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Unidade III

Unidade III
Nossa proposta nesta unidade é discutir aspectos que são essenciais no desenvolvimento das
competências leitora e escritora. Entendemos que é nosso papel, como professores, fazermos com que
o aluno saiba utilizar a leitura e a escrita adequadamente no seu cotidiano, que saiba lançar mão
desses conhecimentos na solução de situações práticas e também que, dessa forma, possa ter acesso
ao conhecimento que deseja ou busca. Para que isso seja possível, abordaremos possibilidades de
desenvolvimento de tais competências.

7 UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS E ESTRATÉGIAS NA PRÁTICA DE LEITURA

Vamos imaginar que fomos a uma livraria para escolher um livro para leitura nas férias, mas não
temos um título em mente. Diante de todo o acervo que nos é deixado à disposição, como realizar a
escolha do livro? O que deve ser observado? Como obter informações sobre a obra? O que pode ser um
indicador de uma obra interessante? O que nos leva a decidir sobre o título que deve ser comprado? Uma
coisa é certa: a escolha é pessoal e portanto, os critérios são variados. Cada um de nós, de acordo com as
experiências que tivemos, tem um jeito muito próprio de fazer tal seleção. É verdade que, num primeiro
momento, a capa de um livro nos chama a atenção; porém só esse impacto visual não é suficiente para
que façamos nossa opção. Buscar as informações que constam no livro, buscando conhecer um pouco
sobre o autor e a trama desenvolvida na história, é uma prática interessante que nos fornece elementos
para a necessária tomada de decisão. Uma folheada na obra, se for possível, para verificar aspectos
estéticos, organização da leitura, tamanho e tipo de letra, também podem contribuir para a seleção
do livro a ser adquirido. Todas essas medidas, juntas, nos auxiliam na decisão do que vamos ler; elas
diminuem a possibilidade de adquirirmos algo que não esteja de acordo com as nossas expectativas.
Diminui mas não extingue; é bom salientar que, ainda assim, corremos o risco de não gostar da leitura,
pois essa certeza só surge após a leitura da obra; além disso, esses são apenas alguns (e, talvez, os mais
utilizados) critérios para a escolha de livros. Não podemos perder de vista o fato de que cada indivíduo
estabelece parâmetros de seleção que lhe são próprios, pessoais. As indicações de leitura feitas por
amigos, professores ou pessoas com as quais tenhamos alguma afinidade também são valiosas nesse
momento.

Mas, por que estamos falando sobre esse assunto no início desta unidade? É preciso que
pensemos que são muitos os saberes mobilizados apenas na escolha de um livro para leitura de
férias, como é o caso do nosso exemplo. Na verdade, o que queremos, com isso, é tornar claro o fato
de que toda atividade que envolve a leitura e a escrita é complexa, pois se articula com aspectos
práticos (como a seleção do texto e a leitura propriamente dita), cognitivos (como o que sabemos
sobre o que será lido e sobre o autor) e com as nossas experiências pessoais (como as expectativas
em relação à leitura e as nossas preferências). Apesar de sua importância no cotidiano de qualquer
leitor, podemos dizer que, dificilmente, o aprendizado de tais procedimentos ocorre no ambiente
escolar. Na maioria das vezes, tudo isso é aprendido na prática, na troca de experiências com
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parceiros (amigos, familiares etc.), entretanto, a escola precisa fornecer condições para que o leitor
em formação tenha boas referências para constituir o seu próprio comportamento leitor de forma
competente. Eis o que justifica a importância de exercemos essa prática no ambiente escolar, de
possibilitar aos alunos que falem sobre o que leram, sobre o que gostaram ou não, justificando
sempre a sua opinião a respeito da leitura realizada. Vejamos o que é afirmado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN):

Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que


lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando
elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros
textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um
texto; que consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de
elementos discursivos (BRASIL, 1997, p.36).

No caso da leitura, há procedimentos e estratégias que são utilizados na prática, mas não os
ensinamos aos leitores iniciantes. E, talvez, não o façamos pelo simples desconhecimento da sua
importância, de sua relevância na formação do aluno. Além disso, há o fato de que tais estratégias,
na maioria das vezes, são utilizadas quase que intuitivamente. É como nos adverte Solé (1998, p.
71): “Pode ser um pouco difícil explicar isso, pois você, como todos os leitores experientes, utiliza as
estratégias de forma inconsciente.” Os recursos que utilizamos na leitura são elementos fundamentais
no processo de desenvolvimento da competência leitora, visto que podem ser compreendidos como
formas eficientes de se conseguir um intento que, no caso que vamos tratar agora, é a compreensão
do que está sendo lido.

Observação

Estratégias são procedimentos que contribuem para a fluência da


leitura, aumentando a compreensão que se tem a respeito do assunto,
tema ou conteúdo que está sendo lido.

Há que se esclarecer que é especialmente nos momentos em que encontramos alguma dificuldade
na leitura (seja ela uma simples palavra desconhecida ou a incompreensão de alguma parte do texto)
que lançamos mão de estratégias que possam nos auxiliar na compreensão do que estamos lendo. Isto
quer dizer que é justamente no momento em que nos deparamos com alguma dificuldade ou quando,
de alguma maneira, a fluência necessária à compreensão do conteúdo escrito é comprometida, que
lançamos mão de estratégias, como procedimentos que nos possibilitam resgatar o caminho necessário
ao entendimento do texto. Esse é o motivo pelo qual nossa atenção é direcionada, no processo de
formação dos alunos, ao ensino das estratégias de leitura. Vejamos o que Solé (1998) nos diz a esse
respeito:

Por que é necessário ensinar estratégias de compreensão? Em síntese,


porque queremos formar leitores autônomos, capazes de enfrentar
de forma inteligente textos de índole muito diversa, na maioria das
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vezes, diferentes dos utilizados durante a instrução. Esses textos


podem ser difíceis, por serem muito criativos ou por estarem mal
escritos. De qualquer forma, como correspondem a uma grande
variedade de objetivos, cabe esperar que sua estrutura também seja
variada, assim como sua possibilidade de compreensão (SOLÉ, 1998,
p. 72).

Por concordarmos com o fato de que a utilização adequada de estratégias de leitura contribui para
a formação do leitor autônomo, nos deteremos um pouco mais na análise de algumas delas, muito
utilizadas por nós e que talvez, por isso mesmo, por já fazerem parte do nosso cotidiano, percebemos a
falta de investimento dessa prática nas situações propostas no ambiente escolar.

7.1 Previsão/antecipação

Figura 6

Quando estamos diante de um material a ser lido, seja ele um livro, um jornal, uma revista, uma
propaganda, ou qualquer outro portador de texto, podemos extrair informações importantes dele,
mesmo antes de realizar a sua leitura completa. Como assim? Vejamos.

O título de um texto, por exemplo, nos diz muito sobre ele. Quando estamos fazendo
uma pesquisa (seja ela escolar ou não) ou quando estamos à procura de algo cuja leitura nos
interessa, costumamos nos deter nos títulos como forma de seleção do material a ser lido. Em
muitos casos, pode ser que aquilo que nos sugeriu o título do texto não esteja de acordo com
as nossas expectativas a seu respeito. Entretanto, essa análise não deixa de ser um critério
muito interessante, que nos ajuda a entender qual será o tema tratado no texto. Quando
nos deparamos com um livro que tem como título A verdadeira história dos três porquinhos ,
não encontramos nele elementos que nos levem a acreditar que a obra irá discutir sobre
futebol, por exemplo (ainda que, utilizando a criatividade, isso seja possível). Por outro lado,
conseguimos estabelecer alguma relação desse título com o clássico conto de fadas Os três
porquinhos . Assim, entendemos que o título de uma obra nos fornece informações a partir das
quais podemos antecipar dados sobre o assunto discutido no texto. É claro que há títulos que
são pouco esclarecedores, como é o caso de Matilda , pois, a partir de um nome próprio, não
conseguimos antecipar o assunto.

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Saiba mais

Você vai gostar de conhecer as duas obras citadas nesta unidade!

SCIESZKA, J. A verdadeira história dos três porquinhos. São Paulo:


Companhia das Letrinhas, 1993.

A verdadeira história dos três porquinhos, de Jon Scieszka, publicada


pela Companhia das Letrinhas, é contada na perspectiva do lobo que, é
claro, relata fatos da história dos três porquinhos, partindo do seu ponto de
vista. Essa leitura costuma agradar leitores de todas as idades.

DAHL, R. Matilda. São Paulo; Martins Fontes, 1999.

Matilda, por sua vez, é um clássico da literatura infantil, do renomado


autor Roald Dahl, publicado pela editora Martins Fontes. A obra conta
a história de uma menina que adorava ler e tinha certos “poderes”,
que a ajudaram a se livrar de alguns problemas na escola e na família,
mas também colaboraram para que outros muito engraçados fossem
criados.

Vale a pena conferir!

Sabemos, então, que a leitura e a análise dos títulos de uma obra é importante, mas não são as
únicas formas de obtermos informações que nos aproximem do tema antes que façamos a leitura. O
exemplo citado anteriormente, Matilda, é representativo para o que estamos falando. Nesse caso, a
análise das ilustrações contidas na capa, bem como a leitura da sinopse que pode vir na aba do livro
(também conhecida pelo nome de “orelha”) ou na contra capa, são fundamentais para que possamos
compreender do que trata a obra. Tais procedimentos, contudo, também não costumam ser ensinados na
escola. É mais um daqueles procedimentos que utilizamos intuitivamente, mas que, agora que sabemos
de sua importância, queremos ensiná‑los aos nossos alunos. Como fazê‑lo?

Observação

Vale a pena esclarecer que intuição é entendida, nesta disciplina, como


o conhecimento adquirido pela experiência, sem fundamento teórico. Não
está relacionado com a vertente mística ou sobrenatural da palavra.

Vejamos o exemplo que segue. Ele foi extraído do livro de Isabel Solé (1998), Estratégias de leitura,
e apresenta a transcrição de uma parte, um fragmento da sessão de leitura com a 3ª série do Ensino
Fundamental, na qual as crianças realizam a leitura do texto As sopas de alho!.
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(Todas as crianças estão com o livro aberto na mesma página).

