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Introdução
Decorria o ano de 2005 e a CUF, detentora de uma posição maioritária no capital da FISIPE,
Fibras Sintéticas de Portugal, sociedade cotada na Bolsa de Valores de Lisboa, decidia que
o negócio das fibras sintéticas deixava de se enquadrar na estratégia do grupo.
A FISIPE iniciou em 1988 uma fase de grande expansão nos mercados externos a par de
um investimento considerável numa instalação piloto e correspondentes estruturas de I&D,
que lhe permitissem a autonomização em relação ao know-how da Mitsubishi e a melhor
atender os requisitos dos seus clientes dos mercados europeus. Este investimento era muito
importante uma vez que a fibra acrílica comum caminhava a passos largos para se tornar
uma commodity “globalizada”.
Após o aumento de capital a estrutura acionista ficou assim definida: Negofor 86,24%;
Grupo Vieira de Freitas 10,08%; Outros 3,68%.
As diligências efetuadas pelo Grupo CUF no primeiro semestre de 2005, para encontrar um
grupo químico ou um acionista interessado em dar continuidade ao negócio de fibras
acrílicas da unidade do Barreiro não foram bem-sucedidas, pelo que, face a um eventual e
mais que provável encerramento da empresa, três quadros superiores da FISIPE,
profundamente conhecedores do negócio, João Dotti, fundador da empresa, João Castro
Pereira, responsável financeiro, e José Miguel Contreiras, responsável comercial, decidiram
avançar para uma negociação com a CUF, que terminou com uma operação de MBO de
aquisição da Negofor em setembro de 2005.
Na sequência de uma entrevista, dois anos mais tarde, a um jornal distrital local, “Setúbal na
Rede”, João Dotti reconhecia que, apesar do suporte transitório negociado com a CUF para
a viabilização do MBO, muito em particular nas garantias junto das instituições financeiras, a
probabilidade de risco no sucesso futuro da FISIPE não iria além de 50%.
O Plano de Atuação
A nova gestão da Fisipe estabeleceu em Setembro de 2005 um novo plano de atuação cuja
ideia básica, no que se referia ao posicionamento no mercado, era continuar a seguir a linha
iniciada pela CUF de se transformar, com a celeridade possível, num produtor de fibras
especiais têxteis e técnicas. Abandonava-se gradualmente a produção de commodities,
onde se reconhecia que não era possível competir com os grandes produtores europeus. No
entanto, face à particular fragilidade da situação financeira, era necessário e prioritário
adicionar dois pilares de atuação financeira e de custos, sem o que, a curto prazo, não teria
a FISIPE os créditos necessários para fazer face às necessidades de fundo de maneio e
aos investimentos necessários para produzir as fibras de maior valor acrescentado. Todo o
cash flow libertado pelas operações seria unicamente utilizado par amortizar a dívida e
investir na empresa até que se atingisse a fase de auto sustentabilidade.
Mesmo assim, as primeiras semanas após o anúncio público do MBO foram de grande
agitação. O facto de a empresa estar cotada na Bolsa de Valores de Lisboa dava ao anúncio
uma responsabilidade acrescida. As linhas de crédito dos fornecedores de acrilonitrilo e o
seguro de crédito concedido aos fornecedores seriam por sua vez também afetados. Todos
os stakeholders não retomariam a confiança enquanto se não conseguisse serenar este
problema.
“…A primeira grande contrariedade surgiu quando o DeutscheBank, após ter conhecimento
da operação do MBO, nos exigiu o pagamento imediato do descoberto bancário à data
existente, no montante de 1,4 milhões de euros…..e apresentámos um plano de
pagamentos, o qual foi aceite pelo DeutscheBank. Este plano previa a amortização da dívida
até ao mês de fevereiro de 2006, plano esse que cumprimos integralmente.”
“…No entanto a partir do início do ano, com a melhoria de resultados, começámos a notar
uma maior abertura por parte da banca. O DeutscheBank, bem impressionado com o facto
de termos cumprido o plano de pagamentos apresentado, concedeu-nos uma linha de
desconto para facturas de exportação.”
“…Subitamente eis que os nossos esforços de divulgação de uma empresa com resultados
positivos e possuidora de uma nova estratégia comercial surgiram efeito. O BES anuncia na
última semana de maio de 2006 a concessão de um plafond de 3 milhões de euros para
cartas de crédito de importação. Grande notícia! “
O relatório anual da empresa em 2005 começou a dar os primeiros sinais de que o último
trimestre daquele ano tinha apresentado uma tendência de recuperação no mercado e que o
cash-flow gerado neste período, adicionado aos suprimentos acima referidos, permitiram
reduzir o empréstimo bancário em cerca de 14 milhões de euros e dotar a empresa de uma
estrutura financeira equilibrada.
