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Aquele que toma uma cápsula de remédio, acreditando curar a sua doença com tal
procedimento, não tem, na maioria das vezes, nenhum conhecimento da relação da
substância contida na pílula com o seu mal-estar. Não se pode, nesses casos, falar em
conhecimento propriamente dito ou, pelo menos, em conhecimento científico.
São inúmeras as definições de ciência. Desde a mais sucinta, que a entende como o
conhecimento sistematizado das causas do fenômeno, até as mais elaboradas, como a
de que diz “ser uma ciência um sistema de apropriação cognoscitiva do real e de
transformação regulada desse real, a partir da definição que a teoria da ciência faz de
seu objeto” (BAREMBLITT 1978, p. 16).
Afirma Japiassu (1977, p. 15) que: “É considerado saber, hoje em dia, todo um
conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos
sistematicamente organizados, susceptíveis de serem transmitidos por um processo
pedagógico de ensino”. Empregam-se aí os conceitos de aquisição e de transmissão,
mas não o de construção. Há, evidentemente, uma pluralidade de discursos científicos
e, inúmeras maneiras de se fazer ciência. Cada saber científico tem seu próprio
estatuto de cientificidade que deve ser considerado pelo aprendiz.
É ainda Japiassu (1978, p. 98), que volta a afirmar: A ciência se define por um
discurso crítico, pois exerce controle vigilante sobre seus procedimentos utilizando
critérios precisos de validação. A demarche científica é, ao mesmo tempo, reflexiva e
prospectiva. Os pressupostos de uma ciência são justamente as idéias, os critérios e os
princípios que ela emprega na sua efetuação.
Gerzilio Lourenço Mahumane, Junho 2022 Maputo-Moçambique
O novo conceito de ciência inicia-se com Kant (2001, p. 45) com a afirmação de ser a
ciência “construída” pelo homem por meio dos juízos sintéticos a priori, contrapondo-
se à concepção proveniente do empirismo da apreensão pela experiência, do
conhecimento científico captado da própria natureza. Kant vai entender a ciência como
constructo humano por meio dos juízos sintéticos a priori.
Com Jean Piaget (2002, p 33) iniciam-se as pesquisas de psicologia genética que
deram origem ao chamado construtivismo Interacionismo Genético que tinha como
objetivo estudar o processo da constituição do conhecimento humano. Não acreditando
em inteligência inata, considera que a gênese da razão, da afetividade e da moral, faz-
se progressivamente em estágios sucessivos em que é organizado o pensamento
lógico, a capacidade de julgamento e a vida moral.
Diz ele Piaget (1978, p. 140) ainda o equilíbrio não é qualquer coisa de passivo, mas,
ao contrário, alguma coisa essencialmente ativa. É preciso, então, uma atividade tanto
maior quanto maior for o equilíbrio. Portanto, equilíbrio é sinônimo de atividade.
Refere-se ainda ao interesse como essencial a todo ato de assimilação mental. Entende
como interesse a expressão do ato de assimilação como incorporação de um objeto à
atividade do sujeito, ou seja, o conhecimento ocorre quando o seu objeto traduz-se na
atividade do sujeito.
Pode-se ainda entender essa teoria como uma crítica a modos inadequados de
aprendizagem, modos que não levam à apreensão do conteúdo propriamente dito e, ao
mesmo tempo, como uma proposta de investigação sobre as mais adequadas e corretas
maneiras de apreendê-lo. Nesse segundo sentido, o Construtivismo constituiria uma
teoria da psicologia da aprendizagem ou mesmo da didática geral.
Admite então haver uma maneira “certa”, “correta”, “adequada” de conhecer que não
é a da passividade, a da aceitação tácita, a de decorar fórmulas prontas, mas a do
sujeito ativo que compreende os conteúdos, que refaz os passos do processo, que busca
entender os significados e os sentidos assim como que reconstruir por si próprio o
conhecimento.
É importante registrar que o sujeito não vai refazer o caminho da ciência, “re-
descobrir”, “re-inventar” os conteúdos dos saberes, mas apreendê-los da maneira
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O objeto da avaliação passa a ser não exatamente o conteúdo do saber, mas o modo
segundo o qual ele foi aprendido, ou seja a organização do pensamento do aprendiz.
