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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito Fiscal - 2021/2022 - Casos práticos


Regência: Professora Doutora Ana Paula Dourado
Equipa: Mestres Nuno Oliveira Garcia, Sónia Martins Reis, Sérgio Varela Alves,
Daniela Pessoa Tavares e Daniel S. de Bobos-Radu

1.Espécies de Tributos
Farto dos garridos reclamos e anúncios luminosos na cobertura de prédios
lisboetas, que segundo o presidente da CML desarmonizavam a estética da cidade e
afastavam os turistas, o executivo camarário de Lisboa apresentou à respetiva Assembleia
Municipal uma proposta de criação de uma Taxa Especial a incidir sobre todo e qualquer
objeto e estrutura publicitária colocado na cobertura ou telhado dos imóveis sitos nos
bairros históricos do Castelo, Mouraria, Príncipe Real e Chiado. Ainda de acordo com a
proposta, o tributo deveria assentar sobre (i) o valor tributário dos prédios e, sempre que
este valor se revele manifestamente desatualizado, (ii) sobre uma ponderação da média
dos rendimentos sujeitos a IRS declarados pelos proprietários desses imóveis. A referida
proposta propunha também a criação de isenções específicas para (i) os imóveis cujo valor
patrimonial não excedesse os € 2500 e para (ii) as sedes dos partidos políticos.
Quid iuris?

2.Substituição e responsabilidade tributária

Deolinda Nunes, gerente da empresa “Lagoas e Mares, Lda”, com sede em Faro,
está muito apreensiva relativamente aos meses de setembro e outubro, já que a empresa
suportou um valor elevado de juros para financiar a sua sucursal em Loulé e pagou
diversas coimas por infracções cometidas no trânsito com as viaturas da empresa. Nesse
período, o departamento financeiro da empresa não efetuou sequer as retenções na fonte
aos trabalhadores da empresa em relação aos seus salários. E, por outro lado, em face das
graves dificuldades financeiras da empresa, não foram entregues as quotizações dos
trabalhadores para a Segurança Social.
Quid iuris?
3.Tributos e princípio da legalidade
Visando aproveitar o crescente afluxo de turistas ao país, o Governo cria, através
de decreto-lei simples, uma “Taxa sobre Turismo de Luxo”, que incide sobre o preço das
refeições e das estadias, respetivamente, em restaurantes e estabelecimentos hoteleiros de
luxo.
Poucos dias depois, uma Portaria:
i) define os critérios para a classificação de restaurantes e estabelecimentos
hoteleiros como “de luxo”, para efeitos da “Taxa sobre Turismo de Luxo”; e
ii) isenta da aludida taxa as refeições em restaurantes que se revistam de
“manifesto interesse para a preservação do património gastronómico
português”.
Quid iuris?

4.Princípio da legalidade
Após a outorga, por parte da Assembleia da República, de uma lei de autorização
legislativa, onde se permitia ao Governo «tributar em IRS todos os rendimentos pessoais
que decorram de uma relação de trabalho dependente», é aprovado um decreto-lei que
prevê:
«1 – As prestações a que o trabalhador tenha direito por efeito da lei ou do contrato
de trabalho, assim como as despesas cujo encargo a entidade patronal assuma no
predominante interesse daquele, serão tributadas em IRS.
2 – O valor tributável das prestações e despesas a que se refere o número anterior
será o seu valor nominal ou, na falta deste, o valor mais próximo das condições normais
de mercado.
3 – As despesas do n.º 1 não serão dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro
tributável em IRC e, acaso se mostrem excessivas, serão tributadas autonomamente à taxa
de 42%.
4 – Será fixada, por Portaria, a lista das prestações a que referem os n.os 1, 2 e 3,
bem como os critérios concretos para apuramento do seu valor.
5 – São isentados do pagamento do imposto os trabalhadores da construção naval.»
O Governo aprovou finalmente o decreto-lei que procede à alteração do imposto
sobre a venda de imóveis, pondo termo à imensa fraude que se tinha instalado no sector
da construção civil.
O imposto passa a ser calculado de acordo com o “valor objetivo” de cada imóvel,
um valor a fixar pelos serviços de finanças atendendo à sua “localização”,
“equipamentos” e “antiguidade”, bem como a “outros fatores relevantes” que a lei em si
mesma não especifica. Por portaria do Ministro das Finanças haver-se-ia de precisar
melhor estes elementos e o peso relativo de cada um no cálculo do valor tributável.
Ao valor assim determinado aplicar-se-ia uma taxa única de 2% nas grandes
cidades, podendo, fora delas, oscilar a taxa entre os 0,8% e 1%, consoante deliberação
das assembleias municipais, uma solução que a Federação dos Municípios Portugueses
sustenta ser inconstitucional por comprimir em demasia a autonomia financeira local.
A proposta da Federação era antes a de que na generalidade dos municípios a taxa
pudesse oscilar entre os 0,5% e os 5% e que por deliberação das assembleias municipais
se pudessem isentar de imposto todos os imóveis situados em “zonas degradadas”, tal
como os próprios municípios as definissem
Quid iuris?

