os direitos sexuais são direitos humanos
sejos, fantasias e emoções. Nesta fase, percebe-se a
universais, baseados na liberdade, dignidade e
consciência da sexualidade como algo mais abran-
igualdade para todos os seres humanos. Saúde
gente, que vai muito além da genitalidade. A busca
sexual é um direito fundamental, e como tal um
de um relacionamento duradouro e o domínio da
direito humano básico.
sexualidade favorece a oportunidade de desfrutar o
Para assegurarmos que os seres humanos sexo com prazer, determinando a ausência de senti-
e a sociedade desenvolvam uma sexualidade mentos de culpa, medo ou vergonha.
saudável, os seguintes direitos sexuais devem
Essa maturação, que chega em diferentes
ser reconhecidos, promovidos, respeitados e
épocas para diferentes pessoas, é atingida mais
defendidos pela sociedade:
frequentemente durante o final da fase de “adulto
ƒƒ Direito à liberdade sexual jovem” (até os 30 anos). Infelizmente, à custa de
ƒƒ Direito à autonomia e integridade sexual uma distorcida educação sexual e de preconcei-
ƒƒ Direito à privacidade sexual tos sociais os mais diversos, nem sempre é assim.
ƒƒ Direito à igualdade sexual Não é incomum que as pessoas tenham uma no-
ƒƒ Direito ao prazer sexual ção distorcida da sexualidade, deixando de vê-la
ƒƒ Direito à expressão sexual como algo positivo, como algo de bom e belo,
ƒƒ Direito à livre associação sexual como um dom. Foi por um período divulgado um
ƒ ƒ Direito às escolhas reprodutivas livres e conceito bastante distorcido da sexualidade, apre-
responsáveis sentando como meta suprema e obrigatória, o or-
ƒƒ Direito à informação baseada no conheci- gasmo, considerado como o mais precioso bem
mento científico a que se pode almejar. Nessa acepção seria “obri-
ƒƒ Direito à educação sexual gação” do homem dar orgasmo à mulher, como
ƒƒ Direito à saúde sexual se orgasmos fossem presentes que a onipotência
masculina possa distribuir a seu bel prazer. A mu-
Nos capítulos anteriores foram abordadas lher, por sua vez, para considerar-se “verdadeira-
as fases da sexualidade; pré-genital (0-6 anos), mente mulher”, deveria ter orgasmos sem o que
latência (7-11 anos) e a última a genital (da ado- seria considerada uma fracassada. Infelizmente
lescência à vida adulta). essas crenças, embora mais raras atualmente, ain-
da existem, mas muito raramente.
Segundo Freud, o desenvolvimento psi-
cossocial do indivíduo se daria através da ex-
pressão da libido, uma força motivacional inata, 2. Comportamento sexual
inicialmente generalizada em todo o corpo e de-
pois mais concentrada em determinadas partes. Segundo Kaplan, o comportamento sexual
pode ser entendido como um processo sequen-
Na adolescência, à medida que a matu- cial de três fases: desejo, excitação e orgasmo.
ração sexual vai se completando e o corpo vai
amadurecendo, a personalidade vai se estrutu- A fase do desejo, que pode ser prévia ao
rando. A principal tarefa do adolescente é cons- contato sexual compreende um impulso produ-
truir a própria identidade, incluindo a identidade zido pela atividade de centros específicos do cé-
sexual. Progressivamente, sai do autoerotismo rebro. Normalmente, ante a um estímulo (tato, vi-
para uma relação de troca e, sobretudo de mui- são, olfato etc.) adequado, os centros específicos
to prazer, não só físico como também afetivo são ativados, iniciando a resposta sexual. O centro
emocional. Nessa fase, a variedade de experi- do prazer encontra-se em íntima relação com o
ência sexual faz parte do preparo para a vida centro da dor e da ansiedade, que são capazes de
adulta e, há uma intensificação sexual, embora inibi-lo. Parece que um nível mínimo de testos-
o processo de aprendizado ainda não seja tão terona precisa existir para que ocorra a ativação
rápido e nem tão completo. O comportamento desses centros, desencadeando o complexo me-
instável na busca do parceiro agora é substituí- canismo neuro-hormonal da função sexual.
do gradativamente por satisfações mais impor- A fase de excitação guarda uma relação
tantes do relacionamento estável. estreita e direta com a do desejo. Os fenômenos

374 Faculdade Christus


Capítulo 52

mais importantes nesse período são: vasocon- lidade do intercurso. É síndrome clínica caracteri-
gestão pélvica e miotoniais (contraturas) geni- zada por queixas e sintomas que frequentemente
tais e generalizadas, ainda incipientes. Além das resultam em insatisfação e inadequação sexual.
reações genitais, podemos observar uma gama
Estima-se que entre 40% a 45% das mulheres
de reações extra-genitais, como aumento dos
e de 20% a 30% dos homens tenham alguma quei-
ritmos respiratórios e cardiovasculares, a con-
xa de disfunção sexual. Sua alta prevalência compro-
tração do esfíncter anal etc.
va o fato de constituir problema de saúde pública,
A fase do orgasmo é verificada à medida uma vez que chega a comprometer pouco menos
que o indivíduo atinge um determinado nível de da metade da população das mulheres. De acordo
excitação e corresponde ao máximo de vasocon- com a Second Consultation International on Sexual
gestão e contrações vasculares genitais e extrage- Medicine, realizada em Paris, em 2004, 45% das mu-
nitais. Embora a sensação orgásmica esteja centra- lheres adultas apresentam ao menos uma disfunção
da nos genitais, o orgasmo envolve todo o corpo, sexual manifesta, com tendência a aumentar com a
até o momento em que a descarga orgásmica idade, principalmente após a menopausa.
libera o organismo da tensão sexual acumulada.
Não obstante às altas taxas de disfunção
No homem, essas sensações são percebidas mais
sexual, muitas mulheres não procuram ajuda
especificamente no pênis, na próstata e nas vesí-
médica por vergonha, frustração ou falhas de
culas seminais, enquanto que na mulher é percebi-
tentativas de tratamento sub-profissionalizado.
da principalmente no clitóris, na vagina e no útero.
São fatores de risco associados à disfun-
Masters e Johnson acrescentam à resposta
ção sexual: comprometimento do estado de
sexual humana a fase final ou de resolução, que
saúde geral, doença cardiovascular e genituri-
começa logo depois que a descarga orgásmica
nária, desordem psicológica e psiquiátrica, do-
libera a tensão sexual e caracteriza-se por um
enças crônicas, fatores relacionais e condições
processo de regressão involuntária e gradual do
sociodemográficas desfavoráveis.
organismo ao estado de equilíbrio basal. Durante
esse processo regressivo, os homens apresentam As disfunções sexuais são divididas em
reações fisiológicas diferentes das mulheres, se sete categorias principais: transtornos do desejo
forem submetidos à continuidade da estimulação sexual, transtornos da excitação sexual, transtor-
sexual; enquanto as mulheres, após atingirem um nos do orgasmo, transtornos sexuais dolorosos,
orgasmo, podem ou não atingir outros a partir de disfunção sexual causada por condição médica,
uma estimulação sexual adequada, os homens disfunção sexual induzida por substâncias, dis-
passam por um período refratário em que o or- função sexual sem outra especificação.
ganismo não reage à estimulação sexual e, conse- Toda e qualquer disfunção sexual pode
quentemente, não atingem nova ejaculação. ser classificada, de acordo com o tipo em:
Segundo o DSM-IV-TR (Manual Diagnós- ƒƒ Primária: as expectativas sexuais nunca se rea-
tico e Estatístico de Transtornos Mentais – 4. ed. lizaram, em quaisquer situações;
– revisão de texto), o ciclo de resposta sexual ƒƒ Secundária: atualmente uma ou mais fases da
humana psicofisiológica é composto de quatro resposta sexual não funcionam, enquanto que
fases - desejo, excitação, orgasmo e resolução. no passado já funcionaram;
Deve-se situar em que fase do ciclo se encon- ƒƒ Situcional: a resposta sexual não ocorre em
tram as alterações e a etiologia destas, para que determinada situação, porém, ocorre em ou-
se possa classificar devidamente as disfunções tras circunstâncias;
sexuais. O distúrbio em uma das etapas da fi- ƒƒ Absoluta: a resposta sexual não ocorre ou a
siologia sexual levaria à ocorrência das disfun- relação sexual completa não se dá em qual-
ções sexuais: inibição do desejo, disfunção eré- quer circunstância.
til, anorgasmia, vaginismo, entre outras.

Os fatores de risco de natureza psicológica


3. Disfunções sexuais femininas para as disfunções sexuais femininas envolvem:

Disfunção sexual é a incapacidade psicofí- ƒƒ Educação restritiva, incluindo posturas inibidas


sica de usufruir prazer ou bem-estar, ocasionada ou distorcidas dos pais em relação ao sexo;
pela falta de resposta sexual ou dor e impossibi- ƒƒ Relacionamentos familiares perturbados, ha-
vendo falta de afeto e insatisfação com os pais;

Faculdade Christus 375


Capítulo 52

ƒƒ Experiência sexual traumática, incluindo abu- tudo, diagnosticar e tratar as causas orgânicas, com
so sexual e incesto; atenção especial às ginecopatias. Deve também, tra-
ƒƒ Orientação sexual inadequada. tar a ansiedade, melhorar a autoestima da paciente e
ajudar na melhora do relacionamento do par.
Os fatores desencadeantes das disfun-
ções sexuais são essencialmente:
4. Conclusão
ƒƒ ansiedade e depressão;
As disfunções sexuais, apesar de serem
ƒƒ infidelidade;
uma queixa relativamente frequente nos servi-
ƒƒ falha ocasional;
ços de ginecologia, foram abordadas sucinta-
ƒƒ disfunção do homem;
mente porque não é o objetivo deste capítulo.
ƒƒ abortamento e parto;
ƒƒ experiência sexual traumática Por tudo que foi relatado, pode-se concluir
ƒƒ conflitos nos relacionamentos gerais. que todas as pessoas têm o direito de receber edu-
cação e orientação para ter condições de exercer
Os fatores que mantêm uma disfunção sua sexualidade saudável e com responsabilidade.
sexual são:
ƒƒ ansiedade quanto ao desempenho;
ƒƒ depressão;
D- Referências Bibliográficas
ƒƒ medo de falhar; ANDREASEN, N. C.; BLACK, D. W. Disfunção
ƒƒ culpa; sexual, parafilias e transtornos da identida-
ƒƒ falha na comunicação; de de gênero. Introdução a psiquiatria. 4.ed.
ƒƒ conflitos no relacionamento geral; Porto Alegre: Artmed, 2009. p.335-345.
ƒƒ troca de carícias muito limitada;
ƒƒ crenças irracionais, preconceitos e tabus; BARBOSA, R. M; KOYAMA, M. A. H. Comportamen-
ƒƒ exigências do parceiro. to e Práticas Sexuais de Homens e Mulheres, Brasil
1998 e 2005. Rev. Saúde Pública,  São Paulo,  2009.

Segundo Gonçalves, os elementos deter- GONÇALVES, N. Disfunções Sexuais Femininas. In:


minantes de uma disfunção sexual são o alvo PIATO, S. Ginecologia – Diagnóstico e Tratamen-
primário da terapia sexual, sendo que os fatores to São Paulo: Manole, 2008. Cap. 37, p.257-63.
predisponentes e desencadeantes devem ser
delineados assertivamente, para evitar recor- LARA, L.A.S. Sexualidade, Saúde Sexual e Me-
rência da problemática sexual. dicina Sexual: panoramaZ atual. Gineco-Obste-
trícia, v.31, n.21, p.583-85, 2009.
Paralelamente aos fatores etiopatogêni-
cos, de natureza psicológica, encontram-se as LARA, L A S et al. Abordagem das Disfunções
causas orgânicas, responsáveis por apenas 8% sexuais femininas. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., 
das disfunções sexuais femininas. Tanto as pato- Rio de Janeiro,  v. 30,  n. 6, June  2008.
logias agudas quanto as crônicas podem levar a
PAIVA, V et al. Opiniões e Atitudes em Relação à
problemas sexuais, sendo que os processos crô-
Sexualidade: pesquisa de âmbito nacional, Bra-
nicos degenerativos e neoplásicos aumentam,
sil 2005. Rev Saúde Pública, São Paulo, v. 42,
consideravelmente, com a idade, interferindo
supl. 1, p. 54-64, abril de 2008.
de forma negativa no exercício da sexualidade.
O diagnóstico de qualquer disfunção é fun- PAIVA, V. A Psicologia Redescobrirá a Sexualida-
damentalmente clínico; as queixas são diretas e de? Psicol. Estud.,  Maringá,  v. 13,  n.4, Dec.  2008.
expressas, sendo aí transparentes e indubitáveis RESSEL, L. B. A Sexualidade como uma Cons-
ou ocultas e subclínicas, surgindo então na depen- trução Cultural: reflexões sobre preconceitos e
dência da disponibilidade e da escuta atenciosa do mitos inerentes a um grupo de mulheres rurais.
médico. Exames laboratoriais raramente elucidam Rev Esc Enferm, São Paulo, v. 37, n. 3, 2003.
ou especificam qualquer disfunção sexual.
TRINDADE, W R; FERREIRA, M A. Sexualidade
Segundo Gonçalves, modernamente, a tera-
Feminina: questões do cotidiano das mulheres.
pêutica sexual consiste na associação de psicotera-
Texto contexto - Enferm.,  Florianópolis,  v. 17, 
pia e farmacoterapia; e ao ginecologista cabe, sobre-
n. 3, Sept.  2008.

376 Faculdade Christus


Capítulo 53
SEXUALIDADE NO CLIMATÉRIO
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Guilherme Alencar de Medeiros
Renata Cavalcante Lima

A- PROBLEMA ção da atividade sexual é quase um fenômeno


mundial, que tem como meta a obrigatoriedade
M.J.Q., 55 anos de idade, natural e proce- de uma perfomance atlética, culminando com
dente de Fortaleza, procurou o ambulatório de orgasmos mirabolantes.
ginecologia porque não estava conseguindo ter
relações sexuais; a vagina estava seca e o mari- Paralelamente às grandes mudanças dos
do reclamava muito. Seu maior receio era nunca comportamentos sexuais, mitos e desinforma-
mais poder ter relações. Ansiosa, queria saber ções estão sempre presentes quando o assunto
como poderia reverter o quadro. Não apresen- é a sexualidade das pessoas mais velhas. Idosos
tava outra queixa. Exame físico, sem alterações. que expressam interesse ou gostem de sexo são
Exame ginecológico, vulva de aspecto atrófico; frequentemente tratados com humor ou escár-
ausência de conteúdo vaginal. nio pela mídia.
Segundo ainda Machado, nesse emara-
nhado de informações e desinformações, como
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM estará a mulher climatérica de hoje? Estão todas
bem, chegando à meia-idade sem dificuldades e
1. Identificar as hipóteses diagnósticas.
conflitos, com uma visão positiva da sexualida-
2. Conhecer a propedêutica (dados clínicos e
de, com conhecimento sobre o funcionamento
exames complementares para se chegar ao
do corpo – suas alterações metabólicas, estéti-
diagnóstico).
cas e hormonais? E os médicos que lidam com
3. Compreender a conduta terapêutica.
elas? Estão preparados e aptos a ouví-las e a
entendê-las? E a sociedade, fruto de uma cultu-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA ra que sempre considerou a sexualidade como
um apanágio da juventude? Está pronta a aceitar
1. Introdução essa mulher, não jovem, a usufruir as benesses
Para Machado, seguramente estamos que não seriam apropriadas a ela? Definitiva-
vivendo em um mundo novo! O fato de hoje mente não. Então, o que mudou e quem mudou
a sexualidade ser reconhecida como parte in- em toda essa história? Não faz muito tempo, a
tegrante do ser humano sinaliza-nos que os maioria das mulheres morria antes de alcançar
tempos são outros, bem diferentes de um pas- a menopausa ou pouco depois, o que fazia que
sado incrivelmente recente. Basta lembrarmos esta fosse extremamente temida e só se falasse
que, se há apenas algumas décadas sexo era nela aos cochichos, indicativa que era de declínio
um assunto proibido, hoje constatamos que o e morte. As que sobreviviam a ela tratavam-na
erotismo anda solto no ar. A sexualidade passou como doença, vivida às escondidas, assunto de
a ser um assunto corriqueiro, e a supervaloriza- mulher, coisa para se falar apenas com o médico
ou com a melhor amiga. Foi o desenvolvimento
Capítulo 53

das ciências médicas que, trazendo para homens mais, uma população idosa. E, cada vez mais se
e mulheres a possibilidade de viver mais, levou torna atual o tema: “O sexo no Climatério e na
um contingente enorme de mulheres não só a Velhice”. Esta atualidade faz-se ainda mais evi-
chegarem lá, mas também a ultrapassá-la. Ao fa- dente quando se considera a idade média de
zê-lo, no entanto, as mulheres não se livraram do vida da mulher e a idade média da menopausa.
mais pesado dos significados que a menopausa A relação entre as duas permite-nos fixar o nú-
sempre trouxe embutida no seu bolo, a de que mero de anos que a média das mulheres vive,
se está chegando à tão temida velhice. após terem silenciado as funções ovarianas;
chegou-se à conclusão que a mulher ultrapassa
Mas, com os avanços da ciência, a mulher
no mínimo de 20 a 30 anos a vida de seus ová-
de 50 anos não é mais a mesma dos anos 30,
rios. Isto implica afirmar que, praticamente, um
40, 50. A geração que está vivendo o climatério,
terço da existência feminina é vivido no clima-
hoje, está realmente mais jovem e, como se sen-
tério e na velhice.
te com o espírito rejuvenescido, cuida mais da
aparência, e não só as caminhadas são uma prá- Até mesmo o mais grosseiro raciocínio
tica constante, como também ginástica, danças de valorização das coisas parece confirmar a
de salão, viagens, cursos e tantas outras coisas. importância do estudo destas fases, sobretudo
Tem outro visual e outros papéis, e tem sorte quando se sabe que sobre elas confluem pres-
em muitos aspectos: possui mais liberdade a sões biológicas, socioculturais e psicológicas.
respeito do seu corpo, é mais consciente sobre
A expressão “tota mulier est in útero”
os problemas de saúde e, principalmente, é a
(toda mulher está no útero) encerra em si mes-
geração que ganhou de presente a pílula an-
ma, um mito nuclear que alimenta e é alimen-
ticoncepcional, a medicina preventiva, o parto
tado por outros mitos secundários. Na verdade,
assistido, as psicoterapias e que ganha, agora, a
toda uma estrutura mística suporta esta afirma-
possibilidade da reposição hormonal.
tiva que procura identificar a sexualidade com a
Para Machado, se tudo é assim tão mara- função reprodutora. Realmente, se o sexo fosse
vilhoso, por que ainda se ouvem tantas queixas posto exclusivamente a serviço do fenômeno
e tantas reivindicações? Porque, um grande nú- reprodutivo, no climatério – quando se observa
mero de mulheres ainda vive esse período com a diminuição e do desaparecimento da função
grande pudor, pouco conforto e nenhum con- gonadal – teria lugar um processo de desse-
solo. As que se acomodaram a regras e sistemas xualização. A velhice seria uma fase assexuada.
de manutenção, por ser um processo mais fácil O argumento de que a mulher quando enve-
do que tentar se colocar contra mecanismos so- lhece e perde a capacidade de reproduzir tam-
ciais já cristalizados sentem o peso dos efeitos bém perde os motivos para o sexo, encerra um
de uma repressão tão violenta, e não mudam. sofisma evidente. O ato sexual já é um motivo
Muito menos têm uma visão positiva da maturi- suficiente por si mesmo e, além disso, a função
dade e dos direitos que a idade confere, presas sexual é muito mais abrangente do que a fun-
na armadilha dos rígidos estereótipos que di- ção reprodutora.
zem respeito ao papel da mulher mais velha. A
Atualmente ninguém mais discute a nítida
menopausa é, inclusive, uma boa desculpa para
diferença entre o campo do sexual e o campo do
o término de uma série de coisas: dos sonhos,
reprodutivo. Poucas pessoas fazem sexo pensan-
da vida sexual, do investir em si própria. Sen-
do apenas em procriar. Na maior parte das vezes,
tem-se marginalizadas, mas esquecem-se que
a sexualidade é usada com uma forma de prazer,
contribuíram para a própria marginalidade.
uma extraordinária forma de comunicação. Nos-
Segundo o Instituto Brasileiro de Geogra- sos corpos são eróticos ou erotizáveis durante
fia e Estatística (IBGE), há cerca de 24 milhões toda a vida; durante apenas alguns anos possu-
de mulheres com mais de 40 anos (censo 2000). ímos o potencial de reprodução. A sexualidade
A perspectiva de vida, no Brasil, é em torno de é a norma; a reprodução é uma ocorrência. São
72,4 anos, sendo que um terço da vida dessas os fatores socioculturais e não os biológicos que
mulheres será vivido no climatério, predomi- perpetuam o mito da identidade entre sexualida-
nantemente na fase de deficiência estrogênica. de e fenômeno reprodutivo.
Do ponto de vista demográfico, portanto, A sexualidade é definida como um dos pi-
o mundo de hoje tende a comportar, cada vez lares da qualidade de vida, sendo cada vez mais

378 Faculdade Christus


Capítulo 53

valorizada sua abordagem quando se propõe em consequência da diminuição de estrogênio,


assistir pacientes climatéricas. Não mais se acei- mas nem por isso menos prazerosa ou insatisfa-
ta que o profissional de saúde deixe de arguir tória. O principal fator da senescência sexual é a
as pacientes a esse respeito, pois estará negli- frequencia sexual baixa ou nula. A constância de
genciando uma área que tanto contribui para o atividade sexual retarda os efeitos do envelhe-
desenvolvimento do bem-estar geral. cimento sobre os órgãos genitais. Além disso, o
interesse e a capacidade para a resposta sexual,
Segundo Lopes, a sexualidade não é mais
incluindo o orgasmo, não são dependentes de
abordada como já foi em tempos passados. Era
estrogênio e podem persistir por toda a vida da
descrita como sendo estruturada fundamental-
mulher, se ela assim o desejar. Porém, modifica-
mente por princípios psicogênicos e com ênfa-
ções na resposta sexual com o avançar da idade
se em caracteres emocionais. As descrições de
existem e podem assim ser resumidas.
tratamentos em sexologia médica eram tão so-
mente uma análise psicológica de fatores que Alterações na fase de excitação:
poderiam ter influência negativa sobre ela. A
ƒƒ Resposta mais lenta.
nova era da sexologia feminina está ligada tam-
ƒƒ Redução da vasocongestão genital, devido à
bém à farmacologia sexual. O conhecimento da
diminuição do fluxo sanguíneo por queda de
fisiologia do sistema nervoso central (SNC) e pe-
estrogênio.
riférico permite a utilização racional de medica-
ƒƒ O aumento no tamanho dos seios torna-se
mentos com progressivos benefícios. O editorial
mínimo ou ausente.
da importante revista em sexologia – “Journal of
ƒƒ Menor tensão sexual devido à diminuição da
Sex and Marital Therapy” – afirma que além de
massa muscular.
avanços farmacológicos, haveremos de desco-
ƒƒ Menor expansão da vagina e menor lubrifica-
brir formas de avaliação para predição de boa
ção vaginal.
resposta à medicação e determinar em quais
ƒƒ Secura vaginal, devido à maior demora e me-
casos esta modalidade de tratamento pode ser
nor lubrificação vaginal.
combinada à terapia individual ou de casal.
ƒƒ O coito pode causar dor devido à secura va-
A compreensão de todos os fatores inter- ginal.
venientes que fazem parte da resposta sexual pro-
piciou uma maior habilidade médica em tratar os
Alterações na fase do orgasmo:
distúrbios relacionados. Para este progresso reco-
nhece-se como fundamental a contribuição do ca- ƒƒ Resposta clitoridiana intacta.
sal Masters e Jonhson, como uma avaliação crítica ƒƒ Diminuição da duração do orgasmo.
e descritiva do mecanismo desta resposta. Nesta ƒƒ Menos contrações vaginais e mais fracas.
época foi feita uma descrição de como e em que
ordem os eventos físicos deveriam acontecer na Alterações na fase de resolução:
resposta sexual normal, com relação às mudanças
cardiorrespiratórias, pressão arterial e outros. Fo- ƒƒ Aumento do tempo de retorno ao estado pré-
ram descritas ainda mudanças na função relacio- -estimulatório.
nada à idade e status hormonal. Todas as altera- ƒƒ Redução da capacidade multiorgástica.
ções que ocorrem em função da diminuição dos ƒƒ Irritação fácil do clitóris devido à redução do
esteroides sexuais podem ter repercussões sobre tecido adiposo.
a sexualidade. As alterações do SNC, aumentando ƒƒ Sintomas de cistite ou uretrite após o coito
a incidência de humor depressivo, diminuindo a demorado ou repetido em intervalo curto de
disposição física e a sensação de bem-estar geral tempo, chamadas de “cistites de lua de mel”.
têm um impacto muito importante. A diminuição
no vigor muscular e ósseo podem gerar dores ou O desenvolvimento das mudanças fisio-
outros transtornos também com suas consequên- lógicas na resposta sexual do parceiro (que co-
cias específicas. meçam a ocorrer a partir dos 40 anos) faz que,
Como foi abordado anteriormente, não erroneamente algumas mulheres menopausa-
se pode confundir capacidade reprodutiva com das, pensem que diante de um comportamento
desejo sexual. O que muda na mulher climaté- de fracasso/evitação sexual dele, isso se deva
rica é o tipo de resposta sexual (fase de excita- a não atratibilidade, desamor, infidelidade, re-
ção), que se torna mais lenta e menos intensa jeição etc. A parceira também deve estar ciente

Faculdade Christus 379


Capítulo 53

dessas mudanças masculinas para que não as nais que agem sobre a realização sexual, ou seu
interprete erroneamente, como se o parceiro a tratamento apresenta consequências negativas
estivesse rejeitando. para o exercício da sexualidade).
O ginecologista, à medida que é um mé- A ausência de informações, assim como
dico não só da mulher, mas também do casal, suas distorções (tabus e mitos), constitui a gran-
deve ter conhecimento da resposta sexual do de causa de disfunções sexuais em nosso meio.
homem com a idade, assim como a origem de Segundo a prática clínica diária, nas mulheres,
seus problemas e tratamento, recorrendo a um encontra-se com maior frequência a inapetên-
especialista, quando necessário. cia sexual ou desejo sexual inibido devido à mo-
notonia conjugal e à habituação, e à dispareu-
Alguns anos após a menopausa, surge a
nia, por deficiência de estrogênio. A maioria das
atrofia da pele e das mucosas do aparelho ge-
mulheres na fase do climatério tardio perde o
nital, devido à deficiência estrogênica. A vagi-
interesse sexual por problemas psicossociocul-
na perde sua elasticidade, sua flora normal, sua
turais e não por deficiência hormonal, porém,
acidez e torna-se seca. A consequência destas
não se pode relegar o status hormonal a um se-
alterações é o aparecimento da vagina atrófica
gundo plano.
e a dispareunia. A reposição estrogênica, seja
sistêmica ou local (somente sobre a mucosa do Quando se trata de disfunções do desejo
sistema urogenital) propicia um retorno do tro- na mulher climatérica, as causas somáticas são
fismo da mucosa vaginal e uretral, levando ao raras. Entretanto, deve-se pesquisar se a pa-
reaparecimento do glicogênio das células vagi- ciente faz uso de medicamentos que interfiram
nais, à diminuição do PH vaginal e consequen- na libido, como antidepressivos, antiulcerosos,
temente a um predomínio da flora de lactoba- tranquilizantes e barbitúricos. Como já foi dito
cilos, que impedem a colonização de bactérias anteriormente, para a função sexual normal da
patogênicas, principalmente os gram-negativos mulher os androgênios têm um papel muito im-
responsáveis pelas cistites e uretrites. Quando portante. No diagnóstico da queixa de diminui-
há contraindicação para o estrogênio, pode-se ção da libido é imprescindível a avaliação clínica
utilizar o promestrieno. e laboratorial, no sentido de pesquisar a pre-
sença ou não de hipoandrogenismo.
É conhecido que o declínio da libido com
a menopausa inclui fatores biológicos. Segundo Diante das queixas de disfunção da ex-
Lopes, citando Kaplan e Owett, a baixa de an- citação, também como já foi abordado, a prin-
drogênios na mulher está associada a um signi- cipal causa é a deficiência de estrogênio, cau-
ficativo decréscimo no desejo sexual ou libido. sando secura vaginal. Exames ginecológicos e
A observação clínica, segundo Lopes, leva-nos sistêmicos são bastante esclarecedores, de-
a pensar que frente a um caso de hipoandro- monstrando o menor trofismo dos tecidos es-
genismo existe comprometimento também nas trogênio dependentes. Porém, em alguns casos
outras fases da resposta sexual, como a exci- a queixa pode ser devido a problemas neuroló-
tação e o orgasmo. Do ponto de vista prático, gicos e, mais raramente, doenças endócrinas e
uma mulher menopausada cirurgicamente ou metabólicas. Do ponto de vista prático deve-se
com níveis séricos de testosterona baixos ou no reforçar que a lubrificação vaginal, sensibilidade
limite inferior, pode ser favorecida com a adição clitoridiana e presença ou ausência de dor ao
de androgenioterapia. coito são dados importantes no diagnóstico de
disfunções relacionadas à fase de excitação.
Com relação aos bloqueios emocionais
provocadores de disfunções sexuais no clima- Nos casos de disfunção do orgasmo,
tério, as causas podem ser: psicológicas imedia- apenas três patologias orgânicas podem ser
tas, conflitos intrapsíquicos, conflitos relacionais as causadoras: problemas neurológicos, medi-
ou circunstanciais. camentos que provocam disfunções químicas
dos nervos responsáveis pela função reflexa
É importante enfatizar que as causas or-
do orgasmo e patologias endócrinas e meta-
gânicas (neurológicas, vasculares, endócrinas,
bólicas que comprometem a função hormo-
psiquiátricas, uso de drogas ou medicamentos),
nal. Alguns autores consideram a neuropatia
podem exercer uma influência direta (a doen-
diabética como a principal causa orgânica de
ça impede a manifestação da sexualidade), ou
anorgasmia feminina.
indireta (a doença produz alterações emocio-

380 Faculdade Christus


Capítulo 53

O tratamento das disfunções sexuais nes- LORENZI, D.R.S.; SACILOTO, B. Factors related to
sa faixa etária pode ser preventivo ou curativo. frequency of sexual activity of postmenopausal
As mulheres climatéricas devem comunicar aos women. Revista da Associação Médica Brasi-
seus parceiros sobre suas necessidades e pro- leira, v.52, n..4, p.256-260, 2006.
blemas sexuais, bem como ser instruídas so-
bre as mudanças fisiológicas e anatômicas que LORENZI,D.R.S.; et al.. Predicting factors of cli-
ocorrem com o avançar da idade. Nesse mo- macteric symptoms. Rev. Bras. Ginecol e Obst,
mento é importante estar atento a mudanças v.27, n.1, p.12-19, 2005.
nas atividades sexuais propriamente ditas, não MACHADO, I.P. Sexualidade no climatério. In:
considerando o coito como a única expressão MACHADO, L.V. Endocrinologia Ginecológica.
de sexualidade e fazendo uso de hormônios Rio de Janeiro: MedBook, 2006. Cap 15. p.255-
e lubrificantes vaginais quando necessários. 69.
Quando os problemas forem de origem emo-
cional, pode-se tentar resolvê-los por meio do OLIVEIRA, D.M.; JESUS, M.C.P.; MERIGHI, M.A.B.
estímulo ao diálogo e da proposição do sexo Climateric and sexuality: the comprehension of
descompromissado com o coito. Educação se- this interface by women attended in group. Tex-
xual, psicoterapia sexual e aconselhamento to & Contexto – Enfermagem, v.17, n.3, p.519-
constituem também armas efetivas quando as 526, 2008.
pessoas não resolvem por si só. Segundo Lopes,
SOUZA, C.L.; ALDRIGHI, J.M.; LORENZI FILHO,
se os problemas forem de origem orgânica, o
G. Quality of sleep of climacteric women in São
acompanhamento pelo sexólogo pode ajudar
Paulo: some significant aspects. Revista da As-
na resolução. O uso de medicações tem que se-
sociação Medica Brasileira, v.51, n.3, p. 170-
guir rigoroso critério científico e nenhuma dro-
176, 2005.
ga tem o poder de fazer que a pessoa se inte-
resse pelo sexo ou fazer o parceiro interessante
e interessado, quando existem problemas intra
ou interpessoais importantes.
Para Lopes, todo ginecologista deve es-
tar preparado para abordar a sexualidade no
climatério. É uma exigência da medicina mo-
derna, que se preocupa com a qualidade de
vida dos pacientes.

D- Referências Bibliográficas
BERNI, N.I.O.; LUZ, M.H.; KOHLRAUSCH, S.C. Co-
nhecimento, percepções e assistência à saúde
da mulher no climatério. Revista Brasileira de
Enfermagem , v.60, n.3, p. 299-306, 2007.

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DE, D.M. Sexualidade em mulheres entre 40 e
65 anos e com 11 anos ou mais de escolaridade:
estudo de base populacional. Revista Brasilei-
ra de Ginecologia e Obstetrícia, v.30, n.4, 2008.

LOPES, G.P. Sexualidade – Fiologia, Diagnóstico


e Tratamento. In: FERNANDES, C.E. Menopausa
– Diagnóstico e Tratamento. Segmento. São
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LORENZI, D.R.S.; Assistance to the climacteric


woman: new paradigms. Revista Brasileira de
Enfermagem, v.62, n.2, p. 287-293, 2009.

Faculdade Christus 381


Capítulo 54
SEXUALIDADE NA GESTAÇÃO
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Paulla Vasconcelos Valente
Fernando Sérgio Mendes Carneiro Filho
Larissa Vasconcelos Barros

A- PROBLEMA da. Apesar de percebermos avanços no campo


da psicologia, a maioria dos médicos ainda se
D.R.P, 32 anos, G1P0A0, encontra-se na encontra despreparada para fazer a abordagem
32a semana de gestação e, muito ansiosa e an- da sexualidade durante o pré-natal. Quando
gustiada, acompanhada pelo marido, procura questionados, muitos médicos mostram-se in-
o ambulatório de obstetrícia porque, tanto ela capazes de dar um aconselhamento adequado.
quanto o esposo, têm receio de manter relações Indagações da grávida e dúvidas do Obstetra
sexuais; receberam a orientação de uma amiga constituem a norma mais frequente da clínica.
parteira que poderia ser perigoso para o bebê. Seja por qual motivo for, a não inclusão desse
Dessa data em diante, ficaram com receio e tema nos cuidados pré-natais pode afetar a
nunca mais houve uma troca de carinho entre qualidade de vida do casal grávido.
eles, o que está prejudicando muito o relacio-
namento e praticamente tornando insuportável A gestação é um momento especial no
a convivência. É a primeira gravidez, estão ca- qual a sexualidade geralmente se manifesta
sados há 2 anos e tinham um ótimo relaciona- de forma diferenciada. Pode-se dizer que exis-
mento antes da gravidez; agora, já pensaram até te uma “crise da maternidade”, entendendo-se
em se separar. A gestante, muito desesperada, por crise esse momento de transição e trans-
pede orientação; e o companheiro demonstra formação súbita, não necessariamente negati-
interesse em tirar muitas dúvidas porque quer va. Nesse período, as influências psicológicas e
continuar com sua esposa e o futuro filho. socioculturais, somadas a questões orgânicas,
podem levar os casais a enriquecer sua vida se-
xual, ou a reduzir os momentos de prazer a dois.
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Segundo Masters e Johnsons os tabus
e as sanções relativos a este tema talvez sejam
1. Orientar o casal sobre o relacionamento se-
somente comparáveis àqueles que relacionam a
xual durante a gestação.
sexualidade ao fluxo menstrual. Muitos deles ten-
2. Conhecer as contraindicações da relação
tam basear-se em fundamentos biológicos, quan-
sexual durante a gravidez.
do, na realidade, se apoiam em fontes que vão
da especulação obscura a preconceitos extremos,
C- ABORDAGEM TEMÁTICA restritos à experiência pessoal de cada um.
Dentre os mamíferos, somente os seres
1. Introdução
humanos e algumas espécies de primatas têm
A gravidez é o testemunho de que a relações sexuais durante a gestação. Porém,
vida sexual existiu, a não ser, é claro, no caso sexo é certamente um dos aspectos mais im-
de esta ter sido obtida por fertilização assisti- portantes da vida humana. O relacionamento
Capítulo 54

sexual durante a gestação parece ser um dos companheiro está forçando ou simulando sen-
pontos mais vulneráveis do relacionamento do timentos que não tem. A ideia de que o marido
casal, podendo acarretar crise na vida conjugal. simula sentimentos que na verdade não possui,
que pode estar procurando outra mulher, favo-
Apesar da grande importância deste
rece um clima de discórdia continuada, poden-
tema, sexo durante a gravidez é considerado
do provocar uma crise de vínculo do casal.
um dos últimos tabus a serem desvendados.
Pouco ainda se conhece a respeito das mudan- O exercício da sexualidade durante a ges-
ças fisiológicas e psicológicas na esfera sexual tação depende fortemente de como é vista pela
determinadas pela gravidez. Entretanto, se- própria mulher antes da gestação. Se a visão
gundo Barclay, pode-se classificar basicamente anterior for negativa, ou seja, visto como algo
as alterações como de fundo sociocultural, or- sujo, ruim ou até pecaminoso, é óbvio que não
gânico e psicológico que atuam durante a ges- se conseguirá reverter durante o curto período
tação, interferindo de diferentes formas sobre da gestação para uma visão positiva. A visão da
a sexualidade do casal. mulher está fortemente vinculada à relação com
seus pais ou pessoas que exerceram ou exercem
A cultura e as tradições de cada socieda-
este papel. Um relacionamento problemático
de podem exercer forte influência sobre a vida
frequentemente vincula-se a um relacionamen-
sexual do casal durante a gestação.
to mais instável com o companheiro. Assim sen-
Na gestação, a mulher passa por uma re- do, o exercício da sexualidade visto como algo
volução hormonal e por profundas alterações “impuro” torna-se incompatível com o conceito
em seu esquema corporal. Não seria sensato de certa “santidade”, que cerca a maternidade.
negar as contundentes alterações físicas que
Para Lazar, as mulheres que não aceitam
acontecem como o crescimento abdominal, a
a gravidez geralmente procuram os serviços
sensibilidade mamária, a ocorrência inoportuna
de pré-natal em estágios mais avançados da
de náuseas e vômitos, à maior lubrificação vagi-
gestação, o que poderia traduzir uma dificul-
nal, entre outros. Todas essas são alterações or-
dade maior de sua aceitação, sendo muitas
gânicas que as mulheres experimentam durante
vezes negadas em seus estágios iniciais. Pode
a gestação e que podem influir fortemente na
ser conflitante estar em um momento cultural-
vida sexual do casal. Segundo Lazar, não se trata
mente considerado especial e, ao mesmo tem-
de uma interferência por carência de afeto ou
po, não estar gostando de si mesma. Emoções
de sentimentos, mas por gerar desconforto.
e sentimentos variáveis, desde a alegria até a
Do ponto de vista psicológico, a mulher depressão, decorrem de preocupação em rela-
pode não se sentir atraente ou feminina, dimi- ção à evolução da gestação, das condições do
nuindo com isto sua autoestima. Na sociedade recém-nascido, dos problemas econômicos,
atual, a imagem que é veiculada por meio dos dos futuros cuidados com o filho. A mulher
meios de comunicação, como jornais, revistas passa a se ver e a ser vista de maneira diferen-
e televisão exigem que as mulheres sejam ex- te, adquire um novo papel, o de mãe, o que
tremamente magras e esguias e que, mesmo pode gerar sentimentos de insegurança e ins-
quando grávidas, engordem o mínimo possí- tabilidade emocional. Nesta fase, pode haver
vel, até mesmo menos que o recomendado por conflitos importantes entre o papel anterior de
seus médicos. Criou-se um ideal de beleza tam- companheira e amante, permeado do papel de
bém durante a gestação. Mediante este quadro, esposa, e o seu status de mãe.
a mulher pode sentir-se atraente e desejável
Emocionalmente, essas questões podem
para o seu companheiro ou ter medo de perdê-
comprometer seriamente a libido. Há necessi-
-lo para outra mulher.
dade de uma reorganização de identidade que
A sexualidade da mulher na gravidez envolve também o homem, pois a paternida-
dependerá, também, de como se percebe, se de implica responsabilidade pela criança que
avalia e se valoriza. Sentir-se amada e atraente vai nascer assumir a função de protetor de sua
depende, também, dos esforços de seu com- companheira, e a ajustamentos à sua nova con-
panheiro em deixar claro seu sentimento por dição. Com o nascimento do primeiro filho, o
ela, aumentando, assim, sua afetividade. A au- casal muda a condição de família, com um ter-
toestima rebaixada manifesta-se por extrema ceiro elemento na composição da díade conju-
insegurança, dando a nítida impressão de que o gal, o que, consequentemente, gera impactos

