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COMPREENSÃO
E PRODUÇÃO DE TEXTOS
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3. A aprendizagem da leitura e de estratégias adequadas para
compreender os textos requer uma intervenção explicitamente dirigida a
essa aquisição. [...]
4. Nas sociedades ocidentais, a aprendizagem da leitura é
encomendada à instrução formal e institucionalizada oferecida pela
escola. [...]
5. [...] o ensino da leitura não é questão de um curso ou de um professor,
mas questão de escola, de projeto curricular e todas as matérias (existe
alguma em que não seja necessário ler?). [...]
6. [...] ensinar e aprender a ler são tarefas complexas, mas gostaria de
acrescentar um ponto essencial: também são enormemente gratificantes
[...]. (Solé, 1998, p. 18-19)
CONTEXTUALIZANDO
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Resgatando o que já havíamos apregoado ao pensar nas estratégias para
se ler, ficará mais fácil entender o porquê de a leitura ser antecipatória. Isso
porque, ainda que não tenhamos lido um texto por completo (seja um romance de
mais de quinhentas páginas, seja a nova fotografia premiada pela National
Geographic), instantaneamente elencamos algumas hipóteses para direcionar e
dar início a nossa leitura. Trata-se de uma espécie de acomodação e adaptação
para o desafio que estará por vir. Já a característica da compreensão é uma
espécie de tautologia, uma redundância – afinal, toda leitura é feita para atender
o princípio de compreender algo.
[a] leitura nunca é uma atividade abstrata, sem finalidade, embora seja
frequentemente estudada deste modo por pesquisadores e teóricos e,
infelizmente, ainda seja ensinada deste modo para muitos aprendizes.
Os leitores sempre leem algo, leem com uma finalidade; a leitura e sua
rememorização sempre envolve emoções, bem como conhecimento e
experiência.
Em outras palavras, a leitura nunca pode ser separada das
finalidades dos leitores e de suas consequências sobre eles. (Smith,
2003, p. 198, grifos nossos)
A SELVA DE ASFALTO
DESISTI de tomar aquele ônibus ali na Avenida Rio Branco, e bem
andei, pois eu não iria longe: logo ao arrancar, esbarrou no pára-choque
de um fusca verde à sua frente. O trocador desceu para espiar. O dono
do fusca verde, um homem já de cabelos brancos, saltou vermelho de
raiva:
- Se é para arrebentar, arrebenta logo.
Como resposta, o motorista fez o ônibus avançar, empurrando o fusca.
- Você não faça isso de novo que eu lhe arrebento a cara! – ameaçou o
outro, plantado em plena rua, junto à janela do ônibus.
- Cara que mamãe beijou? – e o motorista se abriu num sorriso de
desafio; tornou a movimentar o ônibus.
Desta vez o fusca levou por trás uma boa traulitada, saiu rodando uns
vinte metros. A jovem ia cruzando a rua e deu um pulo de susto ao ver
que ia sendo atropelada por um carro sem chofer. O fusca se voltou para
a calçada e a fila ao longo do meio-fio se espalhou em pânico. O dono
do fusca ergueu o punho para o motorista:
- Desce daí se você é homem! Te levo já pro distrito.
- Então leva – respondeu o chofer, sem sair do lugar.
E o trânsito paralisado. O povo se juntava para assistir à cena, alguns
rindo, outros dando palpites, outros protestando. O ambiente de modo
geral era hostil ao chofer do ônibus, que achou mais prudente se mandar
dali. Atirou seu carro blindado contra o povo, espalhando-o como
formigueiro pisado, e acelerou – mas o que fez tão rápido que deixou
para trás o trocador.
O trocador resolveu comprar a briga: caiu em cima do homem aos socos
e pescoções. O homem era valente, apesar dos cabelos brancos:
agarrou o trocador numa violenta gravata, que quase troca em miúdos.
A esta altura o motorista do ônibus dera falta do seu trocador.
Abandonando o carro superlotado no meio da Avenida, voltou como um
gladiador, seguido de dois escudeiros, que, solidários, também haviam
deixado os respectivos ônibus:
- Quede o homem?
- Vamos dar um ensino nele.
- Vamos é pro distrito! – insistia o dono do fusca. A multidão parecia
prestigiá-lo:
- Prende!
- Pro distrito!
- Não respeitam nada.
Esta judiciosa observação foi feita por mim. O trocador, mal refeito da
gravata que sofrera e tentando endireitar a sua, não mais que um trapo
negro dependurado ao pescoço, voltou-se para mim:
- Ele me deu um pontapé.
- Quem? Ele te deu um pontapé, meu irmão? – um crioulo desenroscou-
se à minha frente. Era um dos motoristas.
- Não... – falei, conciliador: - Eu estava dizendo...
Ele não parecia muito interessado em saber o que eu estava dizendo.
Prudentemente resolvi recolher-me à minha insignificância, fui tratando
de dar o fora. O povo se fechava ao redor dos ases do volante, já
ameaçando linchá-los. Eles agora reconsideravam sua disposição,
buscando uma saída digna:
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- O homem não é de nada.
- Deixa pra lá.
- Viemos só buscar o trocador. Quede o trocador? O boné do trocador?
