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ª Frequência
A Pólis Grega
O Direito autonomizou-se na pólis grega enquanto sentido e especulação
filosófica, iniciando-se aí uma discussão acerca da ideia de justiça enquanto
harmonia do cosmos que se manteve ao longo do projeto do Direito até hoje,
surgindo o Direito natural partindo do holismo1 metafísico-ético-político grego.
Uma vez que os valores provinham do Direito natural, tratavam-se de
pressupostos, seres definitivos, perfeitos e indisponíveis. Deste modo, o homem
era como um zoon politikon (“animal político”) que participava numa
comunidade indisponível.
A Civitas Romana
Foi na civitas romana que o Direito se autonomizou enquanto dimensão da
prática, já que os romanos tomaram consciência da exigência de respostas
específicas para problemas concretos. Deste modo, tornou-se relevante o papel
da iurisprudentia, sendo que os jurisconsultos consideravam que, sustentados
pela auctoritas e pela articulação de virtudes morais e intelectuais, não
constituíam o Direito, que se encontrava na natureza das coisas, mas apenas o
revelavam, descobrindo a ordem materialmente pressuposta na experiência
ontológica de cada caso, sendo que o pensamento jurídico se centrava na
comparação de casos análogos. Assim, a resposta do Direito às controvérsias
jurídicas respeitava as exigências de sentido presentes na ordem natural (Direito
natural), que eram indisponíveis.
1
Segundo o holismo, as propriedades de um sistema não podem ser apenas explicadas pela soma dos seus
componentes.
2
Ver páginas 6 e 7.
O jusracionalismo
O direito natural moderno converteu-se num jusracionalismo, que
começou nos finais do século XVI e inícios do séxulo XVII e foi até ao século
XIX. Este contrapunha o direito ideal enquanto sistema normativo-crítico ao
direito real ou histórico-social e político, o direito positivo. Assim, passou-se de
um sistema jurídico que compreendia vários níveis de normatividade, a natural
(fundamentante) e a positiva (concretizadora), para dois sistemas distintos
constitutivamente.
Os sistemas jurídicos passaram, então, a ser racionalmente construídos,
considerando-se que existia uma relação entre todos os direitos e deveres,
podendo, através de uma cadeia ininterrupta de raciocínios, deduzir-se uns dos
outros. Tal levou a uma conceção normativista do Direito3, pelo que a
codificação assumiu grande relevância no contexto moderno-iluminista,
procurando-se ainda um poder político que realizasse o jusracionalismo.
Castanheira Neves afirma que o jusracionalismo não se tratava de
verdadeiro Direito, já que, para o ser, não basta a essência racional e a
3
Ver página 7.
4
Ver páginas 3 e 7.
A Conceção Normativista
Na época moderno-iluminista, surgiu uma conceção normativista do
Direito7, i.e., este passou a ser compreendido como um sistema autónomo de
normas cujo conteúdo era racionalmente determinado em abstrato e só depois
aplicado na prática. Assim, o Direito existia nas normas, independentemente da
sua realização concreta. Assim, o Direito tem de ser positivo, através da
legislação sistemática nos códigos.
Os códigos jusracionalistas não se limitaram a especificar, ordenar,
melhorar ou reformar o direito já vigente, mas constituíram um direito novo que
determinou a «planificação global da sociedade». Destacam-se o Código
Prussiano e o Código civil Austríaco no despotismo iluminado, assim como os
códigos napoleónicos pós-revolucionários.
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Ver páginas 3 e 6.
6
Fenomenologia é o estudo da essência dos fenómenos.
7
Ver página 5.
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Adventício: que vem depois, que não é natural.
A Escola Histórica
Primeiramente, surgiu a Escola Histórica do Direito, na qual se destacou
Savigny. Esta surgiu de modo a combater o positivismo exegético que defendia o
legalismo e, portanto, a codificação, mas acabou por propiciar a emergência do
positivismo jurídico.
Inicialmente, a EH defendia que o Direito não resultava da racionalização
da vontade geral, mas sim da manifestação do “espírito do povo” ao longo dos
tempos, que o legislador deveria interpretar. Ora, sendo a história cultural
diferente de povo para povo, o Direito não poderia resultar meramente da
racionalidade universal. Assim, Savigny defendia que o Direito resultava da
conjugação do elemento político, que vincula o Direito aos costumes de cada
comunidade-povo, com o elemento técnico, segundo o qual o Direito vai
evoluindo através do exercício da “ciência do Direito”.
