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Ideologia, cultura e discurso

APRESENTAÇÃO

Os conceitos de ideologia, cultura e discurso não podem ser compreendidos separadamente, pois
são conceitos que se entrelaçam, especialmente no campo da Análise do Discurso. Nesta Unidad
e de Aprendizagem, você vai compreender de que forma esses conceitos se entrelaçam, bem co
mo reconhecer os pontos de contato entre eles. Além disso, você identificará como a noção de c
ultura entra no quadro teórico da Análise do Discurso.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer os conceitos de ideologia, cultura e discurso.


• Estabelecer pontos de contato entre as noções de ideologia, cultura e discurso.
• Identificar a noção de cultura no âmbito da Análise do Discurso.

DESAFIO

A noção de discurso é fundamental para a compreensão da produção de sentidos em diversos ca


mpos. Juntamente a ela, considera-se que a cultura é um lugar de produção de sentidos que age
naturalizando sentidos que vão sendo cristalizados através do processo de repetição, levando a f
alsos espaços de identificação, legitimando alguns sentidos sem necessidade de comprovação.
Muitas vezes, certos preconceitos são tão repetidos em uma sociedade ou em um determinado gr
upo que acabam sendo naturalizados e tidos como "culturais". Assim, os sujeitos nem percebem
quando estão reproduzindo esses discursos, acreditando que é a única forma de falar, agir, vestir.
Agora que você já sabe um pouco sobre a forma como a cultura determina comportamentos, que
tal realizar um desafio prático sobre o tema?
Você é o revisor de textos de uma agência de publicidade digital. No Dia da Mulher, os redatore
s pedem a você que revise um anúncio que será publicado nas redes sociais:

Você revisa, mas não encontra nenhum erro ortográfico. No entanto, alguma coisa nos sentidos
deste anúncio deixam você desconfortável. Lembrando, então, que muitas vezes aquilo que é tid
o como “normal” para um grupo de pessoas não o é para outras, você resolve avisar aos redatore
s sobre os possíveis problemas que a campanha pode causar.

Diante da situação, justifique sua posição, argumentando o motivo pelo qual o anúncio não pode
ser aprovado do jeito que está. Crie uma justificativa, baseando-se nos conceitos de cultura, disc
urso e ideologia que você conhece.

INFOGRÁFICO

Podemos dizer que a ideologia é o ponto de contato entre a noção de cultura e o discurso. Isso p
orque a ideologia produz um efeito de evidência dos sentidos do discurso e a cultura determina,
pela ideologia, os modos de dizer, agir, sentir de um determinado grupo social. Falar em cultura
na perspectiva da Análise do Discurso é pensá-la em sua relação com a produção de sentidos do
s discursos por um sujeito determinado pela ideologia.

Neste infográfico, você poderá visualizar melhor como as noções de cultura, ideologia e discurs
o se relacionam entre si e como a Análise do Discurso as concebe.
CONTEÚDO DO LIVRO

No capítulo Ideologia, Cultura e Discurso, do livro Linguística Avançada, você vai compreender
como as noções de ideologia e discurso estão articuladas entre si e quais são os pontos de contat
o na noção de cultura com a Análise do Discurso. Você verá que a cultura é um conceito difícil
de ser definido, mas que um breve percurso pelas diferentes definições ajuda a compreender mel
hor esse conceito.

Boa leitura!
LINGUÍSTICA
AVANÇADA

Debbie Mello Noble


Priscilla Rodrigues Simões
Laís Virgínia Alves Medeiros
Ideologia, cultura e discurso
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer os conceitos de ideologia, cultura e discurso.


 Estabelecer pontos de contato entre as noções de ideologia, cultura
e discurso.
 Identificar a noção de cultura no âmbito da análise do discurso.

Introdução
Os conceitos de ideologia, cultura e discurso não podem ser compreendi-
dos separadamente, pois são conceitos que se entrelaçam, especialmente
no campo da análise do discurso (AD).
Neste texto, você vai compreender de que forma esses conceitos
se entrelaçam, bem como reconhecer os pontos de contato entre eles.
Além disso, você identificará como a noção de cultura entra no quadro
teórico da análise do discurso.

