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Professor Alyson Barros

FREUD – O caso de Schreber - 2021

FREUD, Sigmund. O caso de Schreber: Notas psicanalíticas sobre um relato


autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranóides). In: FREUD,
Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Vol XII. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1990;
Objetivo do Texto Entender a formação da paranoia em um caso
Pessoas envolvidas Schreber, Deus, Flechsig (Primeiro Médico) e Weber

45
(segundo médico)

1:
:2
Principais Emasculação, paranoia, psicose, desejo homossexual e

21
conceitos complexo paterno

1
02
Conclusões complexo paterno lascou ele...

/2
05
6/
-1
Boa aula pessoal!

om
Professor Alyson Barros

l.c
ai
tm
Alhures de outras aulas minhas...

ho
@
Freud focou sua atenção à neurose, considerada por ele como curável. A

no
psicose, por sua vez, não era considerada por esse psicanalista como passível de cura,
ui
aq
apenas raramente. O seu único texto dedicado ao tema da psicose, foi o comentário
ho

de um livro, Memórias de um doente dos nervos, escrito por um homem tomado de


in
ar

paranoia, o juiz Daniel Paul Schreber.


m
l_

Em essência, a psicose é para a psicanálise um conjunto de perturbações nos


he

investimentos libidinais em relação ao ego e ao objeto e sempre tem o componente


ac
-r

da paranoia. Mas, qual a explicação que a psicanálise oferece para justificar que a
9

psicose é um erro na transferência da libido? Para Freud, a psicose está relacionada


-4
63

com a transferência da libido para si próprio. Essa libido deveria, em pessoas ditas
.0
01

normais, ser orientada para objetos animados e inanimados que a rodeiam. O fato de
.8

a libido estar totalmente investida no ego reduz a capacidade dos pacientes


43
-6

psicóticos transferirem sua libido para um objeto externo.


ti

Freud definiu a psicose como um distúrbio entre o eu e o mundo externo. Em


an
lc

seguida Freud inscreveu a psicose numa estrutura tripartite, opondo-a à neurose, de


va

um lado, e à perversão, de outro. A psicose foi então definida como a reconstrução de


ca
no

uma realidade alucinatória na qual o sujeito é exclusivamente voltado a si mesmo,


ui

numa situação sexual auto-erótica: assume literalmente o próprio corpo (ou parte
aq

deste) como objeto de amor (sem alteridade possível). A neurose, por seu turno, surge
ho
in

como o resultado de um conflito intrapsíquico, enquanto a perversão se apresenta


ar
m

como uma renegação da castração. Pode-se citar as palavras do próprio Freud:


el

“Portanto, é justificável dizer que o ego se defendeu da ideia incompatível


ch
ra

através de uma fuga para a psicose”.


Ou seja, trata-se de uma disposição patológica grave, no qual o ego escapa
da ideia incompatível, construindo uma nova realidade.

NOTAS PSICANALÍTICAS SOBRE UM RELATO AUTOBIOGRÁFICO DE UM CASO DE


PARANÓIA (DEMENTIA PARANOIDES) (1911)
Cronologia do Schreber

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Professor Alyson Barros
FREUD – O caso de Schreber - 2021

1842 25 de julho. Daniel Paul Schreber nasce em Leipzig.


1861 Novembro. Morre-lhe o pai, com 53 anos de idade.
1877 O irmão mais velho (3 anos mais) morre com 38 anos.
1878 Casamento.
Primeira Doença
1884 Outono. Apresenta-se como candidato ao Reichstag.

45
1884 Outubro. Passa algumas semanas no Asilo de Sonnenstein.

1:
:2
8 de dezembro. Clínica Psiquiátrica de Leipzig.

21
1885 1º de junho. Alta.

1
02
1886 1º de janeiro. Toma posse no Landgericht de Leipzig.

/2
05
Segunda Doença

6/
1893 Junho. É informado da nomeação próxima para o Tribunal de Apelação.

