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Não guarde o melhor do


pensamento corporativo
para sua carreira.
Como você avaliará sua
vida?
por Clayton M. Christensen

Reimpressão R1007B
Não guarde o melhor do pensamento corporativo para sua carreira.

Como você avaliará sua


vida?
por Clayton M. Christensen
COPYRIGHT © 2010 HARVARD BUSINESS SCHOOL PUBLISHING CORPORATION. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.

Nota do editor: Quando os alunos da turma de 2010 minha pesquisa e o que isso significava para a
entraram na faculdade de administração, o cenário Intel. Empolgado, fui ao Vale do Silício e
econômico era promissor e não havia limites para suas
cheguei na hora marcada, quando ouvi de
ambições para depois da formatura. Poucas semanas
depois, a economia entrou em queda livre. Nos últimos George: “Olha, aconteceram umas coisas.
dois anos, redefiniram a maneira como enxergam o Temos só dez minutos para você. Diga-nos o
mundo e como definem sucesso. que seu modelo de disrupção significa para a
Os estudantes parecem estar bem cientes das Intel”. Eu disse que não era possível e que
mudanças no mundo (como mostra a amostragem de
precisava de meia hora para explicar o modelo
opiniões deste artigo). Na primavera, os graduandos
da Harvard Business School pediram que professor da porque, apenas com ele como contexto, as
HBS, Clay Christensen, fosse o paraninfo da turma, mas observações sobre a Intel fariam sentido.
não queriam que ele falasse sobre como empregar Comecei e, após dez minutos, Grove
seus princípios e raciocínio na carreira após HBS. Eles interrompeu: “Olha, entendi seu modelo.
queriam saber como usá-los para a vida pessoal. Ele
Diga-nos o que ele significa para a Intel.”
compartilhou uma série de diretrizes que o ajudaram a
encontrar sentido em sua própria vida. Embora o Insisti que precisava de mais dez minutos
raciocínio de Christensen derive de sua profunda fé para descrever como o processo de disrupção
religiosa, acreditamos que qualquer pessoa pode usar concretizou-se em um setor bem diferente, o
essas estratégias. Assim, pedimos a ele para falar sobre do aço, para que ele e a equipe pudessem
elas aos leitores da HBR.
entender como funcionava a disrupção. Contei
Antes de publicar O Dilema da Inovação, recebi como Nucor e outras pequenas mineradoras
uma ligação de Andrew Grove, então começaram a atacar a fatia mais baixa do
presidente da Intel. Ele havia lido uma das mercado – barras de reforço de aço, ou
minhas recentes publicações sobre tecnologia vergalhões – e, depois, alcançaram as fatias
disruptiva e perguntou se eu poderia falar a mais altas, ultrapassando as mineradoras
seus subordinados diretos e explicar sobre tradicionais.