O Cientismo Positivista
O cientismo reduz qualquer validade cultural ao esquema das disciplinas
empírico-analíticas, considerando que a ciência é o domínio da experiência de
um objeto. Assim, considerava-se que a única objetividade é a das ciências
empíricas, ou seja, a objetividade teorética. Ora, o Direito foi influenciado por
esta valorização da ciência, tornando-se num objeto do pensamento jurídico.
Assim, passou a considerar-se que o Direito era criado pelo poder legislativo e ao
pensamento jurídico cabia apenas conhecê-lo, de modo a auxiliar o juiz na
interpretação e aplicação das leis. Surgiu, então, um dualismo metodológico,
distinguindo-se a técnica (interpretação e aplicação da lei) da teoria da ciência do
direito, o que levou à afirmação tanto da intenção prática do Direito como da
intenção teorética do discurso decisório.
Deste modo, o cientismo positivista acabou por hipertrofiar os discursos e
os tipos de racionalidade (pressuposição axiomática, método indutivo e
raciocínios lógico-dedutivos).
9
Teleologia: estudo dos fins.
Coordenada Funcional
Até ao século XVIII o Direito e o pensamento jurídico identificavam-se,
entendendo-se que um jurista a fazer doutrina estava a refletir acerca do Direito,
pelo que a sua atividade tinha as mesmas funções intenções prático-normativas
que o próprio Direito.
Coordenada Epistemológico-Metodológica
De acordo com o positivismo legalista, a ciência do Direito tinha como
objetivo uma construção meramente conceitual resultante de elementos do
sistema jurídico – trata-se da sua coordenada epistemológica. No entanto, acresce
que esta coordenada era também metodológica, uma vez que o Direito era
aplicado formalmente através do raciocínio lógico-dedutivo, estando as leis
construídas previamente em abstrato.
Assim, para o positivismo legalista apenas importava ter um
conhecimento exegético da lei, através da mobilização de regras da hermenêutica
filológica tradicional, de modo a conceitualizar o conteúdo histórico-
concretamente contingente das normas.
A Crítica Metodológica
Com a autonomização progressiva de uma interpretação normativo-
teleológica10, alguns juristas começaram a chamara a atenção para o fosso entre o
que era a aplicação do Direito através do silogismo subsuntivo e, portanto, do
método lógico-dedutivo, e a sua verdadeira aplicação na prática. Para solucionar
uma controvérsia não bastam as regras lógico-formais, porque o difícil é a
obtenção das premissas e não a sua articulação. Para além disso, não faz sentido
10
Teleologia: estudo dos fins.
As Transformações Culturais
Surgiu uma nova visão da ciência que abriu portas a novas racionalidades,
pondo-se em causa a ideia de que todos os domínios da prática são explicados
pela razão lógico-dedutiva.
Assim, surgiu também uma nova conceção do homem, em quatro planos
distintos:
Homo socialis da racionalidade estratégica, que a crise do Estado
Providência transformou em homo economicus;
Homo ludens das guerras e jogos de linguagens, fragmentado em
diferenças e diferendos:
Homo humanus da compaixão, responsabilidade e hospitalidade.
Sujeito prático-hermenêutico que dá conta da sua finitude e se
compromete com a transfinitude dos valores comunitários.
Cumprimento do Contrato
O individualismo formalista do contexto positivista e a compreensão de
que o domínio dos negócios jurídicos é de autodeterminação das vontades, mas
também de auto-responsabilização, levava a que houvesse uma exigência do
rigoroso cumprimento dos contratos, consubstanciada na fórmula pacta sunt
servanda, consagrada no art. 406.º/1 do C.C., que tinha como consequências a
pontualidade, a irrevogabilidade dos vínculos e a intangibilidade do conteúdo dos
contratos. Assim, só era possível a transformação ou extinção do contrato por
mútuo acordo das partes.
No entanto, esta visão pode levar a situações ruinosas causadas por
situações imprevisíveis. P.e., A realiza um contrato de promessa de compra e
venda de modo a adquirir um prédio para demolir, no entanto, entre este e o
contrato definitivo, surge uma lei que decreta que, por se tratar de um património
com elevado valor histórico, o prédio não pode ser demolido. À luz do
pensamento positivista, tal acontecimento não teria relevância par ao direito, não
sendo possível a desvinculação ou alteração do contrato.
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Art. 487.º/2 do C.C..