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CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA E SURDEZ

Relma Urel Carbone Carneiro


Daiane Natalia Schiavon

1 Introdução

O ser humano, de maneira geral, é dotado de sentidos que o ajudam em sua


interação com o meio físico e social possibilitando de maneira gradual seu
desenvolvimento global. A ausência ou diminuição de um ou mais sentidos interfere
nessa dinâmica natural e provoca a utilização de mecanismos variados, diferentes
dos usualmente utilizados, para adaptação do indivíduo ao seu meio.
Assim, compreender quais as consequências da deficiência auditiva/surdez
se faz necessário e importante sabermos sobre o processamento normal da
audição, que envolve conhecimentos sobre a estrutura anatômica do ouvido humano
e de seu funcionamento.
A audição é um dos sentidos presente, na criança, desde o seu nascimento,
trazendo informações sobre o mundo que a cerca, além de oferecer ao indivíduo
informações sonoras, capazes de alertar quanto ao perigo e de situar um objeto no
espaço, é o principal meio de desenvolvimento da linguagem oral, importante canal
de desenvolvimento da comunicação e interação humana.
Embora a linguagem seja manifestada de várias formas como pela escrita,
por gestos, por expressões, a fala é muito importante e comumente a mais usada
para a expressão do pensamento humano. Assim, indivíduos que não possuem a
audição que proporcione o desenvolvimento natural da linguagem oral, desenvolvem
outra forma de expressão da linguagem, isto é, de sinais. Essas diferenciações
interferem diretamente no desenvolvimento e na aprendizagem de cada indivíduo e
dependem de alguns fatores que serão discutidos a seguir.

2 Conhecendo um pouco mais sobre a Deficiência Auditiva e Surdez

Existem diversas causas que podem contribuir para ocasionar à deficiência


auditiva ou a surdez, sendo que, podem acontecer em momentos diferentes da vida.
É importante ressaltarmos a evidência de conceitos distintos relacionados à
deficiência auditiva e a surdez, isto é, um, do ponto de vista clínico (grau da perda) e
outro, do ponto de vista linguístico e cultural. Destacamos neste momento que estes
termos não são utilizados como sinônimos.
Segundo autores como Lloyd e Kaplan (1978), Gonzáles (2007), Coll,
Marchesi e Palacios (2004) e Bevilacqua (1998), podemos caracterizar estas de
acordo com três principais aspectos: a Etiologia (causas da deficiência
auditiva/surdez); ao período de aquisição e localização da lesão.

2.1 Etiologia

Pré-natais: quando a alteração ocorreu antes do nascimento, na vida


intrauterina (dentro do útero), e como exemplo dessas causas temos fatores
genéticos e hereditários, doenças adquiridas pela mãe como rubéola, toxoplasmose,
sífilis, citomegalovírus, entre outras, drogas ototóxicas1, drogas como fumo, álcool,
exposição a raio X, consanguinidade, fator RH, entre outras.

Peri-natais: quando a alteração ocorreu durante o nascimento ou nos


primeiros dias de vida podendo ser por anóxia2, baixo peso, traumatismo de parto,
prematuridade e pós maturidade, entre outras.

Pós-natais: quando a audição foi afetada após o nascimento podendo ocorrer


ao longo da vida do indivíduo como doenças infecto contagiosas (caxumba,
sarampo, meningite, etc), medicamento ototóxico, otites recorrentes, traumatismo
craniano, exposição constante a ruído, avanço da idade, entre outras. Dependendo
do momento em que audição foi lesada ela apresenta consequências diferentes
como se antes ou depois do desenvolvimento da fala. Outro fator relevante é a
localização da lesão dentro do sistema auditivo, que pode decorrer tanto um prejuízo
leve quanto um severo.

1 Remédios ingeridos pela mãe que podem afetar o desenvolvimento auditivo do feto.
2 Falta de oxigenação no organismo por respiração deficiente.
2.2 Período de aquisição e localização da Lesão

Com relação ao período de aquisição, a surdez pode ser dividida em dois


grandes grupos:

Congênitas: quando o indivíduo já nasceu surdo. Nesse caso a surdez é


pré-lingual, ou seja, ocorreu antes da aquisição da linguagem.
Adquiridas: quando o indivíduo perde a audição no decorrer da sua vida.
Nesse caso a surdez poderá ser pré ou pós-lingual, dependendo da sua
ocorrência ter se dado antes ou depois da aquisição da linguagem (BRASIL,
2002, p. 21-23).