O relatório anual da empresa em 2006 referiu que em termos financeiros o facto mais
significativo foi a redução verificada no endividamento bancário, nomeadamente o passivo
herdado da operação de Barcelona, no montante de aproximadamente 5,6 milhões de
euros. O cash-flow gerado durante 2006 permitiu já, a par da redução do endividamento
referido, a realização de todos os investimentos previstos para aquele ano (Anexo 4).
A Estratégia e a sua Aplicação após o MBO
Um artigo publicado numa edição do IF em 2007, transcrevia em destaque o que tinha sido
a alteração substancial ocorrida na empresa desde 2005, e do qual se resumem os pontos
considerados mais relevantes:
Nos três gráficos apresentados no Anexo 5, são claras as evoluções que foram sendo
conseguidas ao longo dos índices de número de efetivos, nível de qualificações e
evolução da idade média dos colaboradores.
O aumento do número de efetivos ocorrido após 2005 foi efetuado com base nas
qualificações necessárias ao prosseguimento da estratégia de desenvolvimento.
O investimento realizado na formação profissional ascendeu em 2006 a cerca de 540.000
euros, o que representou um aumento de 30% em relação aos custos da formação do
ano anterior.
A política remuneratória, que foi congelada em 2005, “abriu-se” novamente com base na
avaliação de desempenho anual ou no aumento de responsabilidades atribuídas por
alargamento do âmbito de funções. Em 2006 foram promovidos 64 colaboradores, o que
representava cerca de 24% do efetivo, e para 2007 estava previsto um programa
semelhante.
O redator não considerava ainda que os níveis de absentismo e trabalho suplementar
tivessem melhorado substancialmente e atribui o facto a alguns hábitos que tinham
grande dificuldade em ser erradicados, bem como a certas reorganizações em fase de
serem finalizadas.
Considerava, no entanto, que a política de comunicação interna nas suas diferentes
formas, desde o IF à Newsletter, esta última introduzida após o MBO, eram uma
realidade que se iria manter e dinamizar.
“….temos encontrado forte resistência dos sindicatos , que ainda continuam agarrados aos
slogans dos “direitos adquiridos”, mesmo que eles sejam injustos e insuportáveis na atual
situação.” E concluía: “Só as estátuas não mudam e todos sabemos o que os pombos lhes
fazem em cima. Não queiramos nós ser estátuas!”
Este objetivo de renovação de mentalidades, que ainda estava longe de ser atingido,
conjugado com o desenvolvimento do mercado norte-americano de fibras tintas na massa,
que ocorreu após o MBO, permitiu à FISIPE consolidar a sua posição de produtor de fibras
especiais mais cedo do que se esperava, e assim ganhar a confiança dos mercados para
uma estratégia que ainda seguia rumo à consolidação. O mercado norte-americano
apresentava margens superiores às praticadas na Europa e na Ásia, mas em contrapartida
tinha, como é natural, graus de exigência que toda a organização foi obrigada a levar à
prática para satisfazer esses clientes.
Em junho de 2006, o IF editava um artigo sob o título “Na FISIPE não há impossíveis” que
transcrevia a satisfação por se ter atingido o ponto crítico de viragem no posicionamento da
empresa no mercado. As vendas de fibras tintas na massa tinham crescido e tudo indicava
que a consolidação nos mercados era uma realidade.
Dois anos depois do MBO, em setembro de 2007, parecia concluída a primeira etapa da
consolidação como se depreende do editorial do IF sob o título “ Valeu a pena! “, em que se
reconhece que foram atingidos três marcos fundamentais para a empresa:
“Conseguimos um consenso alargado (administração, direção e colaboradores) e uma
grande adesão ao que deverá ser o futuro da FISIPE: Empresa virada para a produção
de fibras especiais.
Recuperámos a credibilidade junto das instituições financeiras
Conseguimos uma alteração profunda no comportamento e na atitude dos nossos
colaboradores.”
Pela mesma altura, 2007, a FISIPE recebe a comunicação da EDP de que a Central
Térmica do Barreiro iria ser desativada em 2009 por razões ambientais. A FISIPE dependia
da central de cogeração para a produção de vapor o qual era utilizado no processo de
produção da fibra acrílica. A EDP, face à desativação da fábrica de adubos, vizinha da
FISIPE e consumidora complementar de vapor, não estava interessada num investimento
numa nova central que seria crucial para suporte da operação da FISIPE. Após complexas
negociações constitui-se uma Sociedade Veículo (FISIGEN), na qual a FISIPE teria uma
participação de 49% e a EDP de 51%, e que realizou um investimento numa nova central a
gás natural que ascendeu a 27 milhões de euros, com 30% apenas de capitais próprios.