-1
1º de outubro. Toma posse como juiz presidente [cargo de presidência no

om
l.c
Senado]

ai
21 de novembro. É internado novamente na Clínica de Leipzig.

tm
ho
1894

@
14 de junho. É transferido para o Asilo de Lindenhof.

no
29 de junho. É transferido para o Asilo de Sonnenstein. ui
aq
1900-1902 Escreve as Memórias e impetra ação judicial para ter alta.
ho
in

1902 14 de julho. Decisão judicial de alta.


ar

1903 Publicação das Memórias.


m
l_

Terceira Doença
he
ac

1907 Maio. Morre-lhe a mãe, com 92 anos de idade.


-r

14 de novembro. A esposa tem uma crise de paralisia.


9
-4

Cai enfermo imediatamente após.


63

27 de novembro. É admitido no Asilo, em Leipzig-Dösen.


.0
01

1911 14 de abril. Morte.


.8
43

1912 Maio. Morre a esposa, com 54 anos de idade.


-6
ti
an
lc

Sobre o método de estudo e contexto


va
ca

Freud usou os escritos do Schreber (de 1903)


no
ui

Freud nunca viu o Schreber


aq

Inicialmente, Freud descreveu dois tipos de neurose atual: a neurose de


ho

angústia (resultante da libido estancada, como no caso do “coito interrompido”) e a


in
ar

neurastenia. Posteriormente, em 1911, ao estudar o “Caso Schreber”, Freud


m
el

descreveu um terceiro tipo de neurose atual: a hipocondria, que poderia estar


ch

representando um núcleo “atual” de uma esquizofrenia.


ra

Quem era Schreber


doutor em Direito Daniel Paul Schreber
Carreira brilhante na área do direito.
publicou as Memórias de um Doente dos Nervos (1903)

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homem de dotes mentais superiores e contemplado com agudeza fora do


comum, tanto de intelecto quanto de observação
Foi processado pelo seu médico por ter publicado suas memórias!
Assumiu o cargo de presidência no Senado

Sinais ao longo das duas internações

45
1:
Insônia

:2
21
Angústia

1
Hipocondria

02
/2
Alucinação

05
Ouvia Vozes inexistentes

6/
-1
Delírios

om
de grandeza (Redenção e Voluptuosidade com Deus)

l.c
Milagres

ai
tm
Idealização da Morte

ho
@
no
A primeira doença ui
aq
Começou no outono de 1884, durou mais ou menos 6 meses e foi até 1885.
ho

Entendeu que era uma crise de grave hipocondria (sem sintomas psicóticos)
in
ar

A hipocondria faz parte da neurose


m
l_

A rotina de Schreber envolvia ritos sociais e psíquicos para tratar algo


he
ac

que não existia mesmo que em possibilidade.


-r
9
-4

Entre a primeira e segunda crise: Sonhou duas ou três vezes que o antigo
63

distúrbio nervoso retornara e isto o tornou tão infeliz no sonho, quanto a


.0
01

descoberta de ser apenas um sonho fê-lo feliz ao despertar. Além disso, certa vez,
.8
43

nas primeiras horas de manhã, enquanto se achava entre o sono e a vigília,


-6

ocorreu-lhe a ideia de que, ‘afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser
ti
an

mulher e submeter-se ao ato da cópula’. Tratava-se de ideia que teria rejeitado


lc

com a maior indignação, se estivesse plenamente consciente.


va
ca
no

A segunda doença
ui
aq

Apresentava ideias hipocondríacas ainda...


ho

Diagnóstico de Paranoia
in
ar

A paranoia faz parte da psicose


m
el

Ideias frequentes de perseguição


ch

Ilusões sensórias (foram aumentando ao longo do tempo)


ra

Hiperestesia (luz e barulho)


Ilusões visuais e auditivas tornaram-se muito mais frequentes
Distúrbios cenestésicos (impressões sensoriais internas do organismo,
que não dependem da percepção dos órgãos dos sentidos).
Acreditava estar morto e em decomposição, que sofria de peste.
Estupor alucinatório

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Tentativa reiterada de suicídio (afogamento na banheira)


Suas ideias delirantes assumiram gradativamente caráter místico e
religioso; achava-se em comunicação direta com Deus, era joguete de
demônios, via “aparições miraculosas”, ouvia “música sagrada”, e, no
final, chegou mesmo a acreditar que estava vivendo em outro mundo.