384 Faculdade Christus


Capítulo 54

profundos. Surge a necessidade de novas adap- de sexual antes da gestação, e uma diminuição
tações e ajustamento, tanto no sentido pessoal ainda mais acentuada durante a gestação, prova-
quanto no interpessoal. velmente devido à repressão da expressão sexual
da cultura chinesa, quando comparada à ociden-
Conflitos decorrentes do medo da per-
tal. Analisando-se o primeiro, segundo e terceiro
da da individualidade, da divisão do amor pelo
trimestres respectivamente, foram observados
parceiro por mais outra pessoa (filho), da inse-
37,3%, 34% e 64,7% de abstinência sexual.
gurança em relação às modificações físicas, po-
dem surgir e a gravidez pode se transformar em O desejo sexual é definido como impulso
ameaça à relação do casal, principalmente se sexual, produzido pela mobilização do mundo
essa relação tiver sido construída anteriormen- interno (psicológico) da pessoa e pela ativação
te em alicerce frágil. A mulher pode começar a do sistema límbico e hipotalâmico em função
excluir progressivamente o parceiro de sua vida, de estímulos eróticos. O desejo é experimenta-
o que pode gerar no homem, intenso ciúme do do na forma de sensações específicas que le-
filho que vai nascer ou repulsa por alguém que vam a pessoa a buscar ou a tornar-se receptiva
“não lhe quer mais”. Nem todos os casais viven- às experiências sexuais. Assim como existe o
ciam tais problemas, e a intensidade com que desejo, existe a inibição do desejo, que é co-
essa crise da gravidez é vivida pelos casais é ex- mum no homem e na mulher, ocorrendo perda
tremamente variável. de interesse sexual um pelo outro.
Para Vitiello, o fator que parece mais di- As causas da inibição, como já foram abor-
retamente influenciar na performance sexual dadas, podem ser físicas, psicológicas ou cultu-
masculina é a questão estética da mulher. De- rais. Para alguns casais existe o temor de que a
pendendo das preferências do companheiro, relação sexual machuque a mãe e/ou o bebê; o
as alterações na estética corporal da mulher excesso de zelo, contudo, leva alguns casais a ini-
servem como desestímulo à sua libido. Muito bir o desejo sexual, o que pode representar uma
embora por amor e respeito algo possa ser dito regressão afetiva e uma insegurança emocional.
em sentido contrário, na realidade a perda de Mas hoje, muitos casais procuram ajuda e man-
atrativos sexuais da mulher, que passa a não têm inalterado o seu comportamento sexual.
corresponder ao modelo social de “sexualmente
De forma genérica, um padrão de com-
atraente”, é um importante fator negativo sobre
portamento pode ser observado dependendo
o desempenho sexual masculino.
da idade gestacional. Alguns autores dividem a
Algumas mulheres, apesar de apresen- gestação em quatro fases distintas, de acordo
tarem certo desconforto ou mesmo desprazer com a sexualidade em cada período: da concep-
durante o coito, preferem cumprir suas “obriga- ção até 2 ½ meses de gestação (12 semanas);
ções” maritais por temer a infidelidade do ma- de 2 ½ a 8 meses (12 a 32 semanas); durante o
rido. Os números a esse respeito são variados, oitavo mês de gestação (32 a 36 semanas) e no
estimando-se que entre 4% a 23% dos compa- nono mês de gestação (36 semanas ou mais).
nheiros iniciam vida extramarital durante a ges- A maioria, entretanto, prefere dividir a gravidez
tação; entretanto, antes da gestação cerca de em apenas três fases, correspondendo ao pri-
15% destes já tinham tido casos extraconjuais meiro, segundo e terceiro trimestres e cada uma
e no pós-parto 8% iniciaram uma relação ex- delas apresentando reações e sentimentos dife-
traconjugal, sendo que 4% destes pela primei- rentes, que são influenciados por vários fatores.
ra vez. Sentimentos de rejeição são descritos
como o principal fator motivador para o início
de relacionamentos extramaritais neste perío- 2. Modificações no comportamento sexual
do. A labilidade do companheiro para lidar com 2.1. Primeiro trimestre
esses medos é de importância relevante para a
relação neste período. No primeiro trimestre da gravidez, os
sintomas desagradáveis como náuseas, vômi-
A atividade sexual durante o ciclo gravídi- tos, insônia e fadiga levam à inibição sexual. O
co costuma sofrer uma redução de 40% a 60%, lento desenvolvimento do ventre propicia sen-
em virtude de todos esses fatores aqui citados. timentos ambíguos como alegria, entusiasmo,
Na China, estudo retrospectivo em dois hospitais apreensão, angústia e rejeição. Esses sintomas
escola de Hong Kong, encontrou baixa ativida- são provocados por alterações hormonais e por

Faculdade Christus 385


Capítulo 54

mudanças psicológicas, que podem levar a uma amor do companheiro e testam esse amor por
baixa no desejo sexual. A libido da mulher volta- meio de inusitados desejos. Do ponto de vista
-se para o processo de mudanças corporais e emocional, é o período mais estável. A aparição
sua atividade sexual diminui; para as nulíparas, de novas redes vasculares na zona subabdomi-
esse decréscimo pode refletir o medo, muitas nal cria uma vasocongestão bastante estimulante
vezes infundado, de abortar. para a maioria das mulheres. Os efeitos da con-
gestão da vasculatura pélvica e a diminuição dos
Quando a mulher descobre que está grá-
vômitos gravídicos no segundo trimestre podem
vida, ela geralmente necessita de um período
ser fatores importantes que permitem que as mu-
de recolhimento até incorporar o papel de mãe;
lheres grávidas continuem tendo práticas sexuais.
terá de abdicar de algumas atividades para po-
der doar parte de si para o filho que irá nascer. A exploração do corpo despertada pela
curiosidade que acompanha a gravidez pode le-
Embora os fatores psicossociais sejam re-
var a mulher e seu parceiro a novas descobertas;
levantes, os chamados “pequenos sintomas” da
por meio dos toques e das carícias, acontecem
gestação, de origem orgânica, podem ter influ-
um maior contato e valorização do corpo.
ência no desejo sexual, dentre os quais a mas-
talgia por engurgitamento venoso e o edema Do ponto de vista emocional, é o período
do epitélio vaginal, que deixam o seio e a va- mais estável.
gina menos sensíveis ao toque. Nos níveis mais
profundos do psiquismo, ocorrem sentimentos
e defesas que são característicos nesse período 2.3. Terceiro trimestre
inicial da gestação. O mecanismo de defesa de No terceiro trimestre, o grande tamanho
negação surge pelo conflito entre desejo e con- do ventre ocasiona dificuldades com posições
tradesejo de ter esse filho. As defesas maníacas para o sexo e tende a diminuir a frequência
são representadas pela certeza da chegada de deste. Além disso, as mulheres apresentam so-
um filho bonito, que cumulará os pais de feli- nolência, irritabilidade, tensão dorsal e dor nas
cidade; em oposição, a excitação masoquista costelas. Emocionalmente, os sentimentos mais
mostra-se pelo medo do filho disforme, que comuns nesse momento são a ansiedade com
pode assumir proporções ansiogênicas. As fan- a proximidade do parto e o medo irracional da
tasias terroríficas são demonstradas pelo medo criança não ser normal.
de morrer no parto e de não saber cuidar bem
do bebê. Nesse período, a ansiedade dominan- Esse período é caracterizado por um au-
te pode estar sendo ativada pela culpa de ter mento da interferência dos fatores orgânicos e
tido relação sexual (visão do sexo como impuro) das ansiedades em relação ao parto, o que leva
e pela reativação de fantasias incestuosas. a uma notória diminuição da atividade sexual.
As oscilações da pressão arterial, a retenção de
Durante essa fase, a gestante vive muitas líquido e a liberação das endorfinas, podem le-
mudanças emocionais características desse pe- var à diminuição do desejo sexual. Além disso,
ríodo inicial quando ela necessita saber que é corroborando com esses sinais, são frequentes
amada pelo parceiro e pelos outros membros os casos de sonolência, fadiga, dispareunia, irri-
da família. tabilidade, tensão dorsal e geralmente excesso
de peso. O grande tamanho do ventre ocasiona
dificuldades nas relações sexuais acarretando
2.2. Segundo trimestre
um maior desconforto na busca de posições
A segunda fase da gestação caracteriza- adequadas para a penetração. No entanto, a ne-
-se pelo aumento do desejo sexual na maioria cessidade de buscar posições alternativas para
das mulheres. O medo da perda gestacional di- um maior conforto no ato sexual contribui para
minui; a mulher está mais confiante no seu po- o desenvolvimento da criatividade e da sintonia
der de gestar. A percepção real da gravidez com entre os parceiros o que ajuda a mulher a se
o crescimento do ventre, bem como a ausência tornar mais desejada, evitando a diminuição do
de náuseas, propiciam aumento do erotismo e interesse sexual do parceiro que é tão comum
da qualidade orgástica, elevando, assim, sua au- nessa fase da gestação.
toestima Entretanto, para algumas gestantes, a
Emocionalmente, os sentimentos mais
percepção das modificações corporais remete-as
comuns nesse momento são a ansiedade com
a uma maior insegurança, pois temem a perda do

386 Faculdade Christus


Capítulo 54

a proximidade do parto, a data do nascimen- lução. Para Lopes, a gravidez produz modifica-
to, como será o parto, o medo de a criança ções nas distintas fases.
não ser normal e sua criação que podem pro-
Na fase de excitação, há maior ingurgitação
piciar defesas como o pensamento mágico e
e edema dos lábios maiores da vagina. Nas multí-
a onipotência das ideias; o grau dessas ansie-
paras, o desenvolvimento da plataforma orgástica
dades dependerá do ambiente e da receptivi-
é maior. Na fase de resolução, quanto mais avan-
dade da família.
çada a gravidez, menos notável é a diminuição da
A frequência de relações sexuais, como já vasodilatação que precede o orgasmo.
foi dito anteriormente, diminui com a progressão
Na lactação, a sucção do mamilo provoca
da gravidez, com acentuada diminuição do pe-
liberação do ocitocina pela pituitária posterior
ríodo pré-gravidez para o 1º. trimestre e muitas
(neuro-hipófise), contribuindo para as modifi-
vezes diminuição drástica, chegando muitas ve-
cações uterinas que acompanham o orgasmo.
zes à abstinência quando se aproxima do parto.
O reverso também pode ser demonstrado, ou
Como no primeiro trimestre, os cuidados seja, a estimulação sexual da mulher pode vir
médicos são imprescindíveis nessa última fase acompanhada de ejeção láctea, provavelmente
da gestação. A vida sexual ativa na gravidez devido à liberação de ocitocina. Os baixos níveis
normal, além de não prejudicar, contribui para de andrógenos, nesta fase, explicariam a dimi-
a manutenção do tônus dos músculos da região nuição do desejo sexual, e, consequentemente,
pélvica, facilitando o trabalho de parto; mantém uma menor lubrificação vaginal, que poderia
a capacidade orgásmica da mulher, o sentimen- ocasionar dispareunia. As dores ao coito podem
to de ser amada e desejada. Assim, os papéis ser exacerbadas ou mantidas devido à episioto-
prioritários de marido e mulher não são substi- mia ou outras formas de traumas do parto.
tuídos, mas apenas acrescidos pelos papéis de
Fatores hormonais são relevantes, porém
pai e mãe, sem interferir na expressão da afeti-
mudanças psicossociais durante este período
vidade erótica.
explicariam mais acuradamente os frequentes
No pós-parto observa-se também, dimi- bloqueios sexuais no pós-parto.
nuição do interesse sexual, em geral atribuídos
a temor, dor, fadiga, debilidade e secura vaginal
devido à queda das taxas hormonais. Segundo 4. Práticas sexuais em gestantes
Lazar, neste período a puérpera sente-se cansa- 4.1. Penetração vaginal
da e pode até mesmo sentir-se ressentida com
o marido. Muitas vezes encontra-se ainda acima A prática da penetração vaginal, quando
do seu peso pré-gestacional, o que acarretaria di- comparada por trimestre, mostra um decréscimo
minuição de sua autoestima e problemas sexuais progressivo com o avançar da gestação. Estudos
adicionais. A lactação pode reduzir o desejo se- mostram que mais de um terço das mulheres chi-
xual de seus parceiros, do mesmo modo que a nesas e cerca de 42% das malaias cessam a prá-
imagem da esposa como mãe dos seus filhos, em tica de penetração vaginal durante a gestação.
contraste com sua imagem como objeto sexual. Essa redução foi associada com a cultura, conhe-
cimento inadequado e ansiedade excessiva.
Fatores inerentes à forma de alimentar o
recém-nascido, como medo de nova gravidez,
dor persistente, relacionamento em crise, doen- 4.2. Masturbação
ça na família, desemprego, interferem também
na frequência das relações sexuais e não podem Um estudo realizado no Canadá em 2000
ficar à margem das abordagens terapêuticas A mostrou que 31% das mulheres grávidas são
suspensão do aleitamento materno geralmente adeptas da masturbação, já no Brasil, outra aná-
está associada a uma melhora no estado de hu- lise mostrou uma prática de 13%, 11%, e 13%
mor, disposição e sexualidade. no primeiro, segundo e terceiro trimestres res-
pectivamente. Antes da gestação 44 a 75% dos
casais europeus e americanos praticam mastur-
3. Modificações na resposta sexual bação mútua e já 27,5% dos casais brasileiros a
praticam. Esses índices são explicados pelo pre-
A resposta sexual pode ser dividida em domínio da cultura da classe media profissional,
quatro fases: excitação, platô, orgasmo e reso- que nos países europeus e nos Estados Unidos

Faculdade Christus 387


Capítulo 54

essa classe é mais populosa e tem uma cultura A interrupção do ato sexual pode ser re-
mais aberta do que a do Brasil. comendada nos seguintes casos: risco de abor-
to, sangramento, perda de líquido amniótico,
Em 2007, um estudo intercultural mostrou
histórico de parto prematuro, infecções, dores,
que quase metade das mulheres nunca teve um
dilatação prematura do cérvix, dores abdomi-
orgasmo por meio da masturbação; esta é asso-
nais, placenta prévia, insuficiência placentária,
ciada a um maior conhecimento corporal e das
incompetência cervical, gravidez múltipla e res-
zonas erógenas, que está positivamente relacio-
trição de crescimento intrauterino.
nada com uma melhora da qualidade da vida
sexual tanto das mulheres quanto dos seus par- O orgasmo na mulher é representado
ceiros. Dessa forma, a masturbação durante o pe- fisiologicamente por dois fenômenos: vaso-
ríodo gestacional pode ser benéfica, já que ocorre congestão e contrações musculares. Dentre as
intensa ação hormonal e alterações adaptativas contrações musculares, as uterinas, principal-
atuando no corpo feminino nessa fase da vida. mente, podem representar perigo para as mu-
lheres com risco de abortamento ou parto pre-
maturo, ou história habitual destas patologias
4.3. Sexo oral obstétricas. A história habitual de uma dessas
No Canadá, 55% dos casais realizam duas entidades nosológicas deve ser orienta-
sexo oral durante a gestação. Em contrapar- da para as atividades não coitais ou orgásti-
tida na China foi verificado uma porcentagem cas apenas no período correspondente, e não
de 0% de sexo oral antes da gestação e no durante toda a gravidez. Em caso de risco de
primeiro trimestre, já nos três últimos meses abortamento, tão logo seja afastada a hipótese
da gestação foi notado uma taxa de 1,1% des- de interrupção da gravidez, deve-se suspender
sa prática sexual. Esses dados não especificam a proscrição do sexo.
quem recebia e quem praticava o sexo oral
(felação e cuninligus). Diante dessa falta de
informação, foram avaliadas gestantes brasi- 6. Mitos e tabus sexuais
leiras em 2002, e observou-se uma porcenta- Na população, de uma forma geral, ainda
gem de 55,5%, 25%, 34,5% e 38,1% de fela- existem muitos mitos, tabus e desinformações
ção antes da gestação, no primeiro, segundo que geram uma visão distorcida sobre esse
e terceiro trimestre respectivamente, e para tema. “Sexo provoca aborto”, “toda mulher
cunilingus encontrou-se nas mesmas fases, sente menos necessidade de sexo na gravi-
63,9%, 38,9%, 44,9% e 33,3% . dez”, “a infidelidade masculina é uma constan-
te nesse período”, “a mulher fica feia”, e outras
crendices acabam levando à deserotização da
4.4. Sexo anal relação sexual do casal. O maior mito sexual
Estudos mostram que o sexo anal é inco- consiste na crença de que não deve existir re-
mum entre as mulheres chinesas durante a ges- lação sexual na gravidez.
tação; ocorre em torno de 7% entre as gestan- Os casais de classes sociocultural média e
tes brasileiras e as canadenses e cerca de 40% alta apresentam menos crenças irreais com rela-
entre as grávidas francesas. ção à sexualidade da gravidez; entretanto, esses
números ainda não são significativos. Estudos
mostram que cerca de 19,5% das mulheres de
5. Sexualidade e complicações da classe média e 25% das universitárias acredita-
gravidez vam na incompatibilidade entre o sexo e gra-
Os perigos potenciais do coito durante a videz, e que o mito “o sexo faz mal ao nenê”
gravidez envolvem três áreas principais: fatores é mais frequente entre homens (30%) do que
mecânicos, infecções e contrações uterinas. A úni- entre mulheres (7%).
ca técnica sexual que deve ser questionada duran- É muito importante que os profissionais
te uma gestação saudável é o cuningulus. Alguns de saúde esclareçam esses mitos e tranquili-
trabalhos relatam morte materna atribuída à em- zem o casal sobre a prática sexual durante a
bolia gasosa produzida por insuflação (sopro de gestação nos casos em que ela não está con-
ar) vaginal. Enquanto isso, os temores ligados aos traindicada.
possíveis danos do coito vaginal são infundados.

388 Faculdade Christus


Capítulo 54

7. Cuidados e aconselhamento sexual A sexualidade e as práticas sexuais dimi-


nuem significativamente durante a gestação.
Toda a prática sexual é possível, desde
Normalmente, esse fato pode ser explicado pe-
que a gravidez não tenha nenhuma intercorrên-
las mudanças físicas e psicológicas que ocorrem
cia e que o casal se sinta confortável entre si.
neste período em conjunto com as influências
Todavia, o obstetra tem o importan- cultural, social, religiosa e emocional.
te papel de minimizar o impacto psicossexual
Para Lazar, há muito a se fazer em ter-
presente no binômio sexualidade e gravidez. O
mos de educação sexual para que a informação
elevado contingente de pacientes para um es-
correta sobre sexo e gravidez chegue à mulher.
casso tempo força o obstetra a direcionar a con-
Talvez uma das vertentes necessárias para que
sulta para a prevenção de inúmeras patologias
mudanças de modo consistentes passem pelo
obstétricas, e não valorizar seu relevante papel
currículo médico, e da área de treinamento dos
de educador sexual. É necessário introduzir na
profissionais de saúde para que tenha forma-
prática do obstetra, a anamnese também volta-
ção direcionada ao comportamento humano no
da para a sexualidade, bem como criar vínculos
que tange a sua sexualidade para poder orien-
de confiança e tranquilizar a grávida durante
tar suas gestantes com dados corretos, obtidos
a entrevista médico-paciente para que o casal
cientificamente através da medicina baseada
se permita expressar suas dúvidas e necessida-
em evidência. Profissionais de saúde com for-
des. Cabe aos profissionais de saúde, o papel
mação adequada para uma visão sem precon-
de diminuir o medo, a ansiedade e a desinfor-
ceitos das questões relativas à sexualidade con-
mação da gestante e do seu parceiro a respeito
tribuem para esclarecer dúvidas e promover o
da atividade e do comportamento sexuais. As
bem-estar do casal, desde que utilizem um trei-
primeiras visitas pré-natais são uma ótima oca-
namento e conhecimento de modo apropriado
sião para ajudar o casal se sentir mais seguro,
não lhes competindo tecer juízo de valor sobre
tirar dúvidas e explorar a sexualidade durante
atitudes e questões de foro íntimo.
a gestação.
Para Leche & Martins, o autoconhecimen-
Várias mulheres reclamam de dificuldade
to e o diálogo entre os parceiros são os ingre-
sexual devido ao desconforto associado a diver-
dientes básicos para que o período gestacional
sas posições sexuais, congestão pélvica e o encai-
transcorra permeado por uma vida sexual ativa
xamento da cabeça do bebê na pelve, principal-
e prazerosa.
mente nas nulíparas. O companheiro queixa-se
da limitação da penetração, não tão profunda e
consequentemente menos prazerosa.
D- Referências Bibliográficas
O período de abstinência pós-parto va-
ria muito de uma cultura para outra. Em geral, ADINMA , J.I.B. Sexual activity during and after
recomenda-se evitá-lo nas quatro primeiras se- pregnancy. Advanc Contraception, v.12, p.53-
manas pós-parto. Na verdade, o apetite sexual 61, 1996.
feminino no pós-parto imediato encontra-se di- ADINMA, J.I.B. Sexuality in Nigerian pregnancy
minuído e o homem deve respeitar quando não women: perceptions and practice. Aust NZJ
há disposição da parceira. Obstet Gynaecol, v.35, p.290-3, 1995.
As atividades não coitais, como carícias e
ATPUTHARAJAH, V. Some aspects of sexual
afagos e a própria atividade autoerótica (mas-
knowledge and sexual behavior of local women:
turbação), podem ser retomadas imediatamen-
results of a survey: XI: Sex and pregnancy. Sing
te e devem fazer parte de todo o ciclo grávido-
Med J, v.28, p.225-30, 1987.
-puerperal. Entretanto, o uso de vibradores não
é aconselhado durante a gestação, pois a ges- BARCLAY, L.M.; MCDONALD, P.; O’LOUGHILIN, J. A.
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8. Considerações finais BARTELLAS, E.; CRANE, J.M.; DALEY, M.; BEN-


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Faculdade Christus 389


Capítulo 54

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390 Faculdade Christus


Capítulo 55
ASSISTÊNCIA À CRIANÇA E À
ADOLESCENTE VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
Helena Maria Barbosa Carvalho
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Francisco Nilson Fernandes Cardoso Filho
Raquel Fernandes Garcia

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


J.P.P., sexo feminino, 6 anos, foi encami- 1. Introdução
nhada à emergência do hospital, por uma vi-
A violência contra crianças e adolescentes
zinha, com queixas de dores na região lombar
é um fenômeno prevalente na história da civili-
e perda sanguínea por via vaginal. A paciente
zação ocidental, sendo o abuso sexual descrito
apresentou dificuldade em relatar coesamente
desde a antiguidade. O primeiro trabalho desen-
o início e a origem dos sintomas, contradizen-
volvido que abordava a violência contra crian-
do-se várias vezes e alterando frequentemen-
ça e adolescente foi escrito pelo médico legista
te a sequência dos fatos; mas refere ter caído
francês Ambroise Tardieu em 1860 e chamava-
de uma escada. A acompanhante relata não ter
-se Étude médico légale sur les sevices et mauvais
conhecimento do ocorrido; levou a menina ao
traitements exercés sur des enfants, em que ele
hospital após tê-la encontrado em casa, sozi-
descrevia a síndrome da criança espancada. Mes-
nha, chorando e queixando-se de dores. Refere
mo com a publicação do trabalho, as agressões
também não ter convivência com a família da
e abusos sexuais sofridos por crianças e adoles-
criança, a qual reside com a mãe e o padrasto,
centes continuaram a ser consideradas “fanta-
e que ambos são alcoólatras. Exame físico: pre-
siosos”, mentiras inventadas para que vantagens
sença de hematomas dolorosos em dorso, bra-
fossem obtidas em detrimento dos acusados.
ços e pernas, edema e lacerações cicatrizadas
Somente em 1962, com a publicação do artigo
na região vulvoperineal e lesões do hímen entre
The Battered-Child Syndrome, de autoria dos ra-
as posições de 4 e 8 horas.
diologistas americanos Kempe, Silverman, Stee-
le, Droegemueller e Silver, é que o trabalho do
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM médico francês foi confirmado, o que levou à
formulação de leis específicas nos Estados Uni-
1. Detectar grupos de risco para violência in- dos e outros países do hemisfério norte para o
fantil. atendimento, proteção e prevenção de abusos e
2. Identificar as hipóteses diagnósticas de vio- maus-tratos contra crianças e adolescentes.
lência sexual infantil.
3. Conhecer a conduta nos casos de violência De acordo com o artigo 227 da Constitui-
sexual: aspecto médico e legal. ção Federal Brasileira de 1988, e do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo
4, “É dever da família, da sociedade e do Estado,
assegurar, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao la-
Capítulo 55

zer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, Abuso sexual ocorre quando o agressor,


ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e por meio de força física ou ameaça, obriga a ví-
comunitária da criança e do adolescente, além de tima a manter relações com ele.
colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
Exploração sexual ocorre quando a vítima
discriminação, exploração, violência, crueldade, e
é vista como objeto sexual, sofrendo o abuso e
opressão” (Constituição Federal do Brasil, 1988).
recebendo algum tipo de remuneração por ele,
Fica então estabelecida a responsabilidade da fa-
como se fosse um serviço prestado.
mília, da sociedade e do Estado em zelar pelos
direitos da criança e do adolescente.
A despeito da existência da lei, muitas 3. Epidemiologia
crianças e adolescentes são vítimas da violência A OMS considera o abuso sexual infantil
no Brasil e no mundo. como um grande problema de saúde pública,
De acordo com a Organização Mundial atingindo aproximadamente, segundo estatísti-
da Saúde (OMS), violência se define como o uso cas mundiais, 7-36% das meninas e 3-29% dos
intencional de força física, influência, omissão meninos. Em países europeus, pesquisas indi-
ou ameaça contra si mesmo, contra terceiros ou cam que aproximadamente 6-36% das meninas
contra grupos de pessoas, que provoque ou te- e 1-15% dos meninos sofreram abusos antes
nha potencial para provocar danos físicos, psi- dos 16 anos. Nos EUA, de forma semelhante,
cológicos, privações, sofrimento, deficiência no uma pesquisa envolvendo 935 pessoas mos-
desenvolvimento ou morte. trou que 32% das mulheres e 14% dos homens
sofreram abusos sexuais na infância, enquanto
19% das mulheres e 22% dos homens sofreram
2. Tipos de violência violência física. Como evidenciado pelos dados,
o abuso sexual é mais prevalente contra crian-
Segundo a OMS (1965), a violência pode
ças do sexo feminino, fato que pode tornar-se
ser: física, sexual, psicológica e por negligência.
mais destacado em decorrência da subnotifica-
Violência física, quando se utiliza a força ção dos abusos contra crianças do sexo mascu-
física que, por meios de agressões, gera lesões e lino. A violência também não difere entre raça,
traumas diversos, podendo, em casos extremos, religião, idade, classe social, podendo atingir
causar a morte. qualquer indivíduo.
Violência psicológica é aquela cujas ações, No Brasil, dados da policia civil do Rio
palavras e comportamentos inapropriados pro- grande do Sul apontam que 872, 1166 e 333
vocam desequilíbrios no desenvolvimento psí- crianças foram vítimas de violência sexual nos
quico e emocional de crianças e adolescentes anos de 2002, 2003 e 2004, respectivamente.
Negligência, quando ocorre omissão dos Em relação à faixa etária, estudos rea-
pais ou responsáveis em prover boa saúde, ali- lizados no Rio de Janeiro, em 2003, constata-
mentação adequada, educação, abrigo segu- ram que a maioria dos casos de violência sexual
ro, dentre outras obrigações, o que acaba por ocorre entre 7-14 anos, seguido por crianças
comprometer o desenvolvimento da criança e com até 6 anos, e por último, em adolescentes
do adolescente. entre 15-18 anos.
Violência sexual, definida pela OMS como Apesar da visibilidade e projeção social
ato ou jogo sexual, heterossexual ou homosse- que a violência sexual vem tomando, a real pre-
xual, entre um ou mais adultos ou adolescentes valência deste problema é desconhecida, devi-
mais velhos e uma ou mais crianças ou adoles- do principalmente à escassez de dados estatís-
centes mais novos, com o objetivo de estimulá- ticos confiáveis. Isso ocorre em decorrência da
-los ou simplesmente utilizá-los para obtenção dificuldade e da demora que as vítimas e seus
de satisfação sexual própria. Esse tipo de abuso familiares têm em notificar os casos.
abrange desde carícias; manipulação da geni-
tália, mama ou voyeurismo, exibicionismo, ato
sexual, com ou sem penetração, dentre outros. 4. Mecanismo do abuso sexual
Dentro do universo de violência sexual O abuso sexual é uma ocorrência multifa-
existem duas facetas que precisam ser definidas. torial e, dentre estes fatores motivadores estão:

392 Faculdade Christus


Capítulo 55

a vulnerabilidade da criança e do adolescente, a rança, diminuindo seu amor próprio e colocando


dependência dessa criança ou adolescente do em dúvida a importância que a vítima tem para
adulto e a exposição a potenciais agressores, sua família. O medo da possibilidade de ser de-
exatamente no início da puberdade. nunciado ou de perder sua vítima para outros faz
que o agressor passe a exigir silêncio por meio
Diferentemente da crença popular, a pre-
de ameaças a ela ou às pessoas de quem ela gos-
valência de agressores conhecidos pela criança
ta. Ele também começa a influenciar nas relações
ou pelo adolescente é maior do que a preva-
da criança ou do adolescente com terceiros; difi-
lência de agressores estranhos. Quando existe
cultando sua ida a escola, a ambientes sociais e
algum laço familiar entre a pessoa que pratica
de lazer, inibindo suas amizades. A vítima, enver-
o abuso e a vítima, caracteriza-se o incesto. Em
gonhada, insegura e sentindo-se desprotegida,
ordem de frequência, os perpetradores familia-
cala-se, deixando de denunciar o abuso.
res são: o pai, o padrasto, o tio, o avô, o primo,
seguidos por outros familiares ou indivíduos do Quando o perpetrador é o pai ou padras-
universo da criança ou do adolescente. No caso to, devido à sua autoridade no lar, os integrantes
de abuso extrafamiliar, o agressor mais frequen- da família assumem uma posição de equilíbrio
te é um aliciador, ou seja, um adulto em posi- doméstico. A mãe, consciente ou inconsciente
ção de autoridade, como professor, babá, padre, do ato, torna-se uma cúmplice silenciosa, bus-
vizinho, dentre outros, o qual se aproveita da cando manter a estabilidade e segurança da fa-
situação para praticar o ato. mília. Quando o incesto é revelado, quebra-se
esse equilíbrio, o que pode levar a mãe a reagir
Nos casos de incesto, o agressor usa a
com ciúmes e buscar colocar a responsabilidade
confiança depositada nele pela criança ou ado-
pelo ocorrido na filha ou no filho, visto que re-
lescente para se aproximar cada vez mais, no
conhecer o abuso seria reconhecer seu fracasso
intuito de praticar atos que a vítima considera
como mãe e esposa e a culpa do esposo.
inicialmente como demonstração de afeto. O
agressor busca transmitir a sensação de prote- Em alguns casos de abuso de adolescen-
ção e de que aqueles atos são normais em um tes do sexo feminino, também podem surgir
relacionamento familiar. Iniciada a agressão, ela concepções machistas de que a vítima, por es-
se torna cada vez mais frequente e abusiva, até tar entrando na idade sexual e desenvolvendo
que a criança ou adolescente desenvolva uma características sexuais secundárias, insinuou-se
sensação de insegurança e dúvida, que podem e acabou por seduzir o abusador, induzindo-o
permanecer por um longo tempo, dependendo a agredi-la.
da maturidade, do conhecimento e do diálogo
da vítima com outro responsável, o qual pode
estar consciente, ou não, da violência. 5. Repercussões no desenvolvimento
Em crianças com menos de três anos de infantil
idade, devido ao seu estágio de desenvolvi- As consequências, físicas, comportamen-
mento, não se formam recordações verbais do tais e psicológicas, que decorrem do abuso se-
trauma, entretanto, ela o absorve, passando a xual infantil são bastante sérias e podem preju-
expressá-lo por meio de suas brincadeiras. Du- dicar enormemente o desenvolvimento normal
rante a idade pré-escolar, a imaturidade cogni- da criança ou da adolescente, sendo visto, em
tiva, associada à dificuldade de linguagem e à si, como fator de risco para o desenvolvimento
ainda pouca percepção do mundo, torna difícil de distúrbios de personalidade e psicopatolo-
a compreensão do fato e, consequentemen- gias na idade adulta.
te, também a denúncia e avaliação dos casos.
A curto prazo, os danos físicos causados
A partir da idade escolar, a vítima já percebe o
pelas relações abusivas, e que são sinais de aler-
abuso como algo anormal, passando a sentir
ta para o profissional de saúde, incluem: hímen
vergonha, desamparo, culpa e insegurança.
rompido, hemorragias vaginais e/ou retais, do-
Quando o agressor percebe que a vítima res ao urinar ou defecar, cólicas, incontinência
já entende seus atos como anormais, ele torna- ou constipação fecal, infecções do trato uriná-
-se cada vez mais violento e possessivo, buscan- rio, disfagia, vômitos, dores de cabeça, lesões
do impor à vítima a culpa por ter aceitado seus físicas diversas, dentre vários outros. Curiosa-
carinhos, explorando sua imaturidade e insegu- mente, as estatísticas apontam que até 90% dos

Faculdade Christus 393


Capítulo 55

resultados dos exames físicos são dados como culdades em manter relações sexuais e em de-
normais. Isso ocorre principalmente porque a senvolver um relacionamento com os filhos.
maioria dos casos de agressão demoram para
Outra consequência para as crianças e
ser notificados, permitindo a cicatrização da le-
adolescentes vítimas de abuso é que elas ten-
são, ou então, o abuso não foi constituído de
dem a perpetuar o ciclo quando adultos, viti-
relações com penetração e sim por carícias, to-
mando os próprios filhos.
ques, dentre outros.
Com a agressão frequente, aumentam
os riscos de a criança desenvolver uma gravi- 6. Prevenção
dez precoce e, nessa condição, pode sofrer um A prevenção da violência é realizada de
aborto, induzido ou não. Outro enorme risco diferentes formas, podendo ser primária, discu-
para a criança ou adolescente vítima de abuso tida agora, secundária ou terciária, discutidas no
sexual é a contaminação pelo vírus HIV, além atendimento às vítimas de violência.
de outras doenças sexualmente transmissíveis,
como: sífilis, gonorreia. A prevenção primária busca evitar a ocor-
rência da violência, principalmente por meio de
Os abusos também podem provocar al- abordagens educacionais direcionadas a grupos
terações súbitas do comportamento normal da como escolas e faculdades; a indivíduos selecio-
criança ou do adolescente, como: distúrbios ali- nados por estarem expostos a fatores de risco; e
mentares e afetivos, padrão de sono alterado, às pessoas que já demonstraram comportamento
agressividade, isolamento social, medo de ficar violento, sendo essa última uma intervenção indi-
sozinho, déficit de linguagem e de aprendiza- cada como terapia para controle da violência.
do, baixa autoestima, práticas de delitos, uso
de drogas ilícitas, pesadelos, tristeza, ansie- Todas as abordagens devem ser baseadas
dade, depressão, ideias suicidas e homicidas, em estatísticas que forneçam orientação acerca
dentre vários outros. A criança pode tornar-se de qual problema é o mais prevalente ou gra-
sexualizada além do normal para a idade, de- ve, como também qual ação seria mais eficiente
monstrando conhecimentos não usuais sobre o para reduzí-lo.
tema; comportamento erótico avançado para a Sabe-se que, atualmente, o principal foco
idade; desenvolvendo brincadeiras sexuais com da prevenção está sobre as reações secundárias
amigos, objetos; masturbando-se compulsiva- e terciárias, oferecendo suporte para as vítimas
mente; desenhando órgãos sexuais detalhados, da violência e aconselhamento psicológico para
dentre outros. os agressores, entretanto, uma resposta abran-
A longo prazo, podem surgir distúrbios psi- gente deve abordar não só as vítimas, mas tam-
cológicos e de personalidade, os quais constituem bém promover a não violência, reduzindo as cir-
os mais sérios problemas decorrentes do abuso. cunstâncias e condições que a favorecem.
Várias alterações psiquiátricas foram relacionadas O enfrentamento da violência exige a in-
a episódios de violência sexual sofridos na infân- tegração de setores da sociedade, como: saúde,
cia ou adolescência, com gravidade e característi- segurança pública, educação justiça e trabalho,
cas variando com tipo de violência, idade de iní- assim como da população em geral. Nesse aspec-
cio, duração, relação da criança com o agressor, to, torna-se absolutamente necessária a capacita-
número de agressores, uso de força. Estatísticas ção de profissionais que tenham habilidade para
americanas de 1994 mostram que 85-90% dos abordar a questão, seja na educação para preven-
pacientes psiquiátricos foram vítimas de maus tra- ção, seja na saúde para detecção e tratamento.
tos na infância, principalmente abuso sexual.
As principais psicopatologias cujos riscos
de desenvolvimento aumentam nesses indivídu- 7. Notificação
os: transtorno do estresse pós-traumático, trans- No Brasil, estima-se que 20% das crianças
tornos dissociativos, fobias, paranoia, transtorno e adolescentes sejam hoje vítimas de alguma
obsessivo compulsivo, transtorno de conversão. forma de violência. Na verdade, acredita-se que
Adultos que foram vítimas de violência esse percentual seja bem maior, com muitos ca-
sexual na infância podem desenvolver proble- sos suspeitos ou confirmados não chegando a
mas para se adaptarem socialmente, com difi- ser notificados.