Basicamente, o construtivismo defende a teoria de que o conhecimento é construído
pelo aluno e não transmitido pelo professor.
Partindo da afirmação não muito clara de que a criança constrói seu próprio
conhecimento, essa teoria não explica em que sentido ocorre essa construção. Algumas
contribuições positivas dessa teoria podem todavia ser registradas como: uma maior
consideração ao nível de desenvolvimento psicológico do aluno. A preocupação com a
compreensão do conteúdo ensinado; a consciência da importância dos aspectos
afetivos para a aprendizagem; o interesse como motivador da atenção, fator
preponderante para a aprendizagem.
todo processo de apreensão esse conteúdo vá ser reinterpretado, esse fenômeno pode
dar-se de modo aleatório e passivo ou com consciência e sentido crítico. Nessa
segunda modalidade ocorreria uma apropriação do conhecimento semelhante ao
processo fisiológico da assimilação que pode talvez corresponder ao que se entende
por “construção”.
O mesmo texto lido, a mesma aula a que se assiste vão ser interpretados
diferentemente por cada um mas a comunicabilidade do significado é preservada caso
contrário a escrita e a fala tornar-se-iam inúteis. Afirma Oliveira (2002, p. 166) que
torna-se óbvio que do ponto de vista lógico, filosófico e científico o termo ‘construir
conhecimento’ não pode referir-se a um relativismo absoluto, seja em relação à
aprendizagem. tudo que aprendemos seria relativo à nossa forma pessoal de aprender
de modo geral, seja referente à verdade idiossincrática de cada texto (só existe o texto
que eu leio cujo significado, isto é cuja interpretação e sentido em construo.
O construtivismo não pode, portanto, negar o processo do ensino já que ele ocorre
desde a mais tenra idade de modo espontâneo ou determinado, mas deve referir-se ao
modo correto de ensinar para que ocorra um aprendizado eficaz e, até mesmo, o
processo da criação. Pode-se então entender como construtivismo a corrente teórica
que se propõe a conhecer o desenvolvimento da inteligência humana e a ela adequar os
métodos de ensino.
A tão falada passividade a que a criança estava condenada pela escola tradicional
parece teoricamente impossível já que o processo da aprendizagem exige a ação não
como movimento externo mas como intencionalidade, como movimento intelectual de
busca e de apreensão. Assim, ou ocorre a atividade intencional por parte do aprendiz
ou não ocorre aprendizagem. Nesse sentido, podese admitir que é a pessoa que
sempre, com qualquer metodologia de ensino, desde que haja apreensão do conteúdo,
constrói o seu próprio conhecimento.
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Chega-se então a que, para não atear-se apenas ao nível da experiência mas para
atingir-se o nível da atividade operatória, é preciso um direcionamento. Entra aí o
papel do educador como propiciador da aprendizagem, como aquele que vai adaptar o
ensino aos ensinamentos da psicologia do desenvolvimento.
Esta, pode-se dizer é a grande contribuição de Piaget que deve ainda ser melhor
aproveitada especialmente pelos autores didáticos: a adequação entre o
desenvolvimento psíquico do estudante e as técnicas de ensino e do material didático.
Afirma ainda ele Piaget (2002, p. 4) é evidente que toda pesquisa em epistemologia
genética, quer do desenvolvimento de um certo setor do conhecimento na criança, quer
de uma transformação num dos ramos correspondentes do pensamento científico,
pressupõe a colaboração de especialistas da epistemologia da ciência considerada.
um conteúdo que deve ser feito de determinado modo para que seja garantida a
comunicação entre os que têm o mesmo conhecimento.