Evolução (piora do caso)

45
1:
Acreditava estar sendo perseguido pelo seu médico anterior. (Flechsig,

:2
21
alcunha: ‘assassino da alma’)

1
A psicose evolui para um quadro bem estabelecido de paranoia.

02
/2
Havia uma engenhosa estrutura delirante formada

05
Sua personalidade fora reconstruída e agora se mostrava, exceto por alguns

6/
-1
distúrbios isolados, capaz de satisfazer as exigências da vida cotidiana.

om
O Dr. Weber (segundo médico do caso) disse que apesar da memória

l.c
preservada, surgiram ideias completas e fixas, inacessíveis à correção por meio

ai
tm
de qualquer apreciação e juízo objetivos dos fatos externos.

ho
Schreber consegui conversar com lucidez sobre tudo, exceto suas ideias

@
no
delirantes
Não fazia questão de esconder seus delírios, mesmo quando atuando ui
aq
ho

profissionalmente1.
in

Ao final da segunda internação, após a alta, Schreber acreditava que tinha a


ar
m

missão de redimir o mundo e restituir-lhe o estado perdido de beatitude. Isso,


l_
he

entretanto, só poderia realizar se primeiro se transformasse de homem em


ac

mulher.
-r
9
-4
63

Primeiro Momento - delírio da emasculação


.0
01
.8
43

Emasculação
-6

Se transformar em mulher
ti
an

É um delírio primário
lc

No início ele rejeitou essa ideia


va
ca

Só começou a aceitar a ideia quando associou o ato de emascular-se com um


no

papel redentor.
ui
aq

O papel de redentor é um delírio secundário.


ho
in

Pontos polêmicos
ar
m

O objetivo de emascular-se era de passar por abusos sexuais e não para servir
el
ch

aos altos desígnios.


ra

Um delírio sexual de perseguição foi posteriormente transformado, na mente


do paciente, em delírio religioso de grandeza.
O papel de perseguidor foi primeiramente atribuído ao Professor Flechsig,
médico sob cujos cuidados estava; mais tarde, o lugar foi assumido pelo Próprio Deus.

1 Será que ele tem a síndrome do STF?

4
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FREUD – O caso de Schreber - 2021

Seu objetivo era conseguir que, uma vez minha doença nervosa houvesse
sido reconhecida como incurável ou assim admitida, eu fosse entregue a
certa pessoa, de maneira específica: minha alma deveria ser-lhe
entregue, mas meu corpo - devido a uma má compreensão do que acima
descrevi como o propósito subjacente à Ordem das Coisas - deveria ser
transformado num corpo feminino e como tal entregue à pessoa em
apreço com vistas e abusos sexuais, então simplesmente seria “deixado

45
de lado” - o que indubitavelmente significa ser entregue à corrupção.’

1:
:2
[...]

21
O próprio Schreber indica o mês de novembro de 1895 como a época em

1
02
que se estabeleceu a vinculação entre a fantasia de emasculação e a

/2
05
ideia do Redentor, preparando-se assim o caminho para ele reconciliar-

6/
se com a primeira. ‘Agora, contudo’, escreve, ‘dei-me claramente conta

-1
de que a Ordem das Coisas exigia imperativamente a minha

om
l.c
emasculação, gostasse ou não disso pessoalmente, e que nenhum

ai
caminho razoável se abre para mim exceto reconciliar-me com o

tm
ho
pensamento de ser transformado em mulher. A outra conseqüência de

@
minha emasculação, naturalmente, só poderia ser a minha fecundação

no
ui
por raios divinos, a fim de que uma nova raça de homens pudesse ser
aq
criada.’
ho
in
ar

Cadeia de Movimentos
m
l_

0. Não se deve supor que ele deseje ser transformado em mulher; trata-se antes
he
ac

de um ‘dever’ baseado na Ordem das Coisas.


-r

1. As alucinações cenestésicas cederam lugar para sua “feminilidade”, que


9
-4

tornou-se proeminente.
63

2. A emasculação duraria décadas


.0
01

3. Surge a ideia fixa de originar uma nova raça de homens através de um


.8
43

processo de fecundação direta por Deus.


