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Biotecnologia Aplicada

à Biomedicina
Biotecnologia Clínica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Fabio Mitsuo Lima

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Biotecnologia Clínica

• Biotecnologia Aplicada à Produção de Biomoléculas;


• Biotecnologia Aplicada ao Tratamento de Doenças Genéticas.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Apresentar ao aluno o novo cenário de tratamentos que utilizam como base a Biotecnologia,
as principais estratégias adotadas e suas perspectivas no âmbito da Saúde Pública.
UNIDADE Biotecnologia Clínica

Biotecnologia Aplicada à
Produção de Biomoléculas
Anteriormente estudamos os procedimentos de como gerar uma molécula de
DNA recombinante.
Neste tópico, veremos como aplicar esse conhecimento para a produção de vacinas.
Antes disso, porém, é importante relembrar o conceito de Vacina, utilizado na
Imunologia, bem como descrever como tudo começou.
No século 18, o médico inglês Edward Jenner observou que indivíduos que ha-
viam contraído uma doença de gado (cowpox) semelhante à varíola humana eram
imunes à versão humana da doença e resolveu realizar um experimento inoculando
o pus proveniente de uma lesão de uma paciente com cowpox em um menino vo-
luntário de oito anos de idade.
O garoto apresentou um leve quadro da doença, mas em poucos dias estava com-
pletamente livre dos sintomas.
Mais tarde, Jenner confirmou que o menino estava imune à varíola humana ino-
culando o pus proveniente de uma lesão de um paciente com varíola humana no
garoto e ele não apresentou qualquer sintoma da doença.
Jenner conseguiu imunizar o garoto, protegendo-o contra possíveis infecções futuras.

Importante!
As normas da Bioética vão sendo estabelecidas ao longo do tempo. No século XVIII, não
haviam muitas restrições quanto a experimentos com seres humanos. Evidentemente,
hoje, essas regras estão bem claras e definidas, não sendo permitida a execução de pro-
cedimentos que ameacem a segurança e a dignidade do indivíduo.

Figura 1 – Pintura retratando Edward Jenner no momento da vacinação do garoto de 8 anos


Fonte Wikimedia Commons

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O termo vacina tem origem na palavra em latim vacca, que significa vaca, em referência à
inoculação do vírus causador da varíola bovina.

Vacina, portanto, é uma forma de imunizar e proteger os indivíduos de infecções


futuras. Baseia-se na introdução do agente causador da doença em sua forma ate-
nuada (ou partículas específicas do microrganismo), de modo a estimular o Sistema
Imunológico a produzir resposta imune celular e/ou humoral contra aquele antígeno.
A partir dos estudos de Jenner, muitas vacinas foram desenvolvidas ao longo dos
anos, e de acordo com a Tecnologia empregada podem ser classificadas em três grupos:
primeira geração, segunda geração e terceira geração.

A primeira geração de vacinas conta, em sua composição, com o organismo que


causa a doença na versão atenuada ou inativada, ou alguma espécie semelhante, que
não seja não patogênica:
• Versão atenuada: Pesquisadores observaram que organismos virulentos que
são cultivados por longos períodos em Laboratório perdem sua virulência, ou
seja, sua capacidade de causar doenças. Embora tenham a virulência diminuída,
ainda são capazes de induzir a imunidade quando o indivíduo entra em contato
com a versão virulenta encontrada na Natureza. A grande vantagem é que essas
vacinas mimetizam de forma fiel uma infecção por um agente patogênico en-
contrado na Natureza. Como exemplo, podemos citar as vacinas que protegem
contra a catapora, o sarampo, a caxumba e a rubéola;
• Versão inativada: Quando são utilizados microrganismos mortos para inocu-
lação nos pacientes. Como exemplo, podemos citar as vacinas que protegem
contra a poliomielite (Salk), a gripe, a raiva e a hepatite A;
• Espécie semelhante que não seja patogênica: A vacinação realizada por
Jenner é um exemplo de uso de espécie semelhante utilizada para gerar imu-
nidade (cowpox é o vírus causador da varíola bovina).

Figura 2
Fonte: TORTORA; FUNKE; CASE

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UNIDADE Biotecnologia Clínica

O vírus da Influenza, agente causador da gripe é inoculado em ovos embrio-


nados para a produção de novas partículas virais. Esses vírus são isolados,
purificados e submetidos a um processo de inativação antes de serem utili-
zados em vacinas.