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Quando terminei, Grove disse: “Ah, entendi. ilustrar como eles podem aplicar as teorias do
O que significa para a Intel é que...”, e seguiu, curso para orientar suas decisões pessoais.
articulando o que se tornaria a estratégia da Uma das teorias que esclarece muito a
empresa: enfrentar a fatia mais baixa do primeira pergunta – como ter a certeza de
mercado e lançar o processador Celeron. encontrar felicidade na carreira – é de
Pensei nisso um milhão de vezes, desde Frederick Herzberg, que defende que a
então. Se tivesse me deixado levar e dissesse a motivação mais poderosa na vida não é o
Andy o que ele deveria pensar sobre o mercado dinheiro e, sim, a oportunidade de aprender,
de processadores, estaria aniquilado. Em vez aumentar nossas responsabilidades, contribuir
de dizer a ele o que pensar, o ensinei como com os outros e o reconhecimento por nossas
pensar; e ele chegou a uma decisão que me realizações. Conto aos alunos sobre uma
parecia a correta por si próprio. espécie de visão que tive no comando da
Essa experiência me influenciou muito. empresa que fundei antes de me dedicar ao
Quando as pessoas me perguntam o que eu mundo acadêmico. Na minha mente, via uma
acho que devem fazer, raramente dou uma das minhas gerentes sair para trabalhar, em
resposta direta. Em vez disso, analiso a questão uma manhã, com a autoestima relativamente
por um dos meus modelos, em voz alta. alta. Em seguida, a imaginava dirigindo para
Descrevo de que maneira o processo do casa e de volta à família, dez horas depois,
modelo funcionou em um setor bem diferente sentindo-se desvalorizada, frustrada,
do da pessoa. E, não raro, dizem: “Ah, entendi”. menosprezada e diminuída. Pensava em
Assim, respondem à própria pergunta de quanto a autoestima reduzida afetava a
maneira mais esclarecedora do que eu seria maneira como ela interagia com os filhos. O
capaz. pensamento avançou para outro dia, em que
Meu curso na HBS é planejado para ajudar ela voltou para casa com a autoestima mais
os alunos a entenderem a teoria da boa alta, sentindo que havia aprendido muito,
gestão e como edificá-la. A essa espinha havia sido reconhecida por realizar coisas
dorsal, conecto diversos modelos ou teorias importantes e tinha um papel relevante para o
que ajudam os alunos a refletirem sobre as sucesso de iniciativas significativas. Imaginava
diversas dimensões do trabalho de um de que maneiras positivas isso a influenciava
gerente geral em estimular a inovação e o em seu comportamento como mãe e esposa.
crescimento. A cada aula, avaliamos uma Minha conclusão: a gestão é a mais nobre das
empresa pelas lentes dessas teorias e as profissões, se executada bem. Nenhum cargo
usamos para explicar de que forma a empresa oferece tantas formas de ajudar a aprender e
chegou à sua situação e para analisar quais crescer, assumir responsabilidades, ser
ações gerenciais levarão aos resultados reconhecido pelas realizações e contribuir para
necessários. o sucesso de uma equipe. Cada vez mais, os
No último dia de aula, peço aos alunos que alunos do MBA entram no curso com a ideia
voltem essas lentes teóricas para si, para de que uma carreira nos negócios significa
encontrar respostas contundentes para três comprar, vender e investir em empresas. Isso é
perguntas: a primeira: como ter certeza de que triste. Fechar negócios não traz as
serei feliz na carreira? Segunda: como ter recompensas profundas que vêm de
certeza de que meus relacionamentos com desenvolver pessoas.
meu cônjuge e minha família sejam uma fonte Quero que meus alunos saiam do curso com
duradoura de felicidade? Por fim, como ter isso em mente.
certeza de que não serei preso? Embora a
terceira pergunta pareça divertida, não é. Dois Crie uma estratégia para a vida
dos 32 alunos da minha turma em Rhodes Uma teoria que ajuda a responder à segunda
passaram um tempo na cadeia. Jeff Skilling, do pergunta – como garantir que o
caso da Enron, foi meu colega de sala na HBS. relacionamento com a minha família seja uma
Eram pessoas boas, mas algo na vida deles foi fonte duradoura de felicidade – trata de como
para o caminho errado. definir e implementar a estratégia. A principal
Clayton M. Christensen (cchristensen@
Enquanto os alunos discutem as respostas percepção é de que a estratégia de uma
Hbs.edu) é professor de administração de
para as perguntas, abro minha vida para eles empresa seja determinada pelos tipos de
empresas da Harvard Business School,
como um estudo de caso qualquer, para iniciativas em que a gestão investe. Se o
da cátedra Robert and Jane Cizik.

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processo de alocação de recursos de uma reencontros infelizes, divorciados e alienados


empresa não for gerenciado com excelência, de seus filhos. Posso garantir que nem um
os resultados podem ser bem diferentes dos deles se formou com a estratégia deliberada
almejados pela gestão. Como os sistemas de de se divorciar e criar filhos que se tornariam
tomada de decisão das empresas são distantes deles. Ainda assim, uma quantidade
projetados para direcionar os investimentos às impressionante deles empregou essa
iniciativas que oferecem os retornos mais estratégia. O motivo? Eles não priorizaram
tangíveis e imediatos, há pouco investimento seu propósito de vida ao decidirem como usar
em iniciativas que sejam cruciais para as o tempo, talentos e energia.
estratégias em longo prazo. É alarmante que boa parte dos 900 alunos
Ao longo dos anos, assisti ao desdobrar do que a HBS escolhe todos os anos entre os
destino dos meus colegas da turma de 1979 da melhores do mundo reflitam bem pouco sobre
HBS. Cada vez mais, os via chegar aos seus propósitos de vida. Digo aos alunos que a