P. Vamos ver... Escutem um momento. Ainda não vamos começar a ler. Não
vamos começar a ler porque antes temos que pensar um pouco olhando só
para o título, certo? Vamos ver... Olhando o título... Este título das “sopas de
alho”... Sobre o que será essa história?

Várias crianças: Sobre uma sopa de alho! (Algumas fazem caretas de nojo).

P.: Sobre uma sopa de alho que não sabemos de quem é nem o que acontece,
nem nada... E se olharmos o desenho? Vamos olhar o desenho...

(Muitas crianças começam a falar simultaneamente. P. impõe silêncio e pede


que uma menina dê a sua opinião).

Marta: Bem... Deve falar... De um senhor e de uma senhora que moram em


um sítio e que...

P.: E que...? Que comem? Risoto de frango?

Marta: Nãaao! Comem sopa de alho.

P.: Pode ser... Não sabemos, certo? Vamos ver, David.

David: Um senhor mora na casa de uma senhora e a senhora lhe prepara


sopas de alho.

P.: Também pode ser...

Outra criança: Uns senhores que são velhos e que quase sempre comem
sopas de alho e que têm um sítio.

P.: Pode ser, não sabemos. Alguém tem uma idéia diferente? Pode falar.

Uma menina: Um casal que mora em uma casa no campo e que normalmente
comem alhos.

P.: Bem, isto é o que nos parece olhando para o título e para o desenho.
Pois agora todos podem começar a ler em silêncio para ver se é verdade que
eles tomam sopas de alho. Primeiro vamos ler a história inteira para nós
mesmos e depois em voz alta, para ver se é verdade que tudo o que dissemos
acontece nessa história.

(As crianças lêem o texto em silêncio) (SOLÉ, 1998, pp. 107‑108).


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Embora a situação apresentada anteriormente seja apenas a descrição de uma parte da atividade
de leitura, para nós, ela é muito significativa, pois permite que percebamos tanto a dinâmica da sessão
como a atuação da professora junto aos alunos. Vamos explorar um pouco mais esses dois aspectos.

A ideia tradicional de sessão de leitura nos remete a uma sala de aula absolutamente silenciosa,
com todos os alunos lendo individualmente, sem trocar nenhuma informação a respeito do que está
sendo lido (até porque isso quebraria o silêncio, então compreendido como essencial para a prática da
atividade). Contudo, o exemplo da sessão de leitura, que nos é apresentado por Solé, rompe com esse
padrão ao ser iniciado com uma discussão, entre professor e alunos, sobre as informações apresentadas
na capa do livro que estão prestes ler. Não podemos deixar de salientar que discussão é sempre uma
ação em que as ideias são apresentadas e, pelo fato de nem sempre concordarem entre si (o que é
bom, caso contrário não haveria discussão), as ideias divergentes geram a necessidade de explicações,
justificativas e argumentações, normalmente acompanhadas pelo “calor” (emoção) das ideias defendidas
por seu autor. É possível imaginar que tudo isso possa acontecer em silêncio? Não. Porém, também não
é possível que nos entendamos se todos estiverem falando muito alto e ao mesmo tempo. Por esse
motivo, diz a transcrição de Solé, o professor impõe silêncio (o que é muito apropriado para a situação)
quando percebe que a desordem está impossibilitando a comunicação.

A participação dos alunos e o fato de eles arriscarem opiniões e prejulgamentos sobre o que será lido
(sabendo que correm o risco de o que dizem não ser confirmado posteriormente), revelam o quanto se
sentem à vontade no papel ativo que lhes é exigido pelo professor. As hipóteses que são apresentadas,
sobre o que deve tratar o texto que será lido, são respeitadas por todos os alunos. O modo como o
professor conduz a atividade não abre espaço para que surjam motivos para menosprezar a opinião de
quem quer que seja. Todas as hipóteses são consideradas; por isso, as crianças falam sem insegurança ou
medo de expor o que pensam. Apesar disso, não podemos descartar a hipótese de que comportamentos
como esses possam aparecer, especialmente quando estamos iniciando esse tipo de atividade com os
alunos. Porém, será a forma como o professor lida, pontualmente, com essa situação que fará com que
sua ocorrência vá sendo suprimida, dando lugar ao respeito pelo que pensam os colegas. Os PCN de
língua portuguesa nos concedem orientações preciosas a esse respeito:

Para tornar os alunos bons leitores — para desenvolver, muito mais do que a
capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura —, a escola terá de
mobilizá‑los internamente, pois aprender a ler (e também ler para aprender)
requer esforço. Precisará fazê‑los achar que a leitura é algo interessante e
desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência.
Precisará torná‑los confiantes, condição para poderem se desafiar a “aprender
fazendo”. Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não
é uma prática pedagógica eficiente (BRASIL, 1997, p.38).

Como se vê, formar leitores competentes não é tarefa fácil, mas absolutamente necessária. E será uma
postura docente, como aquela apresentada no exemplo de Solé, que contribuirá para que, entre outros
aspectos, a estratégia de previsão ou antecipação seja refinada juntamente com o desenvolvimento da
competência leitora do aluno. E esse é um procedimento que pode ser utilizado com qualquer tipo de
texto. No cotidiano das práticas de leitura, mais especificamente aquelas realizadas na escola, precisamos
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nos dedicar à realização desse tipo de discussão com os alunos, o que os levará a olhar para além daquilo
que está escrito no texto.

7.2 Inferência

Iniciemos a análise dessa estratégia de leitura pela sua definição, isto é, pela tentativa de compreender
o espaço que ela ocupa no processo de leitura. Podemos entender como inferência a ação por meio da
qual o leitor supõe a existência de uma informação não explícita no texto, a partir de outros elementos
que permitam tal conclusão. Um exemplo, talvez, possa nos ajudar a compreendê‑la um pouco melhor.
Vamos a ele.

O trecho a seguir foi extraído do livro As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi (2002):

O boneco, voltando para a cidade, começou a contar os minutos


um por um; e, quando achou que estava na hora, logo voltou pelo
caminho que levava ao Campo dos Milagres. E, enquanto caminhava
apressado, o coração batia forte e fazia tic‑tac, tic‑tac, como um
relógio de sala de visitas quando anda de verdade (COLLODI, 2002,
p.71).

Lendo o trecho anteriormente apresentado, é possível afirmar que Pinóquio estava ansioso
para chegar a algum lugar, não é mesmo? Sim, sabemos que o texto não diz exatamente isso,
mas nos dá pistas para entender que sim. Que pistas são essas? Bem, já sabemos que o texto não
afirma que Pinóquio estava ansioso, mas podemos notar que ele descreve tal comportamento
quando diz que o boneco contou “os minutos um a um” e que “caminhava apressado, o coração
batia forte [...]”. Esses são os elementos a partir dos quais podemos então inferir a ansiedade de
Pinóquio.

A inferência é um procedimento importante que nos permite ler e compreender para além daquilo
que foi escrito. É ela que nos dá condições, por exemplo, de compreender a ironia ou a situação cômica
presentes em alguns textos, como a piada. Vejamos a anedota a seguir:

Joãozinho quebrou o braço e teve que usar uma tipoia. Preocupado, pergunta
ao médico:

— Doutor, o senhor acha que, depois que eu tirar o gesso, vou conseguir
tocar piano?

— Claro, meu filho.

— Que bom! Antes eu não conseguia de jeito nenhum.

Será preciso ler muito mais do que está escrito para compreender a piada. Por exemplo, a pergunta
que Joãozinho faz pode revelar ao mesmo tempo certa ingenuidade (desejo de tocar piano) e uma boa
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

dose de malícia (se não tocava piano antes, como é que consiguirá tocar após a recuperação do braço?).
De acordo com o texto, nada disso é compreendido pelo médico que, ao ser indagado por Joãozinho,
entende que o menino tocava piano antes de surgir o problema no braço, o que o leva a afirmar que
certamente “continuará” a tocar o instrumento. Só podemos achar alguma graça numa piada (e o
fato de entendermos a ironia e a comicidade nela presentes não garante que, em nossa avaliação, ela
seja considerada divertida) se compreendemos os principais aspectos que geralmente não são ditos, ou
escritos.

Mais uma vez, aqui, cabe recuperar a questão das experiências individuais, ou seja, os
conhecimentos prévios, a bagagem que cada um traz consigo. Precisamos saber que interagimos
com cada leitura que realizamos. Isto quer dizer que o que estamos lendo articula‑se diretamente
com aquilo que sabemos sobre o assunto em questão, sobre o autor, com as nossas crenças,
expectativas, ideais, enfim, com todo o universo de valores e saberes que vamos construindo a
partir da cultura da qual somos parte e que nos constitui como pessoas, nas interações de cada dia.
Tal constituição é única e individual, motivo pelo qual não podemos esperar que a compreensão
de um texto seja exatamente a mesma para todos aqueles que o lêem. Nesse sentido, mais uma
vez, enfatizamos a importância da mediação exercida pelo professor, especialmente daquele que
atua nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no processo de formação dos alunos. O debate é
imprescindível, a discussão é valiosa, a troca de experiências é possibilidade ampliada de aprender.
E isso tudo precisa ser garantido pelo professor.

Não podemos mais aceitar um ensino que não tenha clareza de seus objetivos e, por conseguinte,
um professor que não sabe o que precisa assegurar para que os seus alunos aprendam. Faz‑se necessário
que haja, em todos os níveis de ensino, um planejamento reflexivo que considere a capacidade de
aprender do aluno, uma prática pedagógica que privilegie a sua participação, uma avaliação que se
esforce por compreender como pensam os alunos acerca do que foi tratado durante as aulas. Essa
avaliação também precisa permitir a retomada do que não ficou muito claro, ao mesmo tempo em
que possa promover o avanço das aprendizagens. Tudo isso, sempre tendo em vista o cuidado em não
estabelecer uma divisão entre os saberes construídos na escola e sua possível utilização nas práticas
sociais. Se essa divisão ocorre, ficamos à mercê dos conteúdos didaticamente “fabricados” para uma
abordagem escolar, o que obscurece a aprendizagem do aluno, visto que não consegue compreender o
sentido daquilo que está aprendendo.