-6

4. Somente assim a humanidade alcançaria um estado de beatitude.


ti
an

5. Nesse meio tempo, não apenas o Sol, mas também árvores e pássaros, que
lc

têm a natureza de resíduos miraculados de antigas almas humanas, falam-lhe


va
ca

com inflexões humanas, e coisas miraculosas acontecem por toda a parte a seu
no

redor.
ui
aq
ho

Segundo momento – delírios divinos (teologia)


in
ar

Homens = corpos + nervos


m
el

Deus = somente nervos


ch

Nervos = equivalente à alma humana, sofrem um processo de purificação


ra

quando morremos e antes de se reunirem com o Próprio Deus ficam em uma “ante-
sala” do Céu.
Ordem das Coisas
Deus se separa de uma parte de Si Próprio, ou dá a uma parte de Seus
nervos forma diferente. A perda aparente que assim experimenta é
compensada quando, após centenas e milhares de anos, os nervos dos

5
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FREUD – O caso de Schreber - 2021

mortos, que ingressaram no estado de beatitude, mais uma vez se Lhe


acrescem, como ‘ante-salas do Céu’

Na cabeça do Schreber, havia um Deus superior e um Deus inferior


O Próprio Deus não é uma entidade simples. ‘Acima das “ante-salas do
Céu” pairava o Próprio Deus, que, em contraposição a estes “domínios
anteriores de Deus”, era também descrito como os ‘‘domínios posteriores

45
de Deus’’. Os domínios posteriores de Deus eram, e ainda são, divididos

1:
:2
estranhamente em duas partes, de modo que um Deus inferior (Arimã) se

21
diferenciava de um Deus superior (Ormuzd).’ Com referência ao

1
02
significado desta distinção, Schreber só nos pode informar que o Deus

/2
05
inferior era mais especialmente ligado aos povos de uma raça escura (ou

6/
semitas) e o Deus superior aos de uma raça loura (os arianos); e nem seria

-1
razoável, em assuntos tão elevados, esperar mais do conhecimento

om
l.c
humano. Não obstante, diz-nos também que ‘apesar do fato de, sob

ai
certos aspectos, o Deus Todo-Poderoso formar uma unidade, o Deus

tm
ho
inferior e o superior devem ser considerados como Seres separados, cada

@
um dos quais possui seu próprio egoísmo e instinto particular de

no
ui
autopreservação, mesmo em relação ao outro, e cada um dos quais se
aq
está, portanto, constantemente esforçando por arremessar-se na frente
ho
in

do outro’. Ademais, os dois Seres divinos comportavam-se de maneira


ar

inteiramente diferente em relação ao infeliz Schreber, durante o estádio


m
l_

agudo da doença.
he
ac
-r
9
-4

Ante-salas do Céu’ – nas queixas do paciente sobre aves às quais o paciente atribui
63

qualidades extraordinárias, os “pássaros miraculados”. Sua crença consistia neles


.0
01

serem formados por antigas almas humanas impregnadas por veneno e


.8
43

condicionadas a lhe repetir frases sem sentido que se incorporariam à sua alma.
-6

>>> As aves, segundo Freud, representariam as mulheres. Pois as palavras no alemão


ti
an

são parecidas.
lc
va
ca

Ante-sala = Deus inferior + almas dos mortos + domínio anterior de deus


no

>>> A ante-sala é entendida por Freud como sendo o papel da mulher.


ui
aq

Domínios posteriores = Deus superior que recebe as almas purificadas


ho

>>> símbolo masculino


in
ar
m

O erro da “Matrix”
el
ch

Para Schreber há uma falha na Ordem das Coisas (falha que nem ele explica)
ra

Os nervos dos homens vivos, especialmente quando em estado de intensa


excitação, podem exercer sobre os nervos de Deus atração tão poderosa que
ele não se pode libertar deles novamente, e assim Sua própria existência pode
ser ameaçada.
Foi o que ocorreu com Schreber...

6
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FREUD – O caso de Schreber - 2021

Schreber ressoa a amarga queixa de que Deus, estando acostumado apenas à


comunicação com os mortos, não compreende os homens vivos.
Deus é imperfeito por não se comunicar com os vivos
Deus só se comunica com os mortos ou com os adormecidos (em sonhos)
Solução: manter comunicação com os cadáveres.
Ao final dos delírios de Schreber é que fica claro que ele se coloca na posição
de intermediador entre a humanidade e Deus (mistura reverência e rebeldia)

45
1:
:2
Lascividade (voluptuosidade ) e Beatitude

21
1
Ocorre uma sexualização do estado de beatitude celestial

02
/2
Chegou então à firme convicção de que era o Próprio Deus que, para Sua

05
satisfação, exigia dele a feminilidade.

