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HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA – P2

Alan de Oliveira Monteiro

Diretrizes:

Escolha um dos textos indicados abaixo nos arquivos para refletir associando e
comentando com base no texto “O existencialismo é um humanismo”.

Seu texto deve apresentar os seguintes pontos.

1. Texto dissertativo com mínimo de três laudas.

2. apresentar citações diretas e indiretas.

3. Demonstração os termos chave destacados em aula do texto “O existencialismo é um


humanismo”.

4. Texto com coesão, coerência e autonomia.

5. Bibliografia.
CAMINHOS DA HONESTIDADE: PENSAMENTO,
LIBERDADE E ANGÚSTIA

Uma reflexão existencialista a partir do texto “Carta ao Zezim” de Caio


Fernando Abreu

A carta de Caio Fernando conversa com Zezim por meio de uma honestidade
bruta. Nela Caio responde a uma carta que Zezim escreveu. Deduz-se que pelas
indagações mencionadas, Zezim está pedindo conselhos. Ele está indeciso e não sabe
por onde ir, como ir. O caminho de Zezim é incerto. E Caio chama atenção a este
precioso fato. Caminho incerto é coisa de gente. Mais propriamente, coisa de gente
honesta. Quem acha que sabe seu caminho, ainda não descobriu que só acha que sabe e
não sabe de fato. Faz parte do caminho não conhecê-lo. E faz parte do conhecimento
não ter um caminho certeiro. Há aí um impedimento aparente que estanca ambos e não
os deixa se entrelaçarem. O conhecimento representa essa luz que projetamos por sobre
as coisas que miramos. Ele nos revela múltiplos aspectos, ele circunda e circula, rodeia
e sobrevoa... mas por algum motivo ele não consegue penetrar. Não penetra nada, ao
menos não sozinho. O conhecimento é a luz, mas sobre o caminho sempre persiste uma
escuridão.
O conhecimento puro não é conhecimento autêntico. Mas aí que se encontra seu
segredo: um conhecimento precisa ser autêntico, e para ser autêntico ele precisa ser
honesto. Quando o conhecimento é honesto, ele sabe que não sabe. A honestidade nos
confere essa humildade libertadora. Essa liberdade é verdadeira, não porque se adequa
ao real, mas porque é real por si mesma, ela é simplesmente liberdade e não pode deixar
de ser liberdade. A liberdade é paradoxalmente a menos livre: ela não tem escolha senão
ser livre. Ser livre, para a liberdade, é um fardo. Eis o seu destino. Eis o seu caminho. O
caminho da liberdade é ser ela própria, sem desculpas, sem mentiras, sem delegações ou
abnegações. Essa imanência da liberdade é o que instala nela suas infinitas
ramificações. Um projeto de liberdade é uma liberdade a ser exercida. Mas ela só é
liberdade se for exercida. Aqui está um outro caráter inevitável da liberdade: ela é a
concretização de seu próprio projeto. A essência da liberdade se encontra na sua própria
realização e não há abstração metafísica teórica, nenhum jogo teológico, nenhum
idealismo inconsequente que retire dela essa sua essência, que é ser; o que para nós,
humanos, seres livres, quer dizer nada menos que existir. Esta verdade precede qualquer
sistematização, qualquer conhecimento. O caminho, portanto, é realmente,
verdadeiramente incerto. Assim também deve ser o caminho de Zezim: sem
predeterminações, sem demandas alheias a ele, sem racionalizações, pois isto
representaria um caminho sem escolhas próprias, o que, para um caminho livre, é um
ultraje. Então Caio o adverte: “Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na
verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vaflejo? não
estou certo): ‘caminante, no hay camino, se hace camino al andar’”. O caminho deve ser
todo de Zezim.
Se essa falta de fundamento, de uma ordem a qual possamos somente obedecer,
uma delineação externa que possamos somente seguir, à qual possamos somente nos
adequar... se isso já não fosse peso suficiente, essa liberdade, precisamente por não
responder a um superior, por não poder invocar a desculpa esfarrapada de estar
seguindo ordens, carrega consigo uma responsabilidade proporcional ao seu tamanho.
Se Zezim é livre para escolher e fazer seu caminho, ele é tão responsável por ele quanto
é livre para realizá-lo. Zezim precisa, antes de tudo, para assumir o peso dessa
liberdade, para saber de suas incertezas e identificar nelas seu caráter
incontornavelmente inefável, ser honesto. Não com os outros, ao menos não de
imediato. Em primeiro lugar ele precisa ser honesto consigo mesmo para poder
reconhecer a responsabilidade que ele tem de carregar por sua liberdade, que tem de ser
livre. Liberdade e responsabilidade andam de mãos dadas.
Essa caminhada, deve-se destacar, não é uma caminhada por campos de flores, um
passeio no parque numa tarde primaveril. Não. A caminhada é tortuosa. Ela é composta
de veredas escuras. As flores não são tão belas: elas têm mais espinhos que pétalas. E
não se engane pela imobilidade e aparente docilidade dessas flores. Esses espinhos não
