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AULA 6

CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

Prof. Francisco Fadel


INTRODUÇÃO

Esgotado o estudo atinente aos crimes de furto e roubo, faremos esse


estudo em face do delito de extorsão. Traremos, ainda, as informações mais
relevantes a respeito da extorsão mediante sequestro, infração hedionda por
excelência, haja vista assim ser catalogada em todas as suas modalidades e, tal
qual os tipos anteriormente citados, de ocorrência muito frequente na sociedade
e, assim, no dia a dia forense.

TEMA 1 – DO CRIME DE EXTORSÃO – ART. 158, PARÁGRAFO 1º, CP –


CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

O CP, em seu art. 158, parágrafo 1º, contempla duas causas de aumento
de pena relativamente ao crime de extorsão:

a) quando a infração é praticada por duas ou mais pessoas;


b) quando o delito é cometido com emprego de arma.

Caracterizada qualquer das hipóteses anteriores, estas incidirão na


terceira fase da dosimetria da pena, elevando-a de um terço até metade.
Conforme Masson (2020, p. 426, grifos do original) “Cuida-se, portanto,
de extorsão circunstanciada, agravada ou majorada, e não de extorsão
qualificada”.
Esclarece Nucci (2021, p. 854) que conforme o entendimento da 6ª Turma
do STJ (AgRg no Resp. 1.821.939/SC, rel. Laurita Vaz, j. 09.06.2020, DJe
23.06.2020), as majorantes podem ser aplicadas, seja quanto à forma simples
do tipo, como em face da modalidade qualificada, prevista no art. 158, parágrafo
2º, CP.
Analisemos cada uma das hipóteses separadamente.

1.1 Extorsão cometida por duas ou mais pessoas – art. 158, parágrafo 1º,
1ª parte, CP

Conforme a redação do dispositivo, quando a infração for cometida por


duas ou mais pessoas caracterizadas estará a forma circunstanciada de
extorsão.
Há divergência doutrinária quanto à correta compreensão do dispositivo.

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Para Araújo (2020, p. 439) “Haverá a incidência da majorante tanto na
hipótese de coautoria quanto na de participação. Deste modo, seu um dos
agentes for apenas partícipe, isto é, se induziu, instigou ou prestou auxílio à
conduta principal do autor, ambos responderão pelo crime de extorsão majorado
pelo concurso de pessoas”. Para o autor “o concurso de pessoas no crime de
extorsão também deve levar em consideração a existência de agentes
impuníveis e de pessoas não identificadas” (Araújo, 2020, p. 439).
Prado (2012), ao lecionar sobre a primeira hipótese de causa de aumento
de pena prevista no parágrafo 1º, do art. 158, do CP, acompanha o entendimento
de Araújo ao sustentar que

É sabido que o concurso de pessoas torna a ação delituosa


potencialmente mais grave, justamente em face da união de forças,
destacando-se que é dispensável que todos estejam presentes no
locus delicti, exigindo-se somente os requisitos inerentes ao tema (art.
29, CP). Indiferente, também, a inimputabilidade de um dos agentes.
(Prado, 2012, p. 453, grifos do original)

Hungria (1955, p. 68, grifos do original), ao analisar a extorsão agravada,


prevista na primeira figura desse art. 158 do CP, remete seu leitor aos
comentários tecidos ao crime de roubo (p. 55) em que, em posicionamento
intermediário, aduz “que várias pessoas (no mínimo, duas) devem estar reunidas
e presentes junto à vítima, embora nem todas cooperem materialmente na
violência”.
Masson (2020, p. 426, grifos do original) traz a interpretação
diametralmente oposta, ao advogar que

Ao contrário do que fez no roubo, em seu art. 157, § 2º, inciso II, o
Código Penal fala em crime “cometido por duas ou mais pessoas”, e
não em “concurso de duas ou mais pessoas”. É indispensável,
destarte, que todos os envolvidos na empreitada criminosa realizem
atos executórios da extorsão, mediante a utilização de violência à
pessoa ou grave ameaça. A lei impõe a coautoria, não se contentando
com a simples participação. Exemplificativamente, não incide a
majorante no caso em que uma pessoa constrange a vítima no interior
de uma agência bancária, enquanto seu comparsa a aguarda para fuga
com o dinheiro levantado.