Tinha uma capacidade de 24MW e permitiria assegurar o fornecimento de vapor em
melhores condições ambientais e operacionais.
Entretanto, verificava-se que era nos têxteis técnicos, fora do tradicional sector têxtil, que
surgiam as melhores e mais duradouras oportunidades de crescimento para o negócio de
fibras acrílicas, particularmente nas fibras de alta tenacidade onde se destacava o
precursor2 de fibra de carbono (Anexo 7). As taxas de crescimento deste mercado situavam-
se em níveis superiores a 10% ao ano e com episódios muito frequentes de escassez de
oferta. Os poucos produtores que dominavam esta tecnologia não estavam dispostos a
licenciá-la. A Mitsubishi Rayon, sócio e licenciador do processo Monsanto à FISIPE, detinha
essa tecnologia e já produzia industrialmente o precursor da fibra de carbono no Japão, que
exportava para a Europa.
No entanto, iniciou-se o desenvolvimento na instalação piloto para produzir uma fibra acrílica
que tivesse as características de precursor da fibra de carbono, e o relatório anual de 2007
descreve que o projeto deveria conseguir fazer o seu lançamento no primeiro trimestre de
2009.
Esta oportunidade tinha sido prevista no plano estratégico inicial, mas havia que criar
primeiro as estruturas de I&D para produzir na instalação piloto existente um polímero/fibra
precursora da fibra de carbono. Em Janeiro de 2007 esse objetivo tinha sido conseguido,
mas a FISIPE não dispunha de uma instalação que lhe permitisse testar as formulações
obtidas. Os contactos então efetuados conduzem a um Laboratório Americano o qual tinha
entretanto em carteira um programa de desenvolvimento, solicitado por um departamento do
governo para um precursor acrílico que originasse uma fibra de carbono de baixo custo para
a indústria automóvel (Anexo 8). Rapidamente se atingiu uma conjugação de interesses até
que em 2009 a FISIPE tinha conseguido completar o desenvolvimento piloto das suas
formulações de fibra acrílica precursora e o Laboratório americano tinha conseguido
dominar o processo de produção de fibra de carbono a partir da fibra acrílica da FISIPE.
Em 2008 a FISIPE decidiu fazer o investimento numa segunda instalação piloto que lhe
permitisse testar as fibras acrílicas precursoras das diversas fibras de carbono que o
mercado solicitava. O investimento necessário para esta instalação piloto para produção da
fibra de carbono ascendia a seis milhões de euros e o projeto foi parcialmente financiado
pelo QREN. Em 10 de dezembro de 2010, é produzida no Barreiro a primeira fibra de
carbono na nova instalação piloto a partir da fibra acrílica precursora produzida na
instalação piloto original.
Estavam assim reunidas as condições que permitiriam pensar na produção de fibra acrílica
precursora à escala industrial no Barreiro Os investimentos necessários ascendiam, no
entanto, a valores da ordem dos 25 milhões de euros e não se conseguiu reunir a nível
nacional os meios financeiros para avançar com o projeto.
Terminava assim um MBO que acabou, com o que se pensa ter sido um muito bom investimento de Capital de
Risco.
Notas:
1
General Agreement on Tariffs and Trade
2
O precursor da fibra de carbono, é uma fibra acrílica normal, produzida em condições de polimerização e
acabamentos diferentes das fibras acrílicas têxteis, permitindo-lhe sofrer posteriormente uma carbonização a
altas temperaturas sem combustão espontânea, para obtenção da fibra de carbono. Uma tonelada de
precursor sujeito ao processo de carbonização origina 500 Kg de fibra de carbono.
Anexo 1 – FISIPE MBO Team (cv)
Passivo 0
Passivo Não Corrente 0
Empréstimos Obrigacionistas - líquidos da parcela de curto prazo 0
Empréstimos bancários de longo prazo - líquidos da parcela de curto prazo 5451
Provisões 90
Passivos por impostos diferidos 5 070
Total de passivos não Correntes 10 611
Passivo Corrente 0
Passivo de curto prazo dos empréstimos obrigacionistas 2 860
Passivo de curto prazo dos empréstimos bancários de médio e longo prazo 42
Empréstimos bancários de curto prazo e outros empréstimos 12 491
Dividas a pagar a fornecedores 23 271
Dividas a pagar de empresas do grupo 0
Outras dívidas a pagar 500
Provisões 1 537
Outros Passivos Correntes 3 715
Total de Passivos Correntes 44 416
Total do Passivo 55 027
Total do Passivo e Capital Próprio 70 975
Anexo 3 - Variáveis determinantes no Preço/Margem da Fibra Acrílica
Oxidação/Carbonização
Fibra
Acrílica
Anexo 9 – Mercados Texteis da FISIPE em 2011
Anexo 10 – Balanço em 31 de Dez de 2011