Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
COMPREENSÃO
E PRODUÇÃO DE TEXTOS
2
no mínimo, três temáticas a serem exploradas pela linguística textual: 1) o fato de
que somos seres atravessados por discursos e produzir textos é a nossa única
maneira para estabelecer redes de significados; 2) como o espaço escolar,
normativo, acabou engessando a perspectiva da produção textual, sobretudo
aquela que diz respeito à produção de textos escritos; 3) a produção textual está
diretamente atrelada ao desenvolvimento da compreensão leitora.
Diante dos fatores expressos anteriormente, passa a ser inevitável nos
questionarmos: afinal, como produzimos um texto? Quais são as estratégias que
utilizamos para desenvolver certo argumento ou opinião? Será que, ao escrever
um artigo, deixar um bilhete para quem amamos ou mesmo no momento em que
temos que pensar para responder a pergunta do nosso chefe, construímos em
nossa cabeça algum tipo de arquitetura textual? Por que encontramos dificuldades
para ordenar as nossas opiniões em uma redação e, depois, em uma rede social,
nos sentimos tão confortáveis ao escolher os 140 caracteres que irão informar o
nosso estado de humor? Trata-se apenas de um reflexo do contexto discursivo
em que formatamos o nosso texto ou será que tal diferença explica, de maneira
bastante pragmática, o quanto a produção textual está intimamente ligada a nossa
familiaridade, pré-disposição e treino ao escrever? Tantas inquietudes serão,
como é possível inferir, esmiuçadas ao longo das nossas duas últimas aulas. Mas,
para aguçar a sua curiosidade e o seu engajamento com a produção textual até o
fim desta e da próxima aula, concentremo-nos em descobrir a opinião de um dos
escritores mais célebres das últimas décadas. O português José Saramago,
quando interrogado a respeito do que seria, para ele, escrever, elucida: “É ir
descobrindo que tínhamos na cabeça mais coisas do que havíamos suposto
antes” (Saramago, 2003).
Tentar descobrir o que temos na cabeça e fazer de todas essas
informações um composto discursivo para as nossas produções de texto será,
portanto, o nosso estímulo e guia. Antes de nos dedicarmos a pensar na escrita
como um processo e não simplesmente como um produto, será necessário, em
um primeiro momento, problematizar algumas questões teóricas sobre a relação
entre a leitura e a escrita, além de como a última acabou personificando o conceito
de norma e padrão a ser seguido. Para tanto, respeitando a nossa abordagem
didática, teremos a nossa aula organizada nos seguintes temas:
3
3. A máxima do escrever bem;
4. De uma vírgula até o ponto final: tudo tem e deve ter um porquê;
5. Escrever textos – sempre no plural!.
CONTEXTUALIZANDO
4
brasileiros, do português como língua materna. Sobre isso, o linguista Luiz Antonio
Marcuschi agrega:
5
como a coesão, a coerência, a intencionalidade, a aceitabilidade, a
informatividade, a situacionalidade e, claro, a intertextualidade.
A essa altura, é possível que já tenha ficado mais claro que a produção
textual é anterior ao ato de enunciação (escrever, falar, desenhar etc). Há,
certamente, uma relação direta entre produzir e saber ler.
6
Figura 1 – Charge para reflexão a respeito da relação direta entre a produção
textual e a compreensão leitora
7
aproximando-se de uma realidade que é infantil, mas que, de alguma maneira, é
compartilhada e se transforma em uma espécie de significante para a maioria dos
adultos ao pensar no léxico “barco”. O fato de que um personagem humano, a
vítima imediata do naufrágio, seja um menino favorece todas as leituras
anteriores, além de criar uma espécie de consciência metacrítica e
metalinguística, afinal, o menino parece cumprir com a função de representar o
próprio caricaturista, já que segura um lápis azul (como se fosse o próprio
responsável pela criação de todo o desenho).
O que queremos com toda essa proposta de leitura? Demonstrar como a
produção textual está potencialmente atrelada à compreensão leitora. Seja para
pensar nos eixos discursivos tomados por Gilmar, pelo chargista, na elaboração
do texto, seja na dinâmica de leitura proposta por nós, os resultados partem de
uma retroalimentação do ler e do produzir. Quando estabelecemos no início desta
disciplina o texto como evento comunicativo, uma unidade múltipla de significados
e de interações sociais, adiantamos como a produção e compreensão devem
caminhar juntas.