Contudo, quando falamos em inferência, precisamos considerar que nem sempre ela é confirmada
durante ou após a leitura de um texto. Há casos em que os elementos que nos levaram a crer num
certo desfecho para um determinado texto apresentam interpretações muito diferentes daquelas que
imaginamos durante a leitura. Muitos autores utilizam‑se desse recurso (intencionalmente) para que a
sua história ou enredo tenha um efeito surpreendente ao final da trama. E a habilidade que estes têm
em encaminhar e articular todos esses fatores é que lhes confere o conceito de bons escritores.

Como é possível notar, a inferência nos envolve com o texto, porém, faz mais do que isso. Em
alguns casos, ela permite que cheguemos a informações importantes, por exemplo, num texto que
não esteja bem escrito. Para tratar de uma situação cotidiana, algo bem simples, vamos imaginar
a seguinte situação: estamos preparando um bolo, a partir de uma receita que nos foi dada por
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um amigo que ainda não a testou. Ao final, depois da receita pedir que despejemos a massa numa
assadeira de alumínio untada, pede‑se que esta seja colocada no forno. Ora, sabemos que hoje temos,
na maioria das regiões, basicamente o forno convencional e o forno de micro‑ondas, (há também o
forno a lenha, muito utilizado em algumas dessas regiões). Apesar de não estar explícito na receita
que o forno a que se refere é o convencional, o fato de ela ter nos orientado a colocar a massa numa
assadeira de alumínio nos leva a inferir que só poderia se tratar do forno convencional, pois sabe‑se
que o alumínio não é utilizado no forno de micro‑ondas.

Devido à sua importância no desenvolvimento da competência leitora, o professor precisa


criar situações didáticas em que seja possível discutir sobre as inferências que fazemos quando
lemos um texto. Para tanto, é preciso selecionar, adequada e antecipadamente, um bom texto
sobre o qual se possam fazer perguntas relevantes, cujas respostas serão dadas pelos alunos após
análise e discussão. Aliás, as boas perguntas devem sempre estar presentes no cotidiano escolar; o
professor deve fazer uso delas sempre que possível, já que estas mobilizam os saberes dos alunos
e possibilitam que, na busca de sentido e argumentação que possa dar conta de respondê‑las,
avancem em suas aprendizagens.

7.3 Verificação

Apesar de constar no último item que trata do assunto, a verificação não é a última nem a menos
importante estratégia de leitura. Considerando‑se que todas têm sua importância no processo de leitura,
dizemos que essa é uma delas, que estamos tratando nesta unidade.

A verificação é uma estratégia que nos permite voltar às informações que fomos reunindo ao longo
da leitura que realizamos, com o propósito de, como o próprio nome sugere, verificar se o que inferimos,
se o que antecipamos, se o que imaginamos pode ser considerado válido para aquele texto. Como não
realizamos uma leitura de modo passivo (a menos que não estejamos compreendendo nada a respeito do
que está sendo lido e, nesse caso, nossa leitura se situa apenas no nível da decodificação), durante esse
processo, vamos levantando hipóteses, antecipando situações, fazendo inferências, gerando expectativas
sobre o desfecho de determinadas situações etc. Todos esses procedimentos, além de outros não citados
aqui, são mobilizados na leitura de um bom texto.

Entretanto, nem sempre nossas hipóteses se confirmam ou, ainda, apenas algumas podem ser
validadas e outras não. Mas só sabemos disso se temos a oportunidade de verificá‑las em algum
momento, ou seja, se podemos comparar o que pensamos inicialmente com o desfecho apresentado
pelo autor do texto. Vamos compreender o funcionamento da estratégia de verificação, considerando
um exemplo prático. Ítalo Calvino, em sua obra intitulada O visconde partido ao meio, escrita em 1951,
conta‑nos que, durante uma batalha, Medardo di Terralba foi partido ao meio por uma bala de canhão.
O acidente dividiu‑o em dois, sendo que numa metade ficou concentrada sua porção boa e, na outra,
sua parte má, como pode ser percebido no trecho da obra, que apresentamos a seguir:

Mas começavam a chegar notícias de várias fontes sobre uma natureza


dupla de Medardo. Crianças perdidas no bosque, cheias de medo, eram
abordadas pelo homem de muleta, que as conduzia para casa pela mão e
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

lhes oferecia figos e bolinhos fritos; viúvas pobres eram ajudadas por ele
a carregar lenha; cães picados por cobras eram encontrados pelos pobres
nos parapeitos e nos portais, árvores frutíferas arrancadas pelo vento eram
replantadas e fixadas em seus canteiros antes que os proprietários pusessem
o nariz fora da porta.

Porém, ao mesmo tempo, as aparições do visconde meio enrolado no manto


negro assinalavam acontecimentos terríveis: crianças sequestradas eram
encontradas prisioneiras em grutas obstruídas por pedras; avalanches de
troncos e rochas rolavam em cima das velhotas; abóboras maduras eram
despedaçadas por pura maldade.

Fazia tempo que a besta do visconde só golpeava as andorinhas; e não para


matá‑las, mas para feri‑las e aleijá‑las. Contudo, agora podiam ser vistas no
céu andorinhas com as patas enfaixadas e amarradas com gravetos de apoio
ou com as asas coladas e com curativos; havia um bando de andorinhas assim
ataviadas que voavam com prudência todas juntas, feito convalescentes de
um hospital de passarinhos e, inverossimilmente, dizia‑se que o próprio
Medardo era o médico (CALVINO, 1997, p.82).

Agora que conhecemos um pouco sobre essa obra de Calvino, podemos levantar algumas hipóteses
a respeito do seu desenvolvimento, imaginar como será o seu desfecho. A leitura apenas do trecho
aqui apresentado, em certa medida, pode nos levar a torcer pelo fim da parte má do visconde. Como
seria bom se pudéssemos nos deliciar com a leitura sobre a bondade sem medida da metade boa de
Medardo, em meio a tantas maldades que ouvimos nos noticiários diariamente, não é mesmo? Quem
sabe, até as ações bondosas do visconde pudessem servir de inspiração para os seus leitores e, nesse
caso, poderíamos pensar num mundo melhor etc. Porém, para saber se nossas hipóteses se concretizam,
é preciso continuar a leitura. Vejamos o que acontece na convivência com a metade inteiramente boa
do visconde:

E andava sempre entre eles pregando moral, metendo o nariz nos negócios
deles, escandalizando‑se e fazendo sermões. Os leprosos não o suportavam.
Os tempos beatos e licenciosos de Prado do Cogumelo tinham acabado.
Com aquela exígua figura rígida numa perna só, vestida de negro,
cerimoniosa e distribuindo regras, ninguém podia fazer o que lhe apetecia
sem ser recriminado em praça pública, suscitando malignidade de despeito.
Até a música, à força de ouvi‑la ser recriminada como fútil, lasciva e não
inspirada em bons sentimentos, acabou provocando aversão, e os estranhos
instrumentos deles se cobriram de pó. As mulheres leprosas, sem o desafogo
das farras, viram‑se de repente sozinhas diante da doença, e passavam as
noites chorando e se desesperando.

— Das duas metades a boa é pior que a mesquinha ─ começavam a comentar


em Prado do Cogumelo (CALVINO, 1997, p. 101).
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Unidade III

Não é a toa que Calvino é considerado um autor de talento peculiar, reconhecido mundialmente. Se
nossas predições iniciais tendiam à ideia de que a parte má deveria ser extinta, na leitura desse outro
trecho, comprovamos que aquilo que achávamos que poderia ou deveria acontecer precisa ser revisto,
reelaborado. A verificação, nesse caso, não confirma nossas ideias iniciais acerca de um possível desfecho
para o visconde. Entretanto, para que possamos, de fato, conhecer o final dessa trama, é preciso realizar
a leitura integral da obra.

Saiba mais

CALVINO, I. Os nossos antepassados. São Paulo: Companhia das Letras,


1997.

O livro de Ítalo Calvino, Os nossos antepassados, é composto por


uma trilogia de agradável leitura. A história do Visconde partido ao
meio é apenas uma delas. As outras duas são: O barão nas árvores e O
cavaleiro inexistente. O que há em comum nas três obras é o fato de que,
partindo de situações irreais (como um visconde que se parte ao meio,
permanecendo exatamente dividido em metade má e metade boa), são
criadas alegorias que tratam da condição humana. A obra pode ser lida
com o simples propósito de entretenimento, mas também pode ter seus
elementos centrais analisados numa perspectiva psicológica, filosófica ou
sociológica.

Eis uma boa indicação para leitura!

Ainda que não tenhamos feito uma referência direta ao fato de que usamos todas essas estratégias
enquanto lemos, sem que haja uma hierarquização (primeiro utilizamos essa, depois aquela) ou uma
divisão bem demarcada entre elas, podemos inferir que uma está ligada à outra e a sua utilização pelo
leitor é evocada na medida em que necessita, durante a leitura que realiza. Com isso, uma coisa é certa:
precisamos explorá‑las em sala de aula, junto aos alunos, para que possam aprender a fazer uso de
cada uma delas de forma autônoma, de acordo com a sua necessidade. Para tanto, podemos abusar
das situações de leitura junto aos alunos: roda de leitura, leitura individual, indicação literária, leitura
coletiva, leitura feita pelo professor, leitura compartilhada, leitura de diferentes gêneros etc.

8 DA FALA À ESCRITA: UM CAMINHO PERCORRIDO EM PARCERIA

Apesar dos vários equívocos já citados no processo de apropriação de uma concepção de ensino
que tivesse uma orientação mais próxima de uma formação por competências, que trouxesse
contribuições nas práticas sociais, podemos afirmar que já obtivemos avanços significativos no processo
de alfabetização. Há, ainda, muito que aprender, muito a caminhar. Mas também, já colhemos bons
resultados que demonstram que estamos trilhando um caminho melhor.

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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Em nossa prática educativa, porém, sempre que alcançamos respostas para alguns questionamentos,
quando conseguimos compreendê‑los e atribuir‑lhes sentido no nosso fazer pedagógico, outras questões
surgem, incitando‑nos a avançar em nossas aprendizagens docentes (que são infindas). Referimo‑nos à
grande questão que atualmente assombra professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental: depois
que o aluno compreende que o nosso sistema de escrita é alfabético, ou seja, o que fazer depois que ele
começa a escrever alfabeticamente? Como, a partir de então, é possível contribuir para que ele continue
avançando em suas aprendizagens? O que precisa ser ensinado?