Greco (2017, p. 673), fazendo alusão ao crime de roubo, bem como a


primeira figura, do parágrafo primeiro, do art. 158, do CP, acompanhando
Masson, entende que “será exigível a presença dos agentes durante a prática
dos atos materiais de execução das respectivas infrações penais”.
Teles (2006, p. 346) também comunga desse entendimento, aduzindo que
“Na extorsão a norma exige a presença de duas ou mais pessoas no
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cometimento do crime, o que equivale a dizer que pelo menos dois devem
executar o procedimento típico. Assim se apenas um executa a extorsão a
mando de outrem, não incide essa causa de aumento de pena”.
Salvo melhor juízo, considerando a premissa da qual os tipos penais
incriminadores devem, a toda evidência, serem interpretados de forma restritiva,
o posicionamento capitaneado por Masson, Greco e Teles parece ser a exegese
que melhor reflete os princípios interpretativos aplicáveis ao Direito Penal
moderno, vigente em um estado democrático de Direito.

1.2 Extorsão cometida com emprego de arma – art. 158, parágrafo 1º, 2ª
parte, CP

Ao estabelecer a presente majorante, diversamente do disposto no art.


157, do CP, em que há um índice de incremento da pena se o crime for cometido
com o emprego de arma de fogo e se o fato ocorrer com a utilização de arma
branca, o legislador se limitou a utilizar o termo genérico “arma”. Desse modo, a
locução vem sendo interpretada de forma elástica, abrangendo armas próprias,
como impróprias.
Gonçalves (2020, p. 670, grifos do original) esclarece o que se deve
compreender por “arma”, bem como sua amplitude, em harmonia com o texto
legal. Vejamos:

Arma é todo instrumento que tem poder vulnerante (potencialidade


lesiva), isto é, capacidade para matar ou ferir. Como o texto legal não
contém qualquer ressalva, o aumento deve ser aplicado, quer se trate
de arma própria, quer de arma imprópria. As primeiras são aquelas
fabricadas para servir mesmo como meio de ataque ou de defesa —
armas de fogo, punhais, espadas etc. Já as armas impróprias são
objetos feitos com outra finalidade qualquer, mas que também
possuem poder vulnerante (de matar ou ferir), e, por isso, também
provocam maior temor à vítima — facas de cozinha, navalhas, foices,
tesouras etc.

O entendimento é acompanhado por Greco (2017, p. 673), Araújo (2020,


p. 439) e Masson (2020, p. 426). Mas, observa Araújo que, “na extorsão não se
poderá fazer incidir a causa de aumento de pena quando o agente empregar
simulacro de arma (como arma de brinquedo ou colocar a mão embaixo da
camisa, simulando portar arma), pois não se pode fazer analogia de equiparar o
simulacro à arma”.

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TEMA 2 – DO CRIME DE EXTORSÃO – ART. 158, PARÁGRAFOS 2º E 3º, CP
– FORMA QUALIFICADA E “SEQUESTRO-RELÂMPAGO”

Nos termos do disposto no parágrafo 2º, desse art. 158 do CP, que faz
remissão ao contido no parágrafo 3º, do art. 157, do mesmo diploma legal,
considera-se qualificado o crime de extorsão quando, praticado mediante o
emprego de violência, resultar lesão corporal grave ou morte.
A lesão corporal grave se encontra prevista nos parágrafos 1º e 2º, do art.
129, do CP.
As qualificadoras somente se materializarão quando a extorsão for
praticada mediante violência, excluída sua incidência na hipótese de
cometimento do crime com emprego de grave ameaça.
A extorsão qualificada pela morte da vítima, após a edição da Lei n.
13.964/2019 – Pacote Anticrime – foi retirada do rol dos crimes hediondos, o que
materializou erro gravíssimo do legislador, tendo efeito retroativo, pois toda
evidência, trata-se de lei penal mais benéfica.
Portocarrero e Ferreira (2020, p. 409, grifos do original) explicam que

Este crime era etiquetado como hediondo antes da Lei nº 13.964/19.