Com relação à localização (tipo de perda auditiva) da lesão, a alteração


auditiva pode ser:

Condutiva: quando está localizada no ouvido externo e/ou ouvido médio;


as principais causas deste tipo são as otites, rolha de cera, acúmulo de
secreção que vai da tuba auditiva para o interior do ouvido médio,
prejudicando a vibração dos ossículos (geralmente aparece em crianças
frequentemente resfriadas). Na maioria dos casos, essas perdas são
reversíveis após tratamento.
Neurossensorial: quando a alteração está localizada no ouvido interno
(cóclea ou em fibras do nervo auditivo). Esse tipo de lesão é irreversível; a
causa mais comum é a meningite e a rubéola materna.
Mista: quando a alteração auditiva está localizada no ouvido externo e/ou
médio e ouvido interno. Geralmente ocorre devido a fatores genéticos,
determinantes de má formação.
Central: A alteração pode se localizar desde o tronco cerebral até às
regiões subcorticais e córtex cerebral (BRASIL, 2002, p. 21-23).

Dessa maneira, vemos na figura abaixo a estrutura do aparelho auditivo e


podemos localizar em quais partes desta estrutura elas ocorrem:
Imagem 1 – Estrutura do aparelho auditivo.

Fonte: http://otorrinochapeco.site.med.br/index.asp?PageName=OUVIDOS

2.3 Definição e classificação

A deficiência auditiva/surdez é caracterizada como uma diminuição da


capacidade de percepção dos sons que pode variar de um grau leve até um grau
profundo. O ouvido humano é capaz de perceber sons que variam entre 0 e 120
decibéis (dB), sendo que sons acima de 120 decibéis causam desconforto. A
caracterização da deficiência auditiva/surdez quanto ao grau de comprometimento é
classificada, de acordo com Lloyd e Kaplan (1978) e Bevilacqua (1998) da seguinte
forma: ≤ 25 dB (Audição normal); 26 - 40 dB (Perda auditiva de grau leve); 41 - 55
dB (Perda auditiva de grau moderado); 56 - 70 dB (Perda auditiva de grau
moderadamente severo); 71 - 90 dB (Perda auditiva de grau severo); 91 dB (Perda
auditiva de grau profundo) (Lloyd e Kaplan, 1978).
Essa classificação significa que uma pessoa que tem uma perda de audição
leve precisa que um som tenha uma intensidade maior que 26 decibéis para que ela
o ouça. Da mesma forma, pessoas com perdas profundas de audição precisam que
os sons sejam de intensidade maiores que 91 decibéis. Os sons da fala variam entre
50 e 70 decibéis, desta forma, pessoas com perdas auditivas severas e profundas
não percebem sons de fala.
Essa variação de capacidade auditiva demonstra a heterogeneidade das
pessoas com perdas de audição. Segundo Coll, Marchesi e Palacios (2004, p.221),
"o desenvolvimento comunicativo e linguístico de crianças surdas com uma perda
auditiva profunda, por exemplo, apresenta aspectos muito distintos daquelas com
perdas leves ou hipoacústicas". Se os pais de crianças com perdas auditivas são
surdos ou ouvintes também é um fator importante no desenvolvimento global dessa
criança, uma vez que, são os primeiros modelos de comunicação. Pais surdos de
crianças surdas as expõem ao contato com a língua de sinais desde seu
nascimento, e isso, propicia um desenvolvimento linguístico adequado,
diferentemente, pais ouvintes de filhos surdos não serão, a menos que façam isso
intencionalmente, modelos linguísticos naturalmente.

3 Caracterizando a perda auditiva

Uma pessoa que nasce surda percebe os sons da fala? Pode adquirir
linguagem? Deve colocar o implante? Deve apender Libras? Será que os diferentes
graus de perda auditiva implicam em diferentes condições e possibilidades? Quais
seriam essas?
A seguir apresentamos um quadro das principais consequências da perda
auditiva para o desenvolvimento da linguagem oral de uma criança, considerando os
graus da perda.