Através desse artifício, diziam que não se pode determinar quem é Sócrates, porque se
Sócrates é músico, então não é filósofo, se é filósofo, então não é músico. Ora,
Sócrates pode ser várias coisas sem que isso mude sua essência, ou seja, o fato de ser
um animal racional como todos nós
Em nossa vida cotidiana usamos a palavra razão em muitos sentidos. Dizemos, por
exemplo, eu estou com a razão, ou “ele não tem razão”, para significar que nos
sentimos seguros de alguma coisa ou que sabemos com certeza alguma coisa. Também
dizemos que, num momento de fúria ou de desespero, “alguém perde a razão”, como
se a razão fosse alguma coisa que se pode ter ou não ter, possuir e perder, ou
recuperar, como na frase: “Agora ela está lúcida, recuperou a razão”.
Para Chauí (2000, p.73) a razão não admita o acaso ou ações e fatos acidentais, mas
sim que ela procura, mesmo para o acaso e para o acidente, uma causa. A diferença
entre a causa, ou razão suficiente, e a causa casual ou acidental está em que a primeira
se realiza sempre, é universal e necessária, enquanto a causa acidental ou casual só
vale para aquele caso particular, para aquela situação específica, não podendo ser
generalizada e ser considerada válida para todos os casos ou situações iguais ou
semelhantes, pois, justamente, o caso ou a situação são únicos.
A idéia de razão que apresentamos até aqui e que constitui o ideal de racionalidade
criado pela sociedade européia ocidental sofreu alguns abalos profundos desde o início
do século XX. Aqui, vamos apenas oferecer alguns exemplos dos problemas que a
Filosofia precisou enfrentar e que levaram a uma ampliação da idéia da razão. Um
primeiro abalo veio das ciências da Natureza ou, mais precisamente, da física e atingiu
o princípio do terceiro-excluído.
A física da luz (ou óptica) descobriu que a luz tanto pode ser explicada por ondas
luminosas quanto por partículas descontínuas. Isso significou que já não se podia
dizer: “ou a luz se propaga por ondas contínuas ou se propaga por partículas
descontínuas, como exigiria o princípio do terceiro-excluído, mas sim que a luz pode
propagar-se tanto de uma maneira como de outra.
Por sua vez, a física atômica ou quântica abalou o princípio da razão
suficiente. Vimos que esse princípio afirma que, conhecido A, posso
determinar como dele necessariamente resultará B, ou, conhecido B,
posso determinar necessariamente como era A que o causou. Em
outras palavras, conhecido o estado E de um fenômeno, posso
deduzir como será o estado E2 ou E3 e vice-versa: conhecidos E3 e
E2 posso dizer como era o estado E. Ora, a física dos átomos revelou
que isso não é possível, que não podemos saber as razões pelas quais
os átomos se movimentam, nem sua velocidade e direção, nem os
efeitos que produzirão (CHAUI, 2000, 75).
Um caçador sai pela manhã em busca da caça. Entra no mato e vê rastros: choveu na
véspera e há pegadas no chão; pequenos galhos rasteiros estão quebrados; o capim está
amassado em vários pontos; a carcaça de um bicho está à mostra, indicando que foi
devorado há poucas horas; há um grande silêncio no ar, não há canto de pássaros, não
há ruídos de pequenos animais.
O caçador supõe que haja uma onça por perto. Ele pode, então, tomar duas atitudes.
Se, por todas as experiências anteriores, tiver certeza de que a onça está nas
imediações, pode preparar-se para enfrentá-la: sabe que caminhos evitar, se não estiver
em condições de caçá-la; sabe que armadilhas armar, se estiver pronto para capturá-la;
sabe como atraí-la, se quiser conservá-la viva e preservar a espécie.
3.41 A dedução
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Para Chauí (2000, p.81) a dedução consiste em partir de uma verdade já conhecida
(seja por intuição, seja por uma demonstração anterior) e que funciona como um
princípio geral ao qual se subordinam todos os casos que serão demonstrados a partir
dela. Em outras palavras, na dedução parte-se de uma verdade já conhecida para
demonstrar que ela se aplica a todos os casos particulares iguais. Por isso também se
diz que a dedução vai do geral ao particular ou do universal ao individual. O ponto de
partida de uma dedução é ou uma idéia verdadeira ou uma teoria verdadeira.
