BIOTECNOLOGIA E BIOSSEGURANÇA NA PRODUÇÃO DE VACINAS E
KITS DIAGNÓSTICO
Produção comercial de vacinas e kits de diagnóstico
Américo Martins CRAVEIRO1
As vacinas e kits de diagnóstico são importantes ferramentas para
diagnóstico e prevenção de um grande conjunto de doenças que afetam a espécie humana e as espécies animais. Existem ainda diversos soros para tratamento, como os anti-ofídicos, anti-rábico e anti-tetânico. Ao conjunto de vacinas, kits de diagnóstico e soros denominamos produtos imunobiológicos. Sempre que seja tecnicamente possível e os estudos epidemiológicos demonstrarem a importância de uma dada doença ou de um dado agente etiológico, a melhor forma de enfrentar o problema, é sem dúvida por medidas profiláticas. Existem casos para os quais ainda não é possível, com o conhecimento científico disponível, ter uma vacina eficiente. Do mesmo modo que isso não é ainda viável contra o vírus HIV, analogamente na área veterinária não dispomos de vacinas eficientes contra tuberculose bovina, carrapatos que infestam bovinos ou cães, hemoparasitas, agentes causadores de mastite em gado de leite, etc. Desse vasto universo de possibilidades, este trabalho abordará aspectos relevantes a considerar na produção de vacinas para uso veterinário. É certo dizer que o desenvolvimento de vacinas para uso em animais segue as conquistas científicas e tecnológicas que pioneiramente foram alcançadas para a proteção da espécie humana. Atualmente o uso de vacinas em animais pode ser dividido nas seguintes classes: -Vacinas para animais de produção: aqui incluem-se vacinas aplicadas na forma injetável, típica para bovinos, suínos, ovinos e caprinos; vacinas injetáveis ou administradas na água, para peixes; vacinas administradas na água ou via aspersão, para aves -Vacinas para animais de companhia, onde se incluem cães, gatos e eqüinos; são usualmente injetáveis, mas existem também de aplicação nasal. -Vacinas para controle de animais silvestres que possam ser reservatório de microrganismos patogênicos ao homem, como é o caso da raposa em relação à raiva
Uma vacina é composta de diversos componentes:
-Antígeno: é responsável por promover a resposta imune no organismo a ser protegido. É muito comum uma vacina conter diversos antígenos, de modo que com um manejo simplificado dos animais, podemos deixá-los protegidos contra diversas doenças. -Adjuv ante: é uma substância, como hidróxido de alumínio ou saponina, que aumenta a resposta imune -Conservantes ou estabilizantes: como por exemplo fenol e timerosal.
As vacinas podem ser 2-Cultivo em escala de bancada:
classificadas como vivas ou nesta etapa estabelecem-se as inativadas. A vacina contra melhores condições ambientais brucelose bovina, por exemplo, é para o máximo crescimento celular uma vacina viva liofilizada. A grande ou de produção do antígeno de maioria das vacinas são inativadas, interesse (proteína). como por exemplo contra aftosa, As condições a serem raiva, botulismo, leptospirose, etc. otimizadas, a depender se o No que tange à tecnologia processo é conduzido na presença podem ser classificadas como de oxigênio (aeróbio) ou na sua convencionais (raiva, aftosa) ou ausência (anaeróbio), são: tempe- recombinantes; diversas tecnologias ratura, pH, potencial redox, estão disponíveis ou em grande concentração da fonte de carbono, desenvolvimento para vacinas concentração de macro-nutrientes, recombinantes, como: de DNA concentração de micro-nutrientes. (encefalite eqüina), vetorial Algumas substâncias gera- (cinomose), deletada (rinotraqueíte das no metabolismo micro-biano, ao infecciosa bovina), de sub-unidade longo do processo fermentativo (doença de lyme), etc. também podem precisar ter suas As vacinas disponíveis concentrações controladas, pois comercialmente para uso veterinário podem ser fortes inibidoras dos são para combate a doenças virais processo; aqui inclui-se o amônio, o e bacterianas; quando se considera lactato, etc. parasitas, ainda não verificamos Para que se alcancem altas produtos eficientes. taxas de conversão dos substratos A produção industrial de no