5.Aplicação da Lei no Tempo


O Governo, na sequência da grave crise financeira, e tendo em vista cumprir as
obrigações de redução do défice público constantes no Programa de Estabilidade e
Crescimento para o período de 2011-2015, propõe, no dia 1 de abril de 2015, à
Assembleia da República as seguintes medidas legislativas:
1. Aumentar a taxa do IVA para 25% com efeitos a partir do dia 1 de maio de
2015;
2. Aumentar a taxa máxima de IRS para as duas categorias mais elevadas em 5%
com efeitos nos rendimentos pessoais de 2015;
3. Aumentar a taxa de IRC para 27% para os rendimentos das pessoas coletivas
com efeitos no lucro tributável de 2015, e agravando a tributação autónoma
das despesas com veículos automóveis para 60%;
4. Estabelecer um adicional de 6% ao IRS apurado e liquidado em 2014;
5. Eliminar, com efeitos ao dia 1 de janeiro de 2014, os benefícios fiscais
relativos à contratação de jovens desempregados.
6. Prever a tributação imediata em IRS de todas as mais-valias mobiliárias,
independentemente do momento da aquisição das ações e do período de
detenção.
Quid iuris?
6.IRS e IRC: capacidade contributiva, coleta mínima e sinais exteriores de riqueza,
finalidade do imposto, confisco, dedutibilidade de gastos
Por entre mais uma “crise das instituições democráticas”, a Assembleia da
República aprova um novo pacote de medidas de luta contra a fraude e a evasão fiscais.
Antes do mais, todas as empresas passam a estar sujeitas a uma coleta mínima no
valor anual de mil euros, a aplicar já relativamente ao ano em curso e independentemente
dos lucros que resultem da sua atividade. Trata-se de uma medida com um propósito
elementar de moralização a que se soma a eliminação de todos os benefícios fiscais
relativos a cooperativas, fundações e instituições de utilidade pública, dados os abusos
que nesta matéria têm vindo a ser constatados pela Administração.
Depois, estabelece-se que sempre que os contribuintes singulares possuam
determinados sinais exteriores de riqueza se presuma, para efeitos de IRS, que são
titulares de um determinado rendimento, a menos que façam prova do contrário. A tabela
a usar para o cálculo deste rendimento presumido é a seguinte:
Viagens 10 vezes o valor
Cartões de crédito 20 vezes o plafond
Telemóvel 20 vezes o valor
Despesas em discotecas 10 vezes o consumo mensal
Enfim, por modo a reforçar a moralização do sistema, determina-se que todos os
rendimentos provenientes de práticas ilícitas fiquem sujeitos a uma taxa agravada de IRS
ou de IRC de 60% e que as despesas suportadas com práticas ilícitas não sejam dedutíveis
ao rendimento de empresas e profissionais.
Quid iuris?
7.IRS, rendimentos ativos, rendimentos passivos
No ano transato, António e Maria tiveram os seguintes rendimentos:
i) O salário dele e os rendimentos que ela obtém enquanto advogada. Contudo,
relativamente a este último rendimento, houve que contar com variadas
despesas;
ii) Juros de um depósito a prazo e dividendos de ações da ‘PT’ que compraram
há alguns anos;
iii) Uma pequena mais-valia relativamente a algumas das ações, que venderam.
Contudo, a vida não é fácil. Foram elevadas as despesas de saúde e de educação
dos três filhos, e ainda tiveram a seu cargo o pai de António, que vive com eles e recebe
apenas a pensão mínima.
Quid iuris?