394 Faculdade Christus


Capítulo 55

Vários são os motivos que dificultam o lários de referência, aplicando-se o dobro em


processo de notificação, tais como o desprepa- caso de reincidência.
ro e o desconhecimento dos profissionais em
O ECA está cobrando do profissional ou
detectar o abuso, a negação em cogitar a pos-
do gestor das instituições de saúde fazer che-
sibilidade de o dano ter sido causado por um
gar às autoridades competentes a necessária
membro da família ou responsável, o desconhe-
informação de que a criança ou adolescente
cimento das leis, o medo de revanchismo contra
está sendo vítima de maus-tratos (ou há sus-
si ou contra a família, o receio de ser acusado
peita desta ocorrência) a fim de serem tomadas
por falsa denúncia.
medidas para manter a vítima em condição de
A Folha de Curitiba de 24 de Agosto de segurança e proteção.
2007 mostrou que essa realidade vem mudando
A notificação da violência é a ferramenta
aos poucos, uma vez que aumentaram os nú-
mais eficiente para que o problema seja abor-
meros de notificações de violência contra crian-
dado de forma apropriada, visto que o coloca
ças e adolescentes no estado correspondente.
em destaque diante da sociedade, além de per-
Dados da Secretaria Municipal de Saúde mos-
mitir o desenvolvimento de dados estatísticos
traram que em 2008 foram registrados na ca-
confiáveis e, a partir destes, planos de preven-
pital paranaense 3390 casos de violência contra
ção apropriados.
indivíduos com até 17 anos, enquanto que em
2004 e 2005 ocorreram 1974 e 2437 ocorrên-
cias, respectivamente. 8. Atendimento às vítimas de violência
Segundo a Rede de Proteção de Curitiba, O acolhimento e o atendimento às víti-
entidade que tem como objetivo discutir ações mas de violência, principalmente às vítimas de
de combate à violência contra crianças e ado- violência sexual, devem ser realizados ideal-
lescentes, esse aumento no número de notifi- mente por uma equipe multiprofissional orga-
cações não representa, necessariamente, que a nizada e com recursos suficientes, embora na
violência contra crianças e adolescente esteja maioria dos lugares isso não aconteça.
aumentando, mas sim que os mecanismos para
denúncias e encaminhamentos estão ficando A assistência multiprofissional tem gran-
mais eficientes. de importância para as vítimas de violência
sexual, uma vez que busca reduzir os agravos
Tornou-se uma prática dos serviços espe- físicos, psíquicos e sociais que podem decorrer
cializados em acompanhar crianças ou adoles- deste tipo de violência.
centes vitimizados explicar aos pais e a outros
familiares a importância e a necessidade da no- A equipe multidisciplinar/multiprofissio-
tificação e a visão de não compactuar com o nal deve ser constituída por médicos, de prefe-
comportamento de violência, colocando a se- rência ginecologistas, enfermeiras, psicólogas e
gurança da criança e do adolescente em primei- assistentes sociais. É importante também a pre-
ro plano. sença, se possível, de um advogado na equipe
para tratar das questões jurídicas. Vale ressaltar
O setor da saúde recebeu, com a imple- que a falta de um dos componentes da equipe,
mentação do ECA, um mandato social que lhe com exceção do profissional médico, não de-
reserva o dever de atuar nos diagnósticos de verá inviabilizar o atendimento. Nas instituições
maus-tratos e proceder com a notificação. Isso onde não houver a assistente social nem a psi-
está disposto no art. 13 do mesmo, o qual diz cóloga, a enfermeira poderá e deverá realizar o
que os casos de suspeita ou confirmação de atendimento.
maus-tratos contra crianças ou adolescentes
deverão ser obrigatoriamente comunicados ao A equipe de enfermagem, na maioria dos
Conselho Tutelar da respectiva localidade. serviços brasileiros, é quem faz o atendimento
inicial, realizando o acolhimento da vítima no
O art. 245 do ECA define como infração ambulatório e a anamnese, orientando sobre as
administrativa a não comunicação de violência medicações e agendando as consultas com os
e maus-tratos pelos médicos, professores ou outros profissionais da equipe. Importante lem-
responsáveis por estabelecimentos de atenção brar que os dados obtidos a respeito da vítima
à saúde e de ensino fundamental às autorida- devem ser registrados no prontuário.
des competentes, sujeita à multa de 3 a 20 sa-

Faculdade Christus 395


Capítulo 55

Nos casos em que a avaliação inicial da O espaço físico hospitalar para atendi-
paciente é feita diretamente pelo profissional mento das vítimas deve demonstrar preocupa-
médico, esse deverá realizar o preenchimento ção com a privacidade, sem, entretanto, rotular
de uma ficha padronizada, relatando os dados as crianças e adolescentes ali atendidas com
importantes sobre o ocorrido, uma anamne- placas indicativas nas salas para atendimento às
se detalhada, um exame físico completo com vítimas de violência.
atenção especial para as áreas mais envolvidas
Dessa forma, o ambiente ideal tem que ser
em atividades sexuais (boca, mamas, genitais,
constituído de uma sala privativa onde possam
nádegas, região perineal e ânus) e um exame
atuar a psicóloga e a assistente social e de um
ginecológico criterioso, descrevendo as lesões
consultório médico com sala de exame ginecoló-
encontradas e realizando a coleta do conteúdo
gico. É necessária a existência de um centro cirúr-
vaginal para pesquisa de espermatozoides.
gico, mesmo que pequeno, para os atendimentos
No caso de crianças, durante a anamnese, que necessitem de correção cirúrgica de urgência
devem ser investigados dados como com quem e para a realização dos abortos previstos por lei.
a criança passa o dia, com quem ela dorme, os
Após o atendimento médico, a vítima
hábitos de vida (banho, privacidade na troca de
será encaminhada para a assistente social e
roupa), o início e a duração do abuso, o local
para a psicóloga. À assistente social caberá as
do mesmo, quem poderia ser o responsável,
funções como elaborar o prontuário, contendo
como foi o abuso (carícias, masturbação, ejacu-
dados do ocorrido, orientar sobre os direitos le-
lação, penetração anal e/ou vaginal, penetração
gais, fazer contato com delegacias, orientar os
peniana, digital ou de corpo estranho), rendi-
familiares e conhecer a situação social da vítima.
mento escolar e dificuldades na escola, modi-
ficações na conduta da criança e de familiares, Com relação ao acompanhamento psico-
entre outros aspectos. lógico, este busca avaliar o impacto da violência
sobre a esfera psíquica da vítima. Na entrevista
O comportamento dos familiares deve ser
psicológica, que aborda tanto a vítima como seus
investigado, pois vários sinais constituem um
familiares, deve-se dar ênfase ao histórico de vio-
alerta para a possibilidade do abuso, como: uso
lência na família, à sexualidade no contexto fami-
abusivo de álcool e/ou drogas, excesso de zelo
liar e às relações entre os membros da família.
para com a criança ou adolescente, relação con-
jugal instável, comportamento sedutor, postura Quando se trata de uma criança, a entre-
contraditória ao prestar informações sobre o caso, vista inicial é feita com a mãe ou responsável, a
ausência do lar, estímulo à criança ou adolescente fim de obter informações sobre os danos emo-
para as descobertas sexuais, dentre outros. cionais gerados pela violência, as reações da
criança e da família e a capacidade desse adulto
O médico deve proceder, quando neces-
de ser um “cuidador” da criança.
sário, ao reparo das lesões encontradas e à co-
bertura com antibióticos e analgésicos, à contra- Em relação à adolescente, é importante
cepção de emergência e a outras medidas como considerar todo o processo psicológico que en-
a vacinação antitetânica em casos de ferimentos volve essa fase da vida, necessitando o profis-
perfuro cortantes ou contato com a terra. sional adquirir a confiança da vítima para que
essa possa sentir-se à vontade para falar sobre
Durante o atendimento médico, são so-
o ocorrido.
licitados os exames laboratoriais para investi-
gação de DST, tais como sorologia para sífilis, O profissional responsável pelo acompa-
hepatites B e C, anti-HIV, além do teste de gravi- nhamento psicológico da criança/adolescente
dez, se isso tudo já não tiver sido realizado pela e suas famílias deve demonstrar interesse em
equipe de enfermagem. assistir a ambas as partes, pois é muito impor-
tante que se estabeleça um vínculo para que o
A relação do profissional com a pessoa
tratamento tenha êxito.
que acompanha a criança ou o adolescente
deve ser firme, sincera e, ao mesmo tempo, Tratando-se de qualquer tipo de violên-
procurar demonstrar toda a sensibilidade que cia, a “alta” do paciente só poderá ser concedida
esse tipo de problema requer, acolhendo com após a análise da equipe multidisciplinar para se
carinho e respeito, a fim de evitar qualquer tipo ter certeza de que todas as questões foram bem
de descriminação. trabalhadas e discutidas.

396 Faculdade Christus


Capítulo 55

Por meio da equipe multidisciplinar, o


atendimento e o acompanhamento à vítima
tornam-se sistematizado e sequenciado, po-
dendo-se ouvir a criança ou adolescente e seus
familiares. Em seguida, faz-se o encaminhamen-
to de um relatório aos órgãos competentes para
que haja a responsabilização dos agressores e
para que sejam tomadas as medidas necessá-
rias para proteção e segurança da vítima.

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Faculdade Christus 397


Capítulo 56
ASSISTÊNCIA À MULHER
VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Eulália Diógenes Almeida
Gabriela Nasser Louvrier

A- PROBLEMA B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM


M.S.R, 28 anos, branca, casada há 8 anos, 1. Detectar os tipos de violência.
mãe de 3 filhos, desempregada, renda familiar de 2. Prestar atendimento à mulher vítima de
dois salários mínimos. Cursou até a 8a serie do violência.
ensino fundamental. Relata não buscar emprego 3. Saber estabelecer a conduta nos casos de
devido à não aceitação do marido, que trabalha violência contra a mulher.
como pedreiro durante a semana e bebe nos fi-
nais de semana. Procurou a emergência porque
havia dois dias, o marido chegara em casa alco-
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
olizado, agressivo, xingando-a. Em seguida, deu 1. Introdução
um “soco forte” no seu ouvido, muitos pontapés
e a obrigou a ter relação sexual. Refere que esses A Constituição Federal de 1988 defende
episódios se repetem há 6 anos e atualmente a igualdade material entre homens e mulheres,
estão mais frequentes.Todas as agressões físi- colocando-os em um mesmo patamar de direi-
cas e verbais são praticadas no interior da re- tos e deveres. Dessa forma, para fazer valer esta
sidência, muitas vezes, na presença dos filhos. isonomia, a Constituição, bem como outras leis,
Os motivos que desencadeiam a violência estão ditam normas com o objetivo de tornar equili-
relacionados ao alcoolismo do parceiro, ao fato brada a relação entre homens e mulheres.
de o casamento não estar sendo satisfatório Nesse contexto, levando em considera-
para ambos, às brigas rotineiras por problemas ção a posição fragilizada historicamente ocupa-
banais e às discussões verbais diárias. Paciente da pela mulher na sociedade, foi editada a Lei
relata que, aos 8 anos, foi vítima de violência se- 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – com a fina-
xual pelo padrasto. Menarca aos 11 anos e início lidade precípua de coibir e prevenir a violência
da vida sexual aos 15 anos. G4P3A1; o aborto doméstica e familiar contra a mulher.
ocorreu após espancamento. Toma pílula anti-
Conforme o diploma normativo acima
concepcional como método contraceptivo. Pa-
citado, diversas são as espécies de violência
ciente preocupada, porque foi ameaçada pelo
praticadas contra a mulher; dentre elas, têm-se
esposo caso procurasse o hospital; como a dor
a violência física, sexual, moral, psicológica e
no abdome era de grande intensidade, desobe-
patrimonial.
deceu-lhe. Mas tem certeza de que a fúria do
marido será grande ao retornar para casa. Atendo-se ao objetivo principal deste ca-
pítulo, faz-se importante o detalhamento acer-
ca da violência sexual contra a mulher. A Lei Ma-
ria da Penha traz em seu artigo 7o, inciso III, um
Capítulo 56

conceito bastante abrangente do que vem a ser de proteção, tais como a facilitação no acesso aos
esta espécie de violência. Veja-se: benefícios tecnológicos e científicos com o forne-
cimento dos serviços de contracepção de emer-
Art. 7o  São formas de violência doméstica
gência e profilaxia das DST; a garantia de proteção
e familiar contra a mulher, entre outras:
policial, quando necessária; o fornecimento de
I – omissis transporte e abrigo para a ofendida, quando hou-
II – omissis ver risco de vida; a imposição de medidas protetivas
de urgência contra o agressor, como por exemplo,
III - a violência sexual, entendida como o afastamento do lar, domicílio ou local de convi-
qualquer conduta que a constranja a presenciar, vência com a ofendida ou a proibição de determi-
a manter ou a participar de relação sexual não nadas condutas – aproximação ou contato com a
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação vítima ou frequentação de determinados lugares a
ou uso da força; que a induza a comercializar ou fim de preservar a integridade física e psicológica
a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, da mulher (BRASIL. Lei no 11.340, 2009).
que a impeça de usar qualquer método contra-
ceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, É importante esclarecer que a Lei
ao aborto ou à prostituição, mediante coação, 11.340/06 não visa tutelar toda e qualquer vio-
chantagem, suborno ou manipulação; ou que li- lência contra a mulher, mas tão somente aquela
mite ou anule o exercício de seus direitos sexuais caracterizada no seio familiar, ou seja, a violên-
e reprodutivos (BRASIL. Lei no 11.340, 2009); cia intrafamiliar, em que haja uma relação de
posição de poder entre vítima e agressor.
Nota-se que, por meio do dispositivo legal
acima, destacam-se algumas variantes da violên- O Código Penal Brasileiro traz o conceito
cia sexual, como o abuso sexual e a exploração legal do que vem a ser o estupro – espécie de
sexual. O abuso sexual é aquele realizado por violência sexual – em seu art. 213. Veja-se:
meio da força física, ameaça ou sedução com a Art. 213.  Constranger alguém, mediante
finalidade de satisfazer a lascívia de quem depre- violência ou grave ameaça, a ter conjunção car-
ende esses esforços. Já a exploração sexual está nal ou a praticar ou permitir que com ele se pra-
intimamente relacionada com a ideia da comer- tique outro ato libidinoso: (Redação dada pela
cialização sexual, na qual o corpo da mulher é Lei nº 12.015, de 2009)
associado a um objeto e/ou mercadoria.
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos
É importante destacar que a Lei Maria da (BRASIL. Código penal, 2009).
Penha tem por objetivo a proteção da mulher
contra a violência praticada no seio familiar. É
a chamada violência sexual intrafamiliar, prática Dessa forma, por meio do dispositivo le-
muito recorrente em nosso país. Dessa forma, gal acima posto, denota-se que estupro pode
visando dar um suporte jurídico e policial às ví- ser pratica do tanto mediante a violência – uti-
timas dessa espécie de violência, é que a citada lização de força física capaz de forçar a vítima a
lei traz diversos mecanismos de política pública. praticar o ato libidinoso -, quanto por meio da
grave ameaça – promessa de um mal injusto e
Em assim sendo, o art. 8o da supracitada
iminente com potencialidade de constranger a
lei dispõe sobre medidas de prevenção à violên-
vítima à prática do ato libidinoso.
cia intrafamiliar contra a mulher, como a realiza-
ção de estudos estatísticos a fim de sistematizar Nota-se que houve uma significativa mu-
bancos de dados para avaliação periódica dos dança legislativa responsável pelo sincretismo
resultados das medidas adotadas; a implemen- de dois crimes. Dessa maneira, com a edição
tação de atendimento policial especializado da Lei 12.015/091, a antiga redação do art. 213
com preferência nas sedes das Delegacias de do Código Penal foi alterada. Assim, é que este
Atendimento à Mulher; a promoção e realiza- artigo trazia em seu texto a figura do estupro
ção de campanhas educativas de prevenção da na modalidade de violência sexual praticada
violência doméstica e familiar contra a mulher; mediante a conjunção carnal, ao passo que no
dentre outros (BRASIL. Lei no 11.340, 2009). art. 214 era configurado o crime de atentado
violento ao pudor, no qual eram compreendidas
Já com relação à mulher em situação de vio-
lência intrafamiliar, a Lei Maria da Penha invoca, em 1 Lei que altera o Título VI (Dos Crimes Contra a Dig-
seus artigos 9o, 11º e 22º, medidas assistenciais e nidade Sexual) da Parte Especial do Código Penal.

400 Faculdade Christus


Capítulo 56

outras formas de prática de atos libidinosos di- quatro mulheres relatou ter sido fisicamente
ferentes da conjunção carnal. agredida pelo marido ou namorado em algum
momento de suas vidas; a cada ano, pelo menos
Nesse diapasão, pelo antigo regime, ape-
4 a 8 de todas as gestantes, cerca de 240.000,
nas a mulher poderia ser vítima de um crime de
são agredidas por um homem. Alguns estudos
estupro. Já o atentado violento ao pudor poderia
indicam que a violência durante a gravidez pode
ter como vítimas homens e mulheres. Atualmen-
ser mais prevalente do que doenças como hi-
te, o art. 214 – que tratava do atentado violento
pertensão, diabetes gestacional ou placenta pré-
ao pudor – foi revogado e parte de sua redação
via, condições para as quais as gestantes fazem
foi inserida no corpo do texto do art. 213, tratan-
rastreio de rotina. No Chile, 26 das mulheres de
do este de uma nova e moderna afiguração do
uma amostra representativa de Santiago relata-
estupro, podendo este ter como vítima homens e
ram pelo menos um episódio de violência come-
mulheres, bem como possuindo tanto a conjun-
tida pelo parceiro. Na Nicarágua, 52 mulheres de
ção carnal, quanto outros atos libidinosos, como
uma amostra representativa de Leon relataram
modalidades de violência sexual.
ter sido fisicamente agredidas pelo parceiro pelo
Outra inovação trazida por esta lei foi a menos uma vez; 27 relataram agressão física no
figura de um novo crime: estupro de vulnerável, ano anterior à pesquisa (1996).
sendo este o estupro praticado contra vítima
Mas existem também estatísticas mostran-
menor de 14 anos, enfermo ou deficiente men-
do que: as mulheres vítimas de violência sexual
tal sem o necessário discernimento para a prá-
possuem entre 1 a 68 anos, sendo a faixa etá-
tica do ato sexual, bem como aquelas pessoas
ria mais acometida entre 10-19 anos. Segundo
que, por qualquer outra condição, não tenham
esses estudos, as mulheres solteiras (78,3 % dos
meios de oferecer resistência.
casos) e com baixo grau de escolaridade foram
É importante destacar que, nesta espécie as mais acometidas pela violência sexual. O abu-
de estupro, é desnecessária a prática de qualquer so ocorre principalmente no período noturno
violência ou grave ameaça, bastando a prática de (64,7% dos casos), das dezoito às cinco horas, e
conjunção carnal ou de qualquer outro ato libi- no mesmo sítio da abordagem (local ermo, pró-
dinoso diverso com essas pessoas determinadas ximo da residência da vítima).
para configurar o crime de estupro. Antes do ad-
Como nos demais tipos de violência, não
vento dessa inovação legislativa, essa hipótese
há um fator isolado que possa ser identificado
era também vivenciada, sendo necessária apenas
como responsável pela violência. Esta é causada
a combinação do instituto da presunção de vio-
por um conjunto de fatores, todos relacionados
lência, previsto anteriormente, com as figuras do
às desigualdades de poder nas relações entre
estupro e do atentado violento ao pudor.
homens e mulheres. A impunidade dos agres-
Por fim, vale frisar que essas inovações sores é um fator importante na manutenção da
legislativas trouxeram uma disciplina jurídica violência contra mulheres.
com uma maior perfeição, eliminando algumas
A violência intrafamiliar é repetitiva em
atecnias legislativas bastante comuns na prática
sua natureza: uma em cada cinco mulheres
forense, as quais prescindem de maiores deta-
agredidas pelo marido ou ex-marido relataram
lhamentos, tendo em vista fugirem do objetivo
que foram vítimas de uma série de pelo menos
principal deste capítulo.
3 episódios de agressão física nos últimos 6 me-
Infelizmente, as próprias vítimas desco- ses (EUA, 1993). Os episódios de violência ten-
nhecem seus direitos e ficam com receio de dem a crescer com o tempo, em frequência e
denunciar. intensidade, aumentando progressivamente os
A violência intrafamiliar contra mulheres riscos para a mulher.
é, na maioria das vezes, cometida por parceiro Por meio de múltiplos padrões de com-
íntimo. O estigma social associado a situações portamento, ameaças de abandono, intimida-
de violência dificulta a revelação do problema. ção com olhares e exibição de armas, humi-
De acordo com estimativas da UNICEF lhação, controle financeiro, ameaça de retirar
(1997), 25 a 50% das mulheres no mundo sofrem a guarda dos filhos, para citar alguns exemplos
violência, cometida pelo parceiro. Nos Estados – o agressor estabelece uma dinâmica de poder
Unidos, pesquisas indicam que uma em cada e controle no relacionamento.

Faculdade Christus 401


Capítulo 56

As consequências da violência podem ção intrauterina, de dilatação do colo uterino e


ser: físicas, psicológicas e sociais. Esta catego- curetagem uterina deve estar presente em ser-
rização é acadêmica, porque a violência, em viços que realizem o abortamento previsto por
qualquer de suas manifestações, afeta todas lei (Ministério da Saúde, 2005).
as dimensões da vida das pessoas. No campo
A identificação dos casos de violência se-
da saúde, as consequências podem ser fatais
xual pode ser feita através de relato da própria
(homicídios, suicídio e mortalidade materna).
vítima ou por evidência das lesões genitais du-
As consequências não fatais podem resultar, às
rante o exame clínico.
vezes, em incapacidade temporária ou perma-
nente, bem como doenças crônicas, problemas A consulta médica é composta por anam-
ligados à saúde mental (depressão, ansiedade, nese e exame físico cuidadosos.
baixa autoestima, distúrbios do apetite e stress O Ministério da Saúde propõe uma ficha
pós-traumático) e até a saúde reprodutiva. para o atendimento de mulheres vítimas de vio-
As consequências negativas para a saúde lência sexual a fim de coletar todos os seus da-
sexual e reprodutiva podem ser muito graves. A dos (Anexo 1) (Ministério da Saúde, 2005).
mulher em situação de violência tem dificuldade A anamnese geral e ginecológica devem
em ter acesso a meio de prevenção da gravidez ser detalhada e registrada de forma minuciosa
e/ou de negociar o uso de preservativos com o em prontuário médico. É importante questionar
parceiro, o que pode resultar em gravidez não de- se a paciente trocou de roupa, tomou banho, fez
sejada e infecções sexualmente transmissíveis. ducha vaginal, usou absorvente interno, urinou,
defecou ou escovou os dentes após o abuso.

2. Atendimento à mulher vítima de O exame físico completo também deve


violência ser descrito com detalhes no prontuário, com
especial atenção para os locais comumente en-
A sensibilização de todos os profissio- volvidos durante as atividades sexuais: boca,
nais do serviço para a questão da violência é mamas, genitais, região perineal, nádegas e
de suma importância. Desde a recepcionista ânus. Os traumatismos físicos severos são inco-
até o médico, todos devem estar conscientes muns. As lesões mais frequentes são equimoses
das dificuldades que a mulher violentada en- e escoriações na cabeça, no pescoço e nos bra-
frenta para revelar o ocorrido. Somam-se à dor, ços. Na região genital, o hematoma e a lacera-
um sentimento de culpa imposto ao longo dos ção genitais são os mais encontrados. Além das
anos, pela maneira como a sociedade tratava o descrições das lesões, é importante fotografá-
estupro, e a desconfiança sobre a participação -las ou desenhá-las. Antes de qualquer conduta
da vítima como provocadora da violência. A adotada pelo médico, durante o exame físico, é
equipe deve ser multidisciplinar e os profissio- essencial a explicação de todos os procedimen-
nais devem acolher e ouvir a paciente, realizar tos à paciente.
o atendimento médico e psicossocial, indicar
as profilaxias pertinentes e fornecer todas as O exame ginecológico deve ser realizado
orientações quanto aos direitos legais. com luvas sem talco e com espéculo sem lubri-
ficante. O toque bidigital não é recomendado
O cuidado com o local escolhido para o no momento, apenas podendo ser realizado se
atendimento deverá refletir a preocupação com realmente for necessário. O colposcópio poderá
a privacidade, sem, no entanto, estigmatizar as identificar pequenas lesões externas.
mulheres ali atendidas com placas indicativas nas
salas para atendimento às vítimas de violência. A coleta de material para a identificação do
agressor deve ser realizada da seguinte maneira:
Os equipamentos e instrumentais ne-
cessários em uma sala de atendimento são: • Das roupas da paciente: as roupas devem
mesa ginecológica com perneiras, foco de luz, ser secadas em ar ambiente e depois guar-
espéculos, espátula de Ayre, pinças e material dadas em saco de papel. As peças íntimas
para coleta de esperma, papel filtro e envelo- devem ser guardadas separadamente das
pes. Sempre que possível, é importante incluir outras roupas.
o colposcópio e uma máquina fotográfica para • Dos pelos pubianos: caso exista secreção
registrar as lesões físicas. O material de aspira- em pelos pubianos, coletar uma amostra e
acondicioná-la em papel, deixando-o secar

402 Faculdade Christus


Capítulo 56

ao ar ambiente e, posteriormente, guardan- sível para detecção de gonadotrofina coriônica


do-o em envelope comum. humana. Os possíveis esquemas são:
• Do conteúdo vaginal e endocervical, oral ou
• Levonorgestrel 0,75 mg: Ingerir um compri-
anal: o material deve ser coletado com swab
mido no momento do atendimento e outro
de algodão e fixada em papel filtro poroso,
comprimido 12 horas depois;
estéril. Deixa-se o papel secar em ar am-
• Levonogestrel 1,5 mg: Ingerir dose única. É
biente para posteriormente guardá-lo em
o método de escolha;
um envelope comum.
• Regime Yuzpe: Administração imediata de
• Do material sob as unhas da vítima: coletar
dois comprimidos com nova administração
raspados desse material para pesquisa de
de mais dois comprimidos 12 horas depois.
sangue, pele ou pelo do agressor.
O contraceptivo oral combinado contém 50
μg de etinilestradiol e 0,5 g de norgestrel;
Os envelopes e sacos com o material co- • DIU contendo cobre: usado em mulheres
letado devem conter a identificação, a data da classificadas na categoria 2 (antecedentes de
agressão e a data da coleta para posteriormente AVC, tromboembolismo, enxaqueca ou DM
serem anexados ao prontuário. O material não com complicações vasculares) da OMS para
deve ser colocado em sacos plásticos, já que es- o uso do método Yuzpe, quando não se dis-
tes podem predispor à proliferação bacteriana, põe de levonorgestrel para substituí-lo.
destruindo células e DNA.
Na mesma consulta, solicitar alguns exa- A profilaxia para DST deve ser ofereci-
mes, como: sorologia para sífilis, hepatites B e da a todas as vítimas de abuso sexual, pois é
C, anti-HIV e teste de gravidez. O teste anti-HIV difícil diferenciar uma DST prévia de uma DST
deve ser realizado após consentimento da pa- recém-adquirida. Para profilaxia de gonorreia,
ciente e repetido com 6 semanas, 3 e 6 meses. indica-se ceftriaxona 125 mg IM e, caso a pa-
A sorologia para sífilis repetir com 6 semanas e ciente seja alérgica às cefalosporinas, prescrever
posteriormente com 3 meses. A sorologia para ciprofloxacina 500 mg VO ou espectinomicina
hepatite B e C repetir em 6 meses, a depender 2 g IM. Para a profilaxia de clamídia e cancro
do resultado dos primeiros exames. mole, utiliza-se azitromicina 1 g VO dose úni-
ca. Pode-se também utilizar doxicilina 100 mg
VO duas vezes ao dia por 7 dias para clamídia.
3. Conduta terapêutica Para gestantes, utiliza-se a eritromicina 500 mg
O tratamento deve ser voltado para o re- VO quatro vezes ao dia durante 7 dias. Para a
paro das lesões, prevenção de uma possível gra- profilaxia de tricomoníase e vaginose bacteriana
videz e para a profilaxia de DST. A vacina antite- utiliza-se metronidazol 2g VO. A vacinação con-
tânica, em caso de ferimentos perfurocortantes tra hepatite B deve ser administrada e repetida
ou contato com a terra também está indicada. em 1 e 6 meses, caso tenha ocorrido penetra-
ção vaginal, oral ou anal. A profilaxia contra o
As lesões serão reparadas no local do HIV está indicada a todas as vítimas que sofre-
atendimento ou, algumas vezes, em centro ci- ram penetração anal ou vaginal sem proteção
rúrgico. No caso de lesões vulvoperineais su- nas últimas 72 horas. O esquema indicado para
perficiais e sem sangramento, deve-se fazer mulheres adultas e adolescentes é a zidovudina
apenas a assepsia local. Caso haja sangramen- 300 mg e a lamivudina 150 mg, 1 comprimido
to, realizar a sutura com agulhas atraumáticas a cada 12 horas, preferencialmente combinados
e com fios delicados e absorvíveis. Quando o na mesma formulação. A introdução de nelfina-
hematoma estiver presente, a aplicação preco- vir 750 mg deve ser administrada a cada 8 horas
ce local de bolsa de gelo está indicada. Alguns em caso de exposições de alto risco (quando o
hematomas necessitam de drenagem cirúrgica. agressor é sabidamente HIV positivo).
A analgesia e antibioticoterapia poderão ser
instituídas se necessário. Aborto previsto por lei: o Art. 128 do Có-
digo penal brasileiro prevê o Aborto Legal para
Para a prevenção da gravidez, a vítima a gravidez resultante de estupro. Entretanto,
poderá fazer uso da contracepção de emergên- não é obrigatória a sentença condenatória do
cia. A paciente deve primeiramente excluir uma réu para que isso seja realizado.
gravidez preexistente através de um teste sen-

Faculdade Christus 403


Capítulo 56

Sair de uma relação violenta é um processo; FREITAS, F.; MARMONTEL, M. Violência sexual
o tempo necessário para que a mulher tome a deci- contra a mulher. In: FREITAS, F. et al. Rotinas em
são de mudar de situação é variável. Umas abando- Ginecologia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
nam a relação violenta precocemente, outras após Cap.23 p.287-289.
um longo período, e algumas nunca abandonam.
LOPES, I. M. R. S. et al. Caracterização da Vio-
A maioria das mulheres agredidas não é lência Sexual em Mulheres Atendidas no Projeto
vítima passiva, mas usa estratégias para maxi- Maria-Maria em Teresina-PI. Revista Brasileira
mizar sua segurança e a de seus filhos. Algu- de Ginecologia Obstetrícia, v. 26, n. 2, p. 111-
mas resistem, outras tentam manter a paz aten- 116, 2004 
dendo a demandas do parceiro. O que pode
parecer falta de resposta para um observador MAGALHÃES, M.L.C. et al. Violência na Infância
externo, pode ser uma tática de sobrevivência e na Adolescência: Assistência Médica e Psicos-
e de proteção para os filhos. Muitas mulheres social. In: MAGALHÃES, M.L.C.; REIS, J.T.L. Gine-
abandonam a relação e voltam várias vezes, até cologia Infanto-Juvenil – Diagnóstico e Tra-
terminarem definitivamente. tamento. 1.ed. Rio de Janeiro: Medbook, 2007,
p.407-418.
Infelizmente, abandonar a situação de
violência não significa encontrar segurança. A MATTAR, R. et al. Assistência Multiprofissional
violência, algumas vezes, continua e pode até a vítima de violência sexual: a experiência da
se tornar mais grave. Universidade Federal de São Paulo. Caderno de
Saúde Pública, v. 23, n. 2, p. 459-464, 2007.

D- Referências Bibliográficas SANTOS, E.P; SANTOS, L.C. Assistência à mu-


lher vítima de violência sexual. In: SANTOS,
BARAM, D. A.; BASSON, R. Sexualidade, Disfun- L.C et al. Ginecologia Clínica – diagnóstico e
ção Sexual e Violência Sexual. In: BEREK, J. S. tratamento. Rio de Janeiro: MedBook, 2007.
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404 Faculdade Christus


Capítulo 56

Faculdade Christus 405


Capítulo 56

406 Faculdade Christus


Capítulo 56

Faculdade Christus 407


Capítulo 57
INFERTILIDADE CONJUGAL: PRINCIPAIS
CAUSAS E IMPLICAÇÕES
Francisco das Chagas Medeiros
Liana Ferreira Alencar Silva

A- PROBLEMA hipotálamo-hipófise e falência ovariana. A Sín-


drome dos Ovários Policísticos (SOP) representa
M.G.S., 35 anos, foi ao Ginecologista com a principal causa de anovulação crônica, apresen-
queixa de não conseguir engravidar há mais de um tando um espectro de manifestações clínicas, que
ano sem uso de anticoncepcionais. Refere episódios incluem obesidade, hirsutismo e infertilidade.
anteriores de corrimento vaginal e dispareunia, ten-
do tomado antibióticos, mas não sabe referir quais. O defeito do eixo hipotálamo-hipófise
Relata não fazer uso frequente de preservativos. pode ser secundário à lesão física do hipotála-
mo ou da hipófise (neoplasia ou isquemia) ou a
um distúrbio na regulação (anorexia nervosa, uso
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM prolongado de contraceptivo hormonal, excesso
de exercícios, insuficiência renal crônica, cirrose e
1. Identificar as principais causas de infertili- hiperprolactinemia). A hiperprolactinemia, a de-
dade conjugal ficiência do hormônio adenocorticotrópico, o hi-
2. Saber como conduzir o exame clínico de um potireoidismo central e o diabetes insipidus po-
casal infértil dem estar associados à infertilidade hipofisária.
3. Esclarecer os principais exames necessários
Quimioterapia e radioterapia podem es-
para a investigação da infertilidade
tar associadas com falência ovariana. A preva-
4. Identificar o tratamento das principais etio-
lência depende da idade da paciente ao receber
logias da infertilidade conjugal
o tratamento, o tipo e a dose das drogas rece-
bidas. As pacientes em tratamento devem ser
C- ABORDAGEM TEMÁTICA informadas do risco de infertilidade secundária
e ser orientadas à opção de congelamento de
1. Introdução embriões para posterior utilização.
Infertilidade conjugal define-se como a Outra causa de disfunção ovulatória é a
incapacidade de um casal sexualmente ativo, insuficiência lútea, definida quando existentes
sem utilização de métodos contraceptivos, con- duas biopsias do endométrio demonstrando
ceber dentro de um ano. Estima-se que 10% um atraso no desenvolvimento histológico do
dos casais em idade reprodutiva são inférteis. endométrio maior que dois dias além do dia
As causas de infertilidade incluem: real do ciclo.
Causas menos frequentes incluem a
1.1. Anovulação ou disfunção ovulatória disgenesia gonadal, presente na síndrome de
Turner, e a insuficiência ovariana prematura
É a causa mais frequente de infertilidade autoimune.
que pode estar associada a desordens do eixo
Capítulo 57

1.2. Infertilidade tuboperitoneal tilidade, podendo alterar a contratilidade ute-


rina e, consequentemente, a migração normal
Pode ser causada por aderências de ci-
dos espermatozoides. Os pólipos endometriais
rurgia pélvica, por doença inflamatória pélvica,
também podem ser encontrados em mulheres
por ascensão de micro-organismos provenien-
inférteis. Porém, alguns estudos mostram maior
tes de infecções pélvicas, podendo levar a infla-
associação com abortamento que com infertili-
mação pélvica, ou por endometriose. Mulheres
dade. As sinéquias intrauterinas ou síndrome de
com infertilidade tubária devem fazer screening
Asherman podem ser causadas por infecções
para doenças sexualmente transmissíveis, como
ou iatrogenias, incluindo complicações pós-
clamídia, pela cultura de secreção do colo uteri-
-operatórias de curetagem uterina, partos mal
no, e sífilis, pela reação de VDRL. A tuberculose
assistidos ou outras cirurgias uterinas.
pélvica também pode estar associada a inferti-
lidade tubária. A paciente deve ser perguntada
sobre laqueadura t ubária. Outra causa de infer-
1.4. Fator cervical
tilidade tubária é o fumo, por levar à diminuição
da motilidade ciliar da tuba uterina, além de al- É uma causa extremamente rara (cerca
terar a motilidade do espermatozoide. de 1% dos pacientes) de infertilidade feminina.
Deve ser avaliado no meio do ciclo, quando a
A endometriose é uma patologia benig-
interação entre o muco cervical e os esperma-
na, caracterizada pela presença de glândulas
tozoides deve ser satisfatória.
endometriais e estroma fora da musculatura e
da cavidade uterina. É uma das causas tuboperi-
toneais mais frequentes, especialmente em mu- 1.5. Infertilidade masculina
lheres com infertilidade associada à dor pélvica
crônica, dispareunia ou dismenorreia. Pacientes Tem como principal causa a varicocele.
com essa doença têm cerca de 20 vezes mais Esta é caracterizada pela dilatação anormal da
chance de serem inférteis do que pacientes sem veia testicular, o que leva ao aumento da tem-
endometriose (ver capítulo de endometriose). peratura testicular, comprometendo a qualida-
Além disso, essas pacientes podem apresentar de do sêmen e reduzindo os níveis séricos de
diferentes disfunções hormonais, entre elas a testosterona. Outras causas incluem: problemas
oligovulatórias ou anovulatórias, com disfunção testiculares (injúria, infecção, inflamação e tor-
oocitária e folicular, e a hiperprolactinemia. Em ção), obstrução, problemas de ereção e ejacu-
casos de doença leve, a endometriose pode ter lação, desordens espermáticas (alterações na
efeitos sobre a infertilidade por meio de libe- quantidade, motilidade e morfologia), doenças
ração de citocinas, incluindo fator de necrose genéticas, uso de drogas (metotrexato, antibió-
tumoral. Nos estágios graves, pode provocar ticos, cimetidina, digoxina, amiodarona, tabaco,
distorção da anatomia. maconha, opioides, esteroides e álcool), tuber-
culose e doenças sexualmente transmissíveis.
Poucos casais têm infertilidade absoluta,
1.3. Fatores uterinos que pode resultar da perda irreversível congênita
Incluem-se mal formações congênitas e ou adquirida de gametas funcionais em um dos
distúrbios adquiridos, como leiomiomas, póli- parceiros ou da ausência do útero na mulher. Nes-
pos endometriais e sinéquias intrauterinas. tes casos, deve-se aconselhar em relação à ado-
ção, barriga de aluguel ou à doação de gametas.
Dentre as anomalias congênitas uterinas,
destacam-se úteros didelfos, unicornos, bicor-
nos ou septados (Figura 1). Essas anomalias as- 2. Avaliação do casal infértil
sociam-se tanto à infertilidade, quanto ao abor-
tamento ou a complicações durante a gravidez. 2.1. Anamnese

Uma frequente anormalidade uterina ad- A anamnese feminina deve abordar ida-
quirida é o leiomioma uterino. Pode interferir na de, ocupação e tempo de infertilidade. Mulhe-
fertilidade de formas variadas, dependendo do res apresentam um declínio da fertilidade a par-
tamanho, da localização e do número de leio- tir dos 35 anos. Informações sobre dor pélvica
miomas (solitários ou múltiplos). No entanto, crônica, dismenorreia progressiva e dispareunia
não é considerado uma causa direta de infer- são importantes, pois podem estar presentes

410 Faculdade Christus


Capítulo 57

em pacientes com endometriose. Dispareunia sexualmente transmissíveis, como infecções por


superficial sugere distúrbio vaginal ou psicogê- Chlamydia trachomatis e Neisseria Gonorrhoae,
nico, diferente da forma profunda que sugere podem causar obstrução ductal.
presença de lesão intrapélvica. Duração e quan-
Investigação sobre testículos criptorquí-
tidade da menstruação, quando excessivas, su-
dicos e sobre possíveis tratamentos clínicos,
gerem lesão uterina. Manchas intermenstruais
como o uso de gonadotropina coriônica (hCG)
podem sugerir a presença de um pólipo endo-
e GnRH, ou cirúrgicos, como a realização de
metrial ou patologias do colo uterino.
orquidopexias, deve ser realizada. Quimiote-
Características do ciclo menstrual, como rapia e radioterapia podem levar a destruição
regularidade, devem ser detalhadas. A pacien- das células germinativas. História sobre cirurgia
te deve ser perguntada sobre aparecimento de vesical, pélvica ou retroperitoneal pode indicar
hirsutismo e acne. Também é importante in- a presença de ejaculação retrógrada ou a au-
vestigar ganho de peso e galactorreia. Deve-se sência de sêmen ejaculado. História familiar de
perguntar sobre paridade e história das gesta- infertilidade pode fornecer pistas para possíveis
ções, pois, caso já tenha engravidado, pode su- causas genéticas, como a fibrose cística, condi-
gerir uma doença adquirida. História de aborto ção associada à agenesia de ducto deferente.
repetido pode indicar a presença de anomalias História de trauma ou torção testicular é impor-
uterinas. Gravidez ectópica, assim como antece- tante, pois pode ocasionar atrofia testicular.
dentes de DST, sugere doença tubária.
Detalhar a história medicamentosa é es-
História de doenças infecciosas deve ser sencial. Pesticidas, sulfassalazina, nitrofuran-
investigada, incluindo sífilis, clamídia, gonorreia toína, cimetidina, cafeína, nicotina, cocaína e
e tuberculose. Deve-se perguntar sobre episó- maconha são gonadotóxicos. A ingestão de
dios de doença inflamatória pélvica e cirurgia hormônios anabolizantes pode suprimir a se-
pélvica. Fumo, exposição a fármacos, substân- creção de gonadotrofinas hipofisárias, afetando
cias tóxicas e fatores ambientais e tratamentos a espermatogênese. O uso de finasterida, um
prévios para infertilidade. O abuso de substân- medicamento contra queda de cabelo, pode
cias como a maconha pode interferir na função provocar diminuição do número de espermato-
ovulatória, inibindo a secreção de hormônio li- zoides. Na história social, deve-se investigar o
berador de gonadotropinas (GnRH). Também é uso crônico de álcool, pois pode alterar a densi-
importante saber sobre exposição intrauterina dade, motilidade e morfologia dos espermato-
ao dietilestilbestrol, pois isso aumenta o risco zoides, alterar o metabolismo dos andrógenos
de mal formações congênitas do trato uterino. e inibir a síntese de testosterona interferindo na
espermatogênese. Exposição a metais pesados
Na anamnese dirigida ao homem, deve-se
como chumbo, cádmio e mercúrio e a produtos
perguntar sobre dificuldade de ereção e ejacu-
químicos também pode afetar o eixo hipotála-
lação, gestações anteriores com a parceira atual
mo-hipófise-testicular. Exposição ao calor pode
ou parceiras anteriores. Também é importante
afetar a função testicular, pois o epitélio germi-
investigar o uso de lubrificantes vaginais, pois
nativo é sensível a temperaturas elevadas, alte-
estes podem conter espermicidas e podem inter-
rando a qualidade do sêmen.
ferir na fertilidade. Queixa de anosmia pode estar
relacionada ao hipogonadismo hipogonadotró-
fico (síndrome de Kallman). Alterações no campo
2.2. Exame físico
visual ou galactorreia podem ser manifestações
de prolactinoma hipofisário. Doenças congênitas Nas mulheres, o exame geral da pacien-
podem estar associadas a infertilidades, como: te (altura, peso e índice de massa corporal) e a
síndrome de Kartagener, por afetar a atividade pressão arterial devem ser registrados (a obe-
ciliar dos espermatozoides; síndrome de Prunne sidade costuma associar-se a excesso andro-
Belly, que apresenta-se com não desenvolvimen- gênico e a anovulação). O exame das mamas
to testicular. O diabetes mellitus pode determinar é importante para descartar a presença de ga-
lesões neuropáticas, conduzindo à ejaculação lactorreia oculta e tumores. No exame pélvico,
retrógrada. Orquite pós-caxumba em pacientes deve-se procurar sinais de hiperandrogenismo,
depois do início da puberdade pode levar à des- vaginites, infecções pélvicas ou malformações
truição do epitélio germinativo, causando infer- congênitas (p.ex.: ausência de útero, septo va-
tilidade, principalmente se for bilateral. Doenças ginal longitudinal ou transverso, alterações da

