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Instituto Taquaritinguense de Ensino Superior

“Dr. Aristides de Carvalho Schlobach” – ITES

ITES - Instituto Taquaritinguense de Ensino Superior

Táires Valério

Análise Crítica do filme: O que terá acontecido a Baby Jane?

Trabalho referente à disciplina de


Contemporâneos da Psicanálise “ITES-
Instituto Taquaritinguense de ensino
superior” orientado pelo professor Me
Roger de Lucca.

Taquaritinga-SP

06 de Maio de 2021
Sinopse

No filme “O que terá acontecido a Baby Jane?”, vemos a trama de duas irmãs, Jane e
Blanche. Jane é apresentada como uma garota talentosa e famosa, conhecida em sua infância
como “Baby Jane”. Durante a infância, Blanche é ofuscada pela irmã, e acaba sendo uma
garota tímida. Na idade adulta, os papéis se invertem, Blanche se torna uma atriz famosa e Jane
já não é mais tão requisitada pela mídia. Um acontecimento inusitado faz com que Jane tenha
que cuidar de sua irmã em uma cadeira de rodas, e durante esse período, Jane tentará retornar
aos holofotes a qualquer custo.

Análise do filme a partir da teoria de Melanie Klein

O filme será analisado tendo como foco a irmã de Jane, Blanche. Nesse sentido,
exploraremos a construção do relacionamento que Blanche estabelece com sua irmã.
A teoria de Melanie Klein se pauta, principalmente, em questões como: a posição
esquizo-paranoide, a posição depressiva e as relações objetais. Em um indivíduo saudável,
encontramos a transição dessas duas posições, sendo predominante a posição depressiva. Nesse
sentido, de acordo com Nasio (1995, p. 159) “identificamos então uma defesa primária e
radical, pela clivagem que divide o seio em bom, ou seja, presente, e mau, isto é, ausente.”.
Esse movimento provocado pela posição esquizo-paranoide é evocado pela impossibilidade do
indivíduo reconhecer o bom e o mau em um único indivíduo, ou em si mesmo.
A partir da cisão da realidade, outros mecanismos de defesa são evocados, tais como: a
negação, a projeção e a idealização. A negação envolve a recusa em reconhecer um sentimento
como próprio do indivíduo, desse modo, é necessário o surgimento da projeção. Na projeção, o
indivíduo identifica no outro os sentimentos e desejos que na verdade são seus. Assim, é negado
em si e projetado no outro a inveja, a ganância, fraqueza, etc. Outro mecanismo importante é a
identificação projetiva. Este é um conceito puramente Kleiniano, assim, de acordo com Nasio
(1995, p. 160) “A identificação projetiva é, a princípio, a ideia de que um objeto externo pode
ser detestado, na medida em que represente uma parte odiosa do sujeito: o sujeito ejeta, projeta
o que tem de “mau”, seus excrementos, no outro, e assim o identifica como mau”. Todavia, a
identificação projetiva, conceito Kleiniano, se torna diferente da projeção na forma de
funcionamento desse mecanismo. Desse modo, o indivíduo que identifica projetivamente outra
pessoa, tende a identificar e distorcer aspectos que são suficientes para manter sua fantasia.
Na posição depressiva, de acordo com Nasio (1995, p. 161) “a criança passa a conhecer
a mãe como uma pessoa inteira e então se identifica com uma pessoa completa, real e amada”.
Nesse sentido, o que antes era fragmentado (esquizo) e perseguia o individuo (paranoide), passa
a ser reconhecido em um único objeto, de forma completa. O deslocamento da posição esquizo-
paranoide para a posição depressiva envolve, claramente, um efeito depressivo sobre o
indivíduo. Nasio (1995) aponta que para que o sujeito evite o sofrimento da depressão, ele passa
a empregar defesas contra a presença do objeto total. Uma dessas defesas é a “fuga para os
“bons” objetos internos (psicoses, autismo) e fuga para os bons objetos externos (estados
amorosos repetitivos nas neuroses)” (NASIO, 1995, p 162). Outra defesa, de acordo com Nasio
(1995) seria a reparação. Nesta, o sujeito é obrigado, por conta de sua identificação, a reparar o
que foi causado por ele próprio. Desse modo, as fantasias de reparação envolvem preservar o