8.Categorias de rendimentos de IRS, gastos empresariais, substituição e


responsabilidade tributária
Joaquim, administrador de uma empresa de contabilidade, utilizava para uso
pessoal um carro que a sua entidade patronal, a sociedade Átila & Irmãos, lhe havia
disponibilizado, bem como recebia subsídio de almoço e subsídio de residência. A
entidade patronal pagou ainda uma viagem de férias ao Dubai a Joaquim e a toda a sua
família. Contudo, e na sequência da epidemia que se abateu sobre o País e estando a Átila
& Irmãos com dificuldades financeiras, decidiu deixar de entregar os montantes retidos
aos seus funcionários aquando do pagamento dos salários junto das Autoridades Fiscais
Portuguesas.
Quid iuris?
9.Métodos diretos e métodos indiretos de avaliação
A sociedade anónima H, que vende veículos automóveis, recebeu a visita de uma
equipa de inspeção tributária.
A equipa fez as seguintes correções ao balanço fiscal, que apresentava um
resultado líquido positivo de 10 milhões de euros no ano de 2008 e um valor bruto de
vendas de 100 milhões de euros:
– desconsideração, como custo, das multas pagas por contra-ordenação
rodoviária, no valor de 50 mil euros;
– desconsideração, como custo, das rendas pagas ao senhorio no valor de 500
mil euros, por não existir fatura, mas um mero recibo;
– desconsideração de uma despesa de 1 milhão de euros, apenas identificada por
um talão justificativo que dizia “luvas e subornos”;
– tributação autónoma a 50% das verbas por “luvas e subornos”
– desconsideração de 50 mil euros em almoços e jantares suportados pela
sociedade, relativos à representação da empresa junto de clientes e
fornecedores, por ser considerado um valor excessivo.
A equipa de inspecção defende ainda a desconsideração da contabilidade por (a)
ser inviável em face do número de correcções detectadas, (b) por haver sociedades
concorrente no mesmo sector de actividade a facturar 50% mais do que a sociedade H e
(c) por ter ocorrido uma redução em 35% do volume de receitas face ao ano anterior.
Por conseguinte, a equipa decidiu-se pela aplicação de uma margem de 30% sobre
o valor bruto das vendas registado em empresas concorrentes nesse ano – que se situavam,
em média, em 200 milhões de euros. Apurou-se, assim, um resultado líquido de 60
milhões e a subsequente liquidação de IRC no valor de 12 milhões de euros.
Quid iuris?
10.IRC, normas especiais antiabuso e cláusula geral antiabuso
A sociedade anónima X prevê apresentar um resultado líquido do exercício
positivo de 200 milhões de euros, em 2014, pretendendo ainda distribuir o máximo do
lucro possível aos cinco sócios.
Face à possibilidade de se ver confrontada com uma elevada coleta de IRC, além
do IRS dos respetivos sócios pela distribuição de dividendos, a sociedade X resolve
consultar um Técnico Oficial de Contas (TOC), conhecido do sócio.
O TOC fez uma análise fiscal da situação e apresenta uma proposta de poupança
fiscal, onde se pode ler:
Sem qualquer intervenção, a carga fiscal global ascenderia a 46 milhões de euros
em IRC (23% x 200 milhões) e a cerca de 77 milhões de euros em IRS (aprox.
53% x [200 milhões – 50 milhões]).
No mesmo documento, como proposta de otimização fiscal, o TOC sugeriu à
sociedade X:
• Pagamento de 50 milhões de Euros a uma sociedade situada na República de
Vanuatu, por prestação de serviços de consultoria geral, criando assim
custos;
