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“A obsessão por ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas” El País

Para o psicólogo israelense Tal Ben-Shahar, que lecionou por 25 anos em Harvard, o
grande mal do século XXI é que não se busca tempo para o descanso

Tal Ben-Shahar, em evento na capital espanhola.ULY MARTÍN


ANA TORRES MENÁRGUEZ
MADRI - 06 OCT 2019 - 14:05 BRT

Tal Ben-Shahar (Ramat Gan, Israel, 1970), doutor em Psicologia e Filosofia pela
universidade de Harvard, onde foi professor por 25 anos, soma outros tantos estudando a
felicidade. Como muitos especialistas, acredita que o grande inimigo do bem-estar seja o
estresse, do qual 94% dos universitários norte-americanos padecem. "É a nova pandemia
global", diz, em alusão ao qualificativo empregado pela Organização Mundial da Saúde.
Os médicos o chamam de "assassino silencioso", conta. Mas o psicólogo israelense
acredita que durante anos estivemos olhando para o lado errado; não é preciso estudar os
fatores que o provocam, e sim as condutas que não o curam. "Deixamos de dar
importância ao descanso, à recuperação, e não basta o sono", observa.

Nesta semana, ele participou do EnlightED, um evento sobre o futuro da educação e sua
relação com a tecnologia, organizado em Madri pela South Summit, Fundação
Telefónica, IE University e Fundação Santillana.

Pergunta. Existe um sistema imunológico psicológico? Há pessoas que têm maior


tendência à tristeza?

Resposta. A genética faz a diferença. Por exemplo, eu não nasci com uma genética ligada
às emoções positivas. Quando criança sentia ansiedade, assim como meus pais e avós;
sofremos dela geração após geração. O fato de ser infeliz me levou ao interesse por esse
campo: a ciência da felicidade. Nos anos 70, nos Estados Unidos, foi feita uma série de
investigações sobre gêmeos com genes idênticos. Foram separados ao nascer, criados em
países diferentes, com economias diferentes. Passados os anos, observou-se que havia
muitas semelhanças quanto aos seus níveis de bem-estar, seu comportamento e inclusive
suas paixões. Em média, a felicidade depende 50% da genética, 40% das escolhas
pessoais e 10% do ambiente. Esses percentuais podem mudar em situações extremas,
como uma guerra.

P. Como se medem os níveis de felicidade no cérebro?

R. Há padrões cerebrais associados à felicidade, à depressão e à raiva. Não é só uma parte,


e sim múltiplas que trabalham de forma conjunta. Um exemplo é o córtex pré-frontal: a
parte esquerda está associada às emoções positivas, e a direita às negativas. É importante
conhecer as descobertas neste campo para entender que, com nossa conduta, podemos
melhorar os níveis de bem-estar.

P. Há um boom, centenas de best-sellers sobre o tema. Estamos mais preocupados em


tentar ser felizes?

R. Não, é algo ancestral. Há 2.500 anos, Aristóteles escrevia sobre isso. A Bíblia também
trata desse tema. Sempre foi parte do nosso pensamento. A diferença é que agora temos
mais tempo livre, e a isso se somam certas expectativas irreais quanto à vida. O resultado
é que nos sentimos infelizes porque não entendemos o que é a felicidade.

P. O que é a felicidade?

R. Não é possível estar feliz sempre. As emoções negativas, como a raiva, o medo e a
ansiedade, são necessárias para nós. Só os psicopatas estão a salvo disso. O problema é
que, por falta de educação emocional, quando as sentimos as rejeitamos, e isso faz que se
intensifiquem e que o pânico nos domine. Se bloquearmos uma emoção negativa,
igualmente bloquearemos as positivas. É preciso sentir o medo e sermos conscientes de
que vamos em frente mesmo com ele. Não é resignação, e sim aceitação ativa. Quando
meu filho David nasceu, um mês depois comecei a sentir ciúmes dele. Minha esposa lhe
dedicava mais atenção que a mim. Às vezes as emoções se polarizam, chegamos a
extremos, e nem por isso somos melhores ou piores pessoas. Somos humanos.

P. Segundo um recente estudo da agência europeia Eurofound, os níveis de estresse estão


aumentando na escola, e a transição dos jovens para a vida adulta se complica pelas
expectativas de seus pais e as pressões da sociedade.

R. As expectativas têm um papel-chave na felicidade. A mais perigosa é acreditar que se


pode estar constantemente na crista da onda. A obsessão por ser feliz o tempo todo faz as
pessoas se sentirem péssimas. Nos últimos anos as redes sociais influíram bastante; ver
as caras sorridentes dos outros, suas idílicas relações a dois, um trabalho exemplar.
Quando sentimos tristeza ou ansiedade, essas imagens reforçam nossa ideia de que
estamos fazendo algo de errado. Mas nada disso é real, todos vivemos numa montanha
russa emocional. É inevitável, e não é ruim.

P. A depressão ameaça 14% dos jovens europeus entre 15 e 24 anos, segundo o último
relatório do Eurofound, e lideram o ranking países como a Suécia (com uma taxa de
41%), Estônia (27%) e Malta (22%). Na Espanha, onde a taxa de desemprego juvenil é
mais elevada, está abaixo de 10%. O que está falhando?
R. Vou lhe dar outro exemplo. Nos Estados Unidos, a cada cinco anos se medem os níveis
de saúde mental, que costumam variar 1% para cima ou para baixo. No último período,
os resultados foram muito diferentes: entre adolescentes, os níveis de
depressão cresceram até 30%. Um dos motivos é que estão diminuindo as interações cara
a cara, substituídas pelo smartphone. As relações pessoais são um antídoto contra a
depressão.

P. No século XIX, trabalhava-se até 18 horas por dia, e nenhuma lei impedia de fazê-lo
24 horas se fosse necessário. Hoje temos maior qualidade de vida. Qual é a raiz da
insatisfação permanente?

R. A expectativa dos trabalhadores na vida era prover suficiente comida à sua família
para sobreviver. Hoje pensamos em ganhar mais dinheiro, nas férias sonhadas... Hoje
você pode fazer tudo; mesmo que tenha um emprego interessante e goste de seus colegas,
não é suficiente. Como pode escolher e mudar, nunca está satisfeito.

P. Como a escola pode nos preparar para saber o que é a felicidade?

R. É preciso ensinar a cultivar relações sadias, a identificar propósitos e sentido no que


fazemos. E o mais importante: a encontrar tempo para o descanso. As pesquisas
demonstraram que esse é o grande problema, que não nos recuperamos do estresse. Não
vale ler best-sellers de autoajuda, é preciso uma ação. No trabalho, fazer uma pausa de
30 minutos a cada duas horas, ou de 30 segundos se você trabalhar na Bolsa,
mas desconectar e respirar. Tirar um dia de folga. Aprender que a felicidade não é um
código binário, de um a zero, e sim um sobe e desce. É uma viagem imprevisível que
termina quando você morre.

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