Recolheram o trocador, recolheram o boné do trocador e se afastaram,
como uma patrulha inimiga depois de cumprida a missão, cada um para
o seu ônibus. O povo foi-se dispersando, entre comentários. O homem
de cabelos brancos voltou para o seu fusca verde.
Mas – ó bestas do tráfego! ó selva do asfalto! – havia um táxi à sua
frente. Alguém lhe disse: “Pode ir. Pode ir que já dá.” Ele foi mesmo e
não dava. O pára-choque enganchou-se no do táxi. Lá vem o chofer do
táxi: “Que negócio é esse? É para arrebentar?” O homem saltou do
carro. “Vai começar tudo de novo”, pensei. E fui-me embora a pé.
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ainda que o conteúdo de um texto permaneça invariável, é possível que
dois leitores com finalidades diferentes extraiam informação distinta do
mesmo. Assim, os objetivos da leitura são elementos que devem ser
levados em conta quando se trata de ensinar as crianças a ler e a
compreender. (Solé, 1998, p. 22, grifos do original)
1 Caso não conheça a música, sugere-se que o leitor pesquise a letra antes de seguir a explicação.
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chegara a tal questionamento ao pensar a respeito das diferenças entre a
estrutura textual profunda (macroestrutura) e a estrutura textual superficial
(microestrutura). Sobre tais diferenças, a linguista Maria-Elisabeth Conte (citado
por Marquesi, 2004, p. 33) assevera:
3.1 Macroestrutura
Na Linguística Textual,
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seqüência inteira de proposições. Eles também salientam que existem
vários níveis de macroestruturas, uma vez que há a possibilidade de
fixarmos, por uma dada macroestrutura, outra mais global, e
exemplificam essa afirmação comparando, no caso de um romance, o
resumo que podemos fazer de algumas páginas, de um capítulo ou de
uma obra toda. (Marquesi, 2004, p. 36)
Figura 1 – Charge
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3.2 Microestrutura
TEMA 4 – SUPERESTRUTURA
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global do texto, definida em sintaxe, em termos de categorias esquemáticas”
(Marquesi, 2004, p. 39).
Para exemplificar o funcionamento de uma superestrutura para definir um
gênero textual específico – a notícia –, dediquemo-nos à leitura do fragmento do
texto a seguir (Estadão, 2018):
Time de futebol ficou preso por 18 dias em uma gruta de difícil acesso
no Norte do país. Quatro tiveram infecção nos pulmões.
O governo da Tailândia anunciou neste sábado (14) que os 12 garotos
resgatados de uma caverna inundada terão alta do hospital na próxima
quinta-feira. "Precisamos preparar as crianças e suas famílias para a
atenção que receberão quando saírem", afirmou o ministro da Saúde do
país, Piyasakol Sakolsatayadorn.
Em uma longa e tensa operação de resgate, os meninos do time de
futebol, além de seu treinador, foram retirados da caverna Tham Luang,
no norte do país, perto da fronteira com Mianmar, na noite de terça-feira
(10). Após o resgate, eles foram levados para um hospital, para que se
recuperassem física e emocionalmente. Três crianças e o treinador
tiveram infecção nos pulmões e estão tendo que tomar remédios por sete
dias.
Os 12 meninos e o técnico estavam explorando as cavernas de Tham
Luang Nang Non em 23 de junho e ficaram presos quando o local alagou
devido a fortes chuvas.
Os meninos, com idades entre 11 e 16 anos, perderam em média 2 kg
no período em que ficaram na caverna –de 18 dias, para os últimos a
sair. Nos dez dias antes de serem achados, tomavam água que pingava
da parede.
Para sair, cada um deles fez o trajeto usando tanques de oxigênio e foi
acompanhado por dois mergulhadores durante o percurso, que incluiu
passagens escuras e apertadas, cheias de água barrenta.
Com o fim do resgate, a caverna deve ser fechada para ter a segurança
reforçada e depois será reaberta ao turismo.
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Figura 2 – Discurso da notícia
FINALIZANDO
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A leitura não é uma questão de identificar letras, a fim de
reconhecer as palavras para que se obtenha o significado das
sentenças. A identificação do significado não requer a identificação de
palavras individuais, exatamente como a identificação de palavras não
requer a identificação de letras. Na verdade, qualquer esforço por parte
de um leitor, para identificar palavras uma de cada vez, sem aproveitar
a vantagem de sentido como um todo, indica um fracasso para a
compreensão e está provavelmente fadado ao fracasso.
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preciso dizer adeus às personagens na companhia das quais se viveram
tantas aventuras, que foram amadas e admiradas, pelas se temeu ou
ansiou, e sem cuja companhia a vida parece vazia e sem sentido...
Quem não conhece tudo isto por experiência própria provavelmente não
poderá compreender o que Bastian fez em seguida.
Olhou fixamente o título do livro e sentiu, ao mesmo tempo, arrepios de
frio e uma sensação de calor. Ali estava uma coisa com a qual ele já
havia sonhado muitas vezes, que tinha desejado muitas vezes desde
que dele se apoderara aquela paixão secreta: uma história que nunca
acabasse! O livro dos livros!
LEITURA COMPLEMENTAR
Saiba mais
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REFERÊNCIAS
ENDE, M. A história sem fim. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
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MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola, 2008.
SABINO, F. A selva do asfalto. In: _____. Deixa o Alfredo falar! Rio de Janeiro:
Record, 1976. p. 113-116.
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