Poderíamos elencar inúmeros questionamentos, muito pertinentes por sinal, sobre o que fazer com
o aluno que escreve alfabeticamente. E queremos deixar bem claro que não temos respostas prontas a
eles. O que pretendemos é apresentar alguns encaminhamentos possíveis, a partir dos quais o professor
pode orientar a sua prática pedagógica, construindo, ele mesmo, uma forma possível de propiciar o
desenvolvimento da competência escritora desses alunos. Nosso propósito é também mostrar algumas
premissas que, ao nosso entender, devem estar presentes na atuação do professor dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, se queremos o desenvolvimento da competência escritora dos alunos.

Para começar a pensar sobre os questionamentos apresentados inicialmente, tomamos por base o
que nos dizem os PCN de língua portuguesa:

A conquista da escrita alfabética não garante ao aluno a possibilidade de


compreender e produzir textos em linguagem escrita. Essa aprendizagem
exige um trabalho pedagógico sistemático (BRASIL, 1997, p.23).

Para tratar desse trabalho pedagógico sistemático, referido na citação dos PCN, muito do que já foi
apresentado nesta disciplina, sobre o processo de desenvolvimento da competência leitora, nos será
válido também na discussão sobre o desenvolvimento da competência escritora. Assim, no decorrer
dessa reflexão, quando for pertinente, retomaremos (mais brevemente) aspectos já apresentados. Não
podemos deixar de enfatizar que tal procedimento não poderia ser diferente, visto que não acreditamos
numa concepção de ensino para o desenvolvimento da competência leitora e outro para a competência
escritora. Estamos transitando numa mesma perspectiva de ensino que, é necessário destacar, entendemos
que seja válida para qualquer área do conhecimento. Nesta disciplina estamos tratando especificamente
da leitura e da escrita, mas os princípios são válidos para quaisquer outros estudos ou áreas, afinal de
contas, estamos falando de aprendizagem.

Espera‑se que nos anos iniciais do Ensino Fundamental, até, no máximo, o 3º ano, a criança já
esteja escrevendo alfabeticamente. Vale dizer que, de um modo geral, as crianças apresentam um
potencial considerável para a aprendizagem, o que deve ser explorado pela escola, considerando‑se
as especificidades e características que são próprias da sua idade. Sendo assim, apesar de sabermos
que temos até o final do 3º ano para ensinar a criança a escrever alfabeticamente, se as atividades
desenvolvidas nos anos anteriores privilegiarem a reflexão sobre o sistema de escrita, naturalmente, esse
aprendizado ocorre antes do esperado. Acerca desse assunto, há também muitas opiniões de educadores
que são divergentes, ou seja, uma parte deles considera que não devemos “antecipar” o processo de
alfabetização; outros, no entanto, acreditam que não há nenhum malefício quando as crianças aprendem
a ler e escrever precocemente.
61
Unidade III

Sem querer transpor, para esse espaço o debate em questão, o que achamos conveniente salientar é
o fato de que não se deve “forçar” a aprendizagem da criança. Entretanto, não há como ignorar o fato
de que as crianças, justamente na idade em que ingressam no Ensino Fundamental, estão numa fase
muito rica do ponto de vista das aprendizagens. Sendo assim, utilizar esse potencial a favor do processo
de alfabetização é, geralmente, muito interessante. Mais uma vez, ressaltamos que não se trata de
obrigá‑la a codificar e decodificar a escrita, mas sim de lhe propor reflexões e desafios possíveis para a
sua idade e conhecimento que possui. Essa é, sem dúvida, uma prática que favorece o processo natural
de aprendizagem.

Voltando ao foco da nossa discussão, consideramos que, uma vez compreendida a lógica do sistema
de escrita alfabético, ao aluno poderão ser apresentados outros desafios que lhe permitam refinar,
progressivamente, o seu conhecimento sobre a escrita e, consequentemente, sobre a leitura. Entre tais
conhecimentos, é possível destacar a escrita com letra cursiva e a reflexão sobre questões ortográficas e
gramaticais. Propomos, nesta unidade, uma discussão acerca desses dois aspectos.

Entre as tantas dúvidas e incertezas que rondam o professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
temos aquela que se refere a qual seria o momento mais apropriado para o ensino da letra cursiva ao
aluno. Muitas vezes, os pais compreendem que, quanto mais cedo o filho puder dominar essa prática,
melhor será a sua aprendizagem. Com esse princípio em mente, pressionam professores, coordenadores
e diretores, para que a ensinem o quanto antes aos seus filhos. As comparações são inevitáveis nessa
fase. É comum ouvirmos comentários, como “Meu filho já está escrevendo com ‘letra de mão’” ou
“Aquela professora é muito boa, meu filho já está aprendendo a escrever com letra cursiva”. Sem muitos
argumentos para apresentarem aos pais, os professores cedem à pressão e, cada vez mais cedo, ensinam
a escrita cursiva aos alunos. Entretanto, o que precisamos compreender é a utilidade desse recurso ou
habilidade, bem como sua pertinência nesse processo inicial de aprendizagem.

Uma criança que ainda não compreendeu o funcionamento do nosso sistema de escrita, quer dizer, o
aluno que ainda não escreve alfabeticamente, terá muito mais dificuldade em avançar na direção dessa
compreensão se não puder realizar análises das letras no contexto da palavra, da frase ou de qualquer
que seja o portador em questão. O início e o fim de uma letra, quando a conhecemos e dominamos
a escrita alfabética, parece‑nos bem evidente. Entretanto, quando estamos no início do processo de
desenvolvimento da leitura e escrita, quando sequer conseguimos entender que há uma relação direta
entre a fala e a escrita, que esta é representação daquela, escrever com letra bastão nos ajuda a pensar
sobre a escrita que nos é apresentada, além de possibilitar que outras relações sejam estabelecidas, uma
vez que, no cotidiano de cada um, nos são expostas, na maioria das vezes, escritas que se assemelham à
escrita bastão (como nos letreiros, placas, jornais, revistas, gibis etc.).

Antecipar esse processo, isto é, ensinar a escrita cursiva antes que a criança compreenda o
funcionamento do código alfabético, além de não contribuir para o avanço nas suas aprendizagens,
pode confundir o aluno que deixa de ter uma referência precisa (a letra), para ter que lidar com uma
escrita que não lhe fornece elementos necessários para identificar onde começa e onde termina
cada letra. Essa confusão, causada pela inserção da escrita cursiva no momento inadequado, pode
levar o aluno a se sentir incapaz de compreender o processo de escrita e causar certo desinteresse
sobre tal aprendizagem. Consideramos, assim, que ensinar a escrita cursiva antes que a criança tenha
62
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

compreendido o funcionamento alfabético do sistema torna‑se um desafio inadequado, tendo em vista


o fato de que tal feito se encontra muito além daquilo que a criança pode resolver, seja sozinha ou com
a ajuda de seus pares. É uma atividade que, normalmente, se situa além da Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP), conforme sugere Vygotsky, estudado na unidade II desta disciplina.

Contudo, uma vez que o professor nota que o aluno já apresenta uma escrita alfabética (o que não
significa que não cometa mais erros ortográficos), pode‑se iniciar o ensino da escrita cursiva, visto que
o aluno já terá elementos suficientes para compreendê‑la, o que minimizará as possibilidades de que
essa seja uma aprendizagem “dolorosa”. Novamente nesse ponto, é possível que alguns pais, notando
a dificuldade ou a recusa do seu filho em relação à escrita cursiva, voltem a questionar professores,
coordenadores e diretores, esperando que eles justifiquem a necessidade desse tipo de escrita, já que
a nossa sociedade, impregnada de tecnologia de comunicação, utiliza essencialmente a escrita bastão
ou algum tipo próximo a ela. Caso isso ocorra, é preciso explicar aos pais a finalidade da escrita cursiva.
Sabemos por que a utilizamos ou por que a temos que ensinar?

Quando escrevemos com a letra bastão, retiramos o lápis do papel a cada vez que vamos traçar
uma letra ou uma parte dela e isso demanda tempo. Por mais ágeis que possamos ser na escrita bastão,
sabemos que gastaríamos menos tempo se não fosse necessário colocar e retirar tantas vezes o lápis. É
aí que entra a escrita cursiva. Nela, ganhamos fluência e agilidade, pois esse tempo, entre a retirada e
retorno do lápis ao papel, é suprimido com a escrita cursiva.

“Ah, mas existem tantos adultos que escrevem com letra bastão e nunca apresentaram problema”,
podem argumentar alguns pais. E eles têm razão. No nosso meio social, sempre encontramos alguém
que, num dado momento, optou pela escrita bastão e não teve problemas em relação a ela. Contudo,
não podemos privar o nosso aluno desse conhecimento que tanto favorece a fluência da escrita. Pode
ser que, mais tarde, por opção, ele retorne à escrita bastão. Entretanto, até para que possamos fazer
nossas escolhas pessoais, é preciso que tenhamos conhecimento dos dois processos. Só pode fazer
escolhas aquele que tem opções. Se a escrita bastão for a única apresentada ao aluno, como poderá
avaliar qual será o melhor modo para ele? Ademais, trata‑se também de verificar, no convívio social,
qual foi a opção da maioria das pessoas. Mesmo sem analisar pesquisas, estudos ou dados estatísticos,
é possível verificar que a maioria das pessoas permanece com a sua escrita cursiva. Será que essa não é
uma constatação significativa?

Ao se compreender a necessidade de ensinar aos alunos a escrita cursiva e que o melhor momento
para fazê‑lo é quando a criança compreendeu o funcionamento alfabético do nosso sistema de escrita, é
preciso deixar os preconceitos de lado e recorrer ao velho e eficiente caderno de caligrafia, abandonado,
nos últimos tempos, em virtude daquelas já citadas compreensões equivocadas sobre a concepção de
ensino. O desenvolvimento da escrita é um daqueles conteúdos que só aprendemos praticando, ou seja,
é procedimental, conforme nos é apresentado por Zabala (1998):

Um conteúdo procedimental – que inclui, entre outras coisas, as regras,


as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os
procedimentos – é um conjunto de ações ordenadas e com um fim, quer
dizer, dirigidas para a realização de um objetivo (ZABALA, 1998, p. 43).
63
Unidade III

A grande crítica dirigida ao uso do caderno de caligrafia referia‑se à sua utilização inadequada,
antes do aluno compreender o funcionamento da escrita. A maioria dos educadores o aboliu por não
entender seu uso e por ficar sem referência sobre o que fazer em determinados momentos do processo
de desenvolvimento da escrita do aluno, fato que culminou com a autorização de uma escrita quase
que espontânea por parte dos aprendizes, sem o traçado adequado e, consequentemente, incorreta. Não
podemos negar ao aluno o direito que ele tem de desenvolver o traçado correto das letras e usufruir
dos seus benefícios no cotidiano social. Para tanto, devemos nos preocupar com esse ensino utilizando
o caderno de caligrafia, o que facilita essa aprendizagem na fase inicial.