6/
-1
om
Amor meu grande amor

l.c
ai
Mesmo com a mudança de foco, do sofrimento da emasculação até um

tm
ho
propósito em consonância com a Ordem das Coisas, Flechsig permaneceu

@
sendo seu instigador (grande culpado e inimigo) durante todo o curso da

no
doença. ui
aq
Se o perseguidor Flechsig fora originalmente uma pessoa a quem Schreber
ho

amara, então também Deus deveria ser simplesmente o reaparecimento de


in
ar

alguém mais que ele amara. Acompanhando essa sequência de pensamento,


m
l_

vê-se que a pessoa poderia ter sido seu pai – que, inclusive, fora um respeitável
he
ac

médico, de maneira que não seria inadequado para transfiguração em Deus na


-r

lembrança de um menino. [a falta do pai pode ser a raiz dessa atração]


9
-4

Schreber acreditava que Flechsig tentava, assim como um diabo, assassinar


63

sua alma. Freud entende que essa explicação pode ter tido seu protótipo em
.0
01

acontecimentos ocorridos entre membros das famílias Flechsig e Schreber há


.8
43

muito falecidos
-6

Deus primeiramente foi visto como um aliado contra a alma (nervo) de


ti
an

Flechsig, depois como um cúmplice que não ajudou Schreber.


lc
va
ca

O estudo de vários casos de delírios de perseguição levou-me, bem como


no

a outros pesquisadores, à opinião de que a relação entre o paciente e o


ui
aq

seu perseguidor pode ser reduzida a fórmula simples. Parece que a


ho

pessoa a quem o delírio atribui tanto poder e influência, a cujas mãos


in

todos os fios da conspiração convergem, é, se claramente nomeada,


ar
m

idêntica a alguém que desempenhou papel igualmente importante na


el
ch

vida emocional do paciente antes de sua enfermidade, ou facilmente


ra

reconhecível como substituto dela. A intensidade da emoção é projetada


sob a forma de poder externo, enquanto sua qualidade é transformada
no oposto. A pessoa agora odiada e temida, por ser um perseguidor, foi,
noutra época, amada e honrada. O principal propósito da perseguição
asseverada pelo delírio do paciente é justificar a modificação em sua
atitude emocional.

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FREUD – O caso de Schreber - 2021

Schreber manifesta em várias ocasiões que gostaria de ver Flechsig


novamente.
Segundo Freud, a causa ativadora de sua doença (paranoia), então, foi uma
manifestação de libido homossexual; o objeto desta libido foi provavelmente,
desde o início, o médico, Flechsig, e suas lutas contra o impulso libidinal
produziram o conflito que deu origem aos sintomas.
Schreber teme ser abusado pelo seu médico e deseja a emasculação para ser

45
abusado2.

1:
:2
A segunda internação de Schreber se dá pela manifestação de libido

21
homossexual e a esposa de férias. Segundo Freud, a mulher protegia das

1
02
pulsões.

/2
05
6/
Não levantaremos, portanto, penso eu, novas objeções à hipótese de que

-1
a causa ativadora da enfermidade foi o aparecimento de uma fantasia

om
l.c
feminina (isto é, homossexual passiva) de desejo, que tomou por objeto a

ai
figura do médico. Uma resistência intensa a esta fantasia surgiu por

tm
ho
parte da personalidade de Schreber, e a luta defensiva que se seguiu, e

@
que talvez pudesse ter assumido alguma outra forma, tomou, por razões

no
ui
que nos são desconhecidas, a forma de delírio de perseguição. A pessoa
aq
por que agora ansiava tornou-se seu perseguidor, e a essência da
ho
in

fantasia de desejo tornou-se a essência da perseguição. Pode-se


ar

presumir que o mesmo delineamento esquemático se tornará aplicável a


m
l_

outros casos de delírios de perseguição. O que distingue o caso de


he
ac

Schreber dos outros, contudo, é seu desenvolvimento ulterior, e a


-r

transformação que sofreu no decurso deste.