Figura 3
Fonte: Adaptado de TORTORA; FUNKE; CASE

Inoculação de vírus em ovos embrionados para produção de vacinas. Depen-


dendo do tipo viral, é escolhida uma região específica do ovo para injeção da
suspensão viral. Os vírus se multiplicam, são isolados, purificados e inativados
antes de serem inoculados. O procedimento de purificação das partículas vi-
rais não consegue eliminar completamente as proteínas do ovo. É por esse
motivo que as pessoas que recebem certos tipos de vacina podem desenvolver
um processo alérgico caso tenham alergia a alguma proteína do ovo.
A segunda geração de vacinas utiliza toxinas, proteínas ou polissacarídeos purifi-
cados de microrganismos e não o agente completo. Esse tipo de vacina surgiu após
a observação de que, para algumas doenças, um único antígeno proveniente do
respectivo patógeno era suficiente para gerar resposta imunológica do hospedeiro.
A grande vantagem desse tipo de vacina é que a inoculação de uma partícula do
patógeno não gera a menor possibilidade de a vacina causar uma infecção, mesmo
que na forma branda. Essas vacinas são produzidas por Técnicas de Engenharia Ge-
nética, na qual um organismo (uma bactéria ou levedura, por exemplo) produz o an-
tígeno de outro organismo em larga escala para posterior purificação. Um exemplo
é a vacina contra a Hepatite B, em que apenas uma subunidade do vírus é inoculada
no paciente e a vacina contra o papilomavírus humano.
A terceira geração é a chamada vacina de DNA, que se caracteriza pela introdução
de material genético do patógeno no hospedeiro. Nesse processo, o DNA do patógeno
é clonado previamente em plasmídeos. O DNA recombinante é inserido no paciente
que, então, produzirá e expressará o antígeno dentro de seu organismo estimulando a
resposta imune. Esse tipo de vacina é uma aplicação bastante moderna e promissora
da Biotecnologia. Ensaios clínicos de vacinas de DNA em seres humanos estão em
andamento para imunização contra diversas doenças.

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Anteriormente reforçamos a importância de o plasmídeo conter uma origem de replicação
que seja reconhecida pelo DNA polimerase da célula hospedeira.
• Em que esse conceito pode ser aplicado em relação às vacinas de DNA utilizadas para
induzir a imunidade em seres humanos?
• Que outra(s) característica(s) do plasmídeo de expressão são essenciais para que a
proteína/antígeno do microrganismo seja corretamente expressa pelo ser humano?

Assim, percebemos que a Biotecnologia revolucionou a Imunologia ao fornecer


ferramentas para a geração de vacinas de 2ª e 3ª gerações. Por meio da Tecnologia
do DNA Recombinante, como estudado anteriormente, é possível expressar e puri-
ficar proteínas (em bactérias, fungos ou células eucarióticas) originárias do microrga-
nismo patogênico e utilizá-las como antígenos para ativação do Sistema Imunológi-
co. De forma análoga, faz-se a clonagem desses mesmos genes, com a diferença de
que a expressão da proteína acontecerá no hospedeiro.

Teste Seu Conhecimento


1. Qual a origem etimológica da palavra vacina?
2. Como Edward Jenner provocou a imunização de um menino de 8 anos
após relatos de que pessoas que tinham tido sintomas brandos de varíola
bovina não desenvolviam a doença da varíola humana?
3. Qual a diferença entre vacina atenuada, vacina inativada, vacina de espé-
cie semelhante não patogênica e vacina de subunidades? Em qual(is) são
utilizadas as Técnicas de Engenharia Genética na produção? Explique;
4. Por que vacinas contendo organismos atenuados tendem a ser mais efica-
zes do que as que contém fragmentos de microrganismos?
5. Como funcionam as vacinas de DNA? Dica: faça um Mapa Mental adi-
cionando cada etapa e relacionando-a às demais para melhor fixação do
conteúdo e melhoria do aprendizado;
6. Por que pessoas que tem alergia a ovo podem desenvolver processo alér-
gico quando tomam alguns tipos de vacina?

