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ANÁLISE DOS DOCUMENTÁRIOS COM BASE NO CONCEITO DE “FATO

SOCIAL”
“O Enigma de Kaspar Hauser”, “Festa do pequi na aldeia kuikuro” e “Quarup”
Allan Mikayo Rodrigues Alves (20102748)

O documentário “Festa do pequi na Aldeia de Kuikuro”, mostra os índios da aldeia


empenhados em se preparar estéticamente e espiritualmente. Pintura de pele com Urucum,
traços com carvão e faixas vermelhas e brancas demonstram, entre outras coisas, a
senioridade dos membros da tribo que se preparam para o dia de festas. Entretanto, cada um
destes gestos vai além do que é visto a priori pelos telespectadores, uma vez que todas as
ações da tribo são guiadas por ritos espirituais com seus ancestrais e com a natureza. Assim
como é visto nas atividades tradicionais do grupo social em questão, é possível identificar um
fenômeno denominado por Émile Durkheim como “fato social”, onde a partir de criações e
histórias pode-se observar o impacto que esses aspectos tangenciam em seus costumes,
sentimentos e cultura da sociedade. Ou seja, basicamente o modo de ver, agir e sentir os
acontecimentos ao seu redor na aldeia de Kuikuro.
É comum que durante o desenvolvimento social das nações existam diversos fatores
que moldam os indivíduos que nela são inseridos, seja por nascimento ou migração, cedendo
a costumes e práticas regionais. Tal característica é denominada como exterioridade, e é
natural que caso o indivíduo busque ir contra esses padrões, ele terá que enfrentar uma grande
pressão social, devido à coercibilidade. Entretanto, por vezes alguns destes padrões culturais
são quebrados, como podemos observar no documentário “Quarup”. A obra audiovisual
possui esse nome devido a festividade tema que é abordada, a festa do Quarup. Essa
celebração é reservada aos grandes líderes indígenas do Alto do Xingu, entretanto nessa
oportunidade ela contava com uma estrutura diferente, os ritos se mantinham, mas o
personagem principal nesta edição seria um homem branco, o Orlando Vilas Boas.
Entretanto, Orlando não era qualquer homem, para o povo do xingu, ele representava
uma figura paterna, uma vez que foi um dos criadores do parque do Xingu, que permitiu que
em meio a dificuldades a tribo que ali habitava pudesse construir um lar seguro e de fato
preservar sua cultura e tradições. Na visão dos índios era uma honra poder demonstrar sua
gratidão e agradar o espírito do fundador do parque, e, assim, seguiram todos os seus ritos.
Para esse grupo social, o Xingu marca o fim do luto, por isso conta com toda a família do
homenageado, para que o espírito fique presente e possa protegê-los. Outro rito que deve ser
destacado é o corte de determinada espécie de árvore, “a mais bonita” para que se mostre o
respeito da tribo, onde eles vêem a seiva escorrendo e o ar que bate contra suas peles nesse
momento como a representação física da força do grande líder. A madeira cortada é pintada
com o objetivo da alma do homenageado se tornar presente no meio da celebração, e esse é
auge da festa, que é motivo de grande emoção para a tribo em geral.
Além disso, uma profissional linguista que estava vivendo a alguns dias na
comunidade afirma “parece que estou vivendo em outro mundo”. Tal fala revela que ela
observa uma série de ações e pensamentos que naturalmente ela não teria, mas que é muito
claro a importância e seriedade das situações vividas para essa sociedade, mostrando como os
fatos sociais podem ser diversos e naturalmente podem causar estranheza e admiração para
que não foi totalmente imerso e desenvolvido na cultura predominante. Mas que de certa
forma, a profissional começará a encarar com naturalidade e agir de maneira semelhante, uma
vez que pela teoria de Durkheim ela é coagida a isso a partir do momento que adentra a esse
grupo.
É possível observar mais alguns fatos para o entendimento do fato social como coisa