9
-4
63
.0

A possível solução do conflito inicial


01
.8

Uma das modificações foi a substituição de Flechsig pela figura


43

superior de Deus. Isto parece, a princípio, um sinal de agravamento do


-6

conflito, uma intensificação da perseguição insuportável, mas logo se


ti
an

torna evidente que preparava o caminho para a segunda mudança, e,


lc
va

com esta, a solução do conflito. Era impossível para Schreber resignar-se


ca

a representar o papel de uma devassa para com seu médico, mas a


no
ui

missão de fornecer ao Próprio Deus as sensações voluptuosas que Este


aq

exigia não provocava tal resistência por parte de seu ego. A emasculação,
ho

agora, não era mais uma calamidade; tornava-se ‘consonante com a


in
ar

Ordem das Coisas’, assumia seu lugar numa grande cadeia cósmica de
m
el

eventos e servia de instrumento para a recriação da humanidade, após a


ch

extinção desta. ‘Uma nova raça de homens, nascida do espírito de


ra

Schreber’, assim pensava ele, reverenciaria como ancestral esse homem


que se acreditava vítima de perseguição. Por esse meio, fornecia-se uma
saída que satisfaria ambas as forças em contenda. Seu ego encontrava
satisfação na megalomania, enquanto que sua fantasia feminina de

2em parte alguma acha-se expressamente afirmado que a transformação em mulher que ele tanto temia devesse realizar-se
em benefício de Flechsig

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FREUD – O caso de Schreber - 2021

desejo avançava e tornava-se aceitável. A luta e a doença podiam cessar.


O senso de realidade do paciente, contudo, que nesse meio tempo
tornara-se mais forte, compelia-o a adiar a solução do presente para o
futuro remoto, e a contentar-se com o que poderia ser descrito como uma
realização de desejo assintótica. A qualquer momento, previa ele, sua
transformação em mulher ocorreria; até então, a personalidade do Dr.
Schreber permaneceria indestrutível.

45
1:
:2
21
O pai

1
02
/2
Dois elementos principais de seus delírios que justificavam a adoção de uma

05
atitude feminina para com Deus.

6/
-1
1. transformação em mulher

om
2. relação favorecida com Deus

l.c
A decomposição de Deus em inferior e superior expressava a recordação do

ai
tm
paciente de que, após a morte prematura do pai, o irmão mais velho ocupara

ho
seu lugar.

@
no
O SOL, em seus delírios, simboliza o seu pai.
ui
Schereber revela o sol como ser humano ou órgão de ser superior, por
aq
ho

vezes identificando-o ora com Deus. Uma vez tratando-o como divino,
in

resulta-se que é mais um símbolo sublimado do pai.


ar
m

Resumo: sua luta Flechsig/Deus pode ser explicada como um conflito infantil com o
l_
he

pai.
ac
-r
9

Frustrações Scherebianas
-4
63

Segundo Freud: quando uma fantasia feminina de desejo aparece, nossa tarefa é
.0
01

associá-la com alguma frustração, alguma privação na vida real.


.8
43

Frustrações (visão de Freud)


-6

Apesar do sucesso em ter assumido o cargo de presidência do senado, não


ti
an

cresceu com o pai


lc

Seu casamento não lhe deu filhos


va
ca

Muito menos, portanto, filho homem3


no

Sua linha familiar ameaçava perecer e parece que ele sentia bastante orgulho
ui
aq

de seu nascimento e linhagem: ‘Tanto os Flechsigs quanto os Schrebers eram


ho

membros da “mais alta nobreza do Céu”, como diz a expressão.


in

O Dr. Schreber pode ter formado uma fantasia de que, se fosse mulher, trataria
ar
m

o assunto de ter filhos com mais sucesso; e pode ter assim retornado à atitude
el
ch

feminina em relação ao pai que apresentaria nos primeiros anos de sua infância.
ra

Sobre o mecanismo da paranoia

3 Seu casamento, que descreve como feliz, sob outros aspectos, não lhe deu filhos; e, em particular, não lhe trouxe filho homem
que poderia tê-lo consolado da perda do pai e do irmão e sobre quem poderia ter drenado suas afeições homossexuais
insatisfeitas.