Quadro 1 – Classificação da Deficiência auditiva e Surdez


Deficiência • Percebe todos os sons de fala (que variam entre 50 e
Auditiva de grau 70 dB);
Leve: 26 a 40 dB • Adquire linguagem oral espontaneamente;
• Pode apresentar algumas dificuldades de
compreensão em ambientes muito ruidosos.
Deficiência • Geralmente há atraso na aquisição da linguagem oral;
Auditiva de grau • Apresenta alterações articulatórias (trocas de fonemas
Moderada: 41 a 55 na fala);
dB • Não percebe todos os sons da fala com a mesma
clareza;
• Apresenta dificuldade em perceber a fala em ambiente
ruidoso;
• Geralmente apresentam-se desatentas e com
dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.
Porém podem se desenvolver quase que normalmente
com a utilização de aparelho de amplificação sonora
individual (AASI).
Deficiência • Apresenta dificuldade em adquirir a fala naturalmente,
Auditiva de grau desenvolvendo, às vezes, apenas um vocabulário familiar
moderadamente de poucas palavras.
severo: 56 - 70 dB • Pode se beneficiar do uso de aparelho de audição e
terapia fonoaudiológica.

Deficiência • Apresenta dificuldade de aprendizado da leitura e


Auditiva de grau escrita, mas, com uso de aparelho auditivo e/ou implante
Severo: 71 a 90 dB coclear e intervenção fonoaudiológica a criança poderá
receber informações utilizando a audição para o
desenvolvimento da fala, linguagem e aprendizado
acadêmico;
• Quando usuária de LIBRAS necessita do professor
interlocutor (intérprete educacional) e apoio da
comunidade surda para referência e desenvolvimento da
identidade surda.
Deficiência • Não detecta sons de fala de forma que dificilmente a
Auditiva de grau desenvolve;
Profundo: acima • Só responde auditivamente a sons muito intensos
de 91 dB como bomba, trovão, motor de avião.
• Pode ocasionar transtornos na vida social e
educacional da criança;
• O diagnóstico e a intervenção precoces (uso de
aparelhos de audição e/ou implante coclear e terapia
fonoaudiológica) são fatores fundamentais para o
desenvolvimento da fala, da linguagem e, mais adiante, da
leitura e escrita;
• Caso a opção seja pela LIBRAS, as famílias devem
buscar cursos de LIBRAS e a proximidade com a
comunidade surda desde a mais tenra idade para que a
criança possa ter ganhos na aprendizagem, bem como
conversar com a criança em LIBRAS e contar histórias em
LIBRAS na mesma época de outras crianças.
• Frequentemente irão se valer da leitura orofacial, a
qual produz resultados melhores em conversas de pares e
grupos pequenos.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Tais dados demonstram que as características de indivíduos com perda de


audição são muito distintas, o que significa que suas necessidades também o são.
Diante de um diagnóstico de perda de audição, a família deve ser orientada a fazer a
opção ou não da adaptação de aparelho de amplificação sonora individual que, no
caso de crianças com perdas leves e moderadas, podem auxiliar na percepção e
desenvolvimento da linguagem oral.

3.1 Perdas auditivas severas e profundas

No caso de crianças com perdas severas e profundas de audição é


necessário considerar que as experiências de aprendizagem dessa criança serão
diferentes, não ancoradas na audição, mas sim nos outros sentidos. Neste caso a
família deve ser orientada a aprender a língua de sinais, além de buscar o ensino
dessa língua para seu filho o mais breve possível, pois a maioria das crianças
surdas são filhas de pais ouvintes, o que não as coloca em um ambiente linguístico
propício naturalmente.
4 Deficiência Auditiva/Surdez e ações pedagógicas

E na escola? Quando recebemos nossos estudantes com deficiência


auditiva/surdez, o que pode acontecer? Como eles se comportam? Como os
professores agem ou devem agir?
Pensando no ambiente escolar percebemos que as ações pedagógicas
necessárias para efetiva participação desses estudantes requerem adaptações de
maneiras variadas e de acordo com a necessidade de cada um. Apresentamos no
quadro abaixo, algumas estratégias de acordo com as características dos
estudantes a partir do grau de sua perda auditiva.