Conheça a história da tuberculose no Brasil e a importância da vacinação no controle dessa


doença. Disponível em: https://bit.ly/2JKaEsc
Conheça como as vacinas atuam no corpo humano gerando imunidade e proteção contra
doenças. Disponível em: https://bit.ly/2UNBtSq
É verdade ou mito que a vacinação pode causar autismo? Como futuro profissional biomé-
dico, você deve estar apto a responder essa pergunta com base acadêmica e científica! Dis-
ponível em: https://bit.ly/3bNWa6u

Quiz Sobre Vacinação. Disponível em: https://bit.ly/3aNYMAZ

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UNIDADE Biotecnologia Clínica

Biotecnologia Aplicada ao
Tratamento de Doenças Genéticas
Doenças genéticas são aquelas causadas por alterações no DNA, ou seja, modifi-
cações permanentes.
Nessas situações, a farmacoterapia é um procedimento de caráter paliativo,
no sentido de minimizar ou aliviar os sintomas apresentados pelos pacientes,
mas não consegue curar a doença, pois os medicamentos não agem na causa
do problema.

Para contornar essa realidade, a partir de meados da década de 1960, começou-


-se a estudar a possibilidade de transferir ao doente um gene “sadio” para substituir,
manipular ou suplementar genes inativos ou disfuncionais com o uso de técnicas de
DNA recombinante.

Pacientes portadores da Síndrome de Imunodeficiência Combinada Severa (SCID,


do inglês Severe Combined Immuno Deficiency) possuem deficiência na produção da
Enzima Adenosina Desaminase.

O diagnóstico é precoce ainda na fase infantil, sendo que essa doença é res-
ponsável por alta taxa de mortalidade ainda nos primeiros anos de vida devido
a infecções.

As células do Sistema Imune desses pacientes são inativadas ou ausentes, fazendo


com que essas crianças sejam suscetíveis a infecções que, normalmente, não causa-
riam sérios danos em pessoas saudáveis.

A farmacoterapia estipulada para esses pacientes inclui a reposição de forma


interrupta da enzima ADA, para que as células T se desenvolvam adequadamente e
possam auxiliar no combate a infecções.

Em 1989, uma menina portadora de SCID foi submetida a um Protocolo Clínico


de Terapia Gênica.

Células T foram retiradas da paciente e submetidas a um Protocolo de Terapia


Gênica em que o gene sadio foi inserido nessas células T em Laboratório.

Tais células carregando o gene terapêutico foram expandidas e devolvidas para o


sangue da paciente. Foi observado que a enzima adenosina desaminase se manteve
em níveis adequados, mesmo quando se interrompeu a reposição, comprovando a
melhora clínica.

Doze anos depois de se encerrarem as infusões, verificou-se que um grande nú-


mero de células T continuaram expressando o gene terapêutico, comprovando a
eficácia do Protocolo de Terapia Gênica aplicada.

A Terapia Gênica também tem sido aplicada no tratamento da Hemofilia B e de


outras imunodeficiências graves.

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Teste Seu Conhecimento
1. O que são doenças genéticas?
2. Por que a Farmacoterapia não cura esse tipo de doença? Qual a finalidade
da Farmacoterapia nesses casos?
3. Como a Biotecnologia permitiu que pesquisadores começassem a pen-
sar em alternativas para a cura dessas doenças? Utilize o conhecimento
adquirido nas duas primeiras Unidades para responder essa questão com
bases na Biotecnologia;
4. Cite um exemplo de Doença Genética e como a Terapia Gênica pode ser
utilizada para curar pacientes portadores.

Modalidades de Terapia Gênica


Existem, basicamente, três diferentes abordagens na Terapia Gênica, como resu-
midos na Figura 4.
• Nas doenças monogênicas, ou seja, aquelas causadas por alteração em apenas
um gene, a estratégia tem sido o fornecimento de um gene sadio ao paciente,
como no caso relatado de SCID;
• Em doenças causadas por múltiplos genes (efeito pleiotrópico) ou crônicas adquiri-
das, como AIDS e Doença de Parkinson, procura-se modular a expressão gênica
de modo a tratar indiretamente a patologia;
• Em casos como câncer e doenças causadas por microrganismos, faz-se imuno-
terapia por modulação gênica. Por meio de vacina de DNA, o paciente passa a
expressar um antígeno, o qual é reconhecido pelo Sistema Imune que, por sua
vez, reage contra a célula tumoral ou microrganismo, eliminando-o.