9
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O caráter distintivo da paranóia (ou da dementia paranoides) deve ser


procurar alhures, a saber, na forma específica assumida pelos sintomas;
e esperamos descobrir que esta é determinada, não pela natureza dos
próprios complexos, mas pelo mecanismo mediante o qual os sintomas
são formados ou a repressão é ocasionada. Tenderíamos a dizer que
caracteristicamente paranóico na doença foi o fato de o paciente, para
repelir uma fantasia de desejo homossexual, ter reagido precisamente

45
com delírios de perseguição desta espécie.

1:
:2
21
1
02
o mecanismo pelo qual os sintomas são formados

/2
05
A característica mais notável da formação de sintomas na paranóia é o

6/
-1
processo que merece o nome de projeção. Uma percepção interna é

om
suprimida e, ao invés, seu conteúdo, após sofrer certo tipo de

l.c
deformação, ingressa na consciência sob a forma de percepção externa.

ai
tm
Nos delírios de perseguição, a deformação consiste numa transformação

ho
do afeto; o que deveria ter sido sentido internamente como amor é

@
no
percebido externamente como ódio.
ui
aq
ho

o mecanismo pelo qual a repressão é ocasionada


in
ar

Etapas da repressão
m
l_

(1) A primeira fase consiste na fixação, que é a precursora e condição


he
ac

necessária de toda ‘repressão’. A fixação pode ser descrita da seguinte


-r

maneira: determinado instinto ou componente instintual deixa de


9
-4

acompanhar os demais ao longo do caminho normal previsto de


63

desenvolvimento, e, em conseqüência desta inibição em seu


.0
01

desenvolvimento, é deixado para trás, num estádio mais infantil. A


.8
43

corrente libidinal em apreço comporta-se então, em relação a


-6

estruturas psicológicas posteriores, como se pertencesse ao sistema do


ti
an

inconsciente, como reprimida. [...]


lc

(2) A segunda fase da repressão é a da repressão propriamente dita -


va
ca

fase à qual foi dada, até aqui, a máxima atenção. Provém dos sistemas
no

mais altamente desenvolvidos do ego - sistemas capazes de serem


ui
aq

conscientes - e pode, na realidade, ser descrita como um processo de


ho

‘pós-pressão’. Aparenta ser um processo essencialmente ativo, ao


in

passo que a fixação parece de fato constituir um retardamento


ar
m

passivo. Podem sofrer repressão que os derivados psíquicos dos


el
ch

instintos retardados originais, quando estes se reforçam e entram


ra

assim em conflito com o ego (ou instintos egossintônicos), quer


tendências psíquicas que, por outras razões, despertaram uma forte
aversão. Mas esta aversão, em si própria, não conduziria à repressão, a
menos que alguma vinculação tenha sido estabelecida e entre as
tendências indesejáveis que têm de ser reprimidas e aquelas que já o
foram. Onde isso acontece, a repulsa exercida pelo sistema consciente
e a atração exercida pelo inconsciente tendem na mesma direção, no

10
Professor Alyson Barros
FREUD – O caso de Schreber - 2021

sentido de ocasionar a repressão. As duas possibilidades que são aqui


isoladamente tratadas podem, talvez, ser menos nitidamente
diferençadas na prática, e a distinção entre elas pode depender
simplesmente do maior ou menor grau em que os instintos
primariamente reprimidos contribuem para o resultado.
(3) A terceira fase, e a mais importante no que se refere aos fenômenos
patológicos, é a do fracasso da repressão, da irrupção, do retorno do

45
reprimido. Esta irrupção toma seu impulso do ponto de fixação, e

1:
:2
implica uma regressão do desenvolvimento libidinal a esse ponto.

21
1
02
Na paranoia a projeção funciona de forma diferente

/2
05
6/
-1
A formação delirante, que presumimos ser o produto patológico, é,

om
na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de

l.c
reconstrução. Tal reconstrução após a catástrofe é bem sucedida em

ai
tm
maior ou menor grau, mas nunca inteiramente; nas palavras de

ho
Schreber, houve uma ‘profunda mudança interna’ no mundo. Mas o

@
no
indivíduo humano recapturou uma relação, e freqüentemente uma
ui
relação muito intensa, com as pessoas e as coisas do mundo, ainda que
aq
ho