• Venda à sociedade Z – que é detida em 55% pela empresa X – ao valor de
mercado, de acções que detém na sociedade Y, gerando uma menos-valia
mobiliária de 50 milhões;
• Compra de maquinaria industrial pelo dobro do seu preço de mercado à
sociedade Z, permitindo assim deduzir uma quota de amortização de 25
milhões de euros já em 2014;
• Compra de jóias para as esposas dos 3 administradores, no valor de 50
milhões de euros, deduzindo assim o respetivo valor em IRC e evitando a
tributação dos administradores em IRS;
• Compra aos sócios de parte das ações que estes têm na própria sociedade,
pagando esta pelas ações próprias o valor de 150 milhões de euros. A
sociedade comprometer-se-á, ainda, a revender as mesmas aos sócios pelo
valor de mil euros logo no ano de 2014, enquanto os sócios financiarão
gratuitamente a sociedade em 150 milhões de euros em 2014 e 2015.
Os administradores da sociedade não sabem o que pensar de tudo isto, enquanto
o Revisor Oficial de Contas (ROC) da sociedade, por seu lado, não está minimamente
convencido com a análise. Em particular, o ROC acha que a proposta não vai resultar e
que vai trazer até mais encargos em IRS e IRC do que se nada se fizesse.
Quid iuris? (Quem tem razão?)
11. IVA
Arnaldo é um humilde apanhador de trufas (túberas) no Alto Alentejo. A sua
atividade consiste em apanhar trufas, com a ajuda de dois suínos treinados para o efeito,
para posteriormente as vender a vários restaurantes em Lisboa.
No início de 2020, atendendo à sua crescente profissionalização, Arnaldo
submeteu uma declaração de início de actividade para efeitos de IVA e, posteriormente,
deduziu o imposto incorrido nas seguintes despesas:
- Aquisição de uma mota para fazer entregas em tempo recorde, assegurando a
frescura das trufas;
- Aquisição de várias sessões de treino para os seus porcos, ministradas em
Toulouse por um especialista de renome;
- Aquisição de um pointer treinado para farejar trufa branca, diretamente a um
criador britânico, tendo o animal sido expedido por via aérea e desalfandegado na
Alfândega do Aeroporto de Lisboa.
Na sequência de um pedido de reembolso de IVA, Arnaldo foi alvo de uma
inspecção tributária, tendo-lhe sido negado o direito à dedução com base no argumento
de que “apanhar trufas não pode ser uma profissão”. Nessa medida, a Administração
Fiscal entendeu que se encontrava verificada a qualidade de sujeito passivo do imposto.
Em outubro de 2021, num início de Outono atípico, Arnaldo, com o apoio do seu
pointer, encontrou uma trufa branca de 1,3 kg, avaliada em 900.000 Euros. Não obstante,
Arnaldo decidiu não vendê-la: preferiu organizar um banquete e servir a trufa em vários
pratos da gastronomia regional. O Presidente da República participou no referido
banquete, o qual surtiu o efeito pretendido por Arnaldo: colocar a sua região no mapa
internacional da trufa.
No entanto, a Administração Fiscal, que havia tomado conhecimento do sucedido
através dos meios de comunicação social, resolveu iniciar uma nova inspecção tributária,
tendo liquidado a Arnaldo imposto em falta no montante de 207.000 Euros a título de
IVA devido (23%) pela afetação da famosa trufa a um fim alheio à sua actividade
económica.
No final, Arnaldo não conseguiu deduzir o IVA incorrido nas suas aquisições, não
lucrou com a trufa e ainda teve que suportar IVA à taxa de 23% sobre o seu presumível
valor. Quid iuris?

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