Tratamento indireto da Imunoterapia por


Modificação direta do patologia através da modulação gênica
gene causador da doença modulação gênica (vacinas de DNA)

Doenças complexas/ Microorganismos ou


Doenças hereditárias
multifatoriais/ adquiridas células patogênicas
monogênicas (ex. hemofilia,
(ex. AIDS, doença de (ex. câncer, doenças
doenças matabólicas)
Parkinson) infecciosas)

Figura 4 – Modalidades de Terapia Gênica

Teste Seu Conhecimento


Qual abordagem de terapia gênica é utilizada para tratar:
1. Doenças hereditárias monogênicas?

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2. Doenças hereditárias causadas por múltiplos genes?


3. Doenças adquiridas de alta complexidade?
4. Câncer?
5. Infecção por microrganismos?

Essas diferentes abordagens podem ser aplicadas em dois tipos de células: germi-
nativas e somáticas.

Células Geminativas
A introdução em células germinativas consiste na introdução de genes em óvu-
los ou espermatozoides com a intenção de transmitir a alteração para a prole. Ques-
tões éticas muito importantes estão envolvidas nessa aplicação e, por consequência,
alguns testes são executados apenas em outras espécies, como, por exemplo, a
manipulação de células-tronco embrionárias de camundongos.

Figura 5 – Manipulação genética de célula germinativa


Fonte: Getty Images

Células Somáticas
A introdução em células somáticas, por sua vez, consiste na introdução de genes
em células diploides, o que acarreta em alteração das células-alvo sem a transferência
para a próxima geração. Por esse motivo, é considerada mais segura e conservadora.
Entretanto, ainda enfrenta desafios, como o transporte do gene às células-alvo e o
tempo de vida das células alteradas. A transferência do DNA para a célula-alvo pode
se dar de duas formas diferentes nessas células somáticas, conhecidas como in vivo e
ex vivo (Figura 6):
• No modelo in vivo, as células são alteradas no próprio paciente in situ, ou seja,
diretamente no tecido alvo. A vantagem desse modelo é que pode ser aplicado
em células que não podem ser cultivadas em quantidade suficiente em Laboratório
ou quando as células não podem ser reimplantadas eficientemente nos pacientes,
por exemplo, células do cérebro. A principal desvantagem está no fato de ser um
procedimento invasivo, principalmente, nos casos de o tecido-alvo ser em órgãos
internos. Trata-se de uma estratégia muito promissora, principalmente, depois do
desenvolvimento recente de vetores virais com capacidade de entregar as moléculas
de DNA sem causar infecções importantes. Relembrando que a transferência do
material genético para o tecido alvo ocorre com o auxílio de um vetor apropriado;

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• No modelo ex vivo, as células-alvo são retiradas do paciente e o DNA recombinante
é inserido in vitro nas células. Elas são amplificadas em cultivo e reintroduzidas no
paciente. A vantagem dessa metodologia é que ela permite que apenas as células
apropriadas recebam o DNA recombinante. Além disso, a modificação genética
pode ser checada em Laboratório antes da reinserção no paciente. Como a mo-
dificação genética das células ocorre fora do corpo, essa abordagem é chamada
Terapia Gênica ex vivo. Esse modelo é, geralmente, utilizado quando as células-alvo
possuem um longo tempo de vida e uma alta taxa de proliferação, adotado em tra-
tamento para hemofilia e como vacina para tratamento de alguns tipos de câncer.

Figura 6 – Terapia Gênica in vivo e ex vivo


Fonte: Adaptado de STRACHAN; READ

Na Terapia Gênica in vivo, as células são modificadas por inserção de DNA recom-
binante dentro do próprio paciente.
Na Terapia Gênica ex vivo, as células são retiradas do paciente, modificadas por
inserção de DNA recombinante em Laboratório e reinseridas no paciente.

Teste Seu Conhecimento


1. Que tipos celulares podem ser submetidos à Terapia Gênica?
2. Por que a Terapia Gênica em células germinativas deve ser estudada e
aplicada com muita cautela?
3. Explique os modelos utilizados na Terapia Gênica de células somáticas
ressaltando as semelhanças e diferenças entre elas:
• In vivo;
• Ex vivo;
4. Quais as vantagens e as desvantagens de cada modelo?

Técnicas de Introdução de Genes Terapêuticos na Célula-Alvo


Para que a Terapia Gênica seja efetiva, é preciso transferir o gene de interesse
para a célula-alvo de forma eficiente.

Diferentes métodos foram desenvolvidos para alcançar esse objetivo, os quais


são separados em duas grandes classes: os métodos físico-químicos e os biológicos,
dentre os quais se destacam os vírus.