No caso de uma teoria, a dedução permitirá que cada caso particular encontrado seja
conhecido, demonstrando que a ele se aplicam todas as leis, regras e verdades da
teoria. diz ainda Chauí (2000, p.81) que a verdade da teoria física de Newton, sabemos
que: 1) as leis da física são relações dinâmicas de tipo mecânico, isto é, se referem à
relações de força (ação e reação) entre corpos dotados de figura, massa e grandeza; 2)
os fenômenos físicos ocorrem no espaço e no tempo; 3) conhecidas as leis iniciais de
um conjunto ou de um sistema de fenômenos, poderemos prever os atos que ocorrerão
nesse conjunto e nesse sistema.
Assim, se eu quiser conhecer um ato físico particular - por exemplo, o que acontecerá
com o corpo lançado no espaço por uma nave espacial, ou qual a velocidade de um
projétil lançado de um submarino para atingir um alvo num tempo determinado, ou
qual é o tempo e a velocidade para um certo astro realizar um movimento de rotação
em torno de seu eixo -, aplicarei a esses casos particulares as leis gerais da física
newtoniana e saberei com certeza a resposta verdadeira.
3.4.2 A indução
Por exemplo, colocamos água no fogo e observamos que ela ferve e se transforma em
vapor; colocamos leite no fogo e vemos também que ele se transforma em vapor;
colocamos vários tipos de líquidos no fogo e vemos sempre sua transformação em
vapor. Induzimos desses casos particulares que o fogo possui uma propriedade que
produz a evaporação dos líquidos. Essa propriedade é o calor.
Com essas duas séries de fatos (vapor e congelamento), descobrimos que os estados
dos líquidos variam (evaporação e solidificação) em decorrência da temperatura
ambiente (calor e frio) e que cada líquido atinge o ponto de evaporação ou de
solidificação em temperaturas diferentes. Com esses dados podemos formular uma
teoria da relação entre os estados da matéria - sólido, líquido e gasoso - e as variações
de temperatura, estabelecendo uma relação necessária entre o estado de um corpo e a
temperatura ambiente. Chegamos, por indução, a uma teoria.
3.4.3 A abdução
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De acordo com Chauí (2000, p.83) a abdução é uma espécie de intuição, mas que não
se dá de uma só vez, indo passo a passo para chegar a uma conclusão. A abdução é a
busca de uma conclusão pela interpretação racional de sinais, de indícios, de signos. O
exemplo mais simples oferecido por Peirce para explicar o que seja a abdução são os
contos policiais, o modo como os detetives vão coletando indícios ou sinais e
formando uma teoria para o caso que investigam
A abdução é a forma que a razão possui quando inicia o estudo de um novo campo
científico que ainda não havia sido abordado. Ela se aproxima da intuição do artista e
da adivinhação do detetive, que, antes de iniciarem seus trabalhos, só contam com
alguns sinais que indicam pistas a seguir. Os historiadores costumam usar a abdução.
De modo geral, diz-se que a indução e a abdução são procedimentos racionais que
empregamos para a aquisição de conhecimentos, enquanto a dedução é o
procedimento racional que empregamos para verificar ou comprovar a verdade de um
conhecimento já adquirido.
3.5 O inatismo
Platão defende a tese do inatismo da razão ou das idéias verdadeiras em várias de suas
obras, mas as passagens mais conhecidas se encontram nos diálogos Mênon e A
República. No Mênon, Sócrates dialoga com um jovem escravo analfabeto. Fazendo-
lhe perguntas certas na hora certa, o filósofo consegue que o jovem escravo demonstre
sozinho um difícil teorema de geometria (o teorema de Pitágoras). As verdades
matemáticas vão surgindo no espírito do escravo à medida que Sócrates vai-lhe
fazendo perguntas e vai raciocinando com ele.
Em A República, Platão (1993, p. 68) desenvolve uma teoria que já fora esboçada no
Mênon: a teoria da reminiscência. Nascemos com a razão e as idéias verdadeiras, e a
Filosofia nada mais faz do que nos relembrar essas idéias. Platão é um grande escritor
e usa em seus escritos um procedimento literário que o auxilia a expor as teorias muito
difíceis. Assim, para explicar a teoria da reminiscência, narra o mito de Er. O pastor
Er, da região da Panfília, morreu e foi levado para o Reino dos Mortos. Ali chegando,
encontra as almas dos heróis gregos, de governantes, de artistas, de seus antepassados
e amigos. Ali, as almas contemplam a verdade e possuem o conhecimento verdadeiro.