corpo e devolver a vida ao que foi “morto”. Em suma, a restauração é a restituição à integridade
do objeto, essa restauração do objeto tem efeito restaurador no próprio eu. “A reparação, que dá
forma, beleza e perfeição ao objeto perdido, é uma condição da aceitação da perda”. (NASIO, p.
163).
Partindo destes pressupostos teóricos, analisaremos a personagem Blanche. Em uma das
cenas iniciais, vemos Jane fazendo uma apresentação e sendo extremamente bem recebida pelo
público. Ao fundo, vemos que sua mãe e Blanche assistem a apresentação, mas sem serem tão
reconhecidas, nem pelo pai (que participa da apresentação) e nem pela irmã. Dando
prosseguimento a essa cena, notamos que Jane é uma típica garota “mimada”, que sempre acaba
tendo aquilo que quer. Após o espetáculo, o pai tenta negar uma ida a sorveteria, mas a garota
insiste e acaba conseguindo através de birras que atraem a atenção do público, forçando o pai a
ceder a vontade da filha para não causar maiores problemas. Quando isso acontece, ela diz a
Blanche que iriam tomar sorvete, e após essa fala, Blanche foge. A mãe vai atrás, mas a garota
fica extremamente chateada com o acontecido. Após algumas falas de consolo da mãe, Blanche
diz que nunca iria esquecer o que a irmã fez por ela, mas em um tom de raiva e inveja.
De acordo com Trinca (2009) a inveja, sendo um dos sentimentos referentes à posição
esquizo-paranoide, acaba por provocar ao indivíduo uma experiência de falta, desgosto, tristeza
ou irritação. Esses sentimentos apontam para questões de inferioridade. Assim, a comparação
entre os indivíduos evoca a insuficiência daquele que sente a inveja. Apesar de não acontecer
nenhuma comparação explicita, fica claro que a relação Jane-Pai é muito mais forte do que a
relação Pai-Mãe ou Jane-Blanche. Nesse sentido, a própria fama de Jane indica esse favoritismo
e ofusca o reconhecimento de qualquer habilidade de Blanche.
Após essa parte, há um salto na linha temporal. Após as irmãs alcançarem a idade
adulta, vemos que Blanche superou Jane na questão de fama e reconhecimento. É nos
apresentado que Jane passa a ter problemas com álcool e a não produzir tanto quanto
antigamente. Um dos pontos de destaque dessa situação é a questão que Blanche exigiu um
contrato que envolvesse a produção de filmes com Jane, ou seja, mesmo se tornando famosa,
Blanche exigiu um clausula que, de certa forma, garantisse certa visibilidade a Jane. A essa
situação podemos atribuir dois pontos. O primeiro é indicado por um dos mecanismos de defesa
da posição depressiva, a reparação. A reparação indicaria que Blanche, após visualizar a queda
da fama da irmã, acaba por atribuir a culpa a si, por sentir inveja e querer destruir a irmã. Dessa
forma, mesmo que ela tenha conseguido ultrapassar a irmã, ela não consegue visualizar sua
fama através de seu próprio mérito, mas atribui a isso a consequência da queda de sua irmã.
Outro ponto a ser destacado, seria o simples prazer obtido (de forma inconsciente) de manter a
irmã sempre por perto, presenciando sua ascensão.
Dando prosseguimento no filme, chegamos à cena que, supostamente, Jane, já muito
bêbada, acaba atropelando Blanche e deixando-a paralítica. Essa cena é explicada ao final do
filme, mas será explicitada aqui para fins de compreensão. Na cena em questão, o que realmente
acontece é que Jane e Blanche estavam em uma festa. Como Jane já estava alterada acabou
chamando a atenção de vários rapazes e dizendo coisas negativas de sua irmã. Isso fez com que
Blanche e ela fossem para casa. Chegando ao portão, Jane sai para abri-lo e Blanche sente uma
grande agressividade contra ela. Acaba cedendo à situação e acelera o carro contra Jane. Esta,
mesmo alterada, acaba por escapar do carro e foge da situação. Blanche bate contra o portão,
ficando extremamente machucada e paralítica. Todavia, antes que qualquer pessoa pudesse
chegar para ajuda-la, ela sai do carro e fica próxima ao portão. A partir disso, Jane não se
lembra de nada, e a história contada por Blanche é totalmente o oposto. Ela diz que Jane, já