A turma de 2010
“Quando entrei na faculdade de administração, sabia exatamente o que queria fazer. Saio com a decisão de
fazer totalmente o oposto. Trabalhei no setor privado a vida toda, porque sempre ouvi que é onde estão as
pessoas inteligentes. Contudo, decidi trabalhar para o governo e ver se encontro mais sentido assim.
Costumava pensar que a indústria é que é segura. A recessão nos mostrou que não há segurança em nada.”
Ruhana Hafiz, Harvard Business School, turma de 2010
Seus planos: Entrar para o FBI como assessora especial (um cargo na área de gestão)

“Na HBS, vimos uma mudança ocorrer. O salário costumava ser o primeiro fator na busca por um emprego.
Quando se ganha muito dinheiro, mais dinheiro você quer. Irônico. Você começa a esquecer o que traz felici-
dade e o que realmente importa. Muitos colegas têm uma visão diferente sobre o dinheiro agora. Eles pensam
“Qual é o mínimo necessário e o que mais orienta minha vida?”, em vez de “Em que posição posso conseguir o
máximo das duas coisas?”
Patrick Chun, Harvard Business School, turma de 2010
Seus planos: Entrar para a Bain Capital

“A crise econômica me ajudou a perceber que temos de fazer o que amamos de verdade. Minha atual defini-
ção de sucesso se baseia no impacto que posso causar, nas experiências que posso ter e na felicidade pessoal
que posso encontrar, muito mais do que na busca por dinheiro e prestígio. Minhas motivações são (1) estar
com a minha família e as pessoas com quem me importo (2) fazer algo divertido, empolgante e que cause im-
pacto e (3) a busca por uma carreira duradoura no empreendedorismo, em que possa desenvolver empresas
que mudem a forma como o mundo funciona.”
Matt Salzberg, Harvard Business School, turma de 2010
Seus planos: Trabalhar na Bessemer Venture Partners

“Como estou voltando à McKinsey, é provável que pareça que as coisas não mudaram muito. Contudo, en-
quanto estava na HBS, decidi fazer a graduação dupla na Kennedy School. Com as eleições de 2008 e a econo-
mia conturbada, me pareceu mais atraente compreender melhor os setores públicos e sem fins lucrativos. De
certa forma, foi o que levou ao meu retorno à McKinsey, onde poderei explorar os setores privado, público e
sem fins lucrativos.
“A recessão nos fez dar um passo atrás e enxergar a sorte que temos. A crise para nós é a incerteza de que
ainda teremos um emprego em abril, ao passo em que, para muitas pessoas, é a incerteza de poder manter a
própria casa.
John Coleman, Harvard Business School, turma de 2010
Seus planos: Voltar à McKinsey & Company