Discurso e ideologia
A noção de discurso, pela ótica da análise do discurso (AD), fundada por
Michel Pêcheux, é fundamental para a compreensão da produção de sentidos.
Se na proposta Pêcheuxtiana o discurso é efeito de sentidos entre locuto-
res, isso se deve a uma ruptura com o modelo de comunicação proposto por
Roman Jakobson, pois a ideia de discurso entre locutores significa que todos
os sujeitos estão envolvidos no processo de produção de sentidos, não apenas
aquele que enuncia.
106 Ideologia, cultura e discurso

Neste link ou código, você poderá assistir um vídeo


no qual José Simão da Silva Sobrinho (2015) fala sobre
o conceito de discurso.

https://goo.gl/TKgyf4

Para Leandro Ferreira (2005), o discurso não é somente o objeto teórico


da AD, ele é um objeto histórico-sociológico, que se produz socialmente
por meio de sua materialidade, que é a língua. Ele é uma prática social cuja
regularidade pode ser compreendida a partir da análise dos processos de sua
produção. No entanto, Leandro Ferreira destaca que o discurso, como prática
social, não se confunde com a noção de fala (parole) proposta por Ferdinand
de Saussure (2006).
Essa impossibilidade de relação entre esses conceitos é também abordada
por Orlandi (2012):

O discurso não corresponde à noção de fala, pois não se trata de opô-lo


à língua como sendo esta um sistema, onde tudo se mantém, com sua
natureza social e suas constantes, sendo o discurso, como a fala, apenas uma
sua ocorrência casual, individual, realização de um sistema, fato-histórico,
a-sistemático, com suas variáveis, etc. O discurso tem sua regularidade, tem
seu funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e o
histórico, o sistema e a realização, o subjetivo ao objetivo, o processo ao
produto [...] A língua é assim condição de possibilidade do discurso.

Para Orlandi (2012), o discurso é o lugar de encontro da língua com a


ideologia, no qual é possível compreender como a língua produz sentidos,
uma vez que estes são determinados pelas formações discursivas (FD) com
as quais os sujeitos se identificam.
É por este motivo que você não pode compreender o discurso apartado
da ideologia: se a língua é a materialidade do discurso, é possível dizer que o
discurso é a materialidade da ideologia, o que se dá por meio das FD.
A ideologia, para Marx e Engels, seria um sistema de ideias ou represen-
tações, separado das condições materiais, ou seja, uma separação entre o que
Ideologia, cultura e discurso 107

é próprio do intelecto daquilo que é manual (BRANDÃO, 2004). Assim, ela é


um instrumento que faz com que as ideias da classe dominante passem a ser
ideias de todos pela dominação de classe.
Segundo Chauí (1980), a ideologia se organiza em um sistema de normas ou
regras que indicam à sociedade o que pensar, como pensar, o que deve valorizar,
sentir e fazer. Para a autora (CHAUI, 1980, p. 113), “[...] o discurso ideológico é
aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar,
o dizer e o ser [...]”. A ideologia seria, então, aquilo que produz um apagamento
da história no discurso, dando a impressão de ser um discurso neutro.
Assim, podemos afirmar que os sentidos de um discurso sempre são deter-
minados ideologicamente, pois, conforme Orlandi (2012, p. 43), há um “traço
ideológico” presente nos discursos e “[...] o estudo do discurso explicita a maneira
como linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca [...]”.

Se os discursos são formulados por sujeitos, se constituem por aquilo que os sujeitos
dizem e o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia, é possível afirmar que “[...]
a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos [...]” (ORLANDI,
2012, p. 46). Diante disso, pode-se dizer também que não há discurso sem linguagem
e nem linguagem que não seja atravessada pela ideologia.

Pêcheux (1990, p. 160) afirma que é a ideologia que determina “o que é e o


que deve ser”, fornecendo as “[...] evidências que fazem com que uma palavra
ou enunciado queiram dizer o que realmente dizem e que mascaram, assim,
sob a ‘transparência da linguagem’, aquilo que chama de o caráter material
do sentido das palavras e enunciados [...]”. Portanto, os sentidos dos discursos
não existem em si mesmos, eles são determinados pelas posições ideológicas
de quem produz e do processo sócio-histórico em que se inserem, ou seja,
os discursos têm seus sentidos determinados pelas posições que sustentam
aqueles que os empregam, adquirindo sentido pelas formações ideológicas
em que essas posições se inscrevem.
Para Pêcheux e Fuchs (1997, p. 166), “[...] cada formação ideológica cons-
titui um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem
‘individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou menos diretamente
a posições de classes em conflito umas com as outras [...]”.
108 Ideologia, cultura e discurso

Cultura
Você já pensou sobre o que significa cultura? Que tipos de cultura existem?
Apesar de muito se falar em cultura, em geral, pouco se reflete sobre ela.
Muitos autores se debruçaram sobre esse conceito, buscando defini-lo. Veja
algumas visões sobre a cultura.