Faculdade Christus 411


Capítulo 57

cérvice uterina etc.). No entanto, o exame não sença de espermatozoides móveis e a interação
deve ser limitado aos órgãos sexuais femininos. entre o muco e os espermatozoides. O exame
Na pele, podem ser encontrados sinais de ex- deve ser realizado um ou dois dias antes do
cesso androgênico (p.ex.: hirsutismo, seborreia, dia esperado da ovulação. A coleta do muco
acne e acantose nigricans). Vitiligo e outras for- pode ser realizada até 24 horas depois a rela-
mas de despigmentação podem sugerir doença ção sexual. As causas de um TPC anormal são
autoimune. a realização do teste no momento incorreto do
ciclo menstrual, anovulação, anormalidades do
No homem, deve-se observar distribui-
colo do útero (estenoses, cervicites), infecção
ção de pelos e gordura, pois pelos rarefeitos e
e alguns medicamentos (citrato de clomifeno,
corpo ginecoide podem indicar hipogonadismo.
tamoxifeno, corticoides). O monitoramento foli-
Presença de ginecomastia é sugestivo de hiper-
cular é feito pelo ultrassom transvaginal, porém
prolactinemia. Massas abdominais e cicatrizes
não é viável pelo alto custo. A biopsia endome-
inguinais devem ser pesquisadas. O exame físico
trial pode ser feita a partir do 23º dia do ciclo
do pescoço pode diagnosticar anomalias tireoi-
menstrual em pacientes com ciclos regulares de
dianas. No exame da genitália, o tamanho testi-
30 dias. A biopsia permite que se classifique o
cular é um parâmetro importante, devendo ter
endométrio como proliferativo ou secretor (res-
no mínimo 20 ml de volume e comprimento mé-
ponsivo à progesterona), bem como datá-lo de
dio superior a 4 cm. A presença de anorquia ou
acordo com os critérios de Noyes.
de testículos não descidos deve ser investigada.
Os testículos devem ser manuseados procuran- Para pacientes com oligo ou amenorreia,
do por nodulações, cistos, hiperestesias, hérnias, a avaliação deve incluir dosagem sérica de pro-
hidroceles e linfoceles. A presença de varicocele lactina, gonadotrofinas e função tireoideana. A
também deve ser investigada. Deve ser feito exa- dosagem da prolactina quando mostra níveis
me prostático para avaliar tamanho da glândula. altos deve ser repetida para excluir resultados
O exame do pênis pode revelar anormalidades falsos positivos. Quando acima de 100 pg/ml,
penianas como hipospádia, curvaturas anormais deve-se investigar micro ou macroadenoma
(doença de Peyronie) e fimose. hipofisário ou outra massa anormal encefálica
por meio de tomografia computadorizada ou
A avaliação da ovulação depende da his-
de ressonância magnética do crânio. O hormô-
tória menstrual. Se a paciente tiver ciclos mens-
nio folículoestimulante (FSH) deve ser dosado
truais regulares, deve-se orientá-la a medir a
no 3º dia do ciclo. Baixos níveis de FSH podem
temperatura corporal basal e solicitar proges-
indicar distúrbios hipotalâmicos e altos níveis,
terona sérica no meio da fase lútea, hormônio
distúrbios ovarianos. O hormônio tireoestimu-
luteinizante (LH), avaliação do muco cervical,
lante (TSH) também deve ser dosado, porém, o
monitoramento folicular e biopsia endometrial.
T4 é opcional. Quando alterados, deve-se ex-
O registro da temperatura corporal basal, feito
cluir causas secundárias.
pela manhã, em um gráfico. A progesterona é
um hormônio termogênico e sua secreção ocor- A histerossalpingografia é utilizada na
re após a ovulação, levando a um aumento de investigação tubária, permitindo avaliar a sua
até 0,5ºC acima da temperatura basal, eviden- perviedade. Permite a avaliação de patologias
ciando um padrão bifásico. Porém, esse exame uterinas como alterações anatômicas do canal
apenas confirma a ovulação, não a prevê. Tam- cervical, incompetência cervical, pólipos, siné-
bém pode ser dosada a progesterona sérica no quias uterinas, miomas submucosos e intramu-
meio da fase lútea, entre o 21º e o 23º dia de rais, malformações, alterações da superfície en-
um ciclo de 28 dias. Um nível igual ou superior dometrial e de patologias tubárias obstrutivas
a 10 ng/ml confirma a ovulação. Valores inferio- ou deformantes, como aderências, endometrio-
res indicam insuficiência lútea ou anovulação. se e processos infecciosos. É realizada após o
O pico de hormônio luteinizante (LH) é outro término do fluxo menstrual, entre o 6º e o 11º
método, devendo a ovulação ocorrer após 34 dia do ciclo, por meio da introdução de uma câ-
a 36 horas. Em apenas 5 a 10% das mulheres nula através do colo uterino e da dispersão de
não é possível dosar o LH urinário, devendo-se contraste iodado hidrossolúvel, com monitori-
realizar dosagens séricas. zação das imagens.
A avaliação do muco cervical se faz pelo A histeroscopia é indicada para pacientes
teste pós-coito (TPC), que também avalia a pre- em que a histerossalpingografia ou o ultrassom

412 Faculdade Christus


Capítulo 57

sugiram algum processo intrauterino. Permite indicação para utilizar metformina associada.
avaliação do canal endocervical, cavidade ute- Após 12 semanas de tratamento, essas mulhe-
rina e óstios tubários, podendo diagnosticar res diminuem significativamente seus níveis de
patologias como septos, aderências, pólipos e insulina e testosterona total em jejum, o índice
miomas (ver capítulo de histeroscopia). de testosterona livre, a razão cintura-quadril, o
hirsutismo e a acne. Antes de iniciar a terapia,
A laparoscopia é o padrão-ouro na ava-
deve-se confirmar as funções hepática e renal
liação do fator tuboperitoneal, permitindo visu-
normais e excluir gravidez pelo hCG sérico. Ini-
alizar, além das tubas uterinas, outras estruturas
cia-se a terapia com 500 mg uma vez ao dia, no
pélvicas. Pode também diagnosticar miomas
desjejum, até chegar a 1000 mg duas vezes ao
uterinos intramurais e subserosos, aderências
dia. A metformina geralmente é interrompida
pélvicas e, principalmente, endometriose.
após confirmação da gravidez.
A análise do sêmen inclui a medida do vo-
Pacientes com hiperprolactinemia ou ga-
lume, a concentração, a motilidade e a morfolo-
lactorreia e disfunção ovulatória, após exclusão
gia. Também pode ser avaliada a medida do pH,
de macroadenoma hipofisário ou outra pato-
os níveis de frutose e o número de leucócitos. É
logia intracraniana, devem usar bromocripti-
importante seguir as recomendações para a co-
na, um agonista dopaminérgico que inibe a
leta da amostra. O período de abstinência para a
secreção de prolactina, para tratar a hiperpro-
realização da coleta deve ser entre 2 a 5 dias. São
lactinemia. Os efeitos colaterais do tratamento
recomendáveis no mínimo duas coletas de sêmen
incluem: náusea, diarreia, cefaleia e fadiga. Há
com intervalo de tempo entre elas de aproxima-
ovulação em 90% das pacientes. Pacientes com
damente 15 dias. Os valores normais são base-
hipotireoidismo voltam a ter ciclos ovulatórios
ados nos critérios da Organização Mundial de
após reposição com tiroxina.
Saúde (OMS), segundo o Quadro 1. Caso sejam
encontradas anormalidades no sêmen, deve ser O tratamento da insuficiência lútea en-
indicada avaliação do homem por um urologista. volve a administração de progesterona vaginal
(200 mg duas vezes ao dia), oral (200 mg duas
vezes ao dia) ou intramuscular (50 uma vez ao
3. Tratamento dia), começando três dias após a documenta-
Cada casal é tratado de forma individual, ção de um pico de LH, devendo ser mantida até
a depender da causa da infertilidade. Pacien- o primeiro dia do próximo ciclo menstrual ou
tes com distúrbios ovulatórios devem realizar até a documentação de um nível sérico quanti-
a indução da ovulação. Na SOP, a indução da tativo de hCG negativo. Se a paciente engravi-
ovulação é feita com citrato de clomifeno. Esse dar durante o tratamento, a progesterona deve
é um estrogênio sintético fraco, que atua ocu- ser mantida até oito a dez semanas de gestação.
pando receptores estrogênicos no hipotálamo O tratamento do fator tuboperitoneal é ci-
e na hipófise, causando feedback negativo dos rúrgico, baseado em técnicas de laparotomia ou
estrógenos e levando à liberação de GnRH, LH laparoscopia. Dentre os principais procedimentos
e FSH. Esse efeito antiestrogênico tem como estão a lise de aderências pélvicas, a reanasto-
consequências a mudança na quantidade e mose tubária, a salpingoplastia e fimbrioplastia.
qualidade no muco cervical e o espessamento Para mulheres com suspeita de endometriose es-
endometrial limitado. Os principais efeitos ad- tágio I ou II, deve-se preferir a laparoscopia antes
versos são fogachos e distensão ou plenitude de iniciar tratamento com citrato de clomifeno,
abdominal. Após essa terapia, a ovulação ocorre gonadotrofinas ou fertilização in vitro (FIV). Se a
em 60 a 90% das mulheres, no entanto somente mulher tiver mais de 35 anos, aconselha-se a FIV
30 a 40% dessas irão engravidar. Essa diferen- após a cirurgia, pois elas apresentam diminuição
ça deve-e à sua ação antiestrogênica sobre o da fecundidade e aumento das chances de abor-
muco cervical e o endométrio. A ovulação deve tamento espontâneo devido à idade avançada.
ser documentada utilizando um kit de LH uriná- Para pacientes em estágio III ou IV e que já rea-
rio doméstico. Espera-se que a ovulação ocorra lizaram cirurgias para infertilidade, a FIV é a me-
cinco a 10 dias após o último dia de tratamento. lhor opção terapêutica.
Pacientes que não apresentarem sucesso Para o fator uterino, as abordagens variam
na terapia isolada com citrato de clomifeno têm de acordo com a doença. As malformações ute-

Faculdade Christus 413


Capítulo 57

rinas são corrigidas com cirurgias, como a me- Em pacientes com azoospermia secundária à
troplastia de Strassman e histeroplastia de Bret- obstrução epididimária, pode ser realizada a va-
-Plamer, essa última nos casos de útero bicorno soepididimostomia, uma anastomose acima do
e septado. A histeroscopia é feita para corre- nível da obstrução.
ção de septos uterinos, útero bicorno, pólipos
Se a avaliação básica mostra parâmetros
endometriais e sinéquias uterinas. Os miomas
normais do sêmen, indícios de ovulação, per-
podem ser removidos por meio das técnicas de
meabilidade das tubas uterinas e não há outra
laparoscopia ou por laparotomia. A hipoplasia
causa óbvia de infertilidade, é estabelecido o
uterina e a atrofia endometrial são tratadas com
diagnóstico de infertilidade inexplicada. Em
uso de ciclos hormonais artificiais com estróge-
mulheres com infertilidade inexplicada, o tra-
no e progesterona, que melhoram a vasculari-
tamento de escolha é o citrato de clomifeno e
zação uterina.
a inseminação intraútero. Caso esse tratamento
seja malsucedido após 3 meses, faz-se hiperes-
timulação ovariana controlada utilizando go-
3.1. Tratamento do fator masculino
nadotropina e inseminação intrauterina. Se as
O hipogonadismo hipogonadotrófico é duas falharem, pode-se tentar ICSI ou FIV.
tratado com a reposição de gonadotropinas,
iniciando-se com hCG 1500 UI IM 3x/semana
por 3 meses e depois associa-se hMG 75 UI IM D- Referências Bibliográficas
3x/semana. Pode-se também administrar GnRH
pulsátil com bomba de infusão, simulando a li- BEREK, J. S. Berek & Novak: Tratado de Gine-
beração fisiológica, na dose de 100g. A hiper- cologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
prolactinemia deve ser tratada com bromocrip- gan, 2008.
tina, com doses iniciais de 2,5 a 5 mg/dia. As
FREITAS, F. et al. Rotinas em Ginecologia. 5. ed.
infecções sintomáticas do trato genital devem
Porto Alegre: Artmed, 2006.
ser tratadas com doxiciclina 100 mg 2x/dia por
14 dias e nos pacientes alérgicos a derivados de GLINA, S.; FRAGOSO, J. B.; MARTINS, F. G. Infer-
tetraciclina pode-se usar eritromicina 1,5 g/dia tilidade Masculina. In: HERING, F. L. O.; SROUGI,
por 10 a 14 dias. Deve-se também tratar a par- M. Urologia: diagnóstico e tratamento. São
ceira. A ejaculação retrógrada deve ser tratada Paulo: Roca, 1998.
com medicamentos que restaurem a inervação
simpática do colo vesical, como a pseudo-efe- JENKINS, G.; JENKINS, J. Issues relating to infer-
drina (60 mg 4x/dia), fenilpropanolamina (75 mg tility. Practice Nurse. Sutton: v. 32, n. 4, 2006.
2x/dia), efedrina (50 mg 4x/dia) ou imipramina LASHEN, H. Investigations for infertility. Current
(25 mg 3x/dia). Por causarem efeitos colaterais, Obstetrics & Gynecology v. 14, p. 269-276,
essas drogas devem ser usadas por 10 dias du- 2004.
rante o mês, iniciando 5 dias antes do período
esperado para a ovulação. Caso não se obtenha MONTELLA-ROSENE, K.; KEELY, E.; LAIFER, S.
resultado, pode ser feita a reprodução assistida, A. Evaluation and Management of Infertility in
recuperando-se o sêmen na urina. Women: The Internists’ Role. Ann Intern Med.
v. 132, p. 973-981, 2000.
O tratamento da varicocele é cirúrgico,
visando à ligadura das veias espermáticas e PELLATI, D.; MYLONAKIS, I.; BERTOLONI, G.; et al.
suas tributárias. Estima-se uma taxa de gravidez Genital tract infections and infertility. European
em torno de 40% até um ano após a cirurgia. Journal of Obstetrics and Gynecology and
Entretanto, a idade da parceira é um fator im- Reproductive Biology, n. 140, p. 3-11, 2008.
portante a ser observado para a orientação do
melhor tratamento do paciente. Casais em que PINOTTI, J. A.; FONSECA, A. M.; BAGNOLI, V. R.
o homem tenha varicocele e a parceira tenha Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro: Revin-
idade superior a 37 anos deve ser indicada a ter, 2005.
reprodução assistida. Quanto a homens que se
TEMPLETON, A. Varicocele and infertility. The
submeteram à vasectomia, a reversão do pro-
Lancet. v. 361, n. 9372, 2003.
cedimento tem melhores resultados que a re-
produção assistida ou a indução da ovulação.

414 Faculdade Christus


Capítulo 58
EXAMES DE IMAGEM NA
CLÍNICA GINECOLÓGICA
Randal Pompeu Ponte
José de Arimatea Barreto
Rodrigo Randal Pompeu Sidrim
Tiago Toscano Cavalcante

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


M.S.R., empregada doméstica, 41 anos, 1. Introdução
casada, procurou atendimento médico com
A imagenologia é hoje pródiga em exa-
queixa de dores lombares, de forte intensida-
mes para avaliação da saúde da mulher. Dentre
de, que já não cessavam com o uso de analgé-
os quatro métodos mais difundidos, a ultras-
sicos comuns. Refere também perda sanguínea
sonografia, a tomografia computadorizada e a
por via vaginal intermitente após relação sexu-
ressonância nuclear magnética são, atualmen-
al. Relata que desde os 25 anos vem realizando
te, os mais utilizados para este fim. A radiolo-
tentativas naturais de engravidar e que nunca
gia convencional tem extremo valor, embora o
realizou exames para avaliação de infertilida-
preconceito e o desconhecimento a mantenha
de. O exame físico mostrou tão somente esta-
como opção secundária. Veremos, a seguir, a
do de consumpção e palidez cutâneomucosa.
descrição de cada um, considerando a ordem
Os exames laboratoriais evidenciaram anemia
cronológica de seu surgimento.
e hipoproteinemia, além de elevação das escó-
rias nitrogenadas.
Frente a esse quadro pergunta-se: como 2. Exames
os exames de imagem podem ser úteis no diag-
2.1. Radiologia convencional
nóstico diferencial, estadiamento, planejamen-
to do tratamento e seguimento da paciente? A radiografia convencional singela (in-
Como poderiam ajudar na elucidação de possí- cidência ântero-posterior, em decúbito ou or-
vel infertilidade? tostase) é a forma mais simples e de mais fácil
aquisição para se iniciar uma investigação diag-
nóstica por imagens no abdome e pelve femi-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM nina. Embora pouco útil para elucidação de al-
terações patológicas em “partes moles” (como
1. Conhecer os exames de imagem vísceras e paredes musculares) é de grande valor
2. Saber quando solicitar os exames de ima- para avaliação das estruturas esqueléticas e de
gem eventuais calcificações ou de estruturas radio-
3. Conhecer suas indicações na Clínica Gine- pacas. Radiografias simples são, portanto, úteis
cológica na detecção de leiomiomas calcificados, bem
4. Saber interpretar os resultados como para verificação da presença e da posição
de dispositivos intrauterinos (DIU). Além disso,
podem ser utilizadas para avaliação de massas
Capítulo 58

tumorais calcificadas e metástases ósseas. A ín- A infertilidade ocorre em aproximada-


fima quantidade de radiação necessária permite mente 27,5% das mulheres com leiomioma
seu uso sem riscos, dentro, obviamente, do que uterino, sendo esta uma importante demanda
rege o bom senso. para cirurgias conservadoras. Nesse grupo de
pacientes, é de grande valia histerossalpingo-
Dentre os exames radiológicos contras-
grafia. No pré-operatório, o procedimento é
tados, destaca-se a histerossalpingografia, uti-
importante na exclusão de outras causas de
lizado principalmente para pesquisar causas de
infertilidade (causas tubo-ovarianas, mais
infertilidade. Este método é ainda o único (a
frequentes) e não para o diagnóstico especí-
despeito da histeroscopia) que permite a ava-
fico do leiomioma, em que sua contribuição
liação do canal endocervical, da cavidade endo-
é pequena. No pós-operatório, assume im-
metrial e do lúmen e permeabilidade das tubas
portância na observação da manutenção da
uterinas. Por meio da injeção de contraste ra-
integridade da tuba uterina, algumas vezes
diopaco no canal cervical, são obtidas imagens
prejudicada por processos aderenciais ou difi-
sob visão direta por fluoroscopia. A passagem
culdade técnica intraoperatória.
de contraste para a cavidade pélvica é a prova
cabal da permeabilidade das salpinges uterinas.
Apresenta uma sensibilidade de 85 a 100% e es-
2.2. Ultrassonografia
pecificidade de 90% na identificação da causa
de obstrução da tuba uterina. Pode fornecer dados valiosos sobre pato-
logias da pelve, dentro dos órgãos genitais ou
Muitas vezes, os achados são específicos
mesmo do reto, da bexiga, da uretra, do ânus e
e podem ser interpretados como causa precí-
dos plexos vasculares, bem como de seus res-
pua de infertilidade. São os casos de obstrução
pectivos tecidos de sustentação.
bilateral de trompas, sinéquias extensas da ca-
vidade uterina, útero unicorno ou bicorno, hi- A ultrassonografia bidimensional (2D) é
drossalpinge bilateral e endometriose tubária amplamente utilizada na prática ginecológica,
severa. Em outras situações, os achados podem tendo seu valor diagnóstico já estabelecido.
não ser a única, mas certamente umas das pos- Entretanto, a técnica tem suas limitações, e
síveis causas de infertilidade: é assim na obstru- necessita de grande experiência do examina-
ção tubária unilateral, salpingite ístmica nodosa dor, que deve ser capaz de criar imagens tridi-
(endometriose tubária) leve, útero arqueado, mensionais mentais utilizando uma sequência
entre outros. Em tais casos, deve-se atribuir de imagens 2D.
causalidade aos achados apenas se descartadas A ultrassonografia tridimensional (3D), in-
todas as outras possibilidades de infertilidade. troduzida na prática clínica no final dos anos 80,
A histerossalpingografia é geralmente re- permite a exploração de superfícies, exploração
alizada entre os dias 6 e 11 do ciclo menstrual, de múltiplos planos e cálculo do volume com
quando as veias periuterinas estão menos di- grande precisão, mesmo em órgãos com super-
latadas. Devido ao risco de infecção, que pode fícies irregulares.
chegar a 3%, deve-se realizar profilaxia com an-
timicrobianos.
2.2.1. Ultrassonografia transretal
A histerossalpingografia tem sido con-
siderada padrão-ouro para o diagnóstico por A sua abordagem é útil no acompanha-
imagem de doenças benignas do corpo ute- mento da dinâmica uretrovesical e estado do
rino, como miomas ou pólipos submucosos e fundo vesical, em condições de repouso e es-
principalmente os responsáveis pelas oclusões tresse, apresentando alta sensibilidade ao diag-
tubárias. A avaliação de malformações, como nóstico da discinergia uretrovesical.
defeitos da fusão dos ductos mullerianos, e as O método proporciona bons registros da
doenças malignas, como carcinoma endome- anatomia vesicouretral e dos órgãos genitais in-
trial são também de fácil avaliação. Apesar de ternos, embora as paredes do reto possam se
ter sido inicialmente usada para a pesquisa da distender ao contato com algum tipo de sonda
permeabilidade tubária, rapidamente tornou- (i.e. padrão, setorial e tipos de multifrequência),
-se instrumento útil para o diagnóstico de do- levando a estimativas imprecisas da espessura
enças cavitárias. da parede e do grau de vascularização do plexo.

416 Faculdade Christus


Capítulo 58

Para uma boa análise deve-se esvaziar a ampola 2.2.5. Diagnóstico das anormalidades endo-
retal antes do exame. metriais
Em mulheres com sangramento na pós-
-menopausa, uma espessura endometrial me-
2.2.2. Diagnóstico de mioma
nor que 5mm associa-se a um baixo risco de
A ultrassonografia é o método mais con- doença endometrial, enquanto que com es-
fiável no diagnóstico de miomatose, sendo útil pessuras em torno de 20mm, deve ser inves-
para diferenciar de outras massas anexiais e tigado porque nessa faixa etária a neoplasia
localizar o mioma. A ultrassonografia pélvica maligna é mais frequente que a benigna. A
é utilizada na visualização de grandes massas medição da espessura endometrial é aplicável
pélvicas, enquanto que a transvaginal é feita quando o endométrio é homogêneo. Qualquer
em casos de úteros menores. Esta apresenta lesão focal requer biópsia.
alta sensibilidade (95-100%). A ultrassonografia
Como não existe um padrão limiar de
apresenta limitações na localização de miomas
anormalidades da espessura endometrial em
múltiplos ou em úteros maiores.
mulheres na pré-menopausa, uma avaliação
A histerossonografia pode ser usada no adicional deve ser realizada baseando-se na
auxílio do diagnóstico de mioma, principalmen- situação clínica, principalmente nos sangra-
te submucosos. mentos anormais persistentes não responsivo
a conduta terapêutica ou suspeita de anorma-
lidades endometriais, como pólipo, que exige
2.2.3. Diagnóstico da endometriose remoção tardia.
Os principais exames de imagem reco-
mendados para diagnóstico e localização são a
ultrassonografia transretal (UTR) e ultrassono- 2.2.6. Diagnóstico de carcinoma de endométrio
grafia transvaginal (USTV), além da ressonância Não há estudos que permitam indicar a
nuclear magnética (RNM). melhor sequência de exames para diagnóstico
A ultrassonografia transvaginal avalia de câncer de endométrio em mulheres sinto-
mais detalhadamente as estruturas próximas à máticas, mas todas as técnicas dependem de
sonda endovaginal, como os ovários, o útero, os treinamento prévio para que os melhores resul-
ligamento útero-sacros, a parede retal e a be- tados sejam obtidos. Uma avaliação inicial pode
xiga, mas seu valor para a detecção de lesões ser efetuada com a USTV. Espessura endome-
superficiais peritoniais, focos ovarianos e endo- trial igual ou menor que 4mm não está asso-
metriose pélvica profunda é incerto. Imagens ciada a carcinoma endometrial, podendo estes
de alta resolução podem ser obtidas via trans- casos ser excluídos de investigações adicionais.
vaginal utilizando-se uma sonda de 7,5 mHz. A Para pacientes recebendo terapia de reposição
ultrassonografia transretal com sondas de alta hormonal, a espessura abaixo da qual não se
frequência tem sido recomendada para a detec- observou casos de carcinoma foi de 4mm. Para
ção da endometriose no reto e em localizações mulheres com queixa de sangramento vaginal, a
retovaginal, uterossacral ou retossigmoidal. USTV tendo 4mm como ponto-de-corte, a sen-
sibilidade é de 96% a 98% com especificidade
de 36% a 68%21(13).
2.2.4. Diagnóstico das malformações uterinas Para pacientes em uso de tamoxifeno,
A ultrassonografia é método inicial na recomenda-se a investigação anual com ultras-
avaliação de anormalidades mullerianas. sonografia transvaginal, mas não há dados que
apoiem a rotina de investigação, exceto nos ca-
A ultrassonografia 2D e principalmente a
sos sintomáticos.
3D são métodos diagnósticos indispensáveis na
avaliação das malformações uterinas, permitin- Para pacientes com indícios de doença
do diagnósticos precisos, possibilitando a clas- extrauterina ou com alto risco para metástases
sificação das malformações e fornecendo infor- solicitar Rx de tórax; exames ultrassonográficos
mações que auxiliam a conduta terapêutica e o de pelve e abdome; tomografias da pelve e/ou
prognóstico reprodutivo. abdome ou crânio se houver suspeita de metás-
tases para estes sítios; cistoscopia e retosigmoi-

Faculdade Christus 417


Capítulo 58

doscopia se houver suspeita de extensão para testinal (através de ingestão oral ou e injeção
bexiga ou para retosigmoide. retal de contraste), pulmões, vísceras sólidas e
coluna vertebral, dentre outros.
A TC é utilizada para estadiamento pré-
2.2.7. Diagnóstico do câncer epitelial ovariano
-operatório do câncer ovariano ou para planeja-
Quando o exame do ultrassom sugere a mento de outros procedimentos. A tomografia
presença de câncer ovariano, deve-se realizar computadorizada também pode ser útil para
o diagnóstico diferencial com carcinoma epi- biópsia e drenagem em pacientes com massas
telial ovariano primário, carcinoma ovariano anexiais benignas (cistos de ovário ou abscessos
não epitelial, metástase ovariana e câncer da tubo-ovarianos). As contraindicações incluem
tuba uterina. falta de via segura e desobstruída para agulha e
Apesar da importância do ultrassom desordens de coagulação. A TC pode ser ainda
no diagnóstico do câncer ovariano, o Colégio indicada em conjunto com a ultrassonografia
Americano de Obstetras e Ginecologistas e o pélvica no diagnóstico e conduta da doença in-
Colégio Americano de Médicos não recomen- flamatória pélvica, torção anexial, trombose ve-
dam o exame para rastreamento em mulheres nosa ovariana e cistos ovarianos hemorrágicos.
assintomáticas. A Tomografia Computadorizada por
Emissão de Pósitrons (PET), baseada no uso de
marcadores radioativos, tem-se tornado impor-
2.2.8. Características ultrassonográficas de tante no diagnóstico e conduta de câncer no
massas anexiais benignas e malignas trato reprodutivo. Muitas vezes é realizada para
As principais características ultrassono- avaliação de mulheres com câncer do colo ute-
gráficas associadas com malignidade são: com- rino podendo detectar metástases nodais ou à
ponentes sólidos não hiperecoicos nodulares distância não detectadas por outras modalida-
ou papilares; septações, espessas (>2 a 3mm); des radiológicas.
demonstração pelo doppler de fluxo em com-
ponente sólido; presença de ascite.
2.4. Ressonância nuclear magnética
O componente sólido na escala de cinza
é o achado mais significante de malignidade. A ressonância nuclear magnética (RNM)
Septações podem estar presentes na doença é modalidade de grande importância na gi-
benigna e maligna, mas a espessa sugere ma- necologia, podendo fornecer informações su-
lignidade. Câncer ovariano pode ser unilocular, plementares à ultrassonografia e à tomografia
entretanto, a ausência de septações não garan- computadorizada.
te que a massa seja benigna. É o método de imagem de maior acurácia
na avaliação de leiomiomas, embora a ultrasso-
nografia transvaginal seja método de escolha
2.3. Tomografia computadorizada inicial. Tem indicação precisa quando não é pos-
É vasto o papel da tomografia computa- sível, por outros métodos, distinguir entre leio-
dorizada na avaliação radiológica da pelve fe- mioma e adenomiose focal. No diagnóstico de
minina. A ultrassonografia só a supera pela fa- adenomiose, a RNM tem mostrado superiorida-
cilidade de execução (para o bom operador) e de à ultrassonografia, com uma sensibilidade de
pela aquisição de imagens em tempo real sem 88 a 93% e uma especificidade de 66 a 91%.
radiação ionizante. As malformações do ducto mulleriano
Embora apresente poucas vantagens em são tradicionalmente demonstradas pela ul-
relação à RNM (como exemplo, temos maior trassonografia e histerossalpingografia. A RNM
acurácia na avaliação de metástases para ossos), vem sendo cada vez mais utilizada para avalia-
ainda é (e por anos será) modalidade imageno- ção adicional, substituindo técnicas invasivas,
lógica muito utilizada na avaliação de maligni- como laparoscopia, laparotomia ou histerosco-
dades ginecológicas, principalmente em centros pia, com uma acurácia próxima aos 100%.
onde a RNM não está disponível. Muitas vezes, Embora a ultrassonografia seja a modali-
faz-se uso da TC para avaliação de metástases dade de escolha para avaliação inicial de mas-
para órgãos extrapélvicos, como trato gastroin- sas anexiais, a RNM é útil nos casos em que há

418 Faculdade Christus


Capítulo 58

inconclusão. Pode caracterizar melhor as lesões, ximadamente 4cm em região do colo uterino,
por exemplo, diferenciando entre massas ane- bem como ureterohidrofrose bilateral grau III
xiais e massas uterinas e estudar melhor as re- a montante. A seguir, foi solicitada Tomografia
lações do tumor com as estruturas adjacentes. Computadorizada abdominal e pélvica, com
os devidos cuidados de preparo pela nefroto-
É um excelente método para estagiamen-
xicidade do contraste iodado. A TC com espe-
to pré-operatório das neoplasias ginecológicas,
cial atenção para coluna vertebral evidenciou
permitindo a avaliação de linfadenopatias e ex-
implantes secundários em vértebras lombares
tensão tumoral para órgãos adjacentes. Tam-
– verdadeira causa de suas dores lombares - e
bém é útil no acompanhamento pós-tratamen-
hidronefrose (com retardo funcional renal, cau-
to e rastreio de recidivas.
sa da anemia) por compressão ureteral em pa-
As indicações para sua utilização na ava- ramétrios. A ressonância nuclear magnética de-
liação do câncer de colo uterino são: tumor com limitou melhor a invasão anexial do tumor e os
diâmetro transverso > 2cm por exame físico, exames radiológicos simples foram realizados
tumores endocervicais ou predominantemente apenas para avaliação de metástases pulmona-
infiltrativos que não podem ser avaliados cli- res à distancia (aliás, ausentes).
nicamente com acurácia e em mulheres grávi-
A paciente foi então encaminhada a con-
das ou que têm lesões uterinas concomitantes,
sultório ginecológico, onde foi realizada col-
como leiomiomas.
poscopia, com retirada de fragmento do colo
No câncer de endométrio é recomendada do útero para biópsia que, após estudo his-
para avaliação de metástases em linfonodos e topatológico, diagnosticou neoplasia de colo
para avaliação de invasão de estruturas adja- uterino, justificando o triste quadro de con-
centes, como colo do útero e miométrio. sumpção da paciente.
É o método de maior acurácia na carac-
terização de uma massa ovariana como benig-
na ou maligna e para detecção de metástases D- Referências Bibliográficas
peritoneais extrapélvicas. Além disso, pode ser
ALCÁZAR, J. L. Three-dimensional ultrasound in
utilizada para avaliação de irressecabilidade no
gynecology: current status and future perspec-
câncer ovariano.
tives. Current women’s health reviews, v.1, n.1,
p.1-14, 2005.
3. Discussão ANDRADE , J.M. et al. Rastreamento, Diagnós-
As técnicas de imagem utilizadas atual- tico e Tratamento do Carcinoma de Endomé-
mente têm grande valor no diagnóstico e tra- trio. Projeto Diretrizes Associação Médica Brasi-
tamento precoce de desordens ginecológicas leira e Conselho Federal de Medicina. 2001.
benignas e malignas. Para oferecer às pacientes BENEDET, J.L. et al. FIGO staging classifications
o melhor atendimento, deve-se sempre estar and clinical practice guidelines in the manage-
atento ao desenvolvimento e aplicações de no- ment of gynecologic cancers. FIGO Committee
vos procedimentos diagnósticos de imagem. on Gynecologic Oncology. Int J Gynaecol Ob-
Não importando qual a tecnologia utili- stet v.70, p.209-62, 2000.
zada hoje ou no futuro, o objetivo será sempre
CATELLANI, M. A. et. al. Métodos Complemen-
o mesmo: fornecer rápido, com baixo risco, o
tares em Ginecologia. In: CONCEIÇÃO, J. C. J.
diagnóstico apurado das condições ginecológi-
Ginecologia Fundamental. 1. ed., São Paulo:
cas e manter em mente o custo e o benefício do
Atheneu, 2005.
cuidado oferecido.
CORLETA, H. E.; CHAVES, E. B. M.; CAPP, E. Mio-
mas uterinos. In: FREITAS, F. et al. Rotinas em
4. Conclusão ginecologia. 5. ed. Porto Alegre: Artmed 2006
Retoma-se o caso clínico que abriu este p. 111-118.
capítulo: para a referida paciente, foram soli- DE CHERNEY, A. H.; GRAEBE, R. A.; HUANG, A.
citadas ultrassonografias abdominal, pélvica e SARAJARI, S. The Role of Imaging Techniques in
transvaginal, que evidenciaram tumor de apro- Gynecology. In: DECHERNEY, A. H.; NATHAN, L.;

Faculdade Christus 419


Capítulo 58

GOODWIN, T. M.; LAUFER, N. Current Diagno-


sis and Treatments in Obstetrics and Gyne-
cology. 10. ed. McGrawHill, 2006.

FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS SOCIEDADES DE


GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Miomatose Ute-
rina. Projeto Diretrizes Associação Médica Brasi-
leira e Conselho Federal de Medicina. 2002.

MALKASIAN JR., G.D.; KNAPP, R.C.; LAVIN, P.T.


et al. Preoperative evaluation of serum CA 125
levels in premenopausal and postmenopausal
patients with pelvic masses: discrimination of
benign from malignant disease. Am J Obstet
Gynecol, p.159:341, 1988.

PÉREZ, J. A. et. al. Prevalência de alterações ute-


rinas e tubárias na histerossalpingografia em
mulheres inférteis – estudo de 48 casos. Radiol
Bras, v.34, n.2, p.79-81, 2001.

TRAINA, E.; MATTAR, R.; MORON, A.F.; ALBU-


QUERQUE NETO, .L.C.; MATHEUS, E. D. Acurácia
Diagnóstica da Histerossalpingografia e da Ultra-
-Sonografia para Avaliação de Doenças da Ca-
vidade Uterina em Pacientes com Abortamento
Recorrente. RBGO, v.26, n.7, p.527-533, 2004.

TROYANO, J. M. el al. Female pelvic floor. De-


scriptive anatomy and clinical exploration by
transvaginal ultrasound. The ultrasound re-
view of obstetrics and gynecology, v.6, n.1-2,
p.79-99, march-june 2006.