produto desejado, o tipo de vacinas envolve uma série de biorreator onde será conduzido o etapas que serão a seguir descritas. processo também pode ser um fator Para que se tenha uma produção determinante da viabilidade do eficiente, cada uma dessas etapas processo. Busca-se um compor- deve ser otimizada, para que o tamento cinético que assegure a processo industrial resulte numa máxima produção do produto de vacina com qualidade e preço interesse, bem como que tal ocorra competitivo. no menor tempo possível; isso é importante para que o volume dos 1-Cepas: é essencial dispor-se de equipamentos de produção, bem cepas eficientes, ou seja que sejam como o gasto com insumos sejam alto-produtoras dos antígenos de os menores possíveis, de forma a interesse. Essas estirpes devem contribuir para o menor custo de passar por programas de produção possível. melhoramento genético para serem Os biorreatores podem ser cada vez mais eficientes. muito diferentes, principalmente É fundamental estruturar de modo quando se compara a produção das adequado o Banco de Cepas, de vacinas virais com as bacterianas. modo a não perder as Biorreatores, dotados de sistemas características requeridas dos de agitação são normalmente microrganismos, visto que eles empregados para a produção de representam um patrimônio da vacinas bacterianas. empresa. A produção de vacinas virais é mais complexa, pois tem-se que
inicialmente produzir as células (de perca parte do antígeno nessas
mamífero, tipo BHK, ou de insetos, operações subseqüentes. como de Spodoptera frugiperda), para posteriormente infectar e 6-Formulação promover a produção massiva de Esta última etapa consiste vírus. Diversos sistemas podem ser em se adicionar o adjuvante e utilizados, desde biorreatores eventuais preservantes, de modo dotados de sistema de agitação, que a vacina tenha a máxima quando as células não precisam eficiência e seja estável por longos ficar ancoradas (caso da vacina (tipicamente 2 anos) períodos de anti-aftosa), ou sistemas ancorados armazenamento. As condições de (caso dos antígenos da vacina para armazenamento são de 2 a 8ºC proteção contra doenças do Existem vários tipos de complexo respiratório/reprodutivo), adjuvantes comerciais utilizados em como garrafas roller, bandejas (cell vacinas aquosas ou vacinas em factories), cubos (cell cubes) e emulsão. Alguns deles são de tal biorreatores com micro-carrega- modo eficientes que pode-se obter a dores. resposta imune desejada, mesmo com quantidades muito pequenas 3-Cultivo em escala industrial de antígenos; isto tem eviden- Nesta etapa, faz-se ajustes temente um grande impacto no do processo para que o aumento de custo da vacina produzida. escala efetuado não implique em perda de eficiência. Para tanto o 7-Controle de qualidade próprio projeto do biorreator Os controles de qualidade industrial deve ser feito mediante são efetuados durante o processo critérios adequados de de produção e também no produto escalonamento considerando final obtido. relações geométricas, coeficientes Os controles de processo incluem o de transferência de oxigênio, pH, confirmação da inativação, potência para agitação fornecida ao quantificação do antígeno e pureza meio líquido por unidade de volume, (ou seja a ausência de outros etc. microrganismos contaminantes). No produto final faz-se o pH, 4-Inativação do agente aspectos visuais, esterilidade/ Para vacinas inativadas é pureza, inocuidade e teste de necessário proceder à inativação do potência. agente, o que pode ser feito por via O teste de potência é feito química ou térmica. Em ambos os através de métodos imunoquí- casos é necessário determinar a micos: cinética de inativação, de forma a -in vivo: realizados em animais de ter uma vacina inócua. biotério (camundongos, cobaios e coelhos) e nas espécies-alvo para 5-Separação, purificação e as quais a vacina é indicada. concentração do produto -in vitro: ELISAs, soro-neutralização, Não basta produzir bem os Lf, ToBI, etc antígenos de interesse. É necessário que as operações unitárias utilizadas no processo sejam eficientes, para que não se