O que é cultura?
Buscando uma definição da expressão cultura, você irá se deparar com a
proposta de Michel de Certeau (1995 apud ESTEVES, 2013), que traz, entre
outros significados, o de cultura como a percepção ou compreensão de mundo
de determinado meio ou época, bem como os comportamentos, instituições,
ideologias e mitos que compõem e caracterizam uma sociedade.
Para o autor John Lyons (1987, p. 273), a palavra cultura possui vários
sentidos, porém, alguns deles merecem ser destacados. O autor contrasta
duas visões, uma que percebe a cultura como “[...] mais ou menos sinônimo
de civilização e, numa formulação mais antiga e extrema do contraste, oposta
ao barbarismo [...] baseado em uma concepção clássica do que constitui exce-
lência em arte, literatura, maneiras e instituições sociais [...]”. Essa cultura,
segundo o autor, foi revivida pelos humanistas do Renascimento, enfatizada
por pensadores do Iluminismo, do século XVIII, e associado à visão da história
da humanidade como progresso e autodesenvolvimento.
Por outro lado, Lyons (1987, p. 274) ressalta que o termo cultura pode ser
“[...] empregado sem nenhuma implicação de progresso humano uniforme do
barbarismo à civilização e sem nenhum julgamento de valor a priori quanto
à qualidade estética ou intelectual da arte, literatura, das instituições etc. de
uma determinada sociedade.”.
Assim, a cultura pode ser descrita como conhecimento adquirido social-
mente, ou seja, como o conhecimento que uma pessoa tem em virtude de ser
membro de determinada sociedade. O autor ressalta sobre a palavra conheci-
mento: “[...] tanto o saber fazer algo quanto o saber que algo é ou não assim. Em
segundo lugar, quanto ao conhecimento de proposições, o que conta é o fato
de algo ser considerado verdadeiro, e não a sua veracidade ou falsidade reais
[...]” (LYONS, 1987, p. 274). A partir desses sentidos possíveis para cultura,
poderia se distinguir os traços do homem culto, diferenciando-o do selvagem.
Por outro lado, a partir da visão de Gramsci (apud ESTEVES, 2013), todo
sujeito é um produtor de cultura, porque todo sujeito produz uma atividade
intelectual, qualquer que seja essa atividade.
Ideologia, cultura e discurso 109

No campo da AD, a cultura é pensada como lugar de interpretação, como


você verá adiante. Atente para a questão histórica que perpassa a noção de
cultura:

Muitos dos significados atribuídos à cultura atualmente surgem no final


do séc. XVII e início do séc. XIX quando esta palavra passa a ser utilizada
com mais frequência com a criação do Estado-nação moderno, o qual se
constitui com o processo de industrialização e a necessidade de proteger
o mercado de um determinado território. Nesta estrutura, os papéis
tradicionais já não dão conta de manter a sociedade unida, apela-se,
então, à cultura, no sentido de estabelecer aspectos comuns a um povo,
tais como linguagem, valores, costumes, que servissem para criar uma
unidade social e estabelecer um laço com sua nação. O Estado-nação
significa a ligação entre a política e a cultura, entre o geopolítico e o
étnico. (RAMOS, 2015, p. 1).