esta seja agora hostil, onde anteriormente fora esperançosamente


in

afetuosa. Podemos dizer, então, que o processo da repressão


ar
m

propriamente dita consiste num desligamento da libido em relação


l_
he

às pessoas - e coisas - que foram anteriormente amadas. Acontece


ac

silenciosamente; dele não recebemos informações, só podemos inferi-


-r
9

lo dos acontecimentos subseqüentes. O que se impõe tão


-4
63

ruidosamente à nossa atenção é o processo de restabelecimento, que


.0

desfaz o trabalho da repressão e traz de volta novamente a libido para


01
.8

as pessoas que ela havia abandonado. Na paranóia, este processo é


43

efetuado pelo método da projeção. Foi incorreto dizer que a


-6

percepção suprimida internamente é projetada para o exterior; a


ti
an

verdade é, pelo contrário, como agora percebemos, que aquilo que


lc
va

foi internamente abolido retorna desde fora. O exame completo do


ca

processo de projeção, que adiamos para outra ocasião, esclarecerá


no
ui

as dúvidas remanescentes sobre o assunto.


aq

[...]
ho

Por fim, não posso concluir o presente trabalho - que, mais uma vez,
in
ar

constitui apenas fragmento de um todo maior - sem prenunciar as duas


m
el

teses principais no sentido de cujo estabelecimento a teoria da libido


ch

das neuroses e das psicoses está avançando: a saber, que as neuroses


ra

surgem, principalmente, de um conflito entre o ego e o instinto sexual,


e que as formas que elas assumem guardam a marca do curso do
desenvolvimento seguido pela libido - e pelo ego.

Resumo de Zimerman (fundamentos psicanalíticos)


11
Professor Alyson Barros
FREUD – O caso de Schreber - 2021

Em 1911, surgiu a publicação do célebre Caso Schreber (título original: Notas


psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia). Freud nunca viu
Schreber, que na realidade era presidente do Supremo Tribunal de Dresda, sendo que
escreveu esse trabalho a partir de uma autobiografia redigida pelo próprio Schreber du-
rante o seu internamento em um hospital psiquiátrico. Freud fez a compreensão do
discurso delirante das idéias megalomaníacas e paranóides, encobridoras do conflito
homossexual latente de Schreber, da mesma forma como fazia com a interpretação do

45
simbolismo dos sonhos. É neste artigo que Freud estabelece as diversas transformações

1:
:2
psíquicas que são possíveis a partir do inaceitável homossexualismo de Schreber,

21
contido no “eu amo você”...(com as, negatórias, transformações em “eu não o amo, pelo

1
02
contrário, o odeio”, ou “é ela que o ama”, etc.)

/2
05
6/
-1
Questões

om
l.c
1. FGV - 2010 - CAERN - Psicólogo

ai
tm
Um esquizofrênico descreve: "Os raios de sol empalidecem em minha frente

ho
quando, voltado para o sol, falo alto. Posso olhar sem dificuldade, diretamente para

@
no
o sol. Só fico um pouquinho ofuscado, enquanto nos dias normais não seria possível,
ui
para mim como para os demais, olhar diretamente o sol por um minuto." (Schreber)
aq
ho

Com base no caso apresentado, conclui-se que esse é um dos fenômenos


in

particulares da vida psíquica anormal, conhecido como


ar
m

A troca de qualidade das percepções.


l_
he

B divisão da percepção.
ac

C alteração na intensidade das sensações.


-r
9

D sensação anormal concomitante.


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E ilusão por falta de atenção.


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Questões Comentadas e Gabaritadas


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1. FGV - 2010 - CAERN - Psicólogo


ti
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Um esquizofrênico descreve: "Os raios de sol empalidecem em minha frente


lc

quando, voltado para o sol, falo alto. Posso olhar sem dificuldade, diretamente para
va
ca

o sol. Só fico um pouquinho ofuscado, enquanto nos dias normais não seria possível,
no

para mim como para os demais, olhar diretamente o sol por um minuto." (Schreber)
ui
aq

Com base no caso apresentado, conclui-se que esse é um dos fenômenos


ho

particulares da vida psíquica anormal, conhecido como


in

A troca de qualidade das percepções.


ar
m

B divisão da percepção.
el
ch

C alteração na intensidade das sensações.


ra

D sensação anormal concomitante.


E ilusão por falta de atenção.
Gabarito: C
Comentários: temos uma alteração quantitativa da sensação. Os raios solares
deveriam ofuscar violentamente a visão de Schreber.

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