A outra questão que precisamos explorar é o ensino das convenções ortográficas e gramaticais,
a partir de um processo de discussão e reflexão, que deve ocorrer especialmente quando o aluno já
escreve alfabeticamente. Apesar de passarmos do enfoque da leitura para o enfoque da escrita, vamos,
mais uma vez, ressaltar que não mudamos nossa concepção de ensino. Em virtude disso, muito do que
já foi discutido anteriormente sobre o processo de formação do leitor competente nos servirá de suporte
para essa discussão sobre o processo de formação do escritor competente.

Se pensarmos nas hipóteses iniciais de escrita, quando o aluno ainda não compreendeu nem que esta
representa a fala, nem a lógica em torno da qual é organizada, não é difícil perceber que não trará nenhuma
contribuição ao seu desenvolvimento a informação de que a palavra casa, por exemplo, é escrita com S e
não com Z. Nessa fase, o que o professor diz, o aluno acata, já que não dispõe de conhecimento suficiente
acerca do assunto para discuti‑lo com o professor. Essa informação só será significativa quando o aluno
já estiver escrevendo alfabeticamente. E é por esse motivo que o ensino das convenções ortográficas e
gramaticais deve acontecer somente a partir da conquista da escrita alfabética.

Lembrete

É preciso lembrar que a escrita alfabética não corresponde à grafia correta


das palavras, mas a uma escrita cuja estrutura demonstra compreensão da
lógica alfabética utilizada no sistema.

Resgatando o que dissemos anteriormente sobre a importância de apresentar bons modelos para que
sirvam de boas referências aos alunos, é necessário que saibamos que as primeiras produções precisam
ser realizadas juntamente com o professor que, por sua vez, será o parâmetro para a criança realizar
a sua produção. Sendo assim, as primeiras propostas de produção de texto devem ser realizadas em
conjunto, sendo o professor o “escriba” dos alunos nesse momento.

Observação

A palavra escriba remonta à Antiguidade e refere‑se àqueles que


possuíam o domínio da escrita e a utilizavam a mando dos governantes
para comunicarem‑se com o povo. Também atuavam como copistas,
arquivistas etc.
64
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Na medida em que, juntamente com os alunos, o professor vai revelando como se dá forma ao
texto, também propõe reflexões sobre as linguagens oral e escrita, pois, quando as crianças começam a
produzir textos, normalmente trazem marcas da oralidade, como aí, então, né, daí etc. Além disso, ainda
não se preocupam com a utilização dos pronomes em substituição aos nomes. Todas essas orientações
serão introduzidas pelo professor, na forma de problematização, no momento da produção coletiva. Ele
deve aproveitar esse instante e suscitar reflexão e análise sobre o que está sendo proposto, sempre que
surgir a possibilidade de discutir aspectos que se relacionam com marcas da oralidade, com ortografia,
com a concordância etc., que são comuns nos textos dos escritores em processo de formação inicial.

Será, também, esse o momento adequado para que o professor faça com que o aluno perceba a
necessidade de uma descrição mais detalhada do assunto tratado na produção escrita, para que o
leitor, que muitas vezes não sabemos quem é, possa compreendê‑lo. De um modo geral, as crianças
costumam narrar situações com expressões como “...quando ela foi lá...” (quem é ela? onde é “lá”?) ou
“...de repente ele chegou...” (ele quem? chegou de onde?) e, pela falta de habilidade para se colocar
no lugar do leitor, não percebem a ausência de elementos fundamentais para a compreensão do
texto. Nesse caso, a produção coletiva é também uma oportunidade em que essa compreensão pode
ser explorada pelo professor, uma vez que encontrará, nessa atividade, a expressão de muitos desses
aspectos aqui discutidos.

Nessas vivências, o aluno aprende a refinar a sua elaboração escrita, abandonando gradativamente
os vícios de linguagem para adotar uma perspectiva de escrita mais formal, tal como costuma encontrar
nos textos lidos diariamente pelo professor (eis aí, mais uma vez, a confirmação de sua importância)
que, em diferentes momentos, podem servir de modelo, de referência a ser seguida na sua produção
escrita.

8.1 A necessidade de refletir sobre o sistema de escrita

As convenções ortográficas e gramaticais sempre nos foram impostas sem que tivéssemos a
oportunidade de compreender, um pouco que fosse, sobre o seu funcionamento. Não é difícil encontrar,
entre nós, adultos que afirmam não gostar de língua portuguesa justamente por causa dessa prática,
considerada “arbitrária” no discurso de muitos deles. Conseguimos compreender essa alegação, tendo
em vista o fato de que, quando desconhecemos as premissas que regem a sua utilização, ficamos “dando
tiros no escuro”, sem referências que possam dirigir nossa produção.

Por esse motivo é que a concepção de ensino atual prevê que haja reflexão, discussão e análise das
regras e convenções que regem o nosso sistema de escrita. É como nos afirma Andaló (2000):

Estamos certos de que, para aprender a ler e a escrever, isto é, para que
uma criança incorpore sua língua materna enquanto leitor e escritor
competente, será preciso memorizar letras, sílabas, palavras e até normas
gramaticais. Porém, mais do que isso, será preciso que o indivíduo
reconstrua a língua para si mesmo, estando exposto e interagindo com
ela, motivado pelas vivências e leituras que o meio lhe oferecer (ANDALÓ,
2000, p.47).
65
Unidade III

Fica evidente, com essa afirmação, que não negamos a necessidade de trabalhar com a memorização
em diferentes situações. Entretanto, precisamos de discernimento para compreender em que momento
ela deve acontecer. Já vimos, quando discutimos os aspectos relacionados ao desenvolvimento da
competência leitora, que a decodificação é parte do processo da formação do leitor, entretanto, acreditar
que essa etapa satisfaz as exigências de uma leitura competente é um equívoco que precisa ser desfeito
com urgência.

O mesmo ocorre em relação ao processo de aquisição da escrita. Decorar regras, sem


compreendê‑las, sem analisá‑las no seu contexto, sem discutir suas regularidades e exceções,
não garante que o aluno saberá utilizá‑las no momento de sua produção. Justifica‑se, aqui, a
necessidade de propor discussões para que tal compreensão possa, sempre que possível, emergir
desses debates que ocorrem na sala de aula. Serão essas as oportunidades em que o professor
poderá sistematizar nossas convenções ortográficas e gramaticais, extraindo do aluno aquilo que
se observa sobre suas regularidades.

Precisamos de um exemplo que nos permita compreender melhor essa prática, não é mesmo? Então,
vamos a ele. Digamos que queremos desenvolver, com nossos alunos de 5º ano, um trabalho para que
compreendam a regularidade contida nas palavras terminadas em -isse e -ice. O que podemos fazer?

Em primeiro lugar, é preciso situar essas palavras num portador de texto social. Não devemos
apresentar aos alunos uma lista de palavras terminadas em -isse e -ice, pois, desse modo, os estaremos
privando de conhecer em quais situações poderão fazer uso de tais palavras ou, ainda, de reconhecer a
importância de aprender tal regularidade na escrita das palavras, que se fazem presentes nos textos que
geralmente são apresentados pelo professor, os quais a classe aprecia.

Uma vez escolhido um bom texto, de acordo com o perfil dos alunos e com o objetivo da atividade
(deve‑se garantir que o texto possua um número suficiente de palavras terminadas em -isse e -ice), o
professor deve realizar todo o trabalho de leitura: antecipação a partir da análise do título e da gravura
(se houver) e explicação breve sobre o autor e outras obras que ele escreveu, a fim de que os alunos
possam apreciar a obra que será lida. Após a leitura, é preciso reservar um momento para que eles
expressem suas impressões, suas opiniões pessoais sobre o texto. O trabalho com a ortografia pode ter
início numa outra aula em que o texto seja retomado brevemente.

Para o início do trabalho com a ortografia, é sugerido que duas palavras sejam destacadas do
texto: uma terminada em -isse e a outra, em -ice, como tolice e partisse. A partir delas, os alunos,
preferencialmente em grupos (duplas, trios, etc.), devem buscar outras palavras no texto, com o desafio
de organizá‑las em dois grupos distintos. Depois disso, pede‑se que apresentem os seus agrupamentos,
bem como os critérios utilizados para suas escolhas. O desafio, agora, seria propor que observassem as
palavras que compuseram um e outro grupo. O professor tem um papel fundamental nesse momento
pois, por meio de propostas, reflexões e desafios, deve ajudar os alunos a perceberem a regularidade
presente nos grupos criados, ou seja: as palavras terminadas em -isse são verbos (conjugados no
pretérito, na segunda pessoa do singular) e as palavras terminadas em -ice são substantivos. É preciso
ressaltar que, sem a intervenção do professor, é pouco provável que os alunos cheguem a essa conclusão
sozinhos. O professor deve ser aquele que vai fornecer os elementos que fomentarão a discussão e
66
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

possibilitarão a compreensão da regularidade presente. Vale lembrar que, caso o aluno desconheça o
significado de alguma palavra, o professor deve esclarecê‑la, pois é importante que os alunos estejam
trabalhando com palavras conhecidas.

Esse exemplo pode nortear a prática pedagógica em diferentes situações em que ensinamos tanto as
regularidades presentes nas regras ortográficas, como aquelas que orientam as convenções gramaticais.
É preciso contextualizar, discutir, focalizar, analisar e concluir. Sem que haja esse movimento de discussão
junto aos alunos, será difícil contribuir para que eles realmente compreendam quando e como utilizar as
regras que orientam a nossa escrita.