Quadro 2 - Características de estudantes com Deficiência Auditiva/Surdez e


estratégias na escola.
Deficiência Pode passar despercebido ou ser confundido como um
Auditiva de grau estudante desatento ou desinteressado. O professor deve
Leve: 26 a 40 dB encaminhar para avaliação audiológica e, se confirmado o
diagnóstico, considerar essa condição, preocupando-se com
o ruído da sala de aula, colocando o estudante mais próximo
dele e se certificando de que o estudante está
acompanhando a aula.
Deficiência Este estudante requer adaptações mais específicas como
Auditiva de grau utilização de aparelho de amplificação sonora individual-
Moderado: 41 a 55 AASI e acompanhamento fonoaudiológico, que o auxiliará no
dB desenvolvimento da linguagem oral. Na escola deve sentar-
se próximo ao professor, que deve sempre falar de frente
para ele, beneficiando sua leitura orofacial-LOF; a sala de
aula não deve ser ruidosa e o estudante poderá ter
atendimento educacional especializado-AEE se a escola
avaliar como necessário. Em sua prática pedagógica o
professor deve considerar sua condição enriquecendo sua
aula com informações visuais.
Deficiência Requer adaptações didáticas que podem variar de
Auditiva de grau estratégias metodológicas a recursos variados, bem como,
moderadamente atendimento educacional especializado.
severo: 56 - 70 dB
Deficiência Este estudante deve ter acesso a aprendizagem da língua de
Auditiva de grau sinais, professor interlocutor em sala de aula e atendimento
Severo: 71 a 90 dB educacional especializado.
Deficiência Este estudante deve ter acesso a aprendizagem da língua de
Auditiva Profunda: sinais, intérprete em sala de aula e atendimento educacional
acima de 91 dB especializado.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

No quadro fizemos menção à leitura orofacial-LOF que é a capacidade de


entender a palavra falada por outra pessoa por meio dos movimentos dos lábios,
independentemente da inteligência, sexo, grau de perda, época do aparecimento da
deficiência e outros fatores. Este é um recurso bastante utilizado pelas pessoas com
deficiência auditiva ou surda, auxiliando-os na compreensão da informação. O mais
importante, inicialmente, não é o conteúdo do que se diz, mas a tentativa de se
habituar a criança a fixar a atenção nos lábios do interlocutor, até o final da palavra
ou frase, pois um dos objetivos principais do treinamento em LOF (que deve ser feito
pelo fonoaudiólogo) é criar no estudante o hábito da atenção visual, interesse nos
movimentos dos lábios e na expressão da face.
Para o desenvolvimento da LOF, é imprescindível que se observe fatores
como:
• O rosto de quem fala deverá estar voltado para luz e ao nível dos olhos de
quem está sendo treinado;
• A distância entre emissor e receptor deverá ser suficiente para uma visão total
do rosto;
• A voz deverá ser normal, clara e a palavra bem articulada, mas sem
exageros;
• A expressão de quem fala deve ser coerente com a mensagem;
• Os movimentos de boca, cabeça ou braços não devem ser exagerados;
• Cigarros, balas, dedos na boca, devem ser evitados, pois podem dificultar a
compreensão da leitura dos lábios;
• As frases devem ser bem estruturadas em orações completas, porém claras,
simples e significativas para o estudante;
• A emissão da mensagem deve ser global e não fragmentada, pois a
comunicação telegráfica pode bloquear a compreensão.
A surdez interfere diretamente nas interações do estudante na escola,
considerando-se suas relações com os outros estudantes, com os professores, com
os demais membros da equipe escolar, quando não é estabelecido um canal de
comunicação. Desta forma é imprescindível que a escola se organize para oferecer
ao estudante com deficiência todas as condições necessárias para sua participação
de forma efetiva.

4.1 Sugestões
A seguir apresentamos algumas ações que podem, somadas a outras
decorrentes da realidade de cada escola e de cada estudante, auxiliar neste
processo.
• Trate o estudante de forma natural, não adotando atitudes paternalistas e
também não o relegando a um plano secundário;
• Esclareça os demais estudantes da classe sobre as suas condições e
necessidades favorecendo, assim, a sua aceitação e inclusão no ambiente
escolar;
• Determine o lugar do estudante, de modo que este veja o professor/intérprete
a maior parte do tempo e que a luz incida sobre o mesmo, a fim de facilitar o
uso de pistas visuais;
• Esteja alerta para que o estudante tenha sua atenção constantemente voltada
para o professor/intérprete durante as explicações;
• Fale com clareza, naturalidade, sempre voltado para os estudantes, sem
aumentar o tom de voz;
• Exponha e repita as mesmas ideias e conceitos de formas variadas com
vocabulário adequado e flexível; Inclua o estudante em todas as atividades
como elemento integrante do grupo.
4.2 Atenção!