no documentário Quarup, como a escarificação. Ao preparar os jovens índios para
competições, os anciãos e os pais realizam o processo de escarificação com esses jovens.
Neste caso, o instrumento utilizado são espinhas de peixes, que são utilizadas para provocar
uma série de arranhões por todo o corpo dos jovens índios. Entretanto, para eles o processo é
visto de maneira positiva, uma vez que irá torná-los mais fortes e irá tirar todo o sangue ruim
que circula em suas veias. Caso esse processo ocorresse em uma grande cidade do estado de
São Paulo nos dias de hoje, provavelmente esses responsáveis pelo ato poderiam ser
denunciados por agressão ou abuso, pois, ao contrário da tribo, não veriam, pensariam e
agiriam daquela forma para alcançar seu objetivo.
A partir de agora, analisaremos a religião como fato social, tendo como objeto de
estudo o filme “O Enigma de Kaspar Hauser”. A obra conta a história de Kaspar, um homem
que passou a vida preso em um cativeiro e não conseguiu desenvolver habilidades sociais e
após resgatado é submetido a um processo de civilização pelas pessoas ao seu redor.
Em determinada cena do filme, Kaspar está sentado à mesa de chá com três outros
cavalheiros até ser indagado sobre seus esforços para “elevar seu espírito”, e Kaspar responde
“Eu não consigo imaginar que Deus do nada criou tudo, como vocês me disseram”. A
passagem revela a dificuldade e relutância que Kaspar possui acerca dessas crenças que ele
estava sendo coagido a acreditar, o que é evidenciado com as falas de um dos senhores
“temos que convencê-lo” e “deve admitir o mistério da fé sem procurar entender”. O episódio
evidencia as característica do fato social: a generalidade, uma vez que o cristianismo era uma
característica geral para essa sociedade em questão; a exterioridade, visto que os indivíduos
julgam que todos deveriam aceitar as crenças religiosas porque eram dessa forma e não
deveriam ser julgadas; e a coercibilidade, uma vez que os personagens se mostram dispostos
a mudar o pensamento de quem não vê, pensa e age exatamente igual é socialmente aceito
nesse cenário. Ademais, é relevante citar que a religião ainda está presente no cotidiano do
século XXI como fato social, onde podemos observar posicionamentos de preconceito contra
pessoas LGBT+ por conta de uma linha de pensamento conservadora em costumes que reage
a esses estímulos, mesmo que indiretamente, com repúdio.
Além disso, temos um episódio intrigante durante o filme, onde Kaspar se vê diante
de um questionamento: “para que servem as mulheres?”. O ocorrido não deve se limitar à
cena do filme, mas é possível analisar o modo que a sociedade masculina vê, pensa e se
relaciona com as mulheres durante a história. Na Grécia antiga, por exemplo, a mulher não
poderia exercer sua posição política e deveria ser a responsável pela civilização dos filhos. Já
em 1932, no Brasil, as mulheres recebiam, tardiamente, o direito de votar. Hoje, no
Movimento Empresa Júnior no Brasil, mais de 53% dos cargos de liderança são mulheres
(Brasil Júnior, 2020). Assim, é evidente que o modo de ver, pensar e se relacionar com as
mulheres mudou drasticamente durante as décadas, exemplificando como a visão machista e
a visão feminista no contexto de fato social. Essas pequenas citações mostram como a
sociedade e os grupos sociais estão em constante mudança, e isso só é possível porque em
algum momento alguém se opôs à pressão social e reinvidicou mudanças.
Dessa forma, fica evidente que o fato social como coisa é mutável, uma vez que
vivemos em um mundo globalizado onde existem movimentos e pessoas que se dedicam a
buscar uma sociedade cada vez mais justa e igual. Assim, é comum que observemos algumas
culturas serem mantidas, como a dos índios do Xingu, ao mesmo tempo que vemos o papel
da mulher na sociedade ser revolucionado ao decorrer do tempo.

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