Cultura e linguagem
As relações possíveis entre cultura e outros campos também foram propostas
por diferentes autores, com diferentes visões sobre o tema.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento de Kawachi (2011 apud TERENZI,
2012, p. 100), que destaca a cultura como: “[...] um construto diacrônico que,
em sua abrangência histórica, social e artística, reflete – e/ou contribui para
constituir – a identidade de um grupo [...]”. Portanto, pode-se dizer que a
cultura também pode ser compreendida como um processo evolutivo, no qual
se acompanha as evoluções e mudanças sucessivas que ocorrem socialmente,
seja no âmbito linguístico, em que ocorrem as alterações em que termos são
substituídos por outros, como em demais âmbitos da cultura.
Ainda de acordo com a autora, a palavra cultura pode ser compreendida
como pertencimento a uma comunidade discursiva que compartilha um es-
paço social, uma história e imaginários comuns. Nesse caso, haveria uma
relação estreita entre a cultura e a língua de determinadas comunidades, ou
regiões, no qual a língua pode ser compreendida como um dos veículos para
a “transmissão de cultura”.
John Lyons (1987) afirma que é frequente a correlação entre língua e cultura
exercida em um nível muito geral, e com o pressuposto tácito ou explícito de
que os que falam a mesma língua tem que, necessariamente, compartilhar a
mesma cultura. Para o autor, esse pressuposto é falso com relação a muitas
línguas e muitas culturas, pois os falantes de línguas diferentes não possuem
110 Ideologia, cultura e discurso

a mesma visão de mundo. Para ele, muitos dos conceitos que lidamos são
vinculados à cultura, no sentido de que dependem do conhecimento transmitido
socialmente, tanto prático como propositivo, e variam consideravelmente de
cultura para cultura.
Lyons reforça sua concepção de que a linguagem é tanto um fenômeno
biológico como cultural. Explica que as diferentes línguas tem uma subes-
trutura universal, certamente em gramática e vocabulário e talvez também
em fonologia, e uma superestrutura não universal que não apenas se constrói
sobre tal subestrutura, mas é completamente ligada a ela.
Para o autor, a subestrutura universal é determinada, em parte, pelas facul-
dades cognitivas da mente humana, que são geneticamente transmitidas, ou
seja, o processo de aquisição da linguagem é de tal natureza que a transmissão
de tudo o que é universal em linguagem depende, também, para o seu sucesso,
do processo de transmissão cultural.
“Já a superestrutura não universal nas línguas, trata-se muito mais ob-
viamente de uma questão de transmissão cultural – e em dois sentidos. Não
somente faz parte da competência linguística transmitida de geração em
geração por meio das instituições de determinada sociedade, mas o que é
transmitido é em si um componente importante na cultura daquela sociedade.”
(LYONS, 1987, p. 292).
Dessa forma, Lyons conclui que se a competência em determinada língua
implica a habilidade de produzir e compreender sentenças daquela língua,
então constitui inquestionavelmente parte da cultura: isto é, do conhecimento
social. Afinal, o significado das expressões não é universal e dependente da
cultura. E esse resultado só acontece porque, entre as sociedades, há um grau
maior ou menor de justaposição cultural. Nesse sentido, ele afirma que “[...]
a possibilidade de tradução é uma função do grau de justaposição cultural
[...]” (LYONS, 1987, p. 292).
Para o autor, o aprendizado de uma língua pode e deve ser dirigido a
determinadas finalidades. Uma delas é a de adquirir e de participar tão comple-
tamente quanto for possível de uma cultura diferente daquela em que a pessoa
foi criada. Porém, existirão consequências linguísticas, como o empréstimo
e a tradução por empréstimo.
Ideologia, cultura e discurso 111

A tradução de uma língua para outra depende da


finalidade para a qual determinada tradução é pla-
nejada, bem como do conhecimento da situação por
parte daqueles que a utilizarão. A impossibilidade de
equivalência entre termos de uma língua para outra
na tradução é abordada por Glaucia Henge (2015) no
artigo “Discutindo a (in)equivalência: um exercício
de análise”, disponível no link ou no código a seguir:

https://goo.gl/UeSsTS

Cultura na análise do discurso


Como ponto de contato entre a noção de cultura e a AD, podemos pensar
na noção de ideologia, uma vez que não há cultura fora dela. Se o indivíduo
é interpelado em sujeito pela ideologia, é também por meio dela que ele se
identifica com determinada formação discursiva (FD). Nesse sentido, Esteves
(2013) afirma que como na FD, é pela ideologia que o sujeito se identifica com
a cultura, que estabelece o que pode/deve ser pensado, vestido, usado, sentido,
cheirado, experimentado, etc.
É assim, então, que você pode diferenciar a noção de cultura na AD e em outras
vertentes teóricas: se a cultura aparece, comumente, como justificativa para a
naturalização do que é pensado, vestido, usado, sentido, cheirado, experimentado,
na AD, isso é desnaturalizado, uma vez que todos esses saberes são histórica e
ideologicamente constituídos, sendo regulados pelas formações culturais.
Esteves (2013, p. 73) afirma que: “Em vez de se reproduzirem enunciados
prévios em uma combinação psíquica camaleônica ou papagaiesca, a cultura
estabelece os discursos prévios que vão ou não ser repetidos, em uma sobre-
posição com a formação ideológica.”. Esse efeito de evidência dos saberes que
se dá na cultura é o mesmo que ocorre com a língua e os sentidos.
Toma-se um sentido de uma palavra ou expressão como transparente e da
mesma forma toma-se algo como cultural. Porém, é revelando as condições
de produção da cultura e dos discursos sobre ela que a AD torna-se um campo
produtivo para pensá-la.
Segundo Pêcheux, essa seria uma das razões pela qual uma única língua
pode constituir várias culturas; por exemplo, no Brasil, falamos o português
112 Ideologia, cultura e discurso