Atualmente, com as mudanças provocadas pelo diploma Anticrime,
não mais figura no rol do art. 1º da Lei nº 8.072/90. Tratando-se, neste
ponto, de novatio legis in mellius, deverá ser aplicada a lei
retroativamente para alcançar fatos anteriores à sua vigência, qual
seja, 23 de janeiro de 2020, retirando-se o caráter hediondo do crime
de extorsão com morte e todas as consequências negativas que disso
advêm. Não temos dúvida de que se trata de mais um equívoco do
legislador a supressão mencionada, fruto de péssima técnica e do
desconhecimento da letra da lei por aqueles que, no desejo de “corrigir”
falhas nela existentes, acabam por torná-la algo desarrazoado e,
muitas vezes, incompreensível. Inserções e exclusões que
demandariam uma perfeita engenharia acabam sendo feitas para
atendimento de interesses muitas vezes aplaudidos pela população,
mas que geram caos e insegurança jurídica. Como explicar que o furto
praticado com explosivo é hediondo, que o roubo praticado com
restrição à liberdade da vítima é hediondo e a extorsão com morte do
art. 158, § 2º, do CP, não é ???

Fato é que, a decorrência de claro desleixo do legislador, a extorsão


qualificada pela morte da vítima não é mais, ao menos por enquanto, crime
integrante do rol de infrações hediondas.

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2.1 Extorsão mediante restrição da liberdade da vítima – sequestro-
relâmpago – art. 158, parágrafo 3º, CP

Trata-se de crime hediondo, figurando no art. 1º, III, da Lei n. 8.072/1990,


com redação alterada pela Lei n. 13.964/2019.
O parágrafo 3º, desse art. 158 do CP, foi incluído no referido codex ante
a edição da Lei n. 11.923/2009 e teve o objetivo específico de criar um tipo penal
destinado a reprimir a conduta delituosa popularmente apelidada de sequestro-
relâmpago ou saidinha, “[...] modalidade criminosa na qual o agente constrange
a vítima, como o emprego de violência à sua pessoa ou grave ameaça seguida
de restrição da sua liberdade, como forma de obter indevida vantagem
econômica” (Masson, 2020, p. 426).
Como o dispositivo faz expressa referência às penas cominadas em outro
tipo penal, no caso as previstas no art. 159, parágrafos 2º e 3º, do CP, a infração
é rotulada como crime remetido.
Ainda no contexto do apenamento cominado à infração, tem-se que o
legislador equivocadamente olvidou a pena pecuniária, pois essa modalidade
não é contemplada nos parágrafos 2º e 3º, do art. 159, do CP, o que, à toda
evidência, espelha outro erro legislativo, considerando que nos crimes dessa
natureza a previsão de pena pecuniária tem muita relevância, pois, uma vez
condenado o agente, irá se refletir no patrimônio daquele que desfalca finanças
alheias.
Para Masson (2020, p. 427), o que distingue esse delito da extorsão
mediante sequestro (art. 159 do mesmo codex), é que, nessa infração, parte-se
da premissa de que a vítima é

colocada no cárcere, e sua liberdade é negociada com o pagamento


de indevida vantagem como condição ou preço do resgate; no
sequestro-relâmpago, por sua vez, não há encarceramento da vítima
nem a finalidade de recebimento de resgate para sua soltura, mas sim
o desejo de obter, em face do constrangimento, e não da privação da
liberdade, uma indevida vantagem econômica.

De notar que a percepção de indevida vantagem por parte do agente fica


atrelada à efetiva participação (contribuição) da vítima.
Extorsão mediante restrição da liberdade e roubo com restrição da
liberdade são infrações que não se confundem, pois na segunda figura, o
criminoso restringe a liberdade do sujeito passivo, que permanece sob seu jugo

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enquanto subtrai o seu patrimônio, ou seja, o ladrão se apodera do bem sem a
colaboração da vítima.
Na primeira figura delitiva a participação da vítima é relevante para o
sucesso da empreitada criminosa.
Porém, cabe alertar que nem toda a doutrina concorda com o parâmetro
adotado, a fim de diferenciar os crimes de roubo e extorsão cometidos mediante
restrição da liberdade da vítima.
Importante e diferente elemento a ser considerado é trazido por Batista
(1995, p. 301, grifo do original) para diferenciarmos roubo de extorsão nessa
condição. Vejamos.