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Estudos recentes indicam que os vetores virais garantem maior sucesso à terapia,
pois possuem alta capacidade de infectar células e podem ser obtidos facilmente,
enquanto os métodos físico-químicos possuem menor eficácia e são transitórios.

Apesar disso, a escolha do método de entrega vai depender do tecido a ser tratado,
do tamanho do gene a ser transferido, do tipo de doença e dos riscos, dentre outros.

Métodos Físicos
Um dos métodos físicos mais eficientes é o de biobalística, que consiste no bom-
bardeio de partículas muito pequenas de ouro ou tungstênio coberto pelo DNA de
interesse, diretamente nas células-alvo.

O processo baseia-se na projeção dessas esferas contra as células, por meio de


um gás pressurizado.

Apesar de o processo acarretar em extensa morte celular, tem se mostrado efi-


ciente a ponto de ser adaptado para utilização in vivo.

Métodos Químicos
Atualmente, um dos métodos químicos que mais se destaca são os lipossomas.

São compostos por dupla camada lipídica semelhante a estrutura das membranas
biológicas. Por serem substâncias catiônicas, unem-se aos ácidos nucleicos formando
complexos. Podem incorporar tanto compostos hidrofílicos como DNA quanto hidro-
fóbicos, como alguns fármacos.

A grande vantagem está na facilidade no preparo em sua baixa imunogenicidade,


direcionamento às células alvos e incorporando por endocitose.

Como o DNA inserido não é integrado ao DNA cromossomal da célula alvo, a


expressão gênica é transitória, e não duradoura.

Figura 7 – Lipossomas contendo DNA em seu interior e o mecanismo


de internalização dessas moléculas pela célula alvo
Fonte: Getty Images

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Métodos Biológicos
A utilização de vírus como vetores na Terapia Gênica requer que os genes respon-
sáveis por patologias e pela proliferação viral sejam removidos e substituídos pelo
gene terapêutico.

Figura 8
Fonte: Adaptado de STRACHAN; READ

Substituição do cassete contendo genes que codificam as proteínas virais gag,


pol e env por um gene terapêutico. As moléculas de DNA recombinante são
inseridas em um envelope viral antes de serem inseridas nas células-alvo.

Embora os vírus sejam os vetores mais comumente empregados, alguns pesquisadores uti-
lizam plasmídeos.

Atualmente, os principais vírus utilizados na terapia gênica são retrovírus, adeno-


vírus e adenoassociados (Figura 9).

Geralmente, os vírus infectam tipos celulares muito específicos, pois necessitam


que as proteínas expostas em seus capsídeos sejam reconhecidas pelos receptores
da célula hospedeira.

Essa especificidade é um destaque importante para garantir que o alvo infectado


seja a célula correta, ou seja, a célula que deve ser submetida à manipulação genética.
• Retrovírus: A grande vantagem dos retrovírus está na sua capacidade de in-
tegração ao genoma do hospedeiro, fazendo com que a modificação gênica

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UNIDADE Biotecnologia Clínica

proposta seja permanente. Além disso, possuem a capacidade de infectar cé-


lulas que se dividem e células que não se dividem, apresentam amplo tropis-
mo tecidual, incluindo importantes tipos de células-alvo de terapia genética e
celular. Possuem um sistema relativamente fácil para manipulação e produção
de vetores;
• Adenovírus: Os adenovírus são partículas virais de 100nm não envelopados.
Suportam transgenes de até 36kb e apresentam tropismo neuronal. Seu uso
na Terapia Gênica é limitado devido à alta toxicidade observada nos primeiros
testes clínicos;
• Adenoassociados (AAV): Os vírus adenoassociados apresentam a capacidade
de transportar material exógeno de até 4,7kb, sendo esta sua principal limita-
ção. O uso desses vetores representa cerca de 7,6% dos ensaios clínicos, sendo
que, desses, aproximadamente 20% estão direcionados ao desenvolvimento da
Terapia Gênica para doenças neurodegenerativas. A grande vantagem de se
utilizar o AAV é o baixo risco de infecções patogênicas, pois, para causarem
infecção, são dependentes de uma coinfecção.