8
sistematizar e descrever o que falamos. É bem verdade que, ainda que
delimitemos o nosso contexto e pensemos nos trabalhos relacionados à linguística
textual, serão majoritárias as reflexões da produção textual ligada ao texto verbal
e escrito. Dessa forma, a problemática da produção textual acaba se aproximando
de padrões normativos de uma dada língua, justamente porque é no registro
escrito e formal que se verifica e se institui a perspectiva normativa. Quanto às
relações entre oralidade e escrita, Alexandre ainda assevera:
9
anos, de tal modo que uma criança de sexta série passa a pensar que
só se escreve sobre essas “coisas”. (Giraldi, 2006, p. 64-65)
[u]ma vez que não se pode negar que a leitura funciona como uma mais-
valia no desenvolvimento da escrita, também parece ser inegável que
a escrita – bem ensinada – é um poderoso contributo para a
aprendizagem da compreensão leitora. Como lembra Reuter [...], todo
e qualquer exercício de escrita consciente e com uma finalidade
comunicacional pressupõe a leitura como componente da sua atividade
e não o contrário. (Alexandre, 2015, p. 16-17, grifos nossos)
10
TEMA 3 – A MÁXIMA DO ESCREVER BEM
11
não é somente o domínio de um código linguístico e de um registro normativo.
Para afirmar que alguém escreve bem é necessário problematizar a complexidade
de um texto, determinando se, na produção, são atendidos diferentes aspectos,
da coesão e coerência à aceitabilidade ou não de um enunciado. A dinâmica da
produção textual está ligada a outros parâmetros linguísticos, tal como a
pragmática. Sobre isso, o linguista Marcuschi relembra: “A pragmática assume
papel destacável ao pensarmos na produção textual, sobretudo quando tomamos
a língua não como um mero repositório de estruturas linguísticas, mas como a
responsabilidade de ‘inserir os indivíduos em contextos sócio-históricos e permitir
que se entendam’” (Marcuschi, 2008, p. 67).
Ao pensar em contextos sócio-históricos, garantimos que a produção
textual seja muito mais do que a simples manifestação de um código, ajudando a
enaltecer a força enunciativa de textos que cumprem, mesmo depois de décadas
de sua criação, com o rol de novas leituras e construção de significados. Ao partir
de tais pressupostos, convido você, aluno e aluna, a ler os próximos dois próximos
textos:
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro. (Andrade, 1972, p. 125)
Vício na fala
12
linguísticas) acaba se transformando na grande razão de existência discursiva dos
poemas. A busca da literatura modernista pela oralidade e pela quebra do rigor
antes esperado por escolas como o Parnasianismo, aqui, servem como exemplos
notórios de que um texto é governado por critérios que vão além de uma boa
sintaxe ou da correção ortográfica. Eu, você e todos que ainda lerão estes poemas
– fruindo ou não do texto literário – não terão dúvidas de que Oswald de Andrade
escreve bem.
Ainda que não sejamos escritores e que o nosso contexto de enunciação
não seja o texto literário, fica notória a importância de refletirmos sobre o assunto,
afinal, também desejamos escrever bem.
TEMA 4 – DE UMA VÍRGULA ATÉ O PONTO FINAL: TUDO TEM E DEVE TER
UM PORQUÊ
Como vimos até aqui, “[p]roduzir e entender textos não é uma simples
atividade de codificação e decodificação, mas um complexo processo de
produção de sentido mediante atividades inferenciais” (Marcuschi, 2008, p. 99).
Nesse sentido, ao produzirmos um determinado texto – verbal, visual e até mesmo
oral –, é necessário ter a consciência de que cada elemento assumirá uma função
e será responsável por construir diferentes significados. Vejamos o caso a seguir:
13
áreas da linguagem. Assim, torna-se relevante o desenvolvimento de
pesquisas que investiguem o porquê dessa dificuldade que os
professores apresentam no processo de ensino e aprendizagem de
produção de textos escritos dos alunos concluintes da educação básica.
Além disso, os baixos resultados do ENEM demonstram problemas de
leitura e escrita dos alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental
e Médio José Luiz Neto, a exemplo do restante do país. É consenso
entre os professores de todas as disciplinas o desinteresse e a falta de
qualidade da escrita e da leitura dos alunos, e nesse caso, o professor
de língua portuguesa é visto como o único responsável por solucionar o
problema. [...]
14
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(Melo Neto, 2008, p. 219)
Tal como o galo, que precisa de outros galos para tecer a manhã, um texto
é produzido a partir do diálogo estabelecido com outros textos, em uma cadeia de
múltiplos discursos.
FINALIZANDO
15
e além do mais vazio. Era como se eu fosse o último homem. Aquilo
tornava a leitura e a escrita totalmente desprovidas de sentido.
Mas quando li o capítulo sobre o que eu havia pensado sobre o boteco
dos marinheiros no porto de Hirtshals, achei que tinha ficado bom. Minha
aceitação na skrivekunstakademiet demonstrava que eu tinha talento, e
que bastava desenvolvê-lo. Meu plano era escrever um romance durante
o ano que estava começando, para então vê-lo lançado no outono
seguinte, dependendo de quanto tempo fosse necessário para a
impressão e tudo mais. O romance chamava-se vann over/vann under.
(Knausgard, 2017, p. 14-15)
LEITURA COMPLEMENTAR
Saiba mais
16
REFERÊNCIAS
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para entender o texto: leitura e redação. 17. ed.
São Paulo: Ática, 2007.
17
KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, C. L. A coerência textual. São Paulo: Contexto,
2010.
18