Se o agente ameaça a vítima ou pratica violência contra ela, visando


obter a coisa na hora, há roubo, sendo desimportante para
caracterização do fato que ele tire o objeto da vítima ou este lhe seja
dado por ela. É que, nesta última hipótese, não se pode dizer que a
vítima agiu, pois, estando totalmente submetida ao agente, não passou
de um instrumento de sua vontade. Só se pode falar em extorsão, por
outro lado, quando o mal prometido é futuro e futura a obtenção da
vantagem pretendida, porque neste caso a vítima, embora ameaçada,
não fica totalmente a mercê do agente e, portanto, participa, ainda que
com vontade viciada, do ato de obtenção do bem.

Ainda nessa linha, exatamente por não espelhar o senso comum,


verificaremos o posicionamento de Greco (2017, p. 675 e 680, grifos do original)

Infelizmente, a lei penal cedeu à pressão de parte de nossos


doutrinadores que, ainda seguindo as orientações de Hungria,
conjugadas com os ensinamentos de Luigi Conti, afirmava que a
diferença entre os delitos de roubo e extorsão residiria,
fundamentalmente, no fato de que, naquele, o agente podia, por si
mesmo, praticar a subtração, sem que fosse preciso a colaboração da
vítima; na extorsão, ao contrário, a consumação somente seria
possível se a vítima cooperasse com o agente, entregando-lhe a
vantagem indevida.
[...]
Infelizmente, não se tem considerado a possibilidade de decisão da
vítima, ou seja, não se tem levado em consideração se a vítima, na
situação em que se encontrava, tinha ou não um tempo razoável, ou
mesmo se podia resistir ao constrangimento que era praticado pelo
agente.
[...]
Entendemos que o melhor critério para a distinção entre o roubo e a
extorsão reside no fato de que, na extorsão, há necessidade de
colaboração da vítima, conjugada com um espaço de tempo, mesmo
que não muito longo, para que esta anua ao constrangimento e
entregue a vantagem indevida ao agente. No roubo, como dizia
Carrara, o mal é imediato. Aqui, mesmo que sem a colaboração da
vítima o agente não pudesse obter a vantagem indevida
(compreendido, aqui, o patrimônio alheio), o fato de não ter um tempo
para refletir sobre a exigência que lhe é feita mediante violência ou
grave ameaça faz com que o crime seja de roubo.

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Em sua modalidade fundamental, o preceito penal secundário prevê pena
de reclusão de seis a 12 anos, cumulada com multa. Considerando as formas
qualificadas, pode-se afirmar que, se do ato decorrer lesão corporal grave, a
sanção tem elevado os seus patamares entre 16 a 24 anos de reclusão e
havendo a morte da vítima, a pena de reclusão variará de 24 a 30 anos.
Masson sustenta (2020, p. 429) que “O resultado agravador deve recair
sobre a pessoa sequestrada. De fato, se a lesão corporal grave ou morte for
suportada por outra pessoa que não a vítima da extorsão mediante restrição da
liberdade, haverá concurso material entre o crime definido pelo art. 158, § 3º, do
Código Penal e homicídio (doloso ou culposo) ou lesão corporal grave”.
Não importa se o resultado morte decorreu de culpa ou dolo do agente
criminoso, pois caracterizada estará a qualificadora.
Diversa é a situação na qual o resultado agravador é consequência de
fatores imprevisíveis e absolutamente alheios ao criminoso. Nas palavras de
Nucci (2021, p. 188-189, grifos do original):

Exigência do elemento subjetivo no resultado qualificador:


discutia-se, antes da Reforma Penal de 1984, havendo duas posições
doutrinárias, se era possível imputar ao agente do fato-base a
ocorrência do resultado qualificador, mesmo que ele não tivesse a
menor previsibilidade do que poderia ocorrer, ou seja, responderia o
autor do fato-base pelo resultado mais grave a título de
responsabilização objetiva. Para cessar o dissídio, deixando bem clara
a intenção da lei, inseriu-se o art. 19 no Código Penal, determinando
que o resultado qualificador somente seja fonte de punição para o
agente que o houver causado ao menos culposamente.