Considerando as necessidades específicas podemos diferenciar as ações


pedagógicas para essa clientela em dois grandes grupos:
• Para os estudantes com perdas leves e moderadas de audição que se
beneficiam da tecnologia para amplificação de seu resíduo auditivo, as
adaptações curriculares devem prever acompanhamento fonoaudiológico, a
estruturação do ambiente físico, a formação do professor para adequação de
sua metodologia e estratégias de ensino, e, quando necessário, AEE para
apoiar sua escolarização e uma predisposição para o reconhecimento e
valorização das diferenças dos estudantes.
• Para os estudantes surdos, com perdas severas e profundas de audição as
adaptações curriculares englobam outros aspectos. Conforme a Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008), os estudantes surdos devem receber uma educação bilíngue
(Língua Portuguesa/LIBRAS), sendo este um papel da escola. Assim, deverá
oferecer o ensino de língua portuguesa na modalidade escrita como segunda
língua, os serviços de tradutor/intérprete, promover o ensino da LIBRAS para
os demais estudantes, oferecer o AEE tanto na modalidade oral e escrita
quanto na língua de sinais e garantir o direito de estar com pares surdos nas
turmas comuns.

Essa recomendação é fundamental para proporcionar a interação


comunicacional entre os pares. O AEE deve contar com profissionais com
conhecimentos específicos no ensino da LIBRAS e na língua portuguesa como
segunda língua. Para efetivação de um ensino de qualidade para os estudantes
surdos temos que atentar para alguns aspectos:

1º Aspecto: apropriação da Língua de Sinais como 1ª Língua

O artigo 22 do Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005), fala da garantia de


escolas e classes de educação bilíngue, aberta a estudantes surdos e ouvintes, com
professores bilíngues, na educação infantil e ensino fundamental, e esclarece que
escolas ou classes bilíngues são aquelas em que a LIBRAS e a modalidade escrita
da língua portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de
todo o processo educativo. O decreto fala também de atendimento especializado no
contraturno para o desenvolvimento de complementação curricular. Para tanto, as
escolas com estudantes surdos de educação infantil e ensino fundamental devem
contar com um professor de LIBRAS que ensine a língua de sinais aos estudantes
surdos que não a possuem (a maioria dos surdos são filhos de pais ouvintes), como
primeiro passo ao desenvolvimento do ensino. Sem uma língua de acesso a
comunicação e aos conteúdos curriculares, o estudante surdo não pode ser
ensinado.

2º Aspecto: Presença do professor interlocutor de Libras - Língua Portuguesa


em sala de aula

A atuação do intérprete é prevista por lei e fundamental para garantia de


acesso do surdo a escolarização, uma vez que, o professor da classe comum vai se
utilizar da modalidade oral da língua portuguesa para transmitir os conteúdos
curriculares. O tradutor/intérprete tem a função exclusiva de traduzir e interpretar os
conteúdos linguísticos, cabendo ao professor a responsabilidade pelo
desenvolvimento acadêmico do estudante surdo, contando com o apoio do professor
especializado quando necessário.

3º Aspecto: Adaptações curriculares

Considerando as instruções oferecidas pelo material “Adaptações


Curriculares – estratégias para educação de estudantes com necessidades
educacionais especiais” (BRASIL, 1999), a inclusão de estudantes surdos em
classes comuns passa, necessariamente, pela possibilidade das seguintes
adaptações curriculares:

Adaptações curriculares de grande porte:


• contratação de professor de libras;
• de tradutor/intérprete de libras/língua portuguesa;
• organização de serviços de apoio especializado;
• eliminação de objetivos, conteúdos, estratégias de ensino, formas de
avaliação incompatíveis com a condição de surdez;
• introdução de objetivos, conteúdos, estratégias de ensino, formas de
avaliação, diferenciados, que contemplem a diferença linguística e cultural do
surdo.
• alteração na temporalidade de aprendizagem, quando necessário.

