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DIREITOS FUNDAMENTAIS Turma: Noite

Exame – Época Normal Duração: 2h


11/01/2013

I
(cinco valores)

Desenvolva o seguinte tema:

As diferentes possibilidades de intervenção do Tribunal Constitucional no controlo de


constitucionalidade das restrições aos direitos fundamentais e das intervenções restritivas
nos direitos fundamentais

II
(cinco valores)

Comente criticamente a seguinte posição:

"Os juízes têm maior papel, margem e intensidade de controlo sempre que o direito
fundamental cuja afectação vem invocada é um direito negativo, pelo que os direitos de
liberdade usufruem, em Estado de Direito, de uma maior força de vinculação dos poderes
políticos"

II
(dez valores)

Considerando a necessidade de combater a degradação das zonas históricas das cidades e


de promover o turismo cultural de elevada qualidade, a Assembleia da República:

a) Suprimiu todos os limites à actualização de rendas de contratos de arrendamento,


incluindo os habitacionais, excepto para quem demonstrasse que o imóvel era
utilizado para a criação artística e para os arrendatários com mais de 70 anos de
idade que continuariam a beneficiar dos limites à actualização das rendas previstos
no regime anterior;
b) Proibiu a mendicidade e a permanência na via pública de indivíduos que
“manifestem comportamentos desviantes e degradantes, como, por exemplo, a
toxicodependência, o alcoolismo e a prostituição”.

vsff
Analise a constitucionalidade das medidas à luz da observância dos direitos
fundamentais e dos princípios constitucionais estruturantes.

Tenha em consideração que:


- o Novo Regime do Arrendamento Urbano data de 2006 e a sua última revisão ocorreu
em 2012. Antes disso vigorou o Regime do Arrendamento Urbano (entre 1990 e 2006).
Todos estes regimes previam limites à actualização das rendas e sofreram sucessivas
alterações nessa matéria;
- o incumprimento do pagamento da nova renda actualizada é fundamento de despejo;
- em Portugal existem cerca de 350.000 mil contratos de arrendamento com rendas
congeladas anteriores a 1990.

Direitos fundamentais restringidos: direito à habitação (65.º) e livre desenvolvimento da


personalidade (26.º)
Restrição: supressão de limites à actualização de rendas e consequente agravamento
significativo das condições de manutenção da habitação arrendada; contrangimentos na
liberdade de concretização de determinadas opções de vida.
Justificação: combate à degradação urbana (65.º), promoção do turismo e de actividades
culturais (42.ºe 78.º)

Princípio da igualdade (13.º) (considerando em especial a posição dos arrendatários):


- utilização de dois critérios diferenciadores: idade e exercício de determinadas actividades
(no caso, artísticas).
- existência de uma justificação lógica, objectiva, racional, coerente, razoável e bastante
para a diferenciação em razão da idade dado que o eventual sacrifício mudança de
residência é significativamente maior e as possibilidades de aumento de rendimento para
suportar novas rendas muito diminutas.
- existência de uma justificação lógica, objectiva, racional, coerente, razoável e bastante
para favorecer quem produzisse objectos artísticos uma vez que atingir o objectivo passava
precisamente por incentivar a criação cultural.
Sendo estas categorias diferenciadas positivamente, o facto de eventualmente se justificar,
e com maior relevância, igual diferenciação para outras categorias, nomeadamente em
razão de carência de meios económicos, não permite a conclusão pela
inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade por estas serem beneficiadas.
Não há violação do princípio da igualdade por as diferenciações não serem arbitrárias
porque devidamente justificadas.

Princípio da protecção da confiança (2.º):


- expectativa dos arrendatários: manutenção de um regime de limitação à actualização de
rendas;
- não parece ser legítima uma expectativa de inalteração absoluta das regras, uma vez que
trata-se de matéria há muito sucessivamente revista pelo legislador. Contudo, parece ser
legítima a expectiva de manutenção de algum controlo das actualizações de forma a que as
mesmas sejam feitas de forma gradual, em especial no caso dos contratos mais antigos,
uma vez que nunca foi questionada a necessidade de equilibrar as posições do arrendatário
em situação de carência económica e do proprietário, tal como resulta das sucessivas
alterações legais na matéria. Acresce que, tratando-se do local de residência, e em especial
nos contratos mais antigos, as pessoas se estabeleceram (planos de vida) num determinado
local por força de uma expectativa de protecção do Estado na manutenção de um nível de
renda.
Conclui-se pela existência de uma expectatítiva legítima frustrada de forma onerosa pelo
que será necessário ponderar a existência de um interesse público que a justifique
(princípio da proibição do excesso).

Princípio da proibição do excesso (18.º/2) (considerando em especial a posição dos


arrendatários):
- análise conjunta dos princípios da necessidade e da proporcionalidade: não podem ser
consideradas como alternativas medidas que se afastem do objectivo ou meio preconizado
pelo legislador por força do princípio da separação de poderes. Poder-se-ia considerar
como alternativa a manutenção de limites de actualização em caso de comprovada situação
de carência económica. Seria necessário averiguar qual o impacto que esta medida teria ao
nível da eficácia (confirmando qual a percentagem de arrendatários que estariam nessa
situação), antecipando-se uma diminuição na eficácia mas que também poderia ser
compensada por outras vias. Excluindo-se as situações de maior intensidade de frustração e
de restrição/sacrifício, uma vez que quem tivesse condições económicas continuava a ver
garantido o acesso a uma habitação, a medida seria significativamente menos restritiva.
Assumindo que não há uma diminuição significativa de eficácia da medida, concluimos
pela violação do princípio da necessidade - por existir uma alternativa menos restritiva e de
eficácia semelhante - e da proporcionalidade por o acréscimo de sacrífico da medida
(considerando as situações de carência económica a que nos referimos e a consequência do
despejo) ser manifestamente superior ao benefício marginal que previsivelmente dela se
obterá, em especial considerando que a consequência é o despejo e que não é indicada
sequer a existência de um período trasitório.

Consequentemente, a medida também será inconstitucional por violação do princípio da


protecção da confiança por se frustrarem expectativas de forma onerosa de forma
desnecessária e desproprocional.
Princípio da determinabilidade (considerando em especial a proibição de mendicidade e
permanência na via pública): considerando a consequência (remoção da via pública),
revela-se como inadmissível a utilização de um conceito vago (“comportamentos
desviantes e degradantes”) seguido de uma exemplificação que não permite determinar
com rigor e certeza o âmbito da restrição. Conclui-se pela inconstituconalidade por
violação do princípio da determinabilidade.

Princípio da dignidade da pessoa humana (1.º) (considerando em especial a proibição de


mendicidade e permanência na via pública): é de duvidosa constitucionalidade a própria
qualificação das referidas práticas como desviantes e degradantes, considerando que o
princípio da dignidade garante uma margem de liberdade e auto-conformação do indíviduo
relativamente à definição da sua própria dignidade na qual o Estado não está autorizado a
intervir. Acresce que esta proibição e potenciais consequências em caso de não acatamento
retratam a desconsideração do indivíduo face a interesses secundários do Estado
(promoção turística), revelando o tratamento dos titulares do direito ao livre
desenvolvimento da personalidade como meros obstáculos (removíveis) aos interesses do
Estado. Nesse sentido, a medida representa uma coisificação da pessoa, violadora do
princípio da dignidade da pessoa humana e, com esse fundamento, inconstituconal.

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