Eis a redação do art. 19 do CP: “Pelo resultado que agrava especialmente


a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente”.
Assim, se a lesão corporal grave ou a morte da vítima advieram de caso fortuito,
força maior ou culpa exclusiva de terceiro, o criminoso não será
responsabilizado.
Para o STJ (REsp. 1.353.693/RS, 5ª T., rel. Reynaldo Soares da Fonseca,
j. 13.09.2016) é perfeitamente possível a incidência das causas de aumento de
pena previstas no art. 158, parágrafo 1º, do CP (crime cometido por duas ou
mais pessoas ou com a utilização de arma de fogo), com a forma qualificada da
infração decorrente da restrição da liberdade da vítima (art. 158, parágrafo 3º,
CP).
Finalmente, é importante destacar que as modalidades hediondas do
crime de extorsão terão prioridade de tramitação, conforme o disposto no art.

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394-A, do Código de Processo Penal, in verbis: “Os processos que apurem a
prática de crimes hediondos terão prioridade de tramitação em todas as
instâncias”.

TEMA 3 – DA EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO – ART. 159, DO CP

Pondera Greco (2017, p. 697-688) que

O crime de extorsão mediante sequestro talvez tenha sido um dos que


mais ganharam espaço em nossa mídia no final do século XX,
motivando, até mesmo, a edição de leis mais severas, que pregavam
o recrudescimento das penas, bem como o seu cumprimento mais
prolongado no cárcere, a exemplo do que ocorreu com a Lei nº
8.072/90, que regulamentou o art. 5º, XLIII, da Constituição Federal,
dispondo sobre os chamados crimes hediondos.
[...]
Certo é que o crime de extorsão mediante sequestro encontra-se no
rol das infrações penais mais graves, e que mais estragos faz à vítima
e aos seus familiares. Tanto é verdade que a maior pena existente em
nosso ordenamento jurídico-penal é a cominada à extorsão mediante
sequestro com resultado morte, que varia de 24 (vinte e quatro) a 30
(trinta) anos de reclusão, sendo pequena a margem entre as penas
mínima e máxima para que o julgador possa individualizá-la com maior
precisão.

Sendo, como se percebe, crime hediondo por excelência, importante


transcrever, relativamente à Lei n. 8.072/1990, a coerente e, ainda, atual crítica
formulada por Franco (2011, p. 90-91):

Sob o impacto dos meios de comunicação de massa, mobilizados em


face de extorsões mediante sequestro, que tinham vitimizado figuras
importantes da elite econômica e social do país (caso Martinez, caso
Salles, caso Diniz, caso Medina etc.), um medo difuso e irracional,
acompanhado de uma desconfiança para com os órgãos oficiais de
controle social, tomou conta da população, atuando como um
mecanismo de pressão ao qual o legislativo não soube resistir. Na linha
de pensamento da Law and Order, surgiu a Lei nº 8.072/90, que é, sem
dúvida, um exemplo significativo de uma posição político-criminal que
expressa, ao mesmo tempo, radicalismo e passionalidade.

Noutro quadrante, Masson (2020, p. 433) também faz severa crítica à Lei
dos Crimes Hediondos, especificamente em face da extorsão mediante
sequestro

a Lei 8.072/1990 incidiu em um grande equívoco, ao deixar de cominar


ao crime, em todas as suas variantes, a pena de multa. Este erro,
datado de 1990 e ainda não corrigido, é imperdoável. Em um crime
motivado por uma especial forma de motivo torpe, a cupidez,
consubstanciada na busca desenfreada pelo locupletamento ilícito, a
sanção pecuniária é de fundamental importância. O Estado deve,
mediante a imposição de pena, atacar o patrimônio do condenado que
revelou desprezo relativamente aos bens alheios.

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É crime complexo, “pois resulta da junção de mais de um crime: extorsão
(art. 158, CP) e sequestro e cárcere privado (art. 148, CP)” (Araújo, 2020, p.
444).
Vejamos em que consiste o referido crime.