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HBS pode ser uma das últimas chances para alcançar seu propósito. Sem um propósito,
refletir com profundidade sobre esse assunto. entretanto, a vida torna-se vazia.
Se acreditam que terão mais tempo e energia
para fazer isso depois, estão loucos, pois a vida Distribua bem seus recursos
passa a exigir cada vez mais: hipoteca, trabalho A forma como você decide alocar seu tempo
70 horas por semana, casamento e filhos. para a vida pessoal, sua energia e seu talento,
Para mim, saber qual era meu propósito de em última instância, moldam sua estratégia de
vida foi essencial. Entretanto, foi algo sobre o vida.
qual precisei refletir com tempo e Tenho uma série de “negócios” que
profundidade antes de entender. Quando disputam esses recursos: tento ter um bom
estudava em Rhodes, o programa acadêmico relacionamento com a minha esposa, educar
exigia demais de mim, enquanto tentava muito bem meus filhos, colaborar com a
acumular o equivalente a um ano extra de comunidade, ter sucesso na carreira, contribuir
meu trabalho em Oxford. Decidi passar uma com a igreja, etc. E tenho exatamente o mesmo
hora, todas as noites, lendo, refletindo e problema de uma empresa. Tenho uma
orando para descobrir as razões por que Deus quantidade limitada de tempo, energia e
havia me colocado na Terra. Era um talento. Quanto devo dedicar a cada uma
compromisso difícil de manter, pois cada hora dessas áreas?
gasta com isso era uma hora a menos A maneira como decide distribuir seus
estudando econometria aplicada. Estava em recursos pode fazer com que sua vida seja
dúvida se poderia dispor desse tempo longe diferente do pretendido. Às vezes, é bom:
dos estudos, mas persisti e, por fim, entendi surgem oportunidades que nunca haviam
meu propósito de vida. sido planejadas. Entretanto, se investir seus
Se tivesse passado aquela hora todos os dias recursos da forma incorreta, os resultados
Fechar negócios não traz podem ser negativos. Ao pensar nos meus ex-
aprendendo as últimas técnicas para dominar
as recompensas os problemas de autocorrelação na análise de colegas de classe que, inadvertidamente,
regressão, teria gastado muito mal o tempo da investiram em vidas de felicidade vazia, não
profundas que vêm de minha vida. Uso as ferramentas de posso deixar de acreditar que os problemas
desenvolver pessoas. econometria poucas vezes por ano, mas que eles têm estão relacionados exatamente
emprego meu conhecimento sobre o meu com a visão em curto prazo.
propósito de vida todos os dias. É, sem dúvida, Quando as pessoas que têm grande
meu aprendizado mais útil. Prometo aos meus necessidade de realizações – e aí incluem-se
alunos que, se reservarem o tempo necessário todos os formandos da Harvard Business
para entender seus propósitos de vida, será a School – dispõem de meia hora ou de um
coisa mais importante que terão aprendido na pouco mais de energia extra,
HBS. Se não o descobrirem, serão apenas um inconscientemente, os dedicam a atividades
barco à deriva, sem leme, e serão fustigados que trazem sucesso mais tangível. E as
pelos mares revoltos da vida. A compreensão carreiras nos dão as provas mais concretas de
do propósito de vida será um trunfo sobre o progresso. Enviamos um produto, concluímos
conhecimento de custos com base em um projeto, terminamos uma apresentação,
atividades, balanced scorecards, core fechamos uma venda, damos uma aula,
competence, inovação disruptiva, os quatro Ps e publicamos um artigo, recebemos, somos
as cinco forças. promovidos. Por outro lado, investir tempo e
Meu propósito originou-se na minha fé energia no casamento e educação dos filhos,
religiosa, mas a fé não é a única coisa que em geral, não traz a mesma sensação imediata
orienta as pessoas. Por exemplo, um dos meus de realização. Filhos se comportam mal todos
ex-alunos definiu que seu propósito era trazer os dias. Não se passam menos de 20 anos até
honestidade e prosperidade econômica ao seu que você consiga colocar as mãos na cintura e
país e criar filhos que fossem igualmente dizer: “Criei um bom filho ou uma boa filha”.
comprometidos com essa causa, e um com o Podemos negligenciar o casamento e, no dia a
outro, como ele era. Seu propósito prioriza a dia, as coisas não parecem deteriorar-se. As
família e outras pessoas, como o meu. pessoas movidas pela excelência têm a
O sucesso na escolha e busca de uma propensão inconsciente de investir pouco na
profissão é apenas uma ferramenta para família e muito na carreira, mesmo que as