Adaptações curriculares de pequeno porte:


• organizativas (organização de agrupamentos, didática e espaço);
• relativas aos objetivos e conteúdos (priorização, sequenciação e eliminação
de conteúdos secundários);
• avaliativas (adaptação e modificação de técnicas e instrumentos);
• nos procedimentos didáticos e nas atividades (modificação, eliminação,
adaptação);
• na temporalidade (modificação da temporalidade para determinados objetivos
e conteúdos previstos).

Adaptações no nível do projeto pedagógico:


• a escola assume a diversidade e trabalha com equidade.

Adaptações relativas ao currículo da classe:


• relação professor/estudante/estudante;
• trabalho colaborativo;
• organização do trabalho em classe promovendo a inclusão.

Adaptações individualizadas do currículo devendo-se considerar:


• a real necessidade das adaptações;
• a avaliação do nível de competência curricular do estudante, tendo como
referência o currículo regular; o respeito ao seu caráter processual, de modo
que permita alterações constantes e graduais nas tomadas de decisão.
Considerações finais

As reflexões contidas neste texto apontam para a necessidade da correta


identificação e caracterização dos estudantes com deficiência auditiva e com surdez,
de forma a organizar a escola e o trabalho pedagógico com vistas a oferecer as
respostas adequadas para que seu desenvolvimento aconteça de forma plena em
uma escola democrática, plural e equânime.
Zanata (2004) traz orientações específicas, advindas da Série Diretrizes,
formulada pelo MEC em 1995, quanto ao atendimento educacional do estudante
com perda auditiva, levando-se em consideração o nível de sua perda. A autora
destaca o seguinte trecho sobre os estudantes com os seguintes graus de surdes:

Surdez leve: o estudante deverá frequentar a escola comum do ensino


regular, (...) em geral esse estudante não apresenta dificuldades na classe
comum.
Surdez moderada: o estudante poderá frequentar a creche ou a sala de
estimulação, ou pré-escola do ensino regular, bem como ser alfabetizado e
prosseguir seus estudos com educandos ouvintes desde que receba
atendimento especializado em outro período diário.
Surdez severa: o estudante deverá receber estimulação no período da
educação infantil, em clínica fonoaudiológica, em sala de recurso, em
escola especializada ou classe especial, em forma individual ou em grupo
de até 30 oito estudantes.(...) tendo adquirido a linguagem e estando
alfabetizado, poderá começar a frequentar a classe comum geralmente na
3ª série do Ensino Fundamental em um período e uma escola especial ou
sala de recurso para apoio pedagógico.
Surdez profunda: o estudante geralmente ingressará em uma classe comum
na 3ª série do ensino fundamental (...) e será alfabetizado em classe
especial ou escola especializada (BRASIL, 1995 apud ZANATA, 2004, p.
35).

A partir dos documentos acima é possível perceber que para cada perda
auditiva são indicadas orientações específicas ao trabalho do professor, isso porque,
ao se falar em educação de surdos, é imprescindível considerar o aspecto da
linguagem, tanto sua aquisição como seu desenvolvimento.
Referências

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Bauru: HPRLLP-USP, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Especial. Política de


Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Brasilia: MEC, 2008.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso
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BRASIL. Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Especial. Parâmetros


Curriculares Nacionais. Adaptações Curriculares – estratégias para educação de
estudantes com necessidades educacionais especiais. Brasília: MEC/SEESP,
1999.

BRASIL. Decreto-lei nº 5626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no


10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -
Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 2005.

GONZÁLEZ, E. Necessidades educacionais específicas - intervenção


psicoeducacional. Porto Alegre: Artmed, 2007.

LLOYD, L. L. e KAPLAN, H. Audiometric interpretation: a manual o basic audiometry.


University Park Press: Baltimore; 1978. p. 16-7, 94.

MARCHESI, A. et al. A educação da criança surda na escola integradora. In:


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especiais e aprendizagem escolar. V.3. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1995a.
Cap. 14, p. 215-231.

ZANATA, E. M. Práticas pedagógicas inclusivas para estudantes surdos numa


perspectiva colaborativa. 2004. Tese (Doutorado em Educação Especial) –
Programa de Pós-graduação em Educação Especial: UFSCar, São Carlos, 2004.

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