3.1 Extorsão mediante sequestro – art. 159 do CP – objetividade jurídica,


objeto material, sujeitos e tipicidade objetiva

Como anteriormente pontuado, trata-se de crime complexo e, por isso,


pluriofensivo, atingindo o patrimônio e a liberdade pessoal.
Objeto material é a pessoa cuja liberdade é tolhida, bem como aquela
cujo patrimônio é atingido.
Como se trata de crime comum, pode a extorsão mediante sequestro ser
praticada por qualquer pessoa, cumprindo ressaltar que aquele que simula o
próprio sequestro e exige vantagem econômica de seus familiares, cometerá
extorsão (art. 158, CP).
Sujeito passivo é a pessoa privada de sua liberdade, bem como aquele
que responde pela lesão patrimonial. Tratando-se de vítima menor de 18 ou
maior de 60 anos, nos termos do parágrafo 1º, do art. 159, estaremos frente à
forma qualificada da infração.
A ação nuclear é sequestrar, que significa “privar uma pessoa de sua
liberdade de locomoção por tempo juridicamente relevante” (Masson, 2020, p.
434). Para Gonçalves (2020, p. 676), sequestrar “consiste em capturar alguém
e privá-lo de sua liberdade”.
O texto legal deve ser interpretado de forma extensiva, pois, apesar de
não mencionar, abarca também o cárcere privado, que é a condição na qual a
vítima fica impedida de usufruir de seu direito de ir, vir e permanecer em local
cuja dimensão espacial é muito limitada, tal como se dá em um quarto, porão,
ou seja, onde há “pouca ou nenhuma possibilidade de locomoção”. [...] “Pode a
vítima gozar de certa liberdade, usufruir parcialmente do direito de locomover-
se, mas sempre condicionado à vontade do criminoso” (Masson, 2020, p. 434).
Como o objeto material da conduta é o ser humano, tendo em vista a
clara dicção legal (sequestrar pessoa), quando um animal for capturado com o
intuito de sua devolução ocorrer mediante resgate, configurado estará o crime
de extorsão. Se o objeto de captura for um cadáver, estaremos frente ao crime

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de subtração de cadáver, previsto no art. 211, do CP, sendo os familiares do
morto vítimas da infração.
O tipo, quando da descrição da conduta delitiva, não faz alusão à prática
de violência ou grave ameaça por parte do criminoso relativamente ao ato de
sequestrar. Entende-se, de forma pacífica, que ambas elementares se
encontram implícitas, não demandando maiores questionamentos.

TEMA 4 – DA EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO – ART. 159, DO CP –


ELEMENTO SUBJETIVO, CONSUMAÇÃO, COMPETÊNCIA, TENTATIVA E
AÇÃO PENAL

Crime doloso por excelência, não há forma culposa.


A infração, de acordo com a doutrina majoritária, indica a conjugação de
mais um elemento subjetivo: o especial fim de agir, materializado na expressão
“com o fim de obter para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição
ou preço do resgate”. Aqui reside a diferença entre a extorsão mediante
sequestro e o sequestro ou cárcere privado, pois, neste último, a vítima é privada
de sua liberdade sem que o agente deseje, para soltá-la, a obtenção de alguma
vantagem econômica como condição ou preço do resgate.
A vantagem almejada pelo criminoso deve ser econômica e indevida.
Relevante mencionar que há divergência na doutrina.
Jesus (2020, p. 493) e Bitencourt (2020, p. 813) sustentam que a
vantagem pode ser de qualquer natureza, material, econômica, devida ou
indevida, isto é, legítima ou não, e para fundamentar seu argumento, esclarecem
que a redação do tipo penal utiliza a expressão “qualquer vantagem”, não se
podendo acrescentar à lei palavras que nela não figuram.
Mas a imensa maioria dos estudiosos advoga que a vantagem, além de
indevida, há de ser de matiz econômico, pois se assim não fosse não haveria
justificativa para a infração estar elencada entre os crimes contra o patrimônio.
Masson (2020, p. 437) esclarece que a condição do resgate “diz respeito
a qualquer tipo de comportamento, por parte do sujeito passivo, idôneo a
proporcionar uma vantagem econômica ao criminoso”. E o preço do resgate “se
relaciona à exigência de um valor em dinheiro ou em qualquer outra utilidade
econômica” (Masson, 2020, p. 437).