brasileiro, mas as diferenças culturais que trespassam os estados brasileiros


são inegáveis. Isso porque a língua é a base dos processos discursivos.
Lévi-Strauss sugere que os traços referenciáveis de uma cultura são múl-
tiplos e podem ser comuns entre culturas estrangeiras ou demarcar o seu
afastamento. Dessa forma, falar em cultura na perspectiva da AD é pensá-la
em sua relação com a produção de sentido por um sujeito determinado pela
ideologia e afetado pelo inconsciente. A relação do sujeito com suas condi-
ções de existência é da ordem do imaginário, a qual é sempre mediada pelo
simbólico. Embora se acredite livre para fazer escolhas, o sujeito não o é,
portanto, não tem como escapar das determinações da formação social na
qual está inserido e da cultura que lhe é constitutiva.
É na sua concepção de mundo, na maneira como percebe os fenômenos
a sua volta que se pode observar o funcionamento da cultura, por meio de
práticas, rituais e saberes que naturalizam o que é constitutivamente múltiplo,
pois conforme nos mostra a categoria da contradição, os opostos coexistem
simultaneamente, permitindo que os sentidos possam sempre ser outros.
Desse modo, uma formação cultural estaria regulando o que pode e deve ser
praticado em uma determinada formação social.

Para autores como Esteves (2013) e Leandro Ferreira e Ramos (2016), a cultura no campo
da AD é vista como um lugar de interpretação que, assim como a língua, comporta o
lugar do equívoco. Esta noção funciona, nessa direção, como um lugar de produção de
sentidos que age naturalizando e mascarando as condições de produção. Os sentidos
vão sendo, assim, cristalizados por meio do processo de repetição, levando a falsos
espaços de identificação, legitimando esses sentidos sem necessidade de comprovação.

No entanto, os autores ressaltam que essas normas e preceitos reguladores


da cultura não são fixos ou imutáveis e deixam-se capturar pelas brechas
e furos, o que dá à cultura a possibilidade do novo, adquirindo um caráter
dinâmico e abrindo espaço para ressignificação.
Nessa direção, Esteves (2014) propõe falar de cultura imaginária (nor-
matizada, imposta, sem espaço para falha ou para o equívoco) em oposição à
cultura fluída, como aquela que foge à regulamentação, que está sujeita ao
equívoco e que conclui que uma prática cultural pode ser outra.
Ideologia, cultura e discurso 113

Ramos (2015) entende a cultura como resultado de um processo em cons-


tante transformação, que não pode ser analisado separado dos movimentos
históricos e sociais que a envolvem. Dessa forma, a cultura não trata apenas
da reprodução, mas também da transformação, com espaços para criticidade
e interpretação.
Conforme Leandro Ferreira e Ramos (2016), é possível pensar que a cultura
funciona como um mecanismo ideológico, produzindo efeito de evidência que
leva à estabilização do sentido, uma vez que a ideologia só existe em práticas
sociais inscritas em instituições concretas e que tais práticas são reguladas pelos
rituais nos quais se inscrevem na existência material de um aparelho ideológico.
Para Leandro Ferreira (2011, p. 61), “[...] as posições que os sujeitos ocupam
em uma dada formação cultural condicionam as condições de produção dis-
cursivas, definindo o lugar por eles ocupados no discurso. Ao funcionamento
dessas formações culturais estariam estreitamente associadas as formações
sociais e ideológicas [...]” conforme você pode visualizar na Figura 1.

Figura 1. Formação cultural.