O que colocamos em foco, agora, é o momento de realizar uma correção sobre algo escrito pelo
aluno ou de intervir na sua produção. Todo esse esforço em tornar a escrita e a leitura significativas
para o aluno deve ser cercado de cuidados, para que o nosso objetivo seja alcançado. Além disso, um dos
momentos mais difíceis, tanto do ponto de vista da aprendizagem do aluno como da intervenção a ser
realizada pelo professor, é a hora da correção/intervenção. Vamos pensar um pouco mais sobre isso.

É imprescindível que saibamos que os erros dos alunos nos revelam informações sobre o que eles
sabem e o que precisam saber, bem como sobre o que devemos ou podemos fazer para que eles ampliem
o seu conhecimento sobre o assunto tratado. Entretanto, nem sempre devemos julgar o momento em
que nos deparamos com o erro do aluno ou em que o vimos cometer um equívoco, como sendo o certo
para corrigi‑lo. Há fatores essenciais que precisam ser considerados nesse processo. Por exemplo, quando
estamos diante de uma criança cuja escrita revela uma hipótese silábica sobre o nosso sistema de escrita
e que, por esse motivo, utiliza as letras xvo para escrever chuveiro, precisamos compreender que, nesse
momento, indicar que a primeira sílaba dessa palavra é escrita com x e não com ch será irrelevante
para o aprendizado dessa criança, pois ela sequer compreendeu que escrevemos alfabeticamente as
palavras, e não silabicamente. A correção, nesse momento, não trará nenhuma contribuição para o seu
aprendizado. Há, portanto, um instante adequado de se fazer uma intervenção ou correção em relação
à escrita produzida pelo aluno, o que significa que o professor deve pensar, constantemente, o que de
fato pode ser feito para que a criança aprenda, para que compreenda para além do que já sabe, para que
avance em suas aprendizagens.

Assim como acreditamos ser de suma importância a sensibilidade do professor em relação ao aluno que
está em processo de compreensão do nosso sistema de escrita, tal disposição também deve ser levada em
conta quando colocamos o aluno frente a novos desafios; como pode ser o caso da produção de texto, em
que são colocados em jogo aspectos gramaticais e ortográficos. Isso significa dizer que essa sensibilidade
requerida do professor deve respeitar o momento de criação do aluno, como quando ele está produzindo
uma história, por exemplo, e está centrado na criação do enredo, na sua apresentação lógica, nos recursos
que deve utilizar para expressar o que deseja, enfim, na seleção dos aspectos que tornarão o seu texto não
só compreensível, mas interessante. Será produtiva, para a aprendizagem do aluno, uma correção realizada
pelo professor, no momento em que está tomando todas essas decisões em relação ao texto? Ainda que
seja possível identificar, nesse momento, erros que poderiam ser corrigidos, não seria mais proveitoso
considerar que há uma série de saberes que estão sendo mobilizados nesse momento e precisamos de um
olhar atento para compreender que, se corrigirmos tudo o que o aluno escreve, desconsiderando todo o
seu esforço de articulação dos conhecimentos exigidos na elaboração de um texto, podemos desmotivar a
67
Unidade III

produção desse aluno? Será por esse motivo que encontramos, nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
tantos alunos que gostam de copiar textos ao invés de produzi‑los? Note que, na cópia, temos a possibilidade
de não cometer nenhum erro, desde que façamos a atividade atentamente.

Por outro lado, sabemos de todos os problemas que são desencadeados pela falta de correção ou
intervenção adequada na produção de um texto, pois, caso a correção/intervenção não aconteça, o
aluno pode adotar um padrão impróprio como correto e passar a usá‑lo em diferentes situações. Diante
disso, como deve agir o professor?

Weisz (2003) nos aponta uma possibilidade interessante, ao afirmar que:

Se, naquele momento, o menino está escrevendo uma história, e articulando


o fluxo das ideias, interrompê‑lo para corrigir a ortografia não faz sentido,
a não ser que ele mesmo pergunte: “Cachorro é com “x” ou com “ch”?”, e
aí, é claro, o professor deve responder. Isso não significa que ele não vá
trabalhar com situações de reflexão sobre a ortografia, mas que vai priorizar,
naquele momento, o desenvolvimento da escrita do texto, criando uma
nova oportunidade, em outro momento, para intervir especificamente na
aprendizagem de ortografia. Este novo momento poderá ser apoiado naquele
texto em particular para aquela criança ou pode ser um trabalho coletivo, no
qual o professor tratará de questões ortográficas comuns a várias crianças
da classe (WEIZ, 2003, p. 86‑87).

Será que, remexendo nossas memórias escolares, poderíamos reviver a sensação que nos invadia
quando a professora nos devolvia as nossas redações (que, na minha época, eram chamadas de
composições), com inúmeras correções a serem feitas? A menos que nos fosse cobrada a reescrita
ortográfica e gramaticalmente correta daquela produção, tal como geralmente era assinalado em caneta
vermelha, quem de nós naturalmente estudava cada um dos erros cometidos, para não cometê‑los
novamente aos 7, 8, 9 ou 10 anos de idade? É possível que, entre nós, haja alguns casos em que essa
prática era adotada espontaneamente. A esses, meus parabéns!

Entretanto, acredito que esse não era o caso da maioria das pessoas, entre a qual me incluo. Receber
de volta, depois de tanto esforço, um texto com diversos erros a serem corrigidos era desanimador.
Invadia‑nos uma vontade de não escrever mais. Como solução para minimizar os efeitos desse problema,
muitos alunos passavam a escrever menos, uma vez que, com a produção de textos menores, mais
curtos, era provável que se errassem menos também. E, desse modo, os textos foram ficando pouco
criativos, limitados, sem um enredo interessante; mas, como queriam muitos, “mais corretos” do ponto
de vista da gramática e da ortografia. Daí para frente, não seria exagerado dizer que a escola produziu,
ao contrário do que sempre foi o seu desejo e propósito ao menos no discurso, uma série de pessoas
que não gostam de escrever e que, talvez por efeito colateral e por um jeito desinteressante de tratar a
leitura, também não gostam de ler.

Toda essa compreensão, que envolve os aspectos afetivos e cognitivos implicados no processo de
aprendizagem, nos revela a necessidade de uma mudança de postura. A solução também não será, como
68
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

se acreditou por algum tempo (e isso também faz parte daquelas compreensões equivocadas as quais já
nos referimos ao longo desta disciplina), não corrigir mais os textos produzidos pelos alunos. O desafio que
nos é apresentado tem como foco a intervenção no momento mais adequado, na medida certa, algo que é
bastante difícil de identificar e para o qual não temos um manual de procedimentos proposto. Entretanto,
uma prática por meio da qual temos conseguido obter bons resultados é a identificação de um trecho
representativo das necessidades do aluno, a partir da qual podemos propor uma reflexão e reescrita.

Entendamos como isso ocorre: quando recebemos a produção textual de um aluno, é comum
que alguns erros se repitam e, portanto, perpassem toda a sua produção. Outros, porém, ocorrem
ocasionalmente. Há, ainda, aqueles que, apesar de não aparecessem com muita frequência, comprometem
a estrutura do texto e, por esse motivo, precisam ser tratados de imediato. Assim, escolhemos um trecho
do texto produzido pelo aluno, que contemple todos esses equívocos, para que seja a a base da nossa
proposta de reflexão sobre o que foi escrito. Depois disso, podemos pedir para que o aluno reescreva
aquele trecho e, agora sim, ao reescrevê‑lo depois de discuti‑lo com o professor, poderá repensar sobre
um modo de melhorá‑lo. Dessa forma, como se trata de apenas um trecho, isso não tenderá a ser tão
desmotivador.

Essa prática tem apresentado um bom resultado, pois, na medida em que entendemos que
o aluno não é passivo no processo de aprendizagem e propomos reflexões sobre as atividades que
realizadas, percebemos que ele mesmo realiza generalizações sobre suas aprendizagens. Assim, não será
preciso corrigir uma grande quantidade de erros de mesma natureza, pois acreditamos que, uma vez
compreendida a grafia e o emprego das palavras em determinadas situações, será possível, ao aluno,
aplicá‑las de modo eficiente em outros contextos. E, ainda que erre novamente, será valioso permitir que
ele volte a atuar de modo autônomo e vá percebendo seu desempenho, ou seja: equívocos e progressos
alcançados.

8.2 Produção coletiva de textos

Quem de nós nunca se deparou com a necessidade de escrever um texto para alguém – seja numa
produção pessoal, escolar ou profissional – sem saber por onde nem como começá‑lo? Nessas situações,
costumamos recorrer a alguém, não é mesmo? Alguém que sabemos já ter executado essa tarefa ou
que julgamos ter conhecimento suficiente para nos orientar a respeito. Se esse é um procedimento que
adotamos sempre que não sabemos realizar uma atividade, seria diferente para o desenvolvimento da
competência escritora dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental? Acredito que você concorda
comigo que a resposta é não.

Para os pequenos escritores, precisamos organizar momentos em que eles possam acompanhar
uma produção feita por alguém que saiba mais do que eles. Nesse caso, a produção coletiva, realizada
pelo professor na discussão e negociação junto aos alunos, é uma prática que tem contribuído
significativamente com o desenvolvimento dos alunos quando o assunto em pauta é a produção de
textos.

Vamos pensar num exemplo prático para visualizar como seria uma situação pedagógica como essa.
Sem perder de vista a função social da escrita, quer dizer, o papel que ela desempenha no cotidiano dos
69
Unidade III

alunos, imagine que a professora propõe a redação de uma carta que será enviada à direção da escola,
com o propósito de informá‑la sobre os principais acontecimentos do passeio recentemente realizado
ao jardim zoológico da cidade.

Primeiro, é preciso explicar a proposta da atividade para os alunos, esclarecendo o assunto e o


objetivo da carta, bem como o seu destinatário. Depois disso, o professor pode realizar, junto aos
alunos, um levantamento dos pontos que não podem ser esquecidos e, na medida em que esses vão
sendo elencados pelos alunos, o professor os anota num canto da lousa para que sejam utilizados
posteriormente. Nesse momento, se houver algum aspecto importante a ser lembrado e os alunos não o
fizerem, o professor deve intervir, fornecendo pistas para que percebam o que está faltando. Se, mesmo
assim não se recordarem, deve o professor revelar a informação, a fim de incluí‑la na lista que comporá
a carta.