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Finalmente, caso o agente persiga uma vantagem devida, deverá
responder por crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP) em
concurso com sequestro (art. 148, CP).
A extorsão mediante sequestro se consuma com a privação da
liberdade da vítima, independentemente do recebimento, pelo agente, da
vantagem econômica indevida perseguida.
“A privação da liberdade da vítima há de ser mantida por tempo
juridicamente relevante, apto a demonstrar o propósito do agente de tolher sua
liberdade de locomoção” (Masson, 2020, p. 438, grifos do original).
Como a consumação ocorre quando a vítima é sequestrada, o foro
competente para apurar o fato é exatamente aquele em que se deu a captura,
conforme art. 70 do Código de Processo Penal.
O recebimento da vantagem econômica indevida almeja pelo delinquente
ingressa na fase de exaurimento da infração, tendo reflexo na dosimetria da
pena-base, conforme art. 59, CP.
Trata-se de crime formal, permanente e plurissubsistente, ou seja,
admite fracionamento do iter criminis, logo, possível a forma tentada.
Todas as modalidades da infração são apuráveis mediante a propositura
de ação penal de natureza pública incondicionada.

TEMA 5 – DA EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO – FORMAS


QUALIFICADAS – ART. 159, PARÁGRAFOS 1º, 2º E 3º, CP E DELAÇÃO
PREMIADA – ART. 159, PARÁGRAFO 4º, CP

As formas qualificadas estão dispostas nos três primeiros parágrafos


desse art. 159, do CP, sendo sensivelmente aumentadas as balizas apenatórias.
Havendo a presença de mais de uma qualificadora, deverá o magistrado
utilizar para a elevação das balizas da pena-base a que mais exaspera a
reprimenda, figurando a(s) restante(s) como circunstância judicial (art. 59, CP).
O parágrafo 4º, desse art. 159, do CP, traz o instituto da delação
premiada.
Vejamos cada um dos dispositivos mencionados.

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5.1 Da extorsão mediante sequestro qualificada – art. 159, parágrafo 1º,
CP

O parágrafo 1º, desse art. 159, do CP, abarca três situações que
imprimem ao delito a forma qualificada: a) se o sequestro dura mais de 24h; b)
se a vítima é menor de 18 ou maior de 60 anos; e c) se o crime for cometido por
bando ou quadrilha.

5.1.1 Se o sequestro durar mais de 24 horas

Ultrapassadas mais de 24h do momento inicial em que a vítima foi privada


de sua liberdade até sua efetiva libertação, satisfeito estará o requisito, tratando-
se, bem por isso, de qualificadora de natureza objetiva.
A exasperação da pena se deve à duração da infração que, fatalmente,
acarretará maiores danos psicológicos à vítima e aos seus familiares.
Trata-se do denominado crime a prazo, pois sua “existência se
condiciona ao transcurso de determinado prazo legalmente previsto” (Masson,
2020, p. 439).

5.1.2 Se a vítima é menor de 18 ou maior de 60 anos de idade

Considerando a redação do dispositivo, a agravante genérica prevista no


art. 61, II, h, do CP não se aplica à extorsão mediante sequestro cometida contra
idoso, pois haveria bis in idem.
Nas duas hipóteses contempladas o legislador teve em mira,
objetivamente, a idade da vítima que se mostra mais vulnerável, sem maiores
chances de defesa em face do sequestrador. Conforme Greco (2017, p. 695),
“Tanto a vítima com pouca idade como aquela que já se encontra em idade
avançada ficam mais fragilizadas nas mãos dos sequestradores”.
Sendo crime permanente, se durante a consumação da infração a vítima
vier a completar 60 anos de idade, terá incidência a qualificadora. Porém, caso
ocorra erro de tipo, decorrente da perceptível dificuldade do agente em
reconhecer a correta idade da vítima, afastada será a qualificadora ante a
caracterização do erro de tipo, instituto que, como sabido, afasta o dolo.