Assim, é possível compreender que sujeitos de culturas diferentes são iden-


tificados por uma série de características, como modo de agir, vestir, caminhar,
se portar, oriundos de discursos que são parte da rede do interdiscurso. Esses
discursos chegam ao sujeito por meio de uma memória que não é cognitiva,
mas discursiva, sendo, então, reconhecidos como a única maneira possível e
aceita de agir, vestir, caminhar e se portar, tornando “o que se pode e deve
fazer” como algo naturalizado.
Ideologia, cultura e discurso 115

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 2004.


CHAUI, M. S. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. (Coleção Primeiros Passos,
13).
ESTEVES, P. M. S. A viabilidade de um conceito de formação cultural. In: INDURSKY,
F.; FERREIRA, M. C. L.; MITTMANN, S. (Org.). O acontecimento do discurso no Brasil.
Campinas: Mercado de Letras, 2013.
ESTEVES, P. M. S. O que se pode e se deve comer: uma leitura discursiva sobre o sujeito
e alimentação nas enciclopédias brasileiras. 2014. Tese (Doutorado)–Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2014.
FERREIRA, M. C. L. Linguagem, ideologia e psicanálise. Estudos da Linguagem, Vitória
da Conquista, n. 1, p. 69-75, jun. 2005.
FERREIRA, M. C. L. O lugar do social e da cultura numa dimensão discursiva. In: IN-
DURSKY, F.; MITTMANN, S.; FERREIRA, M. C. L. (Org.). Memória e história na/da análise
do discurso. Campinas: Mercado de Letras, 2011.
HENGE, G. S. Discutindo a (in)equivalência: um exercício de análise. TradTerm, São
Paulo, v. 25, p. 39-59, ago. 2015. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/tradterm/
article/view/103043>. Acesso em: 04 set. 2017.
LYONS, J. Língua(gem) e Linguística. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
116 Ideologia, cultura e discurso

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2012.


PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos,
Campinas, n. 19, p. 7-24, jul.-dez. 1990.
PÊCHEUX, M. Língua, linguagens, discurso. In: PÊCHEUX, M. Análise de discurso. 3. ed.
Campinas: Pontes, 2012. p. 121-129.
PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e
perspectivas (1975). In: GADET, F.; HAK, T.; MARIANI, B. S. C. Por uma análise automática
do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: UNICAMP,
1997. p.163-252.
RAMOS, T. V. Para além de rituais e costumes: o que podemos dizer sobre a noção
de cultura em análise do discurso? In: SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO
DISCURSO, 7., 2015, Recife. Anais... Recife: SEAD, 2015.
RAMOS VALIM, T.; FERREIRA, M. C. L. Para além de rituais e costumes: o que podemos
dizer sobre a noção de cultura em análise do discurso? Revista Estudos da Língua(gem),
Vitória da Conquista v. 14, n. 2, p. 139-154, dez. 2016.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
SILVA SOBRINHO, J. S. Discurso. Niterói: UFFTube, 2015. Disponível em: <http://uff-
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TERENZI, D. O filme rio: um estudo linguístico-cultural considerando o Inglês e o
português. RevLet, v. 04, n. 01, jan./jul. 2012.

Leituras recomendadas
BAUMAN, Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
ESTEVES, P. M. Rumo a uma noção de formação cultural na ad. In: SEMINÁRIO DE
ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO, 5., 2011, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre:
UFRGS, 2011. Disponível em: <anaisdosead.com.br/5SEAD/SIMPOSIOS/PhellipeMar-
celDaSilvaEsteves.pdf>. Acesso em: 03 set. 2017.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978.
OLIVEIRA, E.; ALVES, A. F. Uma análise literária sobre o conceito de cultura. Revista
Brasileira de Educação e Cultura, São Gotardo, n. XI, jan.-jun. 2015. Disponível em:
<http://periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacaoecultura/article/view/200>.
Acesso em: 03 set. 2017.
VALIM, T.; FERREIRA, M. C. L. Para além de rituais e costumes: o que podemos dizer
sobre a noção de cultura em análise do discurso? Revista Estudos da Língua(gem),
Vitória da Conquista, v. 14, n. 2, p. 139-154, dez. 2016.
DICA DO PROFESSOR

Nesta Dica do Professor, veja a proposta, de Phellipe Marcel Esteves, de uma formação cultural
no âmbito da Análise do Discurso.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar.