são de enfeite. Se toca neles, eles machucam, perfuram a pele. Esses espinhos fazem
sangrar, como faria qualquer outro espinho. E apesar de machucarem (e de sabermos
disso), os espinhos ainda nos atraem. Persiste em nós uma curiosidade fisiológica de
tocá-lo e sentir a dor. Não para confirmar o pensamento (para encerrá-lo em uma
categoria definitiva de conhecimento), mas simplesmente para senti-lo. A dor que causa
o espinho não nos é tão estranha. Ela ressoa em nós em um nível de intimidade e nos
revela, nessa indelével liberdade de sentir, aquém das certezas racionais dos juízos e
seus avisos, o que Moritz (2000, apud SABINO, 2011) destaca: “Quem quer apanhar a
rosa, não pode temer o espinho”. Mais propriamente, porque o espinho da rosa reflete
uma realidade interna do homem, ao contrapor o conhecimento à liberdade, o
pensamento à experiência, e vice-versa.
Essa realidade refletida é o que nos aparece no espelho, ao contemplarmos a
essência humana, cravada no seu próprio existir concreto, num campo que transcende
qualquer pensamento e qualquer conhecimento. “O que assinala a maravilha de ser
homem é justamente o fato de ser uma rosa cujos espinhos estão voltados para dentro” 1.
O espinho da liberdade é a responsabilidade imanente à ela. Assim, o espinho do
homem é a angústia de ser livre, pois nenhum conhecimento pode ampará-lo no simples
e incontornável fato de que toda decisão cabe a ele, pessoa, que sua pessoalidade
precede qualquer impessoalidade à qual posteriormente se refira e se apoie. Para Zezim,
isso deve representar que ele tem de ser humano, pois escrever, se ele de fato assumir
essa nauseante liberdade, é para aqueles humanos que não podem deixar de ser
humanos. Para ser humano, só sendo honesto. E para ser honesto, realmente honesto, só
doendo. Doer para o honesto é como comer para o faminto: um alimento para a alma. A
dolência de nossa essência destaca a miséria cujo reconhecimento é precisamente o que
nos concede nossa grandeza: “[...] resta-nos ainda uma alegria. A dor pura entusiasma.
1
Sabino, Para quê poetas em tempo de indigência?, p. 84.
Quem sobe sobre a própria miséria, está mais alto. E é magnífico saber que só na dor
sentimos bem a liberdade da alma.”.2
Zezim precisa realizar um salto. Um salto de fé. Um salto de fé no abismo de sua
própria existência. O abismo se desenha a todo instante que nos defrontamos com o real,
que a vida nos exige escolhas, posicionamentos, ações e reações. O salto de Zezim deve
permiti-lo mergulhar nos mistérios de seu inconsciente, não para desvendá-los, para
trazê-los à luz do conhecimento e enjaulá-los nas prisões do intelecto, do olhar que a
tudo deseja determinar e julgar. O mistério deve vibrar como mistério, e inquietar como
mistério, espantar e encantar como mistério. Essa infalibilidade do mistério do eu revela
uma solidão inerente, pois o outro não pode determinar o eu. Contudo, é o outro que
possibilita o eu. E, em certa medida, é a determinação do outro, sua imposição sobre
mim que me obriga a me diferenciar dele e a me identificar comigo mesmo. Na
coexistência das subjetividades, o entre nos articula.
A questão decisiva é que a existência do outro não deve sobrepor a minha, assim
como a minha existência não pode sobrepor a do outro. A liberdade ainda é
ontologicamente solitária, mesmo sendo socialmente contextualizada. Zezim não pode
escrever, não pode ser honesto abnegando-se. É a partir dessa radical pessoalidade que
Zezim deve escrever, explorando as raízes de sua condição, assumindo para si o peso de
ser ele mesmo, e de estar coabitando um mundo povoado de outros eus. Zezim deve se
dar conta que só pode ser escritor se escrever. E escrever deve ser um ato de radical
liberdade, que exponha a si para além de regras e predeterminações. Mas não pode
deixar de fora o fato de que para escrever é preciso ler. Ler é se expor ao ato de escrita
do outro. Se escrever é estripar-se em palavras, ler é segurar nas mãos as tripas de quem
escreveu, sentir essas dores, alimentar-se delas para somente então expelir esse eu
atualizado. Não só isso, como também agora, para ele, escrever é se disponibilizar ao
outro da mesma forma que o outro o fez. A escrita (autêntica) contém a essência da
liberdade humana: paradoxalmente é um processo solitário e altamente pessoal, ao
mesmo tempo que é uma entrega para o outro a partir da linguagem que comunga os
homens.

Referências bibliográficas:

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradutora: Rita Correia


Guedes. Les Éditions Nagel, Paris, 1970.

SABINO, José Feres. Para quê poetas em tempo de indigência?. Rapsódia, São Paulo,
n. 5, pp. 75-86, dez, 2011.

ABREU, Caio Fernando. Carta a Zezim. In: O Melhor da década de 70. Editora Agir.

2
Hölderlin apud SABINO, 2011, p. 84.

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