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relações próximas e de afeto com a família membros do grupo lidam com problemas
sejam a mais poderosa e duradoura fonte de recorrentes. E a cultura define que prioridade
felicidade. se dá a diferentes tipos de problemas. Pode ser
Se estudarmos as causas raízes dos desastres uma ferramenta de gestão poderosa.
nos negócios, encontraremos, cada vez mais, Ao usar esse método para abordar a questão
essa propensão para empreitadas que sobre como garantir que a família se torne uma
oferecem gratificação imediata. Se fonte duradoura de felicidade, os alunos veem
observarmos a vida pessoal sob essa ótica, rapidamente que as ferramentas mais simples
notaremos um padrão sério e surpreendente: que os pais podem empregar para fazer com
as pessoas alocam cada vez menos recursos que as crianças colaborem são as ferramentas
para as coisas que considerariam as mais do poder. Porém, chega um momento durante
importantes. a adolescência em que elas não são mais
eficazes. Neste ponto, os pais arrependem-se de
Crie uma cultura não terem começado a trabalhar com os filhos
Em nosso curso, há um modelo interessante enquanto crianças para criar uma cultura em
chamado Ferramentas para Cooperação que casa na qual os filhos, por instinto, se tratem
diz, basicamente, que ser um gestor visionário com respeito, obedeçam aos pais e escolham
não é tão bom quanto parece. Uma coisa é fazer o que é certo. As famílias também têm
enxergar o futuro nebuloso com acuidade e culturas, da mesma forma que as empresas. E
planejar as correções de curso de que a elas podem ser construídas conscientemente ou
empresa precisa. Outra, bem diferente, é podem evoluir de forma involuntária.
persuadir os funcionários, que podem não Se quiser que seus filhos tenham a
enxergar as mudanças adiante, e fazer com autoestima elevada e a confiança de que
que se alinhem e trabalhem juntos para levar podem resolver problemas complicados, essas
a empresa à nova direção. Saber de quais qualidades não se materializarão por mágica
ferramentas lançar mão para ter a colaboração quando eles chegarem ao ensino médio. É
necessária é uma habilidade gerencial preciso incuti-las na cultura da família, e há
fundamental. que se pensar nisso muito cedo. Como os
A teoria agrupa essas ferramentas em dois funcionários, as crianças desenvolvem a
aspectos: quando os membros da empresa autoestima ao fazer coisas que exigem delas e
concordam sobre o que desejam de sua aprender o que funciona.
participação no negócio e quando concordam
sobre quais ações levarão aos resultados Evite o erro dos “custos marginais”
desejados. Quando há pouca concordância nos Em economia e finanças, aprendemos que, ao
dois eixos, é necessário usar as “ferramentas do avaliar investimentos alternativos, devemos
poder”: coerção, ameaças, punições, etc., para ignorar os custos irrecuperáveis e os fixos e
garantir a cooperação. Muitas empresas basear as decisões nos custos e receitas
começam nesse quadrante e é por isso que a marginais que cada alternativa representa. No
equipe executiva fundadora tem um papel tão nosso curso, aprendemos que esta doutrina faz
assertivo em definir o que se deve fazer e de com que as empresas tendam a lançar mão do
que maneiras. Se a forma como os que fizeram para alcançar o sucesso no
funcionários trabalham juntos para lidar com passado, em vez de orientá-las para criar as
essas tarefas passa a ter cada vez mais sucesso, capacidades de que precisarão no futuro. Se
começa a se formar o consenso. Edgar Schein, soubéssemos que o futuro será exatamente
do MIT, descreveu esse processo como o como o passado, não haveria problemas com
mecanismo pelo qual uma cultura se molda. essa abordagem. Contudo, se o futuro for
Por fim, as pessoas nem pensam se a forma diferente, como costuma ser, é a coisa errada a
como elas fazem as coisas leva ao sucesso. Elas fazer.
apenas enfatizam as prioridades e seguem os Essa teoria trata da terceira pergunta que
procedimentos por instinto e suposição e não debato com meus alunos: como viver uma vida
por decisão explícita, o que significa que se íntegra (não ser preso). De forma inconsciente,
criou uma cultura. A cultura, de formas em geral, empregamos a doutrina dos custos
prementes, ainda que tácitas, dita os métodos marginais em nossas vidas pessoais quando
comprovados e aceitos com os quais os decidimos o que é certo e errado. Uma voz