No caminho de retorno à Terra, as almas atravessam uma grande planície por onde
corre um rio, o Lethé (que, em grego, quer dizer esquecimento), e bebem de suas
águas. As que bebem muito esquecem toda a verdade que contemplaram; as bebem
pouco quase não se esquecem do que conheceram.
As que escolheram vidas de rei, de guerreiro ou de comerciante rico são as que mais
bebem das águas do esquecimento; as que escolheram a sabedoria são as que menos
bebem. Assim, as primeiras dificilmente (talvez nunca) se lembrarão, na nova vida, da
verdade que conheceram, enquanto as outras serão capazes de lembrar e ter sabedoria,
usando a razão. Conhecer, diz Platão (1993, p. 68), é recordar a verdade que já existe
em nós; é despertar a razão para que ela se exerça por si mesma. Por isso, Sócrates
fazia perguntas, pois, através delas, as pessoas poderiam lembrar-se da verdade e do
uso da razão.
De acordo com Descartes (2001 p. 76) a teoria das idéias inatas em várias de suas
obras, mas as exposições mais conhecidas encontram-se em duas delas: no Discurso
do método e nas Meditações metafísicas. Nelas, Descartes mostra que nosso espírito
possui três tipos de idéias que se diferenciam segundo sua origem e qualidade:
As idéias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com
elas. Por exemplo, a idéia do infinito (pois não temos qualquer experiência do
infinito), as idéias matemáticas (a matemática pode trabalhar com a idéia de uma
figura de mil lados, o quiliógono, e, no entanto, jamais tivemos e jamais teremos a
percepção de uma figura de mil lados).
Gerzilio Lourenço Mahumane, Junho 2022 Maputo-Moçambique
Essas idéias, diz Descartes, são a assinatura do Criador no espírito das criaturas
racionais, e a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade. Como as
idéias inatas são colocadas em nosso espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto
é, sempre corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas,
podemos julgar quando uma idéia adventícia é verdadeira ou falsa e saber que as
idéias fictícias são sempre falsas (não correspondem a nada fora de nós).
Ainda segundo Descartes (2005, p. 48), as idéias inatas são as mais simples que
possuímos (simples não quer dizer “fáceis”, e sim não-compostas de outras idéias). A
mais famosa das idéias inatas cartesianas é o “Penso, logo existo”. Por serem simples,
as idéias inatas são conhecidas por intuição e são elas o ponto de partida da dedução
racional e da indução, que conhecem as idéias complexas ou compostas.
A tese central dos inatistas é a seguinte: se não possuirmos em nosso espírito a razão e
a verdade, nunca teremos como saber se um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto
é, nunca saberemos se uma idéia corresponde ou não à realidade a que ela se refere.
Não teremos um critério seguro para avaliar nossos conhecimentos.
3.6 O empirismo
Segundo Chauí (2000, p. 89) a razão pretende, através de seus princípios, seus
procedimentos e suas idéias, alcançar a realidade em seus aspectos universais e
necessários. Em outras palavras, pretende conhecer a realidade tal como é em si
mesma, considerando que o que conhece vale como verdade para todos os tempos e
lugares (universalidade) e indica como as coisas são e como não poderiam, de modo
algum, ser de outra maneira (necessidade).
Ora, Hume (1999, p. 96) torna impossível tanto a universalidade quanto a necessidade
pretendidas pela razão. O universal é apenas um nome ou uma palavra geral que
usamos para nos referirmos à repetição de semelhanças percebidas e associadas. O
necessário é apenas o nome ou uma palavra geral que usamos para nos referirmos à
repetição das percepções sucessivas no tempo. O universal, o necessário, a causalidade
são meros hábitos psíquicos.