Figura 9 – Principais vetores virais para Terapia Gênica


Fonte: Getty Images

Teste Seu Conhecimento


1. Em quais categorias podem ser incluídos os diferentes métodos para in-
troduzir genes terapêuticos em células-alvo?
2. O que é e como funciona a biobalística?
3. O que são e como são utilizados os lipossomos na Terapia Gênica? Quais
as vantagens e as desvantagens desse método?
4. Quais as vantagens de empregar vírus para inserir genes terapêuticos em pro-
cedimentos de Terapia Gênica? Quais os cuidados que devem ser tomados?

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CRISPR-Cas9
Em 1995, foi observado que no genoma de bactérias havia repetições em tandem
chamadas TREPs – do inglês “Tandem repeats”.

TREPs são sequências de 30 pares de bases com simetria dupla, invertidas em


tandem e interespaçadas por até 39 nucleotídeos de sequência única, altamente
conservada.

Alguns anos mais tarde, em 2002, essas repetições foram denominadas CRISPR
(do inglês, Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeat) e se perce-
beu que pareciam ser transcritas e processadas em pequenos fragmentos de RNA,
podendo ter diversas funções.

Além disso, foi identificado que o gene Cas, que codificava para uma endonucle-
ase estava localizado adjacente ao locus CRISPR, o que poderia indicar uma relação
funcional com as repetições nas bactérias e associação a esse Sistema.

Em 2005, foi possível constatar a relação do CRISPR e do mecanismo de defesa


da bactéria contra infecções por bacteriófagos.

Bacteriófagos são vírus que infectam especificamente bactérias.

Os pesquisadores mostraram que os espaçadores do CRISPR bacteriano per-


tenciam a sequências homólogas pré-existentes em seus genomas, podendo ser de
elementos como bacteriófagos.

Verificou-se que quando a bactéria era infectada por um bacteriófago, seu geno-
ma era clivado e pequenas sequências eram incorporadas ao genoma da bactéria.

Quando um bacteriófago contendo sequência genética similar ao vírus anterior


tentava infectar essa bactéria, esses pequenos espaçadores eram transcritos e forma-
vam uma dupla fita complementar com o DNA do invasor.

A dupla fita era reconhecida pela endonuclease Cas9 e clivada. Em outras


palavras, os bacteriófagos não conseguem infectar bactérias que possuem em
seus genomas pequenas sequências espaçadoras complementares especifica-
mente a sequências de seu genoma, pois são reconhecidos e clivados pela nu-
clease Cas9.

Pesquisadores constataram que quando a bactéria é infectada por um bacteriófago, seu


genoma é clivado e pequenas sequências são incorporadas ao genoma da bactéria em regi-
ões espaçadoras. Quando outro bacteriófago contendo sequência genética similar ao vírus
anterior tenta infectar essa bactéria, esses pequenos espaçadores são transcritos e formam
uma dupla fita complementar com o DNA do invasor. A dupla fita é reconhecida pela endo-
nuclease Cas9 e clivada. Disponível em: https://bit.ly/3bWDPEc

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Mais tarde, Jennifer Doudna e Emannulle Charpentier perceberam que esse “Sis-
tema Imune” das bactérias poderia ser utilizado para gerar quebras na dupla fita de
DNA de forma direcionada, o que foi a base para a atual revolução da terapia gênica
utilizando o Sistema CRISPR-Cas9.

O vídeo disponível no link a seguir explica de forma muito simplificada a Técnica de CRISPR.
Embora seja um vídeo em inglês, é possível adicionar legendas em português.
Disponível em: https://bit.ly/2Rgsebs

Quando esse Sistema é aplicado à Terapia Gênica, o RNA guia (gRNA) pode ser
direcionado, por complementariedade de bases, para o gene alvo de interesse, ou
seja, aquele que se deseja alterar por ser não funcional.

Assim como o nome sugere, o gRNA guia a endonuclease Cas9 para o local cor-
reto e esta gera uma quebra na dupla fita de DNA adjacente à sequência PAM (do
inglês, Protospacer Adjacent Motif).

Mecanismos de reparo de DNA da célula entram em ação para corrigir a quebra


no cromossomo. Se tal quebra for reparada por um mecanismo propenso a erros,
conhecido por NHEJ (Junção de Extremidades Não Homólogas, do inglês, Non-
-Homologous End Joining), o gene perderá função.

Essa estratégia é especialmente utilizada na Terapia Gênica contra o câncer.

Por outro lado, se a quebra na dupla fita for reparada pelo Mecanismo de Recom-
binação Homóloga (HDR, do inglês Homology-Directed Repair), não propenso a
erros, é possível substituir a região contendo a mutação por uma sequência “sadia”.