alterada, atropelou-a contra o portão, deixando-a paralítica. Essa situação traz um grande peso a
Jane, já que não possui memórias da situação, passa a cuidar da irmã cadeirante. A essa súbita
raiva de Blanche podemos atribuir a alteração entre a posição esquizo-paranoide e a posição
depressiva. O objeto alvo da reparação ainda causa problemas, Jane conseguiu a si toda a
atenção, houve uma repetição de situações da infância. Isso acaba indicando que Blanche não
sentia inveja do objeto em si, mas sim de ser o objeto de desejo. A inveja continua presente, mas
as limitações do consciente encontradas na percepção que tinha de si e da situação, levaram-na a
buscar algo secundário que, no caso da irmã, proporcionava a atenção do pai. A complexidade
dessa situação é refletida através das questões que envolvem a própria inveja. Aquilo que Jane
possuía, Blanche conseguiu, mas mesmo assim, ela acabava por obter toda a atenção quando
estas estavam em um mesmo ambiente. Nesse sentido, a raiva e a agressividade sentidas nessa
situação indicam essa questão complexa que envolve os relacionamentos humanos.
De acordo com Nasio (1995, p. 163), a “única superação verdadeira da posição
depressiva é o trabalho do luto, tanto do luto da mãe quanto do seio, isto é, o luto da pessoa
fantasística”. Portanto, é o “trabalho de luto do objeto primordial que depende da saída da
neurose infantil e da neurose transferencial” (NASIO, 1995, p.163). As saídas dessa situação
envolvem uma integração, responsabilização e, no caso de Blanche, um confronto com o que se
situa por de trás do objeto.
A mentira envolvida nesta situação implica na responsabilização de Jane ato cometido
por Blanche. Essa responsabilização leva diretamente a total dependência de Jane, conduzindo
uma relação de sustento e garantia das necessidades básicas, mas privando Blanche de ser
reconhecida e ter contato com seus “fãs” e outras pessoas, além de sua empregada. Após o
início da metade da trama, vemos que a agressividade de Jane apenas aumenta. O motivo para o
aumento dessa agressividade é porque Jane descobriu o plano que Blanche havia tido. Ela
pretendia vender a casa em que estas moravam. Jane passa a tomar atitudes que evitem essa
situação, afastando Blanche de todo e qualquer contato com as pessoas.
Mesmo que a proposta não seja de analisar Jane, é inegável o reconhecimento da
situação catastrófica a qual ela se encontra. Após tanto tempo cuidando da irmã, e vendo seu
grande reconhecimento, a personagem passa a querer resgatar a infância, desejando reproduzir a
situação a qual era amada pelo pai, já falecido, e pelo público. Jane contrata um músico
fracassado que, simbolicamente, ainda mora com a mãe e mantém uma relação de dependência
desta, mas passa a se afastar dela quando se aproxima de Jane, pelo menos até conhecer
aspectos obscuros de suas ações. Para finalizar, a última cena a ser destacada é a que vemos, de
forma mais explícita, o momento em que Blanche diz a verdade sobre o acidente e Jane cede a
uma defesa maníaca, a fuga. Assim, de acordo com Trinca (2009), a fuga representa um retorno
aos “bons” objetos internos. Esses objetos, aos quais Jane retorna, representam os primórdios de
uma satisfação plena. Esse retorno envolve sua estreita relação com a música e com seu papel,
em uma época onde, de acordo com sua percepção, ela era extremamente famosa e reconhecida.
Todavia, como bem vemos essa fantasia não condiz com a realidade atual, onde ninguém a
reconhece pelo nome “Baby Jane”, mas sim por ser a pessoa que causou sequelas permanentes a
irmã.
Referências Bibliográficas

Nasio JD. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan.
Transmissão da Psicanálise – 41. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1995.
TRINCA, Walter. O sistema mental determinante da inveja. Rev. bras. psicanál,  São Paulo ,  v. 43, n.
3, p. 51-58, set.  2009 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0486-641X2009000300006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  24  abr.  2021.

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