Moralmente, uma pessoa é justa (pratica a idéia universal da justiça) quando faz com
que o intelecto ou a razão domine e controle inteira e completamente seus impulsos
passionais, seus sentimentos e suas emoções irracionais. Porque o intelecto ou a razão
é a parte melhor e superior de nossa alma ou espírito e deve dominar a parte inferior e
pior, ligada aos desejos irracionais do nosso corpo.
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Politicamente, uma sociedade é justa (isto é, pratica a idéia inata e universal de justiça)
quando nela as classes sociais se relacionam como na moral. Em outras palavras,
quando as classes inferiores forem dominadas e controladas pelas classes superiores.
A sociedade justa cria uma hierarquia ou uma escala de classes sociais e de poderes,
onde a classe econômica, mais inferior, deve ser dominada e controlada pela classe
militar, para que as riquezas não provoquem desigualdades, egoísmos, guerras,
violências; a classe militar, por sua vez, deve ser dominada e controlada pela classe
política para impedir que os militares queiram usar a força e a violência contra a
sociedade e fazer guerras absurdas. Enfim, “a classe política deve ser dominada e
controlada pelos sábios (a razão), que não deixarão que os políticos abusem do poder e
prejudiquem toda a sociedade” (CHAUI, 2000, 90).
Descartes considera que a realidade natural é regida por leis universais e necessárias
do movimento, isto é, que a natureza é uma realidade mecânica. Considera também
que as leis mecânicas ou leis do movimento elaboradas por sua filosofia ou por sua
física são idéias racionais deduzidas de idéias inatas simples e verdadeiras.
Para Chauí (2000, p. 92) o ideal racional da objetividade afirma que uma verdade é
uma verdade porque corresponde à realidade das coisas e, portanto, não depende de
nossos gostos, nossas opiniões, nossas preferências, nossos preconceitos, nossas
fantasias, nossos costumes e hábitos. Em outras palavras, não é subjetiva, não depende
de nossa vida pessoal e psicológica. Essa objetividade, porém, para o empirista, a
ciência não pode oferecer nem garantir.
A História (social, política, científica e filosófica) mostra que idéias tidas como
verdadeiras e universais não possuíam essa validade e foram substituídas por outras.
Mas, por definição, uma idéia inata é sempre verdadeira e não pode ser substituída por
outra. Se for substituída, então não era uma idéia verdadeira e, não sendo uma idéia
verdadeira, não era inata.
De acordo com Chauí (2000, p.93) As verdades de razão enunciam que uma coisa é,
necessária e universalmente, não podendo de modo algum ser diferente do que é e de
como é. O exemplo mais evidente das verdades de razão são as idéias matemáticas. É
impossível que o triângulo não tenha três lados e que a soma de seus ângulos não seja
igual a soma de dois ângulos retos; é impossível que um círculo não tenha todos os
pontos eqüidistantes do centro e que não seja a figura formada pelo movimento de um
semi-eixo ao redor de um centro fixo; é impossível que 2 + 2 não seja igual a 4; é
impossível que o todo não seja maior do que as partes.
As verdades de razão são inatas. Isso não significa que uma criança, por exemplo,
nasça conhecendo a matemática e sabendo realizar operações matemáticas, demonstrar
teoremas ou resolver problemas nessa área do conhecimento. Significa que nascemos
com a capacidade racional, puramente intelectual, para conhecer idéias que não
dependem da experiência para serem formuladas e para serem verdadeiras.
As verdades de fato são verdades porque para elas funciona o princípio da razão
suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que percebemos e tudo aquilo de
que temos experiência possui uma causa determinada e essa causa pode ser conhecida.
Pelo princípio da razão suficiente isto é, pelo conhecimento das causas “todas as
verdades de fato podem tornar-se verdades necessárias e serem consideradas verdades
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Observamos, assim, que, para Leibniz (1980, p. 89), o princípio da razão suficiente ou
a idéia de causalidade universal e necessária permite manter as idéias inatas e as idéias
empíricas. É justamente o princípio da causalidade, como vimos, que será alvo das
críticas dos empiristas, na filosofia de David Hume. Para esse filósofo, o princípio da
razão suficiente é apenas um hábito adquirido por experiência como resultado da
repetição e da frequência de nossas impressões sensoriais.