420 Faculdade Christus


Capítulo 59
HISTEROSCOPIA - INDICAÇÕES
Francisco das Chagas Medeiros
Igor Siqueira Cavalcante
Rodrigo Carvalho Barroso

A- PROBLEMA por Diomede Pantaleoni, que conseguiu iden-


tificar uma formação polipoide. Em 1879, Nitze
C.S.M., 52 anos, G1P1A0, casada, católica, projetou e construiu o que seria a vir o primór-
natural de Fortaleza-Ceará; fez uso de DIU de Cu dio do histeroscópio moderno.
por 8 anos, sendo retirado há 5 anos. Menopau-
sada há dois anos, não faz uso de TH devido a Houve notáveis avanços na aparelhagem
histórico familiar (tia materna) de CA de mama. endoscópica uterina: com o advento da fibra óp-
Faz exame ginecológico anual, sem alterações tica maleável com consequente diminuição do ta-
patológicas. Exame ultrassonográfico pélvico manho dos histeroscópios, câmeras de alta quali-
de rotina, mostrou endométrio hiperecogênico dade e meios para insuflar a cavidade uterina, este
e espessado, medindo 12mm. Qual o próximo exame tornou-se essencial para o diagnóstico e a
passo no diagnóstico? resolução de algumas patologias femininas.
Em 1979 o primeiro conjunto histeroscó-
pico do Brasil desembarcou no Rio de Janeiro,
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM para, no início dos anos 80, o método se tornar
disponível em algumas capitais do país.
1. Conhecer os usos da histeroscopia diagnós-
tica e cirúrgica
2. Compreender os mecanismos das compli- 2. Instrumental
cações
3. Saber as indicações do exame histeroscópico Hoje, o instrumental histeroscópico é
4. Orientar as pacientes sobre seus benefícios composto por diferentes equipamentos; cada
e riscos um tem diversos modelos no mercado.
Os equipamentos básicos são:
C- ABORDAGEM TEMÁTICA XX Monitor: sua resolução pode variar de 480 a
700 linhas horizontais por polegada. Deve ser
1. Introdução escolhido de acordo com a câmera de vídeo
A histeroscopia atual consiste na visuali- a ser utilizada – se for utilizada uma câmera
zação indireta da cavidade uterina - por meio de três chips, um monitor de 700 linhas é pre-
de equipamentos que transmitem a imagem ferível para melhor aproveitamento da ima-
para um televisor – a vídeo-histeroscopia. O pri- gem capturada.
meiro registro de visualização de uma cavidade XX Câmera: existem no mercado as câmeras de
do corpo humano ocorreu em 1807 por Bozzini um ou três chips, sendo a última de melhor
que, com a ajuda da iluminação de uma vela, qualidade, pois há um circuito para cada cor
conseguiu descrever a uretra. Em 1865, Désor- básica (verde, vermelho e azul). A desvanta-
meaux construiu o primeiro histeroscópio, sen- gem está no custo, pois são mais caras do
do em 1869 realizada a primeira histeroscopia que àquelas que possuem somente um chip.
Capítulo 59

Podem variar de modelo, tamanho, forma das nesse exame. Um pólipo e um mioma po-
e peso, como também ter mecanismos de dem não ser diferenciados, por exemplo, sendo
zoom e fonte de luz integrada. essa a razão mais frequente para a realização do
XX Fonte de luz: podem ser de diferentes ori- procedimento histeroscópico. Mais recentemen-
gens: halógena, não sendo ideal para este te, a avaliação histeroscópica da infertilidade do
tipo de procedimento, pois apresenta baixa fator uterino vem se tornando cada vez mais co-
durabilidade; HTI, com uma duração de apro- mum, sendo largamente utilizado em pacientes
ximadamente 250 horas; e a mais indicada, que irão se submeter à fertilização in vitro. Entre-
de xenon, que apresenta melhor iluminação tanto, o sangramento pós-menopausa é a indi-
por ter maior potência sem produzir calor ex- cação mais comum para o procedimento. Nesses
cessivo, porém também é a mais cara. casos, aproximadamente 50% apresentam causa
XX Histeroflator: aparelhos que controlam a orgânica, aumentando para 90% se a duração do
infusão do meio de distensão da cavidade sangramento for maior ou igual a seis meses.
uterina, podendo ser gasoso (CO2) ou líqui-
Diversas são as indicações para a histe-
do (soro fisiológico, água destilada, solução
roscopia diagnóstica. Além das já citadas ante-
de Ringer lactato, manitol, glicina, dentre ou-
riormente, as mais comuns são:
tros), e sua pressão intrauterina.
XX Óticas: são instrumentos que medem de 1,2 XX Na menacme: esclarecer causas de sangra-
a 4 mm de diâmetro, suportando a fibra óp- mento anormal (patologias cervical e corpo-
tica, com túbulos que permitem a passagem ral uterina); sangramento em grande monta
dos instrumentos utilizados durante o exame. por mais de oito dias, por períodos repetidos
XX Outros instrumentos: secundários para a re- ou períodos frequentes de pelo menos 21
alização do exame, mas fundamentais para a dias; pesquisa de restos ovulares, corpos es-
realização do exame (como o espéculo), de- tranhos (dispositivos intrauterinos perdidos,
vem estar à mão do operador (dilatadores – fios de sutura); e acompanhamento de com-
velas de Hegar e histerômetro, por exemplo. plicações após curetagem uterina, miomec-
tomias, ablação endometrial e de sinéquias.
XX Na menopausa: sangramento pós-menopau-
3. Indicações sa com ou sem TH; citologia cervical anormal,
Diversos autores comprovam a acurácia apresentando células endometriais; e pesqui-
(95%), especificidade (95,5 a 100%) e sensibili- sa de anomalias endometriais observadas em
dade (91 a 98%) da histeroscopia diagnóstica. outros métodos, como na ultrassonografia.
Na realização do exame, é possível observar
morfologia da cavidade uterina (avaliação do O aspecto importante deste método é a
tamanho, da forma e sua expansividade), do capacidade de realização de biópsias histeroscó-
canal endocervical (se há processo inflamatório, picas, em que pequenos fragmentos são retira-
concomitante ou não com estruturas fibrosas), dos sob visualização direta para estudo histopa-
aspectos endometriais (se o tipo de superfície tológico, com ajuda de pinças apropriadas, a fim
está compatível com a data do ciclo, cor, tipo e de confirmar e/ou esclarecer diagnósticos ine-
da vascularização, aspectos do muco, aderên- rentes ao procedimento. Essas técnicas recebem
cias e malformações), e observação das regiões classificação dependendo do tipo de lesão a ser
cornuais uterinas (análise da morfologia e vas- pesquisada: orientadas, quando a lesão se apre-
cularização dos óstios tubários). Devido aos di- senta difusa ou em área ampla; aspirativa, com a
ferentes estágios em que o útero se apresenta, mesma indicação da anterior, alterando apenas
suas indicações são relacionadas às mesmas. o instrumental utilizado; e dirigida, no caso de
Durante a menacme, outros métodos lesões focais ou de pequenas dimensões.
diagnósticos são relativamente imprecisos, daí a
frequente indicação de histeroscopias diagnósti-
cas. Com o advento da ultrassonografia e sua uti- 3.1. Contraindicações da histeroscopia
lização como exame de rotina, houve aumento As contraindicações podem ser absolutas
de exames histeroscópicos com o intuito de di- ou relativas. Apesar de ser um método experi-
ferenciar anomalias (espessamento endometrial, mentado e seguro, todo procedimento invasivo,
líquido na cavidade uterina, suspeita de pólipos mesmo que seja mínimo, está sujeito a compli-
endometriais e miomas submucosos) observa- cações que abordaremos mais adiante.

422 Faculdade Christus


Capítulo 59

Há poucas contraindicações absolutas A fase do ciclo menstrual reflete na rea-


à histeroscopia. São elas: doença inflamatória lização do exame, sendo a primeira fase con-
pélvica, por risco de disseminação pelo sistema siderada a melhor (entre o 6º e 14º dia), pois a
vascular e linfático, ou através das tubas para possibilidade de gravidez é mínima, observa-se
o peritônio; e infecções do trato genital baixo, melhor o canal cervical, o istmo apresenta-se
que podem se disseminar e, em casos extremos, hipotônico e permite a fácil passagem do his-
levar à infecção pélvica – a literatura relata que teroscópio pelo orifício cervical. Já o endomé-
pacientes que possuem cultura positiva para trio encontra-se mais fino e plano facilitando a
Chlamydia trachomatis possuem risco de 0,79% observação de estruturas anômalas e do pró-
de desenvolvê-la. Exames histeroscópicos não prio espessamento endometrial, se presente. O
são realizados em pacientes grávidas. muco cervical e endometrial nesse período é
escasso diminuindo a formação de bolhas em
As contraindicações relativas devem ser
meios gasosos.
avaliadas juntamente com anamnese, exame
físico, podendo ser requeridos exames comple- Mulheres em uso de anovulatórios ou na
mentares. Com estas variáveis em mãos, o mé- pós-menopausa podem ser submetidas ao exa-
dico pode tomar a decisão mais acertada para me em qualquer época; já nas inférteis, a segun-
a paciente e prevenir de possíveis complicações da fase do ciclo, proporciona melhor avaliação
durante e após histeroscopia. Nestes casos a do endométrio secretor.
indicação é relativa, pois não impede a realiza-
O equipamento deve estar rigorosamente
ção do procedimento, mas é aconselhável que o
esterilizado, sendo testado antes de começar o
médico tenha vasta experiência e que o material
procedimento. A paciente, em posição gineco-
juntamente com equipamentos de suporte es-
lógica, com pés apoiados e separados lateral-
tejam disponíveis para cada situação.
mente deve estar em leve Trendelenburg, isto é,
São elas: perfuração uterina recente, des- em decúbito dorsal com sua bacia elevada em
de que seja pequeno e não impeça a insuflação relação aos ombros e à cabeça.
da cavidade, havendo relato na literatura de ris-
Em alguns casos, a técnica histeroscópi-
co aumentado de sangramento, embolia gaso-
ca não pode ser realizada devido à estenose do
sa e infecções; sangramento uterino recente, se
orifício do colo. Uma forma de dilatação usada
não for excessivo pode ser realizada com meio
é a mecânica com velas de Hegar, podendo sua
de distensão líquido, pois este pode ser conti-
utilização causar laceração do colo que pode
nuamente trocado, sendo preferível o soro fisio-
ser de difícil reconstituição.
lógico. A estenose cervical é mais uma limitação
física, mesmo com a construção de histeroscó- A intoxicação hídrica devido aos meios
pios de menor calibre. usados na histeroscopia é sempre uma preocu-
pação. O contato do meio de distensão com va-
sos uterinos profundos pode acarretar em com-
4. Recomendações plicações graves. O mecanismo de intoxicação é
dependente de vários fatores, provavelmente o
Os dados da paciente, como data da
mais importante seja a pressão de entrada do lí-
última regra e uso de terapia hormonal são
quido usado para a distensão cavitária. Nos pós-
de grande valia para a realização do proce-
-operatório a dor e o controle de sangramentos
dimento, pois podem interferir na realização
devem ser bem avaliados. Normalmente, nesses
do exame ou diretamente no estado do endo-
procedimentos, não é usual a paciente sentir
métrio. A avaliação prévia com o exame físico
muita dor; no entanto, ela pode ser controlada
e exames complementares (ultrassonografia)
com medicações orais ou endovenosas.
têm importância, assim como a explicação
detalhada para a paciente sobre a realização O uso de antibióticos profiláticos é pre-
do exame. São dispensáveis exames pré-ope- conizado, utilizados no momento do controle
ratórios de rotina, jejum (para procedimentos anestésico da paciente. Isso se deve ao fato de
anestesiológicos locais) e internação hospi- a histeroscopia ser considerada um procedi-
talar. Não se deve esquecer a orientação em mento potencialmente contaminado. As cefa-
relação a todos os procedimentos que serão losporinas são mais usadas devido a seu baixo
realizados para a paciente. custo, meia-vida relativamente longa e poucos
efeitos adversos.

Faculdade Christus 423


Capítulo 59

5. Complicações pulmão, complicações cardiovasculares e insufi-


ciência renal em pacientes com nefropatias pré-
Apesar de invasiva, as complicações são
vias. Respeitando os critérios de utilização dos
de baixa incidência, girando em torno de 2%
meios de distensão, os riscos dessas complica-
e as grandes complicações giram em torno de
ções diminuem bastante, deve ter como limite 6
menos de 1%. As complicações mais comuns na
litros de solução do meio de distensão, o tempo
histeroscopia diagnóstica e operatória são em
de cirurgia não pode ser superior a 45 minutos
ordem de frequência, as complicações traumá-
e o déficit de entrada e saída deve ser inferior
ticas, hemorragia, intoxicação por solução dis-
a 0,5 litros.
tensora e infecção.
As infecções são complicações pouco
As complicações traumáticas são as mais
frequentes, facilmente evitadas quando res-
comuns, estão relacionadas à manipulação do
peitadas as contraindicações. Pode ser devido
instrumental e pode causar laceração cervical e/
à propagação de processo infeccioso do trato
ou perfuração uterina, podendo levar a hemorra-
genital inferior para o superior se o procedi-
gia. Mesmo sendo a complicação mais frequen-
mento for realizado na vigência de cervicite, ou
te, está estimado em cerca de 1 a 9%, sendo mais
à instalação de infecção se o instrumental não
comuns em pacientes acometidos por síndrome
estiver adequadamente esterilizado. Torna-se
de Asherman ou com estenose cervical.
mais frequente quando o procedimento é de-
As hemorragias são resultantes de trau- morado, especialmente quando é necessário
ma na parede uterina durante o procedimento. repetir a introdução do histeroscópio através
Podem ser resultantes de um falso trajeto, com do canal cervical. Incluem a endometrite, para-
ou sem perfuração, criado durante a dilatação metrite e a piometria.
cervical ou a passagem do histeroscópio. Sangra-
mentos também podem ocorrer depois do pro-
cedimento, especialmente quando ocorre uma 6. Vantagens
penetração muito aprofundada no miométrio.
A histeroscopia diagnóstica, além de dis-
As soluções distensoras podem causar pensar exames pré-operatórios rotineiros, jejum
complicações dependendo do meio utilizado e internação hospitalar, pode ser realizada em
para a dilatação, poderá ter diferentes compli- consultório, sem necessidade de dilatação cer-
cações. Os riscos ao usar o CO2 como expan- vical e de anestesia em 85% a 94% dos casos.
sor não são mais tão observados atualmente É uma técnica que apresenta alta sensibilidade
devido à precisão dos aparelhos insufladores e especificidade, sendo detentora de baixos ín-
regularem a pressão do gás durante o procedi- dices de complicação e de contraindicação. A
mento. Quando ocorre a entrada excessiva de visão histeroscópica apresenta excelente acui-
CO2 no sistema circulatório, pode resultar na dade diagnóstica, permite observar de modo
elevação da pressão arterial, do débito cardíaco completo o aspecto do endométrio, possibili-
e dispneia grave. Já os meios líquidos podem tando diagnosticar lesões focais, principalmente
ter como complicação intravazão e consequen- as localizadas nos óstios tubários, que facilmen-
te sobrecarga hídrica, edema pulmonar, falên- te podem passar despercebidas em procedi-
cia cardíaca e distúrbios metabólicos. A absor- mentos às cegas. A histeroscopia associada à
ção das soluções de distensão pode dar-se por biopsia de endométrio é considerada método
meio de três mecanismos: passagem tubária e de primeira linha na avaliação da cavidade ute-
absorção peritoneal (extravascular); intravazão rina, sendo menos invasiva e mais precisa que
arterial ou venosa (intravascular) ou passagem dilatação e a curetagem.
maciça nas perfurações uterinas. O metabolis-
mo dos meios de distensão pode causar algu-
mas complicações como; o Dextran pode causar 7. Desvantagens
risco de choque anafilático, dextrose, sorbitol e
A histeroscopia apresenta poucas des-
manitol podem levar ao aumento da glicemia e
vantagens, quando analisados com bastante
a glicina pode resultar em complicações neuro-
cuidado os critérios de contraindicações. É um
lógicas de alteração do comportamento, cefa-
procedimento simples, mas que, por manipular
leia e alterações visuais (amaurose), bem como
instrumentos em uma pequena área de traba-
complicações respiratórias, como edema de
lho pode apresentar algumas complicações.

424 Faculdade Christus


Capítulo 59

Deve ser analisada com cautela a escolha do MACHADO, S. B. Indicações, contraindicações e


meio de distenção, que pode gerar na paciente, complicações em histeroscopia diagnóstica. In:
outras complicações sérias. Apresenta poucos DONADIO, N.; ALBUQUERQUE NETO, L. C. Con-
efeitos colaterais como cólica no baixo ventre, senso Brasileiro em Videoendoscopia Gine-
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Faculdade Christus 425


Capítulo 60
VIDEOLAPAROSCOPIA EM GINECOLOGIA
Francisco das Chagas Medeiros
Priscila Lopes Studart da Fonseca

A- PROBLEMA dade abdominal por meio da insuflação de gases


permitindo, assim, uma visualização, bem como a
A.M.S.B., 29 anos procurou seu ginecolo- realização de procedimentos cirúrgicos de forma
gista com queixa de “dor no pé da barriga há menos invasiva. O pneumoperitôneo é induzido
dois anos”. A dor é mais forte no período mens- pela introdução da agulha de Veres (figura 1) a qual
trual em forma de cólica uterina; relata também após penetrar a parede abdominal é recoberta por
dispareunia e dor pós-coito. G3A1P2. Fuma há um dispositivo rombo protegendo, assim, as vísce-
10 anos, aproximadamente um maço por dia. ras da cavidade de perfurações, uma das complica-
No interrogatório por órgãos e aparelho, relatou ções mais citadas na técnica. O CO2 é introduzido
urgência urinária e hematúria. No exame físico, através da agulha de Veres; este gás é o mais utiliza-
apresentou varizes nas coxas e vulva à esquerda do, pois além de ser barato e de fácil manuseio, não
e dor à palpação da região anexial à esquerda. é inflamável, sendo também, bem absorvido pelo
Ao exame especular não apresentou alterações. organismo e liberado pela respiração sem grandes
repercussões. A pressão intra-abdominal é contro-
lada pelo laparoflator (figura 2). A pressão ideal não
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM deve ultrapassar a pressão venosa em cerca de 10
a 15 mmHg; do contrário, haverá uma redução do
1. Conhecer as indicações da videolaparosco-
fluxo sanguíneo portal hepático e intestinal o que
pia em ginecologia.
pode levar à isquemia e a edema de alças, translo-
2. Discutir sobre vantagens e limitações ine-
cação bacteriana e consequente sepse. A elevação
rentes ao uso da técnica.
do diafragma induzida pelo pneumoperitôneo leva
3. Conhecer os usos da laparoscopia no diag-
à diminuição dos volumes pulmonares e à com-
nóstico e tratamento das diversas patolo-
pressão cardíaca direta, diminuindo a complacên-
gias ginecológicas.
cia e a contratilidade. A laparoscopia é realizada por
4. Enfatizar diagnóstico, tratamento e preven-
meio de pequenas incisões na parede abdominal
ção dos eventos adversos relacionados ao
por onde passam os trocartes, equipamentos em
uso da técnica.
forma de canos que permitem o acesso à cavida-
de sem que haja perda do pneumoperitôneo, pois
C- ABORDAGEM TEMÁTICA possuem válvulas em suas extremidades que não
permitem que o gás escape (figura 3). Por um dos
1. Introdução trocartes, uma fonte de luz é levada à cavidade pela
1.1. Definição, instrumental, antibioticopro- ótica, uma espécie de tubo composto por sistemas
filaxia e anestesia. de lentes que conduzem a luz e retorna a imagem
ampliada para monitores de vídeo os quais dife-
A videolaparoscopia é um procedimen-
rem dos televisores comuns por possuírem mais
to cirúrgico endoscópico que pode ser indicado
que o dobro de resolução. O instrumental é bas-
para fins diagnóstico e/ou terapêutico. Utiliza-se o
tante diversificado: bisturi monopolar, bipolar e
pneumoperitôneo, para ampliar o espaço da cavi-
harmônico, sistema de irrigação e aspiração, pinças
Capítulo 60

atraumáticas e de agarre, tesouras, morceladores,


manipuladores uterinos; a necessidade de certos
equipamentos varia conforme o objetivo do pro-
cedimento. A videolaparoscopia é considerada
uma cirurgia limpa pelo National Reserch Council,
com índices de infecção inferiores a 2% o que dis-
pensa a antibioticoprofilaxia para pacientes com
baixo risco de infecção. Em certos procedimentos
como na colpotomia, incisão da cavidade vaginal,
a cirurgia passa a ser potencialmente contaminada,
aumenta do risco de infecção para cerca de 20%;
logo a antibioticoprofilaxia está indicada. Pacientes
obesas, com baixo nível socioeconômico, diabéti-
cas, imunossuprimidas, com comorbidades ou que
passaram por um tempo cirúrgico superior a 3 ho-
ras beneficiam-se sempre da antibioticoprofilaxia a
qual na ginecologia costuma ser feita com cefalos-
porinas de terceira geração.

gura 3- Instrumental: (A) Tesouras, (B) Pinças de preen-


são, (C) Pinças atraumáticas, (D) Manipulador uterino,
(E) Pinça monopolar, (F) Pinça bipolar.

A anestesia para procedimentos lapa-


roscópicos possui peculiaridades, alterações
fisiológicas e fisiopatológicas decorrentes do
pneumoperitôneo e da posição em céfalodecli-
ve que limitam o uso da técnica em pacientes
com certas comorbidades como comentaremos
em limitações ao uso da técnica. O pneumope-
ritôneo repercute diretamente no sistema respi-
ratório, há elevação do diafragma, diminuição
da função do músculo, redução dos volumes
pulmonares, o que ainda é detectado até 72h
Figura 1- Instrumentos utilizados para fazer o pneumo-
após a cirurgia, tendo em vista, que há absorção
peritôneo: (A) Laraparoflator (B) Agulha de Veres.
peritoneal do gás favorecendo hipoxemia, aci-
dose respiratória e alterações do ritmo cardíaco.
São também citadas complicações na ventila-
ção mecânica como intubação seletiva e pneu-
motórax. A posição em céfalodeclive repercute
no sistema respiratório diminuindo os volumes
pulmonares pela elevação do diafragma, dimi-
nuem a relação ventilação/perfusão aumentan-
do o shunt pulmonar. No sistema cardiovascu-
lar aumenta a pré-carga, diminui a resistência
vascular sistêmica e aumenta o débito cardíaco.
Somente a anestesia condutiva como a raquia-
nestesia não é suficiente; portanto, recomenda-
-se anestesia geral, intubação orotraqueal, ven-
tilação mecânica e relaxamento muscular nos
procedimentos videolaparoscópicos.

Figura 2- Trocartes: (A) Reutilizáveis (B) Descartáveis.

428 Faculdade Christus


Capítulo 60

2. Indicações de videolaparoscopia em inespecífica e as pacientes não apresentam al-


ginecologia terações no exame físico. Após a avaliação lapa-
roscópica, grande percentual das pacientes não
A videolaparoscopia permite a visualização
apresentam alterações, o que nos remete à im-
e a manipulação da cavidade pélvica; portanto,
portância da avaliação dos aspectos emocionais
pode ser indicada como procedimento diagnósti-
e socioculturais nesta afecção. Estudos recentes
co e, ou, terapêutico em diversas afecções gineco-
mostram que grande percentual destas mulhe-
lógicas. Discutiremos separadamente as afecções
res submetidas à videolaparoscopia “branca”
ginecológicas mais frequentemente abordadas
foram vítimas de abuso sexual na infância. Exa-
por via videolaparoscópica, sobre as peculiarida-
mes laboratoriais e complementares devem ser
des das alterações encontradas e possibilidades
realizados antes de optar por este procedimen-
de tratamento disponíveis. A videolaparoscopia
to invasivo, bem como a avaliação com outros
pélvica deveria ser indicada para o diagnóstico di-
especialistas como ortopedistas e psiquiatras, a
ferencial e tratamento de doenças ginecológicas
depender do caso.
de causa desconhecida ou obscura; porém, ape-
sar de acessar a cavidade abdominal sem gran- Aderências e endometriose pélvica são
des repercussões, é um procedimento invasivo; as mais frequentemente responsáveis pela DPC;
portanto, não deve ser realizada enquanto houver porém, doenças do aparelho urinário, distúrbios
exames menos invasivos disponíveis que ajudem musculoesqueléticos, gastrointestinais, defeitos
no diagnóstico diferencial. anatômicos problemas ortopédicos ou psicoló-
gicos devem fazer parte do diagnóstico diferen-
A minivideolaparoscopia desenvolveu-se
cial. As afecções mais comumente responsáveis
após o avanço da técnica videolaparoscópica e
segundo publicações recentes são: endometrio-
promete estender o uso da videolaparoscopia
se (2% a 72%), aderências (0% a 52%), doença
para o diagnóstico e o tratamento de diversas
inflamatória pélvica (0% a 29%), cistos ovarianos
afecções da cavidade abdominal, pois neste
(0% a 17%), varicocele (0% a 3%), miomatose (0%
procedimento não há necessidade de ventila-
a 5%) e sem causa aparente (3% a 92%). Podemos
ção mecânica, a pressão na cavidade é menor
citar também como causas menos frequentes tu-
e a anestesia pode ser local associada à seda-
mores de bexiga, ligamentos úterosacro espásti-
ção; com isso, o número de contraindicações
cos, diverticulite, parasitose, retroversão uterina
diminui. Esta técnica permite abordagem diag-
e agenesias genitais. Aderências são estruturas
nóstica, bem como a realização de pequenos
fibróticas em forma de cordões firmes e densos
procedimentos como cauterização de implan-
ou frouxos e velamentosos que unem os órgãos
tes endometrióticos, lise de aderências, bióp-
entre si ou à parede abdominal. Formam-se por
sia e uma novidade, o mapeamento consciente
fibrose cicatricial do tecido peritoneal após infec-
da dor, o que é possível pelo tipo de anestesia,
ções ou procedimentos cirúrgicos ou em focos
procedimento que se vem mostrando extrema-
endometrióticos e podem levar à DPC, infertili-
mente útil na investigação da dor crônica.
dade, obstrução intestinal e torção de anexos. A
fisiopatogenia da dor causada pelas aderências
ainda é controversa; pode ser por diminuição
3.
Videolaparoscopia exploradora e
da mobilidade dos órgãos ou pela formação de
diagnóstica em ginecologia. fibras nervosas que permeiam essas traves fi-
3.1. Dor pélvica crônica bróticas. A videolaparoscopia permite não só o
diagnóstico, como também o tratamento por
A dor pélvica crônica (DPC) é definida
meio da adesiolise, lise das aderências; portanto,
como dor de intensidade variável, com duração
é considerada padrão ouro no diagnóstico e no
superior a seis meses, resistente a tratamentos
tratamento de aderências.
e que, embora investigada, não possua causa
aparente. A DPC é considerada um dos enigmas A doença inflamatória pélvica (DIP) crô-
da clínica ginecológica; a videolaparoscopia é nica pode causar DPC e a laparoscopia faz o
o método essencial na busca do diagnóstico, diagnóstico por meio da visualização de ade-
pois permite a visualização de lesões orgânicas rências em região pélvica ou peri-hepáticas
relevantes, bem como a realização de procedi- como na síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, líquido
mentos terapêuticos. A DPC pode se manifestar livre em fundo de saco posterior. Complicações
como dismenorreia, dispareunia ou de forma além da dor pélvica crônica são infertilidades

Faculdade Christus 429


Capítulo 60

e maior risco de gravidez ectópica em que um estadiamento, coleta de material para cultura
tratamento adequado e precoce melhora o e a realização de pequenos procedimentos que
prognóstico da paciente. melhoram o prognóstico da doença. Durante o
exame, procedimentos realizados como drena-
A endometriose é uma das principais
gem de abscessos, diminuem a população bac-
causas de DPC e a videolaparoscopia permite
teriana e permitem melhor acesso do antibióti-
confirmação diagnóstica com biópsia, esta-
co aos tecidos acometidos; a lavagem exaustiva
diamento da doença e tratamento inicial ou
da cavidade abdominal com solução fisiológica
definitivo de lesões endometrióticas como
diminui a formação de aderências prevenindo
comentaremos.
infertilidade, DPC e outras complicações, melho-
Síndrome de congestão pélvica crônica é rando, assim, o prognóstico da doença. Caso já
uma moléstia ginecológica comum, com pre- existam aderências, pode ser feito adesiólise, o
valência de 15% a 20%, sendo de difícil diag- que trata ou previne as complicações acima ci-
nóstico e tratamento. Os sintomas são dor pél- tadas. A cultura do material coletado permite a
vica de intensidade variável, que aumenta no identificação dos agentes etiológicos e associa-
período menstrual, após exercícios e com alte- da ao antibiograma orienta à antibioticoterapia
rações de postura. Frequentemente, é acom- adequada. O estadiamento do processo é feito
panhada de dismenorreia, dispareunia e dor durante o procedimento, de acordo com o grau
pós-coito. Acomete mulheres multíparas em do comprometimento dos órgãos pélvicos; du-
idade reprodutiva e idosa. Durante a gravidez, rante o estágio 1, há endometrite e ou salpingi-
as veias pélvicas dilatam-se cerca de 60 vezes te sem comprometimento peritoneal; no está-
mais e a falta da recuperação da morfologia, gio 2, há peritonite; durante o estágio 3, existe
que acontece em 6 meses após o parto, está comprometimento tubo-ovariano ou abscesso
estritamente ligada à fisiopatologia da síndro- íntegro; e, durante o quarto estágio há secreção
me. Pode acontecer também por defeitos ou purulenta na cavidade ou abscesso roto. Ape-
por ausência das válvulas. Isso acaba inverten- sar de oferecer muitas vantagens, não devemos
do o fluxo das veias ováricas, ilíacas internas e esquecer que é um exame invasivo; portanto,
suas tributárias. Durante o exame físico, podem deve ser guardado para casos com dificuldade
estar presentes varizes vulvares, dor à palpação de diagnóstico, coleções pélvicas, líquido livre
de anexos e varicosidades atípicas nas coxas e na cavidade ou não responsivo ao tratamento
nádegas. Ultrassonografia com doppler colori- clínico inicial. A indicação de um second look é
do pode ajudar no diagnóstico da síndrome. A contraditória e deve ser guardada para pacien-
Flebografia que cateteriza a veia femoral até as tes com mau prognóstico tubário.
ováricas e ilíacas interna é padrão ouro para o
diagnóstico; porém, a técnica é bastante invasi-
va e possui grandes riscos. A laparoscopia em- 3.3. Endometriose
bora invasiva sela diagnóstico com confiança,
É definida como a presença de tecido en-
demonstrando as veias ectásicas, varizes e con-
dometrial ectópico e pode ser classificada em
gestão pélvica; durante o procedimento, pode
relação à sua localização, em endometriose pe-
ser instituído o tratamento pela ligadura das
ritoneal, ovariana e do septo retovaginal. A do-
veias insuficiente de forma segura permitindo,
ença também acomete em menor proporção o
assim, o alívio sintomatológico.
trato urinário em 1,2% a 16% e o aparelho intes-
tinal em 1% a 25% dos casos, segundo trabalhos
recentes. Os sintomas clássicos são: infertilida-
3.2. Doença Inflamatória Pélvica (DIP)
de, DPC, dismenorreia e dispareunia. Ao exame
O diagnóstico de DIP, processo infeccioso físico, devemos ficar atentos para cistos palpá-
que pode envolver útero, tubas uterinas, ovário veis em região anexial em endometriose ovaria-
e estruturas adjacentes, pode ser clínico; porém, na e ao exame especular podemos deparar com
os exames laboratoriais e quadro clínico são obliteração de fundo de saco na endometriose
muito inespecíficos; como o tratamento deve do septo retovaginal. Um exame bioquímico útil
ser instituído o mais breve possível, a laparos- é o marcador CA-125 positivo em até 36% das
copia tem-se mostrado útil no diagnóstico di- pacientes com endometriose, sendo mais pro-
ferencial. A laparoscopia é exame padrão ouro, porcional a infiltração do implante endometrió-
pois proporciona diagnóstico definitivo com tico. É importante o diagnóstico diferencial para

430 Faculdade Christus


Capítulo 60

tumores ovarianos malignos de origem epite- distensão abdominal ou até um quadro clínico
lial em que a positividade chega a ser de 86%. de abdômen agudo como em casos de torção
Exames complementares de imagem como a de cisto. Na anamnese, devemos buscar infor-
ultrassonografia (USG), útil na caracterização de mações que apontem risco para a malignidade
cistos, dopplervelocimetria, para o estudo do como idade, paridade e história familiar gineco-
caráter da vascularização e ressonância mag- lógica. Exames complementares como USG com
nética (RM) são importantes para o diagnóstico color doppler são importantes para ajudar a de-
diferencial de neoplasia antes de indicar a lapa- finir características e vascularização das massas;
roscopia, tendo em vista que, atualmente, em marcadores bioquímicos como alfa-fetoproteí-
doenças presumivelmente malignas a aborda- na, HCG, CA-125 associados com métodos de
gem via laparotomia é mais segura. imagens como USG RM e TC aumentam a espe-
cifidade do diagnóstico.
A laparoscopia tem a vantagem de po-
der fazer simultaneamente diagnóstico, esta- A inspeção da massa é detalhada e ajuda
diamento e tratamento, além de possibilitar a bastante no diagnóstico presuntivo de maligni-
análise de características como topografia ou dade ou benignidade e é auxiliada pela definição
visualização de pequenas lesões como aderên- de características à translucência. A punção só é
cias hemorrágicas, cicatriciais ou petéquias. As aceitável nos casos presumivelmente benignos,
lesões possuem características muito diferentes; tendo em vista, o risco de disseminação. A bióp-
na verdade, parecem mostrar uma evolução, sia é preferencialmente excisional, com retirada
podendo ser detectada histologicamente inclu- da cápsula íntegra, evitando-se recidiva, peritoni-
sive em tecido peritoneal. A American Society te ou disseminação no caso de diagnóstico ines-
Fertility em 1985 propôs a classificação das le- perado de malignidade. Com o avanço da técni-
sões, sendo esta revisada e modificada em 1996 ca, dispositivos chamados endobags que isolam
pela então American Society reproductive Me- a massa da cavidade foram desenvolvidos para
dicine e é a classificação mais utilizada até hoje. evitar peritonite e disseminação, podendo ser
AFS-r propõe um sistema de pontuação em que usados em casos de dúvida em relação ao cará-
se avaliem as lesões quanto ao número, tama- ter benigno da massa. Após avaliação, alterações
nho, profundidade, presença e característica das presumivelmente malignas devem ser abordadas
aderências; uma pontuação de 1-5 pontos clas- por via laparotômica, pois complicações como
sifica como estádio I/mínima, 6-15 pontos está- disseminação após rotura de cistos, implantes
dio II/leve, 16-40 pontos estádio III/moderada e neoplásicos na parede abdominal corresponden-
>40 estádio IV ou severa. A AFS-r classifica a en- tes aos sítios dos trocartes ou até mesmo piora
dometriose em estágios que se correlacionam do prognósticos por progressão do estadiamen-
bem com o prognóstico reprodutivo, o que não to de 1 A ou 1B para 1C limitam, assim a aborda-
acontece com a sintomatologia da paciente. gem por via laparoscópica.

3.4. Tumores e cistos ovarianos 3.5. Gravidez ectópica
As patologias ovarianas permitem uma A gravidez ectópica é definida como ges-
fácil abordagem por via laparoscópica, porém, tação fora da cavidade uterina e sua incidência
como veremos, a via possui limitações nas ne- tem aumentado devido ao aumento de casos de
oplasias malignas. Portanto, o procedimento DIP, uso de DIU e técnicas de reprodução assis-
cirúrgico padrão-ouro para a abordagem das tida. Antigamente, o diagnóstico era realizado
patologias presumivelmente malignas ainda é somente após 6 a 8 semanas de gestação junto
a laparotomia. A avaliação pré-operatória deve ao evento catastrófico do choque hemorrágico.
ser, portanto, meticulosa para decidir a via de Com o advento do exame bioquímico, quantita-
abordagem nas patologias ovarianas; deve in- tivo de gonadotrofina coriônica humana (HCG),
cluir anamnese direcionada, exame físico e casos de gestação anômala inválida e ectópica
utilizar recursos oferecidos por exames com- podem ser diagnosticados precocemente; este
plementares. Ao exame físico, podemos de- hormônio costuma dobrar sua concentração a
parar com alterações variáveis a depender do cada dois dias na gravidez intrauterina e viável
caso, como massa palpável em região anexial, o que não acontece na gravidez ectópica em
abdômen em tábua, evidenciando peritonite, que a concentração aumenta mais lentamente.

Faculdade Christus 431


Capítulo 60

O exame também é útil para acompanhar o tra- laparoscópica visando corrigir disfunção ovula-
tamento medicamentoso ou cirúrgico quando a tória foi feito por Palmer e Brux em 1967 e por
diminuição da concentração for inferior a 15%, ser procedimento endoscópico reduziu muito
após o 4º ou o 7º dia do procedimento pode evi- a formação de aderências; porém, estas ainda
denciar gravidez ectópica resistente. Baixo nível hoje continuam sendo uma das principais limi-
de progesterona pode indicar gestação inviável, tações da técnica. A cauterização de 4 a 10 pon-
porém é menos específico para a gestação ec- tos do córtex ovariano tem se relacionado com
tópica. A USG transvaginal deve sempre ser soli- sucesso na ovulação em 84% a 100% dos casos
citada junto ao HCG para selar o diagnóstico de e em 20% a 87% conseguem engravidar, se-
gravidez ectópica antes de indicar um procedi- gundo diferentes estudos. Melhoras no quadro
mento cirúrgico invasivo, como a laparoscopia. clínico como regulação do padrão menstrual e
A laparoscopia, além de permitir a abordagem melhora da pele acnéica são relatados e pro-
medicamentosa local permite resolução por vavelmente se devem a uma melhora do perfil
procedimento cirúrgico, seja ele radical com sal- endócrino que envolve LH, testosterona, SHBG,
pingectomia, retirada do anexo, ou conservador progesterona, estradiol e 17OH-progesterona.
com salpingostomia em que se preserva a tuba
Complicações associadas à técnica, como
a depender do comprometimento do órgão e do
atrofia ovariana e falência ovariana precoce são ra-
desejo da paciente de ainda constituir prole. Para
ras e graves; formação de aderências e menopau-
acompanhamento dos resultados do procedi-
sa precoce são mais frequentes junto às compli-
mento cirúrgico; pode ser indicado histeroscopia
cações relacionadas à via de abordagem. Apesar
para as pacientes que ainda desejem engravidar.
de mostrar benefícios em relação ao tratamento
A abordagem cirúrgica vem mostrando medicamentoso, como menor risco de hiperes-
permitir um melhor prognóstico reprodutivo; timulação ovariana e menor risco de aborto, por
portanto, o tratamento medicamentoso deve ser diminuição da concentração plasmática de LH, a
guardado para casos em que há contraindicação laparoscopia é procedimento invasivo e deve ser
aos procedimentos cirúrgicos. Na presença de indicado para pacientes que não obtiveram suces-
instabilidade hemodinâmica, comprometimento so com o tratamento convencional.
grave da função cardiopulmonar ou obesidade
mórbida, a via laparotômica é a mais indicada,
caso a opção terapêutica seja cirúrgica. 3.7. Histerectomia
A histerectomia existe há 17 séculos e
durante a sua evolução, a primeira abordagem
3.6. Síndrome do Ovário Micropolicístico
endoscópica foi por via vaginal. A laparoscopia
(SOMP)
entrou inicialmente para auxiliar a histerectomia
O primeiro tratamento para SOMP, sín- vaginal e hoje, o procedimento pode ser feito
drome caracterizada por hisurtirmo, acne, exclusivamente por via laparoscópica, consti-
amenorreia, infertilidade e cistos ovarianos foi tuindo uma alternativa para pacientes com indi-
desenvolvido por Stein e Leventhal em 1935, cações para histerectomia abdominal; caso em
procedimento cirúrgico laparotômico que fa- que seja favorável, como associado a prolapso
zia ressecção em cunha dos ovários e mostrava uterino, o procedimento via vaginal é o mais in-
resultados como regulação do ciclo menstrual dicado. O tratamento por via vaginal mostrou-se
e em pequeno percentual proporcionou gra- menos invasivo e é feito com anestesia loco-re-
videz. Após a descoberta das ações do citrato gional. Na laparoscopia, além das complicações
de clomifeno (CC) na indução da ovulação o relacionadas à técnica envolvendo pneumoperi-
tratamento cirúrgico passou a ser questionado tôneo, ainda há riscos relacionados à anestesia
tendo em vista que os altos índices de forma- geral. Há vantagens da via laparoscópica em re-
ções de aderências de 15% a 100%, na verda- lação à via abdominal bem como às limitações
de podem piorar o prognostico reprodutivo da que foram citadas no início do capítulo sendo
paciente. Estudos recentes afirmam que 15% relevante acrescentar que ela é contraindicada
a 25% das pacientes em tratamento com o CC em casos de massas anexiais com diâmetro su-
permanecem em anovulação crônica, criando- perior a 18 cm. Apesar das vantagens oferecidas
-se, portanto necessidades de novos tipos de pela técnica como retorno mais cedo às ativida-
tratamento. O primeiro registro de abordagem des rotineiras, menos dores no pós-operatório

432 Faculdade Christus


Capítulo 60

e menor tempo de internação apenas 6% das frequentemente solicitados são os ginecológi-


histerectomias são auxiliadas ou realizadas por cos: citologia oncótica cervico-vaginal, cultu-
laparoscopia no Brasil segundo estudo brasi- ra cervical, marcadores tumorais, ressonância
leiro publicado em 2007, o que provavelmente magnética, tomografia computadorizada, ul-
acontece pelo reduzido número de serviços la- trassonografia, histerossalpingografia e histe-
paroscópicos oferecidos no País. roscopia. A gonadotrofina coriônica humana
HCG deve ser solicitada em casos suspeitos de
tumores embrionários, também sendo útil como
3.8. Miomectomia triagem de gravidez antes do procedimento
Os fibromas uterinos (miomas) estão pre- para mulheres férteis com vida sexual ativa. Exa-
sentes em 30% das mulheres acima de 30 anos mes pré-operatórios comuns a qualquer outra
e na maioria das vezes são percebidos por alte- cirurgia como tipagem sanguínea, hemograma
rações da superfície e do volume uterino perce- completo, coagulograma, eletrocardiograma,
bidas em exames USG de rotina, pois na maioria raio-X de tórax, sorologia para HIV, hepatite B
das vezes, são assintomáticos. Porém, podem e C podem ser solicitados segundo o Consenso
produzir sintomas como sangramentos excessi- Brasileiro em Videolaparoscopia Ginecológica
vos, dor por compressão de estruturas vizinhas, (CBVG-2006). Uma avaliação com o anestesista
abortamento de repetição, infertilidade ou dis- deve ser feita levando todos os exames reali-
tensão abdominal, quando atingem grandes zados, pois as repercussões respiratórias e he-
volumes, o que constituem indicações para tra- modinâmicas do pneumoperitônio são diferen-
tamento com provável necessidade de aborda- tes em pacientes diversas, o que pode limitar o
gem cirúrgica. Segundo CBVG-2006, para que uso da técnica, como veremos em limitações ao
a via de abordagem laparoscópica seja segura, uso da técnica. Minimiza-se o risco de lesão de
o volume uterino não deve ultrapassar ao volu- alças fazendo uso de laxativos durante os dois
me de uma gestação de 14 semanas, os miomas dias que antecedem à cirurgia, associado a uma
não devem ser mais que quatro, não deve ter dieta sem resíduos ou ainda um fleet-enema
diâmetro maior que 7 cm e no mínimo 50% de na véspera da cirurgia. Nos procedimentos que
sua extensão deve estar em porção submucosa. possam ter acometimento intestinal, deve ser
Portanto, exames complementares como USG e feito um preparo do intestino com manitol, um
histeroscopia devem ser solicitados para preci- hiperosmótico, e metronidazol, um antibiótico
sar o diagnostico e reconhecer, assim, as devi- útil para a flora intestinal; assim, diminui-se o
das indicações. A possibilidade de conversão à risco de infecção. O papel do médico é explicar
laparotomia e a necessidade de transfusão deve exaustivamente à paciente sobre a técnica e a
ser citada durante a avaliação pré-operatória. indicação da cirurgia, comentar sobre as vanta-
gens e as limitações ao uso da técnica, possi-
Em casos de nódulos volumosos, pode-se bilidade de conversão para a laparotomia, bem
optar por fazer inicialmente o tratamento me- como sobre a possível necessidade de transfu-
dicamentoso com análogos do GnRH, danazol são sanguínea, em que ela pode optar por usar
ou contraceptivos orais para diminuir o volume seu próprio sangue retirado com antecedência,
dos nódulos reduzindo a perda sanguínea bem a depender do caso.
como a morbidade do procedimento cirúrgico.