Uma vez findada essa etapa, deve‑se passar à redação da carta. Uma boa dica para esse momento
é utilizar um papel grande, como a cartolina ou o papel Kraft, que permitirá o resgate do texto em
outra oportunidade. Assim, os alunos vão ditando para o professor o que deve ser escrito. A cada frase
finalizada, o professor realiza a leitura em voz alta e pergunta aos alunos se concordam com o que está
escrito ou se acham que é melhor fazer alguma alteração. Esse é um momento de aprendizagem muito
rico, pois, de um modo geral, os alunos costumam demonstrar que sabem que uma coisa é a linguagem
oral e outra coisa é a linguagem escrita. Para o sucesso da atividade, é importante que o professor
tenha sensibilidade para captar o que está sendo dito pelos alunos, validando as informações por eles
apresentadas ou reformulando o que estiver inapropriado. Na medida em que a forma de escrever vai
sendo negociada, com a mediação do professor, surgem as discussões sobre ortografia e gramática.
É quando, por exemplo, ao ditar a palavra engraçado, o professor lança a pergunta para a classe:
“Engraçado é com ‘s’ ou ‘ç’?”. Ou, ainda, quando algum aluno lhe dita “A gente fomos ao zoológico” e o
professor solicita auxílio aos demais alunos para buscar uma forma mais adequada para escrevê‑la.

Após uma primeira redação, algo ainda provisório, o professor pode sugerir aos alunos a continuidade
da escrita numa outra aula. Esse procedimento tem a finalidade de possibilitar a eles um distanciamento
do texto para que, ao retornar a ele, seja possível resgatar o que já foi discutido sobre a produção e
ampliá‑la. Outro motivo que justifica a realização dessa produção em etapas é o fato de não torná‑la
tão cansativa para o aluno. Será também nessa dinâmica, que o aluno poderá perceber que um texto
sempre pode ser melhorado, por meio das modificações que julgamos mais adequadas nos diferentes
momentos em que o revisamos; além disso, poderá compreender a importância do registro dos textos
provisórios, que vão progressivamente sendo lapidados, até que cheguem a uma forma que nos deixe
satisfeitos. É, em suma, o papel do rascunho na produção textual.

Desse modo, o professor vai propondo reflexões sobre a escrita até então produzida, como chamar
a atenção dos alunos para as palavras que estão sendo muito repetidas (em geral, os pronomes e as
marcas da oralidade, como aí, então, daí etc.), sugerindo que pensem em modos de expressar a mesma
ideia sem que tais repetições sejam necessárias e realizando as alterações apontadas pelos alunos. Tais
procedimentos vão se repetindo até que o professor e a classe estejam satisfeitos com o resultado
obtido na produção. O próximo passo será, então, garantir que o material chegue ao seu destinatário,
no caso do nosso exemplo, o diretor.
70
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

A conclusão dessa sequência de procedimentos numa produção escrita fornece aos alunos os
elementos necessários para que possam realizar seu próprio texto. Utilizando como referência os
métodos adotados pelo professor na produção coletiva, os alunos poderão iniciar sua própria produção
escrita, pois contam com as referências utilizadas pelo professor durante o processo.

Contudo, sabemos que uma produção escrita não envolve somente os conhecimentos que possuímos
a respeito da nossa linguagem escrita. Como já dissemos em diferentes momentos desta disciplina, os
saberes que temos sobre um assunto fazem muita diferença quando estamos diante de uma proposta
de produção textual. Vamos imaginar que estamos participando de um concurso público para seleção
de professores e precisamos fazer uma redação a partir de um dos temas propostos na prova: economia
política ou educação para jovens e adultos. Mesmo que nunca tenhamos trabalhado com educação para
jovens e adultos, é provável que a maioria de nós escolha esse tema para dissertar. Isto porque o que
conhecemos sobre o funcionamento da linguagem escrita não nos é suficiente para redigir sobre um
assunto que não conhecemos muito bem.

É partindo dessa compreensão, que acreditamos ser preciso repertoriar o aluno antes de solicitar‑lhe a
escrita sobre um determinado assunto. Lembram‑se da famosa redação que nos era solicitada no retorno
das férias? Invariavelmente, o título era Minhas férias. Alguma vez nos foi lida alguma história interessante,
contada sobre as férias de crianças então da nossa idade? Tivemos a oportunidade de ouvir uma poesia,
uma crônica, ou outro gênero qualquer sobre esse tema? Por acaso, a professora fazia a redação sobre as
suas férias e nos apresentava como uma proposta possível de construção textual envolvendo o assunto?

Analisemos então esses fatores. Não nos basta conhecer o funcionamento e o emprego adequado
do sistema de escrita. Também não nos é suficiente conhecer o assunto tratado. Essas duas faces da
produção escrita precisam, necessariamente, caminhar juntas; não é possível dissociá‑las, separá‑las,
dividi‑las. Para produzir um bom texto, eu preciso de referências sobre o assunto, preciso que ele faça
sentido para mim, que me seja interessante; mas também preciso conhecer formas de organizar minhas
ideias na escrita, de usar recursos linguísticos para chamar a atenção sobre algo que quero destacar,
de manter algo em suspense etc. Como vemos, na produção escrita, são muitos os fatores envolvidos e
tratá‑los de maneira inadequada acaba por não contribuir para a formação de bons escritores.

Por esses e muitos outros motivos, insistimos na prática da leitura diária junto aos alunos, para que
eles possam encontrar referências para o momento de sua produção individual. A discussão dos assuntos
tratados na leitura de modo coletivo, permitindo a participação do aluno, solicitando a sua opinião,
convidando‑o a pensar como seria um final diferente para determinada história, ou modificando um
acontecimento ao imaginar que o enredo fosse diferente, contribui para a construção do repertório que
julgamos ser tão importante para a sua formação como escritor competente.

8.3 Revisão coletiva de textos

Depois de ter realizado algumas produções escritas de modo coletivo, o professor pode propor
produções em grupo, depois em duplas e, então, individualmente. Em qualquer uma dessas propostas, é
preciso que haja um acompanhamento efetivo das necessidades dos alunos na realização da atividade.
Assim, não faz sentido solicitar uma produção escrita para a qual não haverá devolutiva ao aluno.
71
Unidade III

No entanto, como realizar a devolutiva individual de tantas produções com tantas particularidades?
Na realidade das escolas que possuem de 25 a 40 alunos em sala de aula (como é o caso das escolas
públicas em várias regiões do país), um procedimento como esse se torna impraticável, não é mesmo?

Sabemos de todas essas limitações do sistema de ensino brasileiro e temos conhecimento também
que elas precisam ser superadas, para que possamos garantir a aprendizagem dos alunos. O que propomos
aqui não é uma novidade, trata‑se de uma prática que já se faz presente no cotidiano de muitos
professores e que tem se revelado muito eficiente. Estamos falando da revisão coletiva de textos.

Em que se baseia essa revisão coletiva e como funciona?

Uma vez realizada a produção pelos alunos (aquela que sugerimos ser em grupo, trio, dupla ou
individual), o professor a recolhe para a sua avaliação. Esse é o momento em que realiza seus registros
acerca daquilo que observa como uma constante nos textos; ou seja, sua análise sobre as produções
redigidas pelos alunos deve ser norteada pelas seguintes questões: quais são as dificuldades que mais
aparecem nos textos? Quais os recursos estudados que, de um modo geral, não têm sido utilizados por
eles? O que será preciso resgatar e em que é possível avançar?

Lembrete

Precisamos compreender a avaliação na perspectiva da análise: o que


o aluno já sabe, as dificuldades apresentadas e o que é necessário propor
para que avance em suas aprendizagens.

Será com base nessa análise que o professor deverá selecionar um trecho significativo para ser
revisado de modo coletivo junto aos alunos. Para isso, é necessário que o propósito dessa seleção esteja
bem claro para todos nós. Vamos, então, aos esclarecimentos.

Por que a revisão de apenas um trecho de um único texto? Em primeiro lugar, porque se, a cada
vez que os alunos produzirem um texto, nós, professores, solicitarmos que eles o refaçam por inteiro,
estaremos indiretamente fazendo com que eles reduzam a quantidade produzida para que, no caso
de terem que revisá‑la, não tenham muito trabalho. Desse modo, o aluno, que antes escrevia sem se
preocupar com a quantidade mínima de linhas e produzia um texto criativo (apesar dos erros gramaticais
e ortográficos), deixa de fazê‑lo para limitar‑se ao mínimo necessário, o que não queremos que aconteça
de modo algum. Em segundo lugar, porque, na maioria das vezes, as dificuldades apresentadas por um
aluno se repetem para outros e costumam aparecer em diferentes produções; sendo assim, trabalhar
coletivamente contribuirá para a aprendizagem de todos. Em terceiro lugar, porque essa é uma forma
de conseguirmos tempo suficiente para uma análise realmente aprofundada da produção escrita, sem
exceder o tempo de concentração e atenção dos alunos, o que tornaria a atividade muito cansativa e,
portanto, improdutiva.

Diante de tantas possibilidades, fica sob a responsabilidade do professor a tarefa de escolher um


trecho que seja, de fato, significativo para tal revisão. Essa seleção precisa levar em conta um trecho que
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

represente as dificuldades da sala, caso contrário, não será possível explorar as questões elencadas, no
momento da avaliação e análise dos textos.

Não se deve esquecer que, para que o trecho do texto seja apresentado para a classe com o propósito
de ser revisado, será necessário avisar antecipadamente o(s) seu(s) autor(es), uma vez que este(s) pode(m)
não se sentir confortável(is) nessa situação e isso deve ser respeitado. No entanto, quando a condução
da atividade é realizada pelo professor de modo que os alunos compreendam que muitos cometeram os
mesmos equívocos e que não há nenhum problema nisso, pois estamos num processo de aprendizagem
e aprendemos uns com os outros, a classe costuma aceitar bem a atividade e o professor não enfrentará
problemas quanto a essa exposição. Além disso, os alunos saberão que hoje é o texto do colega que está
sendo exposto, mas amanhã poderá ser os deles, pois todos os textos sempre podem ser melhorados
com a ajuda dos colegas.

