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Ferenczi II – Aula 2

Relações fraternas incestuosas


As relações entre irmãos de forma incestuosa denotam evidências do rompimento do
pacto civilizatório (Totem e Tabu), pelo qual se torna moralmente condenável a prática
da relação sexual entre membros da própria família. Trata-se também de um fenômeno
responsável por permitir a reedição de uma cena de abuso, porém nessa nova situação o
indivíduo que fora abusado anteriormente ou presenciou tal ato, torna-se aquele que
abusa, que detém o controle sobre o outro. Não é necessário que a criança em si seja
abusada para que o incesto posterior ocorra, apenas o fato de estar presente no ambiente
das relações parentais, ou mesmo ver e ouvir o ato sendo consumado é capaz de
produzir na criança um trauma que desencadeará num possível incesto.
Existem ainda aquelas relações baseadas no desafio ao narcisismo infantil, sendo a
principal delas o ciúme em relação ao irmão mais novo, tais relações se estabelecem
justamente pelo fato de que quando uma nova criança nasce na família, o investimento
libidinal tanto da mãe quanto do pai se volta totalmente para ela, “deixando de lado”
aquele que já nasceu e se desenvolveu. Essa perda de investimento para o outro
promove uma grande ferida narcísica no indivíduo, que se vê substituído por esse outro
(a onipotência infantil é desafiada quando não se é mais o centro das atenções no
ambiente familiar). Tal “ferida” promove um sentimento hostil entre os irmãos, a qual
irá desencadear uma série de comportamentos característicos.
A passagem ao ato incestuoso pelo indivíduo surge a partir de dois grandes fatores,
sendo o primeiro deles o colapso identificatório perante uma figura externa, de modo
que aquele que era anteriormente idealizado e com quem o indivíduo se identificava, é
responsável por quebrar esse pacto de identificação (processo que gera um luto no
indivíduo). A partir dessa quebra do pacto, aquele que fora traumatizado passa a
apresentar diversas reações e comportamentos derivados da dor desse trauma. O pacto
identificatório se dá na instância do Eu Ideal, de modo que o outro encontra-se
completamente investido sobre o indivíduo, a quebra desse pacto se dá justamente
quando o investimento libidinal deixa de ocorrer, promovendo uma ferida narcísica no
indivíduo que recebia investimento. A partir dessa quebra, com o desenvolvimento
surge o momento em que o indivíduo irá pegar as diversas identificações que já teve
com os diversos outros e que foram rompidas, absorvendo partes desejáveis delas para
que seja formado um todo, chamado de Ideal de Eu, o qual representa a formação
narcísica pela qual o indivíduo não se identifica mais com o outro, como anteriormente,
mas com si mesmo. A partir do colapso identificatório, existe a hipótese de que o ato
incestuoso entre irmãos seria uma tentativa precária de reviver esse afeto perdido, seria,
portanto, uma forma do indivíduo resgatar aquele momento em que o Eu Ideal era
predominante. Nesses indivíduos o processo simbólico (passagem de Eu Ideal para Ideal
de Eu) não se deu de maneira adequada devido a uma falha na relação parental ou até
mesmo um possível trauma (abuso anterior), fazendo com que as vivências afetivas
sejam revividas apenas pelos atos e não pelas lembranças. O amor e o afeto do passado
são traduzidos no ato incestuoso, não sendo possível rememorá-los nas lembranças,
evidenciando uma excitação anormal nesses indivíduos, que não foram castrados
durante seu desenvolvimento e, portanto, não conseguiram recalcar tais desejos
incestuosos, os quais são traduzidos na prática.
Melanie Klein aborda a temática das relações incestuosas a partir do início do
desenvolvimento infantil, mais precisamente o período do desmame. Segundo a autora,
no início (amamentação) a criança se entende como única em relação a sua mãe, seu
único objeto de desejo, de modo que se entende onipotente. A partir do momento em
que ocorre o desmame e aquele investimento libidinal materno cessa, a criança passa
por um trauma significativo, perdendo essa onipotência e passando a fantasiar sobre os
destinos desse investimento. A inserção de novos personagens na relação entre mãe e
filho, entre eles pai e irmãos podem promover na criança uma série de sentimentos
negativos em relação a elas (no caso dos irmãos, é comum que um irmão mais velho
passe a apresentar sentimentos e ideações destrutivas em relação ao mais novo). A
prática incestuosa seria uma forma da criança manifestar esses sentimentos destrutivos,
a inveja em relação ao irmão (aquele que detém o amor e carinho materno) evidencia
uma prática com fundo narcísico, o irmão mais velho se enxerga no irmão mais novo e
busca de alguma forma ocupar novamente aquele lugar (destruir o irmão que tomou sua
posição de poder e privilégio). Essa criança não apresenta qualquer tipo de visão do
outro, ela realiza tal ato para estabilizar angústias internas ou até mesmo para atacar os
próprios pais, visto que enxerga o irmão como uma personificação daquele amor
paterno que havia sido perdido.

Projeção e Introjeção
Processos opostos, mas que se completam, tanto Ferenczi quanto Klein entendem que
no desenvolvimento da criança ambos os processos ocorrem, a projeção consiste na
expulsão de si e localização no outro diversos aspectos, entre eles qualidades, afetos e
traços de personalidade, os quais são do próprio indivíduo, porém que ele deseja
esquecer (consiste na retirada daquilo que não se aceita ou não se conhece em si
mesmo), trata-se de uma defesa arcaica do psiquismo que atua para que o indivíduo não
entre em contato com aquilo que se encontra no seu inconsciente (unidade de “medida”
de testes projetivos). O processo projetivo pode ser evidenciado nas relações
incestuosas, nas quais o plano de fundo seria a onipotência do indivíduo que se vê
confrontada pelo outro e, partindo disso, o indivíduo projeta naquele que desafia sua
onipotência suas próprias angústias e características que busca esquecer, realizando uma
prática violenta contra esse outro. Uma vez que a projeção se estabelece e os atos do
indivíduo são orientados a partir dela, um movimento oposto ocorre, aquilo que é
projetado pelo indivíduo retorna a ele como forma de culpa (exceto em crianças
pequenas, nas quais o psiquismo não se desenvolveu o suficiente para esse sentimento
surgir) e pode chegar a evoluir para uma paranoia. A introjeção, por sua vez seria o
mecanismo oposto ao da projeção, pelo qual as diversas características e aspectos do
outro são absorvidos pelo indivíduo, o mecanismo que permite essa tomada dos traços
externos se define na transferência, processo que, por meio de uma relação simbólica
com os objetos de desejo inconsciente, permite que estes sejam refletidos no outro e
absorvidos desse para que seu próprio narcisismo seja formado. É por meio da
transferência que os indivíduos neuróticos se permitem investir libidinalmente sobre o
outro e absorver deste os restos desse investimento (processo denominado de
identificação).

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