5. Vantagens e limitações do uso da


4. Avaliação e recomendações à paciente técnica
Durante a avaliação pré-operatória, de-
Pelo fato de ser uma técnica bem menos
vem ser feitos uma anamnese e exame físico
invasiva que a laparotomia, a videolaparoscopia
completos, em que os antecedentes cirúrgicos,
possui vantagens especiais no campo da gineco-
infecções pélvicas, coagulopatias e obesidade
logia; mulheres em vida fértil que ainda desejam
devem ser interrogadas, pois, como veremos, a
engravidar, podem se beneficiar de procedimen-
maioria das limitações estão relacionadas dire-
tos laparoscópicos tendo em vista que na laparo-
tamente à paciente. Exames específicos devem
tomia exploradora, o risco de complicações rela-
ser solicitados; dependendo da afecção, podem
cionadas à fertilidade são maiores. Este aumento
ser dos sistemas urinário e digestivo, como uro-
deve-se basicamente às grandes alterações da
grafia excretora e enema opaco; porém, os mais
estrutura anatômica que há na laparotomia, en-

Faculdade Christus 433


Capítulo 60

quanto que na laparoscopia o procedimento é lando a tumoração da cavidade, evitando assim


endoscópico e utiliza a cavidade abdominal, uma a disseminação de células; para certificar-se disso
cavidade natural para a abordagem; logo, as al- um lavado da cavidade deve ser colhido antes e
terações são menores. Outra vantagem é que o depois do procedimento para posterior análise.
caráter da cicatriz videolaparoscópica, é estetica-
Por fatores topográficos, a videolaparos-
mente bem mais aceitável, que a laparotômica, o
copia não é adequada para patologias retrope-
que se tornou ainda mais importante nos tempos
ritoniais e intrauterinas. As limitações impostas
atuais. O tempo de internação após procedimen-
pela aparelhagem são: dificuldade para produ-
tos laparoscópicos é bem menor e isso se deve à
zir certos movimentos naturalmente produzi-
severa resposta endócrino-metabólica, ao trauma
dos pela mão humana e falta do componente
que ocorre nas cirurgias abertas como na laparo-
tátil devem ser posteriormente supridas com o
tomia, ocorrendo proporcionalmente à extensão
avanço da técnica. A cirurgia robótica desenvol-
do trauma tecidual. Mesmo com tantas vanta-
vida a partir da década de 1990 permite maiores
gens, a técnica possui suas limitações e estas de-
vantagens como visão tridimensional e movi-
vem ser bem conhecidas; a técnica deve ser es-
mentos mais amplos; porém, ainda não perten-
colhida conforme indicações precisas, a qualidade
ce à realidades de nosso país.
da aparelhagem, a experiência do cirurgião e do
anestesista também são fundamentais para o su-
cesso do procedimento. A maioria das limitações 6. Diagnóstico e tratamento dos even-
está associada diretamente ao paciente e podem
tos adversos em videolaparoscopia
ser divididas em relativas e absolutas. As limita-
ções são ditas relativas quando se podem superar A videolaparoscopia possui eventos adver-
as tais dificuldades por meio do uso de materiais sos à técnica que devem ser bem conhecidos para
adequados, técnica e experiência do médico. Ci- serem precocemente identificados e tratados ou,
rurgias abdominais ou infecções prévias podem ainda melhor, prevenidos. Traumas da parede ab-
comumente causar aderências cicatriciais, as quais dominal são menos graves que os intracavitários,
podem induzir à perfuração de órgãos intra-abdo- porém são mais comuns, representando cerca de
minais durante a introdução dos trocartes. Proce- 95% das complicações. Traumas vasculares são os
dimentos videolaparoscópicos realizados durante mais comuns dos traumas de parede abdominal e
a gestação devem ser feitos até a décima sexta a transiluminação da parede abdominal tem evita-
semana, em que a altura uterina não ultrapasse do este tipo de complicação. Um enfisema subcu-
a cicatriz umbilical; no entanto, o procedimento tâneo pode ser formado no sítio de inserção dos
deve ser cercado de cuidados principalmente re- trocartes e a suspeita deve existir quando houver
lacionados à pressão ideal do pneumoperitôneo crepitação na parede abdominal. Hérnias incisio-
e do fluxo sanguíneo uterino. São limitações ab- nais são mais frequentes quanto maior for o diâ-
solutas, a falta de conhecimento prático e teórico metro dos trocartes, sendo, portanto, menos fre-
do médico, da anestesista e da equipe, bem como quentes na minivideolaparoscopia. A formação de
a falta de condições para suporte tanto do centro hérnias também está relacionada a outros fatores,
cirúrgico como do equipamento a ser utilizado. como o estado nutricional, a idade da paciente, e
Quando utilizada para fins diagnósticos, deve ser patologias associadas. Traumas intracavitários dos
contraindicada sempre que houver possibilidade vasos retroperitoniais após punção às cegas com a
de usar outros exames, tendo em vista que se tra- agulha de Veres para indução do pneumoperitônio
ta de um método invasivo. Patologias cardíacas e são potencialmente letais e caso haja instabilidade
pulmonares também são contraindicações abso- hemodinâmica, o procedimento deve ser conver-
lutas, pois durante a indução do pneumoperitô- tido em laparotomia para conseguir hemostasia
neo as repercussões podem comprometer estes adequada e segura. Após lesões inadvertidas do
dois sistemas vitais. Na instabilidade hemodinâ- trato gastrintestinal também pode ser necessária a
mica e coagulopatias, também se dá preferência conversão em laparotomia exploradora. Lesões do
à laparotomia. trato urinário têm sido citadas e são mais frequen-
tes em pacientes que passaram por cirurgia pélvica
Na obesidade mórbida e na investigação
prévia, tendo em vista o risco de aderências. Embo-
de grandes massas, o uso é bastante limitado. A
lia gasosa pode acontecer após punção inadverti-
abordagem de patologias malignas vem supe-
da de vaso durante a indução do pneumoperitônio,
rando limitações com o avanço da técnica, após
porém é raro com incidência estimada de 1:65000.
a criação de endobags, bolsas que funcionam iso-

434 Faculdade Christus


Capítulo 60

A videolaparoscopia é considerada uma cirurgia SANTOS, N.C. et al. Histerectomia videolaparos-


limpa; portanto, complicações infecciosas são ra- cópica. In: DONADIO, N.;  ALBUQUERQUE NETO,
ras e, quando acontecem, limitam-se ao sítio de L.C. Consenso brasileiro em videolaparosco-
inserção dos trocartes. Durante o pós-operatório, pia ginecológica. São Paulo: Artes Médicas,
também são citadas náuseas, vômitos, distensão 2001. p.76-79.
abdominal e íleo paralítico.
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pia ginecológica. São Paulo: Artes Médicas,
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Faculdade Christus 435


Capítulo 61
OBESIDADE NA CLÍNICA GINECOLÓGICA
Maria José Araújo Gomes Cerqueira
Adriana Paiva Marques Lima
Camilla Viana Goes Arrais

A- PROBLEMA C- ABORDAGEM TEMÁTICA


A.C.V., sexo feminino, 39 anos, dentista, 1. Introdução
procura seu médico com queixa principal de
A obesidade é uma doença crônica, de
ganho de 20 kg nos últimos 2 anos, após sua 2a
difícil tratamento, cuja prevalência tem aumen-
gestação. Refere que no ano passado procurou
tado em proporções epidêmicas nos últimos
um médico por problemas no casamento e di-
anos. No mundo, é estimado que atualmente
minuição da autoestima. Foi-lhe prescrito fluo-
existam 300 milhões de obesos e esse número
xetina, que ela tomou por 3 meses; nesse perí-
pode ser duplicado em 2025, se as medidas de
odo que perdeu 3 quilos, tomou a medicação.
saúde adequadas não forem tomadas. No Bra-
Voltou agora com as mesmas queixas e dificul-
sil, aproximadamente 40% dos adultos têm ex-
dades no relacionamento sexual com o mari-
cesso de peso e 10% são obesos.
do. Tem preferência por doces, não faz lanches,
passa o dia trabalhando e come mais à noite, A definição clássica de obesidade baseia-
quando chega em casa. Nega qualquer tipo de -se no índice de massa corpórea (IMC), que é
atividade física. Não fuma. G2P2A0. Sua mãe e calculado dividindo-se o peso (em Kg) pela al-
tia maternas são diabéticas e seu pai morreu tura ao quadrado (em metros), de acordo com
aos 56 anos de infarto agudo do miocárdio. o quadro abaixo.
Uma irmã é obesa. Ao exame: peso 84,9kg, es-
tatura 154 cm, PA 150 x 95 mmHg, cintura 113 Quadro 1- Classificação do peso conforme o IMC.
cm, quadril 103 cm. Estrias esbranquiçadas em Classificação do Peso IMC
abdome, que segundo ela, apareceram após as Baixo peso < 18,5
gestações. Traz os seguintes exames: glicemia Normal 18,5 – 24,9
112 mg/dl; colesterol total 235 mg/dl; triglice- Sobrepeso 25 – 29,9
rídios 190mg/dl; HDL 34mg/dl; LDL 163mg/dl e Obesidade Grau I 30,0 – 34,9
TSH 2,2 mU/l. Obesidade Grau II 35 – 39,9
Obesidade Grau III ≥ 40,0

B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A presença de sobrepeso ou obesida-


de pode favorecer o aparecimento de algu-
1. Elucidar as principais hipóteses diagnósticas mas condições patológicas tais como: diabetes
2. Citar os métodos diagnósticos mellitus tipo 2, dislipidemia, hipertensão arte-
3. Identificar os principais diagnósticos rial, doenças cardiovasculares, doenças degene-
diferenciais rativas das articulações (principalmente artrose
4. Expor sobre a conduta terapêutica de joelho, quadril), apneia do sono, além de vá-
rios tipos de câncer (mama, endométrio, fígado,
cólon, colo uterino).
Capítulo 61

Com esse aumento considerável na inci- Quadro 4: Critérios Propostos pela IDF (International
dência e prevalência do sobrepeso e da obe- Diabetes Federation): Presença de obesidade central
sidade e de suas consequências, houve uma (cintura > 94 cm em homens e > 80 cm em mulheres)
mudança na maneira de se avaliar este tipo de associada a 2 ou mais dos critérios abaixo:
paciente. Surgiu então o conceito de Síndrome
1) Níveis de triglicerídeos ≥ 150 mg/dl
Metabólica (SM), anteriormente também co-
2) Colesterol HDL < 40 mg/dl em homens e < 35 mg/
nhecida como Síndrome X, Síndrome Plurime-
dl em mulheres
tabólica, Síndrome de Resistência à Insulina ou 3) Pressão arterial ≥ 130 x 85 mmHg
Quarteto Mortal. 5) Glicemia de jejum >100 mg/dl
As definições mais usadas para a SM são
as propostas pela OMS (Organização Mundial 2. Etiologia
de Saúde) e pelo NCEP/ATP III (National Choles-
terol Education Program, Adults Treatment Panel A etiologia da obesidade é complexa,
III). Na prática clínica diária, a classificação mais multifatorial, resultando da interação de genes,
utilizada tem sido a proposta pelo NCEP/ATP III. ambiente, estilos de vida e fatores emocionais.
Mas, em abril de 2005, a Federação Internacio- A influência do genótipo na etiologia
nal de Diabetes propôs uma nova definição de pode ser intensificada ou atenuada por fatores
SM, um pouco mais rígida, mas mais abrangen- não genéticos, como fatores ambientais e inte-
te. Todos esses critérios são mostrados no qua- rações psicossociais que atuam sobre mediado-
dro abaixo. res fisiológicos de gasto e consumo energético.
Vários locais e padrões para avaliação da Dentre os fatores ambientais, estão os alimen-
circunferência abdominal têm sido sugeridos, tares, podendo-se destacar o excesso de calo-
mas o local definido e recomendado pela OMS rias e, principalmente, de lipídios, favorecendo
é o ponto médio entre o rebordo costal inferior o aumento da adiposidade.
e a crista ilíaca, com o paciente de frente. A me- A senescência também está associada
dida do quadril deve ser tomada no seu maior ao ganho de peso, devido ao declínio na taxa
diâmetro com a fita métrica passando sobre os metabólica basal em consequência da perda de
trocânteres maiores. massa muscular, diminuição da prática de ativi-
dades físicas e aumento do consumo alimentar.

1.1. Diagnóstico de síndrome metabólica Em relação aos fatores psicológicos, os


mais relacionados ao ganho de peso são estres-
Quadro 2: Critérios da OMS: presença de DM, IG ou RI,
se, ansiedade e depressão, influenciando princi-
associadas a dois ou mais dos seguintes critérios:
palmente o comportamento alimentar.
1) Pressão arterial elevada: ≥ 160 x 90 mmHg
2) Dislipidemia: triglicerídeos ≥ 150 mg/dl e/ou co- Distúrbios endócrinos como hipotireoi-
lesterol HDL < 35mg/dl em homens, < 39 mg/dl em dismo e problemas no hipotálamo, podem ser
mulheres causas de excesso de peso, mas representam
3) Obesidade central: relação cintura quadril > 0,90 em menos de 1% dos casos. Modificações no me-
homens e > 0,85 em mulheres e/ou IMC > 30 kg/m2 tabolismo de corticosteroides, ooforectomia e a
4) Microalbuminúria: excreção urinária de albumina síndrome dos ovários micropolicísticos também
≥20 μg/min.
podem cursar com sobrepeso ou obesidade
(DM= diabetes mellitus; IG= intolerância à gli- consequente a alterações na função ovariana
cose; RI= resistência à insulina) ou à hipersensibilidade no eixo hipotálamo-
-hipófise-adrenal. No climatério, período de
Quadro 3: Critérios do NCEP/ATP III: Presença de três transição para a menopausa, há tendência para
ou mais dos seguintes critérios: um aumento do risco de obesidade e mudança
1) Obesidade abdominal: cintura > 102 cm em da distribuição gordurosa corporal, que tende
homens e > 88 cm em mulheres a prevalecer na região abdominal. Estas altera-
2) Níveis de triglicerídeos > 150 mg/dl ções estão relacionadas com a diminuição do
3) Colesterol HDL < 40 mg/dl em homens e < estrogênio circulante e, também, com o aumen-
50 mg/dl em mulheres to da relação androgênio/estrogênio.
4) Pressão arterial elevada: ≥ 130 x 85 mmHg
5) Glicemia de jejum ≥ 110 mg/dl Vários medicamentos podem ter um efei-
to adverso no peso corporal por influenciarem

438 Faculdade Christus


Capítulo 61

a ingestão alimentar ou o gasto enérgico. Po- 140 e < 200 mg/dl e diabético se a glicemia for
demos citar alguns desses medicamentos: cor- ≥ 200 mg/dl.
ticosteroides, antipsicóticos, antidepressivos tri-
As principais doenças que poderiam cur-
cíclicos, antiepilépticos, sulfonilureias, insulina,
sar com esse quadro são:
dentre outros.
ƒƒ Síndrome de Cushing: doença causada por
A obesidade ocorre com maior frequên-
hipercortisolismo (excesso de produção de
cia em populações mais pobres e de menor ní-
cortisol pela suprarrenal). Nesse caso, solicita-
vel educacional. Este fato pode estar associado
ríamos um teste de supressão com dexameta-
à maior palatabilidade e mais baixo custo de ali-
sona, 1 mg às 23 horas. Se o cortisol colhido
mentos de grande densidade energética, como
no dia seguinte estiver abaixo de 1,8 µg/dl,
açúcar e gorduras.
afastamos este diagnóstico.
Considerando que o índice de massa cor- ƒƒ Depressão endógena isolada, que normal-
pórea (IMC) é calculado como: P(kg)/altura2(m), mente não cursaria com esses outros achados
esta paciente tem um IMC de 35,82 (ver Quadro metabólicos.
1), e uma relação cintura/quadril de 1,09 (nor-
mal: < 80 cm, para mulheres) sendo assim con-
3. Tratamento
siderada como portadora de obesidade grau 2
com predominância visceral (abdominal). Sua Tratar obesidade é uma tarefa complexa e
glicemia de jejum está acima de 99 mg/dl, sen- multidisciplinar. O tratamento envolve mudan-
do classificado como intolerante à glicose de ças no estilo de vida, além do tratamento far-
jejum, o seu LDL está acima de 130 mg/dl e o macológico. A escolha do tratamento deve ser
HDL está abaixo de 50 mg/dl, podendo também baseada na gravidade da patologia e na presen-
ser considerada como portadora de dislipide- ça ou não de comorbidades.
mia mista. Como a PA está ≥ 130 mmHg para O tratamento inicial é feito com orientação
a sistólica e ≥ 85 mmHg para a diastólica, pode dietética e mudanças no estilo de vida, com in-
ser que ela já possa estar com hipertensão ar- centivo à prática de atividade física, entretanto o
terial, embora tenhamos que conferir esta pres- tratamento medicamentoso já pode ser iniciado
são arterial numa próxima consulta. Todos esses se o paciente apresentar os seguintes critérios:
achados preenchem os critérios para que a pa-
ciente seja portadora de Síndrome Metabólica 1) IMC ≥ 30 kg/m2, ou ≥ 25 kg/m2 na presença
(Quadros 2, 3 e 4). de comorbidades
2) Ausência de perda de peso com o tratamento
Além disso, pelas suas queixas pode-se não farmacológico.
pensar numa síndrome depressiva leve causada
pela própria obesidade e suas consequências na
autoestima da mulher. Diante de um quadro de Atualmente, as principais drogas usadas
intolerância à glicose de jejum numa paciente no tratamento da obesidade são:
com dislipidemia, obesidade e história familiar 1. Substâncias anorexígenas catecolaminér-
de diabetes, é importante solicitar um teste de gicas: dietilpropiona, mazindol e fempro-
tolerância oral à glicose (TTOG) para afastar o porex. Agem diminuindo o apetite por meio
quadro de diabetes mellitus tipo 2. de uma ação central, por isso tais drogas
Além dos parâmetros já descritos para podem causar sintomas leves a moderados
obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial de estimulação do sistema nervoso central
é imperativo a realização da curva glicêmica (como insônia, euforia, nervosismo) e do sis-
(TTOG). Para isto, a paciente deve ficar com uma tema cardiovascular (levando a taquicardia e,
dieta normal de carboidratos por 3 dias, fazer às vezes, elevação da pressão arterial). Não
um jejum de 8 horas e no dia do exame, após há estudos com duração maior que um ano
a coleta do sangue em jejum, tomar uma carga com a dietilpropiona e o mazindol, por isso
de 75 g de glicose por via oral e, com 2 horas não se pode assegurar eficácia e segurança
colher novo exame para glicemia. É considerado dessas drogas a longo prazo. Em relação ao
normal o paciente que 2 horas após a carga de femproporex, ainda muito utilizado em fór-
glicose tem uma glicemia <140 mg/dl, intole- mulas de manipulação, não há estudos clíni-
rante à glicose, aquele que tem uma glicemia ≥ cos publicados, o que não se permite pres-
crevê-lo com confiança.

Faculdade Christus 439


Capítulo 61

2. Sacietógenos: sibutramina. Atua como um tência à insulina, como a metformina. Para a dislipi-
potente inibidor da recaptação da norepine- demia poderíamos inicialmente esperar três meses,
frina e da serotonina e não aumenta a libe- preconizando apenas a dieta. Caso persista com
ração neuronal dessas monoaminas. Ela age níveis elevados de colesterol LDL, deverá ser inicia-
principalmente inibindo a ingestão alimentar do tratamento com estatinas. Os níveis de pressão
por estímulo do processo fisiológico da sacie- arterial deverão ser rigorosamente monitorados
dade. Os principais efeitos colaterais são leve no início do tratamento, uma vez que eles podem
aumento na pressão arterial diastólica (3 a 5 se elevar um pouco com o uso da sibutramina e,
mmHg) e 2 a 4 batimentos por minuto a mais nesse caso, poderá ser necessário a utilização de
na frequência cardíaca. Outros efeitos adver- anti-hipertensivos leves como diuréticos, ou baixas
sos comuns são cefaleia, boca seca, constipa- doses de inbidores da renina-angiotensina (ou ain-
ção, rinite e faringite. O estudo mais impor- da outras classes de drogas anti-hipertensivas).
tante com essa droga (STORM- Sibutramine
Trial in Obesity Reduction and Maintenance),
com 2 anos de duração, demonstrou a efi- D- Referências Bibliográficas
cácia da sibutramina tanto na perda de peso
quanto na manutenção dessa perda. APPOLINARIO, J.C.; McELROY, S.L. Pharmacogi-
3. Inibidor de lipases do trato gastrointes- cal approaches in the treatment of binge eating
tinal: Orlistate. Essa droga age inibindo a disorder. Curr Drug Targets. v.5, p.301-7, 2004.
absorção de cerca de um terço da gordura JAMES, W.P.; ASTRUP, A.; FINER, N. et al. Efecct of
ingerida durante uma refeição. O orlistate sibutramine on weight maintenance after weight
não possui atividade sistêmica porque sua loss: a randomized trial. STORM Study Group.
absorção pelo trato gastrointestinal é des- Sibutramine Trial of Obesity Reduction and Main-
prezível, não tendo assim efeitos regula- tenance. Lancet. v. 356, p.2119-25, 2000.
dores do apetite. Seu efeito farmacológico
(evidenciado pelo conteúdo de gordura nas LYRA, R.; CAVALCANTI, N. Obesidade e Neo-
fezes) estimula, a longo prazo, um consumo plasias. In: HALPERN, A. et al. (eds.) Obesidade.
de alimentos com menor teor de gorduras. São Paulo: Lemos, 1998, p.197-208.
4. Inibidores da recaptação da serotonina:
MANSON, J.E.; SKERRETT, P.J.; GREENLAND, P.;
fluoxetina, sertralina. Essas drogas usadas no
VANITALLIE, T.B. The escalating pandemic of obe-
tratamento da depressão podem proporcio-
sity and sedentary lifestyle. A call to action for cli-
nar perda de peso, embora não estejam for-
nicians. Arch Intern Med v.164, p.249-58, 2004.
malmente indicadas no tratamento da obesi-
dade. A fluoxetina mostrou um efeito redutor PAVELKA, J.C.M.; BEN-SCHACHAR, I.; FOWLER,
do peso principalmente nos 6 primeiros meses J.M. Morbid obesity and endometrial cancer:
de uso, não sendo indicada para tratamento a surgical, clinical, and pathologic outcomes in
longo prazo da obesidade. Essas drogas são surgically managed patients. Gynecol Oncol.
mais importantes em reduzir a frequência dos v.95, p.588-92, 2004.
episódios de compulsão alimentar em pacien-
tes com transtorno de compulsão alimentar. RASHID, M.N.; FUENTES, F.; TOUCHON, R.C.;
A paciente deve ser encorajada a fazer mu- WEHNER, P.S. Obesity and the risk for cardio-
danças no estilo de vida, passando a fazer uma die- vascular disease. Prev Cardiol. v.6, p.42-7, 2003.
ta mais saudável e atividade física. Além disso,
SILVA, C.S.; PARDINI, D.; KATER, C.E. Síndrome
como já tem obesidade com comorbidade, é im-
dos ovários policísticos, síndrome metabólica,
portante que seja feito o tratamento farmacoló-
risco cardiovascular e o papel dos agentes sen-
gico da obesidade. Nesse caso, o ideal seria tentar
sibilizadores da insulina. Arquivos Brasileiros
inicialmente drogas sacietógenas, como a sibutra-
de Endocrinologia e Metabolismo. v.50,
mina, inicialmente 10 mg e, se a paciente não apre-
p.281-90, 2006.
sentar efeitos colaterais importantes, passar para a
dose de 15 mg, com controle mensal da pressão WILKIN, T.J.; VOSS, L.D. Metabolic syndrome:
arterial, do hábito intestinal e do humor. Se com o maladaptation to a modern world. J R Soc Med.
TTOG for diagnosticado diabetes mellitus tipo 2, v.97, p.511-20, 2004.
deve ser submetida também ao tratamento para
esta patologia, com drogas que diminuam a resis-

440 Faculdade Christus


Capítulo 62
PROGRAMA DE PREVENÇÃO
DA OSTEOPOROSE
Sheila Márcia de Araújo Fontenele
Andréa Edwiges Pinheiro de Menezes Barreto

A- PROBLEMA 3. Relacionar os possíveis diagnósticos dife-


renciais.
S.M.A.F., 40 anos, branca, casada, secretá- 4. Determinar a estratégia terapêutica.
ria, G1P1A0, procurou a emergência de trauma-
to-ortopedia, por conta de uma fratura em 5o
metatarso, após torção do pé direito. Durante a C- ABORDAGEM TEMÁTICA
anamnese, a paciente referiu intolerância à lac-
tose e muitas crises de asma brônquica desde a
1. Introdução
primeira infância, que comprometiam a prática A osteoporose é a patologia ósseo-me-
de exercícios, sendo necessário até uso de cor- tabólica sistêmica mais comum, que afeta cerca
ticosteroides, além do diagnóstico de Síndrome de 200 milhões de pessoas em todo o mundo,
dos Ovários Policísticos na adolescência, com particularmente mulheres da raça branca e asi-
menarca apenas aos 17 anos e ciclos menstru- ática, e se caracteriza pela diminuição da mi-
ais bastante irregulares. A paciente também re- neralização óssea e da formação do osteoide,
latou etilismo social e tabagismo até a gravidez levando progressivamente ao afilamento das la-
há cinco anos, que só sobreveio após tratamen- melas corticais de ossos longos e à desagrega-
to com estimulação hormonal, mas continua ção trabecular de ossos chatos, suscetibilizando
adicta à grande quantidade de cafeína. Atual- o indivíduo a fraturas de baixo impacto. Decorre
mente apresenta espanio e oligomenorreia, e o de um desequilíbrio fisiológico ou patológico
diagnóstico recente de hipotireoidismo, faz crer do processo de remodelação óssea, que inclui
na possibilidade de um climatério precoce. Em a reabsorção óssea com degradação de matriz
relação ao histórico familiar: sua mãe queixava- extracelular e colágeno, pelos osteoclastos e o
-se de diminuição da própria altura e sua avó preenchimento dessas lacunas, pelos osteoblas-
faleceu de complicações advindas pós-fratura tos e osteócitos e, posteriormente, aposição de
de fêmur. Ao exame físico: bom estado geral, cristais de hidroxiapatita de cálcio e outros mi-
cifoescoliose torácica, peso de 54kg e altura de nerais, como o fósforo.
1,66m. Baseado nestas informações, o médico
O desenvolvimento do tecido ósseo de-
decidiu avaliar o status de mineralização óssea
pende de diversos fatores, como o genético, o
da paciente, solicitando a Densitometria Óssea
nutricional, o hormonal, além do efeito mecâni-
e o perfil do metabolismo do cálcio.
co piezoelétrico, que determinam tanto o equi-
líbrio dos ciclos de remodelação óssea, desde
o período embrionário até o pico de massa ós-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM sea, adquirido até o final da segunda década
1. Apontar a principal hipótese diagnóstica. de vida, quanto à velocidade da perda óssea,
2. Definir a abordagem diagnóstica. que se estabelece conforme o envelhecimento
Capítulo 62

(Quadro 1). Nos dez primeiros anos após a me- uma anamnese e um exame físico minuciosos,
nopausa, por conta da deficiência estrogênica, abrangendo desde os determinantes do pico
ocorre uma alta remodelação óssea, com uma de massa óssea até a concomitância com ou-
perda anual de 2 a 3% de osso trabecular e 1 tras patologias ou a exposição a medicamentos
a 2% de cortical, podendo chegar até a 50% e relacionados à desmineralização óssea, assim
30%, respectivamente. como os fatores de risco modificáveis ou não
para osteoporose e fraturas.
Não modificáveis Modificáveis
- Sexo feminino - Baixa densidade mineral O diagnóstico clínico da osteoporose
- Raça branca ou óssea torna-se indesejável, à medida que se baseia na
asiática - Baixo peso corporal (IMC < ocorrência de fraturas ósseas, que geralmente
- Constituição corpó- 19kg/m2) são decorrentes das atividades de vida diária –
rea diminuída - Amenorreia na pré-meno-
como as vertebrais, ou por trauma de baixo im-
- Envelhecimento pausa ou nuliparidade
pacto, como cair da própria altura para frente
- Menarca tardia e - Sedentarismo e imobilização
– como as do antebraço, e para trás ou para os
menopausa precoce prolongada
- Antecedentes pes- - Condições osteopenizantes
lados – como as do quadril.
soais e familiares de associados Por sua vez, os exames laboratoriais são
fratura por osteo- - Tabagismo e alcoolismo indicados para avaliar indiretamente a micro-
porose - Baixa ingestão de cálcio e -arquitetura óssea, por meio dos marcadores
- Genótipo do VDR/ vitamina D
bioquímicos de remodelação óssea, ou refletir
COLIA-I - Alta ingestão de cafeína,
as alterações no metabolismo do cálcio, ou ain-
- Geometria femoral proteína, sódio e fosfato
da afastar ou confirmar co-morbidades osteo-
- Fatores intrínsecos - Fatores extrínsecos para
para quedas em quedas em idosos penizantes (Quadro 2). Contudo, a massa óssea
idosos somente pode ser estudada integralmente, me-
diante biópsia óssea, que por se tratar de um
Quadro 1 – Fatores de risco para desmineraliza- método invasivo, é indicada apenas para des-
ção óssea e fraturas. cartar condições osteopenizantes secundárias,
associadas ou não à osteoporose involucional.
Em relação à principal manifestação clínica
Marcadores de Marcadores de
da osteoporose, as microfraturas da coluna ver- formação óssea reabsorção óssea
tebral são as mais frequentes, geralmente oligos- Séricos Séricos
sintomáticas e dificilmente diagnosticadas, ocor- - Osteocalcina - Fosfatase alcalina
rem precocemente após a menopausa, levando à - Fosfatase alcalina tartarato resistente
limitação das atividades de vida diária pelas de- - Propeptídeos amino e - Telopeptídeo amino
formidades, dor crônica, comprometimento físico carboxi-terminal do pro- (NTX) e carboxi (CTX)-
mental, e à predisposição a novas fraturas. A inci- colágeno I terminal do Colágeno I
dência de fraturas do antebraço também ascende
após a menopausa, estabilizando-se por volta dos Urinários
- NTX e CTX
65 anos, gerando dor crônica, perda de função,
- Deoxi e piridinolinas
neuropatias compressivas, artrite pós-traumática
em mão e punho, por vezes secundária aos pro- Marcadores do Exames
cedimentos cirúrgicos. O número das fraturas do metabolismo do cálcio complementares
quadril eleva-se lentamente a partir dos 60 anos, e - Cálcio e fósforo - Hemograma
exponencialmente a partir da oitava década, cau- - Dosagem de PTH - Velocidade de hemos-
- Dosagem de TSH e T4 livre sedimentação
sando aumento das taxas de morbi-mortalidade,
- Dosagem de LH, FSH, - Eletroforese de pro-
gerando incapacidade física e diminuição do nível
prolactina e estradiol teínas
de qualidade de vida desses indivíduos, e oneran- - Dosagem de 25-hidroxivi- - Função hepatorrenal
do a saúde pública e privada. tamina D - Sumário de urina
- Calciúria de 24h - Clearance de creati-
nina
2. Como confirmar o diagnóstico?
Quadro 2 – Propedêutica laboratorial para de-
Por se tratar de uma patologia pouco terminar diagnóstico e prognóstico das formas
sintomática, a abordagem inicial de paciente primárias e secundárias de osteoporose.
com distúrbios do metabolismo ósseo exige

442 Faculdade Christus


Capítulo 62

A radiologia convencional também não é através da densitometria, ou o tratamento em


interessante, uma vez que só demonstra altera- massa de mulheres, a partir da menopausa, que
ções partindo de uma perda óssea maior que não sejam consideradas de alto risco para fraturas.
30%, configurando-se como um recurso diag- Portanto, tornou-se necessário eleger aquelas que
nóstico de baixa sensibilidade. Entretanto, não pertenciam a grupos de maior risco e, portanto,
deve ser descartada do conjunto de exames que viessem a se beneficiar mais com o diagnós-
complementares, pois além de destacar as pato- tico e o tratamento da osteoporose (Quadro 3).
logias que também cursam com desmineraliza-
Atualmente, a evolução da tecnologia
ção óssea, pode estabelecer morfologicamente
DXA permite analisar a morfometria vertebral, me-
o grau de deformidade da coluna vertebral. As
dindo a altura vertebral ou comparando as dimen-
alterações radiológicas mais importantes com-
sões dos platôs inferiores e superiores adquiridos
preendem: a diminuição da densidade óssea, a
com medidas determinadas previamente para um
redução do tamanho das trabéculas horizontais,
corpo vertebral normal, otimizando o diagnóstico
a presença de colapsos e acunhamentos verte-
precoce de fraturas vertebrais. Inclusive, os softwa-
brais e o afilamento cortical de ossos longos.
res mais novos calculam o comprimento do eixo
Um exame para ser considerado como pa- femoral - preditor independente do risco de fratu-
drão-ouro para a osteoporose deveria avaliar a re- ra, desde que para cada centímetro de aumento,
sistência óssea, através tanto da quantidade (den- duplica-se a chance de fratura nesse sítio.
sidade do conteúdo mineral) como da qualidade
(agregação da microarquitetura) do osso. Contu- Mulheres com idade igual ou superior a 65 anos
do, o melhor método disponível mensura apenas Homens com idade igual ou superior a 70 anos
a densidade mineral óssea (DMO) e consiste na Mulheres na pós-menopausa, abaixo de 65 anos, e
densitometria óssea, sendo a absorciometria da homens, entre 50 a 70 anos, com dois ou mais dos
dupla emissão de raios X (DXA), na coluna lombar fatores de risco abaixo:
e no colo femoral, a mais rápida, sensível e segu- - Tabagismo
ra técnica. Por sua precisão e acurácia, mediante - Hipertireoidismo
a utilização do Z-score, que representa o desvio- - Baixa ingestão de cálcio
-padrão da DMO individual em relação à média - Alcoolismo
pareada pela idade, e do T-score, que é o desvio- Quadro 3 – Indicações para a realização da den-
-padrão em relação à média do adulto jovem, a sitometria óssea axial.
OMS, em 1994, elegeu o DXA como padrão-ouro
para o diagnóstico da desmineralização em osso Outros métodos, como a TC Quantitativa
trabecular e cortical, a estratificação de indivíduos (QCT) e a Ultrassonometria Óssea (USO) têm sido
com risco de fratura e a monitoração de mudan- propostos para avaliação da resistência óssea,
ças na massa óssea, conforme o envelhecimento apesar das tentativas de validação deles ainda
ou em vigência de tratamento (Tabela 1). não permitirem a extrapolação dos dados para
o diagnóstico de desmineralização óssea e prog-
nóstico de fraturas do quadril, por exemplo.
Tabela 1 – T-score: fator diagnóstico de desmi-
neralização óssea e prognóstico para fratura.
Classificação do
2.1. Quais outros possíveis diagnósticos?
Diagnóstico Prognóstico
T-score A osteoporose generalizada pode ser
Ausência de classificada em dois tipos: primária e secundá-
> -1,0 DP Sem risco
desmineralização ria, sendo a forma primária a mais prevalente e
Osteopenia
≤ -1,0 DP a -2,5 DP > 4x resultante de uma perda do conteúdo mineral
densitométrica
ósseo relacionada à deficiência estrogênica ou
Osteoporose
≤ -2,5 DP
densitométrica
> 8x ao envelhecimento. Já a forma secundária de-
Presença de fratura, pende de uma variedade de condições que im-
independente do Osteoporose pliquem ou em aumento da reabsorção óssea,
> 20x
grau de desminerali- estabelecida ou em diminuição da formação óssea. Estima-se
zação óssea que 10-20% das mulheres na pós-menopausa
tenham uma outra causa subjacente que expli-
Estudos sobre economia da saúde ainda
que sua desmineralização óssea (Quadro 4).
não recomendam o rastreamento populacional,

Faculdade Christus 443


Capítulo 62

Osteoporose Generalizada
Osteoporose primária
- Juvenil idiopática
- Idiopática em adulto-jovem
- Involucional
Tipo I ou pós-menopausa
Tipo II ou senil
Osteoporose secundária
Doenças endócrinas Doenças gastrointestinais
- Síndrome de Cushing - Doença celíaca
- Hiperparatireoidismo - Doenças inflamatórias intestinais
- Hipertireoidismo - Hepatopatias crônicas
- Hipogonadismo - Cirrose biliar primária
- Hiperprolactinemia - Pós-gastrectomia
- Síndrome de má absorção
Doenças hereditárias do tecido conjuntivo - Síndrome do intestino curto
- Síndrome de Ehlers-Danlos
- Homocistinúria Miscelânia
- Síndrome de Marfan - DPOC
- Osteogênese imperfecta - Insuficiência renal crônica
- Pós-transplante
Doenças reumatológicas - Desnutrição
- Artrite reumatoide
- Espondilite anquilosante Iatrogenia medicamentosa
- Glicocorticoides
Doenças hematológicas/neoplasias - Anticoagulantes
- Mieloma múltiplo - Anticonvulsivantes
- Mastocitose sistêmica - Hormônios agonistas do liberador de gonadotrofinas
- Linfoma / leucemia - Imunossupressores
- Carcinomatose disseminada

Quadro 4 – Classificação da Osteoporose generalizada.