Assim, selecionado o trecho a ser revisado com os alunos, deve‑se preparar a sua reprodução,
considerando‑se utilizar os recursos tecnológicos, como o retroprojetor e o projetor multimídia, ou a
reprodução manual, nesse caso, o professor deve ampliar o trecho numa junção de cartolinas ou papel
Kraft, com todos os erros cometidos, para que seja possível analisá‑los. O importante é garantir que
todos os alunos possam enxergar o excerto apresentado pelo professor, para que possam pensar em
soluções, considerando o contexto em que se insere.

Tal como na produção coletiva, no caso da revisão, o professor irá levantar as dificuldades apresentadas
e discutir quais seriam as melhores opções para melhorar o texto. As correções podem ser apontadas
no próprio material apresentado pelo professor ou escritas na lousa para que não sejam esquecidas
posteriormente. Divergências entre os alunos constituem‑se em momentos valiosos de aprendizagem
em que eles precisam fundamentar e expressar suas argumentações; entretanto, devem sempre contar
com a mediação do professor que, por meio de problematizações e reflexões, fará com que cheguem à
resposta mais adequada à situação.

Uma prática constante de revisão coletiva de textos fará com que os alunos se tornem
produtores reflexivos, exigentes e coerentes. Além disso, o próprio processo de discussão
coletiva fará com que desenvolvam o respeito pela opinião do colega, que compreendam
a necessidade de esperar a vez de falar, que aceitem sugestões, que percebam o erro como
constituinte do processo de aprendizagem e não como algo vexatório, enfim, que desenvolvam
comportamentos e atitudes indispensáveis para o convívio social. É o que queremos todos nós,
educadores!

Resumo

O professor deve ser um facilitador no processo de desenvolvimento das


competências leitora e escritora do aluno desde a Educação Infantil, porém
será nos anos iniciais do Ensino Fundamental que sua prática poderá ser
intensificada.

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Unidade III

Tanto a leitura como a escrita devem ser significativas para o aluno.


Assim sendo, precisam relacionar‑se com o seu uso cotidiano, desvendar
conhecimentos que estejam ligados a interesses próprios da faixa etária
em que se encontram os alunos, possibilitar a resolução de problemas de
ordem prática e oferecer possibilidades para que possam, autonomamente,
ir além do que lhes é proposto.

Nesse sentido, compreender e ensinar a utilizar algumas estratégias


de leitura, tal como fazem os leitores competentes, torna‑se uma prática
bastante eficiente para a aprendizagem dos alunos. Tais estratégias são:

• Previsão/antecipação: Análise dos elementos‑chave que compõem


o texto que será lido, tais como título, subtítulo, ilustrações, nome do
autor etc., com vistas a aproximar‑se do assunto que será tratado.
Vale lembrar que, no decorrer da leitura, essas informações podem
ou não ser confirmadas.

• Inferência: Capacidade de ler o que não está escrito, obter informações


contidas nas entrelinhas, articular informações apresentadas no texto
com outras que se referem aos conhecimentos de âmbito cultural,
levando o leitor a uma compreensão para além daquela descrita no
texto.

• Verificação: Análise de elementos que permitem o confronto entre


as previsões e até inferências realizadas no decorrer da leitura e a
apresentação dos fatos no texto, com vistas a possibilitar ao leitor a
compreensão adequada do tema desenvolvido.

No caso do desenvolvimento da competência escritora, sabemos que


esta deve sempre acontecer a partir da análise do nosso sistema de escrita
e, conforme o aluno avança em sua compreensão, o nível dos desafios que
lhe são propostos precisa ser elevado. Desse modo, assim que compreende
o funcionamento alfabético da escrita, há duas questões centrais que
precisam ser adequadamente trabalhadas: o ensino da escrita cursiva e a
reflexão sobre o sistema ortográfico e gramatical por meio da análise de
suas regularidades.

Para tanto, o trabalho coletivo é uma estratégia valiosa que possibilita o


debate, o confronto de ideias e a ampliação da percepção das regularidades
presentes no nosso sistema de escrita. A discussão que surge dessa interação
dos alunos revela ao professor aspectos que precisam ser corrigidos,
potencializados ou sistematizados. É, portanto, um momento muito
interessante para a sua intervenção.

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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Exercícios

Chegou a nossa hora de refletir e discutir sobre o que foi apresentado nesta unidade!

Questão 1 (Enem 2012, adaptada).

Logia e mitologia

Meu coração
de mil novecentos e setenta e dois
já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras
que há cabras malignas que há
cardumes de hienas infiltradas
um porco belicoso de radar
e que sangra e ri
e que sangra e ri
a vida anoitece provisória
centuriões sentinelas
do Oiapoque ao Chuí.
CACASO. Lero-lero. Rio de janeiro: 7 Letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

O título do poema explora a expressividade de termos que representam o conflito do momento


histórico vivido pelo poeta na década de 1970. Nesse contexto, é correto afirmar que:

A) O poeta utiliza uma série de metáforas zoológicas com significado impreciso.

B) “Morcegos”, “cabras” e “hienas” metaforizam as vítimas do regime militar vigente.

C) O “porco”, animal difícil de domesticar, representa os movimentos de resistência.

D) O poeta caracteriza o momento de opressão através de alegorias de forte poder de impacto.

E) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agentes que garantem a paz social experimentada.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: as metáforas zoológicas (com animais) não são imprecisas.

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Unidade III

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: os animais citados metaforizam não as vítimas, mas os algozes do regime militar.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: o porco não é um animal difícil de domesticar e no poema ele não simboliza a resistência,
mas um dos animais que são os algozes do regime militar.

D) Alternativa correta.

Justificativa: as alegorias são de forte impacto que simboliza a violência da época.

E – Alternativa incorreta.

Justificativa: os “centuriões” e “sentinelas” simbolizam justamente os militares, aqueles que


impunham a ordem pela força naquela época, ou seja, o contrário da paz.

Questão 2 (Enade 2008, adaptada).

Fonte: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro.

A tirinha de Ziraldo apresenta-nos uma situação corriqueira. De um modo geral, tem-se a concepção
de que as crianças aprenderão os conhecimentos em um único dia e de uma única forma. Essa concepção
perde o sentido quando se pensa, por exemplo, nos ciclos básicos de alfabetização, pois os mesmos
pressupõem que a alfabetização é:

A) Marcada por estágios.


B) Linearmente construída.
C) Construída em processo.
D) Elaborada sem interrupções.
E) Aprendida por etapas sucessivas.

Resolução desta questão na plataforma.


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FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

LAURA Bush reads I love you little one.PHP. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://free‑photos.biz/
photographs/architecture/libraries/14639_laura_bush_reads__i_love_you__little_one_.php>. Acesso
em: 5 jul. 2011.

Figura 2

CHILDREN in Istambul.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Children_in_Istanbul.jpg>. Acesso em: 5 jul. 2011.

Figura 3

STUDENT in Uttaradit.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Student_In_Uttaradit_1.JPG>. Acesso em: 5 jul. 2011.

Figura 4

STUDENT in Khung Taphao Subdistrict.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em:<http://www.free‑photos.


biz/photographs/people/children/358431_student_in_khung_taphao_subdistrict.php>. Acesso em: 5
jul. 2011.

Figura 5

RUBY Bridges Hall student question.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Ruby_Bridges_Hall_student_question.JPG>. Acesso em: 5 jul. 2011.

Figura 6

JORNAL da turma.JPG. 295 × 295 pixels, tamanho: 13 kB. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Jornal_da_Turma.jpg>. Acesso em: 5 jul. 2011.

REFERÊNCIAS

Audiovisuais

DEU a louca na Chapeuzinho. Dir. Cory Edward, Estados Unidos. 2007. 81 min.

Textuais

ANDALÓ, A. Didática de língua portuguesa para o Ensino Fundamental: alfabetização, letramento,


produção de texto. São Paulo: FTD, 2000.

ARANHA, M. L. de A. História da educação e da pedagogia. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.

77
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2011.

CALVINO, I. Os nossos antepassados. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

COLLODI, C. As aventuras de Pinóquio. São Paulo: Iluminuras, 2002.

DAHL, R. Matilda. São Paulo; Martins Fontes, 1999.

___. O BGA: o bom gigante amigo. São Paulo: Editora 34, 1999.

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

QUEIRÓS, B. C. de. Foram muitos, os professores. In: ABRAMOVICH, F. Meu professor inesquecível. São
Paulo: Gente, 1997.

FURNARI, E. Abaixo das canelas. São Paulo: Moderna, 2000.

LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Delegação de Cabo


Verde vem para o Brasil para troca de experiências. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=16514:delegacao‑de‑cabo‑verde‑vem‑ao‑brasil‑para‑
troca‑de‑experiencias&catid=209&Itemid=86>. Acesso em: 5 jul. 2011.

RONCA, V. F. de C. Docência e Ad‑miração: da imitação à autonomia. São Paulo: Edesplan, 2007.

SCIESZKA, J. A verdadeira história dos três porquinhos. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1993.

SEVERINO, A. J.. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2002.

SORIANO, M. (Org.). Contos de Grimm. São Paulo: Cia das Letrinhas, 1996.

SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. São Paulo: Artmed, 1998.

SOUZA, F. de. Que história é essa? São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2003.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Sites

http://www.fvc.org.br/projeto‑entorno.shtml

http://www.educavideosp.com.br

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Exercícios

Unidade I – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2008: Pedagogia. Questão
19. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/Enade2008_RNP/PEDAGOGIA.pdf>. Acesso
em: 18 mai. 2013.

Unidade I – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2008: Pedagogia. Questão
25. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/Enade2008_RNP/PEDAGOGIA.pdf>. Acesso
em: 18 mai. 2013.

Unidade II – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2005: Pedagogia. Questão
25. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/enade/2005/provas/PEDAGOGIA.pdf>.
Acesso em: 18 mai. 2013.

Unidade II – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2012: 2º dia. Disponível em: <http://download.
inep.gov.br/educacao_basica/enem/gabaritos/2012/dia2_cinza.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2013.

Unidade III – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2012: 2º dia. Disponível em: <http://download.
inep.gov.br/educacao_basica/enem/gabaritos/2012/dia2_cinza.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2013.

Unidade III – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2008: Pedagogia. Questão
24. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/Enade2008_RNP/PEDAGOGIA.pdf>. Acesso
em: 18 mai. 2013.

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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