Em lugar de, primeiro e antes de tudo, estudar o que é a própria razão e indagar o que
ela pode e o que não pode conhecer, o que é a experiência e o que ela pode ou não
pode conhecer; em vez, enfim, de procurar saber o que é a verdade, os filósofos
preferiram começar dizendo o que a realidade é, afirmando que ela é racional e que,
por isso, pode ser inteiramente conhecida pelas idéias da razão. Colocaram a realidade
exterior ou os objetos do conhecimento no centro e fizeram a razão, ou o sujeito do
conhecimento, girar em torno deles.
A razão é uma estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdos. Essa estrutura (e não
os conteúdos) é que é universal, a mesma para todos os seres humanos, em todos os
tempos e lugares. Essa estrutura é inata, isto é, não é adquirida através da experiência.
Por ser inata e não depender da experiência para existir, a razão é, do ponto de vista do
conhecimento, anterior à experiência. Ou, como escreve Kant, a estrutura da razão é a
priori (vem antes da experiência e não depende dela).
Porém, os conteúdos que a razão conhece e nos quais ela pensa, esses sim, dependem
da experiência. Sem ela, a razão seria sempre vazia, inoperante, nada conhecendo.
Gerzilio Lourenço Mahumane, Junho 2022 Maputo-Moçambique
O engano dos empiristas é supor que a estrutura da razão é adquirida por experiência
ou causada pela experiência. Na verdade, a experiência não é causa das idéias, mas é a
ocasião para que a razão, recebendo a matéria ou o conteúdo, formule as idéias. Dessa
maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os conteúdos são empíricos
e podem variar no tempo e no espaço, podendo transformar-se com novas experiências
e mesmo revelarem-se falsos, graças a experiências novas.
De acordo com (2000, Chaui p. 96) o que é o conhecimento racional é a síntese que a
razão realiza entre uma forma universal inata e um conteúdo particular oferecido pela
experiência. A razão é constituída por três estruturas a priori:
3. a estrutura ou forma da razão propriamente dita, quando esta não se relaciona nem
com os conteúdos da sensibilidade, nem com os conteúdos do entendimento, mas
apenas consigo mesma. Como, para Kant (2003, p. 85), só há conhecimento quando a
experiência oferece conteúdos à sensibilidade e ao entendimento, a razão, separada da
sensibilidade e do entendimento, não conhece coisa alguma e não é sua função
conhecer. Sua função é a de regular e controlar a sensibilidade e o entendimento. Do
ponto de vista do conhecimento, portanto, a razão é a função reguladora da atividade
do sujeito do conhecimento.
A forma da sensibilidade é o que nos permite ter percepções, isto é, a forma é aquilo
sem o que não pode haver percepção, sem o que a percepção seria impossível.
Percebemos todas as coisas como dotadas de figura, dimensões (altura, largura,
comprimento), grandeza: ou seja, nós as percebemos como realidades espaciais.
Não interessa se cada um de nós vê cores de uma certa maneira, gosta mais de uma cor
ou de outra, ouve sons de uma certa maneira, gosta mais de certos sons do que de
outros, etc. O que importa é que nada pode ser percebido por nós se não possuir
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propriedades espaciais; por isso, o espaço não é algo percebido, mas é o que permite
haver percepção (percebemos lugares, posições, situações, mas não percebemos o
próprio espaço). Assim, o espaço é a forma a priori da sensibilidade e existe em nossa
razão antes e sem a experiência.
BIBLIOGRAFIA
BACHELARD, S. (1957). Lógica formal e lógica transcendental: uma tentativa de
crítica da razão lógica. São Paulo: Martins Fontes.
COLL, C. S. (2003). Entrevista a Faoze Chibli: Revista Educação. São Paulo. Martins
Fontes.
KANT, Immanuel. (2001). Crítica da Razão Pura. 5ª Edição. Trad: Manuela Pinto e
Alexandre Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
LEIBNIZ, G.W. (1980). Novos ensaios sobre o entendimento humano. In: Leibniz, v.
II. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril, (Col. “Os Pensadores”).