Portanto, diante de uma fratura de estres- pico de massa óssea durante a infância e ado-
se ou de baixo impacto, especialmente em se lescência e retardar a perda óssea relacionada à
tratando de indivíduos adulto-jovens, do sexo menopausa e à idade, para alcançar o objetivo
masculino, ou com Z-score abaixo de -2,0DP, principal que é evitar as fraturas ósseas.
torna-se imprescindível questionar sobre os
A prevenção primordial da desmineraliza-
determinantes de pico de massa óssea, a co-
ção óssea baseia-se em condutas farmacológicas
-existência de outras condições osteopenizan-
e não farmacológicas, como: ingestão adequada
tes, e fatores de risco para osteoporose de alta
de cálcio e exposição ao sol; prática de atividades
remodelação e fraturas, além de atentar para a
físicas aeróbicas; evitar o tabagismo e o excesso
faixa etária e o quadro clínico, por conta das im-
de bebidas alcoólicas e de dieta rica em cafeína e
plicações em relação à terapêutica específica e
proteínas; correção do status hormonal envolvi-
prognóstico das causas secundárias.
do no metabolismo do cálcio; suplementação de
cálcio e vitamina D a partir da menopausa e, es-
pecialmente, em pacientes imobilizados, institu-
2.2. Como, quando e quem prevenir e tratar?
cionalizados e idoso e uso judicioso de glicocor-
Perante a possibilidade de osteoporose, ticoide. Já a prevenção primária da osteoporose
a abordagem dos pacientes deve identificar os inclui: a terapia hormonal na pós-menopausa;
fatores de risco para desmineralização óssea e uso de doses baixas de bisfosfonatos e evitar
fraturas, excluir as condições osteopenizantes e quedas em pacientes idosos.
estabelecer as medidas preventivas e terapêu-
A prevenção secundária da osteoporose
ticas apropriadas, visando elevar ao máximo o
ou terapia farmacológica pode ser classifica-

444 Faculdade Christus


Capítulo 62

da em: medicamentos inibidores da reabsorção de câncer de mama ou endometrial. Em con-


óssea (agentes antirreabsortivos) e estimulado- trapartida, os SERMs parecem aumentar o risco
res da formação óssea (agentes anabólicos), e é de fenômenos trombo-embólicos e agravar os
indicada para indivíduos com T-score abaixo de sintomas vasomotores.
-2,5DP em coluna lombar ou T-score abaixo de
O antirreabsortivo mais antigo é um hor-
-2,0DP em colo femoral, e até mesmo com T-
mônio peptídeo secretado pela tireoide, conhe-
-score abaixo de -1,5DP, desde que possuam ris-
cido por calcitonina, sendo a formulação deri-
co mais elevado para fratura (Tabela 2). A preven-
vada do salmão, a mais potente e duradoura na
ção terciária da osteoporose estabelecida inclui
sua ligação inibitória aos receptores dos osteo-
evitar as complicações clínicas dos procedimen-
clastos. Os estudos de coorte demonstram que,
tos cirúrgicos e as deformidades, a reabilitação
aparentemente, a prevenção e o tratamento da
precoce e a prevenção de novas fraturas.
osteoporose estabelecida, desde que primária,
A OMS preconiza que a suplementação atem-se à coluna vertebral, sendo a dose preco-
de cálcio em indivíduos acima de 50 anos seja nizada a de 200UI em dias alternados e em nari-
em torno de 1000 a 1500mg/dia, após refei- nas alternadas, para evitar o fenômeno de taqui-
ção, para facilitar sua absorção. O carbonato filaxia. A forma nasal é bem tolerada, mesmo por
de cálcio é mais barato, mais absorvível e pos- longo prazo, e os eventos adversos resumem-se
sui maior excreção renal. Logo, pacientes com à irritação nasal. Atualmente, devido ao seu efei-
tendência à constipação e nefrolitíase deveriam to analgésico é mais indicada como adjuvante na
utilizar formulações à base de citrato. Já a vita- fase dolorosa das fraturas vertebrais.
mina D é essencial para a absorção e assimila-
A classe dos bisfosfonatos liga-se avida-
ção do cálcio, além de seus efeitos diretos sobre
mente aos cristais de hidroxiapatita na superfí-
a remodelação óssea, o equilíbrio e a resistência
cie óssea, reduzindo a habilidade individual dos
muscular, e sua dose recomendada é cerca de
osteoclastos para reabsorver ósseo, acelerando
400 a 800UI/dia. Contudo, o único metabólico
sua apoptose por intoxicação. O alendronato, o
ativo é o calcitriol, os demais precisam tanto da
risedronato e o ibandronato são considerados
ativação cutânea pela luz solar, quanto da pas-
como os agentes de escolha para o tratamento
sagem hepato-renal.
de pacientes masculinos e femininos com oste-
A terapia hormonal (TH) – combinação de oporose, estabelecida ou não, primária ou não,
estrógeno e progesterona, que confere maior especialmente de alta remodelação óssea, pois
risco por longo prazo de câncer de mama, ou além de reduzir os níveis dos marcadores bio-
apenas a estrogenioterapia, somente indicado químicos de reabsorção óssea, previne a rein-
para as pacientes histerectomizadas, objeti- cidência de fraturas, inclusive em osso cortical,
va mais prevenir a desmineralização óssea em com exceção do terceiro citado. São pobremen-
osso trabecular que diminui o risco de fraturas, te absorvidos pela via oral, devendo ser toma-
desde que atua retardando o processo de re- dos em jejum, com bastante água, e o paciente
modelação óssea, e assim, conservando a den- ser advertido a permanecer em pé ou andando
sidade mineral e o osteoide ósseo. Atualmente, por cerca de trinta minutos, para evitar sinto-
por conta do aumento do risco cardiovascular mas dispéticos. Outros eventos adversos são os
apontado pelos últimos estudos longitudinais, sintomas de hipocalcemia e flu-like, típico das
reserva-se a TH para o controle da síndrome preparações venosas, e a osteonecrose de man-
do climatério, nas menores doses possíveis e díbula, em pacientes com câncer, infecção ou
sem ultrapassar cinco anos, além da avaliação e submetidos a implantes dentários.
acompanhamento do ginecologista.
Embora a exposição continuada aos me-
Outra opção para prevenir e tratar a os- tabólicos ativos do hormômio da paratireoide
teoporose estabelecida em coluna vertebral estimule a atividade reabsortiva dos osteoclas-
consiste no uso dos moduladores seletivos dos tos, os peptídeos 1-34 do PTH recombinante hu-
receptores do estrogênio (SERMs). Do grupo, o mano dado por via subcutânea em microdoses
raloxifeno é a droga mais estudada, apresentan- diárias levam à formação óssea, particularmente
do efeito agonista estrogênico no osso e lipí- no osso trabecular, diminuindo sobremaneira a
dios e antagonista na mama, daí aumentando taxa, inclusive, de novas fraturas vertebrais e não
a massa óssea e reduzindo o risco de fraturas vertebrais. Para garantir o risco benefício, o tra-
vertebrais, inclusive novas, sem elevar o risco tamento com teriparatida deveria ser limitado

Faculdade Christus 445


Capítulo 62

por dois anos e indicado para aqueles indivíduos Outra droga que já se encontra na fase III dos en-
com osteoporose primária e secundária ao uso saios clínicos é o anticorpo monoclonal denosu-
de glicocorticoides com alto risco para fraturas, mab, análogo da osteoprotegerina e concorrente
ou que já as apresente em sítios vertebrais ou natural do RANK-L pelo receptor de ativação dos
que tiveram falha terapêutica anterior. Os prin- osteoclastos. Na fase II, esta droga equiparou-se
cipais efeitos colaterais são: náuseas, tonturas e aos bisfosfonatos na elevação da DMO da coluna
cãimbras, sendo a hipercalcemia menos comum. vertebral, do quadril e do antebraço.
Por contra do desenvolvimento de osteossar-
A conduta cirúrgica de pacientes com
coma em ratos, a teriparatida está totalmente
osteoporose estabelecida vai depender da lo-
contraindicada em pacientes com risco maior de
calização, da gravidade da fratura e prognósti-
malignidade óssea: crianças, antecedente de ra-
co funcional, respeitando-se o estado geral do
dioterapia, doença de Paget e fosfatase alcalina
paciente e a existência de outras co-morbida-
idiopática persistentemente elevada.
des. Porém, foge do escopo dessa publicação.
No cenário terapêutico da osteoporose sur- O tratamento sintomático por meio do uso de
gem novas perspectivas, como o ranelato de es- analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais,
trôncio que aumenta a massa óssea tanto inibin- além das associações com opioides e reabilita-
do a reabsorção, quanto estimulando a formação ção, é imperativo. Caso os sintomas dolorosos
óssea e, por conseguinte, reduz o risco de fraturas não cessem ao cabo de, no máximo, três meses,
em sítios corticais e trabeculares. Atualmente, o provavelmente trata-se de fratura patológica e
protos encontra-se na fase de fármaco-vigilância. a pesquisa de doença subjacente impõe-se.

Tabela 2 – Programa de prevenção e tratamento da desmineralização óssea e do risco de fratura.


Medicação Posologia Fx vertebral Fx não vertebral Fx quadril
Raloxifeno 60mg, VO diário Sim Não Não
10mg, VO diário
Alendronato Sim Sim Sim
70mg, VO semanal
5mg, vo diário
Risedronato Sim Sim Sim
35mg, VO semanal
150mg, VO mensal
Ibandronato Sim Sim Não
3mg, IV trimestral
Zoledronato 5mg, IV anual Sim Sim Sim
Ranelato de Estrôncio 2g, VO diário Sim Sim Sim
Teriparatida 20µg, SC diário Sim Sim Não

3. Considerações finais de risco comprovados para desmineralização ós-


sea - idade, tempo de menopausa, baixa ingestão
Diante do exposto acima, depreende-se
de cálcio, inatividade física, e para fraturas – di-
que ao longo de sua história clínica a paciente
minuição da DMO, co-morbidades, antecedentes
acumulou condições primárias e secundárias que
de fraturas por trauma de baixo impacto e baixo
comprometeram seu pico massa óssea, e que
peso corporal, sejam prontamente identificados
podem acelerar a desmineralização óssea após
e mais eficientemente modulados.
sua menopausa, suscetibilizando a mesma ao
aparecimento de fraturas, tais como: o sexo fe- Para tal, torna-se fundamental que, o pú-
minino, a raça branca, a intolerância à lactose, o blico infanto-juvenil tenha condições de adqui-
consumo excessivo de cafeína, a pouca atividade rir o maior pico de massa óssea, as mulheres
física, a baixa exposição solar, o uso de glicocor- na pré-menopausa sejam orientadas ao reco-
ticoides, as alterações hormonais, o tabagismo, nhecimento e à modificação dos determinantes
além dos antecedentes familiares de fratura. que levam à baixa massa óssea, e os indivíduos,
especialmente as mulheres na pós-menopausa,
Reafirma-se que, a prevalência de desmi-
tenham acesso aos meios que identifiquem
neralização óssea e a incidência de fraturas varia-
logo a osteoporose e à intervenção específica,
rão direta ou indiretamente, de acordo com a ex-
para que se evite a instalação das fraturas, que
posição aos diversos fatores de risco na redução
tanto comprometem a qualidade e a expectati-
da massa óssea, na desagregação das trabéculas
va de vida, quanto exaurem os parcos recursos
ósseas, no afilamento cortical e na propensão a
destinados à saúde pública.
quedas. Portanto, é imprescindível que, fatores

446 Faculdade Christus


Capítulo 62

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Faculdade Christus 447


Capítulo 63
PROGRAMA DE PREVENÇÃO
DO CÂNCER DE MAMA
Paulla Vasconcelos Valente
Diego de Queiroz Tavares Ferreira
Raíssa Quezado da Nóbrega

A- PROBLEMA No Brasil, observa-se que a ocorrência


do câncer de mama vem crescendo e a taxa de
O.P.Q., feminina, 57 anos, branca, casada,
mortalidade encontra-se elevada. Estimativas
do lar, chegou ao consultório com queixa de
realizadas pelo Instituto Nacional do Câncer
“caroço” na mama direita. Refere que notou seu
(INCA) demonstram que, em 2009, são espe-
surgimento há mais ou menos um ano, durante
rados quarenta e nove mil casos de câncer de
a realização do autoexame da mama. Nega dor,
mama feminina no país. A taxa bruta de inci-
descarga papilar e aumento do nódulo. Menar-
dência prevista para a região Nordeste é de sete
ca aos 10 anos e menopausa aos 55. É nulípara
mil seiscentos e trinta casos por cem mil mulhe-
e usou anticoncepcional oral durante 20 anos.
res. Para o Estado do Ceará, esse índice corres-
Tabagista desde os 14 anos. Sua mãe faleceu de
ponde a um mil quinhentos e quarenta casos
câncer de mama aos 48 anos. A última consulta
por cem mil mulheres.
ao ginecologista foi há dez anos e, desde esta
data não realizou exame algum. A paciente de- Segundo estudos realizados no INCA
seja saber como e onde pode fazer a prevenção (2004), a neoplasia maligna da mama constitui
do câncer de mama. a primeira causa de morte por câncer nas mu-
lheres, registrando-se uma taxa de mortalidade
padronizada por idade, aumentando de 5,77 em
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 1979 para 9,74 em 2000.

1. Identificar as hipóteses diagnósticas Frente a esses dados, o câncer de mama


2. Conhecer os programas de prevenção é uma prioridade para a saúde pública do Bra-
3. Conhecer a conduta terapêutica diante do sil e foi incluído em uma das metas do Pacto
programa pela Saúde de 2006, o que tem gerado gran-
des investimentos para o tratamento ade-
quado. Destaque-se ainda que, como não há
C- ABORDAGEM TEMÁTICA método de prevenção primária, esforços são
realizados para o diagnóstico precoce, uma
1. Introdução vez que o prognóstico do câncer de mama é
A Organização Mundial da Saúde (OMS) relativamente bom, se diagnosticado nos es-
estima que, por ano, ocorram mais de um mi- tádios iniciais.
lhão e cinquenta mil novos casos de câncer de Estima-se que a sobrevida média geral
mama em todo o mundo, o que o torna o se- cumulativa, após cinco anos, seja de sessenta e
gundo tipo de neoplasia maligna mais preva- cinco por cento nos países desenvolvidos e de
lente e o mais comum entre as mulheres. cinquenta e seis por cento nos países em de-
Capítulo 63

senvolvimento. Na população mundial, a sobre- A farmacoterapia com tamoxifeno e ralo-


vida média, após cinco anos, é de sessenta e um xifeno é usada para reduzir o risco do câncer
por cento. de mama. Estes são moduladores seletivos dos
receptores estrogênicos (SERMs), que se ligam
aos receptores de estrógeno e atuam como
2. Rastreamento agonistas estrogênicos em alguns tecidos como
2.1. Prevenção primária o ósseo e antagonista do estrogênio em outros
sítios como útero e mama. Como antagonizam
O câncer de mama pode ser evitado por os efeitos estrogênicos na mama, os SERMs são
meio da detecção precoce por mamografia e excelentes para a quimioprevenção do câncer
métodos auxiliares (prevenção secundária) ou de mama.
por outras medidas, como a redução dos fato-
res de risco. O tamoxifeno, SERM de primeira geração,
é usado para combater tanto a recorrência do
A detecção precoce do câncer de mama é câncer como o surgimento da lesão contrala-
de suma importância, pois quanto mais cedo for teral da mama. A administração desse fármaco
feito o diagnóstico, melhores serão as opções te- por cinco anos na dose de 20 miligramas por
rapêuticas e consequentemente, o prognóstico. dia reduz a recorrência do câncer em até 42%
Os fatores de risco são classificados em modi- e previne o câncer de mama contralateral em
ficáveis e aqueles que não podem ser modificados. até 47%.

Esses últimos são: sexo feminino (100 vezes O tamoxifeno também reduz o risco de
mais comum do que no homem), idade, história câncer invasivo e não invasivo da mama. Re-
familiar, fatores genéticos (mutações em BRCA1/ duz em 38% o risco do câncer de mama, porém
BRCA2), história familiar ou pessoal de câncer de pode causar câncer de endométrio, eventos
mama, cor branca, densidade do tecido mamá- tromboembólicos, catarata, dentre outros.
rio, algumas lesões benignas da mama, fatores O raloxifeno, SERM de segunda geração,
reprodutivos (idade tardia do primeiro filho ou é eficaz em: prevenção do câncer de mama, os-
não ter filho), história menstrual (menarca preco- teoporose em mulheres na pós-menopausa e
ce, menopausa tardia, história médica (tratamen- doenças cardíacas. A dose diária recomendada
to do linfoma Hodgkin com irradiação torácica). é de 60 miligramas por cinco anos. Esse fármaco
Há fatores de risco para o câncer de possui uma eficácia semelhante ao tamoxifeno,
mama que podem ser modificados: sobrepeso, mas com menos efeitos colaterais, de acordo
consumo de álcool e uso de hormônios exóge- com o estudo STAR. Esse trabalho multicêntri-
nos (terapia hormonal pós-menopausa e uso de co e randomizado, englobou mais de 19.000
anticoncepcional). mulheres com risco aumentado para câncer
de mama invasivo. Um grupo recebeu raloxi-
Para o grupo de risco que apresente um feno 60 mg/dia e o outro, tamoxifeno 20 mg/
percentual acima de 20% de desenvolver cân- dia. O objetivo do estudo era avaliar quão eficaz
cer de mama, de acordo com os fatores de risco, seria o raloxifeno em reduzir o risco de câncer
como a forte história familiar de câncer de mama de mama invasor assim como avaliar a sua se-
ou ovário, é indicado o rastreamento anual com gurança a longo prazo. Há uma menor taxa de
a mamografia em associação com a ressonância câncer endometrial como efeito colateral em
magnética. Essa associação não é recomendada relação ao tamoxifeno (36% menor risco de ne-
para o grupo abaixo de 15% de risco. oplasia de endométrio com raloxifeno).
Mulheres com história de irradiação na O estudo STAR comprova que o raloxifeno
região torácica ou mutação do gene do câncer causa menos efeitos adversos do que o tamo-
de mama são classificadas de alto risco. Mulhe- xifeno, o qual pode causar leucorreia, sangra-
res com múltiplos fatores de risco ou história mento vaginal e maior quantidade de eventos
familiar forte de câncer de mama são do grupo adversos de trombose venosa profunda.
de risco moderado.
Porém, em mulheres antes da menopau-
A prática de atividades físicas reduz em sa, o tamoxifeno é o único fármaco aprovado
até 20% o risco de câncer de mama em mulhe- para reduzir o risco do câncer de mama. Mu-
res pós-menopausa. lheres na pós-menopausa têm duas opções, ta-

450 Faculdade Christus


Capítulo 63

moxifeno e raloxifeno. Portanto, deve ser inves- desenvolvimento do câncer de mama. Há as-
tigada a história clínica, a familiar e os riscos e sociação com o consumo de carne vermelha e
benefícios para cada caso, para então adotar o risco de neoplasia maligna da mama.
melhor fármaco a ser utilizado.
O consumo de álcool implica efeitos di-
O raloxifeno possui a mesma eficácia que retamente carcinogênicos devido aos metabóli-
o tamoxifeno para reduzir o risco de câncer in- tos como o acetaldeído ou radicais do oxigênio.
vasivo da mama. Porém não previne o câncer Contudo, o seu uso associado ao ácido fólico
não invasivo de mama. Os efeitos colaterais, em diminui o risco de desenvolver câncer de mama.
geral, são menores com raloxifeno, mas uma Estudos têm provado que a vitamina D e o alto
análise deve ser feita quanto aos riscos para nível de carotenoides têm efeito protetor.
cada paciente, considerando que o tamoxifeno
Há evidências que associam o sobrepe-
tem maior proteção, pois previne a neoplasia
so e a obesidade na pós-menopausa com a
maligna da mama invasiva e não invasiva.
maior susceptibilidade de desenvolver câncer
Os inibidores da aromatase estão sendo de mama. É fundamental a perda de peso após
estudados sobre o efeito quimiopreventivo do a menopausa, que reduz o estrógeno circulante,
câncer de mama em mulheres na pós-meno- diminuindo assim o risco de câncer de mama,
pausa, porém ainda não há comprovação cientí- especialmente em mulheres que não estão em
fica de seu uso para essa função. Esses fármacos tratamento com terapia hormonal.
são utilizados no tratamento adjuvante do cân-
Ao contrário do que acontece em mulhe-
cer de mama, agindo no bloqueio da produção
res após a menopausa, aquelas obesas ou com
de estrogênio em mulheres na pós-menopausa.
sobrepeso no menacme têm o risco menor de
Outros medicamentos estão sendo ava- desenvolver câncer de mama. Uma hipótese é
liados na prevenção do câncer, como a aspirina que a obesidade pode causar anovulação, redu-
e os anti-inflamatórios não esteroidais, porém zindo a exposição ao total de hormônios.
sua eficácia ainda não está comprovada.
Estratégias para reduzir o risco de cân-
Há evidências de que a terapia hormonal cer de mama nas mulheres são voltadas prin-
na pós-menopausa aumenta o risco de desenvol- cipalmente para as mudanças de estilo de vida.
ver câncer de mama, principalmente quando da Medidas como redução ou até eliminação do
associação de estrogênio e progesterona. O risco uso de bebidas alcoólicas devem ser adotadas.
diminui bastante quando a terapia não é adotada. O uso de terapia hormonal após a menopau-
sa deve ser avaliado, pois apesar de seus be-
A opção cirúrgica pode ser um meio pro-
nefícios para reduzir os sintomas da menopau-
filático de prevenir o câncer de mama, realizan-
sa, representa grande risco para desenvolver a
do a mastectomia poupadora de pele (“skin-
doença, principalmente se prolongada (tempo
-sparing”) bilateral em mulheres com alto risco
superior a cinco anos) e em pacientes que já ti-
de desenvolver a doença. A cirurgia reduz em
veram neoplasia maligna da mama ou com his-
até 90% o risco, porém não o elimina totalmen-
tória familiar importante.
te, pois não remove o tecido das mamas por
completo, remanescendo pequena quantidade Mulheres devem ser aconselhadas a man-
de tecido mamário no prolongamento axilar e ter um índice de massa corpórea saudável para
na região subareolar. É indicada em mulheres evitar os riscos da obesidade na pós-menopau-
com mutação no gene BRCA, com história de sa. Todas as pessoas devem ser encorajadas a
câncer de mama prévio em uma mama, forte adotar hábitos de vida saudáveis, como prati-
história familiar e/ou biópsias com carcinoma car atividades físicas, regularmente pelo menos
lobular in situ. meia hora de intensidade moderada ou intensa,
três a cinco vezes na semana.
A ooforectomia pode ser realizada em
mulheres com mutação no gene BRCA, reduzin- O câncer de mama pode ser prevenido
do o risco de câncer de mama em 50%, devido com hábitos de vida saudáveis, combatendo a
ao fato de eliminar a principal fonte de estrogê- obesidade, eliminando o álcool, não aderindo
nio do corpo. à terapia hormonal na pós-menopausa, prati-
cando atividades físicas regularmente e aderin-
Estudos sugerem que a gordura total
do ao exame periódico das mamas através da
consumida pode ser um fator de risco para o
mamografia. Realizar a quimioprevenção com

Faculdade Christus 451


Capítulo 63

tamoxifeno ou raloxifeno por cinco anos deve xa de dor, que é bastante frequente, não deve
ser bem discutido com a paciente, avaliando os despertar muito desespero e preocupação. Esse
riscos e os benefícios que lhe proporcionarão. exame é bastante encorajado pelos médicos,
mas é opcional, já que a literatura é bastante
controversa e não existem dados que suportem
2. Prevenção Secundária maior detecção precoce da doença e redução
O rastreio para o câncer de mama é ba- da mortalidade do câncer de mama. Por isso, os
seado em técnicas de imagem associadas ao benefícios e limitações do referido exame de-
exame físico. vem ser esclarecidos.

É importante que o profissional de saúde Outra forma de rastreio bastante utilizada


determine se a paciente tem um risco aumenta- é a mamografia. Trata-se do método mais efeti-
do para desenvolver a doença ou se corresponde vo e confiável de detecção precoce de neoplasia
ao da população geral. Com esse conhecimento, maligna da mama. De acordo com a literatura,
o rastreamento pode ter algumas diferenças. tem sensibilidade entre oitenta e oito por cento
e noventa e três por cento e especificidade en-
Existem questionários utilizados para tre oitenta e cinco por cento e noventa e quatro
quantificar a magnitude do risco, como o de por cento. Ao usar a técnica como rastreamento,
Gail e o de Claus, que permitem a análise dos reduz-se vinte e cinco por cento da mortalidade.
fatores de risco para a patologia.
Esse é o exame de imagem indicado para
Mulheres com risco da população geral as mulheres sem risco aumentado a partir dos
são aquelas sem quaisquer condições médicas, quarenta anos de idade, devendo ser repetido a
sem história familiar de malignidade ginecoló- cada ano. As imagens radiográficas são realiza-
gica e que não tenham tido nenhuma exposição das em pelo menos duas incidências, craniocau-
à irradiação torácica. dal e médiolateral oblíqua, e podem ser obti-
Consensos internacionais recomendam das através da forma analógica (tradicional), ou
que essas mulheres, dos vinte aos trinta anos digital. Nesta última, mais moderna, enquanto
de idade, devam procurar um médico para a re- o exame está sendo realizado, há a análise das
alização do exame clínico das mamas, devendo imagens simultaneamente, permitindo que o
ter um intervalo entre cada um de, no máximo, médico melhor as manipule. Pesquisas demons-
três anos. A partir dos quarenta anos de ida- traram que a mamografia digital se adéqua me-
de, deve ser realizado anualmente. Tais exames lhor a mulheres com mamas densas, porém o
contribuem para o diagnóstico e devem ser re- custo é cerca de três vezes maior. Afora isso, as
alizados como parte do exame físico e gineco- duas formas são equivalentes.
lógico, constituindo a base para a solicitação de Os sinais radiológicos que devem ser ob-
outros exames. Para a sua adequada realização, servados na mamografia são principalmente os
deve-se contemplar inspeção estática e dinâ- nódulos, as microcalcificações, a assimetria, a
mica, palpação das axilas e das mamas com a arquitetura e a dilatação ductal.
paciente em decúbito dorsal. Na mesma opor-
tunidade, os médicos devem revisar e atualizar Os nódulos devem ser analisados de acor-
a história familiar da paciente, discutir a impor- do com o tamanho, contorno, limites e densidade.
tância da periodicidade do exame e esclarecer Os espiculados de limites mal definidos e com alta
alguma dúvida relacionada à doença. densidade são os com maior suspeição ao câncer.

Também a partir dos vinte anos de ida- As microcalcificações podem representar


de, propõe-se a realização do autoexame das o sinal mais precoce de malignidade. Por defini-
mamas, que é uma técnica de palpação das ção são estruturas cálcicas com tamanho igual
mamas mensalmente desempenhada pela pró- ou menor a cinco milímetros. Portanto, partí-
pria paciente. Se for notada alteração de cor, da culas maiores sugerem benignidade. Tamanho,
textura, da espessura, da simetria das mamas número, forma, densidade e distribuição são cri-
ou presença de descarga papilar fora do ciclo térios para a investigação, sendo os mais impor-
gravídico puerperal, recomenda-se que se pro- tantes, forma e distribuição. Sugerem patologia
cure um médico o quanto antes. Aqui convém mais grave as lesões pleomórficas e agrupadas.
ressaltar que mastalgia não representa sintoma A assimetria caracteriza-se por uma re-
de câncer de mama, por isso a simples quei- gião com densidade similar à densidade do

452 Faculdade Christus


Capítulo 63

parênquima, sem correspondência na mama No Brasil, devido a varias limitações, nota-


contralateral e detectada no estudo compara- damente as socieconômicas, aplica-se de manei-
tivo entre as mesmas regiões das mamas. Pode ra diferente o rastreamento do câncer de mama.
ser focal, quando ocupa um pequeno setor da
Assim, tendo como parâmetro a faixa etária,
mama, ou difusa, quando abrange um grande
o Ministério da Saúde (MS) recomenda às mulhe-
segmento ou pelo menos um quadrante.
res assintomáticas o exame clínico das mamas a
A arquitetura pode estar distorcida em partir dos quarenta anos de idade. Já a mamogra-
caso de câncer de mama, expressando-se radio- fia é indicada entre os 50 e 69 anos, com intervalo
logicamente como lesão espiculada. máximo de dois anos entre os exames.
A dilatação ductal representa a imagem As mulheres classificadas como de risco
de um único ducto ectasiado e tem maior sus- elevado para o MS são aquelas com história fa-
peita quando associado à descarga papilar miliar de pelo menos um parente de primeiro
“água de rocha” e sanguinolenta. grau com diagnóstico de câncer de mama abai-
xo dos cinquenta anos de idade, com diagnósti-
Com a avaliação dessas características,
co de câncer de mama bilateral ou de ovário em
classifica-se a lesão de acordo com o BI-RADS
qualquer faixa etária ou com história familiar de
(“breast-imaging reporting data-system”) em
câncer de mama masculino e/ou de próstata,
categorias de zero a seis, dependendo da sus-
bem como as mulheres com diagnóstico histo-
peição do câncer.
patológico de lesão mamária proliferativa com
Quanto à ecografia das mamas, apesar de atipia ou neoplasia lobular in situ. Para essas
consistir em outra opção de exame, não tem in- pacientes, a mamografia e o exame clínico são
dicação para rastreamento se utilizada sozinha, iniciados a partir dos 35 anos, devendo ser rea-
sendo, geralmente, associada à mamografia ou lizados anualmente.
ao exame clínico das mamas, principalmente
Dessa maneira, pode-se supor que, como
para diferenciar se as nodulações ou densida-
a prevenção do câncer de mama se dá de modo
des encontradas são sólidas ou císticas. Os sinais
mais precoce e intenso nos países desenvolvi-
ecográficos de malignidade são a presença de
dos, essa patologia pode ser detectada em es-
nódulo sólido hipoecoico, ecotextura heterogê-
tágios iniciais e o tratamento mais efetivo pode
nea, parede irregular, atenuação posterior e o
ser empregado.
eixo anteroposterior maior do que o transverso.
Sobre o diagnóstico nas pacientes con-
sideradas de alto risco, o rastreamento é feito D- Referências Bibliográficas
mais precoce. As classificadas com maior pro-
babilidade de desenvolver a doença são as com LESTER, J. Breast Cancer in 2007: Incidence, Risk
história familiar de câncer ginecológico, as com Assessment, and Risk Reduction Strategies.
conhecida mutação nos genes BRCA1 e BRCA2 CJON, v. 11, n. 5, p. 619-622, 2007.
e as que receberam irradiações torácicas.
MAHONEY, M.C.; BEVERS, T.; LINOS, E.; WILLETT,
Para essas, tem-se a rotina: as com menos W.C. Opportunities and Strategies for Breast
de 25 anos de idade, o ideal é que seja realizado Cancer Prevention Through Risk Reduction. CA
um exame clínico a cada seis meses ou anualmente Cancer J Clin. v. 58, n. 6, p.347-371, 2008.
e também que se faça o autoexame das mamas
mensalmente. As maiores de 25 anos de idade RIM, A.; CHELLMAN-JAFFERS, M.; FANNING, A.
tem essas mesmas indicações, somando-se a fei- Trends in breast cancer screening and diagnosis.
tura de uma mamografia anual dez anos antes da CCJM, v.75, supl.1, p. 2-9, 2008.
idade do parente de primeiro grau que teve cân- < http://www.inca.gov.br/estimativa/2008/ver-
cer de mama, podendo associar a uma ressonân- saofinal.pdf> Acessado em 26/06/2009
cia magnética com a mesma frequência.
< http://www.inca.gov.br/publicacoes/Consen-
Com essas considerações, é importante
sointegra.pdf> Acessado em 26/06/2009
destacar que os diversos tipos de rastreamen-
to explicitados, tanto para as mulheres com alto <http://www.inca.gov.br/inca/Arquivos/publica-
risco como para as que não tem, são os indica- coes/qualidade_em_mamografia.pdf> Acessado
dos na maioria dos países desenvolvidos. em 26/06/2009

Faculdade Christus 453


Capítulo 64
PROGRAMA DE PREVENÇÃO DO
CÂNCER DE COLO DO ÚTERO
Luciano Silveira Pinheiro
Denise Neiva Santos de Aquino

A- PROBLEMA retal unidigital não detectaram invasão para-


metrial, o tumor se localizando estritamente no
R.M.S., 42 anos, professora de Curso Se- colo uterino. O estudo anatomopatológico foi
cundário, G4P3A1, refere que há oito meses compatível com carcinoma invasor.
vem apresentando sangramento durante as
relações sexuais. No princípio, os sangramen-
tos foram leves e discretos. Nos três meses se- B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
guintes, observou aumento de volume, seguido
de um corrimento com odor desagradável. Os 1. Enumerar os fatores de risco para o câncer
episódios hemorrágicos passaram a ser mais do colo uterino.
frequentes, com incremento durante o ato de 2. Reconhecer a interrelação entre HPV e o
defecar. A paciente relata que teve vários par- câncer do colo uterino.
ceiros sexuais. Informou que não comparecia 3. Conhecer programas de prevenção do cân-
a consultório ou ambulatório de Ginecologia cer do colo uterino.
havia mais de 8 anos quando, numa consulta,
foi detectada tumoração no colo do útero, que
C- ABORDAGEM TEMÁTICA
foi biopsiada pelo médico assistente, o estudo
anatomopatológico sendo compatível com car- 1. Considerações gerais
cinoma invasor. Fuma vinte cigarros por dia. Ao
se proceder exame físico geral não foram de- Dores localizadas na região hipogástrica,
tectadas anormalidades. corrimento fétido e hemorragia transvaginal
pós-coito (sinusiorragia) ou sangramentos na
Ao exame especular, foi visto conteúdo pós-menopausa são sintomas importantes e
vaginal amarelo-esverdeado, fétido, com raias frequentes nas neoplasias do trato genital femi-
de sangue vivo e lesão ulcerada no lábio an- nino inferior, tais como o câncer do colo uterino,
terior do colo uterino medindo 5cm de diâme- do endométrio e da vagina.
tro. A vagina apresentava aspecto trófico, com
pregueamento da mucosa inerente à idade. O As etapas pré-invasivas do câncer cervi-
exame colposcópico corroborou o exame espe- cal, em passado recente eram denominadas de
cular e detectou zona de transformação atípica. displasias (figura 1): CIN I – lesão intraepitelial
Ao exame colposcópico, a aplicação de ácido escamosa de baixo grau, LSI. A sigla inglesa LSIL
acético a 3% evidenciou algumas áreas aceto- (low-grade squamous intraepithelial lesions)
brancas, de bordas difusas, com pequenas irre- se origina da aplicação do Sistema de Bethes-
gularidades vasculares e alguns orifícios glan- da para laudo citológico, que foi aperfeiçoado
dulares. O teste de Schiller foi positivo. O exame em 2001, com a denominação de Bethesda III,
vaginal (toque simples e combinado) e o toque utilizando-se também HSIL (high-grade squa-
mous intraepithelial lesions), ASC-US e ASC-H.
Capítulo 64

CIN II e CIN III – lesão intraepitelial escamosa


de alto grau, HSIL), em que há transformação
do epitélio cervical com redução ou perda da
diferenciação celular, alterações do crescimento
e maturação celular, as pacientes podendo não
apresentar sintomatologia exuberante, a não
ser a importante sinusiorragia. Essas modifica-
ções epiteliais podem regredir (CIN I e CIN II)
ou evoluir, desencadeando processos neoplási-
cos invasivos (invasão do estroma ou corion). O
percentual de regressão espontânea de CIN I,
comprovado pela histopatologia, varia de 60%
Figura 2. Imagem radiológica pulmonar mostrando im-
a 85% em investigações prospectivas. Existem
plantes metastáticos em paciente portadora de carcino-
também outras lesões potencialmente pré-ma- ma do colo uterino estádio IVB.
lignas, que são as células escamosas atípicas Arquivo do primeiro autor.
(ASC – atypical squamous cells), subdivididas
em células atípicas de significado indetermina-
do (ASC-US) e aquelas nas quais devem ser ex- O carcinoma do colo uterino é uma ne-
cluídas lesões de alto grau (ASC-H). As células oplasia maligna da linhagem epitelial, de evo-
endocervicais atípicas correspondem a adeno- lução lenta. Há tempos vem apresentando
carcinoma in situ que é considerado precursor números significativos nas taxas de morbida-
do adenocarcinoma do colo uterino. de e mortalidade entre a população feminina,
consubstanciando sério problema de saúde
pública. Nos países em desenvolvimento, onde
recursos destinados à saúde são erroneamente
limitados, o carcinoma cervical apresenta gran-
de incidência em relação aos países desenvol-
vidos. O câncer do colo do útero é o segundo
tipo de neoplasia mais frequente entre as mu-
lheres brasileiras, excetuando as neoplasias de
pele não melanoma.
No mundo todo ocorrem aproximada-
mente 500 mil novos casos por ano, com cerca
de 230 mil óbitos. Pesquisas demonstram que a
Figura 1. Correlação entre três terminologias. idade média de diagnóstico é de 47 anos e que
Adaptação de Decherney AH et al., 2007. a distribuição seja bimodal, com picos entre 35
a 39 anos e 60 a 64 anos. Estima-se que 30%
dos casos de câncer do colo uterino ocorram
A neoplasia, ao invadir o estroma cervical,
em mulheres que nunca realizaram o exame
propicia ulcerações da mucosa e necrose com
preventivo ginecológico (colpocitologia oncóti-
infecção secundária, responsáveis pelo surgi-
ca – Papanicolaou). Em países desenvolvidos, a
mento de corrimento e odor fétido. O processo
sobrevida média estimada em cinco anos varia
neoplásico invasivo pode atingir vasos sanguí-
de 59% a 69%. Nos países em desenvolvimento,
neos, se manifestando na forma de sangra-
é frequente o diagnostico tardio (estádios avan-
mentos. A propagação da neoplasia a estádios
çados). Consequentemente, a sobrevida média
avançados pode comprometer os linfonodos
geral diminui, girando em torno de 49%.
parametriais (os linfonodos ilíacos e obturado-
res são os primeiros a serem comprometidos Histologicamente, a junção escamoco-
nos casos de carcinomas invasivos do colo do lunar (JEC) é a união entre o epitélio cilíndrico
útero), o reto, a bexiga, os ureteres e raramente simples endocervical e o epitélio escamoso ec-
os pulmões (figura 2), ensombrecendo o prog- tocervical. Nessa região anatômica pode haver
nóstico da doença. variações, na dependência da faixa etária, multi-
paridade, gravidez, níveis hormonais, traumatis-
mos e infecções. Na maturidade sexual (menac-
me), a JEC apresenta-se além do orifício externo

456 Faculdade Christus


Capítulo 64

anatômico (OEA) em cerca de 90% das mulhe- tecidual: HPV cutâneotrópico e HPV mucoso-
res, sendo a ocorrrência fisiológica denomina- -genitotrópico. O HPV de baixo risco (tipos 6,
da de eversão. Ao ocorrer a eversão, a mucosa 11, 42, 43, 44) está relacionado ao desenvolvi-
endocervical torna-se menos resistente ao meio mento de verrugas genitais (figuras 3, 4, 5 e 6)
vaginal. Essa exposição propicia transformação - condilomas acuminados na vulva, na vagina e
de um epitélio em outro da mesma linhagem no colo uterino ) e à neoplasia intraepitelial de
histológica, havendo metaplasia do epitélio ci- baixo grau ou CIN I. A figura 4 mostra imagem
líndrico simples em epitélio pavimentoso estra- colposcópica compatível com condiloma exofí-
tificado (epitélio escamoso). Esse processo esta- tico localizado no colo uterino; a figura 5 mostra
belece uma nova área denominada de zona de forma espiculada, com irregularidades e aspere-
transformação, em que há maior vulnerabilida- zas, situada no lábio posterior (LP) do colo uteri-
de aos agentes oncogênicos, tornando-se assim no. A figura 6 mostra implantes condilomatosos
mais suscetível à transformação neoplásica. exofíticos no colo e na vagina.
O início precoce da atividade sexual (<16
anos), múltiplos parceiros (poliandria), expo-
sição à radiação ionizante, tabagismo, multi-
paridade, baixo nível nutricional, deficiência
vitamínica, infecção pelo papilomavírus huma-
no (HPV) e por outras doenças sexuais prévias,
constituem fatores de risco para desenvolvi-
mento do carcinoma do colo uterino.
As atipias citológicas de baixo grau (LSIL)
são frequentes em adolescentes, ocasionadas
provavelmente pela imaturidade do colo uteri-
no e maior exposição da zona de transforma-
ção a fatores de risco. A faixa etária de mulhe-
res com neoplasia intraepitelial cervical (CIN III)
mostra tendência à diminuição, o que sugere
o acometimento de infecções do trato genital
inferior por HPV, que atua como verdadeiro co- Figura 3. Condilomatose vulvar em adolescente na 26ª.
-fator para o surgimento do carcinoma do colo semana de gestação.
uterino nas mulheres imunológica e genetica- Arquivo do primeiro autor.
mente predispostas. Sabe-se que o tabagismo
diminui a funcionalidade das células de Lan- O HPV de alto risco (16, 18, 31, 33, 35,
gerhans e células apresentadoras de antígeno, 39, 45, 52, 56 e 58) encontra-se relacionado
comprometendo, significativamente a imunida- às lesões intraepiteliais de alto grau (CIN II e
de celular local. Em decorrência disso, substân- CIN III) e às neoplasias malignas do colo ute-
cias químicas como nicotina, fenóis, cotinina e rino. Acredita-se que o percentual de neopla-
alcatrões contidos no cigarro influenciariam os sia intraepitelial atribuída à infecção por HPV
mecanismos da carcinogênese cervical. aproxime-se de 90%. O tipo 16 é a forma de
HPV mais encontrada no carcinoma invasivo
O HPV é considerado uma das doenças
do colo uterino e em CIN II e III, sendo detec-
sexualmente transmissíveis mais comuns no
tado em 47% das mulheres com a neoplasia
mundo, estando correlacionado com a maio-
nesses estádios. Por outro lado, é o tipo mais
ria dos cânceres epidermoides de colo uterino,
encontrado em mulheres com citologia nega-
vulva, vagina, pênis e ânus. O HPV pertence à
tiva para células malignas. O HPV 18 é encon-
família Papovaviridae, seu genoma sendo cir-
trado em 23% das mulheres com cânceres in-
cular, composto por dupla fita de DNA, pos-
vasivos do colo uterino e em 5% com CIN II e
suindo forma icosaédrica, com 72 capsômeros.
III. O HPV 18 mostra mais especificidade que o
Classifica-se em tipos de acordo com a organi-
HPV 16 para tumores malignos. Sabe-se tam-
zação das sequências de nucleotídeos do DNA.
bém, que o HPV 16 é o tipo mais prevalente
Já foram descritos mais de 100 tipos de HPV,
no carcinoma de células escamosas e o HPV
15 deles sendo considerados oncogênicos e
18 é o mais prevalente no adenocarcinoma do
classificados de acordo com a especificidade

Faculdade Christus 457


Capítulo 64

colo uterino. Os fatores de risco associados são através de alterações colpocitológicas já bastante
imunosupressão, infecção por HIV ou o relato conhecidas (coilocitose, binucleação e discariose),
de outras doenças sexualmente transmissíveis, como reportado e comprovado a seguir.
tabagismo, multiparidade e uso de contracep-
Do ponto de visto das alterações ocasio-
tivos orais. Estima-se que 50 a 80% das mulhe-
nadas pelo HPV observadas na colpocitologia
res sexualmente ativas serão infectadas por um
oncótica convencional (Papanicolaou) podem ser
ou mais tipos de HPV.
encontradas imagens na camada epitelial com va-
A forma mais comum do HPV é a subclí- cuolização citoplasmática ou halo citoplasmático
nica, compreendendo o percentual de 60 a 95% perinuclear (células em balão ou coilócitos), mul-
dessas infecções viróticas. Os casos subclínicos tinucleação e discariose, hipercromasia, denomi-
mostram crescimento vascular insuficiente para nadas citopatias viróticas (figuras 7, 8 e 9); essas
condicionar o aparecimento de lesões exofíticas. vacuolizações são escamosas típicas. A principal
Esses casos podem ser reconhecidos através do diferença histológica entre o CIN e as alterações
exame colposcópico, após aplicação de ácido acé- proporcionadas pelo HPV, é que os vírus desen-
tico na concentração de 3 a 5%, percebendo-se cadeiam alterações no sentido da superfície epite-
depois de cerca de um minuto áreas acetobran- lial para a membrana basal. Também não se deve
cas, com padrões vasculares anômalos. O exame esquecer, que o papiloma laríngeo e o condiloma
colposcópico detecta grupamento de pequenas vulvar em crianças de mães com o canal do parto
papilas de base única. O teste de Schiller condi- infectado por HPV têm sido reportados. Até agora
ciona coloração irregular ou parcial pela impreg- não foi possível a realização da cultura desses vírus.
nação do iodo. Também poderão se manifestar

Figura 6. Imagem colposcópica de condiloma acumina-


do (colo e vagina). Arquivo do primeiro autor.