Para visualizar o funcionamento do sistema CRISPR-Cas9.


Disponível em: https://youtu.be/27l7ZVpL7W0
Veja o vídeo disponível no link a seguir, no qual é apresentado um histórico de descobertas
científicas que culminaram na edição de genes pela Técnica CRISPR/Cas9.
Disponível em: https://youtu.be/N1uz8AYx8h0

A partir dos experimentos iniciais de Jennifer Doudna e Emannulle Charpentier,


uma enorme quantidade de Artigos foram publicados sobre o tema, chamando a
atenção da comunidade científica.

Muitos grupos de pesquisa têm se dedicado a aplicar esses fundamentos no com-


bate a diferentes tipos câncer, hemofilia, beta talassemia, anemia falciforme e para
doenças infecciosas, especialmente a AIDS, dentre muitas outras.

Para essa última aplicação, resultados muito promissores foram obtidos recente-
mente, como o sucesso na excisão do provírus em células de pacientes infectados, o
que abre perspectivas reais para a cura desta doença que vitima milhões de pessoas
em todo o mundo.

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Entretanto, a despeito de seu enorme potencial, os Princípios Bioéticos preconi-
zados pelas Sociedades científicas e as Leis instituídas pelos países sobre o uso desse
Sistema em humanos devem ser obedecidos à risca para a segurança da Sociedade
como um todo.

Teste Seu Conhecimento


1. Como o Sistema CRISPR/Cas9 foi descoberto na Natureza? Qual a fun-
ção desse Sistema na Natureza?
2. Como o Sistema CRISPR/Cas9 pode ser utilizado na Terapia Gênica?
3. Por que apesar de promissora, essa Técnica deve ser utilizada com má-
xima Ética e cuidado?

Em Síntese
Nesta Unidade, apresentamos a Biotecnologia como estratégia eficaz na prevenção (vaci-
nas) e tratamento (Terapia Gênica) de doenças infecciosas e genéticas, respectivamente.
Os últimos sessenta anos testemunharam avanços significativos nessa área, abrindo
perspectivas ainda melhores para o futuro próximo.
A segurança da Terapia Gênica baseada em CRISPR-Cas9 ainda necessita ser testada em
modelos adequados e, posteriormente, em humanos, para que possa beneficiar pacien-
tes acometidos por tais doenças.
No cenário brasileiro, estudos em Terapia Gênica ainda são escassos. Em 2005, foi criada
uma Rede de Terapia Gênica Brasileira, que incluía Grupos de Pesquisa de três estados:
Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
O alvo da Rede era Terapia Gênica e vacinas de DNA para câncer e doenças neurodege-
nerativas, dentre outras.

Já pensou em estudar e trabalhar com Terapia Gênica e ser um futuro biomédico e agente
transformador nesse cenário promissor, cheio de desafios científicos e com possíveis apli-
cações terapêuticas?

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UNIDADE Biotecnologia Clínica

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Biotecnologia Aplicada ao Desenvolvimento de Vacinas
https://bit.ly/2Xg2BLI
Terapia gênica: o que é, o que não é e o que será
https://bit.ly/39GJ35C
Vetores virais para Terapia Gênica
https://bit.ly/2V54R5I
The Potential Use of the CRISPR-Cas System for HIV-1 Gene Therapy
https://bit.ly/34hrHLi

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Referências
ALBERTS, B. et al. Biologia Molecular da Célula. Porto Alegre: Artmed, 2011. 1396p.

COOPER, G. M. A célula: uma abordagem molecular. 3.ed. Porto Alegre: Artmed,


2007. 736p.

KARP, G. Biologia celular e molecular: conceitos e experimentos. Barueri: Manole,


2005. 832p.

LODISH, H. et al. Biologia Celular e Molecular. 7.ed. Porto Alegre: Artmed,


2015. 1244p.

STRACHAN. T READ. A. Human Molecular Genetics. EUA: Gerland Science, 2018.

TORTORA, J. G.; FUNKE, R., B.; CASE, L., C. Microbiologia. 12.ed. Porto Alegre:
Artmed, 2017.

WATSON, J. D. et al. Biologia Molecular do Gene. Porto Alegre: Artmed, 2015. 912p.

ZAHA, A.; FERREIRA, H. B., PASSAGLIA, L. M. P. Biologia Molecular básica.


5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 416p.

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