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interior nos diz: “Olha, sei que, via de regra, a definir o que defendemos e impor limites em
maioria das pessoas não deve fazer isso. lugares seguros.
Porém, nesta situação extenuante em especial,
só desta vez, não tem problema”. O custo Lembre-se da importância da
marginal de fazer algo errado “só desta vez” humildade
sempre parece atrativamente baixo. Parece tão Tive essa percepção quando me pediram para
tentador que nem olhamos para onde o dar uma aula sobre humildade no Harvard
caminho nos levará e os custos totais que essa College. Pedi que todos os alunos
escolha representa. A justificativa para a descrevessem a pessoa mais humilde que
infidelidade e para desonestidade em todos os conheciam. Uma característica dessas pessoas
seus aspectos está na política de custos humildes se destacou: elas tinham a
marginais do “só desta vez”. autoestima elevada. Sabiam quem eram e
Gostaria de compartilhar a história de sentiam-se bem com quem eram. Também
como finalmente compreendi o potencial estabelecemos que a definição de humildade
prejuízo do “só desta vez” na minha vida. Eu não estava em atitudes ou comportamentos
jogava no time de basquete da universidade autodepreciativos, mas no apreço que temos
de Oxford. Nos empenhamos muito e pelos outros. O bom comportamento flui
terminamos a temporada invictos. Os caras naturalmente deste tipo de humildade. Por
do time eram os melhores amigos que já tive exemplo, você jamais roubaria de uma pessoa
na vida. Chegamos ao que se equivale, na porque a respeita demais. Você também não
Inglaterra, ao NCAA, e fomos para as quartas mentiria.
de final. Acontece que a final do campeonato É fundamental trazer ao mundo um senso
estava marcada para um domingo. Aos 16 de humildade. No momento em que você
anos, eu havia me comprometido com Deus entra em uma universidade de elite, todo o seu
que não jogaria bola aos domingos. Procurei conhecimento terá vindo de pessoas mais
o técnico e expliquei meu problema. Ele não experientes e que sabem mais do que você:
conseguia acreditar. Nem o time, porque eu seus pais, professores e chefes. Contudo, ao se
era o armador. Todos do time me procuraram formar na Harvard Business School ou em
e disseram: “Você tem que jogar. Não dá para qualquer instituição acadêmica de alto nível, a
quebrar a regra só desta vez?” vasta maioria das pessoas com quem você
Sou muito religioso, então fui para casa e interagirá no dia a dia talvez não saiba mais do
orei para saber o que fazer. Tive uma que você. E, se acreditarmos que apenas as
sensação bem nítida de que não deveria pessoas que têm um nível mais alto de
quebrar minha promessa e acabei não instrução podem nos ensinar algo, limitaremos
jogando a final. as oportunidades de aprendizado. Porém, se
Em vários aspectos, foi uma decisão mantivermos o entusiasmo humilde de que
pequena, que envolvia vários milhares de todos têm algo a nos ensinar, as oportunidades
domingos da minha vida. Em teoria, eu de aprendizado são infinitas. Em geral, só
poderia cruzar a linha apenas daquela vez e conseguimos ser humildes quando nos
não fazer mais novamente. Ao olhar para trás, sentimos muito bem conosco, e queremos
resistir à tentação cuja lógica era “nesta ajudar aqueles que têm a mesma atitude.
situação extenuante, só desta vez, não tem Tratar os outros de maneira abusiva, arrogante
problema” provou-se uma das decisões mais ou depreciativa, não raro é um sintoma de
importantes da minha vida. Por quê? Minha baixa autoestima. Assim, é necessário
vida sempre foi uma sucessão de situações menosprezar todas as outras pessoas para
extenuantes. Se eu tivesse cruzado a linha sentir-se bem consigo.
daquela vez, teria feito a mesma coisa muitas
outras vezes nos anos seguintes. Escolha o parâmetro correto
No ano passado, recebi um diagnóstico de
Com esse episódio, aprendi que é mais fácil
câncer e me deparei com a possibilidade de a
ater-se aos seus princípios 100% do tempo do
minha vida acabar antes do planejado.
que 98% do tempo. Se você se render “só desta
Felizmente, parece que serei poupado. A
vez”, diante de uma análise de custo marginal,
experiência, entretanto, me trouxe uma
como alguns dos meus ex-colegas fizeram, você
percepção importante sobre minha vida.
se arrependerá dos resultados. Temos de

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Como você avaliará sua vida?

Tenho uma noção bem clara da maneira E acredito que funciona assim para todos
como minhas ideias geraram enormes receitas nós. Não se atenha ao sucesso pessoal que
para as empresas que utilizaram minhas conseguiu alcançar, importe-se com as pessoas
pesquisas. Sei que causei um impacto que se tornaram melhores com a sua ajuda.
substancial. Porém, ao enfrentar a doença, foi Esta é minha recomendação final. Reflita sobre
interessante observar a irrelevância desse a métrica através da qual sua vida será julgada
impacto em mim, agora. Concluí que a métrica e decida viver cada dia de forma que, no final,
pela qual Deus avaliará minha vida não é em ela seja um sucesso.
dólares, mas por cada pessoa cuja vida eu
toquei. Reimpressão R1007B
Para adquirir, ligue para 800-988-0886 ou 617-783-7500
ou acesse www.hbr.org

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