4. Condiloma acuminado cervical sangrando. Imagem


colposcópica. Arquivo do primeiro autor.

Figura 5. Condiloma acuminado no lábio posterior do


colo uterino. Imagem colposcópica. Cortesia do Dr .J.
Eleutério Jr. Figura 7. Fotomicrografia mostrando colpocitopatia oi-
locitótica (HPV). Aumento de 160x. Arquivo do primeiro
autor.

458 Faculdade Christus


Capítulo 64

coleta de material (coleta tríplice) pode utilizar


a espátula de Ayre (coleta de material da ecto-
cérvice, endocérvice e fundo de saco posterior),
agregando-se para melhor se obter esfregaço
de células do canal cervical, que não esfoliam
tão fácil como a da ectocérvice, a escovinha de
canal endocervical (escovinha de Valeri).
Existem várias classificações para a citolo-
gia cervical, sendo a mais utilizada a classificação
Figura 8. Fotomicrografia mostrando discariose e célula de Bethesda, cujo terminologia foi aperfeiçoada
binucleada pós-mitose, em colpocitopatia virótica (HPV). no Sistema Bethesda III, em 2001 e que já foi ci-
Arquivo do primeiro autor. tada. A presença de mitoses atípicas, hiperplasia
da camada basal, aumento da cromatina, anisoci-
tose, anisonucleose, vacuolização citoplasmática
ou coilocitose, halo citoplasmático perinuclear,
multinucleação e discariose são achados micros-
cópicos sugestivos de alterações patológicas a
serem devidamente investigadas.
A inspeção visual do colo do útero, uti-
lizando-se o teste do ácido acético de 1 a 5%,
pode demonstrar áreas leucoacéticas ou ace-
tobrancas diante de processos patológicos. O
epitélio que se torna branco após aplicação de
ácido acético na concentração de 3 a 5% é cha-
mado de epitélio acetobranco. O ácido acético
Figura 9. Imagem microscópica de citopatia por HPV nessa concentração age coagulando as prote-
Hipercromasia e discariose. Halo perinuclear incipiente. ínas do núcleo e do citoplasma, tornando-as
Arquivo do primeiro autor.
opacas e brancas.
A transmissão sexual é a principal forma A camada superficial da mucosa normal
de adquirir o vírus HPV. Presume-se que os con- do colo uterino é rica em glicogênio e adqui-
dilomas genitais externos sejam adquiridos por re coloração marrom escura mediante aplica-
autoinoculação ou hetero-inoculação durante o ção da solução de Lugol, utilizada no teste de
parto por contato do feto com as lesões genitais Schiller. As células coilocitóticas contêm pouco
maternas. Não há indícios de contaminação por glicogênio, a mucosa não se cora e permanece
sangue e secreções corpóreas. Durante o ato se- clara, sendo denominada de área iodo-negativo
xual, o vírus penetra nas células do novo hospe- ou iodo-tênue. A biópsia, seguida da remessa
deiro através de microtraumatismos ou na zona do espécime obtido para investigação histopa-
de transformação, onde o epitélio é mais frágil. tológica constitui método dos mais importantes
O genoma viral atinge o núcleo da célula e pode para o diagnóstico fidedigno e devendo den-
assumir as formas epissomal e integrada. Na apre- tro do possível, ser guiada pela colposcopia. É a
sentação clínica de verrucosidade, o DNA do HPV chamada biópsia dirigida ou orientada.
encontra-se na forma epissomal. Nas lesões de As ações de prevenção ou profilaxia do
maior gravidade, o DNA viral está na forma inte- câncer do colo uterino baseiam-se na eliminação
grada, em que estimulará aumento na expressão dos fatores de risco, recomendando-se a utiliza-
dos genes virais E6 e E7, que estão relacionados ção de preservativos, que diminui a possibilidade
com o desenvolvimento da carcinogênese. de transmissão do HPV durante a relação sexual,
O diagnóstico do carcinoma cervical combate às demais infecções do trato genital in-
pode ser feito por meio da citologia oncótica ferior e na identificação de lesões pré-cancerosas
(coloração de Papanicolaou), que é considerado por meio da colpocitologia oncótica (Papanicola-
um teste de screening, e deve ser associado ao ou), considerado método de rastreamento sensí-
teste do ácido acético, teste de Schiller, colpos- vel, seguro e de baixo custo, associado à colpos-
copia, biópsia dirigida da área suspeita e histo- copia, biópsia e à histopatologia.
patologia do fragmento retirado. A técnica de
Faculdade Christus 459
Capítulo 64

Mulheres na faixa etária dos 25 anos ou Pode-se alcançar redução de cerca de


menos e até aos 65 anos de idade e que têm ou 80% da mortalidade por meio do rastreamen-
já tiveram atividade sexual devem se submeter to com o teste de Papanicolaou e com a abor-
a exame preventivo anualmente. Caso três exa- dagem terapêutica das lesões precursoras com
mes seguidos (em intervalo de um ano) apre- alto grau de malignidade ou carcinoma in situ..
sentem resultados satisfatórios e que não haja
O câncer do colo uterino é considerado
fatores de risco associados para câncer de colo
uma doença evitável, sendo eficientes os pro-
uterino, o exame poderá ser realizado a cada
gramas de prevenção e de tratamento. A desin-
três anos. No entanto, para evitar o fator esque-
formação compromete o sucesso dos projetos
cimento, o melhor é que seja feito anualmente,
que preconizam a prevenção. Há a necessidade
aproveitando-se a ocasião para se solicitar tam-
de orientações para as diferentes camadas da
bém ultrassonografia transvaginal com ou sem
população, proporcionando-se acolhimento e
Doppler-colorido, ambos avaliando o espessa-
fácil acesso das mulheres aos postos de saúde e
mento endometrial, presença de neovasos e a
ambulatórios de unidades universitárias devida-
morfologia anexial (ovários e trompas uterinas).
mente equipados. É fundamental a abolição dos
E que sejam realizados exames sem pressa e com
entraves burocráticos, que só oferecem dificul-
qualidade, para evitar o que aconteceu com uma
dades, impedindo nefastamente que as mulhe-
paciente portadora de lesão ulcerada, vegetante,
res consigam ser consultadas no setor escolhi-
atingindo toda a extensão do colo uterino (figura
do por livre e espontânea vontade.
10) e que chegou até iniciar braquiterapia e que
na verdade era portadora de tuberculose do colo A prevenção contra a infecção por HPV
uterino, com diagnóstico conclusivo após revi- oncogênico foi demonstrada por meio de va-
são das lâminas. Havia histórico de tuberculose cinação. Em junho de 2006, a Food and Drug
pulmonar. Seis meses depois do tratamento es- Administration (FDA) liberou a vacina quadriva-
pecífico, ocorreu total desaparecimento da lesão lente recombinante contra os HPVs 6, 11, 16 e
ulcerada do colo uterino. 18 (Gardasil®, Laboratório Merck Sharp & Do-
hme), para mulheres de 9 a 26 anos de idade,
como ação preventiva da infecção genital por
HPV dos tipos mencionados acima. Os tipos
HPV 16 e 18 são responsáveis por 70% dos tu-
mores, os HPVs 6 e 11 sendo responsáveis por
90% dos condilomas acuminados genitais (po-
pularmente conhecidos como crista de galo).
São necessárias três doses de vacinas in-
tramusculares, a segunda dose dois meses após
a primeira dose e a terceira dose, seis meses
após a dose inicial. No entanto, ainda não exis-
Figura 10. Imagem colposcópica de tuberculose do colo, tem resoluções sobre a duração do efeito pro-
confundida com carcinoma vegetante do colo do útero. tetor e necessidade de reforço vacinal. É impor-
Arquivo do primeiro autor. tante também atentar para o fato de já terem
sido reportados efeitos colaterais na cidade de
Valência (Espanha), obrigando até que se inter-
No Brasil, o Ministério da Saúde desen-
nassem jovens assim imunizadas. O Laborató-
volveu o projeto Viva Mulher – Programa Na-
rio MSD (Merck & Co., USA), em publicação de
cional de Controle do Câncer do Colo do Útero
2009, relata eficácia de 98% contra CIN II e CIN
e de Mama – que tem o objetivo de reduzir a
III (tipos 16 e 18) e 99% contra as verrugas geni-
mortalidade e as repercussões físicas, psíquicas
tais – condiloma acuminado – tipos 6 e 11.
e sociais desses cânceres na mulher brasileira.
O programa oferece serviços para prevenção, O Laboratório GlaxoSmithKline lançou
detecção nos estádios iniciais do carcinoma do no mercado a vacina Cervarix®, que é bivalen-
colo uterino, por meio da colpocitologia oncó- te, atuando contra os HPVs oncogênicos 16 e
tica (Papanicolaou), abordagem terapêutica e se 18, com indicação para meninas de 10 ou mais
necessário, a reabilitação funcional da paciente anos e mulheres adultas. Informam que há pro-
operada ou irradiada. teção em cerca de 100% dos casos.

460 Faculdade Christus


Capítulo 64

Ambas as vacinas são produtos de Enge- CHARO, RA; AGOSTI, JM; BADEN, GF et al. Future
nharia Genética, vacinas inativadas recombinan- II Study Group. Quadrivalent vaccine against hu-
tes, com partículas semelhantes aos vírus. man papillomavirus to prevent high-grade cer-
vical lesions. N Engl J Medicine. v. 356, n.19,
Preconiza-se que a vacinação contra in-
p.1915-27, 2007.
fecção pelo HPV deve ser recomendada para
meninas com idade entre 11 e 12 anos. Por ou- MEISELS, A; FORTIN, R; ROY, M. Condilomatous
tro lado, pesquisadores têm afirmado que não lesions of the cervix. II. Cytologic, colposcopic
há evidências suficientes para se recomendar and histopathologic study. Acta Cytol v21, p.
a vacinação universal em mulheres com idades 379-90, 1977.
entre 19 a 26 anos, devido ao risco de exposição
anterior aos demais tipos de HPV. MESTWERDT, G.; WESPI, H. Atlas de Colposco-
pia. 4. ed. São Paulo, Livraria Manole, 1974.
Os CDCs (Centers for Disease Control and
Prevention – USA) analisaram relatórios recebi- PARELLADA, C.I. et.al. Papilomaviroses huma-
dos pelo Vaccine Adverse Event Reporting Sys- nas. In : Veronesi, R. . Veronesi Tratado de In-
tem (VAERS) sobre ocorrências adversas pós-va- fectologia, 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2005.
cinação anti-HPV entre 1º. de junho de 2006 a
31 de dezembro de 2008. Durante esse período PEREYRA, E.A.G.; GUERRA, D.M.M.; FOCHI, J. et
foram notificados casos de pacientes que apre- al. Atlas de Colposcopia. São Paulo : Byk Quí-
sentaram efeitos colaterais. Há descrições de mica, 1995.
náuseas, cefaleia, síncopes, tromboembolismo, PINHEIRO, L.S.; PINHEIRO FILHO, LS. Manual
agravamento de doenças autoimunes, pancre- de Noções de Prevenção e Abordagem Te-
atite, síndrome de Guillain-Barré e reações de rapêutica do Câncer do Colo Uterino, 7. ed.
hipersensibilidade, que obrigaram até mesmo Fortaleza: Onconews, 2010.
internamento de duas jovens imunizadas, como
relatado anteriormente. ROTHMAN, S.M.; ROTHMAN, D.J. Marketing
HPV vaccine: implications for adolescent health
Apesar das reações adversas e do alto cus-
and medical professionalism. JAMA. v.302, n.7,
to, a futura incorporação da vacina contra HPV
p.781-786, 2009.
aos programas de prevenção certamente cons-
tituirá importante opção no controle do câncer SARAIVA LEAO, PH; FERREIRA, FVA. Histogêne-
do colo do útero, sendo imprescindível a iden- se dos carcinomas epidermóides do canal anal.
tificação e esclarecimento real das causas desses Rev Med Univ Fed Ceará. v. 14, p.3-5, 1974.
efeitos colaterais limitantes de sua utilização.
SASLOW, D. et al. American Cancer Society
Guideline for human papillomavirus (HPV) vac-
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cursors. Cancer J Clinician. v.57, n.1, p.7-28,
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1983. SLADE, B.A.; LEIDEL, L.; VELLOZZI, C. et al. Pos-
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BARUFFI, I.; PHILBERT, P.M.; FARAH, A.C. et al. human papillomavirus recombinant vaccine.
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necology: Diagnosis & Treatment, tenth edi-
tion, The McGraw-Hill Companies, USA, 2007.

Faculdade Christus 461


Capítulo 65
VACINAS NA ADOLESCÊNCIA
Olga Vale Oliveira Machado
Maria de Lourdes Caltabiano Magalhães
Aline Tereza Carneiro Montenegro

A- PROBLEMA As vacinas podem ser classificadas quan-


to ao tipo de antígeno presente. Elas podem
J.S.C., 14 anos, estudante, natural e proce- ser inativadas (vacinas contra o tétano, difteria,
dente de Fortaleza, procurou o serviço de Gine- coqueluche VIP, influenza injetável, meningoco-
cologia para tirar dúvidas, pois pretendia iniciar co, pneumococo, HPV, hepatite A e B) ou vivas
sua vida sexual. Questionou sobre as formas atenuadas (BCG, tríplice viral, pólio oral, varicela,
de prevenção de algumas doenças, dentre elas rotavírus, influenza via nasal e febre amarela).
câncer de colo uterino e hepatite B. O doutor,
respondendo suas dúvidas, comentou sobre a Em geral, as vacinas elaboradas com
importância da vacinação na adolescência. micro-organismos vivos atenuados estimulam
mais o sistema imunológico que as vacinas com
antígenos inativados. Os adjuvantes são imuno-
B- OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM potencializadores adicionados a vacinas inativa-
das, e servem para estimular uma maior respos-
1. Reconhecer a importância da vacinação na ta imunológica.
adolescência.
2. Saber o calendário básico de vacinação do
adolescente. 2. Vacinas indicadas na adolescência
2.1. Vacina contra Hepatite B
C- ABORDAGEM TEMÁTICA A infecção pelo vírus da hepatite B aco-
mete entre 350 milhões e 500 milhões de pes-
1. Introdução
soas no mundo, e é uma causa frequente de
É de suma importância que o médico sai- cirrose e câncer hepático. A hepatite B pode ser
ba aproveitar cada oportunidade para prescrever transmitida por via sexual, da mãe para o filho
vacinas em sua prática diária. Uma excelente é a ao nascimento, por meio de ferimentos na pele,
consulta ginecológica, momento ideal para que as por compartilhamento de seringas e agulhas,
mulheres, especialmente as adolescentes, que es- por transfusão de sangue ou hemoderivados e
tão numa fase de transição e instabilidade, sejam por acidentes com material biológico.
orientadas quanto à importância da vacinação.
Desde 2001, a vacina contra hepatite B foi
Algumas das vacinas não são disponibili- adicionada pelo Ministério da Saúde (MS) ao
zadas na rotina dos serviços públicos, mas são calendário de vacinação do adolescente (11 a
recomendadas pelas entidades médicas e pelas 19 anos de idade). É muito importante a vaci-
organizações de saúde. É importante que essa nação nessa faixa etária, visto que a via sexual é
informação seja repassada para a paciente, pois uma importante forma de transmissão da hepa-
ela, a partir daí, pode avaliar e decidir qual a tite B e que, muitas vezes, a vida sexual é inicia-
melhor opção e a mais viável. da na adolescência. De acordo com a Sociedade
Capítulo 65

Brasileira de Pediatria (SBP), adolescentes não homem mediante a picada de insetos hemató-
vacinados ou que não tiveram a doença cons- fagos da família Culicidae, em especial dos gê-
tituem grupo prioritário para vacinação contra neros Aedes e Haemagogus. O período de incu-
hepatite B. bação varia, em geral, entre três e seis dias.
Essa vacina é produzida a partir de tecno- Clinicamente, a febre amarela pode se
logia de DNA recombinante, através da inserção apresentar assintomática, oligossintomática,
do plasmídeo contendo o gene para o AgHBs moderada, grave e maligna. A letalidade global
dentro de uma levedura (Sacharomices cerevi- varia de 5% a 10%, mas entre os casos graves,
siae). As células do levedo produzem o AgHBs, que evoluem com síndromes ictero-hemorrági-
que será posteriormente purificado e utilizado ca e hepatorenal, pode chegar a 50% .
na produção da vacina.
Pode ser prevenida pelo uso da vacinação
A eficácia da vacina contra hepatite B é em antiamarílica, que é indicada como rotina pelo
torno de 95% em crianças e adolescentes, e alguns MS e pela SBP e deve ser administrada aos ado-
fatores podem reduzi-la: imunodepressão, diabe- lescentes que residam ou que forem viajar para
tes, obesidade, tabagismo, insuficiência renal, apli- área endêmica (estados: AP, TO, MA, MT, MS,
cação na região glútea e aumento da idade. RO, AC, RR, AM, PA, GO e DF), área de transição
(alguns municípios dos estados: PI, BA, MG, SP,
Deve ser administrada via intramuscular,
PR, SC e RS) e área de risco potencial (alguns
e o músculo de escolha é o deltoide. Em ado-
municípios dos estados BA, ES e MG). Também
lescentes sem comprovação de vacina anterior,
é indicada para quem viajará para áreas endê-
devem ser tomadas três doses com intervalos
micas no exterior. A vacina deve ser administra-
de 30 dias da primeira para a segunda dose e
da dez dias antes da viagem. Reforços são ne-
de 180 dias da primeira para a terceira dose. Em
cessários a cada dez anos.
caso de vacinação incompleta, completar o es-
quema já iniciado. A vacina contra febre amarela é constituí-
da de vírus vivos atenuados. Aproximadamente
É considerada imunizada para hepatite B a
90% das pessoas vacinadas apresentam anticor-
pessoa que apresentar título anti-HBsAg maior
pos neutralizantes no soro já a partir do 10º dia
que 10 UI/mL. O teste sorológico rotineiro é re-
após vacinação.
comendado apenas para pessoas em situações
de risco (exemplos: profissionais de saúde, usu- Está contraindicada em indivíduos com
ários de drogas), e deve ser realizado um a dois história de alergia grave a ovo de galinha, em
meses após a última dose. gestantes e imunodeprimidos (exceto, se hou-
ver alto riso de transmissão e se o estado clínico
Eventos adversos: dor (3%-29%) e endu-
do paciente permitir).
ração/rubor (2%-17%) no local da injeção; febre
(1%-6%) nas primeiras 24h após a aplicação;
fadiga, tontura, cefaleia, irritabilidade, descon-
2.3. Vacina tríplice viral
forto gastrointestinal leve (1%-20%); reação de
hiperesensibilidade (1 caso para 600.000 vaci- A vacina tríplice viral (SCR) é constituída de
nados). Pode ocorrer, raramente, púpura trom- vírus vivos atenuados e visa prevenir três doenças:
bocitopênica idiopática (PTI) após vacinação sarampo, rubéola e caxumba. É composta de ce-
contra hepatite B, cuja relação causal é difícil de pas vacinais dos vírus da rubéola, da caxumba e
ser comprovada. O tempo entre a aplicação da do sarampo cultivadas em ovos embrionados de
vacina e o aparecimento dos sintomas de PTI é galinha e conservantes (traços de antibióticos).
de alguns dias até dois meses. A rubéola é causada por um togavírus, que
A ocorrência de reação anafilática até duas é o único membro do gênero Rubivirus. É uma
horas após a aplicação de dose anterior contra- infecção de adultos e crianças que tipicamen-
-indica o prosseguimento do esquema vacinal. te apresenta exantema, febre e linfadenopatia,
e tem amplo espectro de outras manifestações
possíveis. Sua vacina tem como principal objetivo
2.2. Vacina antiamarílica a eliminação da síndrome da rubéola congênita.
A febre amarela é causada por um ar- A caxumba (parotidite) é uma infecção vi-
bovírus do gênero Flavivirus e transmitida ao ral aguda, sistêmica, benigna e contagiosa, cuja

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Capítulo 65

manifestação mais típica é o aumento de uma ríngea e cutânea causada pelo Corynebacterium
ou de ambas as glândulas parótidas. O acometi- diphteriae. As cepas toxigênicas do C. diphteriae
mento de glândulas salivares, das meninges, do produzem uma toxina protéica que provoca
pâncreas e das gônadas também é comum. É efeitos tóxicos sistêmicos, miocardite e poli-
causada por um paramixovírus. neuropatia. É transmitido por via aerossolizada,
principalmente durante o contato íntimo.
O sarampo é, atualmente, uma doença
controlada no Brasil, mas, antes de se tornar con- O tétano é uma doença não contagiosa
trolada, era uma das maiores causas de mortali- causada pela tetanospasmina, toxina da bacté-
dade infantil. É uma doença respiratória exante- ria anaeróbia Clostridium tetani, que se desen-
mática, aguda e altamente contagiosa. O vírus do volve no interior de ferimentos. O reservatório
sarampo é membro da família Paramyxoviridae. da bactéria é o trato intestinal do homem e de
animais domésticos, o solo, a pele e/ou qual-
A SCR é indicada como rotina pelo MS.
quer instrumento perfurocortante. Geralmen-
Adolescentes que tiverem duas doses de SCR
te, os casos de tétano ocorrem após uma lesão
devidamente comprovadas no cartão de vaci-
aguda (ferida puntiforme, laceração, abrasão ou
nação não precisam ser revacinados. Para indi-
outro traumatismo). O período de incubação é
víduos sem comprovação de vacina anterior, a
de dois dias a três semanas, variando de acordo
vacina tríplice viral ou a dupla viral (sarampo e
com a natureza, a extensão e a localização da
rubéola) são recomendadas para mulheres de
ferida. O tétano é caracterizado por hipertonia
12 a 49 anos e para homens até os 39 anos de
muscular e espasmos.
idade. A eficácia, quando aplicadas as duas do-
ses preconizadas para as crianças, após 1 ano A coqueluche é causada pelo bacilo gram-
de idade e com intervalo mínimo de um mês, -negativo Bordetella pertussis. A principal carac-
é superior a 99% para o sarampo. Uma dose a terística da doença é a tosse. A coqueluche é
partir dos 12 meses de idade induz proteção de extremamente contagiosa, e a mortalidade em
95% para rubéola e caxumba. países em desenvolvimento pode chegar a 15%.
Febre e erupção cutânea de curta dura- Para adolescentes sem comprovação de va-
ção, ocorrendo habitualmente entre o quinto e cinação anterior, o MS recomenda que devem ser
o décimo dia depois da vacinação são os even- aplicadas três doses da vacina dupla bacteriana do
tos adversos mais comuns. Pode haver também tipo adulto para difteria e tétano (dT): a primeira
episódios de artralgia e artrite, sendo mais fre- na primeira visita ao serviço de saúde, a segun-
quentes nas mulheres adultas susceptíveis. da 2 meses após a primeira dose e a terceira 4
meses após a primeira dose. O intervalo mínimo
As dermatites de contato com neomicina
entre as doses é de 30 dias. As pessoas com es-
e reações de hipersensibilidade ao ingerir ovo de
quema incompleto devem completá-lo. Aquelas
galinha não são contraindicações para vacinação,
previamente vacinadas e com esquema completo
mas devem ser administradas com precaução.
devem receber uma dose de reforço da vacina du-
São contra-indicadas na gestação e em pessoas
pla bacteriana do tipo adulto para difteria e tétano
imunodeprimidas. As mulheres vacinadas devem
(dT) a cada 10 anos. A dose de reforço deve ser
evitar gestação por 28 dias, mas, se a vacina for
antecipada para 5 anos em caso de gravidez ou
aplicada inadvertidamente em gestantes, não é
ferimento suspeito de causar tétano.
recomendada a interrupção da gravidez.
Apesar de o MS recomendar na adoles-
Administração de imunoglobulina hu-
cência a vacina dupla bacteriana do tipo adulto
mana padrão, sangue total ou plasma no três
para difteria e tétano (dT), sabe-se que a inci-
meses anteriores pode reduzir a resposta imu-
dência de coqueluche vem aumentando entre
nológica do vacinado, e, sendo possível, a admi-
adolescentes e adultos, os quais são importante
nistração do imunizante deverá ser adiada.
fonte de infecção para os lactentes. Até pouco
tempo atrás, não havia uma vacina recomenda-
2.4. Vacinas antidifteria, tétano e coqueluche da para essa faixa etária. A vacina disponível até
então, tríplice bacteriana contra difteria, tétano
São vacinas inativadas. Estão disponíveis e coqueluche de células inteiras (DTPw), é indi-
combinadas ou não a outras vacinas e na forma cada somente para menores de 7 anos de idade.
acelular (DTaP) ou de células inteiras (DTP, per- Portanto, foi desenvolvida a vacina tríplice bac-
tussis clássica). A difteria é uma infecção nasofa-

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Capítulo 65

teriana contra difteria, tétano e coqueluche ace- -exposição, para indivíduos com leucemia linfo-
lular para uso em adolescentes e adultos (dTpa), cítica aguda e tumores sólidos em remissão há
a qual possui uma eficácia para coqueluche de pelo menos 12 meses, desde que apresentem
85% em adolescentes e adultos após uma dose. >700 linfócitos/mm3, plaquetas > 100.000/mm3
A perspectiva é que a vacina dTpa substitua a e sem radioterapia; para profissionais de saú-
vacina dT para a dose de reforço no programa de, pessoas e familiares susceptíveis à doença
de imunizações. e imunocompetentes que estejam em convívio
domiciliar ou hospitalar com pacientes imuno-
Os eventos adversos mais comuns após a
deprimidos; para candidatos a transplante de
aplicação das tríplices bacterianas são: dor, ver-
órgãos, susceptíveis à doença, até pelo menos
melhidão e enduração locais, febre, mal-estar
três semanas antes do ato cirúrgico, desde que
geral e irritabilidade nas primeiras 24 a 48 horas.
não estejam imunodeprimidos; para imuno-
Em lactentes, pode haver sonolência, choro pro-
competentes susceptíveis à doença e, maiores
longado e incontrolável, convulsões e síndrome
de um ano de idade, no momento da interna-
hipotônicohiporresponsiva. As vacinas acelula-
ção em enfermaria onde haja caso de varice-
res são mais seguras e menos reatogênicas.
la; antes da quimioterapia, em protocolos de
pesquisa; para nefropatas crônicos; para crian-
2.5. Vacinas antivaricela ças com síndrome nefrótica, em uso de baixas
doses de corticoide (<2 mg/kg de peso/dia até
A varicela é causada pelo vírus varicela- um máximo de 20mg/dia de prednisona ou
-zóster (VVZ). A aquisição da doença depende equivalente) ou para aquelas em que o corti-
da idade, da condição imunológica, da con- coide tiver sido suspenso duas semanas antes
dição de vacinação e do tipo de exposição. A da vacinação; para doadores de órgãos sólidos
transmissão ocorre por contato íntimo com e medula óssea; para receptores de transplante
doentes, desde 2 dias antes até 5 dias após o de medula óssea: uso restrito, sob a forma de
surgimento das vesículas. As manifestações clí- protocolo, para pacientes transplantados há 24
nicas surgem 10 a 21 dias após contato. A mor- meses ou mais; para pacientes infectados pelo
talidade é baixa (6,7/100.000), porém a letalida- HIV/SIDA se susceptíveis à varicela e assinto-
de varia com a idade e condição imunológica, máticos ou oligossintomáticos (categoria A1 e
sendo mais elevada nos grupos de risco para N1); para pacientes com deficiência isolada de
complicações (exemplos: gestantes, pessoas imunidade humoral e imunidade celular preser-
com imunodeficiência congênita ou adquirida, vada; para pacientes com doenças dermatoló-
adolescentes adultos, entre outros). A letalidade gicas crônicas graves; para pessoas em uso crô-
é 15 vezes maior em adultos. Em adolescentes nico de ácido acetilsalicílico (suspender uso por
e adultos, assim como em imunodeprimidos, a seis semanas após a vacinação); para indivíduos
varicela pode acarretar, mais frequentemente, com asplenia anatômica ou funcional e doenças
complicações respiratórias e neurológicas gra- relacionadas; para portadores de trissomias. Na
ves que podem levar à morte. As gestantes so- pós-exposição, para pessoas imunocompeten-
ronegativas para o VVZ são consideradas como tes comunicantes de casos em enfermarias.
grupo de grande risco e devem ter muito cuida-
do com a exposição, pois, se contrairem o VVZ O esquema de vacinação atualmente re-
durante os primeiros meses de gestação, o feto comendado é de dose única para crianças com
pode nascer com malformações. A varicela ad- idade entre 12 meses e 13 anos e de duas do-
quirida in utero, cinco dias antes do nascimento ses, com intervalo mínimo de 4 semanas, para
até dois dias depois, também apresenta grande pessoas com mais de 13 anos de idade com
risco, podendo provocar um quadro de varicela antecedente negativo para a doença. Verificou-
grave e disseminada no neonato. -se que, em crianças entre 1 e 12 anos, a vacina
previne infecção leve em 70% a 85% e quadros
As vacinas contra varicela contêm vírus moderados ou graves em 99%. A partir dos 13
vivos atenuados, geralmente derivados da cepa anos de idade, a resposta imune ocorre em 78%
Oka. São formuladas com quantidades variáveis das pessoas que receberam uma dose da vaci-
de unidades formadoras de placa do VVZ e de- na e em 99% nas que receberam uma segunda
vem ser administradas por via subcutânea. dose, justificando a necessidade de duas doses
O MS não disponibiliza a vacina como a partir dessa faixa etária.
rotina, somente em situações especiais: na pré-

466 Faculdade Christus


Capítulo 65

Diversos estudos demonstraram que a lidade maior de persistir e estarem associados a


administração simultânea da vacina contra a va- lesões pré-cancerígenas e tumores genitais.
ricela e outras vacinas utilizadas no calendário
Diversas vacinas contra o HPV estão sen-
básico é tão segura e eficaz quanto a adminis-
do desenvolvidas, mas apenas duas (tetravalen-
tração das vacinas com intervalo de 6 semanas.
te – contra os tipos 6, 11, 16 e 18 – do laborató-
Entretanto, quando a vacina contra varicela
rio Merck Sharp & Dohme; e bivalente – contra
é administrada em intervalo inferior a 28 dias
os tipos 16 e 18 – do laboratório GlaxoSmithKli-
após a vacina tríplice viral, existe interferência
ne) já foram testadas em mulheres, e vêm mos-
na resposta imune, com menor soroconversão
trando resultados promissores.
ao vírus da varicela. Portanto, quando as vacinas
contra sarampo, caxumba e rubéola e contra va- As vacinas contra HPV produzida só estão
ricela não puderem ser administradas no mes- disponíveis no serviço privado. A vacina pro-
mo dia, devem ser aplicadas com um intervalo duzida pela MerckSharp & Dohme é licenciada
mínimo de 28 dias. para meninas e mulheres entre 9 e 26 anos de
idade. São administradas três doses com in-
Os eventos adversos mais comuns são:
tervalos de dois meses entre a primeira e a se-
dor, eritema e edema no local de aplicação da
gunda e de quatro meses entre a segunda e a
vacina (15 a 25%), geralmente leves; febre (14%)
terceira. A vacina anti-HPV da GlaxoSmithKline
e exantema leve (4%). Reações de caráter ana-
apresenta estudos que comprovam a eficácia
filático após a vacinação são raras e, em geral,
e segurança da vacina em mulheres entre 10 e
estão associadas à gelatina, utilizada como es-
55 anos de idade. O esquema preconizado é de
tabilizante da vacina.
três doses, sendo a segunda um mês após a pri-
A vacina da varicela é contra-indicada meira e a terceira cinco meses após a segunda.
nas situações: presença de comprometimento
As vacinas anti-HPV são abordadas com
do estado geral, com ou sem febre; imunode-
mais detalhes no capítulo anterior (Programa de
ficiência congênita ou adquirida (alguns grupos
prevenção de colo do útero).
de imunocomprometidos podem ser vacinados
nos Centros de Referência de Imunobiológi-
cos Especiais); gestação (recomenda-se que as 2.7. Vacinação na gestação
mulheres evitem a gestação por, pelo menos,
1 mês após a vacinação); reação alérgica de Vacinas contendo vírus ou bactérias ina-
caráter anafilático à gelatina ou à neomicina. tivadas e toxoides, quando indicadas, podem
Precauções devem ser tomadas nas seguintes ser aplicadas na gestante sem riscos para o feto.
situações: indivíduos que tenham contato com Entretanto, as vacinas de agentes vivos estão
imunodeficientes, gestantes ou recém-nasci- contraindicadas na gestação, e mulheres em
dos; indivíduos que receberam sangue, plasma idade fértil devem ser orientadas a evitar gravi-
ou imunoglobulina; uso de salicilatos (devido à dez por 4 semanas após vacinação com vacinas
associação entre síndrome de Reye e uso de sa- de vírus vivos.
licilatos em crianças com varicela). A aplicação de vacinas contendo vírus
ou bactérias vivos nos contatos domiciliares de
mulheres grávidas não acarreta risco para a ges-
2.6. Vacina contra HPV tante. Em situações em que o risco de adquirir
O papilomavirus humano (HPV), infecta, a doença é maior do que o risco potencial da
apenas nos Estados Unidos, 75% dos indivíduos vacina para o feto, vacinas de vírus vivos contra
com vida sexual ativa em toda a sua vida. É trans- a poliomielite, febre amarela e raiva podem ser
mitido pele a pele durante o contato sexual e o aplicadas em gestantes.
uso do preservativo não protege totalmente da A vacina contra o tétano e a vacina contra
infecção por HPV. Existem mais de 200 tipos di- influenza devem ser oferecidas rotineiramente
ferentes de HPV, que podem ser de baixo ou alto às gestantes. Grávidas com esquema vacinal
risco. Assim, os HPVs de tipos 6 e 11, encontra- contra tétano completo devem receber dose de
dos na maioria das verrugas genitais e papilomas reforço na gestação caso o intervalo entre a últi-
laríngeos, parecem não oferecer nenhum risco ma dose da vacina e a gestação seja superior a 5
de progressão para malignidade. Os vírus de alto anos. Gestantes não imunizadas devem receber
risco (tipos 16, 18, 31, 33, 45 e 58) têm probabi- três doses da vacina, iniciadas o mais precoce-

Faculdade Christus 467


Capítulo 65

mente possível na gestação. Gestantes parcial- A vacina contra influenza está recomen-
mente vacinadas devem completar o esquema dada para gestantes sadias com idade gesta-
vacinal. O intervalo entre as duas primeiras do- cional superior a 14 semanas, nos meses que
ses é de 2 meses, e entre a segunda e a terceira antecedem a estação de influenza.
doses, de 6 meses. Se não houver tempo para
As vacinas contra hepatite A e B podem
aplicar as três doses da vacina durante a gesta-
ser aplicadas em grávidas susceptíveis que se
ção, a segunda dose deve ser aplicada no máxi-
expõem durante a gestação.
mo até 20 dias antes da data provável de parto.

3. Calendário Básico de Vacinação do Adolescente (pelo Ministério da Saúde)


Idade Vacinas Doses Doenças evitadas
Hepatite B 1ª dose Contra Hepatite B
dT
De 11 a 19 anos 1ª dose Contra Difteria e Tétano
(dupla tipo adulto)
(na primeira visita ao serviço
Febre amarela Reforço Contra Febre Amarela
de saúde)
SCR
Dose única Contra Sarampo, Caxumba e Rubéola
(Tríplice viral)
1 mês após a 1ª dose contra
Hepatite B 2ª dose contra Hepatite B
Hepatite B
6 meses após a 1ª dose con-
Hepatite B 3ª dose contra Hepatite B
tra Hepatite B
2 meses após a 1ª dose con- dT
2ª dose Contra Difteria e Tétano
tra Difteria e Tétano (Dupla tipo adulto)
4 meses após a 1ª dose con- dT
3ª dose Contra Difteria e Tétano
tra Difteria e Tétano (Dupla tipo adulto)
dT
A cada 10 anos, por toda a Reforço Contra Difteria e Tétano
(Dupla tipo adulto)
vida
Febre amarela Reforço Contra Febre Amarela

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Este livro foi composto na tipografia Segoe UI, tamahos 9, 10.5, 13, 25 e 35.
Miolo impresso em papel AP 75 g/m2, capa em Cartão Supremo 250 g/m2.
Impresso pela Gráfica LCR em abril de 2011.

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