EXERCÍCIOS

1) Sobre a noção de discurso e sua relação com a ideologia, é possível afirmar que:

O discurso é o objeto da Análise do Discurso e sua materialidade é a ideologia.


A)
O discurso é o lugar de encontro da língua com a ideologia.
B)
Podemos afirmar que o discurso equivale à noção de fala proposta por Ferdinand de Sauss
C)
ure.

As formações discursivas são o local onde discurso e ideologia podem ser vistos apartados.
D)
Se a língua é a materialidade da ideologia, é possível dizer que o discurso é a materialidad
E)
e da língua.

2) Como os sentidos se relacionam com a noção de ideologia e discurso?

Os sentidos de um discurso são determinados pelos sujeitos, que decidem o que querem di
A)
zer.

A ideologia produz uma elucidação dos sentidos de um discurso.


B)
O discurso organiza-se em um sistema de regras que indica à sociedade os sentidos das fra
C)
ses e expressões.
Os discursos têm seus sentidos determinados pelas posições ideológicas que sustentam aqu
D)
eles que os empregam, adquirindo sentido pelas formações discursivas.

Cada sujeito escolhe a posição ideológica que ocupará e, a partir dela, os discursos adquire
E)
m sentido.

3) Considerando as relações entre cultura e linguagem, assinale a alternativa em que a a


firmação esteja CORRETA:

John Lyons afirma que não há relação entre cultura, língua e linguagem.
A)
John Lyons afirma que os que falam a mesma língua têm que, necessariamente, compartilh
B)
ar a mesma cultura.

Lyons afirma que o significado das expressões é universal e independente da cultura.


C)
Para Lyons, a competência em determinada língua não implica necessariamente na habilid
D)
ade de produzir e compreender sentenças daquela língua, não constituindo parte da cultura.

Para Lyons, o processo de aquisição da linguagem é de tal natureza que a transmissão de t


E)
udo o que é universal em linguagem depende, também, para o seu sucesso, do processo de
transmissão cultural.

4) Sobre as diferentes definições do conceito de cultura, é CORRETO afirmar que:

Muitos dos significados atribuídos à cultura atualmente surgem no final do século XX, qua
A)
ndo esta palavra passa a ser utilizada com mais frequência.

Seria errôneo dizer que a cultura tem a ver com pertencimento a uma comunidade.
B)
No entendimento da Análise do Discurso, a cultura é o conhecimento adquirido pelo home
C)
m, que o distingue de um selvagem.

Na visão de Gramsci, somente os sujeitos que produzem uma atividade intelectual reconhe
D)
cida são produtores de cultura.

Na perspectiva discursiva, é pela ideologia que o sujeito se identifica com a cultura, que es
E)
tabelece o que pode/deve ser pensado, vestido, usado.
5) Sobre a perspectiva da Análise do Discurso em relação à cultura, assinale a alternativ
a CORRETA:

Na perspectiva da AD, não há relação entre a cultura, a língua e os sentidos.


A)
Falar de cultura na perspectiva da AD é pensá-la em sua relação com a produção de sentid
B)
o por um sujeito determinado pela ideologia e afetado pelo inconsciente.

O discurso é o ponto de contato entre a cultura e a Análise do Discurso.


C)
Para Pêcheux, os que falam a mesma língua compartilham, necessariamente, a mesma cult
D)
ura.

Para a AD, a cultura é justificativa para a naturalização do que é pensado, vestido, usado, s
E)
entido, cheirado, experimentado.

NA PRÁTICA

Como ponto de contato entre a noção de cultura e a Análise do Discurso está a noção de ideolog
ia, uma vez que não há cultura fora dela. Se o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia,
é também por meio dela que ele se identifica com determinada Formação Discursiva, que vai det
erminar o que pode e deve ser dito. Nesse sentido, a noção de Formação Cultural é proposta no â
mbito da Análise do Discurso, estabelecendo o que pode/deve ser pensado, vestido, usado, senti
do, cheirado, experimentado.

Qual é o significado de uma marca? Uma marca é determinada por um nome escrito, uma palavr
a, uma imagem ou um desenho. Mas nada disso é escolhido aleatoriamente. Uma marca busca s
e beneficiar de diversos recursos imagéticos ou verbais para fortalecer sua imagem na mente do
consumidor, a fim de ser facilmente reconhecida e lembrada.
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