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5.1.3 Se o crime for cometido por bando ou quadrilha

A caracterização da qualificadora dependerá da associação de, no


mínimo, três ou mais criminosos, não se admitindo o simples concurso de
criminosos, pois se exige uma união caracterizada pela estabilidade e
permanência entre os agentes, com o intuito de praticar crimes.
A exasperação da punição encontra amparo no fato do número de
delinquentes, reunidos com caráter de permanência e estabilidade para praticar
crimes de extorsão mediante sequestro, sinaliza maior facilidade de terem
sucesso na empreitada criminosa, além de imporem maior medo na sociedade.

5.2 Extorsão mediante sequestro qualificada – art. 159, parágrafos 2º e


3º, CP – Se o fato resultar lesão corporal de natureza grave ou morte

As hipóteses de lesões corporais graves se encontram contempladas nos


parágrafos 1º e 2º, do art. 129, do CP.
Diferentemente do disposto em relação aos crimes de roubo e de extorsão
seguidos de lesão corporal de natureza grave ou de morte, na extorsão mediante
sequestro qualificada o resultado agravador deve advir do “fato”, não se limitando
como decorrência unicamente de violência.
O resultado agravador deve atingir a vítima do sequestro, conclusão
decorrente da interpretação do dispositivo legal. Porém, se o resultado
agravador (qualquer deles) for suportado por terceiro que não a pessoa
sequestrada, haverá concurso entre extorsão mediante sequestro e lesão
corporal de natureza grave ou morte.
Indiferentemente de o resultado agravador morte for decorrência de
conduta dolosa ou culposa do criminoso, caracterizada estará a qualificadora.
Porém, se a morte advier de caso fortuito, força maior ou culpa de terceiro, nos
termos do art. 19 do CP, não responderá o agente pelo delito na forma
qualificada.

5.2.1 Extorsão mediante sequestro – art. 159, parágrafo 4º, CP – Delação


Premiada

Trata-se de causa especial de diminuição de pena, introduzida pelo


acréscimo do parágrafo 4º, do art. 159, do CP, decorrência da Lei n. 9.269/1996.
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Sendo causa especial de diminuição de pena, somente poderá ser
aplicada por magistrado, incidindo na terceira fase da dosimetria da pena, não
cabendo tal função ao agente do Ministério Público, nem ao Delegado de Polícia.
O instituto deita raízes no denominado Direito Premial e para ser aplicado
à infração em exame, deve preencher todos os seguintes requisitos:

a) ter sido o crime cometido em concurso de agentes – basta que duas


ou mais pessoas estejam envolvidas na prática da infração, seja na
condição de coautoras ou autora e partícipe, não sendo necessária a
configuração de associação criminosa. Não caracterizado o concurso de
agentes, inaplicável o benefício;
b) que um dos agentes denuncie o fato à autoridade – um dos envolvidos
deverá esclarecer, de forma minuciosa, o fato delituoso às autoridades,
seja ao Delegado de Polícia, ao Policial Militar, ao Ministério Público, ao
Magistrado etc. É essencial que traga elementos úteis para permitir a
libertação da vítima. O STJ entendeu cabível a benesse quando a vítima
foi libertada por um dos envolvidos no fato delituoso;
c) que a libertação do sequestrado seja concretamente facilitada – a
delação deve contribuir efetivamente para a soltura da vítima. Caso o
sequestrado consiga se desvencilhar por conta própria, não incidirá o
presente instituto. Para fins de concessão do benefício, não importa se os
outros agentes foram presos ou não.

Presentes os requisitos, a pena, em sua terceira fase de aplicação, há de


ser diminuída entre 1/3 a 2/3, pois se trata de direito subjetivo do réu.
Por fim, sendo circunstância pessoal ou subjetiva, não se comunica
aos demais envolvidos que não denunciaram os fatos às autoridades.

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REFERÊNCIAS

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2020.

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BATISTA, W. M. O furto e o roubo no direito e no processo penal. 2. ed. Rio


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eletrônica. São Paulo: Saraiva, 2020.

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Forense, 1955.

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patrimônio). 36. ed. eletrônica. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2020.

MASSON, C. Direito Penal – parte especial (arts. 121 a 212). 13. ed. v. 2. São
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Teoria, jurisprudência e questões comentadas. 5. ed. Salvador: JusPodivm,
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TELES, N. M. Direito Penal – parte especial, arts. 121 a 212. 2. ed. v. 2. São
Paulo: Atlas, 2006.

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